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27 de novembro de 2017
Resumo
1
1 Introdução
2
poderia ser evocada como princípio de ação política? Em outras palavras, quais as origens
teóricas (morais e epistêmicas) do fascismo?
Este artigo trata das relações entre o socialismo marxista e o fascismo. Na contramão
do que afirma Losurdo, o texto tenta defender a tese segundo a qual é possível aproximar
o socialismo marxista (ao menos em sua expressão marxista-leninista) ao fascismo sob
a categoria de totalitarismo. O argumento principal aqui arrolado é que o socialismo
marxista pode ser entendido como o núcleo teórico comum a estas ideologias. Tenta-se
apontar como as linhas iniciais do desenvolvimento teórico do fascismo foram atadas por
leituras heterodoxas de Marx.
Frise-se que o debate proposto aqui não pretende defender que o fascismo e o nazismo
eram ideologias de esquerda. Poucas evidências poderiam sustentar esta alegação e nem
mesmo os autores consultados falam algo parecido. Se legítima ou não, esta disputa
parece existir em função de uma área cinza que envolve a extrema esquerda e a extrema
direita. Eis porque a biografia política de Mussolini, que transitou de um extremo a outro,
poderia ser interessante. Como tantos outros indivíduos politicamente engajados, dos quais
Raymond Aron fala em O ópio dos intelectuais ([1957] 2016), Mussolini demonstrava
uma fé inabalável na Revolução. Tamanha era sua fé que ele parecia estar honestamente
convencido de que o fascismo era uma expressão deste ideal.
Globalmente, o artigo procura apresentar-se na forma de uma reconstrução histórica do
desenvolvimento ideológico de Mussolini entre os anos de 1904 e 1919. Com isso é possível
abarcar os principais episódios de sua atuação militante pelo Partido Socialista Italiano até
a fundação do Partido Nacional Fascista. Por outro lado, faz-se necessária alguma discussão
filosófica sobre a importância dos conceitos de revolução, violência e nação durante estes
anos. Não é demais lembrar que o recorte proposto é apenas uma abordagem possível
dentre tantas outras. Seguramente é possível estudar o fascismo desde a perspectiva da
psicologia, economia, política, etc. O leitor poderá encontrar farta literatura sobre cada
uma destas em Laqueur (1976) e Gregor (1979, Introdução).
A seção 2 abaixo discute a maneira como a violência foi reivindicada por Mussolini a
partir de suas leituras de Marx & Engels. Nota-se aqui uma gradativa transformação na
maneira como Mussolini enxergava a violência dentro da atuação política; de uma arma
do proletariado contra a burguesia até tornar-se num princípio de ação política do fasci
di combattimento. A seção 3 amplia estas discussões ao mostrar como o radicalismo de
Mussolini o colocou em oposição aos membros do partido socialista da Itália. A seção 4
mostra como o conceito de nação é incorporado definitivamente ao pensamento doutrinário
de Mussolini nos anos em que esteve na guerra. A seção 5 encerra o ciclo de transformação
de Mussolini nos anos de 1919-1920.
3
2 Revolução e violência
4
revolucionário, braço mais radical dentro do PSI, com o próprio Labriola à frente. A
Avanguardia socialista atraiu também Sergio Panunzio, responsável pelas principais contri-
buições ao fascismo na década de 1920, atrás apenas de Giovanni Gentile. Em 1905, Enrico
Leone e Paolo Mantica fundariam a revista Il divenire sociale, seguidos de perto por Angelo
Oliviero Olivetti, futuro ideólogo do fascismo. É neste ambiente que o jovem Mussolini
começaria sua vida política. Será também Mussolini um dos principais responsáveis por
unir este grupo sob um novo periódico (Utopia), em 1910, a partir do qual emergiriam as
principais linhas da doutrina fascista.
Uma das principais características destes primeiros escritos é o elogio à violência.
Assim como Marx, Mussolini entendia que a revolução8 do proletariado seria conflagrada
através da luta armada contra a burguesia. Não obstante, Mussolini necessitava dalgum
endosso moral para este modelo de ação política. Mesmo o pensamento revolucionário
necessita de algum tipo de argumento normativo sobre a realidade social para legitimar o
uso da violência. O agente precisa estar convencido de que sua tática é a correta. Para
Mussolini, este endosso aparece na forma duma concepção relativista dos valores morais a
partir de Marx, o qual parece chancelar esta leitura ao estabelecer os valores como algo
contingente aos modos de produção duma determinada sociedade. Haveria os valores da
classe dominante (a burguesia) e os da classe dominada (o proletariado). Caberia então ao
revolucionário (ou classe revolucionária), imbuído de novos valores, superar a moralidade
vigente. Esta dicotomia é reforçada no Reflexões sobre a violência ([1908] 1999), de Sorel9 .
O Mussolini destes primeiros anos, até 1910, que se saiba, é marcado pela crença em
dois postulados marxistas: o inevitável colapso das sociedades de mercado e o determinismo
econômico dos valores morais. Tudo isto dependia de sua crença inabalável na Revolução.
Este primeiro postulado, como recorda o historiador James Gregor, seria acompanhada por
elementos positivistas sobre o desenvolvimento histórico da humanidade, muito embora
Mussolini afirme algures que o positivismo é uma ideologia da petite bourgeoisie 10 . Sobre o
determinismo econômico, destaca-se o texto “Deliquenza moderna” (1902), onde Mussolini
resume com clareza suas convicções marxistas. Afirma o autor:
5
revelada nestes últimos tempos, como qualquer outro tipo de crime mais
ou menos vulgar11 .
Para Mussolini, e boa parte da tradição marxista da época, o marxismo ortodoxo resultava
numa visão determinista dos valores e relações humanas. A autonomia individual é subsu-
mida às relações econômicas historicamente localizadas, de modo que o comportamento
humano — desejos, aspirações, afecções, etc. — são explicados doravante a partir destas
categorias. Tome-se como exemplo a seguinte passagem do Manifesto Comunista:
6
seu caráter na medida em que a produção material é alterada? As ideias
dominantes de cada era foram as idéias de sua classe dominante (MECW,
Vol. 6 (1848], p. 503)).
Esta passagem parece reforçar a fala de Mussolini em 1902, ainda que Engels tenha sido
cuidadoso ao evitar falar que a revolução é “determinada” por algo. A possibilidade de
uma “revolução” pacífica, por outro lado, não parece ter interessado Mussolini13 . E não
obstante, é este modelo de revolução reivindicada pelo fascismo a partir de 1922. Em
todo caso, a fala de Engels deixa o seguinte problema: se é o caso que toda revolução é
indepente da vontade individual dos agentes envolvidos, a militância socialista tornar-se-ia
irrelevante. Ciente desta possível objeção, Engels continua:
Então, o papel do militante socialista seria assegurar que a História siga seu curso. O
antagonismo de classes seria uma condição necessária — mas não suficiente, como Lenin e
Mussolini concluíram — para o surgimento de uma revolução. O uso da violência, portanto,
faz-se necessário somente em momentos bem pontuais, a saber, quando os socialistas
encontram uma situação genuinamente revolucionária. Engels não diz, porém, quando um
acontecimento social pode resultar em uma revolução do proletariado genuína. E por não
haver uma resposta unívoca para esta questão, muitos socialistas marxistas, incluindo aí
Mussolini, interpretarão a I Guerra como o princípio da Revolução.
