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II Guerra Mundial
João P. Miranda
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Apresentação
Preliminares Científicas
iii) Por fim, há um critério de interpretação que se pode chamar de holismo. Holismo
não é mais que a aplicação do formato justificativo coerentista para fins de
interpretação. Em teorias da justificação (epistémica), coerentismo é a posição pela
qual se argumenta que a melhor forma de justificar uma crença é através da sua
membresia num sistema de outras crenças que se suportam logicamente entre si.
Por analogia, o significado de uma certa porção do texto vai depender da coerência
do todo semântico.2 Por sua vez, assume-se que as diversas unidades linguísticas
dentro do texto têm relações de dependência entre si. Palavras como partes de
frases ou orações. Orações como partes de períodos. Períodos como partes de
parágrafos. Parágrafos como partes de diferentes níveis de divisões temáticas
(capítulos), e estas últimas como partes do todo textual (monografia, ensaio, artigo,
etc). A significação3 das diferentes partes do texto têm de coerer entre si:
1
Por “epistémica” deve-se compreender que satisfaz requisitos de justificação; requisitos que se
razoavelmente cumpridos conferem uma envolvência cognitiva entre o sujeito e o objeto em causa a
que chamamos de “conhecimento”.
2
Como todo o texto coere com toda a denotata. Um denotatum é o conceito pelo qual se empacotam
dados sensoriais e construções abstratas (p.e. números, raízes quadradas).
3
“Significado” serve para expressar o movimento de denotação de unidades linguísticas para os
conceitos correspondentes.
Isto implica que, à medida que se vai avançando no texto, poderá ser necessário
revisar interpretações até à data, i.e. há partes do texto que podem sugerir
alterações de interpretação em partes anteriores, especificando:
Relação entre filosofia e ciência: Como foi dito no ponto ii) anterior, supõe-se o
método científico como aquele pelo qual melhor se acede à realidade. Esta suposição
não deve ser encarada como uma pressuposição à semelhança do Deus cartesiano
que garante a solidez do edifício epistémico humano. O método científico, nas
diversas modificações ao longo dos tempos e mediante diferentes necessidades de
investigação, têm-se mostrado extremamente eficaz na previsão bem-sucedida e
intervenção sobre o mundo. Sendo assim, e por princípio pragmático, uma vez que
o que interessa no mundo é saber em que condições se está a tomar decisões e a agir,
segue-se que tudo o que escape à previsão de consequências e capacidade de
intervenção é simplesmente irrelevante. Deste modo, qualquer outra atividade
epistémica4 será acessória ao método científico. Por seu turno, podemos falar de um
conjunto de atividades epistémicas que não tinham qualquer continuidade
metodológica. Estas atividades são caracterizadas por serem maioritariamente
especulativas e não terem critérios de aceitabilidade, i.e. uma terminologia precisa
(um tecnoleto) e um conjunto de regras de argumentação que permita comunicação
e validação externa de propostas de conhecimento. A este conjunto de atividades e
os seus produtos escritos chamou-se de “filosofia”. A chegar ao séc. XX este tipo de
atividades já tinha perdido bastante fiabilidade, cedendo desta forma vários tópicos
de investigação aos praticantes do método científico. Contudo, face a esta
problemática, alguns pensadores dedicaram o seu tempo a procurar e a perceber
qual o lugar da filosofia. Neste trabalho entende-se a sugestão de W.V.O. Quine como
a mais promissora: «entendo a filosofia como contínua com a ciência, até mesmo
parte da ciência. […] A filosofia situa-se na extremidade abstrata e teórica da ciência.
[…] Filosofia é abstrata por ser muito geral. Um físico falar-nos-á de conexões
causais entre eventos de certos tipos; um biólogo falar-nos-á sobre conexões causais
entre eventos de outros tipos; mas o filósofo interroga-se sobre conexão causal em
4
Atividade por meio da qual se procura o tipo de envolvência cognitiva mencionada na nota de rodapé
1.
geral – o que é um evento causar outro?»5 A filosofia, em menos palavras, pode
contribuir para o trabalho empírico nas diversas ciências especializadas fornecendo
conceitos ou enquadramentos teóricos que sejam úteis e profícuos ao seu
desenvolvimento. Podemos assistir a esta contribuição p.e. na articulação de
abordagens teóricas de largo escopo, como positivistas vs. interpretivistas ou
feminismo intersecional vs. ecologismo-evolutivo.
Tema
5
Philosophy of Quine: General, Reviews, and Analytic/Synthetic p. 14
6
Thomas Hobbes, Leviathan, c. XIV
7
Ibid., p. 96
A Condição de Guerra é um conceito que encapsula um conjunto de fenómenos
comportamentais humanos no que concerne a disputa de interesses materiais e
interpessoais. Estas disputas podem surgir quer por motivos de ganho quer por
motivos de preservação. Hobbes afasta-se das descrições culturais-artefactuais da
guerra quando aponta para este tipo de conflito como um fenómeno resultante de
algo inato à espécie humana. Sem um arbitro capaz de policiar as disputas de
interesses, i.e. capaz de intervir nelas pela força se necessário, qualquer espécime
humano é propício a iniciar violência sobre outro, uns por prevenção, outros por
aproveitamento de janelas de ganho.8 Este arbitro mais adiante no texto em causa é
chamado de Leviathan.9
Mas Hobbes vai um pouco mais longe. Além do fenómeno visível de violência e
sabotagem, a Condição de Guerra inclui também o fenómeno invisível de jogos
mentais em operação nos agentes envolvidos nas disputas. Como Hobbes afirma,
«guerra não consiste apenas em batalhar […] mas num intervalo de tempo no qual a
8
Ataques preventivo ocorrem quando um agente (ou grupo de agentes) temendo os custos expectados
por não tomar iniciativa de ataque fá-lo primeiro – à que frisar a expressão “expectados”; pode não
haver qualquer intenção de atacar por parte do alvo do ataque preventivo. Janelas de ganho, por sua
vez, também devem ser entendidas como expectativas. Uma janela de ganho ocorre quando um agente
(ou grupo de agentes) perceciona uma oportunidade sobre o seu adversário para o atacar com custos
reduzidos – uma janela pode ser apenas uma ilusão que sairá cara ao agente.
