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DEZ OBSERVAÇÕES

As imagens de violência na mídia extrapolam o fato social em si,


tornam-se um mecanismo comercial:
têm audiência garantida e atraem anunciantes

Embora tenhamos uma palavra genéri- Tal efeito pode ser produzido quando a di-
ca para os meios de comunicação - mídia -, vulgação desses conteúdos aparece associa-
o que ocorre neles não é sempre homogêneo da a outros fatores como, por exemplo, pre-
e igual. Há diversos públicos, veículos e, disposições psicológicas - indivíduos que
por isso, alguns tratamentos diferenciados são, por natureza, mais agressivos - e conví-
sobre o tema da violência. vio em ambientes sociais cujo universo de
Exploro neste artigo dez observações valores propiciem a existência de frouxos
recorrentes e repetitivas daquilo que pode- controles às erupções dos atos violentos, ou
mos sintetizar como sendo tratamento que a mesmo que os valorizem positivamente.
mídia dá à violência.
1.A respeito da influência da violência Destaque da violência
transmitida pela mídia sobre o comporta-
mento violento, os estudos têm indicado que 2. A mídia apropria-se da violência e
não há uma relação necessária entre trans- do crime como matéria-prima de seus pro-
missão da violência e adoção de um compor- gramas jornalísticos e ficcionais.
tamento violento. A partir de várias pesqui-
sas, principalmente norte-americanas, o que
É certo que violência e crime vendem
se consegue afirmar a respeito da influência
notícia, trazem leitores para os jornais e
dos programas de televisão e dos filmes de
audiência para as emissoras de televisão
conteúdos violentos no aumento da crimina-
que os tomam como elemento de disputa
lidade é que necessariamente a violência das
de telespectadores.
telas não condiciona as atitudes violentas.

. É sabido que o aumento da audiência do te-


A AüTORA lejornal Aqui Agora fez com que os telejor-
nais RJTV e o SPTV aumentassem a pre-
Elisabetb R o n d a sença de notícias sobre violência e crime em
Professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos suas edições. Portanto, isto pode significar
e Projetos em Comunieaçãio (Nepcom), da Es- que, necessariamente, pode não ter havido
cola de Comunicação da UFFU. Editora da revima na realidade um aumento de atos violentos
Comunieajlo & Pdftica, do Centro Brasileiro ou criminosos, mas maior dedicação de es-
de Es-s Latino-Americanos.
A
paço a noticias sobre eles.
Comunicaçáo & Educação, São Paulo, (71:34 a 37,set./dez. 1996 35

