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Memórias de Isabel

Apesar de possuir uma inteligência acima da média, meu maior problema sempre
foi o fato de adorar passar despercebida; e, assim, fui considerada por todos como a
única da turma que estava fadada ao fracasso. Estudava em um colégio no bairro
onde eu morava, no Rio de Janeiro, que tinha por nome Sepetiba. Sempre
frequentei a escola de ensino público e, ao completar 15 anos, fui estudar em um
bairro vizinho. E, para entrar nesta nova escola, era necessário realizar uma prova; e
essa foi minha primeira vitória, pois a fracassada estava entre as duas pessoas que
tinham sido aprovadas para este novo colégio técnico. Algo começou a mudar entre
meus amigos e minha família: eu já não era considerada uma zero; agora era uma
aluna de colégio técnico, o orgulho da casa. Também estava muito contente e
satisfeita com os resultados. Sabia que seria só o começo, pois o meu maior sonho
era cursar uma faculdade e frequentar as salas do conhecimento.
Já tínhamos enfrentado a passagem do ano de 2000, que tinha sido um caos,
quando comecei o meu primeiro ano letivo na ETESC. Já no primeiro dia, me
enturmei com a galera, que faz parte da minha vida até hoje. Porém, nem todos da
turma eram bacanas e, no início, foram estes os meus companheiros de sala e pátio.
Aprendi a cuidar da segurança do trabalho, pois esse era o curso que estava
estudando; mais aprendi ainda mais fora de sala. No final do primeiro semestre, já
tocava violão, gaita e pandeiro, bebia vinho e ouvia Legião Urbana. Comecei a rir do
mundo e, principalmente, de mim mesma. Sempre bem-humorada, enfrentei o fim do
primeiro ano e das provas de recuperação muito bem. Passei para o segundo ano
na reta final, com direito a um “UFA“ ao sair da sala de aula.
Fui passar as férias de fim de ano na praia com meus primos, mais já se via de
longe que eu não era mais a mesma Mariana de sempre. As brincadeiras da praia já
eram chatas e sem nenhum fundamento; preferia ler um livro e dormir a nadar e
pular na água.
No primeiro dia de aula depois das férias, vi que seria um ano maravilhoso: conheci
um rapaz, que tinha um amigo em comum comigo, e começamos a namorar. Este foi
o motivo maior de cabular aula pelo menos duas vezes na semana. Se eu me
lembro bem, foi um dos melhores início de ano da minha vida. Só que as provas de
final de semestre chegaram e, como sempre, me dei muito bem nas provas finais.
Graças a Deus ainda tinha me restado inteligência suficiente para passar por mais
uma dessas. Só que, para a minha surpresa, uma matéria não tinha prova final: a

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Educação física. Sim, o que eu temia aconteceu: estava reprovada! E o pior de estar
reprovada era contar para minha mãe que, à princípio, ficou só a ouvir as minhas
desculpas e reagiu muito bem, até saber que teria que repetir o semestre todo por
isso. Então, no dia seguinte, foi até o colégio.
Fiquei do lado de fora da sala esperando a decisão e torcendo para que minha mãe
conseguisse reverter à situação, pois se repetisse, ficaria longe do Gustavo. Era
nele que eu pensava. Até que ela saiu agradecendo ao diretor e ao professor que
havia me reprovado por falta. Para mim, só disse:
- Vamos embora! Em casa agente conversa!
Pronto, sabia que tinha sobrado para mim. Depois de ouvir toda a verdade sobre o
meu comportamento e sobre o futuro, fiquei sabendo das condições que teria que
enfrentar para continuar meu namoro com Gustavo e ir para o terceiro ano do
segundo grau. Chegaram ao acordo que a aluna Mariana Fernandes teria que:
1) Frequentar a aula de Educação Física sem nenhuma falta; atrasos não seriam
tolerados.
2) Apresentar semestralmente um trabalho durante o terceiro anos sobre temas
relevantes do esporte.

3) Ajudar, uma vez por semana, a organizar a biblioteca do Centro Cultural de Santa
Cruz.

Naquelas regras, vi que meu namoro não iria resistir sem as tardes de sábado, pois
era o único tempo livre da semana. E foi o que aconteceu. No mês seguinte,
Gustavo já tinha um novo amor. Triste, fazia Educação Física duas vezes por
semana, sempre às 13 horas, e com um sol forte que parecia queimar meus miolos.
Pelo menos não via o novo casal de namorados passeando pelo pátio. De lá para a
sala de estudos fazer o trabalho que tinha por título “A Importância do Esporte na
Sociedade Moderna”. Sentada, em frente ao computador, tive vontade de entregar o
trabalho em branco com a seguinte conclusão:

“O esporte deve ser praticado por quem gosta. Ele deve ser uma fonte de
divertimento e prazer, e não uma mera formalidade de uma disciplina obrigatória;
afinal, jogar xadrez, gamão e dama também podem ser considerada uma forma de
exercitar a mente e o espírito.”

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É claro que não tive coragem de escrever isso, mas bem que gostaria de tê-lo feito.
O trabalho no Centro Cultural era mais divertido. No início, achava chato, mas
depois ficava esperando os dias para chegar o sábado. Minha única companhia
nessas horas eram os livros que organizava e o Guarda-Flores que me ajudava e
vigiava. Era o tempo que precisava para pensar no futuro pois, afinal, a prova do
vestibular era naquele ano e não sabia ainda o que queria fazer. Centro Cultural
Princesa Isabel era o nome do lugar; ele só funcionava no primeiro andar do antigo
prédio da Escola Princesa Isabel. O segundo andar ainda estava em reforma. Fazia
mais do que meu trabalho exigia e, um dia depois de organizar tudo, resolvi dar uma
olhadinha lá em cima, no segundo andar. Ignorei as placas de perigo e “somente
pessoal autorizado”. E subi as escadas. Estava muito escuro e voltei para pegar a
lanterna; antes dei uma olhadinha para ver o Guarda-Flores. Ele estava no lado de
fora falando com o jardineiro. Voltei e subi as escadas. No final dos degraus, acendi
a lanterna; tudo estava escuro e tive medo de me deparar com um rato. Era tudo tão
sinistro, escuro, cheio de poeira, caixas, cadeiras e estantes. Novamente fui até o
fim do corredor e brinquei!

- Alguém aí? Perguntei ao entrar em uma das salas. Ao me virar para sair, vi uma
sombra; eu me assustei e caí para trás. Meu pé ficou preso num buraco que meu
peso fez no chão de taco, e cai. A lanterna se apagou e me senti uma boba. Tentei
retirar o meu pé e tive que soltar algumas tábuas do chão. Estiquei a minha mão e
peguei a lanterna e, ao iluminar o meu pé, vi que tinha algo escondido embaixo do
piso; parecia um pequeno baú. Estiquei minha mão e o peguei; junto a ele tinha um
livro. O relógio cuco do Centro Cultural bateu às 17 horas. Peguei o baú e o livro,
desci as escadas correndo, peguei minha mochila, guardei tudo lá dentro e passei
rapidamente pelo Guarda-Flores e o jardineiro.

-Tchau Mariana, bom fim de semana! Gritou o guarda.

-Para o senhor também!

Fiquei no ponto do ônibus inquieta. Encontrei com alguns amigos, mas nem parei
para conversar; queria chegar em casa. Na condução, fiquei com medo de abrir a
mochila. Porém, assim que fechei a porta de meu quarto, joguei tudo na cama. O

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baú estava trancado e tinha as inicias P.I.C, assim como no livro de capa preta.
Sacudi. Tinha algo dentro e, ao abrir o livro, gelei.

“Memórias de uma princesa.”

Comecei a me dar conta de que tinha furtado algo de muito valor histórico e que
poderia ser presa. Havia uma foto de um homem e uma flor branca murcha. Deitada
em minha cama, comecei a folhear o livro e me perdi...

RIO DE JANEIRO ,1 de agosto de 1860.

“COMPLETEI 14 anoshá alguns meses e comecei a me dar conta de que tenho


muitas responsabilidades. Depois que fiz o juramento no senado para poder ser
digna de assumir futuramente como imperatriz do Brasil, vi que meu pai sempre
esteve certo em exigir muito de mim e de Léo. Afinal, foi para isso que nascemos:
para servir o povo brasileiro. Minha mãe me deu este livro de memórias de presente
e hoje é o primeiro dia que escrevo nele. Ainda bem que tudo na vida de uma
princesa não é só dever e estou indo para a fazenda imperial para escolher um novo
cavalo. Ainda estou sentida pela morte repentina de visconde, meu cavalo desde
que tinha 7 anos de idade.
Conforta-me poder fazer essa viagem com meu pai. Apesar de a fazenda ficar muito
longe e já estar cansada da paisagem bucólica, eu fico feliz ao ver como meu pai
gosta de estar neste lugar; ele sempre diz trazer ótimas lembranças de sua curta
infância. Afinal, com a minha idade, ele já estava no trono. Papai fazia questão de ir
montado, cumprimentado todos, enquanto Aia Luísa e eu íamos na carruagem.
Devo dizer que nestes últimos dias não me encontro muito bem; minhas regras
chegaram e eu ando meio irritada. Aceno para o povo rapidamente e volto a deitar
no colo de Aia, minha querida tutora”.

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I

- Caramba!

Não dormi a noite inteira. Fiquei esperando a Polícia Federal vir me prender; mas o
dia raiou e nada. No dia seguinte, não tive coragem de voltar a ler o livro e passei o
domingo todo olhando para o portão, esperando ver o Guarda-Flores me apontando
e gritando:
- Foi ela, senhores. Ela é a ladra!

- Está bem, minha filha?! Perguntou meu pai quando me viu em pé, com a cabeça
nas nuvens!

- Sim, respondi timidamente e voltei a olhar para o portão.


Passei o fim de semana imaginando se seria presa ou não. E, para que ninguém
visse o que eu tinha encontrado, escondi o livro e o baú no fundo do meu guarda-
roupa e fingi que não havia acontecido nada. Na segunda-feira daria um jeito de
devolvê-lo, pensei ao me deitar, no domingo. Passou segunda, terça, quarta e eu
não consegui parar de pensar no segredo dentro do guarda-roupa. Foi então que
resolvi dar uma olhadinha no livro e jurei que não abriria o baú; só olharia o livro.
Como só eu sabia da existência dele, pensei que não faria mal em ser a primeira a
saber das memórias vivas de uma princesa de verdade, que viveu o poder em sua
totalidade. Deitada em minha cama depois da escola, eu comecei a desvendar os
mistérios daquele pequeno livro de memorias. E cada vez que desfolhava as
páginas, minha vontade de descobrir sobre ele crescia.

“FAZIA ANOS

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que não vinha à Fazenda Real de Santa Cruz. Sabia da fama de seus campos de
cultivos, seus gados e dos lindos cavalos, bem como de sua senzala. Mas Léo e eu
não gostávamos de vir pra cá, pois era tão longe que parecia que estávamos indo
para outo país, se bem que ao olhar pela janela da carruagem, a impressão que eu
tinha era que aquelas pessoas não eram brasileiras e eu estava na África. Papai
costumava realizar touradas e saraus, mas fazia anos que não vinha...
Afinal, o que seria uma semana longe de livros e deveres, assim escondida aqui
estaria na companhia tão escassa de meu pai. O caminho até a fazenda era
realmente desconfortável e irritante. Tentei me distrair contando as árvores, os
arbustos, os negros e até mesmo os pássaros que passavam por nós; mas nada me
distraía. Resolvi então contar os marcos que marcavam o caminho. A Fazenda Real
ficava a 12 marcos do centro da cidade; ainda estávamos do quinto. Aia Luísa
estava tão distraída com seu livro que eu não quis perturbá-la com meu total
arrependimento de estar naquele carro olhando para o teto e sacolejando sem parar.
Ao passar pelo marco XX, que indicava que estávamos bem próximos, esbocei até
um sorriso e fiquei inquieta dentro da carruagem, pois sabia que estávamos muito
próximos de um banho quente e uma cama bem fofinha. Fomos recebidos pelos
criados da casa e alguns escravos e, como de costume, na presença do imperador,
todos eles tinham que estar de sapatos. Aia Luísa estava tão contente de estar ao
lado do papai que, ao olhar para ela, comecei a achar que não estava nos planos
deles a minha presença. Porém, escolher meu presente de aniversário foi uma ótima
desculpa para passarem uma semana inteira juntos. Como era responsável por
minha educação, Aia me acompanhava sempre aonde quer que eu fosse, assim
como meus livros de química, minha segunda paixão, depois dos cavalos.
Subi para o meu quarto, mas tive dificuldades em achá-lo; eram tantas portas no
corredor, entrei em tantas salas e quartos e dei sorte de uma escrava me ensinar o
caminho.

- É este aqui, senhora, disse abrindo a porta.


- Obrigada. Mais algumas portas eu o teria encontrado. -Ri, mas ela não. Entrei e ela
fechou a porta. O quarto tinha duas camas e uma janela enorme, assim como um
guarda-roupas e uma escrivaninha, onde estou escrevendo agora. Fiquei pensando
no juramento que fiz há alguns dias e, segurando a coroa que meu pai me deu, rezo
para Deus me dar sabedoria para governar o país como meu pai. Resolvi escrever a

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Leopoldina, pois fazia tempo que não ficávamos tanto tempo longe. Estava com
saudades.

‘Querida maninha, acabamos de chegar e a saudade já aperta. O que tu andas


fazendo sem mim? Acho que você tinha razão; deveria ter ficado. Vossa Mercê e
mamãe devem estar se divertindo. Quanto a mim, aproveito para começar a me
acostumar com sua falta pois, em breve, Deus Pai Todo Poderoso fará seus sonhos
se tornarem realidade. E um duque desembarcará em terras nossas para desposá-
la; e serão felizes para sempre. Vou mandar para você algumas flores que achei no
caminho para a sua coleção.
Em breve nos veremos...
De sua queridinha,

Isabel Cristina”.

