Você está na página 1de 75

Oi, gente!

Esse curso vem num momento muito oportuno


porque talvez seja agora que a gente tenha que
parar e fazer uma grande reflexão sobre o nosso
modo-de-vida, a aceleração que a gente vive e
especialmente tentar entender quais são os
nossos processos de desconexão e conexão.
O que o slow fashion propõe é a conexão, então
eu espero que vocês gostem do curso, que vocês
tenham a oportunidade de pensar, se auto-
questionar, aprofundar a consciência através de
alguns parâmetros que eu vou estabelecer aqui.
A gente está num momento em que a
solidariedade, a ética e a comunidade é
fundamental, então estamos muito felizes em te
ter aqui!

Lilyan Berlim
Lilyan Berlim é doutora em Ciências
Sociais pela UFRRJ e mestre em Meio
Ambiente, pela UFF, com pesquisa em
Moda e Sustentabilidade;

autora do livro "Moda e Sustentabilidade",


uma Reflexão Necessária;

consultora de novos negócios e


sustentabilidade na moda, já trabalhou com
marcas como Ahlma e Osklen;

pesquisadora do Laboratório de Economia


Criativa da ESPM, RJ, e do grupo dos
Estudos do Consumo, da UFRRJ;

membro do comitê científico do Global


Fashion Conference, pela Central Saint
Martin;

docente convidada do mestrado da


Nottingham Business School (Nottingham
Trent University), UK.

Há 14 anos atua como gestora do curso


Moda Contemporânea em Paris, onde
ministra aulas nos museus do Louvre e na
ESMODE Internacional.

No Brasil, atua também como coordenadora


do curso Moda, Sustentabilidade e Cenários
Futuros na ESPM.

Este e-book faz parte do curso online
Slow Fashion: Novas Práticas e Engajamento
Programa do curso online

Conceitos fundamentais dentro da abordagem do Slow Fashion


- Apresentação Slow Fashion, Conceito e Definições

Tendências - Trabalhando a percepção do mundo


– O movimento slow fashion
– Tendências: Morada do slow
– Engajamento e Introdução à Circularidade

O Design e as práticas do Slow Fashion.


– Design – as práticas do slow fashion
– O limpo
– O belo

Economia Circular e Design Circular

Design Circular. Entendendo as Competências e Habilidades.


– Design Circular
– A materialidade: fibras e tecidos
– Materiais menos impactantes

Políticas Periféricas: Engajamento e Ativismo


– Engajamento e ativismo na moda
– Novos movimentos sociais
– Engajamento e mulheres na moda

O mercado se transforma
– Mercado
– Mercado mais ético
– O luxo e o slow fashion
Para saber mais sobre o curso,
acesse aqui.

vagas abertas por tempo limitado


1

Apresentaremos aqui os conceitos


fundamentais do Slow Fashion. São eles:
8

O TEMPO: O conceito de tempo é extremamente antigo. Desde a


mitologia grega nós, humanos, tentamos entender o tempo, que
sempre foi um mistério. Precisei de muitos anos para entender as
ilusões que se criam em torno do tempo. Um dia eu tive a
oportunidade única de travar um diálogo com uma pessoa de uma
cultura diferente e esse diálogo, essa troca de saberes profunda,
mudou a minha visão de tempo.

Há alguns anos estive na Índia e


lá eu conheci uma jardineira. E
conversando com essa jardineira,
que era uma mulher muito pobre
e muito ornada, muito enfeitada
- aquilo me chamava muito
atenção -, um dia eu disse pra
ela “eu não tenho tempo de fazer
tal coisa”.

Ela balançou a cabeça e me


respondeu sorrindo: “Como você
não tem tempo? Não é você
quem tem o tempo. É o tempo
quem tem você”. Isso provocou
uma grande alteração, uma
transformação muito grande na
minha percepção do tempo e
mudou a minha vida. 
9

Estamos dentro do tempo,


não temos o tempo

O tempo passa
• Priorizamos nossas ações dentro do tempo;

• São nossas escolhas que fazem do nosso


tempo rápido ou lento;

• E é como o vivenciamos que importa.

Essa noção do tempo altera bastante a nossa percepção dos nossos desejos e
prioridades. Vamos partir do seguinte: o sol se levanta e se põe independente da
nossa vontade.

E o tempo que a gente passa acordado é o tempo que a gente tem para priorizar as
coisas que nos são essenciais. Por exemplo, a gente toma banho, a gente trabalha,
estuda, cuida dos outros, dos filhos, namora...enfim, priorizamos dentro desse
espaço acordado o que a gente quer fazer ou tem que fazer.

Mas a gente sempre tem que lembrar que aquilo que a gente tem que fazer é uma
opção da gente, é uma prioridade que nós nos impomos, que nós escolhemos
priorizar. Então quando a gente diz para um amigo “Eu não tenho tempo para te
visitar”, na verdade você tem tempo, sim, você está no tempo e tem várias horas
durante um dia. Só que você não prioriza a visita aquele amigo, você prioriza o que
lhe é essencial e naquele momento talvez essa visita não seja essencial. Então
quando você diz “Não tenho tempo pra te ver”, na verdade, você poderia dizer “Estou
fazendo tanta coisa importante agora que vou deixar pra te ver num outro momento”.

Um outro exemplo é a academia. Nós podemos priorizá-la, na verdade você não quer
priorizar a academia porque tem outras prioridades. Você pode deixar de trabalhar e
ir para a academia, só que é insensato e você faz a opção pelo sensato, que é o seu
trabalho, ou o seu estudo, ou o seu filho, seja lá o que for. É interessante a gente
perceber que são as nossas escolhas que fazem do nosso tempo rápido ou lento. E é
o que a gente vivencia o que importa. O tempo passa de qualquer maneira e nós
somos dentro dele livres para escolher se vivemos de uma maneira acelerada ou não.
Isso é uma opção.
10

fast
O FAST, O RÁPIDO: O que nos move para querermos
tudo mais rápido? O carro potente, o vôo mais curto, o
funcionário mais rápido, a tarefa cumprida de forma mais
rápida...Nós vivemos desde sempre com a noção de rapidez.
Talvez lá nos primórdios isso tenha feito muito sentido, mas
a partir do momento que a gente começou a viver um
sistema econômico de produtividade, isso tornou-se uma
crença.

A crença na rapidez. A crença de que a qualidade está


atrelada à rapidez. De certa forma, isso é uma grande ilusão,
um grande mito, uma grande percepção coletiva de que tudo
o que é rápido é melhor, tudo o que é rápido é mais
eficiente. A gente precisa entender porque nós acreditamos
nessa rapidez, porque queremos acelerar todos os
processos. 
11

velocidade
• 24X7: os fins do sono

Especialmente a partir dos anos 90 a crença na rapidez se


acentua, quando nós tivemos acesso às tecnologias de
informação. Li um livro recentemente chamado “24/7 O
capitalismo tardio e os fins do sono” que alertava para
algumas pesquisas norte-americanas de como tornar os
soldados insones para que eles fossem melhores guerreiros
e, na verdade, essas tecnologias se alastraram tanto pela
nossa vida cotidiana que hoje em dia os nossos chefes nos
mandam whatsapp no domingo, na sexta à noite, na segunda
de madrugada… Esse é um controle maluco e exacerbado
que está tirando de nós o nosso sono, a nossa capacidade
de abstração, o nosso tempo para refletir, o nosso tempo
para pensar e chegar nas nossas próprias conclusões.
Enfim, vivemos um tempo de crença absoluta na rapidez dos
processos. Então até a velocidade da internet tem que ser
muito veloz porque é preciso que as informações cheguem
até nós com uma velocidade extraordinária. Isso de certa
forma está tirando bastante da nossa paz, dos nossos
sonhos e da nossa capacidade de pensar e refletir. 
12

Em escala global, sob um perspectiva histórica e sócio-


econômica, essa aceleração do tempo e a rapidez dos
processos a partir da Revolução Industrial, foi muito
importante.
A produção, quanto mais rápida ela é feita, de uma forma
mais rápida temos produtos para consumir. Então o
consumo foi movido pela rapidez dos processos produtivos
e, de uma certa forma, nós temos hoje em dia um
hiperconsumo danoso e inconsciente que foi promovido em
maior parte pela aceleração da produção com consequente
aceleração dos estoques nas prateleiras, mídia e mais mídia.
Achamos que precisamos consumir e que, de uma certa
forma, isso vai acabar com as nossas angústias e tristezas. O
aspecto mais danoso desse processo é o consumo
exagerado que a gente vive hoje em dia. 
13

Sistema
JUST IN TIME
• Gerenciamento de estoque
• Posteriormente... Gerenciamento da
produção, dos lançamentos e, finalmente, do
consumo.
• Mas o consumo pode ser gerenciado?