Os romances e filmes policiais e de governada, sem normas, sem ordem, onde


guerra exploram este filão do gosto público os indivíduos têm, sobretudo, medo.
pela violência e criminalidade, assim como
o fazem os jomais e a televisão. Por causa Neste sentido, esta manufatura do medo
deste gosto público é que os crimes se pres- pela mídia pode demandar apenas atitu-
tam a serem trabalhados a partir de relatos des policiais ou militares repressivas, não
sensacionais e dramáticos, sendo Gil Go- importa a que preço, uma vez que do me-
mes, do telejomal Aqui Agora, um dos do podem ser geradas atitudes irracionais.
mestres deste tipo de narração.
3. O tratamento que a mídia dá à vio-
lência pode estar construindo uma estigma- Estado de defesa
tização generalizada contra os pobres e a Esta imagem de uma sociedade fora
pobreza e contribuindo para a edificação de do controle legal não é construída somente
um separatismo social. nos tratamentos que a mídia dá aos crimes e
O modo como a mídia nomeia e trata à violência contra a pessoa, mas também
o crime, os criminosos, os seus praticantes, quando mostra crimes de outra natureza.
as suas vítimas e os lugares onde eles ocor- Assim os crimes econômicos, políticos,
rem, pode estar produzindo duas coisas: a) oriundos da corrupção, contribuem para se
uma associação entre crimes e pobres; por construir a visão de uma sociedade deca-
dedução, todos os pobres são potenciais dente do ponto de vista moral. Esta visão
criminosos e devem ser evitados/afastados, cria dificuldades para a edificação de uma
se não, eliminados; b) uma banalização do cultura solidária, pois o outro é sempre visto
crime e da violência, de modo a que nos como um potencial inimigo de quem se de-
tomemos cada dia mais insensíveis às suas ve, sobretudo, desconfiar.
ocorrências, julgando-as naturais em nosso Quantos de nós já não fomos intercep-
convívio. tados inesperadamente na rua para um pedi-
4. Ao mesmo tempo em que a mídia do qualquer de ajuda momentânea e não fi-
pode contribuir para banalizar a nossa vi- camos na dúvida, extremamente desconfia-
são sobre o crime, ela pode estar tendo dos e antecipadamente armados, em relação
uma ação pedagógica positiva que é a de às reais intenções daquele que nos interpela,
nos sensibilizar em relação à sua existên- mesmo quando o que se pede é uma simples
cia e freqüência, e nos induzir a um senti- informação? Esse susto provocado pela
mento de indignação moral diante do cri- abordagem, às vezes injustificado, vem de
me, que nos mova a pedir soluções para o um estado constante de alerta contra o outro
seu controle. Neste sentido, a mídia torna- a que nos condicionamos. Podem ter uma
se uma caixa de ressonância da opinião causa real ou imaginária, mas indicam, so-
pública ou, ao menos, daqueles que têm bretudo, o medo do outro, um estatuto de
acesso à mídia. certa individualidade que nos convoca a es-
5. Entretanto, ao fazer isto, a mídia po- tar sempre em estado de defesa. Os jornais
de estar produzindo não necessariamente muitas vezes divulgam matérias sobre como
uma indignação moral que motive atitudes devemós nos defender: não andar à noite,
para o controle do crime e da violência, mas não parar nos sinais desertos, não saltar do
construindo a visão de uma sociedade des- carro sem olhar ao redor, não, não, não...
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6. A mídia também funciona como um Ricos e pobres, jovens e negros


tribunal que levanta os fatos, sentencia e jul-
ga. Isto ocorre porque na ausência de instân- 8. A televisão tece identidades. Por is-
cias policiais e judiciárias que cumpram este so, um olhar mais atento sobre ela mostra
papel é a mídia que o preenche. É o caso, por que há uma televisão dos ricos e uma televi-
exemplo, do Aqui Agora, telejornal onde o são dos pobres, para falar de maneira gros-
repórter investiga o crime, denuncia ou de- seira e dicotômica. Essa segmentação está
fende os envolvidos e antecipa as sentenças. presente nos gêneros e estilos dos programas
para os pobres, os de auditório, por exemplo;
Esses programas estão construindo nos horários da programação (das 18h às
uma justiça e uma ética próprias, parale- 22h, esta é a mais popularesca, de um modo
las a dos mecanismos policiais e jurídicos geral); e no estilo das emissoras (SBT e Glo-
formais. bo têm públicos com perfis sócio-econômi-
cos diferentes e, portanto, diferentes progra-
Edificam-se como verdadeiros tribunais mas dirigidos a cada um destes perfis).
mediáticos, independentes de qualquer di-
reito, mas submetidos às exigências dos in- Isto mostra que a televisão tem uma fór-
teresses das emissoras, dos anunciantes e mula já pronta para diferenciar segmen-
dos presumíveis receptores. tos e operar construções imaginárias e
7. O tratamento que a mídia dá à vio- identificatórias sobre ricos, pobres e suas
lência e ao crime geralmente dissocia os fa- respectivas estigmatizações.
tos de tal modo que os crimes econômicos -