Ainda pelo Avanguardia Socialista, “Intorno alla notte del 4 agosto” (1904) é um artigo
em homenagem a um dos principais acontecimentos no contexto da Revolução Francesa,
quando a Assembleia Constituinte colocou fim aos direitos feudais na França. O texto é
uma oportunidade para Mussolini recordar aos seus leitores que o fim do feudalismo não
fora uma generosa renúncia da nobreza, mas antes seguiu-se a violentos confrontos. De
13
Este texto de Engels seria publicado pela primeira vez em 1914 por Eduard Bernstein.
7
igual maneira, emenda ele, a revolução socialista será acompanhada por um período de
violência “mais ou menos” longo. E conclui: será um duelo entre as forças conservadoras
e aquelas do futuro (i.e., as do proletariado) ao curso duma tempestade insurrecional,
episódio preliminar da profunda transformação social e advento do socialismo14 .
A ênfase sobre o caráter violento — e inevitável — da revolução não deve ser subesti-
mada, nem mesmo nestas primeiras publicações. Neste particular, deve-se destacar seu
texto em homenagem à Comuna de Paris, “La teppa” (1904), onde Mussolini fala daqueles
que morreram heroicamente pela Comuna. O culto ao heroísmo revolucionário, embora
latente nestas palavras, será uma herança de Sorel que Mussolini levará consigo como um
dos sustentáculos mais importante da ideologia do Partido Nacional Fascista. Aliás, já
neste texto Mussolini emprega o pensamento de Sorel como uma autoridade em favor da
violência revolucionária. Percebe-se aí que a primeira, e talvez mais importante, influência
de Sorel sobre o futuro Duce reside em seu elogio da violência. “Para os ideólogos, para
os professionels de la pensée, Sorel diria a todos aqueles que foram ao socialismo através
dos modos de sentir, [que] ele concebe a revolução socialista como uma questão pura e
simplesmente de “força”. A ideia de “violência” então os faz tremer”15 .
Após a menção a Sorel, Mussolini cita uma passagem de Marx. Não era Marx, recorda
aos seus leitores, quem bradava em 1848 “somos terroristas”? E, de fato, Mussolini encontra
uma perfeita passagem para endossar seu ponto de vista. Diz Marx: “Não só os socialistas
não podem desaprovar certos atos comumente chamados de vandalismo, mas quando tais
são dirigidos contra pessoas ferozes ou contra edifícios aos quais as memórias odiosas se
reconectam, os socialistas devem assumir a direção” ([?], grifos do autor)16 . Ainda sobre
este particular, importa destacar uma outra passagem de Marx. Ainda em 1848, ele escreve
pela Neue Rheinische Zeitung No. 136: “(. . . ) o canibalismo da contra-revolução mostrará
às nações que existe apenas uma maneira pela qual a agônica morte da velha sociedade e
o aflitivo nascimento sangrento da nova pode ser encurtado, simplificado e concentrado
— isto é, através do terror revolucionário” (MECW, vol. 7 ([1848] 1977, p. 506, grifos do
autor)).
Nota-se então que uma das maiores preocupações de Mussolini em sua fase socialista
era encontrar elementos teóricos — morais, sobretudo — que autorizem a insurreição
violenta do proletariado profetizada por Marx. Não é demais insistir que Mussolini buscava
em Marx não apenas uma análise teórica da realidade social, como também elementos
normativos para a ação política. Foi isso que acabou aproximando-o da heterodoxia do
sindicalismo revolucionário.
14
Mussolini, “Intorno alla notte del 4 agosto” (1904), Opera, Vol. I, p. 63.
15
Mussolini, "La teppa” (1904), Opera, Vol. I, p. 93.
16
Até a finalização deste artigo, não foi possível localizar esta passagem. Deste modo, aconselha-se tomar
a autoria como incerta.
8
3 Sindicalismo revolucionário
O sindicalismo revolucionário italiano, até pelo menos 1907, foi uma facção radical de
esquerda dentro do já radical e de esquerda PSI — os intransigenti, como eram chamados.
Sob a forte influência de Sorel este grupo aproximou-se das ideias revolucionárias de Jules
Guesde18 ao mesmo tempo em que distanciava-se do reformismo de Eduard Bernstein, em
Alemanha, e Ivanoe Bonomi e Leonida Bissolati, em Itália. Este sindicalismo era marcado
pelo questionamento de autoridades representativas, dentro do parlamentarismo ou da
democracia, ao mesmo tempo em que reivindicava a ação direta: ocupação de fábricas,
sabotagens, etc. Dentre seus membros, destacam-se o nomes de Arturo Labriola, Ernesto
Cesare Longobardi e Guido Marangoni, líderes dentro do PSI. É neste ambiente que
17
Cf. Meisel (1950), Drake (2003), Wolin (2004), Gentile ([1974] 2005) e Di Scala & Gentile (2016, p.
145). Além de Mussolini, Sorel foi influente sobre o pensamento de José Carlos Mariátegui, de quem
lê-se, em El alma matinal, o seguinte: “Desde faz algum tempo constata-se o caráter religioso, místico,
metafísico do socialismo. Georges Sorel dizia em suas Reflexões sobre a violência: "Estabeleceu-se uma
analogia entre a religião e o socialismo revolucionário na sua intenção de preparar e até reconstruir o
indivíduo para uma obra gigantesca. Bergson nos ensinou, porém, que não somente a religião pode
ocupar a região do eu profundo: os mitos revolucionários podem também ocupá-la". Como o mesmo
Sorel nos lembra, Renan chamava a atenção sobre a fé religiosa dos socialistas, constatando sua
inexpugnabilidade perante qualquer desalento” Sua fidelidade a Sorel mantém-se ainda no Defensa del
Marxismo (1928-1929), onde fica dito: “Superando as bases racionalistas e positivistas do socialismo
da sua época, Sorel encontra, em Bergson e nos pragmatistas, idéias que revigoram o pensamento
socialista, restituindo-o à missão revolucionária dos seus inícios e da qual tinha sido gradualmente
afastado pelo aburguesamento intelectual e espiritual dos partidos e seus elementos parlamentares,
os quais, no campo filosófico, ficavam satisfeitos com o historicismo mais vulgar e um evolucionismo
mais medroso. A teoria dos mitos revolucionários, que aplica ao movimento socialista a experiência
dos movimentos religiosos, estabelece as bases de uma filosofia da revolução [...]”
18
Guesde foi um dos primeiros seguidores de Marx, com quem trocou correspondências, na França.
Sobre a história do marxismo e do anarquismo na Europa, consultar Lichtheim (1961), Drake (2003) e
Schmidt & Van der Walt (2009).
9
aparece o nome de Mussolini. “Ninguém pode considerar, hoje, Mussolini como alguém
fora do socialismo senão que de forma original ele foi a encarnação destas tendências
insurrecionais, subversivas e publicistas que sempre ocuparam largo espaço dentro da
galáxia do socialismo italiano” (Di Scala & Gentile (2016, p. 137, grifo meu)).
