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Fundamentos de Ética

Fundamentos de Ética

Professor Emerson Rocha

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Fundamentos de Ética

Introdução 3

Os valores e a existência 5

O pensamento platônico: a supremacia da razão 11

A ética na obra Ética a Nicômaco, de Aristóteles 16

A ideia de finalidade e vocação no pensamento cristão 23


SUMÁRIO
O pragmatismo de Maquiavel 24

O pensamento de Nietzsche 30
Sócrates e Platão: os primeiros niilistas 32

A liberdade em Sartre 36

Os valores no século XXI 37

Referências bibliográficas 39

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INTRODUÇÃO
A pergunta que se faz a respeito da melhor forma de conduzir a própria existência é a principal preocupação
da moral e da ética. Em outras palavras, o homem é um ser capaz de deliberar sobre a própria vida, e esse
é fundamentalmente o papel da ética: pensar a respeito dessas deliberações. Parte considerável das pessoas
pensa a respeito dos rumos que a vida vai lhes apresentando a todo instante, ou seja, é impossível furtar-se
à moral.

Certa vez, durante uma aula de filosofia, fizemos a seguinte pergunta ao professor: o que é moral? E ele
respondeu taxativamente: “Moral é a reflexão a respeito da própria conduta”. E acrescentou: “Moral é um
verbo que se conjuga no singular”. Dito de outro modo, moral é exatamente o que passa pela sua cabeça na
hora de tomar uma decisão, ou seja, a todo instante estamos fazendo juízos morais, pois a vida impõe-nos
rotas que tomaremos ou não.

Na realidade, a moral está diretamente ligada ao dinamismo da existência, uma vez que a todo instante
estamos tomando decisões que possibilitam inclusive a nossa própria sobrevivência. Em outras palavras,
num mundo estático, não existe moral, ou seja, é justamente da multiplicidade de possibilidades diferentes
e inéditas que a vida apresenta aos homens que ela nasce e, por consequência, também a ética. Prefiro
colocar a ética como a ciência que estuda os comportamentos morais, ou seja, a moral estaria na raiz da
ação, ao passo que a ética seria a reflexão a respeito dela. Mesmo assim, vocês podem encontrar autores
que defendem outros modelos de definições para moral e ética.

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Nesta disciplina, vamos estudar justamente as diversas facetas do pensamento moral. Dito com
outras palavras, investigaremos o desenvolvimento do pensamento moral desde os gregos até o período
contemporâneo. Obviamente, muitos aspectos não serão contemplados, uma vez que o nosso objetivo é
suscitar o debate a respeito do tema.

O nosso caminho começará na mitologia, passará por Aristóteles e pelo Cristianismo e chegará a Nietzsche
e a Sartre. Como vocês puderam perceber, o roteiro é extenso e diverso. Sendo assim, leitor, não procure no
texto um juízo a respeito da melhor escola de fundamentação ética, pois esse não é o objetivo primeiro deste
texto. Na verdade, pretendemos apresentar as transformações dos paradigmas morais e éticos da história
do pensamento ocidental.1

Começar pela mitologia é importante, na medida em que os gregos, ao falar dos mitos, estavam a falar
de si próprios. Na verdade, os deuses gregos refletem as emoções humanas e o modo de enxergar e ver o
mundo dos homens. Essa postura fica clara quando analisamos a psicologia dos comportamentos deles, uma
vez que são movidos por sentimentos normalmente atribuídos aos seres humanos. Em outras palavras, os
deuses a todo instante apresentam a verdadeira face dos homens. Ferry (2009, p. 15), falando a respeito da
mitologia grega, afirma:

Ao contrário de se limitar a uma simples diversão literária, ela verdadeiramente constitui o cerne da
sabedoria antiga, a origem profunda daquilo que a grande tradição da filosofia grega logo a seguir desenvolveu
sob uma forma conceitual, visando definir os parâmetros de uma vida bem-sucedida para nós, mortais.

Para esse trecho da nossa aula, vamos nos apoiar nos textos da obra de Luc Ferry, um pensador francês
da atualidade, chamada A sabedoria dos mitos: aprender a viver II (2009), e nas aulas do professor de ética
e filosofia da Universidade de São Paulo Clóvis Barros Filho. Esses dois pensadores irão nos acompanhar no
decorrer deste curso.

Evidentemente, aqui será apresentando um ensaio a respeito de cada uma das principais escolas do
pensamento ético. Ou seja, o sumário daquilo que constitui e fundamenta aquilo que chamamos de ética e
moral.

Em resumo, a ética é uma disciplina filosófica que está profundamente ligada ao modo como cada ser
humano irá deliberar a respeito da própria existência e das próprias escolhas. Ou seja, ela ocupa-se da
questão ligada aos valores que utilizamos para decidir a respeito de nós mesmos. Por isso, convido-os a
buscar nesta disciplina a raiz das questões fundamentais que norteiam e conduzem a existência de um ser
humano, a saber: quem sou? Onde estou? E para onde vou?

1  Faço questão de salientar que estudaremos a história do pensamento ético ocidental para deixar bem claro que esse modelo não esgota todas as
formas de elaborar o mundo.

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OS VALORES E A EXISTÊNCIA2
A primeira observação acerca dos valores que podemos fazer é a seguinte: eles são instrumentos para
escolher a vida, são critérios existenciais. Em outras palavras, a discussão a respeito do valor é essencialmente
humana, uma vez que o homem é o único ser capaz de deliberar a respeito da própria existência, ou seja,
a sua vida é o resultado de um conjunto de escolhas. Os animais, diferentemente dos homens, possuem
em sua natureza todos os pré-requisitos para uma existência boa. Ao contrário, o homem precisa encontrar
caminhos que lhe possibilitem viver assim. Um gato, por exemplo, não precisa mais do que a sua natureza
felina pode oferecer para viver adequadamente no universo, ou seja, os gatos não têm crises existenciais.

Para tratamos desse tema central em ética, começaremos pelo mito de Prometeu e Epimeteu, narrado por
Platão. Nele, o pensador discute as limitações da natureza humana e, por consequência, a necessidade da
criação de valores para “completar” o que ela não é capaz de oferecer. Em seguida, discutiremos a ideia de
lugar natural e harmonia cósmica. Passemos, então, para Prometeu e Epimeteu.

Prometeu e Epimeteu.

Assim que os deuses, liderados por Zeus, venceram a guerra contra os titãs a fim de organizar o cosmos,
eles resolveram criar seres mortais. Lembro-me de um professor que dizia que “os deuses criaram os seres
mortais para acabar com o tédio que a vida sem as guerras havia trazido” (sugiro que vocês leiam a Teogonia,
de Hesíodo, para saber mais a respeito do assunto: http://charlezine.com.br/wp-content/uploads/2012/04/
Teogonia-Hes%C3%ADodo.pdf). Em outras palavras, para a mitologia, os mortais são o resultado de uma
“brincadeira” dos deuses. Zeus, o deus todo-poderoso da mitologia, encarregou Prometeu e Epimeteu da
criação de seres mortais. Ambos são considerados, nas palavras de Luc Ferry (2009), “deuses de segundo
escalão” na hierarquia dos imortais. É assustador para o homem moderno, que se considera o centro do

2  Aula ministrada pelo professor Clóvis Barros Filho no curso de ética da Universidade de São Paulo e disponibilizada no site: http://www.espacoetica.
com.br/videos/451-video-aula-os-valores-e-a-vida, acesso em 7.dez.2011.

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mundo, ser o fruto de uma “brincadeira” divina e ter sido criado por deuses de segundo escalão, ou seja, na
visão da mitologia, o homem não é a obra-prima da criação.

Designados por Zeus para a tarefa, Prometeu e Epimeteu colocaram a mão na massa e começaram o
trabalho. Depois de muito insistir, Epimeteu conseguiu convencer Prometeu a deixá-lo criar os animais. O
problema é que, na tentativa de ser justo, usou com eles todos os recursos, deixando Prometeu sem os meios
necessários para prover os homens de dons. Ou seja, este não teria como finalizar a criação dos homens por
falta de recursos. O resultado desse processo traria a eles uma debilidade permanente e eterna de meios
para gerir a própria existência. Para amenizar o problema, Prometeu entrou no palácio de Atena e roubou
para os homens as técnicas do fogo e a astúcia, que seria certa capacidade de improvisar diante da vida. Em
resumo, é o que diz o mito, na visão platônica. Mesmo assim, faço questão de transcrevê-lo em parte aqui
para que possamos melhor entendê-lo. Segue a narrativa:

Houve um tempo em que só havia deuses, sem que ainda existissem criaturas mortais. Quando chegou o
momento determinado pelo Destino, para que estas fossem criadas, os deuses as plasmaram nas entranhas
da terra, utilizando-se de uma mistura de ferro e de fogo, acrescida dos elementos que ao fogo e à terra se
associam. Ao chegar o tempo certo de tirá-los para a luz, incumbiram Prometeu e Epimeteu de provê-los do
necessário e de conferir-lhes as qualidades adequadas a cada um. Epimeteu, porém, pediu a Prometeu que
deixasse a seu cargo a distribuição. Depois de concluída, disse ele, farás a revisão final. Tendo alcançado o
seu assentimento, passou a executar o plano.

Nessa tarefa, a alguns ele atribuiu força sem velocidade, dotando de velocidade os mais fracos; a outros
deu armas; para os que deixara com natureza desarmada, imaginou diferentes meios de preservação; os
que vestiu com pequeno corpo, dotou de asas, para fugirem, ou os proveu de algum refúgio subterrâneo;
os corpulentos encontravam salvação nas próprias dimensões. Destarte agiu com todos, aplicando sempre
o critério de compensação. Tomou essas precauções, para evitar que alguma espécie viesse a desaparecer.

Depois de haver providenciado para que não se destruíssem reciprocamente, excogitou os meios de
protegê-los contra as estações de Zeus, dotando-os de pelos abundantes e pele grossa, suficientes para
defendê-los do frio ou adequados para tornar mais suportável o calos, ao mesmo tempo que servissem a cada
um de cama natural, quando sentissem necessidade de deitar-se. Alguns dotou de cascos nos pés; outros,
de garras, e outros, ainda, de peles calosas e desprovidas de sangue. De seguida, determinou para todos
eles alimentos variados, de acordo com a constituição de cada um; a estes, erva do solo; a outros, frutos das
árvores; a terceiros, raízes, e a alguns, ainda, até mesmo outros animais como alimento, limitando, porém, a
capacidade de reprodução daqueles, ao mesmo tempo que deixava prolíficas suas vítimas, para assegurar a
conservação da espécie.

Como, porém, Epimeteu carecia de reflexão, despendeu, sem o perceber, todas as qualidades de que
dispunha, e, tendo ficado sem ser beneficiada a geração dos homens, viu-se, por fim, sem saber o que fazer
com ela. Encontrando-se nessa perplexidade, chegou Prometeu para inspecionar a divisão e verificou que os
animais se achavam regularmente providos de tudo; somente o homem se encontrava nu, sem calçados, nem
coberturas, nem armas, e isso quando estava iminente o dia determinado para que o homem fosse levado da
terra para a luz.

Não sabendo Prometeu que meio excogitasse para assegurar ao homem a salvação, roubou de Hefesto
e de Atenas a sabedoria das artes juntamente com o fogo – pois, sem o fogo, além de inúteis as artes,

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seria impossível o seu aprendizado – e os deu ao homem. Assim, foi dotado o homem com o conhecimento
necessário para a vida; mas ficou sem possuir a sabedoria política; esta se encontrava com Zeus, e a Prometeu
não era permitido penetrar na acrópole, a morada de Zeus, além de serem por demais terríveis as sentinelas
de Zeus. Assim, a ocultas penetrou no compartimento comum em que Atena e Hefesto amavam exercitar
suas artes, e roubou de Hefesto a arte de trabalhar com o fogo, e de Atena a que lhe é própria, e as deu aos
homens. Desse modo, alcançou o homem condições favoráveis para viver. Quanto a Prometeu, consta que foi
posteriormente castigado por esse furto, levado a cabo por culpa de Epimeteu.

XII:

Uma vez de posse desse lote divino, foi o homem, em virtude de sua afinidade com os deuses, o único
dentre os animais a crer na existência deles, tendo logo passado a levantar altares e a fabricar imagens dos
deuses. Não demorou, e começaram a coordenar os sons e as palavras, a engenhar casas, vestes, calçados e
leitos, e a procurar na terra os alimentos. Providos desse modo, a princípio viviam os homens dispersos. Não
havia cidades. Por isso, eram dizimados pelos animais selvagens, dada sua inferioridade em relação a estes.
As artes mecânicas chegavam para assegurar-lhes os meios de subsistência, porém eram inoperantes na luta
contra os animais, visto carecerem eles, ainda, da arte da política, da qual faz parte a arte militar.

À vista disso, experimentaram reunir-se, fundando cidades, para poderem sobreviver. Mas, quando se
juntavam, justamente por carecerem da arte política, causavam-se danos recíprocos, com o que voltavam a
dispersar-se e a serem destruídos como antes. Preocupado Zeus com o futuro de nossa geração, não viesse
ela a desaparecer de todo, mandou que Hermes levasse aos homens o pudor e a justiça, como princípio
ordenador das cidades e laço de aproximação entre os homens.

Hermes, então, perguntou a Zeus de que modo deveria dar aos homens pudor e justiça:

- Distribuí-los-ei como foram distribuídas as artes? Estas foram distribuídas da seguinte maneira: um só
homem com o conhecimento da medicina basta para muito que a ignoram, verificando-se a mesma coisa
com todas as outras artes. Devo proceder desse modo com o pudor e a justiça, ou reparti-los entre todos os
homens igualmente?