JUST IN TIME: O processo de aceleração do tempo começa a


ganhar mais musculatura a partir da Revolução Industrial. É nos anos
90, no entanto, que é criado um sistema de gerenciamento de estoque
chamado Just in Time.

Esse processo tinha como fundamento retirar os estoques das lojas


para que elas pudessem expandir a sua área de venda, vitrines,
estantes, araras. Para isso, eles pensaram o seguinte: vamos conectar
cada loja a uma central e essa central vai se conectar a uma fábrica.
14

Quando você compra uma roupa da Zara na sua cidade, na hora que
você passa essa roupa pelo caixa, ele faz uma leitura do código de
barras e manda uma informação para a central em Madrid; essa
central, por sua vez, passa a informação para a fábrica de Bangladesh.
Os dados apontam que houve o consumo da peça X no Brasil, na sua
cidade, e a produção logo pode se organizar para fazer a reposição da
peça em até alguns dias. Estamos falando aqui de milhares de peças
que são produzidas diariamente, entregues diariamente, gerenciadas
por um ponto outro, que não é no seu continente, nem tampouco o
continente onde as fábricas estão.

A ECONOMIA FLEXÍVEL: Nos anos 90, a maior parte das


fábricas de roupas, carros, eletrodomésticos já haviam se retirado da
Europa e dos EUA, porque nos anos 80 houve uma acirrada criação de
leis ambientais e trabalhistas. Produzir na Europa e na América do
Norte ficou muito caro, então essas marcas moveram suas fábricas
para o 3º mundo, ou seja, para os países pobres. Ali, a produção
tornou-se muito mais barata. E por que foi possível produzir nos
países de 3º mundo? Porque havia a tecnologia da informação - chegou
a internet e as empresas começaram a se conectar. Esse aspecto da
produção é chamado hoje em dia de Economia Flexível, você pode
vender em um lugar, produzir num outro e gerenciar tudo de um
terceiro continente, por exemplo.    

Esse sistema funcionará como gerenciamento de estoque,


posteriormente ele passou a gerenciar a produção, os lançamentos e
finalmente o próprio consumo. Mas o consumo pode realmente ser
gerenciado?    
15

"Sim e não .... A partir da década de 90, especialmente


em países em crescimento, SIM"

Estratégias específicas de comunicação e


branding passaram a controlar e a
contribuir com a aceleração do
consumo, dizendo o que é “in” e “out” e
especialmente o que celebridades
usavam...

BRANDING: A partir da década de 90 e especialmente em países


pobres, sim.

Por quê? Quando essas marcas migraram suas fábricas para os países
mais pobres, elas tiveram um aumento no lucro de 450%. Esses dados
estão no livro “No logo”, da Naomi Klein. Eles ficaram ricos e é
justamente nos anos 90 que apareceram os grandes varejistas globais
de roupas, que vão incorporar não só roupas, mas acessórios, artigos
esportivos…

É nesse momento que as marcas começam a investir em uma


ferramenta que estava surgindo naquela época chamada Branding.
Elas recolhem o dinheiro excedente e começam a contratar
celebridades, atletas, a promoverem festas, ações de promoção e a
partir desse momento as marcas começam a ditar também através de
blogueiras, sites e mídias o que era “in” e o que era “out” na moda.

Dessa forma, um país como o Brasil, por exemplo, onde o nível


educacional da população era muito baixo, ficou fácil controlar e
contribuir com a aceleração do consumo dizendo para as pessoas
com menos informação o que estava na moda e o que não estava na
moda, especialmente comunicando o que os famosos usavam. A partir
desse momento, essas ações colaboram imensamente para o
gerenciamento do consumo. Então, sim, ele pode ser gerenciado
através da crença das pessoas nas mídias.
16

Na MODA velocidade passou a ser significado de um determinado


tipo de produto com as seguintes características:

preço baixo,

homogeneização dos modelos e

pela rapidez com que são produzidos…

Então a partir desse momento o produto de moda realmente passou


a significar um produto com um preço muito baixo e modelos
extremamente homogêneos, ou seja, o que se lançava aqui também se
lançava na Itália, se lançava também em Londres, Xangai, Nova Delhi e
todos eram iguais, absolutamente iguais.

E uma das coisas que vai caracterizar também esse produto é a


rapidez com que esses produtos são produzidos consumidos e
destacados. Eles foram adaptados aos mercados globais, por exemplo:
um mesmo casaquinho na Europa está sendo lançado na versão
amarela em lã, ele pode estar sendo lançado no Brasil em viscose
amarela de manga curta.

A rapidez com que esses produtos são produzidos é um ponto crítico,


a rapidez com que eles chegam às lojas, com que eles são
consumidos e, especialmente, como são descartados também.
17

slow
“Lento” não é apenas descritor de velocidade:
é uma proposta de conexão (reconexão)

Na verdade o "slow" é o "devagar" mas nesse sentido que a gente está


vendo agora - e dentro do sentido do "slow fashion" e dos "slow´s"
todos -, o lento não é apenas um descritor de velocidade é uma
proposta de conexão e faz parte de um movimento global, um
movimento dos slow´s.

O slow é uma revolução, é uma alternativa à nossa obsessão pela


velocidade.
18

Todos esses movimentos slow começam a partir do


slow food, que é um movimento social, diferente
dos outros movimentos.
Ele tem sedes no mundo inteiro, tem normas, tem
regras, você precisa se filiar, e o movimento do slow
food começa na área de alimentação. Em seguida
eles vão se expandir e ganhar diferentes formas.
19

roupas
E chegamos, então, a um conceito bem importante que são roupas, o
que são as roupas?

Afinal, nós estamos falando de slow fashion - e fashion tem a ver com
roupa. Com essa imagem eu proponho uma reflexão.

Qual dessas roupas têm


mais significado?
20

O primeiro aprendizado em relação à roupa, é que nem toda roupa é


de moda, existem roupas que não têm a linguagem de moda. E
existem roupas, como você tá vendo nessa modelo de olhos azuis, que
é uma roupa impregnada da linguagem de moda. Então roupas
tradicionais como saris, burcas, cocares, não são roupas, vestuário de
moda, são roupas tradicionais. E roupas da nossa época, do nosso
tempo, da nossa complexidade, são roupas de moda.

Outra reflexão: qual dessas imagens pra vocês tem mais carga
simbólica?

Invariavelmente quando eu mostro essas imagens, as pessoas acham


que a imagem da senhora mongol tem uma carga simbólica maior. Pois
bem, ambas as imagens têm a mesma carga simbólica. Arrisco dizer
que a imagem da modelo do Jean Paul Gautier tem até mais. Vamos
ver por quê?