ANTES
de ir à capela, fui até o conselheiro de papai e pedi que enviasse para mim. Como
sempre prestativo, disse que na manhã seguinte enviaria junto com alguns ofícios.
Naquela noite, jantei sozinha; nem papai, nem Aia desceram para o jantar. Estou me
sentindo muito sozinha e sentada na capela vazia; comecei a sentir como seria o
resto da minha vida. Pedi a Deus hoje que me desse forças. Nesta manhã, quando
me levantei, vi as criadas rindo e passeando pela janela do meu quarto;
cochichavam e me acenavam, e seguiam para seus deveres. Acho que o que as
pessoas pensam quando me veem é que minha vida é só feita de privilégios e
riquezas. Mas, ao nascer, a única coisa que realmente me cercava eram obrigações
e deveres, além dessa total alienação familiar. Se um dos meus irmãos não tivesse
morrido, hoje Leopoldina e eu estaríamos apenas a sonhar com um príncipe. Há um
motivo certamente para tais acontecimentos e hoje me preparo para realizar o
desejo mais Ardoz de minha tataravó Carlota: ser primeira Imperatriz do Brasil.
DEITADA
aqui nesta cama quentinha, em minha camisola francesa, olhando estas páginas em
branco, me pergunto o que Deus me reserva. Estou confusa! Não quero
decepcionar meu pai, mas acho que não serei uma boa Imperatriz. Amanhã irei
escolher meu presente. Tenho certeza de que será um longo dia.

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Fui com Aia Luísa até o estábulo. Estava ansiosa para escolher o meu cavalo;
andamos um pouco até chegarmos. Aia foi cantando músicas e rimos muito. Lá, fui
apresentada a todos os animais, mas nenhum chamou a minha atenção. Fiquei
chateada naquele momento, quis voltar para casa e, na volta, passamos perto da
senzala e ouvimos um som animado vindo de lá. Curiosa como sempre e sem o
apoio de Aia, fui em direção à senzala, bem devagar. Ela foi atrás de mim e ficamos
a observar; é muito difícil descrever aquela cena. Não dava para contar quantos
deles havia no local. No início, fiquei assustada; poderiam me matar se soubessem
que estávamos ali. Mas a música era tão animada que nem o sol forte me fez parar
de olhar e querer ver mais. Não me pareciam animais ou bárbaros. Lembrei-me que
até pouco tempo, Leopoldina e eu fazíamos peças de teatro junto com os filhos dos
escravos da casa Imperial. Diziam que eram domesticados e preparados para o
nosso convívio. Acho que era por isso que não riam ou falavam; apenas faziam o
que mandávamos, como brinquedos vivos. Depois de muita insistência de Aia,
resolvemos ir para casa antes que alguém nos visse. Quando nós viramos, um
menino segurando um cavalo estava bem atrás de nós.

- Que susto, menino! Aia deu um pulo. Neste momento, olhei para ela e repararei
que sua pele branca estava vermelha e os seus cabelos sempre bem presos e
penteados estavam soltos e esvoaçados; e tinha uma aparência de cansada.
- Você é a filha do Imperador? - Perguntou, olhando para mim. Neste momento,
comecei a sentir o forte sol do meio-dia.
- Sim. E você, quem é?
- Sou um amigo dele.
- Você conhece o Imperador? - Perguntou Aia.
- Sim. - Enquanto eles conversavam, eu me dei conta do belo animal que ele
segurava.
- De quem é esse cavalo?
- É meu, senhora!
- Seu?! – Perguntei, surpresa.
- Deve estar de brincadeira menino, um escravo com um cavalo? - Ele olhou para
Aia, triste, pois sabia que eu estava certa e provavelmente todos faziam estas
perguntas.
- Sim, senhora. Este cavalo é meu e eu não sou escravo. Eu sou livre.

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- Você não é escravo? Então por que esta aqui? - Perguntei.
- Minha mãe ainda é escrava, mas o seu pai me libertou.
- Como?
- Eu tinha um passarinho; aí o seu pai gostou e me perguntou o que eu queria em
troca dele... Aí eu pedi a ele um cavalo...
- Ele te deu este?
- Sim, senhora. Seu pai me deu essa égua.
- Qual é o nome dela? – Falei, passando a mão em seu belo pelo branco.
- Raia...
- Isso é lá nome de cavalo? - Esbravejou AIA.
- É em homenagem ao meu amigo João.
- Por quê?
- Por que ele pesca arraia e faz para eu comer sempre que vou a Sepetiba.
- É uma pena que este cavalo não seja mais da fazenda, pois eu adoraria levá-lo
para ser meu.
- A senhora quer o meu cavalo?
- Você me venderia?
- Não.
- Isabel, vamos. Já vai escurecer.
- Sim, eu sei, Aia. Adeus, menino.
- Adeus, princesa! Ele montou no cavalo que estava sem sela e foi em direção à
fazenda. Era realmente uma égua única.

Voltamos
para casa e Papai estava nos esperando. Perguntou pelo cavalo e eu lhe disse que
voltaria no dia seguinte para olhar outros. Não contei sobre o menino, pois teria que
contar sobre a senzala, e ele me repreenderia. Almoçamos e ficamos a ouvir Aia ao
Piano.
Fiquei pensando naquele menino e em seu cavalo; eu realmente queria aquela
égua. Pensei em pedir ao meu pai que tomasse dele, mas que tipo de pessoa eu
seria? Afinal, ele era somente um escravo, e eu, a filha do imperador. Meu desejo
seria uma ordem. E eu quero aquela égua!
- Que silêncio é esse, Isabel? - Aia se senta ao meu lado na varanda.
- Estou pensando naquele menino.- Ela sorri.

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- O amigo do imperador?
- É, eu queria aquele cavalo, Aia. Queria mesmo...
- Nós vimos tantos cavalos no estábulo. Por que você não escolhe um daqueles?
- Nenhum deles é o que eu estou procurando.- Ela segura minha mão e me olha
como uma mãe olha seu filho...
- Nem sempre temos o que queremos, minha flor. Às vezes necessitamos nos
contentar e ceder... Mesmo você sendo uma princesa, terá que aprender que quem
está no comando tem o dever de colocar suas emoções e desejos de lado em nome
do bem maior. Meu amor, você é um menina abençoada; é a pessoa perfeita para
ocupar aquele trono.
- Aia... Eu... - Ela me abraçou e eu chorei...

NÃO
consegui dormir pensando. E, pensando, passei o resto do dia seguinte. Resolvi
caminhar um pouco; saí sem que ninguém me visse e, quando percebi, a casa
estava bem pequena. Sentei-me perto de uma árvore e fiquei observando a
natureza. E me dei conta de que, nessa vida, nada é realmente nosso, nem o ar
que respiramos, pois imediatamente quando o ar entra, outro sai, modificado; mas,
no fundo, é o mesmo ar. Quem sou eu para merecer mais do que aquele pobre
menino?
- Oi! - Surpreendi-me.
- Oi, você me assustou! - O mesmo menino do outro dia, sorrindo, sentou-se do meu
lado.
- O seu nome é Isabel, não é?
- Sim é, e o seu qual é?
- Minha mãe me chama de Pedro, mas eu prefiro Filé!
- Filé?!
- Sim, eu adoro filé de frango, filé de peixe e de carne, quando sobra! - Ele lambeu
os lábios e passou a mão sobre a barriga.
- É mesmo gostoso.
- Você ainda quer a Raia? - Ele me olhou sério.
- Você quer me vender?
- Não, minha mãe diz que não se vende nada nessa vida!
- Hum, sua mãe é muito sábia.

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- É sim.
- Obrigada, mas os presentes que se ganham também não podem ser dados.
- Não, por quê?
- Porque são de coração. E tenho certeza de que meu pai o deu de coração a você.
- Pois é! - Ele se levantou e ficou a olhar para a pequena vila que ficava perto,
pensativo. Neste momento, fiquei a olhar para os seus detalhes: ele tinha o cabelo e
a pele bem escura, vestia uma bermuda marrom e uma blusa de botão branca;
estava descalço e me parecia ter uns sete anos.
- O que você esta olhando?
- É que eu quero mesmo dar a Raia pra você.
- Por quê?
- Por que ela gosta de passear e com você ela vai poder conhecer a cidade e outros
lugares, e eu, através dela também! - Ele sorriu e se virou para mim.
- É verdade, ela vai ser tratada como uma princesa.
- É sim. Ela vai ser livre...
- Você também é livre!
- Não, eu nunca vou ser, pois não importa aonde eu for; a minha cor me impede de
ser livre.
Não consegui dizer nada; apenas calei-me. Da minha janela, depois da missa, fiquei
a observar o sol se pondo; estava tão bonito, todo laranja, umas nuvens cinza às
vezes o cobriam e um vento frio balançava as cortinas. Estou me sentido mais só do
que nunca.

Fazenda Real, quarto dia...

NÃO TIVE ..

vontade de escrever, mas hoje, durante o jantar, fui surpreendida com um pedido de
meu pai. Um político, um fazendeiro e um padre vieram jantar conosco. Durante o
jantar, relataram ao imperador sobre o problema que estavam enfrentando em
Sepetiba. Não me lembrava do lugar, mas parecia que papai gostava muito da
região, pois tinha belas praias, com águas tranquilas e, pelo que estava entendendo
das conversas, uns abolicionistas estavam querendo que a igreja e o fazendeiro

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cedessem parte das terras não cultivadas para os escravos alforriados e alguns
mestiços pescadores.

- O que você acha disso, minha filha? Fiquei atônita, pois nunca me deixava
participar de assuntos ligados à política, mas acho que o fato de ter a sua idade,
quando assumiu o Império, havia mudado seu pensamento.

- Eu ainda estou querendo saber o que os senhores querem que o Império faça?

- Nós queremos que o imperador acabe com estes abolicionistas! Falou.

O fazendeiro, que se chamava Honório Guedes e possuía uma enorme fazenda


chamada Itaguaí, estava inquieto e muito nervoso.

- Nós não podemos mais permitir que a violência seja uma forma de tratar
discordantes, papai. Temos que buscar uma forma inteligente e pacífica de enfrentar
esta situação, que tenho certeza, não é exclusiva desta parte do Império. Mostrar
aqui que podemos entender e negociar com os abolicionistas vai mostrar que o
senhor sabe ponderar e é compreensivo! - Papai se levantou e pensativo e sorriu.

- Então, o que você sugere?

- Que como o senhor está os ouvindo, ouça também os motivos destes do outro
lado.

- O senhor tem que entender que não podemos dar corda para estas pessoas, pois
se deixarmos e cedermos, logo pensarão que podem requerer liberdade total até
mesmo para escolher seus governantes e pedir a República, queixou-se o político!
Papai me olhou esperando minha resposta. Pensei, olhei bem em seus olhos.

- Deus sabe o quanto desejamos o melhor para o Império e, se for da vontade do


meu Senhor que a República seja restaurada, que assim seja. Só não podemos
deixar de governar com sabedoria e justiça; essa é nossa missão como membros da
Família Real. Assim, antes de tomar qualquer partido ou medida, o melhor é refletir e
ouvir a todos.

- Os senhores ouviram a Princesa Imperial. Amanhã iremos a Sepetiba e, assim,


tomaremos a solução necessária para o conflito! A contragosto, eles concordaram.

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Papai me olhou com admiração e me parabenizou. Feliz, me retirei e deixei-o com
Aia.

No dia seguinte, meu pai não me acompanhou até Sepetiba. Fui com Aia e o
padre. A vila era muito simples e fui bem recebida. Parecia quando as pessoas me
olhavam, que eu era de outro país ou de outro planeta. Paramos em frente a uma
praça que tinha um coreto, me lembrando das praças de Petrópolis. Mostraram-me
os barcos e a linda praia. Tive vontade de me banhar como as crianças estavam
fazendo. Minha pele branca chamava a atenção e eu nada falava. Aia segurava
minha mão; continuei a sorrir e, quando voltamos para perto da carruagem, uma voz
sobressaiu em meio às outras.

- É isso que devemos esperar do Império! Olhei para os lados; Aia já estava na
carruagem. Voltei e, ao olhar em direção ao coreto, vi alguém lá em cima. O sol
estava forte e só vi a sua sombra.

- Quem é você? – Perguntei, tentando vê-lo.

- Meu nome é João! - Lembrei-me de Filé e do seu amigo pescador.


- Então, em que eu posso ajudar? Foi para isso que eu vim até aqui! - Ele desceu as
escadas do coreto e, então, pude observá-lo de perto. Fiquei vermelha. Ele tinha a
pele branca, queimada de sol e cabelos compridos. Vestia uma blusa branca e calça
de linho preta com sapatos pretos e um suspensório; não me parecia ser um
mestiço.
- O que você poderia fazer? É apenas uma criança! - Conforme se aproximava de
mim, algo nele me fazia sentir vergonha; fiquei nervosa e gaguejei.
- Represento o Imperador e vim aqui para ouvir as reivindicações de sua classe.
- Minha classe! Ele riu.
- Sim.
- Não entenderia os nossos motivos, pois você é uma aristocrata, vive em seu
mundo e não compreende que existe algo mais além dos muros dos palacetes.
- O senhor está me subestimando. Primeiro, por minha idade e, depois, por minha
educação. O senhor está muito enganado, pois o Império que represento está
preocupado sim com o seu povo, e é por isso que estudo e estou aprendendo para
que em situações como essa a justiça seja imparcial! - Ele me ergueu a mão,
queria que eu a segurasse. Pensei em não segurá-la; depois achei que não seria

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nada de mais. Então subimos até o coreto onde ele me contou sobre a vida dos
pescadores, o desejo de crescimento da vila e de como seria bom para a economia
da região a criação de um mercado com mais gente livre e disposta a trabalhar e a
comprar. Suas ideias eram muito boas, mas o meu interesse era outro. O observei
falando, rindo e olhando a praia. Ele era tão bonito, seus cabelos pretos, seus olhos
castanhos e sua barba por fazer; devia ter uns 18 anos. Fiquei pensando e, ao me
dar conta, percebi que eu não chamava sua atenção por minha beleza, pois não era
uma característica de minha família. Éramos feios! Devo admitir que Léo era dona
da beleza e restava a mim a coroa. Nada mais chamava atenção em mim; apenas o
título e o fato de minhas sobrancelhas serem imperceptíveis.
Despedimo-nos e ele beijou minha mão.
- A senhora é realmente muito bonita! Eu ri.
- O senhor não é um bom observador. Ficou claro desde sua impressão primária de
minha pessoa até essa sua colocação agora.
- Devo me desculpar...
- Sim, é claro, espero ajudá-los como eu puder.
- Depois desta nossa conversa, vejo que nós tínhamos uma impressão errada da
Família Real.
- Acho que é natural criticar o que não conhece.
- Sim, nos vemos de novo?
- Espero que sim! Respondi, entrando na carruagem.