9
Leviathan, p. 132.
vontade de batalhar é suficientemente conhecida».10 Parafraseando de forma mais
precisa, não é por haver um cessar da violência que as hostilidades se dissipam no
ar, estas permanecerão na mente dos participantes até uma autoridade reguladora
intervir. Esta descrição em parte parece reportar aquilo que comummente se chama
de guerra. Numa guerra o combate não é permanente, mas antes pontilha o intervalo
de tempo dentro do qual se deu uma certa disputa. Apenas na ausência das
hostilidades é que podemos declarar uma dinâmica social chamada de paz.
As especulações filosóficas de Hobbes, tomadas desta forma, parecem ter dado boas
pistas sobre onde depositar trabalho empírico. De facto, hoje, o corpo de
investigação relevante nas ciências comportamentais sugere que a guerra advém,
entre outras coisas, de «Competition», «Diffidence» e «Glory». Mas estas não são as
rootcauses da guerra. O tipo de fenómenos subsumidos nestas três palavras são
causas próximas da guerra, e isto significa que têm uma relação de dependência com
um fator antecedente. Esse fator os investigadores propuseram ser a fitness11 dos
agentes. A obtenção de uma vantagem competitiva sobre outros organismos leva ao
tipo de fenómenos reportados nas três causas próximas gerais apontadas por
Hobbes. Mas é também aqui que a articulação deste royalist exilado começa a
desviar-se das propostas científicas atuais.
10
Qualquer tradução neste trabalho é feita sob a abordagem de tradução conhecida como equivalência
gramatical.
11
Fitness, em teoria biológica, é o conceito pelo qual se compreende o fenómeno de sucesso
reprodutivo de um certo organismo, i.e. o quão eficaz é a passar os seus genes para a geração seguinte.
12
Tomassello, A Natural History of Human Morality, “Self-Domestication”.
13
Fitness relativa é o conceito pelo qual se entende o diferencial de vantagens ou desvantagens
reprodutivas entre organismos dentro de uma mesma população. Neste caso, estou a usar o conceito
para estabelecer o mesmo tipo de comparação mas entre grupos numa mesma espécie.
reprodutivas usufruídas do inferior, como fêmeas e recursos de sustento; e mais
tarde, em organizações humanas com configurações mais próximas do Estado
moderno, por acrescento, escravos, metais, especiarias e pigmentos exóticos (que
conferem prestígio), e novos tributários para coletar impostos.14
Em suma, como foi dito, um estado belicoso de homem contra homem até à data
parece implausível. Simplesmente não há dados que sugiram um fenómeno desse
género. Quando chega o momento de iniciar hostilidades a grande escala, a formação
de fações parece ser inescapável. Coalizões masculinas formam-se, nem que seja
apenas temporariamente.
Com este pano de fundo, onde ilustrei as interações entre sugestão filosófica e
investigação científica, à que relevar que o tema tem vindo a ganhar alguma tração
quer nas humanidades quer nas ciências sociais. Começando pelas humanidades, até
à segunda metade do séc. XX, história, doutrina, teoria e estratégia militar estavam
seladas hermeticamente em instituições deste caráter. Porém, dado o crescimento
da esfera civil sobre a militar, e o aparecimento de novos tipos de conflito com o
início da Guerra Fria (p.e. as guerras de aproximação, do termo inglês proxy-wars)
todos estes domínios de investigação foram abertos e ganharam até nova
vitalidade.16 Em várias universidades anglófonas lançaram-se cursos com nomes
como “Estudos Militares” (Military Studies), “Estudos da Guerra” (War Studies) ou
ainda “Estudos de Defesa” (Defense Studies). Nas ciências sociais, Glowacki et al.
reportam um crescimento de publicações relevantes sobre o tema da guerra em
antropologia, e Böhm et al. o mesmo na área da psicologia social.17 Neste sentido,
seria interessante manter a abordagem mais conceitual, geral e holista da filosofia
14
“The Evolutionary Anthropology of War”, p.18-19, 21.
15
Mind the Gap, Margaret C. Crofoot & Richard W. Wrangham, “Intergroup Aggression in Primates and
Humans: The Case for a Unified Theory”, p. 189
16
Jan Angstrom & J. J. Widen, Contemporary Military Theory, p. 1
17
“The Evolutionary Anthropology of War”, p. 1-2; “The Psychology of Intergroup Conflict”, p. 2-3
próxima destes desenvolvimentos – coisa que não tem acontecido. Tirando o aceso
debate académico contido nos limites teóricos da Teoria da Guerra Justa, é-me
desconhecido mais algum trabalho filosófico que não o The Roots of Military
Doctrine (2013) de Aaron P. Jackson e, embora as considerações de abordagem
biológica estejam um pouco ultrapassadas, o A Philosophy of War (2002) de
Alexander Moseley. O presente título vem, desta forma, acrescentar algumas
palavras a esta área tão sub-explorada na filosofia.
Plano de Trabalho
Com o enquadramento científico e o domínio temático esclarecidos é tempo agora
de descrever brevemente a tese que se desenvolverá neste trabalho.
