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QFL1242 - Fı́sico-Quı́mica II

Partı́cula no Anel - Estudo Dirigido

1 Breve Revisão: Partı́cula na Caixa Unidimensional


Vimos que a equação de Schrödinger constitui um postulado fundamental da Mecânica Quântica e não pode ser
obtida por relação derivativa. Matematicamente, escreve-se a equação independente do tempo como em (1):

Hψ(~s) = Eψ(~s) (1)

H é o operador Hamiltoniano, definido como (2):

~2 2
H=− ∇ + V (~s) (2)
2m
tendo o vetor posição ~s = (x, y, z), m como a massa do elétron, h é a constante de Planck e V (~s) é o potencial. Na
condição de partı́cula na caixa unidimensional, recorde que:
A partı́cula está confinada numa “caixa” unidimensional de tamanho a. Logo, ela possui dependência de uma
única variável, define-se x, que pode assumir qualquer valor no intervalo de 0 a a. Neste intervalo, o potencial dentro
da caixa é zero. Isto é, em 0 ≤ x ≤ a, V (~s) = V (x) = 0. Consequentemente, a função de onda desta partı́cula deve
ser nula para qualquer ponto fora da caixa. Desta afirmação, seguem as equações (3) e (4):

ψ(0) = 0 (3)

ψ(a) = 0

Solucionando estas condições pela aplicação da equação (1), obtemos que o observável E é:

2
(nh)
E= n = 1, 2, 3... (4)
8ma
Recorde também que a função de onda para este sistema é
 nπx 
ψ(x) = B · sen (5)
a

e que ela é normalizável no intervalo da caixa. Obtém-se a constante de normalização da função de onda através
da equação (5):
Z
ψ ∗ (x) · ψ(x) = 1 (6)
R

e por R, na integral acima. denota-se o domı́nio de integração. Para a partı́cula na caixa 1D, essa integral é:
Z a
ψ ∗ (x) · ψ(x) = 1 (7)
0

A função de onda são funções matemáticas obtidas pela resolução da equação de Schrödinger. (a) Obtenha o
valor médio de momento linear para uma partı́cula na caixa. O que este resultado lhe informa?
Lembre-se que os valores médios de interesse, (por exemplo, hwi), resolvemos a integral disposta em (8):

1
Z
hwi = ψ ∗ (x) · ŵ · ψ(x) (8)
R

onde ŵ é operador que retorna o valor médio de interesse.

2 Partı́cula no Anel
Nosso próximo desafio é imaginar uma partı́cula presa em um anel. Isto significa que tomaremos as extremidades
da caixa (x ∈ [0, a]) e as uniremos em um único ponto, tornando-as um anel unidimensional, tal qual na figura 1
abaixo. Assuma b como o raio da circunferência criada.

Figura 1: Formação do sistema partı́cula no anel

(b) Vimos que a união das extremidades da caixa formam uma circunferência. O perı́metro dela é a. Obtenha
o valor do raio (b) para a circunferência em função de a. Em termos de deslocamento, na caixa unidimensional, o
elétron podia deslocar-se de 0 até a. Ao unirmos as extremidades da caixa, qual mudança é observada no sistema em
relação ao da parte 1, em termos do número de deslocamentos da partı́cula no anel? Descreva-a matematicamente.
Para sistemas circulares como este, é útil utilizarmos coordenadas polares. Em coordenadas polares, podemos
fazer a seguinte transformação de variáveis para tornar o sistema mais facilmente descrito:

x = r cos(θ)

y = r sin(θ)

E veja que, agora, a função de onda não mais depende de x mas sim de θ (ângulo) e r (para o raio). Outra
consequência da mudança dos domı́nios das variáveis é que precisamos “pagar um preço” e reescrever a equação de
Schrödinger em função de r e θ, nossas novas variáveis. Neste sentido, a equação de Schrödinger fica ligeiramente
modificada (para melhor compreensão da mudança do sistema de coordenadas, consultar o anexo 1 no final do
roteiro):

2
~2 d 2
− ψ(θ) = Eψ(θ) I = µr2 (9)
2I dθ2
com µ para massa da partı́cula, r é o raio da circunferência e I o momento de inércia da partı́cula.
(c) Mostre que, através da mudança de coordenadas, o Hamiltoniano (H) apresentado acima é coerente. Para
isso, obtenha-o pela mudança de coordenadas do Hamiltoniano apresentado na equação (2), fazendo as considerações
necessárias. (Consulte o anexo para obtenção das derivadas em função de novas coordenadas).
Uma possı́vel solução para a equação de Schrödinger da partı́cula do anel é a função:

ψ(θ) = Aeimθ

e os valores de energia obtidos por:

2
(m~)
E=
2I
(d) Mostre que a função proposta é solução da equação de Schrödinger e obtenha a constante de normalização
do sistema.
Outro ponto importante é que sistemas circulares como esse se enquadram nos chamamos sistemas periódicos:
porque retornam os mesmos valores de imagem da função de forma repetida a um certo “passo”. Na letra (b)
você avaliou esta propriedade para o perı́metro de deslocamento da partı́cula. Queremos agora implementar essa
condição para todas as propriedades da partı́cula. Neste sentido, escreve-se: ψ(θ) = ψ(θ + 2π). Avalie essa
constatação cuidadosamente e (e) mostre que ela é verdadeira para todas as propriedades da função de onda ψ.
(f) Calcule o valor médio da posição esperado para o sistema e também o de momento angular, sabendo que o
operador de momento para este caso é ˆl = −i~ ∂ . Interprete os resultados obtidos e compare-os para os da caixa
∂θ
unidimensional.
(g) Chamaremos m de momento angular do elétron no anel. Obtenha os possı́veis valores que m pode assumir
e discuta os valores obtidos. Depois, esboce um gráfico de E para valores obtidos de m. (Dica: faça duas colunas,
uma para valores negativos e outra para positivos de m, com E no eixo y).
Veja que a função depende apenas de uma única variável, θ, e portanto, continuamos em uma caixa unidimensio-
nal, mas muito diferente da apresentada no caso 1. Para notar esta diferença, veja que as condições para a partı́cula
existir no anel são diferentes:
se r 6= b −→ ψ(θ) = 0

θ∈R

ψ(θ) = ψ(θ + 2π)

Sabemos que a equação de Schrödinger é uma equação diferencial, e vimos que, partindo de um sistema de caixa
unidimensional e obtendo o sistema do anel - ao fazermos este último depender apenas de θ - mantemos o sistema
dependente de uma única variável mas suas soluções pela equação de Schrödinger são completamente distintas. Veja
as considerações feitas associadas aos sistemas descritos neste estudo dirigido. (h) Qual é a caracterı́stica principal
ao solucionarmos estes problemas que torna sistemas similares em resultados tão diferentes?

3
3 Aplicação do Modelo de Partı́cula no Anel para sistemas conjugados

Para esta última parte, devemos testar o modelo para checar sua efetividade na descrição de energias de sistemas
quı́micos. Você deve se recordar, de Quı́mica Orgânica, da Lei de Aromaticidade de Hückel. Ela diz que, em sistemas
cı́clicos, ocorre aromaticidade se o número de elétrons deslocalizados no sistema (representados por z), ao serem
aplicados na equação 4n + 2 = z, retornam um n inteiro. Exemplos clássicos são o benzeno (z = 6, n = 1), o
naftaleno (z = 8, n = 2) e o antraceno (z = 14, n = 3). Para o ciclopentadieno, entretanto, a equação falha (z = 4,
n = 1/2), assim como no cicloex-1,3-dieno (z = 4,n = 1/2).
Sabe-se que essas deslocalizações estão associadas à formação dos orbitais π nestas moléculas. Em moléculas
como benzeno, naftaleno, antraceno, etc, o número de carbonos formadores das deslocalizações é pequeno e o
“esqueleto” das ligações se aproxima muito de um sistema eletrônico em um anel e, por isso, tentaremos descrever
a excitação de um elétron nesses sistemas pelo modelo da partı́cula no anel. Em moléculas, a absorção de menor
energia ocorre nas transições dos orbitais HOMO−→LUMO. Com base nisso, mostre que (i) a equação que descreve
a absorção de menor energia nesses sistemas cı́clicos é:

2m + 1 2
A= ~
2I
(j) Faça um diagrama de energia como em (g) para o benzeno, o naftaleno e o antraceno, distribuindo os elétrons
corretamente. Calcule a energia e comprimento de onda para as transições das três moléculas. Utilize a distância
média de ligação C = C como 139 pm. Compare e discuta os resultados obtidos para os experimentais, apresentados
na tabela (1) abaixo.

Molécula Energia da Transição/10−19 J


Benzeno (C6 H6 ) 9,55
Naftaleno (C10 H8 ) 6,87
Antraceno (C14 H10 ) 5,24

Tabela 1: Valores de energia experimentais para a transição HOMO-LUMO para C6 H6 , C10 H8 e C14 H10 .

(k) Observe a distribuição dos elétrons no diagrama feito por você e observe o padrão de distribuição eletrônica
em termos de m e do número de elétrons ocupados. Obtenha, com base na ocupação dos nı́veis pelos elétrons, a
regra de Hückel. Caso seja necessário, você pode distribuir os elétrons para a série de adicionando novos benzenos
fundidos (C18 H12 , C22 H14 , assim por diante).
Vimos que este modelo serve para sistemas que se assemelham a anéis. Entretanto, as moléculas de benzenos
condensados (como em C10 H8 , C14 H12 , etc) não são puramente anéis (mas sim vários deles unidos), e, mesmo
assim, possuem pleno funcionamento para as energias descritas no modelo da partı́cula do anel. Avalie novamente
a consideração ψ(θ) = ψ(θ + 2π). Esquematize cada centro condensado como um cı́rculo tangencial ao outro. Com
base nestas informações, (l) explique porquê conseguimos descrever essas moléculas em termos de energia.
Por fim, um outro ponto no qual podemos empregar os diagramas de energia destes compostos é para prever
tendências de reatividade e estabilidade dos compostos. Observe o comportamento dos três compostos como agentes
nucleofı́licos, conforme figura 2 abaixo. Em termos de acidez, podemos organizar como:

4
Figura 2: Exemplos de ataque nucleofı́lico dos compostos aromáticos de carbono

pka (C6 H6 ) > pka (C10 H8 ) > pka (C14 H10 )

E, uma série de moléculas contendo Q centros benzênicos condensados, a retirada de 1 centro a cada vez gera a
seguinte série de acidez:

pka (C6 H6 ) > pka (C10 H8 ) > pka (C14 H10 ) > · · · > pka (Q − 2) > pka (Q − 1) > pka (Q)

A ordem de estabilidade dessas moléculas, por sua vez, é exatamente a inversa da apresentada acima, ficando,
portanto:

(Q) > (Q − 1) > (Q − 2) > · · · > C14 H10 > C10 H8 > C6 H6

Recorde os diagramas de energia construı́dos para as moléculas deste estudo dirigido. (m) Avalie a distribuição
de elétrons nesses nı́veis e a energia dos orbitais. Veja que o antraceno é menos ácido que o benzeno, mas muito
mais estável, o mesmo valendo para uma molécula de Q benzenos comparada a uma Q − 1, Q − 2,etc. Com base
nisso, justifique as tendências observadas para estabilidade e nucleofilicidade dos compostos tratados. (n) Esclareça
como relacionamos a estabilidade desses compostos e sua reatividade com os diagramas de energia construı́dos em
(g).

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Anexo - Transformação de variáveis
A transformação de variáveis é um método simples e facilitador em cálculos de múltiplas variáveis. Em caso de
dúvidas, contate os monitores da disciplina.
Etapa 1: Um ponto (x,y) no plano cartesiano pode ser representado a partir de coordenadas polares, para isso,
é necessário que utilizemos dois novos parâmetros, o raio (r), e o ângulo (θ). A utilização desse tipo de sistema de
coordenadas facilita o cálculo do operador de Laplace. Inicialmente, temos que:

x = r cos(θ)

y = r sin(θ)

Etapa 2: A partir da utilização da regra da cadeia, podemos estabelecer uma relação entre os operadores
(derivadas) empregando coordenadas e os operadores no plano cartesiano.

∂ ∂ ∂x ∂ ∂y
= +
∂θ ∂x ∂θ ∂y ∂θ

∂ ∂ ∂x ∂ ∂y
= +
∂r ∂x ∂r ∂y ∂r
Etapa 3: As equações acima podem ser escritas a partir de uma equação matricial. Chamaremos as matrizes
de A, B e C, nomeando partir da esquerda.
" # " # " #
∂ ∂x ∂y ∂
∂θ ∂θ ∂θ ∂x

= ∂x ∂y
· ∂
∂r ∂r ∂r ∂y

A=B·C

Etapa 4: resolvendo as derivadas na parte de dentro, temos que:


" # " # " #
∂ ∂
−r sin(θ) r cos(θ)
∂θ

= · ∂x

∂r cos(θ) sin(θ) ∂y

∂ ∂
Etapa 5: Devemos isolar a matriz C, pois o objetivo principal é obter os operadores ∂x e ∂y em coordenadas
polares, para isso é necessário que realizemos algumas operações na igualdade já mostrada na Etapa 3.

A=B·C

B −1 · A = B −1 · B · C

B −1 · A = I · C

B −1 · A = C ⇐⇒ C = B −1 · A

Etapa 6: Agora devemos resolver o produto de matrizes e igualar o resultado aos componentes da matriz C.

6
" # " # " #
∂ − sin(θ) ∂
∂x r cos(θ)

= cos(θ) · ∂θ

∂y r sin(θ) ∂r

∂ ∂ ∂2 ∂2
Etapa 7: Após encontrar os operadores ∂x e ∂y , deve-se encontrar ∂x2 e ∂y 2 .
O mesmo procedimento pode ser adotado caso a partı́cula se situasse em uma casca esférica, desse modo, seria
necessária a utilização de um sistema de coordenadas esféricas e uma nova variável deveria ser empregada na
parametrização, essa variável seria o ângulo ϕ. Desse modo, os cálculos envolveriam matrizes 3x3.
Para a partı́cula na caixa, no exercı́cio (d), os seguintes passos devem ser explicitados:
(1) Encontre a matriz inversa de B,B −1 .
∂ ∂
(2) Encontre os operadores ∂x e ∂y .
(2)Construa o operador de Laplace para um sistema de coordenadas polares, levando em conta que a
partı́cula se situa em um anel e, portanto o raio é constante.

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