Claro
que gostaria de vê-lo de novo e o meu sorriso me denunciava. Aia, que observava
de longe, logo viu e riu. Disfarcei e sentei ao seu lado, mas sabia que não o veria,
pois vivíamos em lugares diferentes. Porém, gostaria de me sentir mais em sua
companhia.
Ao voltarmos de Sepetiba, passamos por outro caminho no meio da plantação, que
parecia não ter fim. No meio daquele imenso campo, vi apenas as cabeças dos
escravos trabalhando; eram tantos. Perguntei ao padre sobre como era a vida deles
e ele foi me relatando a rotina dos escravos, de segunda até sexta. A alvorada era
às 4 horas da manhã; às 5 horas, o escravo já deveria estar vestido, pois às 5:30
horas, ele sofreria a revista para os trabalhos diários. Ao som do tambor que
demarcava o tempo de todas as atividades diárias, os escravos eram separados em

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esquadras, que obedeciam ao gênero e à faixa etária. Às 11 horas, havia a primeira
pausa para a refeição, momento em que receberiam uma ração composta de carne
seca e farinha. Ao pôr do sol, eles recebiam a segunda etapa, constituída de arroz e
feijão cozidos em gordura do gado abatido. Por volta das 18 horas, regressavam à
Fazenda e faziam uma ceia frugal. Às 21 horas, ocorria a revista do recolher; então,
um a um, os escravos seriam recontados e mandados cada qual para a sua senzala.
Logo me veio à mente: Filé e a vida que levaria se não tivesse encontrado meu pai.
Então, perguntei das crianças e escondi minhas lágrimas, enquanto ele contava. E
eu olhando pela janela uma realidade tão próxima.
Senti vergonha da vida que levava. Sentada à mesa do almoço, observava as
escravas servindo os pratos e os convidados de papai rindo. Era como se eu não
estivessem ali. Durante o café, a mesma coisa. Acho que a impressão que tinham é
que as coisas chegavam como um passe de mágica. O pior era que eu também era
assim. Estava indo para o meu quarto quando resolvi mudar meu caminho. Fui em
direção às alas dos criados. Nunca estivera em um lugar que não fosse permitido
por meu pai ou por minha tutora. Andei bem devagar. Era tudo tão novo. Havia
quadros no corredor, mas a falta de uma boa iluminação não dava para ver os
detalhes. Tinha uma porta e uma luz vindas de lá. Cheguei bem perto e a abri. Uma
mulher negra, sentada em uma enorme mesa, me olhou e sorriu. Havia outras
pessoas, mas não me viram. Saí dali e subi as escadas correndo em direção ao meu
quarto. Uma menina com minha idade me assustou.
- O que faz aqui? - perguntei, fechando a porta ofegante.
- Preparando o seu banho, senhora.
- É mesmo, tinha me esquecido do banho. - Ela me ajudou a me despir e a entrar na
tina do banho. Enquanto esfregava minhas costas e jogava água limpa, me dei conta
da enorme distância que nos separava. Ao olhar suas mãos e as minhas, suas
unhas; eram iguais, assim como a forma de seus dedos. Mas a sua cor era tão
negra como a noite. Deitei em minha cama com tecidos brancos e travesseiro de
penas, e chorei. Não consegui dormir; fui à capela e orei como penitência. Ao
acordar, me dei conta de que estava no meu quarto. Acho que, ao adormecer na
igreja, alguém me trouxe de volta para minha cama.
Não
sou mais a mesma Isabel que chegou há alguns dias na Fazenda Real de Santa
Cruz. Algo mudou; algo me tocou no fundo, onde eu não sabia que poderia existir

15
sentimento e culpa. Sim, talvez João tivesse razão; estava protegida demais no meu
mundo para compreender e me compadecer. Como podemos viver e não ligar para
estas pessoas? Fui chamada para o jantar e me surpreendi ao ver João sentado
junto ao meu pai. Ele estava tão bonito e novamente senti que estava vermelha. Ele
era filho do fazendeiro que tinha nos visitado no dia anterior e papai me indagou
sobre minha decisão.

- Observei, em minha estada lá, que aquele território perto do mar não é propício
para plantação. E como tinha sido cedido aos cuidados do fazendeiro, ele agora
retribuiria o favor do imperador doando aquelas terras aos homens livres, como um
presente ao aniversário da princesa!

-Meu pai me olhou feliz e pediu o presente ao fazendeiro. João me olhou e piscou-
me. Retribui com um sorriso e os dois foram embora.

NA MANHÃ...

Seguinte, fui até o administrador da fazenda e, montada pela primeira vez em Raia,
o fiz me mostrar toda a propriedade. Mostrou-me a plantação e o hospital que
atendia os escravos, a capela e a vila. Fomos à senzala e ao estábulo. Passamos a
manhã andando e comecei a entender como funcionava a vida na fazenda, e
imaginei que era assim que deveriam viver os escravos nas fazendas vizinhas. O
administrador me parecia ser uma pessoa muito rígida e me relatava com muito
orgulho que, em sua administração, as fugas da fazenda eram muito raras e que
vários escravos vinham pedir abrigo na fazenda, pois era um lugar que dava a eles
dignidade. Perguntei a ele sobe os castigos. Ele pensou no que iria me falar e, ao
passarmos pela frente do hospital, me disse que os castigos tinham sido banidos por
ordens de meu pai. Mais ele me deixou bem claro que era contra, pois era através
dos castigos que se dava disciplina aos escravos. Não via a hora de voltar e, assim
que entrei em casa, fui até meu pai. Contei a ele meu desejo: queria muito que
nossa fazenda fosse mais justa com aquelas pessoas. Ele me olhou sem reação.

- Devo dizer que esse desejo também é meu, minha filha. Mas estas pessoas
nasceram pra a labuta; foi assim que Deus as fez. Durante o jantar, tentei começar a

16
mostrar a meu pai o quanto aquelas pessoas eram importantes e que deveriam ser
respeitadas. Mas ele não estava pronto; não para ouvir de mim, uma menina de 14
anos.

- Meu pai!

- Isabel, você tem muito que aprender, minha querida! - Pela primeira vez na vida o
meu pai me decepcionou. Eu que o achava tão inteligente e justo. Só que suas
palavras eram vazias.

- Mas papai, eles são seres humanos; são como nós; a cor de sua pele é apenas um
fator químico.

- Sim, eu compartilho com você desta ideia, mas eles são fortes, mais fortes do que
nós; e tenho certeza de que Deus os fez assim para trabalhar.

- Mas, papai! São seres vivos! Devem merecer ser tratados com respeito e ter
direitos.

- Minha filha, estas suas ideias devem ser repensadas. São estes homens e
mulheres que sustentam a sociedade. Quem iria tomar o lugar deles em nossas
casas e na plantação? Já se aboliu o tráfico; o que mais poderíamos fazer? Foi um
erro te mandar a Sepetiba; você é muito jovem! - Ele saiu descontente e eu fiquei
desolada. Eu tenho apenas 14 anos, o que poderia fazer? Apesar de ler tantos
livros, vi que meu conhecimento não era suficiente; mas tinha que, de alguma forma,
fazer a diferença. Fiquei no meu quarto o resto do dia; estava confusa e indignada,
pois sabia que, no fundo, papai estava certo e que seria uma luta não só contra a
corte, com seus privilégios escravocratas, mas contra os fazendeiros e banqueiros,
os donos do dinheiro no Brasil.

RECEBI

uma visita alguns dias depois e me surpreendi com João me esperando na varanda.
Ao vê-lo, me alegro; acho que gosto dele. Passeamos no entorno do palacete e
beijou-me novamente a mão. Tínhamos tanto em comum; ele era tão bonito e me
rendi aos seus encantos. Passamos tardes muito agradáveis naquela semana; ele
passou a me visitar todas as tardes e falávamos de todos os assuntos. Filé nos
acompanhava sempre, e Aia Luísa, de longe também.

17
Papai resolveu promover um sarau e mandou chamar a mamãe e Léo. Elas
chegaram no dia da festa e não tive coragem de contar a Léo sobre João. Estava
com saudades de mamãe e fomos passear juntas para ver os preparativos. Léo
ficou com Aia para ver os vestidos novos que tinha comprado. Nossos vestidos eram
iguais; só a cor era diferente: o meu, lilás; e o dela, rosa. Usávamos tiaras de ouro e
anéis de brilhante. Chegamos juntas ao Sarau, quando anunciaram:

- Recebam a Família Imperial do Brasil! - Muitos aplausos e a música começou a


tocar. Papai e mamãe sentaram-se, enquanto Léo e eu andávamos pela festa.
Todos dançavam, riam e comiam. A festa estava tão linda e, quando João chegou
com sua família, trazia na mão uma camélia que a entregou a mim. Mamãe olhou
para papai com desconfiança e eu aceitei a flor.

- Ela representa o ideal de liberdade; a liberdade que você trará quando assumir o
Império! - Eu fiquei envergonhada e ele me tirou para dançar. Sobre o olhar de
todos, dançamos e dançamos a noite inteira.

Era tão emocionante sentir suas mãos sobre o meu vestido; sentia que estava
apaixonada por ele e, quando a última dança tocou, meu coração se entristeceu. Ele
beijou minha mão e eu segui de braços com meu pai. Leopoldina me perguntou
sobre ele, mas não disse nada; queria esperar até chegarmos em casa. Sabia que
iriamos embora no dia seguinte; então desci as escadas escondida e voltei até a
festa. Não havia mais ninguém no meu coração; ele estaria lá.

- Sabia que viria! - Eu me surpreendi com ele parado perto de uma árvore.

- Você me assusta.

- Eu, por quê? - Ele se aproximou e, mais alto que eu, me segura os braços.

- Por quê? – Eu não terminei de falar e ele me beijou. Nunca tinha sido beijada em
toda a minha vida; é algo maravilhoso e estranho, me sinto sem chão.

- Sabia que posso ser condenado à morte? Perguntou-me, enquanto eu acariciei o


seu rosto.

- Tem medo? – Perguntei a ele.

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- De morrer por você? Não! Poucos terão a oportunidade de viver este momento que
estamos vivendo.

- Beijando uma princesa? - Ele riu.

- Não, de serem amados e de amar.

- Eu tenho que ir! - Tentei me afastar.

- Não! - Repetiu bem suave.

- Sim!

- Quero que me prometa que, ao voltar, se me amar ainda, me espere neste mesmo
lugar.

- Não sei quando voltarei! - Ele me beijou mais uma vez.

- Nem que demore décadas! Vou esperar por você!

O deixei sem querer; parecia que eu estava pisando nas nuvens. Quando eu
andava, minha respiração estava ofegante e meu coração estava batendo tão forte
que podia ouvi-lo. Deitei-me e dormi sonhando com seus beijos. Não poderia contar
isso a ninguém; nem para Léo. Eu a amava, mas este era um segredo meu e dele;
por isso, antes de partir, esconderei este livro de memórias aqui. Não posso levá-lo.
Então, vou colocá-lo junto ao guarda-roupa, escondido dentro de um falha na
madeira. Não vejo a hora de voltar; espero que seja logo, pois já estou com
saudades de João. Tenho tanto medo de não vê-lo mais que não consigo dormir.
Partirei com a certeza de que vou deixar na fazenda não só estas memórias, mas
meu desejo de felicidade.

FAZENDA REAL, 8 de outubro de 1862

NEM acredito que estou de volta à fazenda. Corri para o quarto para saber se o livro
estaria no mesmo lugar. Sim, estava.

Pedi a papai que voltássemos à fazenda para uma tourada. Devido à minha
insistência mamãe concordou e voltamos. Eu tenho agora 15 anos e, apesar do

19
tempo, ainda penso naquele beijo todas as noites. Mesmo sabendo que meu
casamento já está sendo planejado, tento não pensar neste momento, pois o que eu
quero é apenas vê-lo. Papai, mamãe e Leopoldina foram descansar assim que
chegamos. Mas eu não consegui; fiquei a olhar pela janela para ver se ele viria. E,
ao cair a noite, desci as escadas para esperá-lo como prometemos há anos.

E, para minha surpresa, ele estava lá.

- Meu coração esperava por você!

- Corri em sua direção e o abracei. Eu não disse nada; apenas me entreguei aos
seus beijos. Acho que o amo.

Léo está dormindo enquanto eu estou escrevendo, pois preciso contar a alguém
que estou APAIXONADA! Eu, Isabel, estou sendo amada. Passamos a tourada toda
a nos olhar. João e eu não conseguimos disfarçar e, apesar de Léo não perceber
nada, meu pai sim. E, como Aia Luísa havia viajado para a França, ele parecia ainda
mais preocupado e designou dois guardas para irem aonde eu estivesse. E proibiu
encontros das princesas imperais com cidadãos comuns sem a supervisão da
Imperatriz ou do próprio imperador. Assim, vi minhas esperanças de estar com João
novamente ficarem para trás. Logo estaremos partindo da fazenda e estarei mais
perto de meu casamento arranjado com um príncipe europeu. Será este então meu
destino? Será que estarei fadada a ser infeliz? Acho que não me resta outro
remédio. Mas uma coisa eu prometo: farei da minha luta pelo fim da escravatura a
minha maior prova de amor a João, pois sei que ele sempre estará comigo nesta
camélia branca. Novamente vou guardar minhas memórias no velho guarda-roupa e
espero que, ao voltar a escrevê-lo, tenha boas notícias.

II

Nossa, pensei: a princesa Isabel tinha um amor secreto. Acho que esta história não
seria bem vista pela sua família e por todos os brasileiros; afinal, ela era uma

20
heroína, mas o que não sabiam é que ela também tinha sido uma menina. Comecei
a duvidar se deveria revelar aquela história; afinal, era muito pessoal. Passeando
por Sepetiba, imaginei como deveria ser quando ela esteve aqui. Subi no coreto e
imaginei ela junto a João,; tantas pessoas já passaram por aqui e talvez não saibam
que a princesa já estivera também. Estava tão triste com o que estava vivendo na
escola com Gustavo que me vi como a princesa, sem poder viver seu amor. Era tão
frustrante vê-lo passear pelo pátio com sua nova namorada; gostaria de sumir e
estar dentro daquelas memórias. Sim, queria estar junto à princesa e fugir desta
realidade. Mas a realidade era bem diferente e estava ficando louca com aquela
situação todo dia na escola. A única coisa que me movia naqueles últimos dias eram
as memórias de uma princesa escondidas no meu guarda-roupa. Queria tanto contar
para alguém, mas tive medo; não de ser presa, mas de trair a princesa e suas
memórias. Estava confusa. Sentei-me no balanço em frente ao velho coreto e voltei
a ler. Pela data, vi que os anos tinham passado.

FAZENDA REAL de Santa Cruz, 1865.