Enquanto o anarquismo, nas décadas de 1870 e 1880, era um movimento de artesãos
pobres, como em Suíça, Bélgica e Áustria, ou trabalhadores rurais, na Espanha e Itália,
contra o Estado e a sociedade, o marxismo já havia encontrado uma via segura de atuação
política na forma da social-democracia no ano de 1864. Por volta da década de 1890
o marxismo estava circunscrito à Europa central. Na Europa ocidental, especialmente
ao sul, o marxismo concorria com ideias anarquistas, com especial destaque para os
seguidores de Proudhon, Blanqui e Bakunin. Ao anarquismo sucedeu outra expressão
revolucionária: o sindicalismo. Expressão duma sociedade industrializada (ou em processo
de industrialização), o sindicalismo encontrou refúgio em França, Itália, Espanha e até
mesmo nos EUA19 .
Apesar da herança anarquista, o movimento sindicalista na Itália era também, a
seu modo, uma heterodoxia marxista. O sindicalismo revolucionário contribuiu para a
divulgação de ideias marxistas ao mesmo tempo em que representava potencial ameaça
aos líderes socialistas mais alinhados com a social-democracia ou com o reformismo. Ainda
assim, é importante notar que a partir de 1880, seguidores do anarquismo, bem como
partidários socialistas do segmento anti-autoritário, estreitaram laços com Marx20 . Este
novo ambiente era diferente do que aconteceu em 1860, quando Marx poderia ser visto como
a antítese, no movimento revolucionário, das ideias de Proudhon; e também do que ocorreu
em 1870, quando poder-se-ia especular se havia uma escolha entre uma versão autoritária
e uma libertária dentro do socialismo. O que acontece a partir de 1880 é que as distintas
variações do socialismo revolucionário encontraram em Marx sua principal referência
teórica. A terminologia marxista tornou-se a língua franca dos principais movimentos
revolucionários por vir, dentre os quais, e o mais importante nesta análise, o sindicalismo.
Após cinco anos como sindicalista, Mussolini publica pelo Il popolo uma resenha sobre
o livro La teoria sindacalista de Giuseppe Prezzolini. O destaque deste artigo fica por conta
das distinções que Mussolini estabelece entre sindicalismo e socialismo21 . Segundo conta, o
sindicalismo estaria para o socialismo assim como o filho estaria para o pai. No entanto,
19
O sindicalismo revolucionário foi mais forte em França e Itália, muito embora Gervasoni afirme que
este movimento espalhou-se pela Europa, Ásia e América Latina. O autor ainda observa que este
sindicalismo manteve-se ativo, na Itália, mesmo após o fim da I Guerra. Prova disso é que Unione
sindacale italiana passou de 80,000 associados, em 1912, para 800,000, em 1920.
20
Lichtheim (1961, p. 224) recorda que o sindicalismo começou a distanciar-se da doutrina marxista
tão logo as aspirações autoritárias da Revolução Russa começaram a manifestar-se. Note-se, contudo,
que isso não resultou em uma aproximação ao modelo parlamentarista ou democrático de organização
política.
21
Mussolini trata deste tópico também em “Pagine rivoluzionarie” (1904), onde faz breve resenha do
livro Palavras de um revoltado, de Kropotkin.
10
pontua: o socialismo é um problema humano, cuja ética orbita o cristianismo com um
pequeno, embora perceptível, matiz utilitarista; enquanto expressão política, o socialismo
busca desenvolver-se progressivamente por dentro do Estado, apoiando-se no Parlamento.
Do outro lado, o sindicalismo trataria exclusivamente do proletariado; é anti-Estado e
anti-parlamentarista por excelência; sua missão é criar novos caracteres, novos valores, os
homines novi, enfim.
Emílio Gentile ([1974], 2005) enxerga em Mussolini uma acentuada influência do
Übermensch de Nietzsche. Isso seguramente é compatível com sua concepção de atuação
política e que a revolução deveria ser conduzida por um grupo muito especial de indivíduos.
A este grupo, e somente este, estaria reservado o uso da violência. Note-se, todavia, que
as críticas ao socialismo na passagem acima dizem respeito ao modelo supostamente
reformista do PSI. Para Mussolini, somente um partido radical ao estilo do sindicalismo
poderia satisfazer as doutrinas de Marx.
Por outro lado, percebe-se também o distanciamento inicial de Mussolini em relação à
ortodoxia marxista na forma do determinismo econômico. Em vez das “leis inescrutáveis”
às quais o socialismo do PSI estava submetido, o sindicalismo (de Sorel, frise-se) seria o
responsável por privilegiar a vontade e a determinação do homem. Caberia a este agente
deixar a marca de sua força modificadora sobre as coisas ou sobre as instituições que o
cercam22 . Esta observação não é trivial. Mussolini não tem em mente o ser humano em
geral — muito menos o “homem comum”, pelo qual sempre teve desprezo —, mas sim a
elite revolucionária. Ao deixar de lado o determinismo econômico Mussolini conseguirá
resolver, nos próximos anos, o problema da atuação política do Partido do qual falava
Engels em 1847. Por sinal, já aqui Mussolini argumenta que a principal diferença entre o
socialismo e o sindicalismo é a tática: o socialismo, emenda, opta por reformar em benefício
da conservação; o sindicalismo “combate construindo”; o socialismo preza por acordos
entre as classes sob a égide do Estado; o sindicalismo persegue a destruição do Estado23 .
11
O gesto de Sorel foi recebido em Itália como um ato supremo de traição. Mussolini
até então ainda era um convicto internacionalista. Por outro lado, esta foi também uma
oportunidade política para ele. Como destacam Di Scala & Gentile (2016, p. 143), Mussolini
mirou no sindicalismo como uma estratégia política para fortalecer sua imagem socialista.
Ele empregou sua força política contra os sindicalistas no Congresso de Bologna, em
dezembro de 1910. Mussolini questionava agora a ortodoxia do movimento sindicalista, como
ele expressa em “L’ABC sindacale”25 . E ainda mais: era para ele evidente que mesmo Sorel
não prescrevia táticas de ação revolucionária. O distanciamento do sindicalismo refletia
uma honesta posição de Mussolini, mas também representava suas táticas pragmáticas
e oportunistas. No primeiro sinal de fraqueza dentro do sindicalismo, Mussolini soube
apresentar-se como o mais ortodoxo dos revolucionários26 . É importante perceber, todavia,
que o oportunismo de Mussolini não pode ser explicado (ao menos, não inteiramente) em
função de uma suposta obsessão pelo poder. Não faria muito sentido acercar-se de um
grupo pouco expressivo no cenário político italiano, como era o caso do sindicalismo.
Em 1904 Mussolini já percebia que suas aspirações revolucionárias não seriam plena-
mente satisfeitas pelo PSI. Em 1910 ele percebeu que o sindicalismo também não respondia
a suas exigências. Para onde ir? Não lhe restava outra opção: o Partido haveria de surgir
de sua própria pena.
4 A elite do Partido
Até a elaboração das diretrizes políticas do Partido Nacional Fascista, em 1919, Musso-
lini ainda precisava avançar nalguns tópicos importantes sobre a organização partidária. A
razão para isso é que para quase toda sua geração de revolucionários restava ainda entender
como compatibilizar o determinismo econômico — o inevitável colapso do capitalismo
e o nascimento revolucionário da nova sociedade — com a atuação militante. Ora, se a
revolução já está inscrita na história do desenvolvimento humano, então era desnecessário
haver qualquer tipo de participação militante. Por outro lado, pensa o militante consigo,
sem a atuação política, como a classe trabalhadora, inculta e amorfa, tomará conhecimento
de sua missão? Marx & Engels já estavam cientes deste dilema em 1848. Mussolini resolveu
este dilema de uma maneira até mesmo engenhosa: ele simplesmente negou este postulado.