Julius Evola
Não é difícil encontrar artigos e capítulos de livros dedicados ao pensamento de
Julius Evola (1898-1974), porém para o tema em questão são irrelevantes. Evola por
várias décadas caiu no desconhecido, ou melhor, tirando alguns pensadores
dissidentes da academia liberal boomer – centrada nos Direitos Humanos e
cosmopolitismos globais – mais ninguém sabia deste nome. Mas a chegar ao final da
segunda década do séc. XXI já não é assim. Sem entrar em grandes pormenores sobre
como ideologias globalistas boomer interagiram com eventos no mundo desde a
década de 1950, creio que é claro que há um certo cansaço e distanciamento destas
ideias e seus patrocinadores da população em geral. A consequência, também com a
capacidade difusiva das novas tecnologias de comunicação, foi a emergência de
atores políticos antissistema (conhecidos como “populistas”) e a correspondente
procura de alternativas ideológicas que acomodassem estas novas direções
políticas.
É aqui que o nome deste italiano ressurge. Julius Evola é o intelectual por excelência
da direita populista. É nos seus escritos que pensadores com algum destaque e os
seus seguidores encontraram fecundidade filosófica para desenvolver críticas à
sociedade atual, sistemas políticos vigentes e propostas adversárias. Trabalhos
célebres deste autor são Rivolta Contro il Mondo Moderno (1934), Gli Uomini e le
Rovine (1953), Cavalcare la Tigre (1961) e Il Fascismo Visto valla Destra: Note sul
Terzo Reich (1974). Mas o que é que Evola tem de especial para atrair a atenção de
dissidentes à direita? Uma resposta a esta questão daria uma tese de doutoramento
por si só, mas aqui ficar-me-ei pelo indispensável. Em primeiro lugar, ▫Evola é um
filósofo sofisticado. Não é alguém que simplesmente apanhou umas ideias no ar e
com alguma criatividade as colou umas às outras no papel. Ele tinha debaixo do
braço um vasto corpo de leituras, como mitos, canones religiosos, filosofia, história
e a alguma ciência. É um autor que se expressa em formas eruditas, muitas vezes
caindo em abstrusidades linguísticas que desafiam a compreensão do leitor. Não
perde muito tempo em exercícios de análise, prefere antes em traços largos incluir
uma série de componentes históricas, mitológicas e weltanschauung. Este tipo de
produção filosófica tende a impressionar muitas mentes pela sua expressão
misteriosa, aparentemente erudita e fenomenologicamente abarcadora – parece ser
bem-sucedida a envolver a experiência com tudo o resto num todo compreensível.
Julius Evola, dadas estas características pode ser classificado como um autor
Continental.
Racismo: Não me irei estender muito sobre o racismo específico de Evola, embora
seja possível fazê-lo; Evola dedicou uma obra completa à sua teoria racista, viz.
18
Sidgewick, Against the Modern World, pp. 21-38
19
Versluis, Magic and Mysticism: An Introduction to Western Esotericism
Sintesi di Dottrina della Razza. O que introduz com esta obra é apenas uma
elaboração metafísica do sentido genérico do termo. Comummente é usado para
classificar um complexo feito de crenças e disposições perante uma raça ou um certo
conjunto delas. Crenças que passam por supor diferenciais de habilidade e valor
intrínseco entre raças, e os respetivos sentimentos (ou emoções) de repugnância-
aversão/apetência-atração que as acompanham. No caso de Evola, as raças são
frequentemente chamadas de “stock”. No caso caucasiano – o que ele chama de
“ariano” – entre os povos da Europa, Índia e Médio Oriente é partilhado um stock
original de espécimes chamados de indoeuropeus. Segundo Evola todos estes povos
partilham não só de uma semelhança biológica, algo primário, mas também de uma
alma e um espírito. Para este autor, o espírito da raça colhe o valor mais alto e é
precisamente esta propriedade invisível ao olho científico que eleva uma raça sobre
a outra.
Metafísica da Guerra
Estes três complexos de elementos conceituais estão presentes na Metafísica da
Guerra de Julius Evola. Para ser preciso, Evola nunca escreveu uma obra deste nome,
nem nunca dedicou um trabalho ao tópico da guerra especificamente. Por este título
faz-se referência a uma compilação de ensaios que foram reunidos postumamente
em 2007 por John B. Morgan, em nome da Integral Traditional Publishing. Este
título, não sendo original, não deixa de ser informativo sobre o seu conteúdo. Foram
ensaios escritos durante a Segunda Guerra Mundial (IIGM) aquando da elevação do
fascismo e o nacional-socialismo nos seus países respetivos. Intelectuais italianos e
alemães procuravam, ao bom estilo Continental da filosofia, criar uma cosmovisão
política que fundasse quaisquer medidas de legislação; articulações de traços largos
que abarcavam história, ciência, religião, mitos populares, política contemporânea e
uma base para criticar a ação e ideologia de rivais, neste caso, as repúblicas liberais
capitalistas e o comunismo. Hoje fala-se da filosofia negativa e desconstrutivista da
Escola Crítica frankfurtiana ou dos apologetas marxistas como Foucault, Derrida e
Deleuze, mas Evola, Giovanni Gentile (entre outros assinantes do Manifesto dos
Intelectuais Fascistas de 1925) e Alfred Rosenberg (entre outros intelectuais como
Martin Heidegger, Carl Schmitt e Ernst Bergmann) já se tinham antecipado a esse
tipo de atividade de desconstrução de ideias e crenças em vigor num corpo social.
A Tese de Evola
Para expor a tese de Evola servir-me-ei de dois modos de apresentação: ▫começarei
com uma descrição por escrito, na qual passarei pelos diversos conceitos e ligações
entre os mesmos, mas depois ▫ilustrarei esta construção conceitual por meio de
esquematizações. As páginas que irei citar não são correspondentes com a edição
original. Para fins de verificação, o leitor deve se servir do documento disponível
aqui21. As citações serão feitas com a notação, “(p.#)”.