ESTOU

de volta depois de longos 5 anos e me surpreendo ao encontrar o meu velho livro de


memórias escondido onde eu o havia deixado, dentro do meu armário, numa
tabuinha solta. Tenho agora 19 anos e estou casada com um homem maravilhoso;
ele era prometido de Leopoldina mas ela se apaixonou pelo meu pretendente. Na
verdade, não me importei, pois o que eu queria não poderia ter. Devo dizer que
Gastão era um homem inteligente e generoso, mas o que temos em comum é o

21
amor pelo Brasil. Passamos horas conversando e acabamos ficando amigos e,
mesmo não o amando, acabei aceitando o seu pedido de casamento. A cerimonia
foi realizada na Capela Imperial; estava tudo tão bonito. Antes de entrar, olhei para
trás; queria ter certeza de era minha única escolha.

FOMOS...

Viajar pela Europa e isso nos aproximou ainda mais. Visitamos museus, vimos
óperas e peças de teatro e personalidades. Porém, dormimos em quartos
separados. Gostava muito dele mais não estava pronta. O tempo foi passando e,
quando o deixei me beijar pela primeira vez, recebemos um telegrama de papai
pedindo que voltássemos para o Brasil. Ele queria que Gastão estivesse à frente do
Exército na fronteira do Uruguai. A guerra era inevitável.

VOLTAMOS...

de nossa viagem de lua de mel e viemos direto para a fazenda. Papai sugeriu que
ficássemos aqui até que Gastão estivesse recuperado da viagem. Fiquei
preocupada, pois Papai insistiu tatnto para virmos. Queria ir para Petrópolis, mas ele
influenciou Gastão. No fundo ele sabia sobre João; acho que queria ver se eu o
havia esquecido, pois depois que voltamos da fazenda naquele ano, a primeira coisa
que ele providenciou foi o meu casamento. Não tenho coragem de perguntar mas,
no fundo, ele sabe que deixei meu coração aqui na fazenda. Ele não deixou que eu
voltasse mais aqui, mas não sou tão infeliz com meu marido; ele é um homem
maravilhoso. Acho que eu já falei isso. Temos muito em comum e tenho certeza de
que se me esforçar, poderei ser feliz ao seu lado. Quem sabe seja hoje que terei
coragem de consumar meu casamento. Quem sabe... Eu o deixei entrar em meu
coração. Depois que nos deitamos, ele me beijou e eu deixei que me tocasse; ele foi
carinhoso. Tive um pesadelo e acordei no meio da noite, e ele estava sentado a me
olhar.

- Sinto muito... – Disse ele, sorrindo.

- Eu não o entendo. – Ele sentou-se a meu lado.

- Quero que você me ame como eu te amo. Quando cheguei aqui devo dizer que
não me interessei por você, mas as nossas conversas sobre política, sobre as artes,

22
química e sobre a vida me conquistaram, e me rendi a você completamente. Não
seria capaz de amar outra pessoa; acho que não existe outra pessoa como você.
Sou agraciado e agradeço a Deus por você.

- Eu gostaria muito também. - Ele me beijou e não permitiu que eu continuasse.

- Não diga nada, meu querubim. Deixe-me amá-la e serei grato.

Ao acordar, Gastão tinha partido. Ele me deixou um bilhete e uma rosa.

“Minha querida, voltarei mais cedo do que imagina”.

Resolvi

ir à capela depois da Missa. Andei pela fazenda e encontrei a mãe de Filé, a mesma
senhora que me olhou em minha primeira visita à ala dos empregados, há 4 anos.
Vou me lembrar para sempre de seus olhos e de seu sorriso. Eu lhe contei que já
não o chamavam mais assim, e sim Pedro, e que minha tia na França dizia que era
o melhor aluno da turma. Lembro que pedi a papai como presente de aniversário,
quando fiz 14 anos, que desse àquele menino uma educação de um nobre e papai o
mandou para França. Como um dia tinha me dito naquele mesmo lugar, ele era livre,
pois agora possuía algo que ninguém podia tomar dele: conhecimento e educação.

Os governantes locais deram um baile em minha homenagem. Apesar de estarmos


em guerra, aqui não afetou em nada a rotina do bairro e fui recebida com toda
pompa. A festa se resumia a um jantar com 20 pessoas.

Eu me afastei um pouco e fiquei a observar a vila da sacada, quando uma voz se fez
presente como há muito tempo em Sepetiba.

- Você está linda como sempre, princesa! - Ao me virar, meu coração parecia que
iria sair do meu peito e minhas pernas balançaram. Ainda bem que estava
segurando a sacada, pois achei que fosse cair.

- Como vai, João?

- Muito melhor por vê-la tão bem e feliz.

- Eu também fico feliz em vê-lo novamente.

23
- Soube que casou. Eu também casei este ano.

Logo após saber de seu casamento, minhas esperanças de encontrá-lo se


acabaram.

- Eu... - Fiquei sem palavras.

-Você é uma pessoa muito difícil de encontrar. Durante estes anos tentei, mas...

- Mais o quê? – Perguntei.

- O destino sempre impedia. Estive tão perto uma vez, mas você não me viu.

- Seu o tivesse visto, eu...

- Você teria o quê?

- Não sei...

- Eu a amo, Isabel. - Estas palavras avivaram em mim o amor de 5 anos atrás! - Ele
segurou minha mão e foi o bastante e, ao beijá-la, senti como se me beijasse. Tive
medo de não me controlar.

- Eu tenho que ir. - O deixei. Tive medo; não queria magoar o Gastão, mas não
consigo negar que eu desejo aquele homem de todo o meu coração. Por que papai
insistiu tanto que passássemos a lua de mel aqui? Queria ir embora, mas Gastão
voltaria para me buscar e, como havia prometido, fiquei mesmo com medo do que
estava acontecendo comigo. Achei melhor ficar no quarto, mas durante minha visita
à igreja, eu o vi passeando de mãos dadas com uma mulher; fiquei possessa e mal-
humorada. Fiz questão de cumprimentar o casal. Dava para sentir o meu tom de
ironia e despeito.

“Encontre-me, na ponte dos jesuítas”.

Dizia o bilhete que me entregou secretamente, durante nosso breve encontro na


rua. Tive vontade de rasgar o bilhete, mas me faltou coragem.

Mandei selar o cavalo que meu pai costumava usar quando estava na fazenda e
parti para o encontro. Ao chegar ao local, observei a construção; era tão moderna e
bem feita. Na pedra, estava cravada a mensagem:

24
”Dobra o joelho sob tão grande nome, viajante. Aqui também se dobra o rio em água
refluente”.

Tive medo de que alguém me visse; então me escondi embaixo dos arcos da ponte.
Não demorou muito e ele chegou. Meu coração batia forte ao ouvir seus passos. Ao
olhar, me senti febril como se estivesse doente.

- Temo ser a última vez que nos vemos! - Ele estava tão lindo. Seu cabelo estava
cortado e usava um cavanhaque. Tive vontade de correr para seus braços, mas me
contive.

- O que você quer de mim? – Perguntei enquanto ele me olhava ainda mais firme.
Minha respiração ficou ofegante, demonstrando nervosismo.

- Quero que me diga se seria capaz de amar-me.- Seu olhar era como de uma
criança orfã e me comoveu.

- Eu sou uma mulher casada.

- Eu não ligo. Seria seu amante, se me permitisse! - Ele segurou minhas mãos e as
beijou.

- Você sabe que poderia morrer por isso! - Ele sorriu para mim.

- Quero a morte então! - Ele me beijou e passamos a tarde juntos. Assim como
todas as outras. Vou voltar para corte junto ao meu marido e vou deixá-lo
novamente. Acho que depois destas semanas junto a ele. Compreendo agora que o
amor não é uma escolha para mim. Não poderia; acho que não conseguiria lutar por
ele. Agora sei: não é apenas uma questão de escolha; é o meu dever como a
escolhida por Deus para governar o Brasil, terra que tanto amo. Hoje, sentada nesta
escrivaninha, neste meu antigo quarto de menina, entendo o que realmente Aia me
ensinou não era sobre cavalos e sim sobre momentos como este. Teria que
aprender que, mesmo no comando, tenho o dever de colocar minhas emoções e
desejos de lado em nome do bem maior. Ainda mais com esta Guerra no Paraguai.
Partirei de volta à minha vida na corte.Tenho vontade de queimar este livro, mas não
posso.

25
III

Observei que o livro tinha algumas páginas rasgadas. Acho que deveria ser coisas
que ela não queria lembrar. Pelas datas, observei que deveria ser o período em que
o Brasil esteve na Guerra do Paraguai. E fiquei muito curiosa para saber mais sobre
aquele período e acabei me aprofundando no assunto. Nem vi a hora.

- O que esta fazendo aí, Mariana? - Perguntou-me o Guarda-Flores, ao ver-me


estudando na biblioteca do Centro Cultural.

- Estou fazendo uma pesquisa sobre a Guerra do Paraguai. - Mostrei o livro para ele.

- Para o vestibular. - Ele trouxe um café para mim.

- Obrigada.

- Já sabe o que vai fazer?

- Psicologia.

- Não é que você tem cara de psicóloga mesmo! - Disse, sorrindo.

- E o senhor tem cara de padeiro. - Ele riu.

- Mas eu ja fui padeiro, pedreiro, carteiro, e agora sou guarda.

- Parou muito bem. – Rimos.

- Olha, minha filha, você pode ser o que você quiser, pois tenho certeza: Mari fará
tudo muito bem. - Disse, levantando.

- Obrigada...

- Agradeça-me estudando. E acabo descobrindo que o marido da princesa esteve


na guerra e que tinha sido acusado de pôr fogo em soldados. Na verdade, ninguém
realmente sabia o que tinha acontecido de verdade. Porém, se houvesse uma
verdade, deveria ter estado naquelas páginas arrancadas. Coloquei o livro de volta
26
e, quando peguei o ônibus, vi Gustavo e sua namorada sentados no fundo. Ela
desceu primeiro e ele não demorou a sentar ao meu lado. Não falou nada; apenas
segurou minha mão até a minha casa.

- Espero que possamos ser amigos. - Falou antes que eu apertasse o sinal.

- Se não formos namorados, então nada. - Ele não largou minha mão; tive que puxá-
la. Não sei o que ele queria; só que não iria cair mais neste jogo de amor. Tinha uma
meta: a Faculdade. E não iria deixá-la para trás. Não quero abandonar meus
sonhos; devo isso a mim; devo isso a Isabel.

FAZENDA REAL de Santa Cruz, novembro de 1871.

TODA vez

que chego à Fazenda Real, abro o guarda-roupa e me deparo com estas


recordações escritas neste pequeno livro. Eu me pergunto sobre como teria sido
minha vida. Sento-me em frente à janela e folheio algumas páginas. Sempre volto a
viver como se acabasse de escrevê-las, sempre muito emocionada. Na verdade,

27
tento pensar que aquelas lembranças são apenas sonhos e que, no fim, a princesa
foi feliz com o seu cavalheiro.

Vim para o casamento de Pedro, meu querido amigo. Assim que se formou em
Direito, na França, há alguns anos, veio de volta para o Rio onde trabalhou como
advogado em uma companhia inglesa. A pedido de minha tia, papai lhe deu um
cargo de confiança no governo de Santa Cruz e o fez responsável por um projeto
que inclui a ferrovia e a criação de um matadouro. Vim para lhe dar posse e celebrar
sua união com uma francesa que veio com ele. Devo dizer que, ao chegar, percebi
que o casamento chocou mais a sociedade local do que o fato de Pedro assumir um
cargo público, onde apenas brancos haviam estado.

Foram longos 7 anos longe da fazenda e hoje, com 25 anos, me parece que o tempo
não passou, apesar de tudo ao meu redor ter mudado. A morte de Leopoldina me
feriu bem no coração e a ferida parece que não para de sangrar.

“Algo em mim falta.

Minha alma chora.

Meu coração está em pedaços.

Grita! Por que logo você?

Minha irmã querida”.

Sinto tanta falta de minha querida irmãzinha. Mas agradeço tanto a Deus por ter tido
a oportunidade de visitá-la antes que partisse. Ainda bem que aqui na fazenda não
tenho tantas lembranças de Léo. Olhando pela janela a paisagem tão pedante de
Santa Cruz, me pego chorando em silêncio.

Apesar da ferida da ausencia de Léo, continuei minhas lutas pelo fim da escravidão
no Brasil. E, depois de tantas lutas no Senado e acordos políticos, assinei em 28 de
setembro de 1871, como Regente, uma lei que iria garantir às crianças nascidas
depois desta data a liberdade. Hoje nacerão livres todas as crianças deste país.

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Gastão também está tão diferente. Depois que voltou da Guerra no Paraguai, não
gosta mais de caçar ou de esportes violentos; ele se dedica à fotografia. Algo
mudou em seu olhar; acho que não é mais o mesmo, está mais quieto e pensativo.
Até mesmo nossas conversas já não o animam e com tantos afazeres que me
tomam os dias, estamos cada vez mais distantes. Espero que nossa viagem à
Europa o motive e, assim que papai voltar e assumir o trono, novamente poderemos
partir. Aproveitei minha estadia na fazenda para descansar. Depois que assumi a
vaga no Senado, papai se ausentou do país para buscar os filhos de Leolpodina na
Europa. A responsabilidade da regência me suga a energia. Mais o que me conforta
é ter a companhia de meu querido João, que agora junto a Gastão é um de meus
assessores; ainda assim tenho medo de não dar conta de governar um país
continental como o Brasil. Tenho me esforçado. Deus sabe que tenho.

Fazenda Real...

A camélia branca que João me deu no sarau ainda me acompanha; ela me dá


forças para continuar esta minha luta. Estar com ele todos os dias quando vou ao
Senado me basta. Sim, quando me acompanha até minha sala ou ao salão de
votação me é suficiente. Gostria de dizer a ele que o amo, mas não consigo. Acho
que ele sabe, mas tenho medo de dizê-lo em voz alta. Sinto-me tão mal ao vê-lo
com Gastão. Ele considera João nosso amigo e maior aliado; confia nele e
principalmente confia em mim.

- Venha Maria, vamos tomar um licor e deixar estes dois falando de polítca! - Gastão
levou a esposa de João pra outra sala durante o jantar na fazenda. João olhou pra
mim e sorriu.

- Sabe que eu não gosto quando me olha assim! - Fiquei vermelha. Ele, sentando de
frente para mim, se levantou e se sentou ao meu lado ficando bem perto.

- Eu a amo!