- Entre todos, disse-lhe Zeus, para que todos participem deles, pois as cidades não poderão subsistir, se o
pudor e a justiça forem privilégio de poucos, como se dá com as demais artes (PLATÃO, 1980).

Voltemo-nos, então, a uma análise das questões que estão contidas na apresentação feita por Platão a
respeito do surgimento dos seres mortais. Para tal, apoiemo-nos na reflexão feita pelo professor Luc Ferry
(2009).

De acordo com o autor, podemos observar esse mito de duas maneiras. A primeira será de que Epimeteu
estabeleceu o que os ambientalistas chamam de ecossistema, ou seja, ele pensou em um cosmos equilibrado
e harmônico (FERRY, 2009. p. 127). O segundo aspecto seria de que os homens, ao receber as técnicas,
teriam sido automaticamente elevados a uma condição que era exclusiva dos deuses: a de criadores. Em
outras palavras, o dom de criar, que é um atributo divino, foi entregue aos homens para que eles pudessem
viver entre as demais criaturas. Nas palavras do próprio Ferry (2009, p. 128):

De fato, como nos indica Protágoras, graças aos dons propriamente divinos fornecidos por Prometeu, os
homens tornam-se os únicos animais capazes de fabricar objetos técnicos, artificiais: calçados, cobertas,

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roupas, alimentos tirados da terra. Isso significa que, à semelhança dos deuses, eles passam a ser verdadeiros
criadores.

Aqui temos dois pontos importantes para a nossa reflexão. Primeiro, a ideia de cosmos harmônico e, em
segundo lugar, a reflexão a respeito das múltiplas possibilidades de viver a vida que foram conferidas aos
homens.

A noção de cosmos, no pensamento grego, implica necessariamente uma ordem, ou seja, uma harmonia.
Na verdade, cosmos está sempre em oposição à ideia de caos, ou seja, a ordem cósmica estabelecida pelos
deuses liderados por Zeus não deve nunca ceder lugar à desordem que predominava anteriormente. Para
aqueles que não conhecem a história da organização do cosmos, arrisco-me a contá-la rapidamente. Para
tal, vou me apoiar nas explicações do professor Clovis Barros Filho (2010).

O primeiro deus de que podemos falar na mitologia grega, um titã, é o Caos. Na realidade, Caos não tem
forma nenhuma. Ele não é um deus personalizado; nesse caso, só pode ser imaginado por imagens que estão
muito distantes do ser humano. Segundo o professor Barros Filho (2010): “Caos é muito próximo do nada.
É a falta de chão”.

Num segundo momento, surge Gaia, que é a terra; pela primeira vez, surge algo firme e seguro. Em outras
palavras, surge um chão. Perceba que ainda não existe a ordem, ou seja, o cosmos. Existem simplesmente o
Caos e Gaia. Logo que esta surge, aparece um terceiro deus, Tártaro. Ele é considerado uma coisa ruim, pois
é Gaia nos seus grotões, ou seja, a falta de luz, a presença de umidade. Para que fique mais compreensível,
é uma espécie de caverna. Tártaro não tem luz. Um quarto deus surge, Eros. Esse deus é a energia que
permite a vida. Dito de outro modo, é a força que anima tudo (BARROS, 2010).

Podemos separar esse primeiro grupo de deuses em duas partes: Gaia e Eros; Caos e Tártaro.

Depois dessa primeira geração de deuses, podemos falar de uma segunda: os titãs. Esses deuses
aproximam-se mais das formas humanas, são fortes e profundamente violentos. Eles tiveram filhos e
descendentes. Durante o período de apogeu dos titãs, muitas divindades passaram por momentos ruins. Em
alguns casos, tiveram que viver no Tártaro por conta disso.

Para continuarmos o nosso relato, é necessário falar da relação entre Gaia e Urano. Urano vivia dentro de
Gaia e passava o dia todo fazendo sexo com ela. Consequentemente, ela ia gerando filhos a todo instante.
Em um determinando momento, ficou cansada da presença constante de Urano dentro de si. Um dos seus
filhos cortou o órgão genital do pai, e este, imediatamente, saiu de Gaia e foi parar no céu. O céu está longe,
pois o pulo de Urano criou o espaço. Nesse momento, surge um conceito muito importante: o espaço. Quem
articulou tudo isso foi um deus chamado Cronos: o tempo. A partir de então, estão postas as condições para
o surgimento de entes mortais, ou seja, o tempo e o espaço. Passo agora, então, para a história de Cronos,
um deus importante no processo de criação do mundo.

Cronos devorava todos os seus filhos. Na verdade, essa é uma imagem espetacular para falar do poder do
tempo, que devora todas as coisas. Um dos filhos de Cronos conseguiu escapar, com a ajuda da mãe: Zeus.

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Zeus resolveu declarar guerra aos titãs. Ele reuniu um exercito de deuses e enfrentou-os. Depois de
uma longa batalha, Zeus e seus comandados venceram. O que parecia impossível aconteceu: os titãs foram
derrotados.

Com isso, Zeus repartiu o universo entre os deuses e, pela primeira vez, ele não era mais regido pelo Caos.
Ou seja, existia uma ordem. Na verdade, o universo tornou-se o Cosmos. A luta dos deuses seria sempre a
de garantir que a ordem cósmica estabelecida anteriormente permaneça. Peço desculpas ao leitor pelo relato
corrido e superficial, uma vez que não podemos perder muito tempo com esse tema.

Voltemos, então, ao mito de Prometeu e Epimeteu. Eles criaram os animais dentro da ordem cósmica
e, aos homens, deram a condição de criar como os deuses, mas, sobretudo, deram-lhes a possibilidade de
improvisar diante da vida, uma vez que a sua natureza não lhes oferecia as respostas para ela. No que diz
respeito aos animais, não existe nenhum problema, pois eles estavam perfeitamente ajustados à ordem
cósmica. Ao contrário, os homens deveriam encontrar o seu “lugar natural” no cosmos.

É paradoxal pensar que os homens que carregam atributos divinos (o poder de criar) são os únicos
também que podem trazer desordem ao cosmos. Nesse caso, observemos o feito de Epimeteu sob dois
aspectos, no que diz respeito aos homens: primeiro, a natureza humana contém infinitas possibilidades de
viver a existência; depois, eles são os únicos seres capazes de causar desarmonia no cosmos ordenado e
organizado. Analisemos esses dois pontos.

Na realidade, os problemas éticos emanam exatamente das muitas possibilidades de viver a existência
que compõem a natureza humana. Em outras palavras, as condições de existência para os homens são
infinitas e, consequentemente, lhes trarão inúmeras crises existenciais. Dito de outro modo, você já percebeu
que parte considerável do sofrimento humano tem uma ligação maior com as múltiplas possibilidades de
escolhas do que propriamente com as consequências de cada uma delas? Quem nunca sofreu por ter que
escolher um caminho na vida e, por conseguinte, deixar de lado inúmeros outros? Por exemplo, escolher uma
profissão implica deixar de lado outras. O mesmo ocorre na escolha dos parceiros nos relacionamentos, das
cidades onde iremos viver, entre outras. Alguns psicólogos chegam a afirmar que existe uma energia que é
gasta em cada uma das escolhas e que, em alguns casos, há uma estafa deliberativa. Ou seja, escolher o
tempo todo cansa e estressa.

O segundo ponto que podemos salientar a respeito do feito de Epimeteu é o de que os homens são os
únicos capazes de trazer aos cosmos o antigo caos, ou seja, ao mesmo tempo em que carregam a essência
divina da criação, também portam a semente do caos. Em outras palavras, os homens, por meio das suas
decisões e da possibilidade de improvisar diante da vida, criam as condições para a desarmonia.

O pensamento ético grego leva em consideração essas questões, a ideia de lugar natural, ou seja, a
convicção de que cada homem tem o seu lugar no cosmos e que esse cosmos funciona dentro de uma ordem.
Com isso, cada um que não se encontre dentro dessa ordem estaria prejudicando todo o funcionamento
cósmico. Dito de outro modo, encontre o seu “lugar natural” no universo e seja feliz. Perceba que o espaço
de cada um é dado pela natureza; sendo assim, não há possibilidade de ir contra ela, uma vez que estaria
bem acima das suas forças e possibilidades. Disso decorre a noção de ordem cósmica. Manter essa ordem, ou
seja, que cada um ocupe o seu lugar natural, é fundamental para garantir a felicidade de todos os homens.

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Para entender o pensamento ético dos gregos, é de fundamental importância ter claras essas noções de
lugar natural e ordem cósmica.

Como você percebeu, o valor nasce justamente da necessidade que os homens têm de escolher a melhor
forma de vida. Ou seja, trata-se de uma ferramenta que permite a eles conduzir a própria existência. Neste
curso, estamos estudando a história dos valores ocidentais, e a nossa forma de pensar tem parte considerável
dos seus fundamentos no pensamento grego antigo, cristão, europeu moderno e contemporâneo.

No que diz respeito ao pensamento grego, o nosso alvo será o pensamento aristotélico, em especial a
obra Ética a Nicômaco. Num segundo momento, estudaremos pontos relevantes do pensamento cristão.
Finalmente, entraremos em Nietzsche e Sartre. Na realidade, a ideia destas aulas será a de apontar caminhos
do pensamento ético. Evidentemente, muitos autores ficarão de fora, uma vez que não é possível, no tempo
da disciplina, apresentar com profundidade todos aqueles que escreveram a respeito do tema. Mesmo assim,
o nosso curso dará linhas mestras para uma melhor compreensão dos fundamentos daquilo que chamamos
ética. Veja como o curso está estruturado:

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Acredito que o quadro ajudará a ter um olhar completo da delimitação feita do problema ético.

O PENSAMENTO PLATÔNICO: A SUPREMACIA DA RAZÃO


A estrutura do pensamento de Platão presente na sua obra destaca-se em boa parte por uma questão:
a valorização da razão em detrimento das paixões (sentimentos). Na verdade, o filósofo tenta por meio de
seus ensinamentos, a todo instante, convencer o seu interlocutor de que é melhor agir movido pela razão
do que pelas paixões. Em outras palavras, a vida harmônica, cósmica e ajustada, para ele, é aquela que se
vive pela racionalidade.

Essa forma de pensar tomou conta do pensamento ocidental de tal forma que, quando nos referimos a
alguém que agiu corretamente, dizemos que essa pessoa foi “racional”. Ou seja, agir impulsionado pelos
sentimentos – na visão do pensamento platônico – seria nocivo aos seres humanos e causaria desordem e
desarmonia no cosmos. Por isso, a vida que vale a pena ser vivida, em Platão, é aquela que é conduzida pela
razão. Sendo assim, a felicidade dos seres humanos passa pelo uso contínuo dela.

Ao observamos o nosso cotidiano, percebemos que constantemente somos chamados a fazer escolhas que
contrariam as nossas paixões. Mas, impulsionados por aquilo que chamamos de “racionalidade”, decidimos
tomá-las. Por exemplo, quando o nosso despertador nos acorda pela manhã, somos tentados a ficar na cama
para dormir um pouco mais, ou seja, o corpo implora pelo sono, mas a racionalidade obriga-nos a levantar.
Essa decisão é só o primeiro patamar de uma série de outras que virão no decorrer do dia.

Em Platão, o tema das paixões é abordado sob diversos aspectos, mas, sobretudo, na sua teoria do
conhecimento. Segundo ele, a realidade é dualista, ou seja, possui duas dimensões: a primeira, o mundo
sensível e da aparência; a segunda, o mundo inteligível da razão e do real. Sendo assim, os seres humanos
passam toda a sua vida em uma dialética ascendente e descendente, ou seja, eles devem elevar-se ao
mundo da razão e descer ao mundo sensível a fim de ajudar aqueles que não conseguiram subir. Tudo isso
parece muito maluco, mas, na prática e na história, teve um efeito tremendo. Ou seja, a tese de Platão a
respeito da prioridade que a razão (mundo inteligível) tem sobre os sentimentos (mundo sensível) ganhou
força em parte considerável do pensamento ocidental.

Em muitos casos, como no de Platão, os sentimentos foram sempre colocados em oposição à razão. Ou
seja, há uma disputa entre razão e sentimentos pelo domínio das ações humanas.

Em alguns momentos da história do pensamento, essa oposição entre razão e paixões tornou-se
oposição entre mente e corpo. O corpo será percebido com o local das paixões, do erro, do engano e,
finalmente, com o cristianismo, do pecado e do mal. Em outras palavras, o corpo vai aos poucos perdendo
espaço para a razão no agir humano e, na maioria das vezes, atuar impulsionado por ele significa entrar
numa zona perigosa para o homem e para a comunidade.

Gostaria de usar como exemplo a letra de uma música do compositor Arnaldo Antunes:

Socorro

Composição: Arnaldo Antunes/Alice Ruiz

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Socorro!

Não estou sentindo nada

Nem medo, nem calor, nem fogo

Não vai dar mais pra chorar

Nem pra rir...

Socorro!

Alguma alma mesmo que penada

Me empreste suas penas

Já não sinto amor, nem dor

Já não sinto nada...

Socorro!

Alguém me dê um coração

Que esse já não bate nem apanha

Por favor!

Uma emoção pequena, qualquer coisa!

Qualquer coisa que se sinta...

Tem tantos sentimentos

Deve ter algum que sirva

Qualquer coisa que se sinta

Tem tantos sentimentos

Deve ter algum que sirva...

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Socorro!

Alguma rua que me dê sentido

Em qualquer cruzamento

Acostamento, encruzilhada

Socorro! Eu já não sinto nada...

Socorro!

Não estou sentindo nada [nada]

Nem medo, nem calor, nem fogo

Nem vontade de chorar

Nem de rir...

Socorro!