Evola começa no primeiro ensaio por declarar as suas intenções de trabalho, viz.
descobrir as condições sob as quais o aspeto espiritual da guerra se manifesta, ou
ainda, a fenomenologia da experiência do guerreiro (p.13). O autor inicia a sua
investigação com uma suposição que julga estar empiricamente corroborada, viz. de
que todas as sociedades humanas tradicionais estão organizadas segundo uma
20
Metaphysics of War, p. 92
21
http://www.cakravartin.com/wordpress/wp-content/uploads/2015/12/Metaphysics-of-War-Evola-
Julius.pdf
hierarquia tetrapartida, composta (de cima para baixo) por uma autoridade
espiritual, uma aristocracia guerreira, uma classe média burguesa (ou mercante) e
uma classe de escravos ou serventes. Evola chama-lhes de castas e segundo ele são
naturais à espécie humana. Isto significa que este tipo de organização social, embora
seja violável, é aquela que melhor se adequa à espécie, i.e. insistência noutro tipo de
organização pode levar a distúrbios quer no coletivo quer em cada membro
individualmente (p.13).
22
Agner Fog, Teoria da Regalidade em Warlike and Peaceful Societies.
dispensável. Façamos o mesmo para o fator iii); i) e ii) são o caso mas iii) não é. Sem
estes guerreiros especializados um grupo não teria como assegurar a sua
continuidade face à pressão de outros grupos, sendo assim, por seleção natural, os
grupos sem uma aristocracia guerreira especializada desapareceriam e aqueles que
tinham iam ficando. Para finalizar, eliminemos iv) mantendo os três fatores
anteriores. Neste caso não haveria qualquer incentivo para estes guerreiros
especializados se manterem no grupo que protegem, seria preferível oferecer os
seus serviços a um outro grupo que os prezasse mais.
O que quero frisar com esta descrição de como a intervenção nestes quatro fatores
podem afetar a emergência de uma classe guerreira aristocrata, é precisamente a
questão de esta ser resultado de certas pressões específicas. Ou seja, não é algo
«natural» à espécie humana, é sim algo que resulta mediante certos contextos.
Explicações semelhantes, i.e. com recurso a manipulação em fatores relevantes,
podem ser aplicadas sobre as outras três «castas» que Evola mencionou.
Novamente, não são naturais à semelhança da necessidade de ingerir uma certa
proporção de macronutrientes para manter as funções orgânicas em estado ótimo,
são sim soluções convenientes para um certo problema.
Na equação de fatores que ocasionam uma certa organização social à que considerar
também a competição interna ao grupo (intragrupo). Voltando ao exemplo anterior,
um cabeça de governo e uma nobreza que não estejam dispostos a abrir dos seus
bolsos para recompensar devidamente a classe guerreira, correm o risco de a) um
grupo inimigo exterminar o suficiente de membros da classe produtora (pondo
assim em causa os meios materiais essenciais à preservação do resto grupo) e b) de
serem mortos num único ataque em que todos os meios de defesa e retirada
falharam. Quero dizer com isto que se estas classes reais e nobres se excedessem na
sua luta pelo controlo e recursos, poderiam criar riscos não compensatórios.
Voltemos à tese de Evola. Com base nesta construção teórica da hierarquia das
quatro castas, o autor prossegue fazendo uma alegação teleológica, viz. que as
sociedades derivam o seu sentido de existência da casta que reunir as condições de
liderança para si (p. 14). Tradicionalmente a casta que dava sentido às outras três
era a espiritual, o que implica uma vivência comunal mais teocêntrica ou
pneumatocêntrica. Este sentido providenciado pela classe dominante leva à
emergência de certos traços culturais tanto observáveis (arquitetura, literatura,
comportamentos, costumes) como inobserváveis (conceitos, sentimentos
religiosos, sentimentos sociais, enquadramentos metafísicos). Uma outra alegação
teleológica por parte de Evola, feita logo de seguida, é que a espécie humana se está
a desenvolver num sentido de «involução». Este tipo de conceitos era muito comum
no final do séc. XIX e início de séc. XX, viz. conceitos evolutivos que decalcavam
direção ao processo evolutivo. Esta tese de direção evolutiva chamava-se de
Vitalismo viz. a tese pela qual se defende que existe uma espécie de mão invisível a
orientar a evolução dos organismos no sentido de menor para maior complexidade
e harmonia. Podemos ver isso de forma explicita p.e. no corpo filosófico de Herbert
Spencer (1820-1903) a que ele chamou A System of Synthetic Philosophy. Especulo
que Evola teria em mente conceitos destes quando avançou a tese da involução
humana.
23
Kenneth Henshall, A History of Japan, p. 79-80
24
Expressão de Geoffrey Parker, The Cambridge Illustrated History of Warfare, p. 14
25
Daqui em diante não repetirei “A organização social” e passarei diretamente para o tipo.
iii) “ “ guerreira monárquica secular. Estágio em que os resquícios sacrais
desaparecem, mas preserva-se a altivez guerreira. Aqui podemos encontrar a ética
do contrato social hobbesiano (ou do egoísmo racional), a elevação da honra e glória
como crédito social entre homens, coisas a procurar e a defender sem consideração
sacral. A sanguinidade e preparação da prole para a liderança na guerra continuam
de pé nestas famílias, mas a antiga prática de dedicar alguns dos filhos ao serviço
eclesiástico perdeu-se (p. 14).