A imagem da senhora mongol foi tirada por um fotógrafo da National


Geographic. Provavelmente no momento dessa imagem, ele devia
estar dentro da comunidade, e fez esse retrato dessa senhora. Ela tá
vestida com um casaco de couro, que tem um símbolo, que a gente
não sabe o que significa. Ela tem uma gola de pele e um pano branco
na cabeça. Nós não sabemos absolutamente nada sobre a cosmologia,
sobre o cosmo, sobre a subjetividade, sobre a cultura dessa
comunidade. E obviamente tem muita carga simbólica expressa ali.
Mas nós não temos acesso a esses símbolos, porque nós não estamos
nessa comunidade.
21

Em contrapartida, a outra foto mostra uma imagem contemporânea, de uma


modelo, sendo fotografada pra um catálogo do Jean Paul Gaultier, e ela tá
com uma roupa, inspirada nessa comunidade da senhora à esquerda.

Essa roupa tem um símbolo também, as iniciais do designer, mas aí você vai
dizer: "não, prof, isso é uma logo”. Ok, as logos são símbolos da nossa
sociedade, da sociedade contemporânea. Na frente dessa modelo existem
pelo menos 20 profissionais envolvidos nessa foto, nessa imagem: o
fotógrafo, os assistentes do fotógrafo, que provavelmente são no mínimo 2,
o iluminador, a galera do make, a galera do cabelo, a locação de um espaço,
as assistentes, os modelos, a agência da modelo, a agência que produz o
catálogo, o catálogo em si, o cronograma do catálogo, pra sair no mesmo
cronograma da montagem da coleção e da produção dessas peças, que por
sua vez vai estar dentro de um calendário, de quando isso chega à loja, de
quando não chega, quando será o lançamento. Que está dentro de um outro
calendário, que faz parte das semanas de moda europeias, que por sua vez
fazem parte de um outro cenário, que é o cenário da mídia, que vai lançar,
que vai dar publicidade a todas essas ações, tem o fato dessa modelo não
ser dona dessa roupa, o fato de não sabermos quem é essa modelo, tem
muita implicação, tem contratos, não são dois ou três, são dezenas de
contratos assinados, são dezenas de profissionais envolvidos, ou seja: essa
imagem tem uma carga simbólica muito grande.

E começa aí uma grande e boa reflexão pra gente entender moda: quando as
pessoas olham pra imagem e dão mais significado pra senhora mongol, é
porque a gente tira os significados da moda, a gente tira o que ela realmente
significa enquanto expressão, enquanto complexidade, com tudo que existe
em volta dessa imagem, que a gente tende a naturalizar e achar que é uma
imagem mais superficial do que a outra. Mas a moda não tem nada de
superficial, eu não cheguei a falar de aspectos outros da imagem, eu falei de
aspectos ligados à business pra que vocês entendessem. Mas de fato mora
aí um pouco de uma questão que afeta muito a moda, porque a gente não
dá muito valor à moda, a gente costuma dar valor ao que é diferente e
desconhecido, mas tem muitas facetas da moda que nós não conhecemos, e
que nós deveríamos valorizar.

E a partir dessa imagem, eu digo pra vocês: vamos começar a valorizar a


moda - e não colocar ela como algo supérfluo, como a maioria das pessoas
julga? Por que nessa foto “ah, a senhora da Mongólia, é mais profunda, tem
mais significado” e a outra é só uma foto de moda?
22

Essa é a foto da carteira de identidade de Fátima.


Essa carteira foi encontrada na Croácia, em 2003, e ela não é da
internet, ela é verdadeira. Quem é Fátima?

Taí uma outra roupa, que não tem encontro com moda, e que não nos
permite ver quem é Fátima, veja como os universos são diferentes:
nós temos a identidade pelo rosto, e em outras culturas a identidade
não está no rosto, e a gente fica se perguntando aonde está a
identidade.

Tema de uma grande polêmica, e uma grande questão pra quem


trabalha com roupa, o uso da burca, essa burca que tapa a face. É
interessante a gente discutir aqui, que tem se discutido muito sobre
isso, e isso não é uma discussão sobre a moda, isso é uma discussão
sobre a roupa.
23

E aí a moda vem, questiona e traz à luz essas reflexões.

Essa imagem aqui é de um estilista francês também quando começou


essa discussão sobre a burca, sobre mostrar o rosto nas fronteiras
europeias. Ela fez esse look com esse chapéu, que as pessoas
perguntam: "quem vai usar esse chapéu?"

Sem entender exatamente que o designer tava aí fazendo uma crítica,


fazendo uma reflexão, fazendo uma pergunta, pontuando um fato da
sociedade, pontuando uma discussão da sociedade.
24

"A moda enquanto forma de comunicação semiológica dá


sentido e gera valores simbólicos ao seu principal
produto, a roupa"
(Roland Barthes, Eliseo Verón, Gillo Dorfles, Umberto Eco, entre outros).

Na verdade, na nossa sociedade, que é uma sociedade que


trabalha com moda, ela fala de símbolos e de significados.
Quando você tem uma roupa agregada com linguagem de
moda, essa roupa é agregada de sentidos e valores, então a
moda gera valores e dá sentidos simbólicos à roupa.
25

vestir
Representar-se

Dizer ao mundo quem você é

No que você acredita

Suas intenções

Seu momento

Sua identidade

Agora um outro conceito: o vestir. O vestir é o


representar-se, é dizer ao mundo quem você é, no
que você acredita, as suas intenções, o seu
momento, a sua identidade.
26

Essa imagem é muito interessante: Katharine Hamnett, uma


 

designer inglesa, com a então primeira ministra da


Inglaterra, Margareth Thacher.
Houve na década de 70, se não me engano, um plebiscito
perguntando se a Inglaterra não poderia lançar mísseis de
testes no Pacífico Sul e as pessoas foram às urnas dizer se
elas queriam ou não.
Na verdade 58% dos ingleses disseram não. Mas mesmo
assim, Margareth Thacher usou de um dispositivo legal
qualquer pra poder fazer esses testes.
E aí Kathreen pede uma audiência com Margareth e aí ela vai
vestida com essa roupa 58% "Não, 58% não quiseram".
Ou seja, a roupa comunica, a roupa fala - não, a roupa berra.
27

A gente vê a Katharine hoje em dia com uma camiseta


dizendo "Escolha a vida", e hoje ela é uma designer bastante
engajada na sustentabilidade, nas cadeias éticas, no slow
fashion, e eu tive um enorme prazer de conhecer a
Katharine, no ano passado, e na Global Fashion Conference,
e ela tava com uma roupa toda preta e atrás estava escrito:
"Love".
E quando eu bati o olho eu falei "Nossa, será a Kathreen?", e
quando ela se virou, era ela! E foi um imenso prazer
conhecer aquela senhora, com tanto a dizer sobre a moda e
sobre as roupas.
28

A construção da
identidade SOCIAL
A roupa que nós vestimos faz parte de uma identidade
social da gente. Essa imagem que vocês estão vendo que é
uma imagem bem comum na internet, ela nos fala
exatamente sobre isso: afinal, para quem você entregaria
seu bebê?
É óbvio que é para o homem paramentado como médico.
Para mim é claro que se eu conheço essa pessoa, e ela está
sem paramento, não há problema algum em eu entregar
para o cara que está de camisa vermelha. Mas a roupa é
uma construção da nossa identidade social e isso vale para:
p rofe s s o re s , a l u n o s , m é d i c o s , a d v o g a d o s , j u í ze s ,
governantes, enfermeiras… Enfim, para uma infinidade de
profissões que nos dão a nossa identidade social através da
roupa que a gente usa, que representa o nosso papel na
sociedade.
29

A construção da

identidade
de gênero...