Na Alemanha, este dilema foi herdado pelo partido social-democrata de Kautsky, cujas
ideias o levaram em direção à centralidade do Partido. Na Rússia, Lenin seguiria caminho
similar, apesar das suas objeções a Kautsky. Começava a haver uma convergência na
doutrina socialista marxista: ainda que a revolução fosse inevitável, seria necessário haver
uma cooperação dentro do Partido entre o proletariado inculto e os intelectuais burgueses
25
Mussolini, “L’ABC sindacale” (1910), Opera, Vol. III.
26
Cf. Di Scala & Gentile (2016, p. 144).
12
esclarecidos. Essa visão elitista era compartilhada por Mussolini, muito embora seja incerto
dizer que Kautsky foi sua inspiração. Deste modo, o leitor encontra no “La teppa” (ou
seja: já em 1904) a alegação de que “o povo” sempre foi uma criança ingênua. Não poderia
ser esta, portanto, a portadora da chama revolucionária, muito embora a sociedade futura
a ela fosse destinada. Sucede então que esta mesma criança deveria ser conduzida à razão
por uma elite 27 proletária, nas palavras do autor (incluindo a ênfase).
O leitor não deve ignorar a semelhança patente entre o argumento de Mussolini e
aquele de Lenin em Que fazer? (1902), obra de reconhecida importância doutrinária para
o bolchevismo e futuro marxismo-leninismo28 . A concepção de partido em Lenin, porém,
já havia alcançado um nível de desenvolvimento e organização ainda não vislumbrados por
Mussolini. Lenin argumenta, por exemplo, que o desenvolvimento da consciência política na
classe trabalhadora não poderia depender apenas dos fatores econômicos. Apesar da luta
de classes, diz ele, “empurrar” os trabalhadores a perceber o antagonismo em relação ao
governo (burguês, supõe-se pelo contexto), os socialistas nunca serão capazes de desenvolver
esta consciência dentro deste cenário. A consciência política, conclui, somente pode ser
trazida à classe trabalhadora a partir de fora, numa esfera mais ampla, onde todas as
classes comungam. Daí os socialistas podem apresentar-se como teóricos, propagandistas,
agitadores e organizadores (LCW, Vol. 5 ([1902] 1961, pp. 421-425)).
Lenin insiste, porém, no caráter profissional destes líderes. Em comentário à situação
alemã, ele nota que os socialistas ali acumularam experiência suficiente para perceber
que sem umas dezenas de líderes talentosos e bem treinados, trabalhando em harmonia,
nenhuma classe poderia receber a devida recompensa por sua luta. E Lenin pontua, entre
parênteses: “homens talentosos não nascem às centenas” (LCW, Vol. 5 ([1902] 1961, p.
461, grifo meu)). Embora esta última frase seja trivialmente verdadeira, Lênin se refere
aos líderes da revolução.
Tanto Lenin como Mussolini compreendiam que o processo revolucionário deveria ser
guiado por uma elite intelectual — por vezes egressa da própria burguesia. Eis porque
o jovem italiano demonstrava tamanho descontentamento em relação à condução de seu
partido que, de um lado, não reconhecia plenamente a necessidade da violência e, de outro,
não possuía uma política rígida para seus quadros na militância. Como observa Gregor, o
partido revolucionário, bem como os intelectuais responsáveis por suprir suas teorias sociais
e formular suas táticas, era responsável por liderar as massas e persuadir aqueles que ainda
não comungavam dos mesmos valores e ideias. Investido de tamanha responsabilidade, o
partido dos intelectuais assumiria a obrigação histórica de criar e manter uma estrutura
forte e centralizada, cuja principal missão era defender a ideologia do próprio partido
(Gregor (2009, p. 123)). Em outras palavras: o Partido não oferece apenas uma solução
27
Cf. Mussolini, “Discussioni Socialiste” (1912) Opera.
28
A edição consulta encontra-se no Vol. 5 do Lenin Collected Works (doravante LCW ), organizada por
victor jerome.
13
para questões sociais: ele é o único portador da verdadeira compreensão da realidade
humana29 .
Em 1908, em “L’Attuale momento politico”, Mussolini reconhecia haver uma crise no
PSI similar à que viva o partido social-democrata, na Alemanha. Note-se, porém, que
o problema para Mussolini era a organização política — a presença de revisionistas e
pequeno-burgueses — e não a ideologia por detrás. “O Partido Socialista pode morrer
ou, pelo menos, mudar as formas de sua organização atual, mas não o socialismo30 ”. Em
1910 Mussolini escreve em “Il socialismo degli avvocati,” sobre a necessidade em limpar
o PSI de seus quadros reformistas e pequeno-burgueses. O ímpeto de tais observações,
assim como a própria terminologia, ainda é a do marxista dos primeiros anos. Apesar das
duras palavras, Mussolini não poderia ignorar a possibilidade de abandonar o PSI, uma
vez que o séquito reformista havia triunfado no recente congresso de Milão. Porém, se por
um lado seu futuro no PSI era incerto, restava-lhe agora a possibilidade de criar um novo,
e genuíno, partido revolucionário (Cf. Di Scala & Gentile (2016 p. 143)).
O principal acontecimento neste arco investigativo foi a I Guerra. Agora, uma análise
das consequências psicológicas e sociais deste evento para o socialismo marxista encontra-se
fora do escopo deste artigo. Ainda assim, Donald Sassoon traça um quadro geral que
merece o registro:
A guerra também foi bem recebida por alguns intelectuais e artistas. Os futuristas,
em especial, glorificavam a guerra e a violência. Esta seria uma maneira de abalar as
“convenções burguesas”: o liberalismo, o parlamentarismo e o pacifismo (Cf. Sassoon (2009,
p. 35)). Não por acaso o futurismo foi um dos elementos culturais assimilados pelo fascismo,
como ficará dito na seção 5.
Neste contexto (mas não exatamente por causa dos motivos acima), a bancada parla-
mentar do Partido Social-Democrata de Kaustky apoiou, por unanimidade, a entrada da
29
Novamente, pode-se estabelecer um paralelo entre Lenin e Mussolini, mais sutil, diga-se. O texto
Que fazer? traz como epígrafe uma frase de Lassalle sobre como deveria ser a organização do partido
socialista — principal preocupação de Lenin neste texto. O trecho aparece numa carta de 1852
endereçada a Marx, onde lê-se: (. . . ) “as lutas do partido dão-lhes força e vitalidade; a maior prova de
sua fraqueza é sua difusão e a confusão de demarcações claras; um partido tornar-se mais forte ao
purgar-se” (. . . ).
30
Mussolini, “L’Attuale momento politico” (1908), Opera
14
Alemanha no conflito. A mesma posição foi adotada pelos socialistas da França, Bélgica e
Áustria. O PSI, porém, optou pela cautela. Esta mesma cautela foi adotada por Mussolini
nos primeiros meses31 .