Alguma alma mesmo que penada

Me empreste suas penas

Eu Já não sinto amor, nem dor

Já não sinto nada...

Socorro!

Alguém me dê um coração

Que esse já não bate nem apanha

Por favor!

Uma emoção pequena qualquer coisa!

Qualquer coisa que se sinta...

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Tem tantos sentimentos

Deve ter algum que sirva

Qualquer coisa que se sinta

Tem tantos sentimentos

Deve ter algum que sirva...

Acredito que a letra dessa música traduz em boa parte essa concepção de sentimento e racionalidade.
Essa oposição entre corpo e alma em Platão será considerada por Nietzsche uma profunda e profana negação
da vida. Dito de outro modo, de acordo com este autor, aqueles que se opõem aos instintos estão em rota
de colisão com a vida.

Então, o que seria uma vida boa para Platão? Como já aludimos, é aquela conduzida pela razão. Mas
qual é a relação existente entre razão e felicidade? De acordo com o filósofo, o comportamento racional é o
comportamento virtuoso, diferentemente da vida que é conduzida pelas paixões, a vida viciada. É por esse
motivo que ele salientou a importância da razão para a vida.

Para aqueles que pensam como Platão, a realidade é dualista, ou seja, em todas as esferas, ela estará
dividida em duas partes. O dualismo ganhou força e tornou-se um dos pilares do pensamento do mundo
ocidental: idealismo e realismo; racionalismo e empirismo; corpo e alma; salvação e perdição; amor e ódio.

O pensamento dualista ganha ainda mais força com o cristianismo. Na realidade, certas correntes cristãs
acusam a filosofia de interpretar erroneamente algumas de suas teses. Em outras palavras, na essência
dessa religião, não estaria o dualismo. Mesmo assim, essa é a imagem que se tem do mundo cristão: o
cristianismo dualiza o mundo.

A imagem que parte considerável dos pensadores tem a respeito da moral cristã é a seguinte: as paixões
precisam ser dominadas pela razão, que é iluminada pela fé. Entendamos melhor essa questão. Mas, antes,
gostaria de salientar que não estou falando de cristianismo moderno, dos séculos XX e XXI, que leva em
consideração os conceitos da psicologia, da sociologia e das outras ciências. Refiro-me especificamente ao
cristianismo na história do pensamento. Em outras palavras, limito-me a falar da visão que alguns pensadores
tiveram a respeito dele no decorrer do tempo. Feitas essas considerações, prossigamos.

Destaco três aspectos da moral cristã, a saber: a separação entre vícios e virtudes; a lógica do Sermão da
Montanha proferido por Cristo; e a substituição do “lugar natural” dos gregos pela ideia de missão e vocação.

Para o pensamento cristão, o corpo é o lugar do vício, e os vícios precisam ser dominados pela razão, que
será iluminada pela fé. Em outras palavras, o que Platão chama de paixões, os cristão irão chamar de vícios.
Na verdade, o dualismo está no seguinte aspecto: a vida boa é aquela em que o homem se afasta dos vícios
e pratica as virtudes. Nesse caso, as paixões ganham o título de pecados. Um dos exemplos mais famosos
dessa postura foi Orígenes, um pensador cristão. Segundo a tradição, ele teria decepado o próprio pênis ao

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perceber que conseguia vencer as “tentações” do sexo. Essa postura radical não foi aceita pela Igreja, que
não o consagrou como santo, mas, mesmo assim, o seu trabalho como teólogo é amplamente reconhecido.

Talvez o fato de a Igreja não consagrar como santo uma figura que se castrou seja um ponto a favor
daqueles que defendem que não existe dualismo no pensamento cristão.

O segundo ponto a que aludi acima é a lógica proposta no Sermão da Montanha. O discurso proferido
por Cristo procura apresentar aos cristãos uma nova forma de conduzir a própria existência. No caso, ele
apresenta aos seus discípulos um conjunto de comportamentos que daquele momento em diante seriam vistos
como a “vida boa”. Em outras palavras, na visão filosófica, esse discurso aproxima-se dos dez mandamentos
entregues por Deus a Moisés na montanha. Vejamos o discurso:

Bem-aventuranças: 1 Jesus viu as multidões, subiu à montanha e sentou-se. Os discípulos se aproximaram,


2 e Jesus começou a ensiná-los: 3 Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. 4 Felizes os
aflitos, porque serão consolados. 5 Felizes os mansos, porque possuirão a terra. 6 Felizes os que têm fome e
sede de justiça, porque serão saciados. 7 Felizes os que são misericordiosos, porque encontrarão misericórdia.
8 Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. 9 Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados
filhos de Deus. 10 Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. 11
Felizes vocês, se forem insultados e perseguidos, e se disserem todo tipo de calúnia contra vocês, por causa de
mim. 12 Fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa no céu. Do mesmo modo
perseguiram os profetas que vieram antes de vocês (Mateus 5:1-12. In: BÍBLIA..., 2002).

Na realidade, o Sermão da Montanha subverte o pensamento religioso mosaico do olho por olho, dente
por dente. No fundo, Cristo apresenta aos cristãos um novo comportamento ético. Nietzsche chamará a
moral cristã de moral dos escravos e ressentidos. Em outras palavras, a moral dos fracos.

Do ponto de vista dos cristãos, a vida boa é aquela em que as bem-aventuranças do Sermão da Montanha
são plenamente vividas. É possível discuti-las sob dois aspectos: o aniquilamento e o pacifismo.

O Sermão da Montanha parece propor um aniquilamento da própria existência em favor de alguns


princípios. Em outras palavras, a ética cristã tem como principal proposta a renúncia à própria existência
como caminho para uma vida feliz. Na realidade, os dois conceitos supracitados estão interligados, ou seja,
esse aniquilamento deve conduzir os cristãos a um pacifismo. Sendo assim, a renúncia à própria existência
deve ser vista, segundo os cristãos, com a perspectiva da paz.

Nesse caso, a vida boa é a aquela que conduz a humanidade à paz. Acredito que uma questão tenha
surgido em sua mente: e as guerras santas travadas pelos cristãos? Deixo essa pergunta par o final do nosso
texto, quando veremos uma autora que coloca os sistemas morais como obra de ficção, ou seja, com pouca
correspondência com a realidade. Mesmo assim, não é possível apagar os feitos de milhares de pessoas que,
inspiradas em Cristo, tentaram viver esses valores.

O terceiro ponto a salientar é a substituição do “lugar natural” pela missão. Mas, antes de fazê-lo, gostaria
de voltar á Grécia antiga para falar de Aristóteles. A exemplo de Platão, o pensamento aristotélico também
passará por transformações na Europa medieval com o cristianismo. Deixemos de lado, por enquanto, Platão
e os cristãos e voltemo-nos para Aristóteles.

15
Fundamentos de Ética

A ÉTICA NA OBRA ÉTICA A NICÔMACO, DE ARISTÓTELES3


Neste trecho da aula, pretendo apresentar algumas pistas para a leitura dessa famosa obra sobre ética.
Em outras palavras, darei a vocês algumas noções básicas que lhes permitirão ler esse texto posteriormente.

A ética é um esforço de pensamento, ou seja, decorrente de uma atividade intelectiva. A ética, portanto,
é o resultado de um exercício mental individual, coletivo, político e histórico. Na realidade, é sempre uma
ferramenta sobre a melhor forma de viver e de, sobretudo, conviver.

Aristóteles não era ateniense. Nasceu em uma cidade chamada Estagira, ao norte de Atenas. Sendo assim,
ele não possuía direitos políticos. Outro dado importante sobre a vida desse pensador está no fato de ser
filho de um famoso médico chamado Nicômaco. Seu pai era médico do rei da Macedônia, o que lhe conferia
enorme popularidade. Dito de outro modo, você já percebeu que Aristóteles era um bem-nascido. Ele teria
sido profundamente influenciado pelo amor que o seu pai tinha pela natureza, uma vez que ser médico na
Grécia antiga implicava desenvolver remédios de forma natural, pois, evidentemente, não existia indústria
farmacêutica.

Aristóteles conviveu como discípulo de Platão dos 18 aos 38 anos, ou seja, durante 20 anos. Aos 38 anos,
o pensador já era professor da academia. Nesse mesmo período, Platão morreu. Com isso, Aristóteles viu
o seu desejo de assumir a academia frustrado, pois, por não ser cidadão de Atenas, não podia assumir um
cargo de tal envergadura.

O pensador saiu de Atenas e foi para uma cidade vizinha, onde fundou a sua própria escola filosófica,
o Liceu. Em pouco tempo, essa escola prosperou. Por conta do sucesso e da fama de Aristóteles, o rei da
Macedônia convidou-o para ser preceptor de seu filho, Alexandre. Em pouco tempo, este dominou todo o
mundo civilizado e, com isso, ficou conhecido como Alexandre, o Grande.

A Ética a Nicômaco é a primeira obra do ocidente sobre ética. Ela nasce das aulas que o filósofo ministrou
no Liceu, ou seja, são anotações de aulas. Essa obra não deve ser interpretada como grandes princípios
gerais a respeito da vida. Nela, existe uma preocupação com a existência material dos seres humanos, uma
vez que a existência da ética somente terá algum sentido se a finalidade for a de melhorar a vida dos próprios
homens. Em outras palavras, como fazer com que a vida concreta destes seja a melhor possível? É sobre essa
pergunta que o texto se debruça.

A preocupação de como devemos viver parte de um primeiro ponto, conforme já salientamos anteriormente:
a convicção de que o homem é parte de um cosmos. Em outras palavras, todas as coisas têm uma finalidade.
O mesmo ocorre com a vida do homem, ou seja, esta está estabelecida dentro de uma ordem cósmica e
com uma finalidade dentro dela. Essa ordem é a mesma estabelecida por Zeus após a vitória sobre os titãs.

O segundo ponto é o conceito de vida boa em Aristóteles, ou seja, de eudaimonia. A tradução dessa
palavra é confusa e, no decorrer da história do pensamento, causou inúmeras controvérsias. A eudaimonia
seria uma vida soberana, ou seja, perfeitamente de acordo com a sua finalidade. Dito de outro modo, a vida
boa é aquela na qual o ser humano encontra o bem supremo. Mas o que seria o bem supremo? É o modelo
3  Aula ministrada pelo professor Clóvis Barros Filho, professor de ética da Universidade de São Paulo. Este curso de ética tem seguido o itinerário
das aulas do professor Barros.

16
Fundamentos de Ética

de vida que vale por ela mesma, ou seja, que não é instrumental. Em outras palavras, a vida que vale a pena,
para Aristóteles, é aquela em que o homem não encontre fora dela o sentido para vivê-la. Por exemplo, a vida
de estudante que se prepara para o vestibular é uma vida eudaimônica? Respondo: não. Pois, nesse caso, a
vida de estudos não é uma finalidade em si mesma, uma vez que a finalidade dessa ação está na meta, que
é a aprovação no vestibular.

As ações da vida, de acordo com Aristóteles, não podem ser instrumentais. Dito de outra maneira, as
ações que não têm as suas finalidades nelas mesmas não fazem a vida valer a pena, portanto, não são
eudaimônicas.

Voltando ao exemplo do estudante que se prepara para o vestibular. A existência dele somente valerá
a pena caso não coloque o motivo do seu estudo numa situação posterior, ou seja, o estudo precisa valer
pelo estudo. Vejamos como esse conceito aparece no texto do filósofo. Passemos à leitura de um trecho
importante da Ética à Nicômaco:

O conceito de felicidade

6. Mas como entendemos o bem? Ele não é certamente semelhante às coisas que somente por acaso têm
o mesmo nome. São os bens uma coisa só, então, por serem derivados de um único bem, ou por contribuírem
todos para um único bem, ou eles são uma única coisa apenas por analogia? Certamente, da mesma forma
que a visão é boa no corpo, a razão é boa na alma, e identicamente em outros casos.

Mas talvez seja melhor deixar de lado estes tópicos por enquanto, pois um exame detalhado dos mesmos
seria mais apropriado em outro ramo da filosofia. Acontece o mesmo em relação à forma do bem; ainda que haja
um bem único que seja um predicado universal dos bens, ou capaz de existir separada e independentemente,
tal bem não poderia obviamente ser praticado ou atingido pelo homem, e agora estamos procurando algo
atingível. Talvez alguém possa pensar que vale a pena ter conhecimento deste bem, com vistas aos bens
atingíveis e praticáveis; com efeito, usando-o como uma espécie de protótipo, conheceremos melhor os bens
que são bons para nós e, conhecendo-os, poderemos atingi-los. Este argumento tem alguma plausibilidade,
mas parece colidir com o método científico; todas as ciências, com efeito, embora visem a algum bem e
procurem suprir-lhe as deficiências, deixam de lado o conhecimento da forma do bem. Mais ainda: não é
provável que todos os praticantes das diversas artes desconheçam e nem sequer tentem obter uma ajuda tão
preciosa. Também é difícil perceber como um tecelão ou um carpinteiro seria beneficiado em relação ao seu
próprio ofício com o conhecimento deste “bem em si”, ou como uma pessoa que vislumbrasse a própria forma
poderia vir a ser um médico ou general melhor por isto. Com efeito, não parece que um médico estude a
“saúde em si”, e sim a saúde do homem, ou talvez até a saúde de um determinado homem; ele está curando
indivíduos. Mas já falamos bastante sobre estes assuntos.