Roupa também trabalha com a construção da


identidade de gênero, embora hoje a gente tenha
todo um questionamento acerca de gênero. É
inquestionável que a roupa nos coloque como
h o m e m o u m u l h e r. A r o u p a n o s d á e s s a
oportunidade de, inclusive, brincar e de nos
fazermos representar.
30

A imagem do meu grande e melhor amigo que é o João


Nery, autor do livro Viagem Solitária que ele é o primeiro
trans-homem brasileiro a assumir a sua identidade como
trans-homem, e ele trabalhava com moda - falo que ele
trabalhava pois ele já nos deixou - então eu escolhi essa
imagem porque a gente conversava muito, nós tivemos
muita aproximação por causa da moda, ele tinha uma
confecção e ele falava muito sobre como foi importante ele
poder usar roupas de homem.
Ele nasceu mulher e logo na adolescência começa a se
vestir como homem. Ele pega o início dos anos 70, onde
havia o unissex, e isso para ele foi uma salvação absoluta.
Tanto que nessa imagem que eu escolhi ele está com uma
camisa, chapéu, óculos e de barba, que era algo que ele
gostava muito, usar barba.
31


os sentidos do vestir sempre estiveram
relacionados à
proteção,
moralidade e
comunicação

OS SENTIDOS DO VESTIR, sempre estiveram relacionados a três


pontos: proteção, moralidade e comunicação.

Então nós pesquisadores de moda, (historiadores, antropólogos,


sociólogos e a galera de comunicação), todos nós, para identificar se
uma roupa é uma roupa, temos que conferir esses 3 pontos.

Toda roupa oferece proteção porque nós não nascemos com pelos,
então a roupa nos protege tanto do frio como do calor extremo.

Moralidade: toda roupa fala em algum momento de um senso moral.


Ou ela esconde a genitália ou ela esconde os seios ou ela esconde o
pescoço, o cabelo ou só deixa mostrar os olhos, ou, se uma pessoa é
viúva, ela usa determinado traje ou quando se casa usa um outro
diferente e por fim ela se comunica.

Toda roupa tem esse aspecto de comunicação. Independentemente se


ela é uma roupa de moda ou não, toda roupa passa por esse 3 pontos
e esses 3 pontos estão associados ao gesto cotidiano que é o vestir,
que é cheio de significados e é importantíssimo.
32

Roupa?
A roupa e suas facetas

Aqui temos também uma reflexão, isso que vocês estão vendo esse
homem pintado, essa pintura é uma roupa? Pois bem, vamos aos 3
pontos para avaliar se é uma roupa ou não:

Ela protege?

Ela tem senso moral?

Ela comunica?

Sim, ela é uma roupa, aí vocês podem dizer “não, prof, isso é uma
pintura corporal", pois bem, pintura corporal é roupa.

Primeiramente, porque ela protege. Provavelmente essas bolinhas


estão protegendo esse indivíduo dos maus espíritos ou de um
determinado espírito ou de um determinado animal ou em um outro
sentido.

Essas bolinhas podem ter óleos essenciais. As bolinhas brancas têm


óleos essenciais que afastam e protegem esse ser, esse indivíduo, do
mosquito da malária, por exemplo, ou as bolinhas negras são feitas
com uma fruta muito rica em ferro e esse individuo é anêmico.
Portanto essas bolinhas estão levando ferro para a pele que, por sua
vez, está absorvendo esse ferro.
33

Roupa?
A roupa e suas facetas

Muitos estudos já foram feitos a respeito disso e é muito interessante


os resultados, pois sempre há uma associação entre o aspecto
biólogico, físico e farmacêutico de um corante natural e a sua
aplicação sobre a pele. Isso tem não só um caráter subjetivo como a
proteção dos maus espíritos como um caráter objetivo da proteção de
mosquitos. Essa prática vem desde o Egito antigo onde até as pinturas
e as maquiagens eram feitas com a intenção de afastar mosquitos dos
olhos e outras coisas mais.

Para a gente entender melhor, basta pensar, por exemplo, no make.


Por que a gente acredita que quando está maquiada está mais bonita
ou que quando está maquiada está mais atraente? É uma crença tal
qual essa que está protegendo você contra alguma coisa, as bolinhas.

Então sim, a pintura corporal é uma roupa e a roupa tem várias


facetas. Vamos dar uma olhadinha nelas?
34

Essa é uma pintura da Elizabeth I, a


Rainha da Inglaterra, e é um quadro
fantástico, mas vou me ater à roupa.

Esse vestido provavelmente devia pesar


uns 40kg no mínimo, quem posava para
essa pinturas geralmente não era a
Rainha, era uma ama e depois era só
colocado o rosto da Rainha no quadro.

Essa roupa fala de poder. Uma das


funções da roupa é a diferenciação
social, muito importante a gente ver
que isso é uma função da roupa. As
roupas desde os primórdios têm a
função de diferenciador social, reparem
que essa roupa, ela tem rufo
Elizabetano que é essa gola expandida
que parece um estandarte de escola de
samba.

Reparem a largura dos ombros com uma clara demonstração de poder,


chega a ser desproporcional a figura do corpo da Rainha.

Reparem o tamanho da saia, a largura dessa saia, reparem que atrás


tem uma espécie de capa que mais parece uma asa, e reparem que
embora esse vestido fosse muito comprido, aparece a ponta dos
sapato e essa criatura está pisando sobre a Europa. Ela é a Rainha da
Inglaterra mas o poder dela é extenso à toda a Europa.
35

Essa roupa vem de uma


tradição Romana que nos
dizia que quanto maior e
mais pesada a roupa, mais
importante e poderoso era
o indivíduo que a usava -
e nós guardamos muito
dessa herança até hoje.

A gente pode observar bastante isso nas sociedades menos


amadurecidas como a sociedade brasileira, por exemplo, onde a gente
vê muita gente se enfeitando muito, a gente pode estender essa ideia
ao uso de muitas joias, carros muito grandes, roupas ostentatórias e
até aquele segmento do funk ostentação em que as pessoas usam
vários colares de ouro com emblema de cifrão, muitas pulseiras,
muitas logos que são os símbolos contemporâneos de poder pra elas.

Então esse resquício, essa herança, que nós trazemos


especificamente dos romanos, pois os gregos não tinham essa
percepção e os egípicios muito menos - estes tinham, inclusive, a
percepção contrária: quanto mais rico e poderoso mais fina e
transparente, mais leve era a roupa, enquanto os romanos achavam
que quanto mais pregas e plissados e dobraduras e peso tivesse uma
toga, mais importante era o camarada.
36

Vamos então à camiseta branca, camiseta de malha, a t-shirt.

Foi usada por muitos como underwear masculino, foi só no final


década de 50, início da década de 60, que os beats, aqueles jovens
que faziam parte de uma geração chamada beatnik, esses jovens
passaram a colocar a camiseta que era usada dentro para fora. Então,
a camiseta branca tem uma carga simbólica de transgressão, foi uma
transgressão.

Teve um filme entitulado "Um Bonde Chamado Desejo" que Marlon


Brando aparece em uma cena de camiseta branca, usando uma t-shirt.
O filme por conta dessa cena foi proibido em vários estados norte-
americanos, porque essa cena era considerada obscena.

Então veja o caráter de transgressão, de revolta, de rebeldia que tinha


e que hoje em dia perdeu um pouco a camiseta branca.
37

Vamos então à calça jeans, ela também era uma roupa


transgressora,

A calça jeans era usada por trabalhadores, mineiros em especial, nos


Estados Unidos. O jeans tem uma história muito bonita, mas não vem
ao caso agora. Essas calças jeans passaram então a serem usadas
pelos jovens, da geração beat, como uma forma de protesto e como
uma forma de libertação dos parâmetros de seus pais. Ou seja: eu não
quero mais me vestir como meus pais. Isso foi final da década de 50 e
início da década de 60.