Até aqui, temos na construção metafísica: ▫um dualismo entre uma esfera
espiritual e uma esfera material sobrepostas sobre o mesmo tecido existencial;
realidade é a sobreposição destes dois planos; ▫uma valorização acrescida da esfera
espiritual sobre a material; ▫uma hierarquia tetrapartida natural à espécie humana
(divisão natural em castas); ▫um processo involutivo nas sociedades ocidentais no
qual o estágio de maior elevação é o de proximidade ao divino, e o estágio de maior
degradação é o de coletivismo material – processo que tem consequências na
reordenação da hierarquia em iii). Analisámos de perto a questão da naturalidade
hierárquica e vimos que este ponto não tem uma defesa suficientemente forte para
corroborar o que afirma. Assim, o ponto seguinte não requer apreciações adicionais
– sendo a naturalidade da hierarquia tetrapartida implausível, não pode haver
qualquer tipo de processo em desenvolvimento sobre ela, seja de involução (como
especula Evola) seja de evolução. Sobre os dois primeiros pontos não me
pronunciarei. ▫Primeiro, porque uma das suposições metodológicas incluídas nas
de caráter geral, articuladas nas “Preliminares Científicas”, é a distinção Questões
Externas / Questões Internas, defendida por Rudolf Carnap (1898-1970) no seu
célebre ensaio “Empiricism, Semantics and Ontology”.26 Os primeiros dois pontos
não são para ser discutidos em termos de alocação de valores de verdade ou
confirmação (verdadeiro-falso, provável-improvável, plausível-implausível) mas
sim de utilidade e conveniência. Por consequência, ▫segundo, este tipo de
argumentação pragmática não acrescentaria nada de relevante a este trabalho, i.e.
não teria qualquer contributo didático quer à compreensão da construção
metafísica de Evola quer à tese deste trabalho no que concerne as previsões
empíricas implicadas nessa construção.
O espaço lógico aberto por Evola até aqui já nos permite derivar uma consequência,
viz. as atitudes e conceitos perante e relevantes à guerra mudarão consoante o
estágio específico de uma sociedade – em concreto a figura do herói e a natureza da
guerra tomarão formas distintas. É precisamente isso que Evola trata seguidamente.
Fazendo um paralelo com os cinco estágios de involução e as organizações sociais
respetivas27, a guerra é tomada como:
ii) e iii) O meio pelo qual se obtém prestígio, glória e honra entre os homens. Em
certos casos a guerra pode ser feita com um fim em si mesmo. Guerra colhe para si
o valor mais alto e é por ela que se satisfaz a existência do homem (p. 14).
iv) Um instrumento de mera defesa dos interesses económicos de uma certa nação,
que por sua vez serve de plataforma de negócios para a casta burguesa. O soldado
deixa de ser o aristocrata nascido para a guerra e passa a ser o soldado-cidadão, que
nada mais tem diante de si que a defesa do seu pedaço de terra e da comunidade
dentro das quais desenvolve as suas atividades económicas (p. 14).
26
Muito resumidamente, a tese de Carnap era de que as questões metafísicas da filosofia tradicional
devem ser entendidas como pseudo-questões. O que sugere encará-las desta forma é a constatação de
que as respostas para elas são compostas por um conjunto de pseudo-afirmações, i.e. afirmações que não
podem ser avaliadas por procedimentos empíricos ou a priori. P.e. não se pode investigar empiricamente
a questão de uma realidade externa por procedimentos empíricos, e ao mesmo tempo, também não se
pode deduzir uma resposta afirmativa negativa de um axioma qualquer. Sendo assim, em vez de
entendermos estas questões como teóricas, i.e. sujeitas a um valor de verdade, probabilidade ou
plausibilidade, devíamos antes avaliá-las pela sua utilidade como enquadramentos constituintes de uma
metodologia, p.e. positivismo vs. construtivismo social, ou o enquadramento de que há uma realidade
além dos sentidos para ser investigada vs. o enquadramento de que a realidade é socialmente construída
e não mais nada além disso.
27
Voltar atrás para relembrar (se necessário).
Evola é mais preciso nas consequências para o conceito de herói. Além de introduzir
uma nova entidade, viz. o «princípio guerreiro» (p. 15) – que mais adiante Evola
parece substituir por «espírito guerreiro» (p. 67)28 –, este espírito manifesta-se de
formas diferentes, consoante as reordenações hierárquicas da sociedade e
sentimentos e compreensões perante a guerra. É este espírito guerreiro que é
determinante nas conceções de herói, e são três as condições gerais de expressão:
28
Algo que me leva a pensar que as duas construções nominais denotam a mesma entidade, e que até
está de acordo com o enquadramento filosófico de Evola (enumerado na secção “Julius Evola”).
29
Numeração atinente aos estágios de organização social já expostos.
De traços conceituais muito abstratos, Evola passa para apreciações mais
substanciais, nomeadamente, uma exposição sobre as mitologias das tradições
arianas que enquadram o conceito de herói; conceito esse uma construção motivada
e influenciada pela correta manifestação do espírito guerreiro. As tradições são: a
Romana, a Nórdica (escandinava), a Cristã medieval, a Islâmica medieval, e a Védica.
Na mesma ordem, os elementos metafísicos e religiosos essenciais são:
Evola prossegue afirmando que o que é importante na raça ariana é este património
espiritual e religioso, e não necessariamente traços morfológicos visíveis como
pigmentação da pele e cabelo, ou até mesmo ancestralidade indoeuropeia. Ainda
assim, esses traços não deixam de ser uma expressão particular do espírito ariano
num certo contexto ambiental (i.e. geografia, clima e biota). Sendo assim,
miscenação racial pode ter graves consequências para a degradação do espírito
ariano, uma vez que nesse processo haverá contaminação de espíritos exógenos.
Esses provocarão distúrbios à harmonia do espírito ariano. Face a este risco, há duas
posições que os arianos podem tomar: uma passiva e uma agressiva. Face à
construção metafísica de Evola é fácil deduzir qual das duas o ariano deve escolher.
Sendo o modo guerreiro um elemento inextricável do espírito ariano, o redespertar
da raça ariana necessita um empurrão sobre os seus membros para o perigo e o
conflito letal, e nada melhor que a guerra (a guerra Exterior e Menor) para esse
efeito.