7. Voltemos agora ao bem que estamos procurando, e vejamos qual a sua natureza. Em uma atividade
ou arte ele tem uma aparência, e em outros casos outra. Ele é di­ferente em medicina, em estratégia, e o
mesmo acontece nas artes restantes. Que é então o bem em cada uma delas? Será ele a causa de tudo que
se faz? Na medicina ele é a saúde, na estratégia é a vitória, na arquitetura é a casa, e assim por diante em
qualquer outra esfera de atividade, ou seja, o fim visado em cada ação e propósito, pois é por causa dele que
os homens fazem tudo mais. Se há portanto um fim visado em tudo que fazemos, este fim é o bem atingível
pela atividade, e se há mais de um, estes são os bens atingíveis pela atividade. Assim a argumentação chegou
ao mesmo ponto por um caminho diferente, mas devemos tentar a demonstração de maneira mais clara.

17
Fundamentos de Ética

Já que há evidentemente mais de uma finalidade, e escolhemos algumas delas (por exemplo, a riqueza,
flautas ou instrumentos musicais em geral) por causa de1 algo mais, obviamente nem todas elas são finais;
mas o bem supremo é evidente­mente final. Portanto, se há somente um bem final, este será o que estamos
procurando, e se há mais de um, o mais final dos bens será o que estamos procurando. Chamamos aquilo
que é mais digno de ser perseguido em si mais final que aquilo que é digno de ser perseguido por causa de
outra coisa, e aquilo que nunca é desejável por causa de outra coisa chamamos de mais final que as coisas
desejáveis tanto em si quanto por causa de outra coisa, e portanto chamamos absolutamente final aquilo que
é sempre desejável em si, e nunca por causa de algo mais. Parece que a felicidade, mais que qualquer outro
bem, é tida como este bem supremo, pois a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa de algo
mais; mas as honrarias, o prazer, a inteligência e todas as outras formas de excelência, embora as escolhamos
por si mesmas (escolhê-las-íamos ainda que nada resultasse delas), escolhemo-las por causa da felicidade,
pensando que através delas seremos felizes. Ao contrário, ninguém escolhe a felicidade por causa das várias
formas de excelên­cia, nem, de um modo geral, por qualquer outra coisa além dela mesma. (ARISTÓTELES
apud MARCONDES, 2007, p. 38-9).

A fim de elucidar de uma vez por todas o que seria o sumo bem, apresentarei aqui alguns graus de bem,
a saber: ir ao bem pelo bem; ir ao bem com ajuda; ir ao bem com coação; e não ir ao bem. Para tal, vamos
usar o exemplo do estudante.

a) Ir ao bem pelo bem: é aquele sujeito que faz o bem pelo bem, ou seja, sem motivação exterior. Por
exemplo, o aluno que estuda por acreditar que o estudo é um bem em si mesmo. Em outras palavras, mesmo
que não existisse nenhuma utilidade dele em vestibulares, concursos ou mestrados acadêmicos, ainda assim,
esse estudante manteria a mesma postura.

b) Ir ao bem com ajuda: é o sujeito que faz o bem com algum motivo. Por exemplo, o jovem que estuda
para passar no vestibular. Não deixa de ser um bem, mas não é o bem supremo.

c) Ir ao bem com coação: seria aquele individuo que faz o bem motivado pela obrigação. Por exemplo, é
o caso do jovem que estuda impulsionado pela coação dos pais, da escola ou da sociedade. Nesse caso, não
deixa de ser um bem, mas essa vida está ainda mais longe da vida boa de Aristóteles.

d) Não ir ao bem mesmo com coação: nesse caso, haverá para esse sujeito a punição. Dito de outro modo,
se, mesmo depois de toda a coação social, o indivíduo não progride no bem, nesse caso, ele será punido pela
sociedade e, quem sabe, pela própria vida.

Usei esses quatros exemplos de bem supremo para elucidar, clarear o pensamento de Aristóteles, ou seja,
estou jogando luz em alguns conceitos aristotélicos a fim de facilitar a sua leitura desse pensador.

Em resumo, para Aristóteles, uma vida perfeitamente ajustada à ordem cósmica, ou seja, dentro da sua
finalidade, terá como resultado o bem supremo – a eudaimonia. Mas como saber qual é a nossa finalidade
no cosmos? A resposta do pensador a essa pergunta tem a ver com o conceito de virtude.

A virtude em Aristóteles não é a virtude cristã. Mas o que ela é para esse autor? É um talento natural
atualizado, no sentido de ato e potência, na teoria aristotélica. O talento é um sintoma, ou seja, um indicar da
vida. Qual é a diferença entre a virtude em Aristóteles e a virtude cristã? Esta, para os cristãos, é o uso bom
que se faz dos talentos. No caso de Aristóteles, o próprio talento já é a virtude. Em outras palavras, para ele,

18
Fundamentos de Ética

a vida boa e ajustada é fazer aquilo que você faz bem, ao passo que, para os cristãos, o talento é um dom de
Deus e, por isso, deve ser colocado a serviço dos outros. No caso de Aristóteles, não existe conotação moral
nesse uso, ou seja, age moralmente bem quem usa os talentos.

Para o pensador, a virtude também será vista como a justa medida entre a falta e o excesso, daí a famosa
frase atribuída a ele: “A virtude está no meio termo”. Vejamos como o tema aparece no livro II da Ética a
Nicômaco:

A doutrina do meio-termo

8. Em relação ao meio-termo, em alguns casos é a falta e em outros é o excesso que está mais afastado;
por exemplo, não é a temeridade, que é o excesso, mas a covardia, que é a falta, que é mais oposta à
coragem, e não é a insensibilidade, que é uma falta, mas a concupiscência, que é um excesso, que é mais
oposta à moderação. Isto acontece por duas razões; uma delas tem origem na própria coisa, pois por estar um
extremo mais próximo ao meio-termo e ser mais parecido com ele, opomos ao intermediário não o extremo,
mas seu contrário. Por exemplo, como se considera a temeridade mais parecida com a coragem, e a covardia
mais diferente, opomos esta última à coragem, pois as coisas mais afastadas do meio-termo são tidas como
mais contrárias a ele; a outra razão tem origem em nós mesmos, pois as coisas para as quais nos inclinamos
mais naturalmente parecem mais contrárias ao meio-termo. Por exemplo, tendemos mais naturalmente para
os prazeres, e por isso somos levados mais facilmente para a concupiscência do que para a moderação.
Chamamos, portanto, contrárias ao meio-termo as coisas para as quais nos sentimos mais inclinados; logo, a
concupiscência, que é um excesso, é mais contrária à moderação.

9. Já explicamos suficientemente, então, que a excelência moral é um meio-termo e em que sentido


ela o é, e que ela é um meio-termo entre duas formas de deficiência moral, uma pressupondo excesso e
outra pressupondo falta, e que a excelência moral é assim porque sua característica é visar às situações
intermediárias nas emoções e nas ações. Por isso, ser bom não é um intento fácil, pois em tudo não é um
intento fácil determinar o meio – por exemplo, determinar o meio de um círculo não é para qualquer pessoa,
mas para as que sabem; da mesma forma, todos podem encolerizar-se, pois isso é fácil, ou dar ou gastar
dinheiro; mas proceder assim em relação à pessoa certa até o ponto certo, no momento certo, pelo motivo
certo e da maneira certa não é para qualquer um, nem é fácil; portanto, agir bem é raro, louvável e nobilitante.
Quem visa ao meio-termo deve primeiro evitar o extremo mais contrário a ele, de conformidade com a
advertência de Calipso: “mantém a nau distante desta espuma e turbilhão.

De dois extremos, com efeito, um induz mais em erro e o outro menos; logo, já que atingir o meio-termo é
extremamente difícil, a melhor entre as alternativas restantes, como se costuma dizer, é escolher o menor dos
males, e a melhor maneira de atingir este objetivo é a que descrevemos. Mas devemos estar atentos aos erros
para os quais nós mesmos nos inclinamos mais facilmente, pois algumas pessoas tendem para uns e outras
para outros; Descobri-los-emos mediante a observação do prazer ou do sofrimento que experimentamos; isto
feito, devemos dirigir-nos resolutamente para o extremo oposto, pois chegaremos à situação intermediária
afastando-nos tanto quanto possível do erro, como se faz para acertar a madeira empenada.

Em tudo devemos precaver-nos, principalmente contra o que é agradável e contra o prazer, pois não somos
juízes imparciais diante deste. Devemos sentir-nos em relação ao prazer da mesma forma que os anciãos do
povo se sentiram diante de Helena, e repetir em todas as circunstâncias as suas palavras, pois se o afastamos
de nós é menos provável que erremos. Em resumo, é agindo desta maneira que seremos mais capazes de
atingir o meio-termo.

19
Fundamentos de Ética

Mas sem dúvida isto é difícil, especialmente nos casos particulares, portanto não é fácil determinar de
que maneira, e com quem e por que motivos, e por quanto tempo devemos encolerizar-nos; às vezes nós
mesmos louvamos as pessoas que cedem e as chamamos de amáveis, mas às vezes louvamos aquelas que
se encolerizam e a chamamos de viris. Entretanto, as pessoas que se desviam um pouco da excelência não
são censuradas, quer o façam no sentido do mais, quer o façam no sentido do menos; censuramos apenas as
pessoas que se desviam consideravelmente, pois estas não passarão despercebidas. Mas não é fácil determinar
racionalmente até onde e em que medida uma pessoa pode desviar-se antes de tornar-se censurável (de fato,
nada que é percebido pelos sentidos é fácil de definir); tais coisas dependem de circunstâncias específicas,
e a decisão depende da percepção. Isto é bastante para determinar que a situação intermediária deve ser
louvada em todas as circunstâncias, mas que às vezes devemos inclinar-nos no sentido do excesso, e às vezes
no sentido da falta, pois assim atingiremos mais facilmente o meio-termo e o que é certo (ARISTÓTELES apud
MARCONDES, 2007, p. 40-42).

A fim de facilitar o estudo do tema das virtudes em Aristóteles, apresento um quadro executado pelo
professor Adriano Ferreira (2011), no qual será possível perceber com clareza como Aristóteles posiciona-se
no debate a respeito das virtudes:

Fonte: http://diogojacarezinho01.blogspot.com.br/2012/04/curso-de-etica-pos-em-filosofiagama.html.

Aristóteles também vai colocar na atividade racional a principal finalidade da existência. Em outras palavras,
quem pensa mais vive melhor, ou seja, vive bem quem pensa bem. Mas será que todos conseguem usar
e desenvolver plenamente o uso da razão? Para Aristóteles, nem todos chegam ao pleno desenvolvimento
das atividades naturais, e esse fato é natural, ou seja, a natureza não fez os homens iguais. Nesse caso,
justificam-se as afirmações da obra A política de alguns nascerem para mandar enquanto outros, para
obedecer (ARISTÓTELES, 2014). Assim, a superioridade natural deve traduzir-se em superioridade política,
por isso, o tema da escravidão é natural em Aristóteles. Vejamos nas palavras do próprio autor:

Mas faz a natureza ou não de um homem um escravo? É justa e útil a escravidão ou é contra a natureza?
É isto que devemos examinar agora.

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Fundamentos de Ética

O fato e a experiência, tanto quanto a razão, nos conduzirá aqui ao conhecimento do direito. Não é apenas
necessário, mas também vantajoso que haja mando por um lado e obediência por outro; e todos os seres,
desde o primeiro instante do nascimento, são, por assim dizer, marcados pela natureza, uns para comandar,
outros para obedecer.

Entre eles, há várias espécies de superiores ou de súditos, e o mando é tanto mais nobre quanto mais
elevado é o próprio súdito. Assim, mais vale comandar homens do que animais. O que se executa mediante
melhores agentes é sempre mais bem executado, partindo então a execução do mesmo princípio que o
comando; ao passo que, quando aquele que manda e aquele que obedece são de espécies diferentes, cada
um sacrifica algo de seu.

Em tudo o que é composto de várias partes, quer contínuas, quer disjuntas, mas tendentes a um fim
comum, sempre notamos uma parte eminente à qual as outras estão subordinadas, e isso não apenas nas
coisas animadas, mas também nas que não o são, tais como os objetos suscetíveis de harmonia. Mas, aqui,
me afastarei por certo de meu objetivo.

O animal compõe-se primeiro de uma alma, depois de um corpo: a primeira, por sua natureza, comanda e
o segundo obedece. Digo “por sua natureza”, pois é preciso considerar o mais perfeito como tendo emanado
dela, e não o que é degradado e sujeito à corrupção. O homem, segundo a natureza, é aquele que é bem
constituído de alma e de corpo. Se nas coisas viciosas e depravadas o corpo não raro parece comandar a alma,
é certamente por erro e contra a natureza.

É preciso, portanto, como dissemos, considerar nos seres animados a autoridade do senhor e a do
magistrado: a primeira é a da alma sobre o corpo; a segunda exerce sobre as paixões humanas o poder da
razão. É claro que o comando, nestas duas espécies, é conforme à natureza, assim como ao interesse de todas
as partes, e a igualdade ou a alternância seriam muito nocivas a ambas.

O mesmo ocorre com o homem relativamente aos outros animais, tanto os que se domesticam quanto os
que permanecem selvagens, a pior das duas espécies. Para eles é preferível obedecer ao homem; seu governo
é-lhes salutar.

A natureza ainda subordinou um dos dois animais ao outro. Em todas as espécies, o macho é evidentemente
superior à fêmea: a espécie humana não é exceção (ARISTÓTELES, 2014).

Segundo Barros Filho (2014), a igualdade é um conceito introduzido pelo cristianismo na história do
pensamento ético. Para os gregos, a ideia de igualdade entre os homens chega a beirar o absurdo.

Gostaria de recapitular alguns aspectos do pensamento aristotélico até aqui trabalhados. Em primeiro
lugar, o conceito de eudaimonia, que alguns traduzem como felicidade ou vida plena. Depois, de acordo com
Aristóteles, a virtude é atualização de uma condição natural, ou seja, o ser humano virtuoso é aquele que
age em conformidade com a sua finalidade no cosmos. Dito de outra maneira, a eudaimonia somente será
alcançada quando esse lugar no cosmos (lugar natural) for encontrado. É sobre o lugar natural que passo a
falar agora.