Pois bem, quando a camiseta branca e a calça jeans atingem um nível


de popularidade muito grande, a moda incorpora essas peças como
peças de moda.

E as empresas de moda passam a produzir essas peças.


38


Produto do design:
Tendências, produção, consumo, demanda,
significado - MODA

Nesse momento, a roupa vira um produto do design:


como produto do design, é uma roupa agregada de
tendência. Existe uma produção antes dessa roupa
ser consumida, existe um consumo, existe uma
demanda por essas roupas.
E existe também um significado atrás de cada roupa,
e esse significado é atrelado à moda.
39

Moda: essencial ao nosso curso entender esse conceito.

Eu não me arrisco a definir moda, acho muito difícil eu conseguir


entender moda como um fenômeno que acontece no Ocidente, e que
teve início junto com o Renascimento, no final do século 14.

Todos os movimentos e vetores que levaram ao Renascimento, que


não foi de uma hora pra outra, levou dois séculos pra ele realmente
constelar, foram movimentos que falaram da identidade, que falavam
do homem deixar de ter uma visão teocêntrica, ou seja, Deus ser o
centro de tudo, e passar a ter uma visão antropocêntrica, ou seja, o
homem também é centro.

Então quando um raio caía na casa de alguém, não era porque alguém
era pecador e Deus tava castigando. As pessoas começaram a querer
entender porque que o raio caía, e começaram a pensar porque que o
raio caía na casa. E começou daí a ideia de Ciência. Daí por diante vem
o Iluminismo e a Ciência se faz. Mas é nesse momento que as coisas
começam a mudar, o sentido da visão é privilegiado, surgem os óculos,
surgem os auto-retratos, as cartas na primeira pessoa, e é nesse
momento, após 12 séculos de Idade Média, que o homem começa a se
repensar e a se permitir.

Essa foi a grande virada do Renascimento, por isso que se chama


Renascimento: porque era como se o homem tivesse renascido. E
nesse momento surge a moda.
40

Então me desculpe aqueles que acham que a moda surgiu em função


de diferenciação social, ou seja: os pobres querendo imitar os ricos, e
copiando suas roupas, porque isso não tem nada a ver com o
surgimento da moda.

Isso é uma das funções da moda, assim como é uma das funções da
roupa. Diferenciador social. E isso sempre existiu, desde os
primórdios. Então, no momento que a moda surge, a gente precisa
considerar toda uma questão identitária, então saímos de um sujeito
coletivo, para um sujeito individual.

E nesse momento o tempo passa a ter uma outra qualidade, o foco


não é mais no passado, em repetir as normas, em repetir as roupas
que a mãe usava, que a avó usava, que a bisavó usava...Repetir os
hábitos de todos.

Nesse momento existe um foco no presente, e esse foco no presente


me diz: eu posso comer diferente, da forma como a minha mãe comia,
eu posso agir diferente da forma como minha mãe agia, ou a minha
avó, ou a minha tataravó, ou a minha ancestral agia.

Então 12 séculos de tradições nesse momento começam a perder um


pouco a força, para que o momento presente tivesse uma supremacia
sobre o resto, sobre o passado.

Então é nesse momento que a moda surge, e a moda não requer uma
explicação simplista.
41

“Não é a moda que é supérflua, mas a nossa


tentativa de entendê-la”
(Miller, Berlim)

Eu tenho essa frase que é uma frase que eu adaptei de um autor


chamado Daniel Miller, que é um antropólogo, e não é a moda que é
supérflua, mas é a nossa tentativa de entendê-la.

Então mais uma vez, a moda não nasceu da necessidade de distinção


social, a moda nasceu da nossa necessidade de termos uma
identidade, a moda nasceu, e a sua lógica que tem predominância no
presente, ela nasce em função de toda alteração e transformação de
um jeito de ver o mundo.
42

“A roupa de moda é a parte aparente e


material da cultura imaterial
contemporânea”


Berlim, 2017

Essa frase é auto-explicativa: a roupa de moda é a parte aparente e


material da cultura imaterial contemporânea. Ou seja, toda moda, toda
roupa, que tem uma linguagem de moda, essa roupa que nós usamos
no nosso dia-a-dia, ela é reflexo do que a gente vive na nossa
sociedade.

Ela é sempre um resultado de expressão da cultura, dos valores, das


ideias, dos ideais, das crenças, que a gente pode chamar de cultura
contemporânea. Essa cultura imaterial é materializada nas nossas
coisas, e especialmente na nossa roupa. Nossa roupa é dotada de uma
linguagem de moda, e como nós vimos, a moda gera significado, gera
valores para as roupas e para quem as veste.
43

Espírito do Tempo
Como toda roupa é atribuída de significados, e esses significados têm
a ver com nosso tempo presente, nossa cultura presente, com nossos
valores presentes, muitos pesquisadores chamam a moda de espírito
do tempo. Essa carga de valores da cultura que se expressa na roupa,
também é vista como uma tendência, e aqui a gente vai falar um
pouquinho sobre tendência, porque tendência e espírito do tempo são
expressões correlatas.

Tendências são sinais dos tempos



que apontam para o FUTURO

A gente vai ver Tendência aqui de uma forma bem mais específica.

Quando a gente fala em moda sustentável, moda ética e slow fashion,


a gente não tá falando em tendência do ponto de vista da altura da
saia ou do uso de determinado acessório, ou de determinada estampa,
enfim, não é isso.

Nós estamos falando aqui com quem trabalha na seara da


sustentabilidade e do slow, enfim, nós precisamos atrelar muito mais
as tendências que nós chamamos de macrotendências, ou de
tendências de fundo. Falaremos mais disso, na próxima aula, que é
uma aula que tem esse ponto.

Mas aqui é importante que eu deixe claro pra vocês que o espírito do
tempo pra quem vai trabalhar com slow fashion, a ideia de tendência
nesse aspecto é bem mais profunda, bem mais interessante. Vou dar
um exemplo aqui pra vocês.
44

Vamos ao século 19, esse século fabuloso.


No século 19, houve a revolução industrial, dentro da revolução
industrial surgiu a locomotiva a vapor, a industria têxtil começou a
bombar - a indústria têxtil é um dos principais vetores para a
ocorrência da revolução industrial.

As mulheres eram bem submissas aos seus maridos, e a roupa das


mulheres aumentou de proporção e as mulheres se tornaram o cabide,
o manequim, o modelo da ostentação da riqueza dos seus maridos.
45

De um lado nós tínhamos mulheres extremamente enfeitadas, que


tinham muito de ostentação, muitos laços, muitas rendas, cabelos
muito bem feitos, chapéus, penas, brilhos, joias, enfim, era necessário
mostrar a riqueza de seu marido.

Os maridos, chamados naquela época de capitães da indústria, tiveram


suas roupas afinadas e passaram a se vestir com tons mais sóbrios.
Isso significava que o homem estava relacionado à produção, à
seriedade do fazer, e as mulheres ficaram relacionadas ao consumo,
ao consumo ostentatório, ao consumo de coisas que precisavam
mostrar à sociedade o quão rico e o quão bem posicionado na
sociedade era essa família.
46

Mas se por um lado nós tínhamos as mulheres da alta sociedade,


como mulheres preocupadas com a ostentação, nós tínhamos por um
outro lado, um movimento que tava começando, que era um
movimento do feminino.

Não vou falar feminismo, porque falamos sobre mais para frente no
nosso curso, mas era um movimento do feminino por um lugar ao sol.