O intervencionismo logo fez-se notar. E era um grupo ruidoso. Dentre seus primeiros
representantes, à esquerda, encontrava-se Leonida Bissolati e Gaetano Salvemini. Bissolati,
vale dizer, foi o primeiro editor do Avanti!, principal periódico do PSI, de 1896 a 1904, sendo
expulso do partido em 1912. Não muito tempo depois, fundou o Partito Socialista Riformista
junto com Ivanoè Bonomi e em 1916 integrava o governo. À direita, o intervencionismo
era o resultado do cada vez mais forte nacionalismo. E mesmo Dom Luigi Sturzo, o padre
que fundaria o Partito Popolare Italiano, em 1919, era intervencionista (Cf. Sassoon (2008,
pp. 41-43)).
Qual justificativa Mussolini encontrou para seu intervencionismo? Como foi dito na
seção 1, o socialismo marxista não possuía uma resposta unívoca sobre quais acontecimentos
poderiam resultar numa revolução proletária genuína. Em 1911 isso ficou evidente no PSI:
os intervencionistas daquela época teimavam em dizer que uma guerra da Itália contra
o Império Otomano poderia promover condições suficientes para a Revolução32 . Mesmo
Mussolini interpretou as insurreições da La settimana rossa, em 1914, como o prelúdio da
Revolução33 . Não era, portanto, um absurdo pensar a I Guerra como um acontecimento
revolucionário, ou pelo menos o evento ao qual sucederia a Revolução.
Uma explicação convincente é oferecida por De Felice. Segundo ele, Mussolini aproximar-
se-ia do intervencionismo sobretudo a partir dum artigo de Panunzio, “Il lato teorico e il
lato pratico del socialismo”, publicado em um novo periódico socialista de Mussolini, o
Utopia 34 . Panunzio argumentou neste artigo que apesar dalgumas vitórias pontuais do PSI,
a causa revolucionária mantinha-se estagnada. Ele criticou o antimilitarismo do PSI sob
a alegação de que a guerra poderia criar as condições para a revolução na Europa. Bem
entendidos, disse, o antimilitarismo e o pacifismo eram atitudes conservadoras a serviço do
status quo. Além disso, o neutralismo agora deveria enfrentar outro desafio: a invasão da
Bélgica pela Alemanha. Era cada vez mais evidente que a guerra fragmentou, ao menos
parcialmente, o socialismo marxista. O apoio de Guesde, Vandervelde e Kautsky era a
prova definitiva. E Panunzio ataca:
15
Socialistas da Itália, cuidado: já aconteceu no passado de a “letra” ter
assassinado o “espírito”. Evitemos salvar a “letra” do partido se isto
significa matar o “espírito” do socialismo!35
Segundo a interpretação de De Felice, este foi o texto decisivo para a mudança de postura
de Mussolini e o simples fato de ele aceitar publicar o texto já seria um indício em favor
disto36 . Portanto, seja qual for o motivo para a repentina transformação de Mussolini,
pode-se interpretar sua posterior defesa do intervencionismo como consequência duma
crise política acompanhada por uma nova orientação para seu marxismo37 .
Em 18 de outubro, Mussolini escreve “Dalla neutralità assoluta alla neutralità attiva
ed operante”. Esta foi sua primeira manifestação pública em favor da intervenção italiana.
O argumentos apresentados assemelham-se aos de Panzunzio. É dito que a neutralidade é
reacionária e somente contribui para o conservadorismo. Apoiando-se na autoridade de
Marx, Mussolini tentava persuadir seus aliados de que a guerra era um meio legítimo de
promover a agitação necessária para a Revolução. Em paz com sua consciência, seguro que
a guerra poderia, de fato, promover a revolução, Mussolini precisava agora enfrentar seu
companheiros. É que após este artigo, todo o grupo do Avante! sentiu-se ultrajado pelo
gesto. E então, diante do cenário pouco favorável, no dia 21 de outubro, Mussolini deixa a
direção do Avanti! No mês seguinte, ele inicia o Popolo d’Italia. Esta revista concentrava
em seu corpo editorial Corridoni, De Ambris, Edmondo Rossoni, Michele Bianchi e Ottavio
Dinale, companheiros da época do sindicalismo.
É verdadeiro dizer que a atuação socialista de Mussolini pelo PSI encerrou-se em 1914,
mas não sua militância socialista e muito menos suas conexões com Marx. Ao contrário: é
o radicalismo de suas ideias marxistas que o colocou em confronto direto com a direção
do PSI38 . Era seu apelo à violência revolucionária que cada vez menos encontrava espaço
entre seus companheiros. E ele fazia questão de acentuar este fato:
Bem, aceitamos a luta de classes agressiva, direta e violenta. É por isso que
não nos envolvemos com assuntos republicanos. Se fôssemos republicanos,
o problema institucional tornar-se-ia preeminente e prejudicial para nós,
de sorte que orientaremos de outra maneira toda a nossa atividade39 .
Uma síntese muito razoável dos acontecimentos é oferecida, mais uma vez, por De
Felice. Ele argumenta que a defesa do intervencionismo foi a mais radical transformação
ideológica de Mussolini. Ao afastar-se o PSI, Mussolini tomava consciência, cada vez mais,
da importância da elite do Partido em vistas da Revolução.
16
“um periódico socialista” —, com sua saída do partido Mussolini fez,
sem dúvida, uma escolha: ele escolheu as elites. Até então ele falava para
o proletariado, o proletariado socialista, em particular, e todo o corpo
proletariado, em geral, tentando obter um movimento numa direção
unificada. Se ele percebeu ou não, sua posição em favor da intervenção
mirava as massas proletariadas, mas, sobretudo, as elites revolucionárias,
tanto proletária quanto burguesa (De Felice (1965, p. 284, grifos do
autor)).
17
atividades teóricas, das quais resultaria uma primeira síntese do pensamento fascista44 .
Nesta nova fase o conceito de nação45 , antes marginal à época do PSI, torna-se um elemento
central em seus escritos.
Ora, se a nação deveria integrar todos os italianos, o proletariado deveria ser entendido
como um subgrupo desta nação. A luta de classes, essencial no marxismo, começa a ser
gradativamente diluída. “Para Mussolini”, afirma Gregor, “o socialismo do futuro poderia
ser apenas um socialismo nacional, no qual todos os elementos da população encontrariam
seu lugar, uma representação dos seus interesses fundamentais, um objeto de lealdade
prima facie” (Gregor (1979, p. 210, grifos do autor)). Ao contrário do que dizia na época
do Avante!, não eram mais os fatores econômicos, os meios de produção, que deveriam
guiar o destino dos indivíduos em vistas da Revolução. Somente o credo na nação poderia
assegurar uma unidade aos povos, um objetivo coletivo. Neste novo panorama ainda em
desenvolvimento o papel da classe trabalhadora seria pensada a partir de sua possível
contribuição a esta unidade. Ainda assim, este paternalismo elitista, como já sublinhado,
não era incomum entre socialistas marxistas. Tome-se como exemplo a seguinte passagem
de Hubert Lagardelle, escrita ainda em 1912:
Há aqui uma interseção entre Mussolini e alguns dos principais representantes do Action
française, nomeadamente, Maurice Barrès, Édouard Drumont e Charles Maurras. Como
o leitor pode ter percebido, não deixa de ser irônico que Mussolini tenha adotado ideias
que em 1910 o levaram a condenar publicamente o reformismo de Sorel. É preciso notar
que por detrás de uma suposta indeterminação nas ideias de Mussolini, ele possuía uma
percepção intuitiva muito boa de acordo com o timing político. Sua fé marxista era também
ideologicamente subversiva em relação ao mestre em momentos oportunos.