- Alguém pode ouvir, pare! – Ele beijou minha mão e me esforcei para afastá-lo.

- Diga, então....

29
- O que, João? O que você quer que eu o diga?

- Diga....- Ele sorri. Acariciei o seu rosto e ele beijou a palma de minha mão.

Sabia, no fundo, sabia o que ele queria que eu lhe dissesse aquela noite, mas não
tive coragem. Gastão os levou até a porta e João me olhou; eu sabia de alguma
forma que ele podia ouvir o que era o meu maior segredo. Acho que, naquele
pequeno segundo, ele me ouviu dizer:

- Eu te amo!

Mais eu não disse e ele não ouviu, e partiu. Foi a última vez que eu o vi naquele
ano. Passaremos uma temporada na Europa; será ótimo para Gastão. Mas como
será para mim? Terei muito tempo para pensar e a melhor coisa que tenho a fazer é
esquecer. Mas não consigo deixar este livro e as lembraças nele contidas aqui no
Brasil. As levo comigo. Vou me dedicar a Gastão, sim, meu querido marido; mas
não deixarei minhas memórias, dessa vez.

Brasil, Paris, Mundo.

Acabamos de chegar de viagem e, depois de alguns dias de descanço, nos


preparamos para visitar a Cidade Luz. Como sempre, Paris me fascina e,
provavelmente, moraria aqui se não conhecesse as maravilhas das terras
brasileiras.Gastão, aos poucos, vai se tornando o homem com quem me casei. Sei
que o que viveu e viu na guerra o modificou, e que a pressão para termos um filho
era grande. Parecia que isso nos afastava. Vi que realmente o seu maior desejo era
me fazer feliz; e fiz de tudo para vê-lo sorrir novamente. E, ao passar dos meses, fui
vendo o seu desabrochar e nos aproximamos mais. Conhecemos pessoas muito
importantes; até mesmo a Rainha Vitória, da Inglaterra, que me pareceu uma
pessoa muito inteligente e racional. Mais a visita a Fátima e ao Vaticano foram
realmente um marco em nossa passagem pela Europa.

De volta

Estamos indo para Portugal, onde pretendo visitar alguns parentes e o túmulo de
meus avós. Ao passear pelas ruas de Portugal, fico feliz por não chamar atenção,

30
como todos os outros cidadãos; então passamos despercebidos. Paramos para
tomar um chá e, enquanto Gãstão vai ao barbeiro, fico a observar o vai e vem das
pessoas e perco meus pensamentos em um casal de namorados apaixonados que
param bem à minha frente. As lembranças daquelas tardes em Santa Cruz aindam
povoam minha mente, mesmo tantos anos depois. Ainda acordo à noite pensando
em João. Tenho tanto medo de sonhar com ele e chamar por seu nome. Tenho
medo de, dormindo, revelar meu desejo reprimido e combatido por minha sensatez
Volto para o casal de namorados; a tarde está tão agradável que resolvo caminhar.
Vou para a igreja, tento pedir que Deus me perdoe por amar o homem que não
deveria. Porém, por mais que tente, não consigo dominar meu coração, mas posso e
devo controlar minhas emoções e meu destino.

E SE

meu destino era junto a Gastão, estava disposta a dar-lhe minha vida e, como um
sinal de Deus, alguns meses depois de visitar alguns médicos especialistas,
descobri que estava grávida. Ficamos tão felizes e papai, ao saber da novidade,
mandou que reformassem o meu antigo quarto para receber a criança. Gastão e e
eu voltamos a Paris antes de partir para o Brasil. Queria comprar o enxoval do bebê
e, apesar de ter comprado alguns vestidos rosa, a grande maioria das pessas eram
da cor branca. Queria tanto uma menina.

Estávamos em um dos muitos parques de Paris quando encontamos um criança


perdida. Vi ali nas atitudes de meu querido marido que seria um pai maravilhoso.
Determinado, acalentou a criança e o entregou à mãe; uma atidude de um
verdadeiro príncipe, brinquei. Comecei a ver que poderia ser feliz se me esforçar-se.
Talvez, afinal, a felicidade poderia ser sim uma opção para nós.

Estou tão animada que pareço uma crinça à espera de sua bonequinha. Já estou
até bordando algumas toalhinhas com o nome Luísa Vitória Lepoldina e passei a
concentrar a viagem pela Europa para comprar brinquedos, roupas e objetos para o
bebê. Devido à gravidez ser delicada, a melhor opção seria que a criaça nascesse
aqui em Paris, mas a pressão política nos trouxe de volta, mesmo com o risco, teria
que nascer no Brasil. Pedi a papai para reconsiderar; estou com medo mas,
acompanhada por meu médico e uma parteira, Embarcamos de volta.

31
Rio de janeiro 29 de julho de 1874.

Hoje é meu aniversário; estou desolada, ferida como nunca estive. Sofri com a
morte de minha irmã e não sabia que havia dor maior. Eu me encontro tão infeliz;
depois de tantos tratamentos, planos, sonhos, minha filhinha Luísa nasceu morta.
Não tenho ânimo, não tenho chão; só quero dormir e dormir e dormir. Mas dormindo
ou acordada, ainda sinto meus braços vazios. Os dias são tão longos e as noites,
tão mais negras.

Tenho

tentado ser forte; meu pai está abalado. Não o via tão triste desde a morte me meus
irmãos. Pediu-me desculpas por não ter enfrentado os coselheiros que insistiam que
a criança deveria nascer no Brasil, mesmo sabendo dos riscos. Tenho medo de não
ter mais filhos.

Como não posso viajar e papai também não, Gastão foi designado para representar
a Família Real em passagem anual pelos estados do país. Talvez estes meses
longe nos faça bem. Olhar para ele é tão frustante; tive que mandar apertar meus
vestidos; nehum me serve mais. Não tenho vontade de comer, ando enjoada.
Mamãe e uma amiga estão me fazendo companhia, mas nada, nada me move. Vou
à igreja; é o unico lugar em que encontro paz neste últimos dias.

Depois

da Missa, volto para casa. Passei a residir em Petrópolis; as ruas eram mais
tranquilas e o ar, mais fresco. Estava entrado em minha casa quando me surpreendi
com uma visita inesperada: ao entrar pela porta, acompanhada de uma amiga, senti-
me fraca e me apoiei na parede.

- Como vai, Vossa Alteza? - João estava sentando no sofá, tão encantador, como
sempre.

32
- Que surpresa! - Ele se aproximou de mim e beijou minha mão. Minha amiga nos
deixou.

- Estava com saudades. - Ele me olhou e me conduziu até o sofá.

- E como vai Maria?

-Muito bem. Nós tivemos nosso primeiro filho. - Eu não sabia disso e aquela notícia
me incomodou.

- Que bom! E como vai o quilombo do leblon? - A empregada serviu o chá.

- Não quer saber o nome dele? - Ele me olhou nos olhos e meu corpo paralizou.

- Qual? – Perguntei.

- Ela se chama Isabel Cristina Ozorio Guedes. - Ao ouvir o nome da menina, fiquei
emocionada.

- Por quê? - Perguntei a ele, mesmo não querendo saber a resposta.

- Assim poderei chamar seu nome sem medo. - Ele segurou minha mão. Acho que
se minha mãe não chegasse para visitar-me, eu o teria beijado.

NÃO

posso, repito para mim. Cheiro minhas mãos; seu perfume ainda está nelas. Estou
tão confusa; estou com tanto medo. Escrevi para Gastão. Preciso dele! Necessito
vê-lo. Tenho que tê-lo perto para não ceder. Está tudo tão frágil; com ele aqui, sou
mais forte.

PAPAI

mandou enfeitar o paço para o Natal. Gastão me deu um presente comovente este
ano. Em nossa casa, depois da ceia, ele chegou com uma caixa muito vistosa.
33
Quando abri, havia outra caixa, e outra, e mais outra e, no fim, uma pequena caixa
com um sapatinho de criança. Ri.

- Quero lhe dar um filho. - Disse, beijando-me.

Dois meses depois, descobri que estava grávida. Gastão estava no Rio e mandei-lhe
uma menssagem.

“Querido, hoje Deus me entregou seu presente”.

Ele veio imediatamente. E chegou em Petrópolis bem tarde da noite; eu já estava


dormindo quando entrou pela casa correndo. E, ainda sujo, me abraçou tão feliz,
Beijando minha barriga, jurou-me que, desta vez, desta vez seria diferente.

E..

apesar do nascimento de meu segundo filho, Pedro, ter enchido minha vida, ao olhá-
lo dormindo em seu berço, abro o meu baú onde guardo minhas memórias e o
cacho de cabelo loiro de Luísa. Sempre que penso nela; imagino que Leopoldina
estaria a cuidar, assim como fiz com seus filhos.

NÃO

quero esquecer, mas tenho que continuar. Mandarei este baú para a Fazenda Real
e, junto a ele, como uma tentativa desesperada de ser feliz, o livro de minhas
memórias. Assim terei tempo de me dedicar apenas à minha familia, pois sei que
agora, com nosso pequeno baby, nós temos uma chance real de sermos uma
família. Espero que Deus tenha piedade de nós.

34
FAZENDA REAL, DEZEMBRO DE 1881.

Faz anos que não escrevo nada neste livro de memórias. Ando tão ocupada com
meus filhos, o Senado, papai e Gastão, que não tenho tido tempo para mim. Devo
dizer que tive vontade, várias vezes de rasgá-lo, mas ninguém pode esquecer o
passado; sim, e o meu é cheio de desencontros.Tenho tido tanto trabalho, mas ao
voltar a viver no Brasil, depois de alguns anos fora, me fizeram amar ainda mais este
país, o meu país tão querido.

Estou de volta à fazenda para inaugurar o matadouro de Santa Cruz. E agora


viemos de trem, já que a estação está terminada. É emocionante, pois papai
nomeou como chefe do matadouro, Pedro, meu amigo e ex-escravo real.

Este ano de 1881 está sendo tão gratificante para a nossa causa abolicionista.
Depois de estar tanto tempo afastada da vida politica, voltei a me dicar ao Senado e
à causa, que nunca abandonei, mesmo longe. Gastão está envolvido em um projeto
visionário: quer construir um palácio de cristal. Desde que vivíamos na França ele
sonha com isso e agora está com os projetos prontos.

35
Mas estar aqui na fazenda é torturante, pois me traz lembranças que queria manter
adormecidas; mesmo envolvida pelas mãos de Gastão, meus olhos procuravam
João na estação final. Ele não estava e fiquei triste, mas no fim, alegre, pois assim
teria paz.

Ao nos dirigir para a Casa Real, um jardim de camélias brancas foi plantando e
chamou a minha atenção.

- Caro condutor.

- Sim, Senhora.

- Este jardim é novo?

- Realmente, minha querida, eu não me lembro de tê-lo visto.

- Pois então, Gastão!

- Senhora, este jardim foi um presente do Senhor João Guedes à princesa e sua
família! - Assim que ele terminou, um calor tomou conta de meu coração.

- Imaginei; é a cara de João! - Gastão ri; ele o considerava muito.

Fiquei a procurar na multidão os olhos dele, mas ele não estava. Meu pai me
observava de perto e segurava a minha mão ao inaugurar o palacete Princesa
Isabel, sede do matadouro. Havia tanta gente, mas papai pediu-me para
acompanhá-lo até à casa, numa caminhada.

- Como anda sua vida com Gastão? - Aquela perguta me pegou de surpresa.

- Muito bem, meu pai!

- Sei que não é muito feliz.

- Como não? Tenho um marido maravilhoso, 3 filhos maravilhosos, o senhor e


mamãe. O que mais poderia querer? - Ele parou e observou o campo, me deixando
um pouco para traz.

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- Você é a unica filha que eu tenho. É a pessoa que mais amo neste mundo. E Deus
sabe o quanto bem eu a quero. Tenho tanto orgulho de você, minha pequenina. O
modo como defende suas causas no Senado, como protege os escravos, pois eu
sei que andas recebendo escravos fugidos em Petrópolis e no Leblon.

- Papai, eu sinto muito.

- Não, minha filha! Não há o que sentir; afinal, você é o futuro e eu o passado, e está
realmente na hora dos grilhões da escravatura serem quebrados. E é sua esta
honra.

- Eu ficaria muito feliz se pudesse realizar o sonho de ver este povo tão sofrido livre,
pois sonho com um Brasil melhor para cada cidadão, onde tenham direito à
educação e à saúde.

- Você é uma sonhadora, meu coração! Este povo levará anos para ser aceito e,
provavelmente, viverá à margem da sociedade, pois o preconceito, nehuma lei é
capaz de derrubar...

- Mais lhe daremos o direito de tentar! - Ele beijou minha mão.

- Agradeço a Deus todos os dias! Você é a melhor coisa que Ele poderia me dar.
Gastão é um homem de muita sorte! - Voltamos a caminhar.

- Sim papai! Mamãe também tem muita sorte. - Ele me olhou sem pudores; nunca
tínhamos tido uma conversa tão franca.

- Você sabe que eu e sua mãe não temos um casamento construído sobre o fogo de
uma paixão, mas não vejo nehuma outra em seu lugar. Ela reúne todas as
qualidades de uma grande esposa e é também minha amiga. Será minha
companheira por toda vida.

- O senhor nunca amou? - Seu olhar se perdeu novamente. Estávamos tendo uma
conversa franca; pela primeira vez que não senti vergonha de lhe fazer esta
pergunta.

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- Mas não é uma questão de amar, não é mesmo, minha filha? A questão é o que
teríamos de renuciar para tê-lo. São tantas responsabilidades que talvez nos
fizessem infelizes. É muito melhor sonhar com algo que poderia ter acontecido e
viver a sonhar. É magnífico, pois nos move, nos leva a caminhar.

- Papai, eu queria contar-lhe algo. - De alguma forma, acho que papai sabia sobre
João Guedes.

- Não é necessário. Eu sei! Sempre soube, mas quero que saiba que estaria ao seu
lado sempre. Não importava sua desisão ou o caminho que iria seguir. – Era muito
tarde, pensei, ao ouvir aquelas palavras de meu pai. - Estão muito preocupados com
minha saúde.

- Eu sei. - Eu lhe dei o braço e ele me conduziu.

- Então irei a Paris e, quando regressar, farei de você Imperatriz.

- Como assim? Ainda é muito cedo.

- Não. Acho que precisamos de ideias novas para manter a monarquia viva.

- Como queira. - Chegamos em casa e ele parecia cansado.

- Gostaria tanto que sua irmã estivesse presente em sua coroação.