No século 19 havia várias mulheres totalmente inconformadas com a


situação de não ter participação política, de não ter acesso à
universidade, de não ter acesso ao voto, de não serem vistas como
cidadãs, então o posicionamento cívico era muito importante,
especialmente na França e na Inglaterra. Essas mulheres começam
todo um movimento que vai ser muito importante, em todos os
sentidos, inclusive para a moda.
47

Nessa época, então, meados do século 19, com esse cenário


extremamente fértil que eu descrevi pra vocês em parte - porque ele é
muito maior -, surge esse negócio, essa inovação. Estamos falando da
alta costura, que é uma inovação tecnológica ímpar. Quem estuda
negócios sabe, quer dizer, nem todos sabem, porque a moda sempre é
vista com muita desvalia.

Mas a alta costura é um negócio que transforma um segmento que era


de prestação de serviços. A moda era apenas feita por costureiros,
modelistas, luveiros, chapeleiros, etc, e passa então a ser um negócio
de venda de produto, não mais de serviço. Nesse momento, configura-
se um grande negócio, porque haviam tendências que apontavam para
o futuro.
48

Esses três ícones tiveram sucesso porque todos eles trabalharam com
tendência, e com tendências de fundo:

Yves Saint Laurent foi um precursor, na década de 70, do prêt-a-


porter, porque ele entendeu que havia um cenário de juventude, a
gente vai falar mais sobre isso mais tarde, um cenário de liberdade, um
cenário de contra cultura, um cenário de transgressão muito grande, e
ele soube trabalhar essa tendência.

Christian Dior soube trabalhar a tendência do pós-guerra, soube


entender que a mulher precisava voltar a ser feminina, lançou seu new
look, com isso a Maision Dior fez uma das maisons mais bem-
sucedidas da história da moda.

E finalmente, Coco Chanel, que entendeu os dois lados da moeda.


...alta costura...

1860 - 1960
49

Dentre esses três ícones, a gente destaca Chanel, porque ela sobreviveu aos dois
lados de uma situação. Ela apostou nas tendências de fundo como ninguém, então
numa época onde a ostentação falava muito alto, ela soube observar com muito
critério, e muita sensibilidade, o que estava acontecendo no mundo, ela soube
observar a emergência da questão feminina, ela soube observar a necessidade das
mulheres cortarem seus cabelos curtos, ela soube observar a roupa da camareira, ela
soube observar a roupa da ascensorista, ela soube observar a necessidade das
mulheres de trabalharem, mediante uma guerra que tinha levado praticamente todos
os homens franceses embora, a necessidade dessas mulheres manterem suas
roupas práticas, adequadas, versáteis. Foi nesse momento que ela, então, faz uma
criação que tenta ser uma ponte entre o abismo social e entre as classes as quais
Chanel pertencia naquele momento, porque ela transitava entre as elites e as
operárias; mulher simples, mulher comum.

E aí ela subjulga 5 séculos de ostentação, criando o pretinho básico, criando peças


simples, usando joias falsas, usando listras, se vestindo como homem.

Chanel não inventou nada disso, Chanel percebeu na periferia da cidade a


necessidade desse clamor feminino, a necessidade dessa roupa mais prática, a
necessidade da simplicidade.
50

E ela então entende que é óbvio que muitas mulheres da alta sociedade sentiam
mesmo. Então existia ali, naquele momento, uma coisa que nós chamamos de
agenda social, ou seja, uma necessidade da sociedade, especialmente das mulheres,
de ter uma roupa mais simples. Chanel surge como um ponto fora da curva, falando
de um porvir que tava lá na frente, mas que tinha suas raízes ainda no século 19, uma
luz sobre as mulheres. Chanel rvira ealmente a inimizade de vários designers da
época, que perguntavam quando a viam de preto: "Tá de luto?" , "Quem morreu?" e
ela dizia: "Vocês morreram, vocês só não entenderam ainda".

Então ela foi uma visionária porque ela trabalhou com tendências de fundo.

É nesse aspecto que a gente tá falando de tendência, tendências de fundo,


tendências mais profundas, tendências aliadas e associadas com as necessidades da
sociedade.
51

Essa imagem mostra bem as mudanças ocorridas na


indumentária feminina da década de 20, e como que isso
tem a ver com a sociedade, com nós, com nossas
inspirações, desejos e aspirações.

Chanel nada mais fez que entender isso na frente de muitas


outras pessoas.

52


Prêt-à-Porter
1960

Um exemplo de como as tendências de fundo alteram profundamente a moda, foi o


movimento do prêt-a-porter.

Apresento duas imagens:

A primeira foi tirada na varanda do Copacabana Palace, em 1958. Reparem que as


roupas são bastante parecidas, os cabelos, e a outra foi tirada em 1968, 10 anos
depois, no salão da Bayer, no Rio de Janeiro.

A imagem de baixo, mostra jovens, que de alguma forma estavam clamando por
identidade. Surgia na década de 60 a identidade do jovem, de uma forma muito forte.
Isso teve início com a geração beatnik e vai culminar no final da década de 60, com a
revolução da contra-cultura, com os movimentos de maio de 68 em Paris, em que
houve realmente uma manifestação pública, uma grande rebelião, uma grande
revolta contra os meios trabalhistas, contra a opressão, contra a ditadura do sistema
econômico, e essas revoltas falavam muito não apenas da questão trabalhista, ética,
mas falavam também de modos de vida, de libertação, de liberdade, de criatividade,
de autenticidade, e isso foi muito importante pro Ocidente. Isso, na verdade, essa
revolução em Paris, em maio de 68, gerou muitas coisas das quais nos beneficiamos
hoje, em termos de regime trabalhista. E gerou também, espaço para sermos
homossexuais, para sermos partidárias de vários movimentos como o movimento
verde, movimento ambientalista, e assim por diante.
53

Então foi uma revolução tanto ética, no sentido do trabalho, e dos sindicatos,
quanto estética, no sentido de valorização das diferenças.

Esse esteve presente movimento não só na França, como também nos Estados
Unidos, com o próprio movimento hippie. Esse movimento hippie falava de estilo
de vida, falava em paz, falava em amor. E todos esses movimentos juntos, na
verdade, especialmente aqueles que falavam da estética - considerando aqui
“estética" não a beleza ou a forma, mas modelo de vida, estilo de vida, jeito de
pensar.

Nesse momento, o jovem ganhou uma força muito grande. Era esse jovem que
estava usando aquela calça jeans, aquela camiseta. Tanto que na imagem abaixo,
reparem como as roupas falam de uma identidade jovem, como as roupas falam de
um tempo. Tem o número 68 estampado em uma das roupas, como os cabelos são
maiores, têm mais expressão, os cabelos não são todos parecidos, enfim, essa
época foi uma época de muitos protestos, foi uma época de muita contestação, e a
moda foi lendo essas contestações como grandes tendências.
54

Essa imagem mostra tanto maio de 68 em Paris, como 68


aqui no Brasil também. Nós tivemos muitos movimentos, o
mundo todo estava submergido no movimento estudantil,
juvenil, de uma geração inteira, que pedia por liberdade.
É muito interessante o papel das mulheres nesses
movimentos.
55

Nas imagens a gente vê tanto o movimento hippie, que falava do lifestyle, quanto os
movimentos periféricos da moda, porque nesse momento vão surgir várias boutiques
em Paris e em Londres. Essas boutiques vão trazer novos designers que estavam
entendendo o que estava acontecendo no mundo e faziam roupas para jovens,
roupas prontas para serem vendidas, roupas que tinham linguagem de moda, que
tinham significado de moda e esse grande significado se chamava rebeldia,
transgressão. 

De todos os estilistas, quem melhor soube entender todas essas tendências foi o
Saint Laurent, que era muito jovem quando começou a trabalhar, e foi tirado da Dior
porque assumiu a direção criativa dessa grande casa assim que o Dior morreu.