21
Fundamentos de Ética

Os conceitos de lugar natural e de finalidade têm um espaço importante na compreensão do


pensamento grego a respeito da ética e na teoria aristotélica.

De acordo com Aristóteles, toda ação deve tender para o bem supremo, ou seja, este é o fim último das
ações humanas. Nesse caso, existe a clara convicção de que o cosmos é organizado e que todos os seres
devem ajustar-se perfeitamente a essa ordem. Sendo assim, todos os bens que fazemos devem ter como
finalidade o bem supremo, uma vez que participam dele. Quando leciono esse assunto, procuro sempre usar
uma figura que poderá ajudar aos alunos a compreender melhor o tema: o Bem com “B” maiúsculo e o bem
com “b” minúsculo. Em outras palavras, o Bem é o resultado final da ação humana (é singular), ao passo
que existem bens (plural). O próprio Aristóteles alude a esse tema no primeiro capítulo do livro I da Ética a
Nicômaco. Vejamos:

Toda perícia e todo processo de investigação do mesmo modo todo procedimento prático e toda decisão,
parecem lançar-se para um certo bem. É por isso que tem sido dito acertadamente quem o bem é aquilo que
tudo anseia (ARISTÓTELES, 2009, p. 17).

O que nos parece é que a visão ética de Aristóteles está fundamentada num conceito chamado teleologia,
ou seja, a noção de que as coisas no universo seguem uma finalidade, inclusive os seres humanos. Aqueles
que estiverem totalmente em desarmonia com a ordem cósmica estarão num estado de acrasia (akrasia), ou
seja, numa condição de falta de autodomínio que os levará, consequentemente, à infelicidade.

Em suma, podemos salientar os principais pontos do pensamento aristotélico:

a) O conceito de eudaimonia: a vida que vale por ela mesma, ou seja, a vida feliz e em conformidade com
a ordem cósmica.

b) O conceito de virtude: virtude é a atualização de uma qualidade atribuída pela natureza ao homem. A
virtude está no meio termo.

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Fundamentos de Ética

c) A visão teleológica: todas as coisas têm uma finalidade cósmica. A felicidade (eudaimonia) é alcançada
na medida em que os seres humanos estão ajustados à sua finalidade.

Finalizando esta aula, acredito que você tenha percebido que pensar ética não é tão fácil como parece,
uma vez que existem diversas fontes de pensamento. Na realidade, as nossas aulas têm por objetivo levá-los
a compreender a evolução das formas de pensar a ética. Dito com outras palavras, pretendo levá-los pelos
caminhos que fundamentam o pensamento ético.

Voltando ao pensamento cristão, resta-nos ainda um último ponto: a noção de vocação. Esse ponto
do pensamento cristão, prometi deixá-lo para depois, pois a ideia de finalidade em Aristóteles seria de
fundamental importância para uma melhor compreensão desse conceito.

A IDEIA DE FINALIDADE E VOCAÇÃO NO PENSAMENTO CRISTÃO

O pensamento cristão substituiu a noção de finalidade grega pela ideia de vocação e missão. Nesse
caso, os cristãos agem impulsionados pela concepção de que receberam de Deus uma missão (vocação) no
mundo. Desse modo, o pensamento teleológico dá lugar à ideia de plano de Deus. Observemos com atenção:

1 Por isso, eu, prisioneiro no Senhor, peço que vocês se comportem de modo digno da vocação que
receberam. 2 Sejam humildes, amáveis, pacientes e suportem-se uns aos outros no amor. 3 Mantenham entre
vocês laços de paz, para conservar a unidade do Espírito. 4 Há um só corpo e um só Espírito, assim como a
vocação de vocês os chamou a uma só esperança: 5 há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. 6 Há um
só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que age por meio de todos e está presente em todos (Carta
aos Efésios 4:1-6. In: BÍBLIA..., 2002).

Nesse caso, os preceitos éticos surgem como uma consequência da vocação dada por Deus aos cristãos.
Ou seja, o lugar natural dos gregos e a teleologia de Aristóteles, no pensamento cristão, perdem o seu
espaço para o conceito de vocação e missão.

Esse conceito, segundo os cristãos, teria sido por vezes interpretado erroneamente por alguns setores da
sociedade e da própria Igreja Católica, pois, em muitos casos, serviu para justificar, por exemplo, o modelo
de sociedade estamental na Idade Média: o padre nasceu para rezar, o nobre, para guerrear, e o camponês,
para trabalhar.

23
Fundamentos de Ética

O conceito de vocação, sendo mal-interpretado ou não, teve um impacto tremendo no modelo de


sociedade medieval europeia. Esse impacto talvez sirva para nos mostrar que as ideias materializam-se em
ações, ou seja, tudo aquilo que existe no plano teórico quase sempre vem para o plano prático, mesmo
quando não existe nenhuma relação entre teoria e prática. Por exemplo, por mais absurdo que pareça o
ideal de escravidão natural de Aristóteles, ele movimentou a história do mundo ocidental por muitos séculos.
Eu costumo dizer nas aulas que a declaração de que os homens têm direitos equivale a um gol feito aos 45
minutos do segundo tempo da história da humanidade.

Então, o que diferencia a finalidade de Aristóteles da ideia de vocação dos cristãos? Num primeiro momento,
parecem ser a mesma coisa. Mas não o são. Explico. A finalidade é natural e é dada pelo cosmos a todos os
seres humanos, ao passo que a vocação é um dom de Deus. O que diferencia, então, o Deus dos cristãos do
cosmos de Aristóteles? O Deus cristão é um ser pessoal e dotado de vontade. Em outras palavras, para os
cristãos, Ele não é uma energia boa espalhada pelo mundo (ou simplesmente organizada, como no caso dos
gregos). Para eles, Deus é um ser supremo, dotado de vontade e de racionalidade. Na verdade, não seria o
cosmos, mas o criador do cosmos, ou seja, essa ideia de que Deus é tudo (panteísmo) não será aceita pelos
cristãos.

Sendo assim, a ideia de vocação ganha muita força, uma vez que ela é transmitida aos homens pelo
próprio Deus. De acordo com os cristãos, os seres humanos devem conduzir as suas existências com esse
sentido de vocação sempre presente.

Em resumo, se o fundamento da moral para os gregos era o cosmos, para os cristãos, esse fundamento
é Deus.

Acredito que, com esses dois pilares, seja possível caminhamos para o pensamento ético moderno:
Maquiavel (pragmatismo), Nietzsche e Sartre. A moral grega e a moral cristã irão perder significativamente
as suas forças para o pragmatismo de Maquiavel e para o pensamento do alemão Nietzsche.

O PRAGMATISMO DE MAQUIAVEL
O século XVI marcou a quebra de uma hegemonia do pensamento cristão católico. Acontecimentos
ligados à Reforma Protestante, à revolução científica e ao próprio Renascimento colocaram em cheque toda
a tradição cristã. Falo da tradição cristã pois, na Idade Média, parte considerável do pensamento grego foi
cristianizado em Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Mesmo assim, a ciência aristotélica também não
foi poupada das críticas, pelo contrário, foi alvo de intensos “bombardeios” das novas posturas científicas dos
séculos XVI e XVII.

Maquiavel (1468-1525), pensador político, foi um dos primeiros a separar ética, política e religião. Para
ele, estava muito claro que o agir humano (agir político) não deveria ter por fundamento conceitos religiosos
ou metafísicos.

O que faz de Maquiavel o pai do pragmatismo moderno para alguns? Segundo ele, uma ação será boa na
medida em que produz o resultado esperado, ou seja, não existe nada que seja bom ou ruim em si mesmo,
pelo contrário, é o resultado que determinará isso. Nesse caso, diferentemente do pensamento grego e do
cristão, a virtude estaria justamente na capacidade de atingir os fins esperados.

24
Fundamentos de Ética

Para esse pensador, na vida, existem duas possibilidades: ser dominado ou dominar. Ele tem uma visão
agonística das relações humanos, ou seja, os homens estariam num eterno conflito de forças. A disputa,
para Maquiavel, é algo inerente à natureza humana. Com isso, surge a necessidade de traçar para a vida
estratégias que nos permitam perder o menos possível. Em outras palavras, na vida, é preciso ocupar
território. Para tal, os homens não podem fundamentar os seus valores em princípios dogmáticos, uma vez
que, se a vida é uma guerra, os métodos e as estratégias de ação devem mudar constantemente.

Perceba que, nesse caso, tanto o cosmos dos gregos quanto a vocação dos cristãos perdem o seu espaço.
Pois, se agir é lutar, para isso, é preciso buscar sempre novos caminhos que nos permitam obter melhores
resultados. Então, não é viável para a vida um modo de pensar que nos amarre a princípios estagnados. No
capítulo III do O Príncipe, de Nicolau Maquiavel (MACHIAVELLI, [2001]), fica evidente com o comportamento
político deve estar ligado à questão do resultado. Seguindo a lógica desta aula, reproduzo e comento trechos
desse capítulo:

Dos principados mistos

Mas é nos principados novos que residem as dificuldades. Em primeiro lugar, se não é totalmente novo
mas sim como membro anexado a um Estado hereditário (que, em seu conjunto, pode chamar-se “quase
misto”), as suas variações resultam principalmente de uma natural dificuldade inerente a todos os principados
novos: é que os homens, com satisfação, mudam de senhor pensando melhorar e esta crença faz com
que lancem mão de armas contra o senhor atual, no que se enganam porque, pela própria experiência,
percebem mais tarde ter piorado a situação. Isso depende de uma outra necessidade natural e ordinária, a
qual faz com que o novo príncipe sempre precise ofender os novos súditos com seus soldados e com outras
infinitas injúrias que se lançam sobre a recente conquista; dessa forma, tens como inimigos todos aqueles que
ofendeste com a ocupação daquele principado e não podes manter como amigos os que te puseram ali, por
não poderes satisfazê-los pela forma por que tinham imaginado, nem aplicar-lhes corretivos violentos uma
vez que estás a eles obrigado; porque sempre, mesmo que fortíssimo em exércitos, tem-se necessidade do
apoio dos habitantes para penetrar numa província. Foi por essas razões que Luís XII, rei de França, ocupou
Milão rapidamente e logo depois o perdeu, para tanto bastando inicialmente as forças de Ludovico, porque
aquelas populações que lhe haviam aberto as portas, reconhecendo o erro de seu pensar anterior e descrentes
daquele bem-estar futuro que haviam imaginado, não mais podiam suportar os dissabores ocasionados pelo
novo príncipe.

Ë bem verdade que, reconquistando posteriormente as regiões rebeladas, mais dificilmente se as perdem,
eis que o senhor, em razão da rebelião, é menos vacilante em assegurar-se da punição daqueles que lhe
faltaram com a lealdade, em investigar os suspeitos e em reparar os pontos mais fracos. Assim sendo, se para
que a França viesse a perder Milão pela primeira vez foi suficiente um Duque Ludovico que fizesse motins
nos seus limites, já para perdê-lo pela segunda vez foi preciso que tivesse contra si o mundo todo e que seus
exércitos fossem desbaratados ou expulsos da Itália, o que resultou das razões logo acima apontadas. Não
obstante, tanto na primeira como na segunda vez, Milão foi-lhe tomado.

As razões gerais da primeira foram expostas; resta agora falar sobre as da segunda vez e ver de que
remédios dispunha a França e de que meios poderá valer-se quem venha a encontrar-se em circunstâncias
tais, para poder manter-se na posse da conquista melhor do que o fez esse país.

25
Fundamentos de Ética

Digo, consequentemente, que estes Estados conquistados e anexados a um Estado antigo, ou são da
mesma província e da mesma língua, ou não o são: Quando o sejam, é sumamente fácil mantê-los sujeitos,
máxime quando não estejam habituados a viver em liberdade, e para dominá-los seguramente será bastante
ter-se extinguido a estirpe do príncipe que os governava, porque nas outras coisas, conservando-se suas
velhas condições e não existindo alteração de costumes, os homens passam a viver tranqüilamente, como se
viu ter ocorrido com a Borgonha, a Bretanha, a Gasconha e a Normandia que por tanto tempo estiveram com
a França, isto a despeito da relativa diversidade de línguas, mas graças à semelhança de costumes facilmente
se acomodaram entre eles. E quem conquista, querendo conservá-los, deve adotar duas medidas: a primeira,
fazer com que a linhagem do antigo príncipe seja extinta; a outra, aquela de não alterar nem as suas leis nem
os impostos; por tal forma, dentro de mui curto lapso de tempo, o território conquistado passa a constituir um
corpo todo com o principado antigo.

Mas, quando se conquistam territórios numa província com língua, costumes e leis diferentes, aqui surgem
as dificuldades e é necessário haver muito boa sorte e habilidade para mantê-los. E um dos maiores e mais
eficientes remédios seria aquele do conquistador ir habitá-los. Isto tornaria mais segura e mais duradoura a
posse adquirida, como ocorreu com o Turco da Grécia, que a despeito de ter observado todas as leis locais,
não teria conservado esse território se para aí não tivesse se transferido. Isso porque, estando no local, pode-
se ver nascerem as desordens e, rapidamente, podem ser elas reprimidas; aí não estando, delas somente se
tem notícia quando já alastradas e não mais passíveis de solução. Além disso, a província conquistada não é
saqueada pelos lugar-tenentes; os súditos ficam satisfeitos porque o recurso ao príncipe se torna mais fácil,
donde têm mais razões para amá-lo, querendo ser bons, e para temê-lo, caso queiram agir por forma diversa.
Quem do exterior desejar assaltar aquele Estado, por ele terá maior respeito; donde, habitando-o, o príncipe
somente com muita dificuldade poderá vir a perdê-lo.