- Ela estará, pois está aqui em nossos corações.

- Eu a amo, minha filha.

- Eu também o amo, meu pai.

Por fim

ao ler o início destas memórias, tanto tempo depois, lembro de quando eu estava
passeando pelo jardim de Camelias brancas, de quando viemos aqui em busca de
um cavalo; era tudo tão mais simples. Talvez hoje penso que teria sido os dias em
que papai foi mais feliz com Aia Luisa.

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Foram tantos amores, tantas dores, tantas perdas; fiquei triste quando tivemos que
sacrificar Raia. Nunca mais tive outro cavalo.

Levantei bem

cedo naquela manhã, peguei uma charrete e fui até Sepetiba. Parei em frente ao
coreto, subi as escadas e observei a paissagem linda, pois o sol ainda estava
surgindo. Caminhei descalça pela areia, uma coisa que tinha anos que não fazia, e
me sentei embaixo de uma grande árvore; era tão calmo e tranquilo e pensei, pela
primeira vez, que em breve seria a Imperatriz. De repente, em meus pensamentos.
lembrei-me de João. Sentei-me embaixo de uma árvore bem no meio da praia. Não
vi nenhuma pessoa; o mar estava tão calmo que senti voltade de entrar.

AO

sair do mar, me senti revigorada. Já não era tão jovem; tinha 35 anos e era mãe de
4 filhos. Se soubesse que era tão bom entrar no mar, teria feito mais vezes. Meu
Deus, pensei: o quanto és maravilhoso! Como pode fazer a natureza tão bela, tão
perfeita. Por que nós, seres humanos, não aproveitamos mais? São tantas normas e
regras de boa conduta que impedem que gozemos de uma vida cheia de alegrias
simples, como entrar no mar. A vida, então, teria mais cores.

DEITADA

na areia, me pergunto se teria sido feliz ao lado de João? Vivendo aqui, uma vida
simples, será que seria capaz de amá-lo para sempre, como os contos de fada ou o
culparia ao me frustar, por ter que abandonar meu destino?

Havia tanto em jogo. Se papai tivesse me dito aquilo antes, o que será que teria
feito? Quem teria escolhido?

Devia

39
fazer isso mais vezes, cometer essas loucuras, pois o mar é revigorante. Então
chegou a hora de voltar para minha familia, para Baby, Totó, Luis e Gastão. Minha
felicidade seria completa se minha filha estivesse aqui. Mas Deus sabe todas as
coisas e, assim como havia levado meus irmãos, teria Ele um motivo para levá-la
também. Um dia sim, um dia a teria de novo.

AO

chegar a charrete perto do coreto, me senti como a primeira vez que estivera em
Sepetiba.

- Quanto tempo, não é? – João me esperava e tremi ao vê-lo. Estava molhada e


despenteada.

- Quanto tempo não nos vemos. Como vai sua Familia? – Perguntei, ajeitando o
cabelo.

- Muito bem.

- Que bom.- Estava tão deselegante que tive vergonha. Mas aí me lembrei das
regras bobas que tornavam a vida sem cor, e não liguei mais para minha roupa.

- Devo agradecer pelas flores.

- Que bom que gostou. Você está tão linda, Isabel. Quanto mais o tempo passa,
mais bela.

- Não minta; sei muito bem que beleza não é o meu forte.

- Já lhe disse que a beleza não é exterior; ela está nos olhos. E os seus
transbordam. E você, como está?

- Estou muito bem. Você também me parece ótimo?

- Estou bem, mas sempre sinto que falta algo; Acho que vai faltar sempre! - Ele me
ajudou a subir no carro; estávamos tão próximos.

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- Eu não consigo! - Eu tinha que dizer; desço da charete e me aproximo dele. Está
tão cheiroso e seus olhos, tão brilhantes.

- O quê?...

- Na verdade, passei todos estes anos negando, fingindo que não me importava com
você. Às vezes até conseguia, mas aí algo me trazia para cá, para seu braços. Mas
o amor não é simples, não é mesmo. Eu sou uma Princesa, eu não tenho irmãos,
não tive escolha. Não sabe o quanto foi difícil ter... - Faltou-me ar.

- O quê? - Ele segurou minha mão.

- O quanto foi dificil ter que te esquecer, te abandonar, te aprisionar no fundo das
minhas memórias e te perder dentro de meu coração. Eu o amo. Mas não é simples
o amor, não é mesmo? Sinto muito, mas tenho que ir. - Ele segurou minha mão e
me olhou bem nos meus olhos.

- Me encanta esta sua vontada de me manter longe; não importa onde for, mil
quilômetros pode nos separar, um oceano talvez, mas o que nos une é indestrutível.
Por mais que tentemos esquecer, por mais que neguemos, o importante, o que
realmente importa, é sabermos que somos amados por quem amamos.

- É mais que presença.

- Sim, é mais que corpo; é a alma.

- Tenho que ir.

- Você nunca vai estar sempre comigo, Isabel. Tome, leve com você isso.

-O que é?

- É uma concha. Se colocá-la perto de seu ouvido, poderá se sentir mais perto do
mar. - Ele a coloca perto do meu ouvido e dela sai um som de ondas.

-Obrigada! - Ele beija minha mão e eu subo na charete. Ele fica parado lá enquanto
parto mais uma vez.

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-Isabel! - Ele grita! - Eu a amo! Sempre a amarei! - É tão bom ouvir sua voz me
chamar. O deixei; tenho que esquecê-lo. Sim, tenho que esquecer! Minhas lágrimas
vão selar definitivamente este compromisso e vou abandonar estas memórias aqui
na Fazenda Real. Preciso realmente; preciso deixar João para trás. Eu me pergunto
como? Como vou me desfazer de meu próprio coração?

Ao SENTAR

na mesa de jantar, sinto como se estivesse presa àquela situação. Vejo meu pai e
minha mãe, olho para Gastão e as crianças; é um homem tão generoso e bom.
Como? Não entendia por que não conseguia amá-lo. Não nego que tínhamos tanto
em comum; ele era meu amigo, meu companheiro, alguém em que confiava minha
vida. Tínhamos tudo em comum; era como se tivéssemos sido feitos um para o
outro. Se fosse uma questão de escolha...

Tenho medo de terminar como meu pai, vivendo uma ilusão. Apesar de ter passado
tanto tempo, ainda me sinto a mesma menina que se sentia só na capela da sede da
fazenda. Ainda estou me sentido só, apesar de tão bem acompanhada. Tenho que
tomar uma decisão definitiva e voltar para corte; é a única opção que tenho. Como
poderia não fazê-lo? Como poderia abandonar meu pai e junto, o Brasil? Sim, a
minha escolha é deixar meus desejos e vontade para trás. Novamente vou
abandoná-los no lugar onde estiveram todos estes anos: no meu velho guarda–
roupa.

Rio de janeiro, 30 de junho de 1887.

  Minha prima esteve na fazenda e me trouxe algumas coisas inclusive, o baú onde
estava este livro de memórias, a quem sempre recorri nos momentos mais difícies
de minha vida. Agora, com a saúde de papai abalada, assumo a Regência mais uma
vez. E me encontro em uma situação dificil, pois governar este país é mais difícil do

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que imaginava. Mas tento me manter firme e prossigo em meu desejo maior.
Percebo que me encontro mais sozinha que nunca; recebo diariamente ameaças
dos fazendeiros e os jornais deturpam todas as minhas boas intenções. Aqui, do
escritório de meu pai, leio diariamente coisas horríveis sobre mim e me

pergunto se o povo acredita realmente naquelas mentiras. Será uma batalha árdua?
Mas estou pronta para vencer ou perder; pois, no final, só há uma única
possibilidade e a aceitável, a de que a abolição acontecerá nem que, para isso,
tenha que perder minha coroa e a minha reputação. Sei o que vou enfrentar e me
preparo para os embates no Senado.

ERA...

terrível ouvir aqueles homens falando e falando de como escravo não era realmente
gente; eram animais que matavam para sobreviver. E se reproduziam como coelhos.
Meu maior opositor no Senado era o Barão de Cotagipe que, como bom advogado e
um influente fazendeiro, sempre dominava a bancada e me enfrentava. Sei que era
ele o autor das ameaças; mas, da mesma forma que me olhava, eu retribuía, não
tinha medo. Chegou a minha vez de falar como redatora da lei.

- A única coisa que tenho a dizer é que quando eu tinha 14 anos, conheci um
menino. Ele tinha um cavalo, um cavalo que era único, em beleza e força; e eu o
queria. Sim, queria aquele cavalo mais do que qualquer coisa no mundo; mas ele
era do menino. Então, pensei: “eu sou filha do imperador; poderia pedir a meu pai
que o tomasse dele. Eu merecia aquele cavalo, não aquele menino. Mas o seu
coração foi mas nobre do que o meu. Apesar de toda a minha educação refinada,
ele me deu uma lição que nunca esqueci. O menino, que não tinha nada além do
cavalo, o deu para mim. Sim, deu a única coisa que já tivera na vida. Então me
perguntei quem era eu para merecer mais do que ele. Eu tinha um título de nobre,
mas ele era uma pessoa nobre e me ensinou a ser uma depois que aceitei o
presente. Nossa cor de pele poderia até ser diferente, mas o nosso coração, não.
Não há, senhores, diferença maior que a falta de humanidade. Somos todos seres
humanos, apesar de termos raças diferentes, mas o que nos segrega não é a cor de

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nossa pele e sim a nobreza de nosso coração. Foram estes homens e mulheres que
levantaram este país para quem? Para cada um de nós. E quem é o nobre nesta
história? Então, ao votar a lei amanhã, pensem como nobres”.

Despedi

o chefe do Senado e meu maior opositor, o Barão de Cotagibe, e acho que adquiri
um inimigo mortal. Era de se esperar, como um bom fazendeiro baiano, que não
deixasse barato. Tenho tido pesadelos terríveis. Estou tão preocupada com papai,
que todos os dias antes de ir ao trabalho, vou à Missa rezar por sua saúde. Tenho
tido tão pouco tempo para meus filhos que Gastão me cobra todas as noites. Mas o
que posso fazer? Quando saio, as crianças estão dormindo e, quando chego,
também. E todas estas notícias falsas, como podem? Eles me ofendem, me criticam;
eu que só quero o melhor para esse país. Duvido que surgirá alguém que ame mais
este país, que o queira tanto quanto papai e eu! Vou me perdendo e me sinto tão
solitária. Ontem dei uma entrevista a um jornal americano e me perguntaram o que
farão os escravos depois que forem libertos. E agora me pergunto isso então.
Mandei ao Senado um projeto que visa à construção de escolas e mais hospitais
nas capitais de todo o país. Acredito que a educação será a nossa arma para
enfrentar os dias difíceis que estão por vir após a abolição.

- Que bom que veio me ver, Pedro. Sabe que estava com muita saudades suas? -
Eu recebi Pedro em minha casa.

- Desculpe-me por ficar tanto tempo longe. - Fiquei tão feliz por Pedro estar aqui;
precisava mesmo de um amigo.

- E como anda a vida? Pois pelos relatórios que recebo, o matadoro se encotra
muito bem! - Ele ri.

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- Sim, anda sim. Mas não vim aqui para falar do matadoro; vim para pedir que
reconsidere.

- Como assim, Pedro?

- Eu a amo, sabe? Daria a minha vida por você, pois tudo o que tenho foi por ter lhe
dado a única coisa que eu tinha.

- Eu sei. Isso faz muito tempo - Enquanto conversava com Pedro, tomava um chá e
o deixei em frente a uma das janelas.

- Pois então, minha querida princesa, não prossiga com a votação da abolição, pois
será o fim da Monarquia. Eles são fortes! - Fiquei muito surpresa.

- Não acredito, Pedro! Realmente não creio!

- Reconsidere, pondere. Você realmente pensou nas possibilidades? No que isso


acarretaria?

- Não estou preocupada comigo, meu bom amigo. Na verdade, o futuro da


monarquia está nas mãos de Deus e rezo para que se for da vontade dele, que
assim seja.

- Está pronta mesmo para desistir de tudo pelo que viveu e cresceu? - Ele me olhou
bem fundo, coisa que nunca o fez, pois Pedro sempre que se dirigia a mim, abaixava
o olhar; mas desta vez não.

- Sim, sei dos riscos, realmente sei, Pedro. Estou arriscando tudo, mas eu enxergo
além, vislumbro um Brasil cheio de homens livres. Farei isso e será o meu maior
feito como governante deste país. Acho que nunca poderia subir ao trono tendo sob
os meus pés o sangue de negros inocentes.

- É a melhor opção para este país; pena que não enxerguem o futuro, apenas o
presente. A luta será grande e peço que permita que eu lhe acompanhe neste
processo.

- Mas, e o matadouro? E sua família?

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- Minha querida senhora, e tu não faz parte da minha família? - Fiquei tão feliz em
ouvir as palavras de Pedro que chorei.

- Seja bem-vindo então.

IR ....

a Petrópolis com os meus filhos se tornou minha única diversão nestes longos
meses. Depois que o Natal e a entrada do ano passou, me preparo para os embates
no Senado e nas ruas. Ao andar pelo centro, sou ovacionada por uns e depreciada
por outros. Estarei fazendo a coisa certa? Eu me pergunto todos os dias. Escrevo
para papai, mas não o deixo a par de tudo; tenho medo de preocupá-lo. Está
chegando a hora; o que dizer?

‘Caros colegas senadores, hoje vemos a história ser escrita com o apoio de uma
grande minoria da população que, até o momento, rege este país através do
monopólio de poder da riqueza e da informação. Vamos fazer justiça e temos o
dever moral com estes pobres homens e mulheres que ergueram, com suor e
lágrimas, onde muitos deles deram suas vidas para construirmos um país forte e
próspero. Mas vivemos uma nova era de modernidade e devemos extinguir este
modo arcaico, que é a escravatura. E, perante Deus, reconhecer que somos todos
irmãos. Assim, vamos caminhar de mãos dadas na construção de uma sociedade
mais justa e, por fim, daremos um enorme passo rumo ao futuro de igualdades e
prosperidade. Que Deus nos ajude!

Rio de janeiro, 13 de maio de 1888.