O autor continua a sua especulação descrevendo algo semelhante a mecanismos de
seleção da Teoria Evolutiva. Na competição pela supremacia material, tanto
perecem raças como emergem subgrupos raciais, i.e. estirpes especiais dentro de
uma mesma raça. Estes sub-grupos, diz Evola, são como que «super-raças» -- os
melhores exemplares de um certo stock que foi especialmente bem-sucedido na
superação das suas tribulações. É nas aristocracias guerreiras que podemos
encontrar estas super-raças e, como tal, foi a partir destas que se desenvolveram os
conceitos de herói mais elevados. Evola acrescenta uma distinção neste domínio da
raça, as «raças da natureza» e as «raças superiores» (ou divinas, celestiais, do
espírito). As primeiras são raças que nunca passam da sua fase coletivista, tribal,
instintiva; quanto às segundas o suficiente já foi dito sobre elas, viz. são aquelas mais
próximas do estágio i) de organização social. A involução da raça ariana passa
precisamente pelos estágios já mencionados acima, i.e. na perda da sua sacralidade
e nos ganhos de materialismo e coletivismo tribal. Repetindo, quebrar este processo
involucionário exigiria submeter os membros da raça a grandes tribulações, a fim
de que o espírito guerreiro acordasse da sua dormência, e por consequência puxa-
se de atrelado consigo todo o espírito ariano de que faz parte. Guerra é o meio
material pelo qual se desperta o espírito ariano para a sua grandeza tradicional (pp.
18, 36-37, 39, 41).
Conceitos
• Dualismo (material-espiritual)
• Realismo Valorativo (factos normativos/valorativos)
• Hierarquia Tetrapartida (clero, nobreza guerreira, burguesia, serviçais)
• Supremacia Cosmoviosionária (capacidade de uma casta determinar por
completo a cosmovisão de uma sociedade).
• Espírito Ariano (a contraparte espiritual da raça biológica ariana)
• Espírito Guerreiro (o elemento do espírito ariano mais causalmente
relevante para a expressão da (chamemos) arianidade).
Dualismo – Realidade (R) é um composto de matéria (M) e espírito (E), no qual nem
sempre os dois coincidem, i.e. não há uma envolvência entre os dois. Há elementos
de M que nada têm de E, há elementos de E que nada têm de M, mas também há
elementos que são ambos de M e E.
Separação de
M E Realidade M E substâncias
R=M∪E M⌐E ∪ E⌐M
M E Simbiose de
substâncias
M∩E
M
- valor
c HT = {c, s, ag, b}
HT ⊆ M
ag s c∈[M∩E]
{s, ag, b} ⊆ [ M ∩ E ]
b
M
M∩E
+ valor • Por necessidade, a casta do clero
c terá de estar na interceção entre o
material e o espiritual, caso
ag contrário não seria clero. As outras
três classes encontrar-se-ão na
b interseção dependendo de quem
M tem a supremacia cosmovisionária.
s - valor
ag c
b ag
s b
M
M s
E M∩E
M∩E E
HT HT
RA RA
M M
Creio que o suficiente foi dito para compreensão da tese de Evola. Passemos agora
às suas previsões empíricas.
Testando a Tese
Uma das formas disponíveis para testar uma tese é avaliar as previsões que se
podem deduzir dela contra a realidade. Uma previsão, por sua vez, não precisa de
ser sobre o futuro. Pode-se fazer previsões sobre eventos ou mecanismos causais
em ocorrência ou que já decorreram. P.e. suponhamos que o arqueólogo marinho
deduz da sua tese (hipótese) histórica que um certo galeão espanhol foi afundado
dentro de uma certa triangulação de coordenadas XYZ. Uma equipa de
mergulhadores profissionais sonda a área e de facto o galeão estava situado dentro
da triangulação. Neste exemplo a previsão foi sobre um evento passado. E neste
trabalho iremos fazer o mesmo.
Italianos
Evola cria de que o ▫fascismo estava a induzir a população da Itália unificada num
retorno à tradição (como já vimos), e que, ▫sendo os italianos «ario-romanos» e os
alemães «nórdico-arianos» (Metaphysics of War, p. 39), a irmandade ariana se ia
instalar entre estes dois povos. Quanto ao primeiro ponto, podemos encontrar
alguns dados históricos que podem explicar o que motivou Evola a pensar desta
forma, no entanto, o segundo ponto, foi puro otimismo ideológico, ou dito com
outras palavras, fé nas suas especulações filosóficas. Agora, antes de procedermos
ao desenvolvimento destes dois pontos, recordemos primeiro as previsões da sua
tese:
30
Frank Joseph, Mussolini's War
O primeiro ponto acima pode ser tratado por intermédio destas duas previsões.
Comecemos com a primeira.
De facto, imediatamente antes da IIGM a Itália tinha travado uma luta explosiva
contra a Etiópia, a II Guerra Ítalo-Etíope (1935-36), conhecida por eles como “la
guerra dei sette mesi” (a guerra dos setes meses). Nessa guerra o país parecia que
se tinha unido para garantir o sucesso no esforço de guerra. Na verdade foi uma
guerra travada em condições duríssimas, quer a nível climatérico – pois o teatro de
guerra situava-se em território abrasador africano – quer a nível logístico – porque
suprir as necessidades de guerra dadas as condições geográficas entre os dois
territórios (italiano e etíope) era um trabalho quase inconcretizável –, e mesmo
assim os italianos saíram vitoriosos, em tempo recorde, contra um inimigo belicoso
e em superioridade numérica.31 Do ponto de vista de Evola – alguém que esteve
presente e participou nestes eventos – tudo parecia corroborar fortemente as suas
especulações. De facto, a sociedade italiana se unificou sob a bandeira da guerra, e
isto aconteceu por influência maioritária do Partido Fascista de Mussolini. Este tipo
de experiências parecem explicar o otimismo ideológico de Evola, no que concerne
as suas previsões para o desfecho da IIGM. Temos assim a primeira previsão
concretizada.