Portanto, embora o nacionalismo fosse presente em Mussolini ao menos desde 1909,
a I Guerra foi de fundamental importância em suas reflexões sobre o conceito de nação.
À parte o sentimento nacionalista do sindicalismo, Gregor faz uma aguda observação
sobre os possíveis efeitos psicológicos da guerra para os italianos. “A guerra dissolveu o
regionalismo e o compromisso a interesses paroquiais que marcaram a expressão geográfica
da Itália após a unificação” (Gregor (1979, p. 210)). Para Mussolini, esta seria a mais
pungente evidência em favor da Grande Itália. Afinal, não existem interesses individuais
ou de classe numa guerra; apenas a defesa patriótica e o enaltecimento da nação. Gregor
recorda ainda que durante esta mesma época outros sindicalistas começariam a assimilar
as mesmas ideias. Nota-se isto em Filipo Corridoni, Olivetti, Sergio Panunzio e Roberto
44
No início de 1917 Mussolini foi gravemente ferido em virtude duma explosão durante um treinamento.
Sequelas deste incidente acompanharam-no durante os anos seguintes.
45
Cf. Mussolini. “Il sangue è sangue” (1915), Opera, Vol. VIII, p. 30.
46
H. Lagardelle, “Les Revues,” Le Mouvement socialiste, no. 243: 153.
18
Michels. Em todos estes autores há também uma reverência a notórios revolucionários
italianos, como Carlo Pisacane, Giuseppe Garibaldi, Andrea Costa e Cesare Battisti (Cf.
Gregor (1979, pp. 223-224)). Acrescente-se aí também o nome de Giuseppe Mazzini47 , o
qual seria reivindicado em várias ocasiões por Giovanni Gentile.
Um importante testemunho desta nova fase é o texto “Battisti!” (1917). O artigo é
uma apaixonada homenagem a Cesare Battisti, morto na guerra em 191648 . As condições
da morte de Battisti bem como o fato de seu corpo ter sido exibido como troféu pelas
tropas inimigas certamente abalaram Mussolini. É visível neste texto o pesar do luto e a
fúria. E toda esta fúria foi direcionada contra os “inimigos da nação”: os socialistas. E
nem mesmo o cristianismo poderia oferecer um refúgio neste momento. A guerra havia
demonstrado, em seu entender, que a crença numa fraternidade entre todos os homens era
falsa.
Se é verdade que somente a crença nalguma ordem superior faz um homem sacrificar sua
própria vida, então seria preciso reconhecer agora que esta ordem se realiza dentro do
conceito de nação50 . Segue-se então que toda ideologia internacionalista (viz, o socialismo
marxista) é falsa e potencialmente perigosa à ordem social; deve ser eliminada, portanto.
Imerso nestas reflexões, Mussolini percebia agora como a disciplina militar respondia aos
seus anseios por mobilização política em direção à Revolução. “Uma vez que a integração
nacional tornou-se um objetivo revolucionário, o sentido reduzido na distinção de classes
foi bem recebida como uma consequência do serviço militar” (Gregor (1979, p. 211)). Ao
contrário do profissional revolucionário preconizado por Lenin, Mussolini desejava incubir
em seus seguidores o pétreo sentimento de amor pela nação num ambiente visto somente
47
Em julho de 1871, Marx concedeu entrevista a R. Landor pelo New York World. Eis a sua declaração
sobre Mazzini: “Ele não representa nada melhor que a velha ideia de uma república de classe média.
Não queremos participação da classe média. Ele foi precipitado para a parte de trás do movimento
moderno, bem como os professores alemães, que, no entanto, ainda são considerados na Europa como
os apóstolos do democratismo aculturado do futuro. Eles [os professores alemães] de fato eram, em
certo momento — antes de [18]48, talvez, quando a classe média alemã, no sentido inglês, quase não
alcançara seu desenvolvimento adequado. Mas agora eles [Mazzini e os professores alemães] passaram
para a reação, e o proletariado não os conhece mais”. A entrevista, em inglês, pode ser consultada
neste endereço: <https://www.marxists.org/archive/marx/bio/media/marx/71_07_18.htm>
48
Drake (2003) apontou alguns episódios que poderiam servir como causas psicológicas para a ulterior
ojeriza de Mussolini para com os socialistas. Gregor (1979, p. 227-234) destaca outro acontecimento
importante: diversos camaradas de Mussolini foram mortos na I Guerra. Além de Battisti, Corridoni
também morreu nas trincheiras.
49
Mussolini, “Battisti!” (1917), Opera, Vol. IX, p. 44, grifos do autor.
50
Cf. Mussolini, “Direttive”, Opera, Vol. IX.
19
na guerra. “Sob a pressão de grupos de pares e a resposta mimética ao comportamento
duma liderança forte, homens ordinários suportam as aflições das feridas e o prospecto da
morte com estoica tranquilidade” (Gregor (1979, p. 211)). Sintoma desta nova percepção é
o fato de agora Mussolini não falar mais na vanguarda do proletariado, mas sim duma
aristocracia emergente das trincheiras: a trincerocrazia 51 .
É também dentro deste nacionalismo exacerbado que Mussolini começa a perceber as
intersecções com a elite econômica. Seria responsabilidade da Nação-Estado levar adiante
o desenvolvimento do país, protegendo o parque industrial do país52 . Deve-se destacar,
não obstante, que o interesse primário de Mussolini era a dimensão sociopsicológica da
mobilização das massas e não a dimensão econômica. Daí a importância de figuras como
Olivetti, Panunzio e Michels e a ideia de transvaloração dos valores — evidente influência
nietzscheana conhecida por Mussolini —, que foi bem recebida dentro do modelo de
sociedade futura regida por uma elite esclarecida.
Mesmo após a I Guerra, portanto, Mussolini ainda demonstrava carregar alguns
preceitos marxistas de sua juventude. Note-se, por exemplo, que ele negava com veemência
que a Revolução de Outubro fosse, de facto, o tipo de revolução profetizada por Marx
& Engels53 . Em “Divagazioni pel centenario”, já em 1918, Mussolini recorda as etapas
do desenvolvimento histórico e econômico previstos por Marx para então concluir que os
acontecimentos na Rússia eram não mais que a expressão psicológica de fatores morais. “A
experiência russa não é marxista. Não houve processo marxista na Rússia porque o processo
capitalista [lá] estava no início”54 . O dilema que Mussolini (e, na verdade, a comunidade
socialista) enfrentava era esse: ou a Rússia passava por um genuíno processo revolucionário
sem ter entrado num ciclo de desenvolvimento capitalista (segundo interpretações marxistas
da época a Rússia, assim como o Brasil, era uma sociedade “semi-feudal”) ou, o que
parecia mais compatível com a letra de Marx, toda sociedade deveria seguir “leis” de
desenvolvimento socioeconômico. E como não ocorria a ninguém contestar a letra de Marx,
a conclusão de Mussolini era a de que estes eventos não tinham nada de revolucionário.
Ele se queixava também em relação ao Tratado de Brest-Litovski55 .
