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Um dia, uma escola, várias lições

A realidade de unidades da rede pública pode nos ensinar a


cumprir os compromissos com nossa juventude

Luis Carlos de Menezes (novaescola@fvc.org.br)

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"As universidades poderiam se inspirar nessas boas escolas ao fazer projetos pedagógicos para a
formação dos novos professores."Foto: Marcos Rosa

Uma lúcida leitora questionou se bastaria a vivência que tenho na universidade


para falar sobre a escola com conhecimento de causa. A pergunta tem sentido
porque falta à universidade uma necessária proximidade com a Educação Básica
e quem, como eu, quer compreender esse universo precisa visitar suas salas de
aula. Há poucos dias, atendendo ao pedido de uma rede escolar para identificar
boas experiências em suas escolas e apresentá-las a novos professores, retornei
a uma instituição com 2 mil alunos que, há tempos, já tinha me impressionado por
sua consistência pedagógica. A conversa com a diretora, Janette, sua vice, Maria
Cândida, e a supervisora, Solange me convenceu que a escola não dispunha de
privilégios, e sim problemas como tantas outras: "Professor desmotivado não
aguenta e nos deixa na mão no meio do ano", "Será que quem licita as compras
sabe qual a qualidade do material de limpeza que nos entregam?" ou "Já não
sabemos a quem apelar para melhorar nossa internet". No entanto, os corredores
estreitos, mas limpos, e as instalações simples, mas bem cuidadas, já
refletiamuma responsabilidade coletiva. 

Entre as 18 aulas em andamento, assisti a uma da 5ª série em que Maurício,


quase afônico após tanto trabalho, tinha de pedir a palavra: "Aqui todo mundo
pode falar, mas vocês agora podem me ouvir?" Ele ensinava história da China,
onde surgiram o papel, o macarrão e a pólvora, e desafiava grupos de alunos,
reunidos em torno de carteiras agrupadas, a identificar e registrar palavras-chave
no texto que liam. Ele cativava a garotada com relatos de superstições e hábitos
alimentares curiosos. Ao me despedir, não resisti e contei que, bem antes de a
China se tornar a principal parceira comercial do Brasil, meus filhos já tinham
nascido de mãe chinesa. Em clima de alegre espontaneidade, vários estudantes
passaram a falar de chineses que conheciam. 

Na sala seguinte, diante de crianças reunidas em semicírculos, assisti Andrea falar


sobre células vegetais e animais para a 6ª série. Ao me mostrarem, orgulhosas,
seus desenhos das células em cores com o nome de todas as organelas,
comentei com um dos grupos que as mitocôndrias, herdadas da mãe, fazem o
papel de baterias recarregáveis das células, mas que é o núcleo que tem a receita
de pai e mãe de cada ser vivo. Uma garota disse ter um gêmeo e outra, ao lado,
uma gêmea idêntica. Então falamos da diferença entre duas células-ovo
fecundadas independentemente e uma única que se dividira depois de fecundada.
Em ambas as aulas, notei uma ênfase no desenvolvimento de linguagens bem
apropriadas para 5ª e 6ª séries e gostei de ver que as conversas nos grupos se
davam sem grande tumulto. 

Acompanhei ainda um conselho de classe em que Leo, coordenador pedagógico,


anotava informações dadas pelos professores sobre cada aluno. Não registrava
notas, mas participação, atenção, assiduidade e qualidade do convívio em uma
ficha com o perfil dos alunos, apontando a necessidade de reforço ou da presença
dos responsáveis nas reuniões. 

Por fim, participei de uma conversa na diretoria até as 8 horas da noite - reforçada
com bons sanduíches da padaria vizinha - em que se discutiu a importância do
projeto pedagógico para garantir aos estudantes o direito à Educação. Alguns
problemas continuavam pendentes, mas enfrentados por gente orgulhosa por
cumprir sua responsabilidade social. 

No caminho para casa, relembrei as atitudes exemplares que observei e me


ocorreu registrar nesta coluna o bom encontro. Os nomes e as situações descritas
são tão reais quanto as lições que aprendi. Aliás, as universidades poderiam se
inspirar nessas boas escolas ao fazer projetos pedagógicos para a formação dos
novos professores, além de levar em conta as experiências para conduzir
conselhos de classe e aulas participativas.

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