Preparo-me

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para ir ao Senado. Gastão, como sempre preocupado, tenta impedir o que não tinha
mais volta. Um sonho de menina estava prestes a ser realizado. E, nas ruas, o povo
fazia festa, e era como se eu também estivesse livre; sentia-me como um pássaro.
Vitória! Ao me olhar no espelho, lembro-me de Pedro alguns anos na fazenda:
liberdade era o que ele mais desejava. Lembrei-me de João e da nossa busca por
liberdade, algo que me impulsionou até este momento. Meu querido João, tenho
pensado tão pouco nele. Tantos anos se passaram; deve estar tão feliz quanto eu.
Ao assinar aquele pequeno pedaço de papel, me dei conta de que tinha feito a maior
realização de toda a minha vida e me senti perto de Deus. Em algum momento, tive
a impressão de ver Léo me acenando; tentei chegar perto, mas ela havia sumido.

Eram tantas pessoas, todos queriam me tocar e cumprimentar. Antes que eu saísse,
o ministro, que alguns meses antes eu havia deposto, veio em minha direção,
malicioso.

- Diga-me, senhora, qual é o sabor da vitória?

- Não há vitoriosos, senhor barão, pois todos nós brasileiros ganhamos com essa lei!
- Ele riu e desdenhou.

- Libertou uma raça, mas acabou por perder seu trono, princesa.

- Mil tronos! Se eu tivesse mil tronos, eu daria para ver livre este povo que o senhor
chama de mercadoria. Ou bens, não é o termo que o senhor usou? - Ele riu
novamente! - Este mesmo bem que o senhor não conhece, por isso não é capaz de
se alegrar, pois pensa apenas no mal que isso acarretará. Pois bem, escute! Será a
última vez que dirigirei a palavra ao senhor: se for da vontade de Deus, que eu não
suba ao trono e que, assim, seja bem diferente do senhor barão. Passarei o resto da
minha vida alegre, pois fiz algo além dos meus interesses; fiz apenas o bem. Que
me condenem os homens, porque Deus me libertará.

Tive

muitas dúvidas, mas já não as tenho mais. Fiz a coisa certa. Era uma oportunidade
única e aproveitei. Pedi a mamãe para contar ao papai; pareceu-me, pelo telegrama,
que ele reagiu bem. Vamos para Petrópolis; preciso descansar e resolver da melhor
maneira para inserir esta nova classe de trabalhadores na sociedade. Estive

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pensando em dar-lhes um incentivo monetário, mas neste momento quero apenas a
companhia de Gastão e dos meninos. Para minha surpresa, meu marido realizou um
baile no Palácio de Vidro; estava tão lindo e cheio de colaboradores. Estávamos tão
felizes.

- Está feliz, minha querida? - Gastão me conduziu na primeira dança.

- Sim! - Ele me beijou e me senti tão querida e amada.

- Você sempre me surpreende, sabia? Não há no mundo alguém como você; foi um
presente de Deus para mim. Atravessei um oceano para lhe encontrar.

- Eu o amo, Gastão! - Ele me olhou com lágrimas nos olhos.

- Sabia que é a primeira vez que você me fala isso? - Fiquei um pouco surpresa.

- Não sabia! - Deixei-me conduzir pela dança.

Já estava no fim da festa; queria aproveitar até o fim e, quando a última dança foi
anunciada, um pedido me surpreendeu.

- Concede-me esta última dança, princesa? - Meu coração bateu tão forte.

- João, é claro! - João segurou a minha mão e me conduziu até o salão. Todos
pararam para ver, sorri para Gastão que me retribui. Continuei a dançar e a
respiração de João no meu pescoço fez meu coração acelerar.

- Vim para parabenizá-la. Tê-la assim tão próxima me faz querer voltar ao início de
tudo, naquele sarau, onde você foi minha sem medo. Acho que foi a única vez que
fui feliz, sabia? Viver aquela expectativa de uma vida ao seu lado; mas a vida dá
tantas voltas que, mesmo depois de anos longe, parece que nunca estive tão perto.
Será que seria feliz ao me lado?

- João, eu já sou feliz por saber que um dia fui amada com tanta intensidade. Teria
que fazer tantas pessoas infelizes para viver feliz ao seu lado, e não tive coragem.
Eu tinha um dever, uma missão; e ainda tenho.

- Sim, eu sei. Você ama tanto este país que acabou abdicando de sua felicidade em
nome dele. - No momento em que João estava, ele me apertava contra seu corpo.

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- Eu sinto tanto. Em minhas orações, peço a Deus para que seja feita sua vontade.
Não posso lhe dar minha vida, mas teremos a eternidade; não importa o quanto
tenhamos que esperar.

- Eu a esperarei sempre! – Quando a dança terminou, Gastão me levou para casa.


Seria possível amar duas pessoas? Eu amo meu marido, mas João desperta em
mim algo inexplicável. Mas Gastão é tão inteligente, adoro a sua companhia, como
trata nossos filhos e as pessoas, como me conduz. Amo estar com ele, mas com
João me sinto diferente; eu me sinto livre, viva, serena. Acho que amo os dois de
maneiras diferentes; mas os dois.

Rio de janeiro, 25 de dezembro de 1888.

Hoje,

depois da Missa, resolvi caminhar um pouco sozinha e pensei no que o barão me


disse há alguns meses. E comecei a achar que não irei subir ao trono. Olhei para a
foto de Gastão e a flor que João me deu; pensei o que deveria fazer quando a
responsabilidade da coroa não estivesse mais sobre meus ombros.

ONTEM

Aia Luísa veio nos visitar e, durante o chá, fiquei a observar papai. Os seus olhares,
o seu toque, um sorriso. Mamãe, como sempre distraída com seus mosaicos, não
tinha ideia ou simplesmente não ligava. Sim, no fundo ela sempre soube que papai
nunca a amou. Porém, tinha a certeza de que nunca a deixaria. Rezo todos os dias
para que Deus me revele um caminho. Eu estou tão cansada. Lembro-me de minha
filha Luiza, de Leopoldina e, ao fechar os olhos, penso em como gostaria de estar
com ela; talvez assim a dor fosse menor. Por que as coisas não poderiam ser
simples e eu pudesse escolher com o coração e não com a razão?Sim, eu teria a
possibilidade de ter uma vida simples, à beira da praia, com filhos e uma velhice
tranquila ao lado do homem que escolhi para amar.

Eu me pergunto

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se teria coragem de abandonar Gastão e meus filhos para viver um sonho. Tenho
medo dos meus sentimentos; não sou mais jovem e fico doente. Alguns dias de
cama me trazem de volta à razão, aprisionando a minha emoção bem lá no fundo do
meu coração. Mais quanto mais tento não pensar, mais estou mergulhada nestes
sentimentos. Não sei o que está acontecendo; tive vontade de ir a Santa Cruz, mas
fui impedida por meu conselheiro. Com a assinatura da Lei Áurea, tinha feito muitos
inimigos e todos sabiam que os fazendeiros não me queriam como futura Imperatriz.

Voltei

para o Rio e deixei Gastão e os meninos em Petrópolis. No meio do caminho,


resolvi ir para a fazenda, mas tive que usar minha voz e mandar, pois não queriam
me obedecer. a contragosto, tomaram o caminho da fazenda; minha carruagem foi
sendo escoltada por homens da Marinha, a única das forças que papai confiava.

- Senhora, nós não iremos parar? Logo irá escurecer. - O condutor me avisou que a
última parada só seria na fazenda, mas estava tão louca para chegar que não liguei.
Tive medo, mas a vontade de vê-lo era maior. Quando chegamos, não tinha nada
preparado; já estava tarde e resolvi descansar antes de encontrá-lo. Acordei bem
cedo e pedi que selassem um cavalo. Estava decidida como nunca estive na vida.
Cavalguei como há muito tempo, quando era jovem e tinha a companhia de minha
irmã. Estava livre e sem medo; uma felicidade me tomou e estava prestes a cometer
uma loucura, e isso acelerava meu coração. Fazia meu sangue correr pelas minhas
veias, e podia sentir.

Coloquei o cavalo preso e esperei no coreto por horas. Sabia que o nosso amor o
traria para mim, mas ele não veio. Minha esperança começou a me sufocar e o
vestido fazia o ar me faltar. Estava virada para praia e, de repente, comecei a sentir
passos.

- Obrigada, meu Deus! - Ao me virar, não era João que me olhava. Não contive
minhas lágrimas e Pedro veio em minha direção.

- Minha querida e amada princesa, vamos. Vou levá-la para casa.

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- Não Pedro, eu vou esperar mais um pouco! – Enquanto eu falava com Pedro,
enxugava minhas lágrimas na barra do vestido. Cavalheiro, ele retirou um lenço e
me deu.

- Não chore.

- Obrigada.

- Vamos, vou levá-la para casa; seu cavalo fugiu.

- Não! Tenho que encontrar João.

- João Guedes?

- Sim.

- A senhora deve me desculpar por ser eu o portador desta notícia, mas seu amigo,
nosso amigo, faleceu faz algumas semanas.

- Como? - Não consegui acreditar e, ao me virar para o mar, me senti fraca como se
o chão estivesse me faltando, e desmaiei.

Deitada na cama que há anos recebeu os meus sonhos, mas que agora é
testemunha do meu desalento, reflito sobre a minha vida. Por quê? Pergunto a
Deus. O que eu teria feito para perder todos os que amei. Luiza, Leopoldina, e agora
João...

Meu querido e amado João, foram anos de espera e, no momento que tomei
coragem para vencer a distância que nos separava, você partiu e me deixou. Meu
coração está em frangalhos e minha alma, despedaçada. Na Missa dessa manhã,
pedi em sua intenção; me conforta saber que posso não ter lhe dedicado minha vida,
mas é o meu desejo compartilhar com você a eternidade. Viverei a sonhar com o
momento em que estaremos juntos. E Deus me permitirá amá-lo, como sempre me
amou e como nunca o fiz. Viverei feliz, pois saberei que a cada dia que viver, estarei
mais perto de você.

Da sempre sua,

Isabel Cristina

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IV

Faz algumas semanas que encontrei essas memórias escondidas em um piso solto
na antiga sede do matadouro. E não sabia como elas tinham sido escondidas
naquele lugar. Mas, ao chegar ao final, vi que provavelmente teria sido Pedro Silva,
o diretor do Matadouro, pois aquela sala era dele. Dei uma olhadinha nos arquivos
do Centro Cultural e vi sua foto. Era um homem muito bonito. Provavelmente deveria
ser um homem inteligente. Fiquei imaginando o que teria acontecido se a princesa
Isabel tivesse encontrado João naquele dia. Teria realmente abandonado sua
família? Acho que não.

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Rio de Janeiro, sede do Real Matadouro de Santa Cruz, 1891.

Estou abandonando o meu posto na chefia do matadouro e guardando minhas


coisas, quando me dou conta desse livro. Eu o tinha esquecido; foram tantas coisas.
Sim, me sinto mal, mas tinha que fazer isso. Não poderia permitir que a imagem da
princesa fosse maculada, que sua reputação fosse ameaçada. Mas acho que não
era eu que deveria tomar essa decisão. Lembro-me de como estava triste, pálida e
melancólica ao se despedir de mim naquela manhã. Mal eu sabia que seria a última
vez em que eu a veria. Ela me deu o livro e um baú. Disse-me que o colocasse junto
a João.

- Vou deixar estas lembranças aqui, Pedro. Quero que ele tenha algo meu. Minha
vida está nestas páginas e, neste baú, tem tudo o que tenho de valor. Tudo o que
realmente foi e sempre será importante para mim! - Lágrimas vieram em seus olhos,
mas ela se conteve.

- Sim, senhora! - Tive vontade de contar, mas não poderia; eu a amava demais.

- Adeus, meu bom amigo. Muitas felicidades.

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- Nos veremos de novo, minha querida.

- Algo me diz que não voltarei mais a este lugar, meu querido! - Ela me disse,
enquanto entrava no carro.

Mal ela saiu, voltei para o meu cavalo e João chegou. Em seu olhar, uma
esperança, a mesma que vi nos olhos da princesa ao me encontrar com ela em
Sepetiba. Fiquei quieto e ele se aproximou.

- Onde ela está, amigo?

- Quem?

- Isabel.

- Ela já foi.

- Já?

- Sim, ela veio apenas resolver algumas pendências e partiu.

- O quê? - Não consigo descrever o seu olhar; me senti mal.

- Sinto muito, tenho que ir.

Subi em meu cavalo e parti. Deixei-o e não tive coragem de olhar para trás, mas o
pior ainda estava por vir. Alguns meses depois, a Família Real foi exilada e a
República, restaurada. Eu estava ao seu lado durante o baile que seu pai ofereceu
na ilha fiscal. Estava encantadora, junto ao seu marido; me parecia muito bem, feliz.
Eu me surpreendi em também ver João naquela noite. Mas ele não se aproximou
dela; apenas a observou de longe. Acho que, ao vê-la tão feliz, não teve coragem de
se aproximar; então, partiu na mesma barca que o trouxe. Eu me senti mal, porém
ainda pior ao vê-la sendo arrancada de casa e arrastada pela rua até a embarcação
que os levaria para o exílio. Em seus olhos, lágrimas que me cortavam o coração.
Alguns tentaram, mas o Imperador não permitiu uma reação. Consegui chegar bem
perto dela.

- Princesa! - Gritei, antes que ela entrasse no navio.

- Pedro, meu querido amigo. É o fim! Agora terá que ser forte.

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- Sim, minha querida princesa. Esteja certa de que faremos o possível para trazê-la
de volta.

- Não, meu querido. O meu dever com esse país e com esse povo já foi feito.
Graças ao meu bom Deus, eu pude fazer algo por qual sempre lutei: justiça! Dar ao
nosso povo esperança, pois o meu maior desejo não era me tornar a Imperatriz do
Brasil, e sim, que todos neste país tivessem a mesma oportunidade que um dia foi
lhe dada: de ser livre.

- Anda, senhora! Não teremos o dia todo. - Um homem a pegou pelo braço e eu o
impedi.

- Deixe-a! - O meu tamanho e minha força o fizeram recuar com a mão na arma que
portava.

- Não, meu querido. Não vale perder tudo por isso; era inevitável, mas partirei com a
esperança de que irá me visitar! - Eu a conduzi até o barco, a ajudei subir, me
abaixei e ela me beijou a face.

- Sempre será uma princesa, senhora, pois não houve neste mundo uma nobre
capaz de se desfazer de sua coroa para que um povo ganhasse sua liberdade. Deus
a fará justiça! Estará sempre na história como a única merecedora do título de
Imperatriz do país que sempre amou.

- Sentirei saudades! Adeus! - Foram as últimas palavras da mulher que poderia ter
dado a este país a chance de crescer com igualdade e justiça, mas que foi impedida
por gananciosos e que levaram o Brasil a uma posição onde apenas o interesse de
poucos prevalecerá e, no fim, voltaremos a ser aprisionados, agora sem grilhões ou
correntes, mas pela a opressão do preconceito. Que Deus nos ajude!