31
Aristotle Kallis, Fascist Ideology, pp. 73-75
• A raça ariana é mais eficaz na guerra quando sob a supremacia
cosmovisionária do clero.
• A raça ariana é menos eficaz na guerra quando sob a supremacia
cosmovisionária das castas seculares.
Esta versão acomoda melhor os factos. A IGM não teve o apoio da Igreja de Roma, a
Guerra Ítalo-Etíope teve, e a IIGM voltou a não ter. Por sua vez mais nenhuma classe
parece contrariar o poder de influência da Igreja. A IGM foi apoiada tanto pelo Rei
Emanuel como pelo povo italiano, e mesmo assim foi um desastre, as perdas
humanas das tropas italianas foram traumáticas, as dívidas e dispêndios de guerra
levaram o país a entrar em recessão, e as promessas de concessão de territórios aos
negociadores italianos, por troca de participação militar, não foram concretizadas
no pós-guerra. Parece que nos três casos (IGM, Guerra Ítalo-Etíope, IIGM) sempre
que a Igreja favorece uma guerra o resto da sociedade vai atrás e obtém-se uma
vitória, caso contrário, mesmo que haja suporte de castas seculares, na ausência da
bênção da Igreja o insucesso será o desfecho a esperar.
Alemães
As tropas alemãs desde o final da IIGM têm sido caricaturadas pelos meios de
comunicação dominantes, seja na televisão, cinema ou literatura, como um grupo de
autómatos pouco inteligentes e que seguem ordens sem qualquer tipo de sentido
crítico ou aplicação criativa das mesmas em campo de batalha. São ilustradas com
atiradores que falham recorrentemente os seus alvos, incapazes de planear uma
sequencia de movimentos táticos capazes de produzir uma vitória e estéreis de
quaisquer sentimentos e coragem. Isto não podia estar mais longe da verdade.
Porém, a realidade da eficácia e bravura das tropas alemãs nunca pode ser recontada
em mais lugar algum que não seja em círculos académicos ou de entusiastas da
história da guerra. Aqui é pertinente introduzir o trabalho quantitativo de Dupuy via
uma citação sua, diretamente extraída do trabalho acima indicado:
32
Ben H. Shepperd, Hitler’s Soldiers
[…]
Como se pode explicar esta diferença entre as duas nações arianas do Eixo, por meio
de um enquadramento evoliano? Pela versão genuína de Evola não se consegue
perceber.35 Ambas as nações lançaram os seus soldados arianos para a guerra, e
ambas as nações promoviam a guerra como uma forma elevada de expressão de
virilidade. Seria de esperar que o espírito guerreiro despertasse com a mesma
intensidade em ambos os casos; coisa que não aconteceu. Porém, se nos servirmos
da versão atualizada, com esta já é detetável uma diferença relevante. Enquanto que
os fascistas não davam grande importância ao plano do divino ou do transcendente,
os nacional-socialistas alemães levavam isso em conta desde o início.
Já vimos que na IIGM os italianos não contaram com o apoio da Igreja de Roma, e
mesmo vasculhando os escritos de Giovanni Gentile (já mencionado na secção
“Metafísica da Guerra”) como p.e. A Base Filosófica do Fascismo, parece não haver
um papel especial para o transcendente. Gentile (numa tradução para o inglês)
chega a dizer coisas como: «this State of the Fascists which is created by the
consciousness and the will of the citizen, […] is not a force descending on the citizen
from above or from without», ou «The nationalistic State was, therefore, an
33
Chris McNab, Stalingrad 1942-43, pp.76-77
34
David Campbell, Tunisia 1943, p. 5
35
Voltar atrás no texto se for necessário para recordar as diferentes previsões entre a versão de Evola e
a minha versão atualizada.
aristocratic State, enforcing itself upon the masses through the power conferred
upon it by its origins. The Fascist State, on the contrary, is a people's state, and, as
such, the democratic State par excellence. The relationship between State and
citizen (not this or that citizen, but all citizens) is accordingly so intimate that the
State exists only as, and in so far as, the citizen causes it to exist.»36
36
Ensaio compilado na antologia Readings on Fascism and National Socialism.
37
Nicholas G. Clarke, The Occult Roots of Nazism, p. 177.
38
Uma reinterpretação da religião cristã que nega as suas origens judaicas e substitui-as por arianos.
Como se a religião cristã tivesse sido roubada aos arianos por judeus maquiavélicos.
falar ainda da Ariosofia, a ciência que procurava reconstruir e recuperar a sabedoria,
religião, propósito e história da raça ariana. Neste corpo de estudos, o
weltanschauung nacional-socialista reunia todos os elementos necessários,
nomeadamente uma história das origens e progresso da raça ariana ao longo do
tempo – os herdeiros dos hiperbóreos; uma raça de seres humanos magníficos que
viviam na região do Polo Norte.39 A versão atualizada da tese de Evola e suas
previsões, desta forma, acomodam melhor os dados históricos. Ao conceder
exclusividade de capacidade de desperto espiritual à casta clerical, e tirar qualquer
autonomia ao aspeto guerreiro do espírito ariano, a tese atualizada tanto dá conta
do sucesso italiano na Guerra Ítalo-Etíope e seus insucessos na I e IIGM, como do
sucesso alemão na IIGM – aqui claro, estou a usar “sucesso” como obtenção de
eficácia e excelência militar e não vitória decisiva sobre os adversários.
39
Nicholas G. Clarke, The Occult Roots of Nazism, p. 20-21.