Karl Marx nunca foi, a priori, contrário à guerra. Ele não iria para
Zimmerwald56 , ele nunca condenou a guerra sob o tipo de eternidade e
humanidade. Ele não era humanitário. Ao ridicularizar o humanitarismo,
havia um pouco de crueldade prussiana nele, foi o que os saxões chamavam
de stock preusse, com isso: que esta aridez rústica de seu caráter veio a
ser polida na Inglaterra57 .
Mussolini então conclui sua causa: se a guerra pode trazer benefícios ao proletariado —
51
Mussolini, “Pace dedesca, mai! Nelle trincee non si voule la pace tedesca” (1916), Opera, Vol. VIII, p.
272; “Trincerocrazia” (1917), Opera, Vol. X.
52
Mussolini, “Direttive”, Opera, Vol. IX; “Il fucile e la vanga” e “Consenti”, Opera, Vol. XI.
53
Cf. Mussolini, “Viva Kerensky!” (1917), Opera, Vol. IX.
54
Mussolini, “Divagazioni pel centenario” (1918), Opera, Vol. XI, p. 47.
55
Cf. Mussolini, “Dopo Brest-Litovsk. Il cannone ha la parola!” (1918), Opera, Vol. X.
56
Trata-se aqui da Conferência Socialista de Zimmerwald, realizada entre 5 a 8 de setembro de 1915, em
Suíça.
57
Mussolini, “Divagazioni pel centenario” (1918), Opera, Vol. XI, p. 45
20
por meio de reformas e emancipação —, Marx não apenas aprovaria como exaltaria e
invocaria a guerra58 . Estas passagens revelam então que Mussolini havia encontrado uma
síntese para seu agora perfil militarista e nacionalista dentro do marxismo. Recorde-se que
as passagens acima foram escritas após suas reflexões sobre o papel da nação e da elite das
trincheiras. Depreende-se daí que, se por um lado Mussolini era agora um ferrenho inimigo
dos socialistas, ele ainda alimentava esperanças de preservar sua tradição marxista, ainda
que agora radicalmente modificada.
A rejeição ao bolchevismo aliada a um latente “desenvolvimentismo” inseria-se ainda no
marco da Revolução futura. Se o crescimento regular da produção industrial era imperativo
para a Itália revolucionária, então o marxismo ortodoxo da época tornara-se, na melhor das
hipóteses, irrelevante e, na pior, um obstáculo ao desenvolvimento revolucionário. Por meio
deste raciocínio Mussolini começava a perceber a afinidade entre seu projeto e os interesses
do establishment, apesar das ressalvas59 . Ele mirava a burguesia industrial e pensava ser
possível aglutinar esta nova classe e o proletariado sob um interesse comum, de modo a
fomentar o desenvolvimento econômico e industrial da Pátria60 . As conclusões de Mussolini
não eram estranhas ao marxismo, todavia. Em 1915, Arturo Labriola empregou as palavras
de Marx para reforçar a sua audiência da necessidade em promover o desenvolvimento
capitalista na península61 .
Mussolini também falava, ainda em 1918, do novo modelo político italiano. Ele re-
tornava às suas ideias anti-parlamentaristas da época do PSI. Ou melhor: ele encontrou
um acabamento teórico até então inexistente para o anti-parlamentarismo que nunca
abandonou62 . Pensava ele, com efeito, em um sistema científico, do mais alto nível técnico,
composto por representantes de cada nível produtivo da Itália. O parlamentarismo liberal,
em sua opinião, apenas retardava o desenvolvimento da nação63 . Ele agora fala expres-
samente em fechar o Parlamento. O curioso a perceber é que para Mussolini, Woodrow
Wilson, presidente dum país democrático, era um perfeito exemplo de ditador. Não por
ter fechado o Congresso, todavia, mas sim por conseguir da Casa Legislativa a aprovação
de quaisquer decretos64 . Era esse modelo de governo, típico dos tempos de guerra, que
Mussolini começava a incorporar dentre suas ideias.
A I Guerra transformou radicalmente o marxismo heterodoxo de Mussolini. Ele agora
estava seguro que a verdadeira revolução era nacional. Para ele, somente dentro da Nação-
58
Mussolini, “Divagazioni pel centenario” (1918), Opera, Vol. XI, p. 46.
59
Cf. Mussolini, “Dal veccio al nuovo ministero”, Opera, Vol. VIII, p. 234; “Fra il segreto e il pubblico”
(1917), pp. 138-139, “Milano darà un miliardo?” (1918), Opera, X, p. 259.; “Verso la meta”, “La casa
delle parole”, “La finzione”, e "Orientamenti e problemi”, p. 283, Opera, Vol. XI.
60
Cf. Gregor (1979, pp. 216-217).
61
Arturo Labriola “I principii di C. Marx in materia di politica estera”. Apêndice ao La conflagrazione
europea e il socialismo (1915, pp. 209-212).
62
Cf., por exemplo, “La tenda” (1917) Opera, Vol. IX, p. 251.
63
Cf. Mussolini, “La formula” (1917), Opera, Vol. IX, p. 298
64
Cf. Mussolini, “Malessere”, Opera, Vol. X, p. 144.
21
Estado seria possível eliminar (ou pelo menos apaziguar) os interesses individuais e de classe.
E qualquer tentativa de obstrução deveria ser violentamente reprimida. Havia também
a clara percepção de que o Partido deveria seguir um modelo rigidamente militar. Ao
retornar para a Itália, Mussolini encontraria ainda outros elementos para este sincretismo
ideológico.
22
da Itália. Não por acaso Enrico Ferri, Guido Podrecca e Nicola Bombacci, líderes socialistas
por anos, logo começaram a seguir o movimento fascista. Eles começariam a perceber
também que este plano exigiria alianças pontuais com o status quo e, quando necessário,
aplicar táticas reacionárias. Portanto, que o fascismo tenha se tornado uma força de
extrema-direita não representou, para estes indivíduos, uma incoerência ideológica; era, ao
contrário, uma etapa indispensável na busca pela Revolução.
O fascismo encontraria alguns representantes da nova aristocracia do combattentismo
entre os futuristas65 . O Manifesto Futurista (1909) de Marinetti seria a síntese deste novo
(e também vanguardista) movimento político: a exaltação do progresso, da vida heróica e
da violência; o prospecto de uma grande guerra libertadora de todo tédio; um romantismo
torpe, enfim. Em 1919 havia também o Associazione Nazionale Combattenti. Esse grupo
político procurava ser a voz dos diversos veteranos da I Guerra que desejavam retomar
às suas respectivas vidas sociais. Os combatentes desejavam reformas inspiradas pelo
sentimento nacional e reivindicavam a abolição de privilégios e oligarquias. Repudiavam,
por outra parte, ideologias internacionalistas que supostamente alienaram a Itália da
realidade.
A mentalidade coletivista desenvolveu-se nesses jovens soldados que até pouco tempo
atrás eram camponeses. Donald Sassoon nota como a guerra foi um teste de companheirismo,
disciplina e coragem. Havia também uma narrativa comum entre estes veteranos baseada
num forte ressentimento em relação aos ricos e neutralistas que conseguiram esquivar-se da
dor e do sofrimento (Sassoon (2009, p. 48)). Não seria equivocado dizer que a ambiguidade
do establishment e a inépcia dalguns liberais ajudaram (indiretamente ou não) Mussolini
a retirar destes grupos muitos dos seus primeiros recrutas. Seja como for, a promessa da
Grande Itália conseguiu convencer muitos destes indivíduos. Emilio Gentile acrescenta:
Uma parte importante dos mitos iniciais do fascismo veio destas minorias
que queriam ter uma revolução através da glorificação da guerra e da
vitória na luta contra seu oponentes, sobretudo os neutralistas e socialistas.