55
V

Então, realmente foi Pedro Silva, o primeiro diretor do matadouro que escondeu
aquele pequeno baú e as memórias da princesa naquele piso solto. Engraçado é
que depois que terminei de ler, me sinto tão diferente; eu me sinto livre e capaz de
lutar e chegar a qualquer lugar. Deus me permitiu achar este livro por algum motivo.
Devo dizer que levei anos para entender. Fui para a faculdade, me tornei uma
psicóloga de renome e prestígio, ganhei prêmios, mas apesar de estar longe de
Sepetiba, sempre me pegava a pensar o que tinha naquele baú dentro do meu
guarda-roupa. Tinha 16 anos quando o achei e agora, com 27 anos, volto para casa
para abri-lo. Meu coração estava batendo forte. Desci do carro e olhei em volta;
estava tudo igual. Quando estava na faculdade, recebi um convite para estudar na
Austrália. Aceitei sem pestanejar. Então, alguns meses depois, parti. Foram anos
maravilhosos. Conheci pessoas, mas sempre escrevia para o Guarda-Flores e meus
pais. Como a grana era curta, acabei não voltando. E, depois de formada, fiquei sem
tempo. Papai e mamãe vinham me ver no final de ano. Conheci um médico na
faculdade e me casei algum tempo depois. A vida não foi fácil, mais juntos
conseguimos vencer.

Mas faltava algo! Na verdade, eu tinha deixado algo pendente no Brasil; por isso
voltei. Ao descer do táxi, em frente de casa, tenho vontade de chorar. Meu quarto
estava igual e, ao abrir meu guarda-roupa, me deparei de novo com as memórias de
Isabel. Sentei na cama, olhando para o baú, e acabei dormindo como há muito
tempo não fazia.

Depois de receber algumas amigas e distribuir os vários presentes, peguei o carro


de minha irmã e fui até o coreto. Achei que seria o local ideal para abrir o baú. Sei
que jurei não o fazer, mas sentia que deveria ser eu a primeira a saber. De alguma
maneira, tinha que ser eu a pisar naquele piso. Não sabia o que iria encontrar.
Estacionei o carro e subi lentamente os degraus até ficar de frente para o mar.
Sentei no chão e parecia que ela estava ali. Para a minha surpresa, ao abrir,
encontrei uma concha que pensei ser a mesma que João havia lhe dado. Um cacho
de cabelo dourado, uma coroa e algumas fotos. Reconheci sua irmã, seu pai, seus
filhos e um menino negro que, em minha opinião, deveria ter sido o escravo Pedro.

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-Tudo o que tenho de valor esta aí, disse ela. Coisas tão simples, como poderiam
ser importantes. Na volta para casa, parei o carro e chorei.

Como estava de férias de meu trabalho e meu marido estava vindo para o Rio,
decidi fazer o que ela queria, e comecei uma busca pelo paradeiro de João Ozorio
Guedes. Minha primeira ideia foi procurar na lista telefônica, mas não deu muito
certo. Então fui ao cartório de Santa Cruz e nada. Estava de saída, quando encontrei
uma amiga. Depois de muita conversa sobre o passado, ela me deu uma importante
informação: poderia estar registrado em Itaguaí.

- Menina, nem te conto. - Já estávamos nos despedindo, quando ela voltou.

- Fala, Suzana!

-Você se lembra do Gustavo? - Como poderia esquecer? Foi minha primeira


desilusão.

- Sim, o que tem ele?

- Menina, lembra que você era caidinha por ele?

- É, lembro.

- Casou, tem 3 filhos e trabalha com o pai, na padaria. Imagina se você tivesse
casado com ele, hein Mari? - Ela riu.

- É, realmente o destino dá muitas voltas e coisas boas acontecem sempre com


pessoas boas.

- Muito boas. - Nós nos despedimos e eu fui para Itaguaí. Para minha falta de sorte,
lá era feriado. Voltando para casa, ao passar pelo coreto, tive a sensação de ter
visto a princesa. Quase bati em outro motorista, e ele ficou bravo; e estava certo.
Enquanto ficou esbravejando, fiquei a olhar para o coreto vazio. Voltei para casa; o
carro só precisava trocar o pneu. Pensei, ao entrar em casa: minha irmã vai me
matar.

O fim de semana passou rápido e, na segunda, lá estava eu, a primeira da fila do


cartório. Pensei que seria fácil, mas eram mais de 150 anos; talvez seria impossível,
pensei enquanto estava esperando. Dei muita sorte, pois a senhora que me atendeu

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se compadeceu de min e da história que inventei. Disse que minha mãe havia
perdido contato com seus familiares e que tinha o sonho de encontrá-los. Então,
ficamos dias procurando nos arquivos de nascimento; então, ela teve uma ideia:
procurar nos óbitos. E foi aí que encontramos uma pista: achei o óbito de Isabel
Cristina Ozorio Guedes e de seus filhos. Agradeci à senhora e fui até a prefeitura,
onde encontrei o endereço dos tataranetos. Era um sítio. Fui até lá e a sensação
que eu tinha era que estava indo em direção a João.

Quem veio me receber foi uma senhora bem idosa. Muito simpática, pediu que eu
entrasse e me serviu chá com biscoito. Sua casa tinha cheiro de talco. Ela chamava
Ana Maria Ramos, mas era seu nome de casada.

- Na verdade, meu sobrenome de soleira é Ozorio.

- Eu sei que a senhora não deve lembrar, mas será que não teria como saber onde
esta enterrado um descendente da senhora chamado João Ozorio Guedes? Acho
que ele deveria viver em Sepetiba ou Santa Cruz. -Ela me sorriu.

- Tenho uma casa em Sepetiba. Talvez encontremos algo.

Marquei com ela no dia seguinte e fui buscá-la. Foi me contando sobre sua vida e
seus sonhos. Acho que não deveria receber muitas visitas. A casa fica bem no meio
da praia de Sepetiba. Era muito antiga e parecia abandonada.

- Nossa, é muito antiga mesmo.

- Tenho tantas boas lembranças aqui! Primeiro com meus pais, depois com meus
filhos; porém, com a poluição da praia, meus netos não querem vir. E não
conseguimos vendê-la.

- Que bom. - Ela ri.

Enquanto ela fica com suas lembranças, subi até o segundo andar que tinha uma
entrada para o telhado. Era lá que guardavam as lembranças de anos. Tinha tantas
coisas. Mas uma caixa de fotos me chamou a atenção. Eu me perdi em meio às
recordações. Eram tantas pessoas, muitas vidas. Mas uma me chamou a atenção:

“Isabel e Maria ”.

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Eram os nomes atrás de uma das fotos em frente ao coreto. Seria realmente a
família de João? Conforme ia passando, fui vendo mais e mais fotos com elas e
muitas pessoas. Mas gelei ao ver que atrás das pessoas de uma foto de casamento
não dava para ver muito bem o rosto das pessoas, mas não tive dúvidas: era a casa
de minha avó. Atrás da foto, estava escrito:

“Casamento de João Guedes e Maria Fernandes”.

Poderia ser eu uma descendente de Maria Fernandes? Levei a foto e depois de


deixar Ana Maria em casa, voltei à casa de minha avó; não restavam dúvidas: era a
mesma fachada. Sabia que minha família tinha uma história em Sepetiba. Várias
ruas tinha o sobrenome Fernandes, inclusive a rua onde eu vivia. Tomei um café
com minha avó e voltei para casa. Fui até o mausoléu de minha família no cemitério
de Santa Cruz. Se Maria Fernandes fosse minha antepassada, estaria ali como
todos os outros Fernandes e, possivelmente, João também. O funcionário foi muito
atencioso, mas ele me assustava um pouco; na verdade, aquele lugar todo era
assustador e tinha um cheiro.

- Senhora, temos sim uma relação, mas é por número e não por nome. Talvez a
senhora tenha mais sorte visitando o mausoléu dos Fernandes. Antigamente era
costume colocar fotos; hoje já não se faz mais isso. Na verdade, faz muito tempo
que não se abre aquele lugar. - Graças Deus, pensei enquanto me levava para o
lugar. Meu coração batia muito forte e minhas mãos suavam. Ele abriu o lugar e eu
entrei. Era apertado e tinha um odor muito desagradável. Eram tantas gavetas.
Primeiro achei a de Maria, de Isabel e, por fim, lá estava: João Ozorio Guedes.
Fiquei paralisada e não me contive e chorei ao ler.

“João Guedes. Homem de coração nobre”.

Voltei para o carro e peguei o baú. Pedi que abrisse a lápide e o coloquei lá dentro.
Fiz o que a princesa tanto desejava e dei a João os seus maiores tesouros: dei a ele
sua prova de amor.

Com o número de sua lápide, pude ver que João viveu até os 80 anos e morreu de
morte natural, em sua casa, em Santa Cruz. Como a princesa passou a vida a cuidar
dos mais necessitados, poderia não ter um sobrenome nobre, mas como dizia a
lápide e a própria princesa, em seu discurso, era um daqueles homens nobres.

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Estava esperando José chegar para irmos para Petrópolis juntos, mas como deveria
demorar ainda para chegar, resolvi ir sozinha. Estava tão ansiosa para visitar o
túmulo da princesa que não o esperei. Não conhecia a cidade e a achei realmente
muito agradável e elegante. Visitei o Museu Imperial e o Palácio de Cristal. Lá
dentro, olhando para o enorme lustre, lembrei-me do baile depois da abolição. Eu
me senti como se estivesse lá. E, olhando as pessoas lá dentro tirando fotos, me dei
conta de que talvez devesse contar minha história. Fui até a casa dos descendentes
da princesa. Não me receberam, mas enquanto eu estava lá, parada no portão, um
carro passou bem na hora em que mostrava ao guarda a coroa que havia retirado do
baú. Eu a coloquei de novo na bolsa e, quando estava indo embora...

- EI! - Ao olhar, me deparei com um homem encantador. Fiquei com vergonha, pois
estava vestida com um jeans, um tênis branco. uma blusa preta e cabelos presos.
Ele estava de terno, cabelos impecáveis e uma barba que o fazia...

- Pois não! - Ele me estendeu a mão e eu a apertei.

- Estava passando e vi que você tinha nas mãos um objeto especial! - Ele me olha e
eu me sinto envergonhada.

- Sim, eu queria falar com algum descendente da Princesa Isabel.

- Qual é o seu nome?

- Eu me chamo Mariana Guedes. E você?

- Meu nome é Antônio. E acho que posso ajudar. - Ele me convida para entrar na
casa e conto a ele a história, antes de mostrar a coroa. Ele ri ao segurar o objeto.

- Eu gostaria muito de visitar o túmulo da princesa.

- Sabe, eu sou historiador. E minha tese foi sobre um roubo que aconteceu a jóias
da princesa. Todas foram recuperadas; porém, nunca ninguém mais viu esta coroa
que está desaparecida desde então. Porém o intrigante é que ela não deu falta. Ela
não falou mais sobre ela.

- A encontrei no baú. - Ele estava sentado ao meu lado sem o paletó. Era um
príncipe e se comportava como um. De repente, vi que representávamos, de alguma
forma, anos depois, João e Isabel.

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- Você sabe a história desta coroa?

- Ela ganhou do Imperador quando fez o juramento, assim que completou 14 anos,
na capela Imperial. Olha, ainda dá para ver escrito.

“Vivat imperatrix Elisabetha”.

- O que significa?

- Deus salve a imperatriz Isabel. Sabe, esta história é inacreditável.

-Eu sei. - Ele segura a minha mão.

- Quer ir à casa dela?

- Adoraria. - Ele me levou para conhecer a casa da princesa e, ao entrar, lembrei


quando se encontraram naquela sala. Passamos o dia andando pela cidade, Por
onde passávamos, ele chama atenção. Era tão educado e cavalheiro; chamou-me
para jantar e tive que comprar um vestido. Não tinha levado nenhuma roupa
especial. Para minha surpresa, o lugar era deslumbrante; da cobertura onde ele
morava, dava para ver toda a cidade. Foi uma noite maravilhosa e nos divertimos
muito; era tão inteligente e tinha tanto a dizer. Quando dei por mim, estava tarde e
resolvi voltar para hotel. Ele me levou e, quando nos despedimos, tive vontade de
beijá-lo. Estávamos tão próximos. Ele era tão cheiroso e tinha um sorriso
encantador.

- Quanto tempo deve ficar? - Ele beija meu rosto.

- Provavelmente irei assim que visitar o túmulo!

- Falei com meu pai. Ele está avaliando o livro e a coroa. Talvez, depois de amanhã.
Será uma pena não poder ficar mais.

- Sim, realmente.

- Gostaria muito de te conhecer melhor.

- Eu sou casada, Antônio. Sinto muito. - Ele beija minha mão.

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- A história se repete, não é? Realmente, é uma pena, pois seria muito fácil me
apaixonar por você. - Ele estava tão perto e era tão bonito, que não resisti e o deixei
me beijar.

- Eu... - Ele acaricia meu cabelo.

- Nos vemos amanhã.

-Sim.

Como me deixei seduzir. Eu me senti péssima por Josh, mas ele era irresistível.
Aquele sorriso. Dormi e fui acordada com uma batida na porta. Ao abrir, agradeci a
Deus por tê-lo me enviado. Meu marido, meu verdadeiro amor. Antônio me ligou,
mas não o atendi; então, deixou um recado no hotel, marcando a visita ao Túmulo
Real. Quando nós chegamos, a Família Real inteira estava lá. Os portões foram
abertos e eu cheguei bem perto. Deixei Josh e segui com Antônio. Ele estava tão
elegante, com uma calça de linho e uma blusa social azul. Cheguei bem perto dela e
chorei. Abri a minha bolsa e peguei a concha que ela havia ganhado de João; e a
coloquei lá. Antônio me abraçou e me senti segura, mas me afastei. Tive medo.

- Mariana! - Uma senhora chegou perto de mim.

- Sim, senhora. - Deixei Antônio e ela segurou meu braço; já era bem idosa.

- Você é uma menina adorável, tão bonita.

- Obrigada.

-Sabe, eu sempre tive a impressão de que algo faltava em seu olhar. - Olhei para
Josh e Antônio e me senti como a princesa: entre dois homens.

- Não falta mais. - Senti o peso da senhora e, ao olhar para ela, estava enxugando
as lágrimas.

- Sim. Graças a você, não mais...

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