Ele foi demitido porque colocou na passarela de alta costura uma jaqueta inspirada
no movimento beatnik e isso foi o bastante para que a elite francesa pressionasse a
casa a tirá-lo de lá. Ele é demitido e é enviado para servir o exército na Argélia, onde
ele desenvolve uma síndrome de pânico. Ele volta, então, e a própria pessoa que o
demitiu, o Pierre Bergé, diretor financeiro da Dior, faz uma oferta para abrirem uma
loja focada em tendências, em juventude e transgressão. 

De todos os ícones dessa época, Yves Saint Laurent foi aquele que falou sobre
homossexualidade, construindo um smoking feminino para a sua amiga gay. Era o
homem que falava em arte, em viagens, tinha o poder de criar em cima do
imaginário de toda a sua geração, entendendo a agenda social que havia por trás do
desejo de cada um.
56

MACROTENDÊNCIAS: Macrotendências tem a ver com


o rastreio da sociedade, tem a ver com aspirações e com
algo que chamamos de “Agenda Social”, é um termo para
quem é da área de ciências sociais muito comum. Para vocês
pode não ser tanto, mas a agenda não é um lugar onde
anotamos o que precisa ser feito?
Há uma Agenda Social em que anotamos também de maneira
subjetiva o que precisa ser feito. Quando a gente pensa em
tendências podemos tranquilamente consultá-la.
57

Um bom exercício é a gente pensar “qual é o cachorro da moda?”. O


cachorro da moda hoje é o vira-lata. As pessoas mais descoladas
adotam cachorros de rua. Por mais que o buldogue francês também
seja procurado; muito mais na moda, muito mais tendência e
interessante é olhar a agenda social e perceber que os cachorros não
podem mais ser tão sacrificados como eles são dentro dos canis,
dentro dos criadores, e existe uma contingência enorme de cachorros
nas ruas.

Quem anda um pouco mais a frente são as pessoas que adotam esses
cachorros. Espero que fique claro do que se trata a “agenda social” e
também como trabalhamos com tendências aqui. 
58
Com o espírito do tempo, a gente chega, então, na década de 90. A
década de 90 nos trouxe o Fast Fashion, mas ele não surge nesse
momento, ele se constela nesse momento.

Na década de 70 já houve uma aceleração do consumo muito grande;


houve uma financeirização do mundo na década de 80, as empresas
de moda cresceram muito trabalhando as suas próprias marcas, as
etiquetas vieram para fora e era muito comum as pessoas ostentarem
roupas com logos. E nos anos 90, com o sistema do Just in Time,
cresceram enormemente todas as marcas de moda. O Fast Fashion, de
certa forma, homogeneizou todas as pessoas numa roupa, ou em
várias roupas, que eles dizem ter todos os estilos, mas na verdade é
tudo igual. São estilos que, se você misturar tudo, dá um mesmo
estilo. É fake, como se você comprasse um look hipster e você saísse
hipster, como se isso fosse possível.

Então o Fast Fashion saiu, na verdade, não de uma agenda social, mas
de uma agenda econômica. Exatamente quando os mercados se
flexibilizaram. 
59

O Fast Fashion significa consumo de massa e parecer de


massa, nao é a toa que o filme do John Malkovich teve tanto
sucesso. Ele fazia uma crítica a isso. Não pensem que isso
foi só na moda, isso foi em todo o mercado: carros (tanto é
que os automóveis têm cores limitadas), eletrodomésticos,
nas roupas de cama, em tudo.
60

Não é possível pasteurizar o ser humano.

Se vocês repararem bem nessa imagem, que é uma imagem antiga que
eu guardo, existe um ser humano deitado na parte de cima.

Por que é impossível nos pasteurizar, nos tornarmos todos parecidos?


Porque a gente fala em diversidade, temos pássaros dentro do peito,
arco-íris dentro da cabeça, somos espiritualizados, temos emoções e
sentimentos diferentes, porque nos sabemos humanos e iguais, mas
sabemos que a nossa maior riqueza é sermos nós mesmos e nos
expressarmos como nós somos.

Então, nesse momento, onde o parecer ficou todo homogeneizado


houve um grande levanto. Nós adentramos no século XXI com um grito
atravessado. E na área de moda, esse grito se chama sustentabilidade,
se chama: “Vamos fazer a moda diferente? Vamos pensar de outra
forma? Vamos expandir a nossa consciência sobre realmente quem nós
somos e como nos expressamos?”
61

Para onde está indo a Moda?


Em que velocidade?
Qual é o próximo movimento?
Quais são os próximos modelos de
negócios de moda?

Estamos nos libertando dessa asfixia social que é o


Fast Fashion, estamos nos libertando dessa criação
ilusória de que nós todos temos um estilo, como se
nós realmente pudéssemos comprar a nossa
expressão dentro de uma loja.
62

TENDÊNCIAS: A gente se pergunta: para onde está


indo a moda? Em que velocidade ela vai? Qual é o
próximo movimento? Quais são os próximos modelos
de negócios de moda? Quais são as próximas
tendências?

Como a gente joga o farol no futuro? A partir do quê a gente


pode ver o futuro?
E anteriormente eu digo que tendências são todos os
tempos, são sinais que indicam a partir de todos os tempos,
porque nós não vivemos um único tempo apenas, nós
vivemos dentro de nós mesmos tudo o que nós lemos sobre
outros tempos, tudo o que nós vemos e ouvimos sobre
outros tempos e tudo o que nós vivemos. Então quando
começamos a fazer conexões dentro da gente, conseguimos
realmente jogar uma luz no futuro. Essa é uma capacidade
humana de síntese, reflexão; tanto que “reflexão” tem a ver
com “luz”, “reflexo”, “iluminar”. E é nesse momento que a
gente realmente dá uma olhada e começa a entender que
temos ao nosso lado muitos cenários que nos levam a
perceber o que vem por aí.
63

individuação
...”ação de se tornar indivíduo, de se auto-
referenciar e se auto-responsabilizar por si
mesmo e suas escolhas”...
Jung
64

Nesse sentido a gente pode ver como que a roupa de


moda é porta-voz. O futuro é feminino, nós não
vamos ser silenciadas de forma alguma. E a gente vai
vendo e vai encontrando várias coisas assim na
internet. E nas nossas próximas aulas nós vamos
falar bastante sobre isso.
65

Uma linda imagem que fala sobre a indústria têxtil, a


segunda maior indústria do mundo, provavelmente a
primeira mais poluente, ou a segunda.
A primeira indústria do mundo é a alimentícia, e aí cabe aí
dentro a agricultura, e a agricultura não é bem uma
indústria. A segunda é a indústria têxtil. Há muitos
questionamentos no entorno disso, porque tem muita gente
que acredita que a indústria automobilística seja enorme,
que a indústria da construção civil seja enorme, e que elas
sejam uma das primeiras, mas vários dados da Organização
Mundial do Trabalho mostram que de cada 10 pessoas ativas
no mundo, 6 estão ligadas direta ou indiretamente à
indústria têxtil. A indústria têxtil é imensa, é movida em 90%
pela indústria da moda, pelo vestuário, pela roupa.

É muito interessante essa imagem, porque ela traz a Terra


como têxtil.
66

Slow fashion
Finalmente chegamos ao um conceito central: SLOW
FASHION.
O slow fashion é o segmento do slow que trabalha dentro da moda. Na
próxima aula nós falaremos muito sobre ele, mas hoje eu encerro os
conceitos com o slow fashion, porque ele é um conceito guarda-chuva
que nos faz repensar, reconectar, antes mesmo de ser apenas o
oposto ao fast fashion.

O slow nos traz a possibilidade de ver-nos nus, de cabeça pra baixo.