O papel das massas não foi excluído da nova ordem destas minorias,
mas como sentiam que a maioria dos combatentes ainda não havia
assimilado o espírito revolucionário da guerra e ainda não estaria pronta
para subverter a ordem existente e plantar um novo regime, esta tarefa
pertenceria à vanguarda, aos “aristocratas de espírito lutador” do Arditi 66 ,
aos futuristas, aos seguidores de D’Annunzio (Gentile ([1974] 2005, p.
76)).
Porém, nem mesmo os arditi tinham plena consciência do que desejavam enquanto
organização política. Havia um sentimento generalizado de recusa do sistema político e
talvez alguma desorientação causada pela guerra. Os arditi formavam um grupo heterogêneo,
todavia: muitos eram ex-presidiários, alguns anarquistas; havia os intelectuais proletários
65
Cf. De Felice (1965, p.249).
66
O nome designava, na I Guerra, uma unidade de ataque especial que assumia as principais missões
de alto-risco. O grupo era representado perante a opinião pública pelo Ardito, jornal do Associazione
arditi d’Italia, criado por Mario Carli, o qual passou às fileiras do fascismo pouco depois da Marcha
sobre Roma.
23
e membros da classe média. Um exemplo deste perfil era Edmondo Mazzucato, que iniciou
a vida política como anarquista e acabou como um dos primeiros fascistas. O que unia
estes indivíduos tão diferentes era a experiência da guerra67 . Os arditi, mais do que
uma (pretensa) ideologia, representavam um estilo de vida baseado em comportamentos
ritualísticos e simbólicos de glorificação da guerra, da autoridade militar e da rejeição
dos valores liberais moderados. E estes elementos foram incorporados pelo fascismo: as
camisas-pretas, a postura militar e até mesmo o hino dos arditi, “Giovinezza” (Juventude),
tornou-se o hino oficial do Partido Fascista.
Mussolini subiu ao poder com a firme convicção de que o fascismo era uma legítima
manifestação revolucionária. E a própria escolha do nome deveria reforçar esta simbologia.
A palavra “fascio” entrou no léxico político no séc. XIX a partir do Risorgimento e foi
preservado em movimentos camponeses e operários, sobretudo na Sicília (os fasci siciliani).
Já em 1914-1915, os sindicalistas revolucionários que desejavam a intervenção italiana
formaram o Fascio Rivoluzionario d’azione Internazionalista. Portanto, a promessa de
Mussolini a partir de 1919 pode ser interpretada como o resgate da Grande Itália de
Giuseppe Mazzini através de uma grande marcha para o futuro.
O conceito de revolução, como ficou demonstrado, atravessa todo este arco da vida
política de Mussolini. Mas, que tipo de revolução? Mussolini seguramente sabia que este
termo já não significava em 1919 a mesma coisa que em 1904. A Marcha de 1922 não foi
acompanhada por um banho de sangue, como tanto esperava nos tempos do PSI. A razão
para isso é que também o conceito de violência foi realocado.
Giovanni Gentile parecia estar ciente desta ambiguidade e tratou de esclarecer em 1929
qual tipo de revolução o fascismo representava:
Pode-se alegar, naturalmente, que esta não era o tipo de revolução profetizada por
Marx & Engels69 . Ao eleger a nação como o agente transformador da sociedade, Mussolini
teria abandonado, em definitivo, os principais elementos do marxismo. E ainda assim, o
nacionalismo foi um fantasma que assombrou o socialismo marxista por muitos anos, como
67
Cf. De Felice (1965, p. 478)
68
Gentile, “Origini e dottrina del fascismo”, 1929, apud Gregor (2002, p. 19).
69
Eugen Weber apresenta uma visão alternativa em “Revolution? Counterrevolution? What revolution?”
(In: Laqueur (1976, cap. 12))
24
a história da URSS de Stálin poderia confirmar. Mussolini deixou de lado a revolução
violenta da qual tanto falava nos tempos do PSI. E no entanto, Engels reconhecia em
1847 que uma revolução pacífica era preferível a uma sangrenta. Seria possível dizer que o
maior pecado de Mussolini foi abandonar a luta de classes. Mas, nem mesmo o acordo
com o establishment (que não parece tê-lo compreendido verdadeiramente) foi justificado
sob sua orientação marxista. Uma solução definitiva para estas questões não poderia ser
apresentada aqui.
A passagem de Mussolini da extrema esquerda para a extrema direita foi uma transfor-
mação gradativa e somente a partir de 1919 a influência marxista começa a ser diluída.
Voltando a Gentile, ele oferece talvez a melhor descrição da origem da ideologia fascista e
sua relação com o marxismo:
E Gentile emenda: foram estas as noções que influíram em outras correntes que
igualmente reivindicam esta (nova) forma de Estado. Em 1929 esta era uma afirmação
verdadeira sobre o Action Française de Charles Maurras, o nacional socialismo de Hitler e o
comunismo de Stálin. O marxismo, é verdade, tornou-se o maior inimigo do fascismo. Mas
a queixa principal dos seus ideólogos, Gentile, por exemplo, era em relação à concepção
materialista por detrás do marxismo. Este seria o maior impedimento para o ser humano
perceber a nação como uma ideia superior, além de toda forma de individualismo.
Em 1933 Mussolini retornaria a estas reflexões em “La dottrina del fascismo” para
dizer:
25
controla uma nação totalitariamente é um fato novo na história”73 . E desfere: “Pode-se
pensar que este é o século da autoridade, um século de “direita”, um século fascista; se o
XIX foi o século do indivíduo (liberalismo significa individualismo), pode-se pensar que
este é o século “coletivo” e, portanto, o século do estado”74 .
A literatura especializada não parece dispor de uma definição unívoca de fascismo. Em
uma das possíveis interpretações, mencionada no início deste artigo, assume-se apenas
que o fascismo era uma força irracional movida pela violência e pela guerra — fons et
origo malorum. Caso os argumentos apresentados até aqui mostrem-se corretos, então esta
interpretação poderia ser reavaliada ou mesmo rejeitada. À parte a correta avaliação de
que o fascismo (junto ao nazismo e ao comunismo) foi uma experiência desastrosa em
todos os sentidos, isto não deve afastar o fato de haver um núcleo teórico razoavelmente
consistente; que Mussolini, Gentile, Lenin, Stálin, Hitler e tantos outros tentaram conferir
uma racionalização para suas aspirações revolucionárias e totalitárias. A compreensão
objetiva do fascismo não significa, em absoluto, ignorar os motivos morais para a sua
completa rejeição.
7 Conclusão
26
fato de tentar realizar as ideias de Marx no plano material. É como se oferecesse nova
interpretação da última das Teses ad Feuerbach: os filósofos têm apenas interpretado Marx
de maneiras diferentes; a questão, porém, é aplicá-lo. Considerando, porém, o resultado
desta aplicação, seria interessante discutir, no futuro, qual a relação (e se há alguma) entre
as interpretações de Marx e a origem do totalitarismo.
27
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