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29/05/2020 Brasil, pátria encarceradora @ Luiz Eduardo Soares

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Brasil, pátria encarceradora


Eis o epicentro de nosso problema na área da (in)segurança pública, sem cuja solução a vigência do Estado
democrático de direito permanecerá dúbia, precária ou parcialmente suspensa. Refiro-me ao ponto no qual se
cruzam o modelo policial e a lei de drogas, que reputo hipócrita e absolutamente irracional. Observe-se que o
modelo policial definido pelo artigo 144 da Constituição veda a investigação a uma das polícias, obrigando-a
a prender apenas em flagrante. Registre-se ainda que o ambiente social, cultural e político pressiona a polícia
que está nas ruas, a polícia ostensiva, uniformizada (a mais numerosa), isto é, a polícia militar, a mostrar
serviço, ou seja, a prender em grandes quantidades.

Se a polícia que está nas ruas não pode investigar, impondo-se-lhe o flagrante como condição para a prisão,
os delitos que selecionará como alvos de seu trabalho são aqueles passíveis de prisão em flagrante, aqueles
filtrados pelo critério ao qual subordinam-se os objetos de sua ação. Este é o filtro seletivo, oriundo do
modelo policial, que se combinará aos demais, inconsciente ou conscientemente acionados pelas culturas
corporativas, pelo viés de classe e pelo racismo estrutural da sociedade brasileira. Sendo assim, qual a lei à
mão, no varejo? Qual o delito mais instrumentalmente útil para que a polícia ostensiva produza? –
entendendo-se esta “produtividade” como costumeiramente é o caso: antes prisões e apreensões de armas e
drogas do que redução da insegurança. A resposta é óbvia: as transgressões relativas ao porte, à posse e ao
comércio de substâncias ilícitas, as “drogas”. Resultado: cada vez mais as penitenciárias se enchem de
varejistas das drogas. E assim têm sido privados de liberdade levas crescentes de jovens quase sempre
pobres, em sua grande maioria negros, com baixa escolaridade –muitos dos quais não portavam armas, não
agiam com violência, nem estavam organicamente ligados a organizacões criminosas. Não estavam, mas
nosso sistema, culminância da inteligência pátria, providencia para que se organizem. Ou seja, estamos
contratando violência futura. E pagando caro para semear tempestades.

Eis aí o mistério solucionado: há 58 mil crimes letais intencionais por ano, no Brasil, entre eles 56 mil
homicídios dolosos, dos quais apenas 8% são investigados. A taxa de impunidade relativamente ao crime
mais grave atinge o patamar escandaloso de 92%. Entretanto, o Brasil está longe de ser, como se poderia
precipitadamente inferir, o país da impunidade: temos a quarta população penitenciária do mundo (640 mil
presos, segundo dados defasados do DEPEN, divulgados em fins de 2014) e a que mais velozmente cresce.
No universo prisional, 40% estão em prisão provisória, 12% cumprem pena por homicídio, e dois terços
estão sentenciados por crimes contra o patrimônio e delitos vinculados a drogas –sendo estes o subgrupo que
mais vem aumentando.

A receita do fracasso está aí desvendada: proiba a polícia que está nas ruas, a mais numerosa, de investigar;
cobre-lhe produtividade; identifique eficiência com prisões, as quais terão de ser feitas, portanto,
exclusivamente em flagrante; ofereça-lhe a lei de drogas como filtro seletivo e açoite; junte esses
ingredientes e os leve ao fogo brando da inépcia política; salpique omissão das demais instituições que
compõem o campo da Justiça criminal; polvilhe autorização tácita da sociedade; bata a gosto – ninguém está

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olhando, e a sede de vingança dá o tom nos programas demagógicos de TV. Pronto, está aí o quadro dantesco
da insegurança brasileira, invertendo prioridades e sacrificando a vida, que, afinal, é dos outros. O racismo
rege esta máquina selvagem que criminaliza a pobreza. E quando novos crimes escandalizam, o populismo
penal clama por elevação das penas para que se faça mais do mesmo, com mais força, esperando resultados
diferentes. Seria patético não fosse trágico. Brasil, pátria encarceradora.

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2 perguntas começam a ecoar:


quem matou Marielle e onde
está Queiroz? Outras se
sucedem, mas as 2 talvez
sejam 1 só, resguardadas
mediações, pq relações nem
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