Essa é a foto de uma exposição, do London Fashion College, essa


exposição falava sobre sustentabilidade, e sobre o slow fashion, e por
incrível que pareça as roupas não eram vestidas, ela falava mais do ser
humano. Então o slow não é o contrário do fast fashion. O slow é uma
outra proposta.
67

“ Crescimento não é desenvolvimento”

Nessa proposta, há um entendimento que é: crescimento não é


desenvolvimento. Ima ginem vocês se nós seres humanos
crescêssemos há de infinito, até a gente morrer. Como seria? Então
nós crescemos até os 21 anos, e a partir de então nós nos
desenvolvemos. Nós nos desenvolvemos psicologicamente,
intelectualmente, nós nos desenvolvemos economicamente, nós nos
desenvolvemos socialmente, nós nos desenvolvemos na parte de
linguagem, enfim, nós nos desenvolvemos. Uma árvore não cresce a
vida inteira, ela se desenvolve a partir de um momento. E a noção de
crescimento que a gente tem, é uma noção econômica, que os países
precisam crescer, crescer, crescer...

Crescer até quando?

Você tem uma lojinha, e aí você pensa que você precisa ter uma cadeia
de lojas, aliás, você precisa ter uma cadeia internacional de lojas.

É isso? Não, não é isso. O importante é que a gente se desenvolva, e


não que a gente cresça. O crescimento vai até o ponto, depois é
desenvolvimento. E o desenvolver, numa Nova Era, requer outros
atributos, e não o atributo do crescer e aprender a ganhar mais
dinheiro.

Na verdade até o crescimento nesse momento precisa ser muito bem


organizado e orientado, porque é muito mais difícil pegar alguém já
formado, ou seja, pegar alguém que não tenha uma boa formação, e
fazer com que essa pessoa passe a ter valores bons, passe a fazer
conexões interessantes. É importante que a gente cresça dentro de
um parâmetro: de valor, de ética, de viabilidade econômica, sim, claro,
sempre, mas conjugado com a viabilidade social, emocional, espiritual,
psicológica.

Então se nós conseguirmos crescer dentro de valores específicos,


ligados às novas tendências, ligados às novas dinâmicas, às novas
práticas, vai chegar um momento no qual nós só precisaremos nos
desenvolver, e se desenvolver significa sempre ser melhor, e não ser
maior.
68
O movimento 

SLOW 

FASHION
Um movimento guarda-chuva dos movimentos que integram as críticas
contemporâneas à moda e a resistência social.
...congrega propostas de soluções para o campo do design de moda.

Soluções ideológicas e práticas ☺

O slow é um movimento de mercado, e também um movimento da


área do design. Enquanto mercado, é interessante perceber que é um
movimento que começa dentro da área do design, que migra pro
mercado com inúmeras marcas aderindo esse conceito, e aqui eu
quero falar sobre um ponto que eu acho muito importante:

Eu viajo muito pelo Brasil, eu dou muitas palestras que vão desde
Fortaleza até Pelotas, eu vou a muitos lugares, eu dou muitas aulas em
pós-graduação, e eu percebo que existe um potencial enorme no
Brasil do slow fashion. Em todas essas cidades existem dezenas de
ateliês, que fazem vestidos de noiva, roupa pra madrinha, roupa sob
medida, existem dezenas de alfaiates, muitas costureiras, muitas
lojinhas de conserto, muitas lojas pequenas, com fabricação própria.
Existe também dentro das capitais, uma miríade de marcas, todas que
têm fabricação própria, que trabalham com costureiras externas, de
quem essas pessoas são amigas. As cadeias são extremamente éticas.

Eu converso com essas marcas e vejo o quanto elas são bacanas, mas
elas não se auto proclamam slow fashion.
69
O movimento 

SLOW 

FASHION
Um movimento guarda-chuva dos movimentos que integram as críticas
contemporâneas à moda e a resistência social.
...congrega propostas de soluções para o campo do design de moda.

Soluções ideológicas e práticas ☺

Todo mundo que trabalha com artesanato é slow fashion, todas as


pessoas que trabalham e fazem roupa sob medida são slow fashion.
Todas as pessoas que fazem suas roupas dentro de cadeias muito
éticas, de forma lenta, de forma natural, são pessoas e empresas que
estão no escopo do slow fashion, porque existe um respeito pelo
tempo, porque existe um fazer diferenciado.

Toda roupa, mesmo aquela industrial que você compra na Forever 21,
passa por um processo manual. A moda tem um processo totalmente
manual, não existe ainda uma máquina que faça uma roupa. Pode ser
que no futuro a gente tenha impressoras de roupa, o que eu acho bem
improvável, mas a indústria têxtil global é uma indústria onde as
pessoas ficam sentadas nas máquinas. Então as roupas são manuais.
Quando você encontra uma marca, ou um ateliê de roupa sob medida,
lá no interior do Piauí, você está trabalhando com alguém, você está
de frente para uma marca, que tem muito do slow fashion.

Eu sou amiga da fundadora do movimento, Kate Fletcher, e


eventualmente quando vou à Londres, porque meus filhos moram lá,
eu tomo um chá com ela. Nós temos muitas coisas em comum, e a
Kate tem muito interesse pelo Brasil, porque eu relato pra ela: "olha
quantas costureiras, quantas marcas, olha os meus alunos, olha as
pessoas que vão às minhas palestras”.
70
O movimento 

SLOW 

FASHION
Um movimento guarda-chuva dos movimentos que integram as críticas
contemporâneas à moda e a resistência social.
...congrega propostas de soluções para o campo do design de moda.

Soluções ideológicas e práticas ☺

E a gente soube que o Brasil tem esse potencial, e um dos motivos que eu quis fazer
esse curso, que me deu muita alegria, foi poder fazer um curso que explicasse pras
pessoas o porquê que elas são slow fashion.

Então é óbvio que não é qualquer pessoa que tem uma confecção slow fashion. Mas
parâmetros ideológicos e parâmetros práticos que você pode adotar, que você pode
se empoderar, para que você possa mais tarde ter essa narrativa, a narrativa do slow.
Falar mesmo: "eu sou slow fashion" e entender que você pode ganhar dinheiro com
isso, que isso pode ser um caminho viável, um caminho de qualidade e não de
quantidade.

Então pensem no luxo, porque o slow fashion tem muito a ver com luxo, pensem em
todas as propostas do slow, que vai desde roupa usada, que torna esse produto
extremamente barato, até artesanal, que dá tanto poder a quem faz. E pensem que o
luxo é artesanal, e é por isso que ele é caro.

Então é em cima desses parâmetros que a gente vai propor esse curso, entendendo
que o slow fashion é um movimento guarda-chuva de todos os movimentos que
integram essa crítica contemporânea à moda. Todos aqueles que falam: "nossa como
a moda é cruel, como a moda polui como a moda escraviza - escraviza quem faz e
escraviza quem usa”. Como a gente precisa sair dessa pasteurização, e como a gente
precisa ser resistente, ter uma resistência social, pelo BOM, pelo LIMPO, pelo BELO,
pelo JUSTO.
71

O movimento 

SLOW 

FASHION

Então na nossa próxima aula a gente vai


ver com mais profundidade o que é o slow
fashion, aonde ele está, e vamos falar
bastante sobre as macrotendências e as
percepções do mundo.
Moda é mais que roupa
NOSSA MISSÃO É DEMOCRATIZAR O ENSINO DE MODA
SUSTENTÁVEL NO BRASIL, DISSEMINANDO O SEU
CONHECIMENTO ATRAVÉS DOS CANAIS DIGITAIS.
Copyright © 2020 - todos os direitos reservados
para Lilyan Berlim - BERLIM CONSULTORIA LTDA,
CNPJ 26308744000161

Você também pode gostar