(maioritariamente homens), ii) disponibilidade para sacrifício individual em nome
do grupo, iii) uma divisão de trabalhos que permita certos membros se dedicarem a
funções especializadas (como desenvolvimento de novos engenhos, neste caso,
instrumentos de guerra, ou coisas mais básicas como engenhos agrícolas, coisa que
influencia o grau de robustez física do grupo e desenvolvimento intelectual) e iv)
uma estratégia sexual que permita reposição e ampliação demográfica do grupo
(que permita exercer superioridade numérica sobre grupos adversários).
Estes são apenas alguns dos requisitos que, se realizados num grau superior ao
adversário, aumentariam as probabilidades de superação. Ao mesmo tempo, os
sistemas de crenças, rituais e costumes dos grupos vencedores foram sendo
preservados com eles. O que se tem vindo a constatar em antropologia evolutiva é
que estes sistemas não são meros resíduos culturais que sobreviveram à competição
intergrupo, mas sim os próprios fenómenos de grupo que explicam o grau de coesão
necessário para um grupo superar outro. E agora sim passemos aos mecanismos, i.e.
a resposta ao como é que a religião favorece um grupo social na competição
intergrupo.
Terceiro, estes rituais não servem para coalizar os membros de um grupo via
sentimentos e crenças mundanos, mas antes conectam os membros via uma
ontologia sobrenatural, e é sobre esta que os sentimentos são despertados e
expressados em ação no mundo. Deuses sempre vigilantes, de poder
incomensurável, criadores do universo e assim por diante são autoridades mais
eficazes ao policiamento moral que autoridades humanas. Por sua vez, a crença
numa outra vida após morte terrena ou a crença de que antepassados contribuíram
com as suas forças em momentos de apuros, são uma mais valia motivacional na
superação de tribulações muito árduas. Por fim, quarto, a religião providência um
sentido de corretude ao grupo, i.e. a sensação de que o grupo é o que está certo,
aquele que colhe para si autoridade normativa. Nesta base, os grupos que se
assemelham também estão “corretos” e são bem-vindos a conviver ou a estabelecer
relações económicas; os grupos que divergem estão “errados” e a sua mera presença
é repugnante, especialmente aos deuses. Este tipo de certeza normativa evita
pensamentos nos membros que podem levar à quebra da coesão, em concreto,
dúvidas sobre a legitimidade dos seus atos ou a credibilidade cognitiva das suas
crenças.40
Considerações Conclusivas
• Dualismo (material-espiritual)
-- Não é preciso postular um domínio espiritual. O fenómeno em causa pode
ser acomodado num enquadramento meramente sensorial (coisas que se
tocam, veem, medem, manipulam, etc).
• Realismo Valorativo (factos normativos/valorativos)
-- Não é preciso postular factos valorativos. Não se percebe como o valor
objetivo das coisas poderá afetar causalmente essas mesmas coisas. Nunca
nenhum filósofo descreveu um mecanismo pelo qual isto acontece, sendo
assim parece que o valor das coisas é mais uma disposição individual do
organismo sobre os diversos objetos ou relações entre objetos em
apreciação.
• Hierarquia Tetrapartida (clero, nobreza guerreira, burguesia, serviçais)
-- Já vimos que a hierarquia tetrapartida é uma adaptação de grupos
humanos sujeita à combinação de vários fatores. Não é, sendo assim, algo
essencial ou uma parte inescapável da natureza humana.
• Supremacia Cosmoviosionária (capacidade de uma casta determinar por
completo a cosmovisão de uma sociedade).
-- Este é um conceito muito difícil de operacionalizar, i.e. passar de um
entendimento opaco em papel para uma checklist de condições empíricas a
confirmar por coleta de dados no mundo. Em concreto é muito difícil
determinar a extensão da influência de uma certa casta sobre as outras no
que concerne a formação de crenças sobre o mundo. Por outro lado, dado as
limitações históricas e geográficas do conceito anterior, a Supremacia
Cosmovisionária acaba por ser irrelevante para fenómenos modernos, em
especial os da IIGM. Sendo assim, é dispensado com os outros.
• Espírito Ariano (a contraparte espiritual da raça biológica ariana)
-- Não há qualquer tipo de evidência que sugira a existência de tal coisa, ainda
para mais sendo uma contraparte espiritual de um grupo biológico de
espécimes humanos chamado de arianos. Mesmo que mudemos a
40
Para uma exposição mais desenvolvida destes mecanismos consultar “The Evolution of Religion: How
Cognitive By-Products, Adaptive Learning Heuristics, Ritual Displays, and Group Competition Generate
Deep Commitments to Prosocial Religions” de Scott Atran e Joe Henrich.
nomenclatura para caucasianos, existem imensas subclasses chamadas de
haplogrupos que diferenciam diversos grupos caucasianos entre si. Sendo
assim este conceito não é mais que uma reificação precipitada.
• Espírito Guerreiro (o elemento do espírito ariano mais causalmente
relevante para a expressão da (chamemos) arianidade).
-- Ipsis verbis do conceito anterior.
41
P.e. o conceito de Gambuzino. Este conceito ainda que seja usado em contextos nos quais pode ser
preenchido com algum tipo de animal a ser caçado (“vamos apanhar gambuzinos”), este conceito nunca
satisfaz nenhuma condição existencial. O mesmo pode ser dito p.e. do conceito de Patriarcado usado
tantas vezes pelas feministas. Pelo contexto de enunciação, muitas vezes o conceito parece ser usado
para agrupar um conjunto de características sobre um grupo social constituído exclusivamente por
homens (depois há variantes que acrescentam que esses homens têm de ser caucasianos) capaz de
exercer poder e, usando um conceito de Evola, supremacia cosmovisionária sobre aqueles que são
oprimidos. Porém este conceito nunca foi operacionalizado a fim de se poder identificar tal coisa no
mundo, logo é um conceito vazio.
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doi: https://doi.org/10.1162/BIOT_a_00018
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doi: https://doi.org/10.1016/j.jebo.2018.01.020
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