Outro remédio eficaz é instalar colônias num ou dois pontos, que sejam como grilhões postos àquele
Estado, eis que é necessário ou fazer tal ou aí manter muita tropa. Com as colônias não se despende muito
e, sem grande custo, podem ser instaladas e mantidas, sendo que sua criação prejudica somente àqueles de
quem se tomam os campos e as casas para cedê-los aos novos habitantes, os quais constituem uma parcela
mínima do Estado conquistado. Ainda, os assim prejudicados, ficando dispersos e pobres, não podem causar
dano algum, enquanto que os não lesados ficam à parte, amedrontados, devendo aquietar-se ao pensamento
de que não poderão errar para que a eles não ocorra o mesmo que aconteceu àqueles que foram espoliados.
Concluo dizendo que estas colônias não são onerosas, são mais fiéis, ofendem menos e os prejudicados não
podem causar mal, tornados pobres e dispersos como já foi dito. Por onde se depreende que os homens
devem ser acarinhados ou eliminados, pois se se vingam das pequenas ofensas, das graves não podem
fazê-lo; daí decorre que a ofensa que se faz ao homem deve ser tal que não se possa temer vingança. Mas
mantendo, em lugar de colônias, forças militares, gasta-se muito mais, absorvida toda a arrecadação daquele
Estado na guarda aí destacada; dessa forma, a conquista transforma-se em perda e ofende muito mais por
que danifica todo aquele país com as mudanças do alojamento do exército, incômodo esse que todos sentem
e que transforma cada habitante em inimigo: e são inimigos que podem causar dano ao conquistador, pois,
vencidos, ficam em sua própria casa. Sob qualquer ponto de vista essa guarda armada é inútil, ao passo que
a criação de colônias é útil.

Deve, ainda, quem se encontre à frente de uma província diferente, como foi dito, tornar-se chefe e
defensor dos menos fortes, tratando de enfraquecer os poderosos e cuidando que em hipótese alguma aí
penetre um forasteiro tão forte quanto ele. E sempre surgirá quem seja chamado por aqueles que na província
se sintam descontentes, seja por excessiva ambição, seja por medo, como viu-se terem os etólios introduzido
na Grécia os romanos que, aliás, em todas as outras províncias que conquistaram, fizeram-no auxiliados

26
Fundamentos de Ética

pelos respectivos habitantes. E a ordem das coisas é que, tão logo um estrangeiro poderoso penetre numa
província, todos aqueles que nela são mais fracos a ele dêem adesão, movidos pela inveja contra quem se
tornou poderoso sobre eles; tanto assim é que em relação a estes não se torna necessário grande trabalho para
obter seu apoio, pois logo todos eles, voluntariamente, formam bloco com o seu Estado conquistado. Apenas
deve haver o cuidado de não permitir adquiram eles muito poder e muita autoridade, podendo o conquistador,
facilmente, com suas forças e com o apoio dos mesmos, abater aqueles que ainda estejam fortes, para tornar-
se senhor absoluto daquela província. E quem não encaminhar satisfatoriamente esta parte, cedo perderá a
sua conquista e, enquanto puder conservá-la, terá infinitos aborrecimentos e dificuldades.

Os romanos, nas províncias de que se assenhorearam, observaram bem estes pontos: fundaram colônias,
conquistaram a amizade dos menos prestigiosos, sem lhes aumentar o poder, abateram os mais fortes e não
deixaram que os estrangeiros poderosos adquirissem conceito. Quero tomar como exemplo apenas a província
da Grécia. Os aqueus e os etólios tornaram-se amigos dos romanos; foi abatido o reino dos macedônios e
daí foi expulso Antíoco; mas nem os méritos dos aqueus e dos etólios lhes asseguraram permissão para
conquistar algum Estado, nem a persuasão de Felipe logrou fazer com que os romanos se tornassem seus
amigos e não o diminuíssem, nem o poder de Antíoco conseguiu fazer com que os mesmos o autorizassem
a manter seu domínio naquela província. Isso tudo ocorreu porque os romanos fizeram nesses casos aquilo
que todo príncipe inteligente deve fazer: não somente vigiar e ter cuidado com as desordens presentes, como
também com as futuras, evitando-as com toda a cautela porque, previstas a tempo, facilmente se lhes pode
opor corretivo; mas, esperando que se avizinhem, o remédio não chega a tempo, e o mal já então se tornou
incurável. Ocorre aqui como no caso do tuberculoso, segundo os médicos: no princípio é fácil a cura e difícil
o diagnóstico, mas com o decorrer do tempo, se a enfermidade não foi conhecida nem tratada, torna-se
fácil o diagnóstico e difícil a cura. Assim também ocorre nos assuntos do Estado porque, conhecendo com
antecedência os males que o atingem (o que não é dado senão a um homem prudente), a cura é rápida; mas
quando, por não se os ter conhecido logo, vêm eles a crescer de modo a se tornarem do conhecimento de
todos, não mais existe remédio.

Contudo, os romanos, prevendo as perturbações, sempre as tolheram e jamais, para fugir à guerra,
permitiram que as mesmas seguissem seu curso, pois sabiam que a guerra não se evita mas apenas se adia
em benefício dos outros; por isso mesmo, promoveram a guerra contra Felipe e Antíoco na Grécia, para evitar
terem de fazê-la na Itália e, no entanto, podiam ter evitado a luta naquele momento, se o quisessem. Nem
em momento algum lhes agradou aquilo que todos os dias está nos lábios dos entendidos de nosso tempo, o
desejo de gozar do benefício da contemporização, mas sim apenas aquilo que resultava de sua própria virtude
e prudência: na verdade o tempo lança à frente todas as coisas e pode transformar o bem em mal e o mal
em bem.

Mas voltemos à França e examinemos se ela fez alguma das coisas que expomos, falando eu de Luís e
não de Carlos porque foi daquele que, por ter mantido mais prolongado domínio na Itália, melhor se viram
os progressos: e vereis como ele fez o contrário que se deve fazer para conservar um Estado numa província
diferente.

O Rei Luís foi conduzido à Itália pela ambição dos venezianos que, por tal meio, quiseram ganhar o Estado
da Lombardia, Não desejo censurar o partido tomado pelo rei; porque, querendo começar a pôr um pé na
Itália e não tendo amigos nesta província, sendo-lhe, ao contrário, fechadas todas as portas em razão do
comportamento do Rei Carlos, foi obrigado a servir-se daquelas amizades com que podia contar: e ter-lhe-ia
resultado bem escolhido esse partido, se nos outros manejos não tivesse cometido erro algum. Conquistada,
pois, a Lombardia, o rei readquiriu prontamente aquela reputação que Carlos perdera: Gênova cedeu; os

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Fundamentos de Ética

florentinos tornaram-se seus amigos; o marquês de Mantua, o duque de Ferrara, Bentivoglio, a senhora de
Forli, o senhor de Faenza, de Pesaro, de Rimini, de Camerino, de Piombino, os Luqueses, os Pisanos e os
Sieneses, todos foram ao seu encontro para tornarem-se seus amigos. Os venezianos puderam considerar
então a temeridade da resolução que haviam adotado, pois que, para conquistar dois tratos de terra na
Lombardia, fizeram o rei tornar-se senhor de dois terços da Itália.

Considere-se agora com quanta facilidade podia o rei manter a sua reputação na Itália se, observadas as
normas já referidas, tivesse conservado seguros e defendidos todos aqueles seus amigos que, por serem em
grande número, fracos e medrosos uns em relação à Igreja os outros face aos venezianos, precisavam sempre
estar com ele; por meio deles poderia, facilmente, ter-se assegurado contra os que ainda se conservavam
fortes.

Mas ele, apenas chegado a Milão, fez o contrário, dando auxilio ao papa Alexandre para que ocupasse a
Romanha. Nem percebeu que com essa deliberação enfraquecia a si próprio, afastando os amigos e aqueles
que se lhe tinham lançado aos braços, enquanto engrandecia a Igreja acrescentando ao poder espiritual,
que lhe dá tanta autoridade, tamanha força temporal. Cometido um primeiro erro, foi compelido a seguir
praticando outros até que, para pôr fim à ambição de Alexandre e evitar que este se tornasse senhor da
Toscana, teve de vir pessoalmente à Itália. Não lhe bastou ter tornado grande a Igreja e perder os amigos;
por querer o reino de Nápoles, dividiu-o com o rei da Espanha; sendo primeiro o árbitro da Itália, aí colocou
um companheiro para que os ambiciosos daquela província e os descontentes com ele mesmo tivessem onde
recorrer e, em vez de deixar naquele reino um soberano a ele sujeito, tirou-o para, em seu lugar, colocar um
outro que pudesse expulsá-lo dali.

É coisa muito natural e comum o desejo de conquistar e, sempre, quando os homens podem fazê-lo, serão
louvados ou, pelo menos, não serão censurados; mas quando não têm possibilidade e querem fazê-lo de
qualquer maneira, aqui está o erro e, consequentemente, a censura. Se a França, pois, podia assaltar Nápoles
com suas forças, devia fazê-lo; se não podia, não devia dividir esse reino. E se a divisão que fez com os
venezianas sobre a Lombardia mereceu desculpa por ter com ela firmado pé na Itália, aquela merece censura
em razão de não ser justificada por essa necessidade.

Tinha, pois, Luís, cometido estes cinco erros: eliminou os menos fortes; aumentou na Itália o prestígio de
um poderoso; aí colocou um estrangeiro poderosíssimo; não veio habitar no país; não instalou colônias.

Estes erros, contudo, poderiam não ter causado dano enquanto vivo ele fosse, se não houvesse sido
cometido o sexto erro, tomar os territórios aos venezianos. Na verdade, se não tivesse tornado grande a
Igreja nem introduzido a Espanha na Itália, seria bem razoável e necessário enfraquecê-los; mas, tomados
que foram aqueles partidos, nunca deveriam consentir na ruína dos mesmos, pois, sendo poderosos, teriam
sempre mantido aquelas à distância da Lombardia, e isso porque os venezianos jamais iriam consentir em
qualquer manobra contra esse Estado, a menos que eles se tornassem os senhores, da mesma forma que
os outros não iriam querer tomá-lo à França para dá-lo aos venezianos, ao mesmo tempo que lhes faltava
coragem para entrar em luta com estes e com a França. E se alguém dissesse: o Rei Luís cedeu a Romanha a
Alexandre e o Reino à Espanha para fugir a uma guerra - respondo com as razões já anteriormente expostas
de que - nunca se deve deixar prosseguir uma crise para escapar a uma guerra, mesmo porque dela não se
foge mas apenas se adia para desvantagem própria. E se alguns outros alegassem a palavra que o rei havia
dado ao Papa, qual a de realizar para ele aquela conquista em troca da dissolução de seu casamento e do
chapéu cardinalício para o arcebispo de Ruão - respondo com o que mais adiante se dirá acerca da palavra
dos príncipes e de como se a deve respeitar.

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Fundamentos de Ética

Perdeu, pois, o Rei Luís a Lombardia por não ter respeitado nenhum dos princípios observados por outros
que dominaram províncias e quiseram conservá-las. Não há aqui milagre algum, mas é sim muito comum
e razoável. E deste assunto falei em Nantes ao arcebispo de Ruão, quando Valentino, assim popularmente
chamado César Bórgia, filho do Papa Alexandre, ocupava a Romanha: porque, dizendo-me o cardeal de Ruão
que os italianos não entendiam de guerra, retruquei-lhe que os franceses não entendiam do Estado, pois que,
se de tal compreendessem, não teriam deixado que a Igreja alcançasse tanta grandeza. E por experiência
viu-se que a grandeza da Igreja e da Espanha na Itália foi causada pela França, e a ruína desta foi acarretada
por aquelas.

Disso se extrai uma regra geral que nunca ou raramente falha: quem é causa do poderio de alguém
arruina-se, por que esse poder resulta ou da astúcia ou da força e ambas são suspeitas para aquele que se
tornou poderoso.

Para esta nossa aula a respeito de Maquiavel, fiz questão de colocar o capítulo completo. Tenho adotado
esse método pois acredito que ninguém melhor do que o autor para falar a respeito do assunto. A minha
função, como professor, é elucidar alguns pontos, mas o mais importante está no texto do filósofo.

Destaco aqui alguns pontos sobre o capítulo que acabo de transcrever:

a) As dificuldades para conquistar e manter o poder: no começo do texto, Maquiavel alude para as
dificuldades para a manutenção do poder, ou seja, ele tinha convicção de que os homens não aceitam de boa
vontade a subordinação.

b) Duas dificuldades: primeiro, os derrotados não aceitarão de bom grado o poder que lhes será imposto
após a derrota. Com isso, o novo governante terá por inimigos todos aqueles que perderam. Segundo, os
costumes e o idioma também podem ser um problema para o novo governante. Para esses problemas,
Maquiavel propõe soluções de ordem bem prática, ou seja, pragmática. Segundo ele, o governante deve
ir habitar pessoalmente a região ou criar colônias, bem como deve evitar alterar os costumes do povo. Na
verdade, o que nos importa aqui é perceber o quanto de praticidade existe no pensamento de Maquiavel, ou
seja, a lógica do resultado, que receberá o nome de ética consequencialista.

c) Cuidado com os estrangeiros.

d) O desejo de conquistar é natural.

e) A ruína é a melhor forma de conquista.

Maquiavel, com essa famosa obra, inaugura a ética pragmática. Esse modelo ético vai, entre outros
aspectos, valorizar a separação entre política e ética. O que significa isso? Entre outras coisas, indica que
as ações políticas não precisam necessariamente de um filtro ético. Na verdade, importa a obtenção e a
manutenção do poder.