ou de corrupção, por exemplo, podem não 9. A relação entre os jovens e a violên-


aparecer como uma das causas da outra cri- cia aparece na mídia também de forma es-
minalidade mais difusamente espalhada pe- tigmatizadora. Pois são os jovens os princi-
la sociedade. O desvio ilegal de verbas pú- pais atores e vítimas do crime. Mas são eles
blicas de programas de saúde ou nutrição também os responsáveis pela emergência de
poderiam, de forma indireta, matar pessoas uma crítica social que não está hoje tão
que deles dependem, mas estes dois pólos acentuadamente nos sindicatos e nos movi-
da ação - o desvio da verba e a provocação mentos sociais que ganharam enorme ex-
da morte - não são relacionados e nem seus pressão nos anos 80. Uma característica im-
atores denunciados, uma vez que tais atos portante dos anos 90 é que a crítica social é,
de corrupção geralmente se perdem nas re- sobretudo, a expressão de um sentimento de
des de uma instituição burocrática difícil de exclusão social. E ser jovem, pobre (e ne-
identificar. Os chamados crimes contra a gro) é ser o excluído preferencial. É experi-
pessoa - um roubo de casa, um assalto na mentar a exclusão de forma muito perversa,
rua, um homicídio - são mais visíveis, de- pois tais excluídos são julgados economica-
tectáveis e passíveis de serem transforma- mente desnecessários, politicamente incô-
dos em imagens dos noticiários do que estes modos, socialmente ameaçadores e conside-
outros crimes da corrupção, menos sujeitos rados passíveis de serem fisicamente exter-
a serem apreendidos por qualquer imagem. minados. Daí advindo que as suas identida-
Neste sentido, mais importante do que a na- des não são construídas pela inserção no
tureza e a dimensão do crime, o que importa mundo do trabalho mas a partir da situação
é a sua potencialidade de gerar imagens. de excludência. Dentre outras formas, o
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funk, o rap e outros movimentos similares apresentados no Aqui Agora são paulistas e
aparecem como as manifestações criticas da não cariocas?
imersão dos jovens nesta cultura de exclu- Tais perguntas poderiam nos revelar a
dência e de violência. E que os meios de co- compreensão de algumas hipóteses. Talvez
municação também não deixam de tratar de os crimes estejam sendo reportados pela te-
forma estigmatizadora - os bailes sempre levisão e contribuindo para edificar a ima-
são associados com violência e droga - e gem de uma cidade violenta, não só porque
não como uma expressão estético-política ela efetivamente o é, mas pnncipalmente
de uma critica social. porque a imagem que se tem sobre a violên-
10. E, finalmente, o caso do Rio de cia está passando pela pauta da produção
Janeiro, cuja imagem, nas transmissões dos telejornais. As emissoras de TV de
jornalísticas destinadas a todo o país, é as- maior audiência, como é sabido, têm grande
sociada com a violência e a necessidade de parte de suas equipes de jornalismo sedia-
seu controle, mesmo que este seja um con- das no Rio de Janeiro (Globo) e São Paulo
trole militar. É difícil saber o quanto desta (SBT). Portanto maior potencial de cobertu-
imagem tem um fundamento exclusiva- ra dos fatos nestas respectivas cidades e de-
mente real ou fruto de estragégias do modo las, os fatos preferencialmente noticiáveis
de falar da televisão. são aqueles do crime e da violência.
Uma pesquisa sobre o tema mídia e O mesmo fator que explica porque o
violência poderia levantar, por exemplo, al- Aqui Agora explora mais os crimes paulis-
gumas questões específicas: a) Em termos tas, pode estar explicando porque a Globo
absolutos, os crimes praticados em São Pau- explora mais os crimes cariocas. E não é ne-
lo, por exemplo, são menores do que os cri- cessariamente porque sejam muitos. Será,
mes praticados no Rio de Janeiro? b) Não principalmente, porque a equipe jornalística
há tráfico e consumo de drogas em cidades destas emissoras é numerosa nestas cidades.
como São Paulo, Brasília e outras capitais Isso faz com que o Rio de Janeiro, por
do Nordeste? Se há, por que a televisão não exemplo, se exceda como o lugar da vio-
mostra? c) Por que a maioria dos crimes lência em todas as imagens dos noticiários.

Resumo: O artigo trata da violência veiculada Abstract: The article is about violence shown
pelos programas de televisão. A autora le- on TV programs. The author points out ten
vanta dez abordagens sobre o problema. En- different approaches for the problem. Among
tre elas, destacam-se: a influência da progra- them the most important ones are: the in-
mação violenta sobre o comportamento do fluente of violent programs on TV viewers;
público; a estratégia de captar audiência e the strategy of getting more viewers and pu-
anúncios com a veiculação de temas violen- blicity by means of violent themes; relations-
tos; relação entre jovens e criminalidade; a hip between young people and criminality;
mídia e sua capacidade de julgar o crime e o the midia and its capacity t o juge the crime
criminoso; estigmatização da pobreza como and the criminal and the stigmatization of po-
violenta. verty and the city of Rio de Janeiro as violent.

Palavras-chave: mídia, violência, televisão, Key-words: midia, violence, television, news,


telejornais, Rede Globo, SBT. Globo and SBT stations.

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