Em suma, é possível notar que foi Maquiavel uns dos primeiros a quebrar a hegemonia da moral cristã,
ou seja, ele propõe uma moral sem Deus. Portanto, esse autor pode ser considerado um divisor de águas no
pensamento moral.

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Fundamentos de Ética

O PENSAMENTO DE NIETZSCHE

Friedrich Nietzsche.

Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844 em Röcken (Baixa Saxônia). É talvez um
dos pensadores mais lidos do século XX e do século XXI, bem como um dos mais polêmicos no que diz
respeito ao pensamento ético.

Ler Nietzsche não é uma tarefa fácil, uma vez que o seu estilo de escrita rebuscado e próprio dificulta a
leitura daqueles que tiveram um contato superficial com a filosofia. O seu estilo crítico faz com que o leitor
transite por diversas áreas da história do pensamento. Para tal, Nietzsche percorre um itinerário que começa
na mitologia grega, passando pelos pré-socráticos, Sócrates, Platão, pelo pensamento cristão, entre outros.

Este texto tem por objetivo abrir algumas portas que lhes possibilitem a leitura de Nietzsche posteriormente.
Em outras palavras, pretende estabelecer apenas indicativos para a leitura desse filósofo.

Nietzsche, em linhas gerais, entende a história do conhecimento como uma coisa única, ou seja,
como história das ideias. De acordo com ele, a história do conhecimento teria sido vítima de uma única
interpretação da realidade: a socrático-platônica. O que seria isso? Segundo Nietzsche, toda a história da
filosofia estaria “contaminada” por uma única forma de ler e enxergar o mundo, ou seja, o modo de pensar
racional introduzido, sobretudo, por Sócrates e Platão.

Nietzsche vai usar uma figura metafórica para falar da história do conhecimento: Apolo versus Dionísio.
O que seria isso?

Apolo é o deus da razão e da ordem. Na hierarquia dos deuses da mitologia, ele é um dos responsáveis
pela manutenção da ordem cósmica, evitando que o caos estabelecido pelos titãs volte. Por outro lado,
Dionísio é o deus do vinho e das bebedeiras. Ele está muito mais próximo do caos dos titãs do que do cosmos
de Zeus.

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Fundamentos de Ética

Na metáfora de Nietzsche, Apolo representa a razão, e Dionísio, os sentimentos. Quem venceu essa
guerra? Segundo ele, Apolo prevaleceu sobre Dionísio, e, por isso, o pensamento ocidental foi condenado a
uma visão deficitária do mundo e da realidade.

Nietzsche vai denominar essa forma de pensar de niilismo. O que significa isso? Na visão do senso comum,
o niilista é o sujeito sem nenhum escrúpulo, sem critérios morais para a vida. Em alguns casos, ele foi visto
como um sem-caráter.

Mas o que Nietzsche entende por niilista? Para ele, o niilismo é a negação da vida. Ou seja, todos aqueles
que negam as pulsões naturais da vida (dos sentidos) em nome da razão ou de uma verdade metafísica são
verdadeiros niilistas. Em outras palavras, este é um negador da existência, uma vez que nega as inclinações
naturais em nome de uma racionalidade abstrata. É a troca do concreto da vida pelo abstrato da razão. Dito
de outro modo, o niilista nega os sentidos em favor da razão, o corpo em prol da alma, bem como a vida
em favor da morte. Em resumo, é um negador da existência e, portanto, uma ameaça aos seres humanos:

O uso que Nietzsche faz da palavra niilismo é ambíguo à medida que ela designa tanto o declínio, quanto o
próprio processo de criação de ideais e valores que, como tais, aparecem para substituir os antigos. A criação
dos ideais responde à necessidade de o homem encontrar segurança. Quando estes ideais não conseguem
mais responder aos problemas vitais, eles se desvalorizam e aparece uma outra dimensão do niilismo que
é uma época histórica intermediária entre o declínio e a criação de novos ideais e valores. Nestas épocas, o
homem se vê em meio a uma confusão de valores – o que parecia ser o correto, agora parece ser errado.
O homem se encontra desorientado, não encontra mais uma perspectiva para o seu agir. Nestas épocas, o
homem erra por um nada infinito, por um vazio de sentido que lhe causa desespero e angústia existencial
(RAMOS, 2005).

A filosofia de Nietzsche é a filosofia da martelada. Na primeira parte da obra O crepúsculo dos ídolos, ele
dedica um trecho ao que denominou “máximas e flechas”. Vejamos algumas:

a) “Para viver sozinho, é preciso ser um animal ou um deus - diz Aristóteles. Falta ainda a terceira
alternativa: é preciso ser os dois ao mesmo tempo - Filósofo...” (NIETZSCHE, 2010, p. 9).

b) “Como? O homem é apenas um erro de Deus? Ou Deus apenas um erro do homem?” (NIETZSCHE,
2010, p. 10).

c) “Da Escola de Guerra da Vida - o que não me mata torna-me mais forte” (NIETZSCHE, 2010, p. 10).

d) “Ajuda-te a ti mesmo: assim todos te ajudarão. Princípio do amor ao próximo” (NIETZSCHE, 2010, p.
10).

e) “Desconfio de todos os sistemáticos e me afasto de seus caminhos. A vontade de sistema é uma falta
de retidão” (NIETZSCHE, 2010, p. 11).

f) “O verme se enconcha quando é chutado. Essa é a sua astúcia. Ele diminui com isso a probabilidade de
ser novamente chutado. Na língua da moral: humildade” (NIETZSCHE, 2010, p. 10).

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Fundamentos de Ética

Fiz questão de reproduzir algumas dessas máximas para que vocês percebam como o terreno do
pensamento de Nietzsche é pedregoso.

Sócrates e Platão: os primeiros niilistas


Segundo o filósofo, Sócrates e Platão teriam sido os primeiros e principais negadores da vida. Para nos
ajudar nessa reflexão, vamos percorrer o caminho traçado pela filósofa Viviane Mosé (2009) numa aula a
respeito da relação entre Nietzsche e a linguagem.

De acordo Mosé, Nietzsche entende que Sócrates e Platão foram os primeiros a quebrar a diversidade
do pensamento grego em prol de uma única explicação do mundo. Onde estaria essa diversidade? Explico.
Na mitologia grega, que era a forma fantasiosa e imaginária que os gregos encontravam para explicar a
realidade, a verdade não é o principal aspecto. Na realidade, a mitologia não está preocupada com a verdade,
ao contrário, as formas mitológicas de explicação do mundo são maneiras de interpretar a realidade. Com
Sócrates, surge a ideia de Verdade e, com isso, de acordo com Nietzsche, nasce a tragédia na história do
pensamento. A mitologia explicava a realidade por meio da arte, ou seja, a interpretação do mundo era feita
do ponto de vista da fantasia. Não podemos afirmar que os mitos eram mentirosos, uma vez que a questão
da verdade não se coloca para eles.

Na obra O crepúsculo dos ídolos, Nietzsche dedica um capítulo o que ele chamou de “o problema Sócrates”.
Vejamos:

1. Em todos os tempos os grandes sábios sempre fizeram o mesmo juízo sobre a vida: ela não vale nada...
Sempre e por toda parte se escutou o mesmo tom saindo de suas bocas. Um tom cheio de dúvidas, cheio de
melancolia, cheio de cansaço da vida, um tom plenamente contrafeito frente a ela. O próprio Sócrates disse
ao morrer: “viver significa estar há muito doente - eu devo um galo a Asclépio curador”. O próprio Sócrates
estava enfastiado da vida. O que isso demonstra? Para onde isso aponta?Outrora teria-se dito (ó! Disse-se
e forte o suficiente; e avante nossos |Pessimistas!): “Em todo caso é preciso que haja algo verdadeiro aqui!
O consensus sapientium prova a verdade.” Ainda falaremos hoje desta forma? Nós temos o direito a um tal
discurso? “Em todo caso é preciso que algo esteja doente aqui” - eis a nossa resposta. Em primeiro lugar
temos de observar mais de perto esses mais sábios de todos os tempos! Todos eles talvez não estivessem
tão firmes sobre as pernas? Talvez estivessem atrasados? Cambaleantes? Decadentes? Talvez a sabedoria
apresente-se sobre a terra como um corvo, ao qual um pequeno odor de carniça entusiasma?... (NIETZSCHE,
2010, p. 17)

Nessa primeira parte, é fácil notar como Nietzsche considerava Sócrates e Platão os verdadeiros negadores
da vida e da existência. Lembremo-nos da aula que tivemos sobre Platão, que afirmava estar o valor no
mundo das ideias e na racionalidade, no mundo da razão e não nos sentidos. Continuemos com o texto:

2. Esta irreverência de asseverar que os grandes sábios são tipos decadentes abriu-se para mim mesmo
exatamente em uma circunstância na qual mais intensamente o preconceito erudito e não-erudito se lhe
contrapunha. Reconheci Sócrates e Platão como sintomas de declínio, como instrumentos da decomposição
grega, como falsos gregos, como antigregos (“Nascimento da Tragédia” 1872). Aquele consensus sapientium
- isto fui compreendendo cada vez melhor - não prova sequer minimamente que eles tinham razão quanto ao
que concordavam. O consenso demonstra muito mais que eles mesmos, esses mais sábios, possuíam entre si
algum acordo fisiológico para se colocar frente à vida da mesma maneira negativa - para precisar se colocar

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Fundamentos de Ética

frente a ela desta forma. Juízos, juízos de valor sobre a vida, a favor ou contra, nunca podem ser em última
instância verdadeiros: eles só possuem o valor como sintoma, eles só podem vir a ser considerados enquanto
sintomas. Em si, tais juízos são imbecilidades. É preciso estender então completamente os dedos e tentar
alcançar a apreensão dessa finesse admirável, que consiste no fato de o valor da vida não poder ser avaliado.
Não por um vivente, pois ele é parte, mesmo objeto de litígio, e não um juiz; não por um morto, por uma outra
razão. - Da parte de um filósofo, ver um problema no valor da vida permanece por conseguinte uma objeção
contra ele, um ponto de interrogação quanto à sua sabedoria, uma falta de sabedoria. Como? E todos esses
grandes sábios? - Eles não seriam senão decadentes, eles não teriam sido sequer uma vez sábios? Mas eu
retorno ao problema de Sócrates (NIETZSCHE, 2010, p. 18).

Nesse trecho, Nietzsche chega atribuir a “feiura” de Sócrates a sua posição contrária à vida. Mas o que
de mais importante podemos auferir desse parágrafo está na análise que o autor faz acerca da audácia dos
sábios de atribuir algum valor à vida, ou seja, como seria possível ao homem, na sua insignificância diante
da existência, atribuir-lhe valor, seja ele negativo ou positivo? Em outras palavras, como o ser humano,
que é parte da vida, pode falar dessa mesma vida na sua totalidade? A parte pode discorrer a respeito do
todo? Evidentemente que não, de acordo com Nietzsche. Sendo assim, Sócrates e Platão propõem uma
filosofia absurda ao valorar a vida e dualizá-la em verdadeiro (mundo das ideias) e falso (mundo sensível).
Continuemos:

3. Segundo sua origem, Sócrates pertence à camada mais baixa do povo. Sócrates era plebe. Sabe-se,
ainda se pode até mesmo ver, quão feio ele era. Mas a feiúra, em si uma objeção, é entre os gregos quase
uma refutação. Sócrates era afinal de contas um grego? Muito freqüentemente, a feiúra é a expressão de um
desenvolvimento cruzado, emperrado pelo cruzamento. Em outros casos, ela aparece como desenvolvimento
decadente. Os antropólogos dentre os criminalistas dizem-nos que o criminoso típico é feio: monstrum
infronte, monstrum in animo. Mas o criminoso é um décadent. Sócrates era um típico criminoso? Ao menos
não o contradiz aquele famoso juízo-fisionômico que soava tão escandaloso aos amigos de Sócrates. Um
estrangeiro, que entendia de rostos, disse certa vez na cara de Sócrates, ao passar por Atenas, que ele era
um monstro e escondia todos os vícios e desejos ruins em si.

E Sócrates respondeu simplesmente: “Vós me conheceis, meu Senhor!” (NIETZSCHE, 2010, p. 18).

Depois desse trecho, se estivéssemos em uma aula presencial, eu pediria aos alunos uma pausa para um
café. Talvez fosse a melhor alternativa para nos acalmar. Mesmo assim, aconselho que você tome um pouco
de fôlego para continuar a leitura. O trecho no qual Nietzsche compara a feiura de Sócrates com os aspectos
de um criminoso demonstra que ele estava sob a influência dos criminologistas do século XIX, que atribuíam
aos criminosos traços físicos comuns.

5. Com Sócrates, o paladar grego transforma-se em favor da dialética: o que acontece aí propriamente? Acima
de tudo é um gosto nobre que cai por terra. A plebe ascende com a dialética. Antes de Sócrates, recusavam-
se as maneiras dialéticas na boa sociedade: elas valiam como más maneiras, elas eram comprometedoras. Se
advertia a juventude contra elas. Também se desconfiava de todo aquele que apresentava suas razões de um
tal modo. As coisas honestas, tal como as pessoas honestas, não servem suas razões assim com as mãos. É
indecoroso mostrar os cinco dedos. O que precisa ser inicialmente provado tem pouco valor. Onde quer que
a autoridade ainda pertença aos bons costumes, onde quer que não se “fundamente”, mas sim ordene, o
dialético aparece como uma espécie de palhaço: ri-se dele, mas não se o leva a sério. - Sócrates foi o palhaço
que se fez levar a sério: o que aconteceu aí propriamente? (NIETZSCHE, 2010, p. 18).

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A dialética socrática é vista por Nietzsche como uma astúcia do escravo para subverter a ordem, ou seja, a
linguagem dialética é a única forma que o fraco encontrou para vencer o forte, é a moral dos escravos contra
a dos senhores. Na obra A genealogia da moral, o filósofo fala a respeito desse tema. Para ele, não podendo
o escravo se tornar senhor, cria a moral a fim de submeter a estes. Nesse caso, o escravo torna-se senhor
dos senhores por meio dos preceitos morais.

5. Só se escolhe a dialética, quando não se tem mais nenhuma outra saída. Sabe-se que se suscita
desconfiança com ela, que ela é pouco convincente. Nada é mais facilmente dissipável do que um efeito
dialético: a experiência de toda e qualquer reunião na qual se conversa, o prova. Ela só serve como saída
drástica nas mãos daqueles que não possuem nenhuma outra arma. É preciso que se tenha de estabelecer à
força o seu direito: antes disto não se faz uso algum dela. Por isso, os judeus eram dialéticos; Reinecke Fucks
era dialético. Como? Sócrates também o era? [...]

A ironia de Sócrates é uma expressão de revolta? De ressentimento da plebe? Ele goza enquanto oprimido
de sua própria ferocidade nas estocadas do silogismo? Ele vinga-se dos nobres que fascina? -

À medida que se é um dialético, tem-se um instrumento impiedoso nas mãos. Com ele podemos cunhar
tiranos e ridicularizar aqueles que vencemos. O dialético lega ao seu adversário a necessidade de demonstrar
que não é um idiota: ele o deixa furioso, mas ao mesmo tempo desamparado. O dialético despotencializa o
intelecto de seu adversário. Como? A dialética é apenas uma forma de vingança em Sócrates? (NIETZSCHE,
2010, p. 18).

Propositalmente pulei um trecho do texto citado acima para analisá-lo com mais calma:

4. Em Sócrates, a desertificação e a anarquia estabelecidas no interior dos instintos não são os únicos
indícios de décadence: a superfetação do lógico e aquela maldade de raquítico, que o distinguem, também
apontam para ela. Não nos esqueçamos mesmo daquelas alucinações auditivas que, sob o nome de o “Daimon
de Sócrates”, receberam uma interpretação religiosa. Tudo nele é exagerado, bufão, caricatural. Tudo é ao
mesmo tempo oculto, cheio de segundas intenções, subterrâneo. – Procuro compreender de que idiossincrasia
provém essa equiparação socrática entre Razão = Virtude = Felicidade: essa equiparação que é, de todas as
existentes, a mais bizarra, e que possui contra si, em particular, todos os instintos dos helenos mais antigos
(NIETZSCHE, 2010, p. 18).

Creio que nesse trecho está o ponto-chave da nossa aula sobre Nietzsche, pois a principal crítica desse
autor ao pensamento de Sócrates e de Platão seria a de que a racionalidade é a porta de entrada para a
felicidade. Segundo Nietzsche, foram esses dois pensadores que determinaram a vitória de Apolo sobre
Dionísio.

Essa forma de pensar de Sócrates e Platão, segundo o autor, ao contrário do que se imaginava, introduziu
na história dos seres humanos uma profunda infelicidade. O homem, a partir de Sócrates, de acordo com
Nietzsche, passa a negar a vida e, por isso, deixa de obedecer aos seus instintos vitais em nome de uma
racionalidade.

Mas e a religião? Qual o papel do cristianismo na negação da vida? Para Nietzsche, o cristianismo é uma
popularização do platonismo, ou seja, os teólogos católicos e, posteriormente, os protestantes cristianizaram,
de acordo com ele, esse modo de pensar. O resultado dessa situação é a valorização da alma em detrimento

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Fundamentos de Ética

do corpo, mas, sobretudo, a ideia de Verdade. A religião cristã encontrou em Sócrates e Platão um terreno
seguro para o problema da Verdade. Nesse caso, para os cristãos, a Verdade é Deus, e todas as “verdades”
participam dessa.

Nietzsche, ao contrário dos cristãos, vai se perguntar se a verdade é realmente necessária, chegando a
afirmar: “Morra a verdade – faça-se a vida!”4. Como é do senso comum, Nietzsche era ateu e tentou de todas
as maneiras atacar toda e qualquer convicção religiosa. Gostaria de destacar o aforismo 125 da obra A gaia
ciência (NIETZSCHE, 2012), em que o autor fala a respeito da polêmica morte de Deus. Vejamos:

125. O homem louco – Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma
lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!”? – E
como lá se encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele despertou com isso uma grande
gargalhada. Então ele está perdido? perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? disse outro. Está
se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou em um navio? Emigrou? – gritavam e riam uns para os
outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-lhes o olhar. “Para onde foi Deus?”, gritou
ele, “já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como
conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós,
ao desatar a terra de seu sol? Par aonde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos
os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as direções? Existe
ainda ‘em cima’ e ‘embaixo’? Não vagamos como que através de um nada infinito? Não sentimos na pele o
sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de
manhã? Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? –
também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar,
a nós, assassinos entre os assassinos? O mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuíra sangrou
inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará deste sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que
ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos que inventar? A grandeza deste ato não é demasiado grande
para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve
ato maior – e quem vier depois de nós pertencerá, por causa deste ato, a uma história mais elevada que
toda história até então!” Nesse momento silenciou o homem louco, e novamente olhou para seus ouvintes:
também eles ficaram em silêncio, olhando espantados para ele. “Eu venho cedo demais”, disse então, “não é
ainda meu tempo. Esse acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos
dos homens. O corisco e o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas precisa de tempo, os atos, mesmo
depois de feitos, precisam de tempo para serem vistos e ouvidos. Esse ato ainda lhes é mais distante que
a mais longínqua constelação – e no entanto eles o cometeram!” – Conta-se também que no mesmo dia o
homem louco irrompeu em várias igrejas, e em cada uma entoou o seu Requiem aeternam deo. Levado para
fora e interrogado, limitava-se a responder: “O que são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos
de Deus?”.

Nesse trecho de A gaia ciência, é possível observar como Nietzsche (2012) trata a questão de Deus.
Se Deus está morto, onde os valores devem estar fundamentados? Ou seja, o horizonte foi apagado, não
existe mais suporte seguro para eles. Nesse caso, o suporte e o critério para estabelecer valores deverá ser
o próprio homem.

4  Essa afirmação de Nietzsche indica um profundo horror à negação dos sentimentos.

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Ao colocar o homem como fundamento dos valores, Nietzsche salienta a necessidade da transmutação
constante deles, ou seja, o homem deve a todo instante transmutar os seus valores, criar a vida e novas
formas de existência.

Em resumo, percebemos que Nietzsche é uma verdadeira máquina de destruição das formas tradicionais
estabelecidas de pensar. Em outras palavras, ele vai contra toda a história do pensamento filosófico. O que
restou após esse filósofo? Sobrou o século XXI. Onde conseguiremos uma plataforma segura para apoiar os
nossos valores? A sociedade grega tinha o cosmos, e a sociedade cristã tinha Deus. Mas e a sociedade pós-
moderna que se estabelece no século atual? Fica essa questão sobre Nietzsche e a sua influência nas formas
de pensar atuais. Em breve, voltarei a essa questão para finalizar o nosso texto.

A LIBERDADE EM SARTRE
Para esta nossa aula, seguiremos os passos das reflexões do professor Franklin Leopoldo e Silva (2013), da
Universidade de São Paulo. Sempre procuramos fundamentar os nossos temas de aulas em reflexões feitas
por pensadores brasileiros de envergadura e especialistas no tema. E por que fazemos dessa maneira? O
motivo que nos leva a seguir os caminhos feitos por outros professores é devido à imensidão do pensamento
filosófico, o que torna impossível a alguém conhecer todos os filósofos e doutrinas filosóficas nos seus
principais aspectos.

O existencialismo sartriano é uma das formas recentes de pensar de forma coerente e engajada a relação
entre filosofia e vida. Sartre (1905-1980) é um pensador que viveu no século XX todos os horrores da
primeira metade do século XX, algo que não passa despercebido pela sua filosofia.

A época moderna é quase sempre definida pelo humanismo, ou seja, a concepção de que o homem é o
centro e o autor da própria história. Isso quer dizer que há uma hegemonia do homem. Com o humanismo,
o homem está livre dos dogmas antigos e é responsavelmente moral. Em outras palavras, é o próprio
fundamento da sua ação. Nesse caso, não há cosmos para definir a finalidade, e não há Deus para dar-lhe
uma vocação.

A filosofia moderna inaugurar-se como um esforço para designar a essência humana. Para Descartes, por
exemplo, que é visto como fundador da teoria moderna, o ponto fundamental da filosofia é a subjetividade.
Ele define o homem como uma coisa pensante, daí o “penso, logo existo”. A essência é vista pela filosofia
moderna como fator determinante do ser, é um fator fundamental. Essência é aquilo que faz com que um
ser seja o que ele é.

Sartre vai inverter essa ideia ao dizer que a existência precede a essência, e não o contrário. O que
isso significa? Significa que não existe natureza humana, ou seja, primeiro o homem existe, depois ele vai
aos poucos se determinando. É a conduta humana, para ele, que faz com que o homem seja passível de
conhecimento.

No caso do homem, a realidade humana não se deduz de uma natureza preexistente. Nele, não há
essência, ou seja, o homem, antes de existir, é o nada. Com isso, podemos afirmar que, se ele não possui
uma essência definida, não está pré-determinado a ser alguma coisa. Essa predeterminação não pode ser

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Fundamentos de Ética

colocada. Sendo assim, nem o cosmos e nem Deus determinarão o que o homem deverá ser. Ou seja, não
existe essência.

Nesse caso, o homem não é um ser necessário, mas um ser contingente, ou seja, não há uma razão para
a sua existência. Ele foi jogado na existência; nesse caso, a pergunta a respeito do sentido da vida perde a
sua validade.

A constituição do ser humano é de total responsabilidade dele mesmo, ou seja, o homem será aquilo que
vier a fazer de si. A tarefa do ser humano é a construção da própria existência.

A noção de liberdade nasce dessa visão existencialista, pois a origem do homem está nele mesmo. Uma
definição do ser humano para Sartre: o homem é liberdade. Nesse caso, a liberdade não seria uma qualidade
ou atributo do homem, como pensavam os clássicos, mas, ao contrário, a única coisa que caracteriza o
homem é a liberdade de ser homem. Isto é, a liberdade e a subjetividade são idênticas.

Percebe-se que a liberdade não dá uma definição de homem. Pelo fato de o homem ser liberdade, a única
coisa de que ele não pode fugir é dela. Por isso, a famosa frase de Sartre: “O homem é condenado a ser
livre” (apud SILVA, 2013).

Qual é o problema ético nesse caso? O problema ético do homem sartriano está justamente na questão
da liberdade. Liberdade é sinônimo de responsabilidade. Isso significa que o homem é o único responsável
pelas suas ações. Ou seja, ele não poderá atribuir essa responsabilidade a Deus ou à natureza. Desse modo,
Sartre conclui que o homem é um solitário, uma vez que os critérios estão todos fundamentados na liberdade
humana, que, em última análise, é o próprio homem.

Em resumo, Sartre elevará à enésima potência a responsabilidade dos homens ante os atos morais. Ou
seja, ele amplia a angústia do homem moderno, que, aos poucos, vai se percebendo solitário e abandonado
diante da existência.

OS VALORES NO SÉCULO XXI


É usual, nas rodas do senso comum, ouvir as pessoas falarem que a sociedade atual está desprovida de
valores. Na realidade, existe quase um consenso de que os homens não se sentem seguros com o mundo
que eles mesmos construíram, ou seja, existe uma desconfiança sobre tudo o que foi feito em relação
à transformação dos valores. O que há de equívoco na afirmação da ausência de valores na sociedade
capitalista do século XXI? Na verdade, eles existem em número elevadíssimo. O que pretendo com essa
afirmação? A realidade é que há uma multiplicidade deles, que, como vimos, são instrumentos para deliberar
a respeito da vida. Sendo assim, o que há na atualidade não é a falta. Pelo contrário, dada a quantidade de
valores (instrumentos para deliberar a respeito da vida) que é possível termos, a impressão é de que eles
não existem.

A multiplicidade de valores dá aos homens a possibilidade de ler a realidade de muitos pontos de vista,
ou seja, é possível deliberar a respeito da própria existência de diversos modos. Por exemplo, o capitalista lê
o mundo com os olhos do mercado, enquanto o ambientalista vê no consumismo apregoado por aquele um
problema. Nesse caso, os critérios de escolha dos padrões éticos da atualidade são diversos.

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Não gostaria de entrar no mérito de se essa multiplicidade de valores na atualidade é boa ou ruim,
bem como se ajudou ou não os homens a viverem melhor. O fato é que os seres humanos do século XXI
ainda estão se acostumando ao estilo de vida em “areia movediça” no que diz respeito ao problema dos
valores. Usarei uma metáfora para elucidar o que penso a respeito do assunto: os seres humanos escolheram
livremente construir a sua casa sobre um terreno arenoso e sem sustentação.

Em resumo, o que fizemos nestas aulas a respeito do pensamento ético foi apresentar as principais
escolas filosóficas a respeito do assunto, bem como o seu impacto sobre a sociedade e a vida das pessoas.
Acredito que você percebeu o quanto a ética pode ser determinante na criação de um ou outro modelo de
sociedade. Em suma, com essas chaves, acredito ser possível encontrar meios para debruçar-se sobre os
principais filósofos, ou seja, o nosso curso foi apenas a porta de entrada para esses autores.

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Fundamentos de Ética

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