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Marcos carvalho Ciência política ll

Professora: Marcela Pessoa

Fichamento Geovani Sartori – A teoria da democracia revisitada:

Capítulo 7: O que a democracia não é:

Contrários, contradições e graus.

[...] a forma padrão de de delimitar um conceito é definir o contrário, por contraste, isto é, estabelecendo
seu oposto, seu contrário, sua contradição. Desse modo, para definir o que a democracia é, precisamos
também definir o que a democracia não é, ou seja, o que oposto da democracia. (247)

Quando afirmamos que um sistema político é democrático, numa certa medida ou grau, a questão
preliminar é: democrático com respeito a que característica (s)? Douglas Era por exemplo, seleciona a
propriedade “princípio da maioria”, mas a democracia não é o princípio da maioria com direitos da
minoria – algo bem diferente. Felix Openheim escolhe a característica “participação”; mas, hoje em dia,
este conceito está tão mau definido que poderia levar até a constatação de que (medindo-se pela
participação) a democracia mais plena que já existiu foi na China, na época da chamada revolução
cultural. Nesse sentido as dificuldades são 3 no mínimo. A primeira é que há miríades de características e
propriedades aceitáveis para a seleção; não apenas princípio da maioria e participação, mas também,
igualdade, liberdade, consenso, coerção, competição, pluralismo, princípio constitucional, e outras. A
segunda dificuldade é que essas características são tão inter-relacionadas que provavelmente qualquer
avaliação isolada de qualquer categoria selecionada produza ordenamentos hierárquicos extremamente
erráticos. A terceira e, ao meu ver, mais importante, se partimos, como o de fato fazemos, de um atoleiro
conceitual, é que as operacionalizações (lembremo-nos de que se presume estarmos em busca de
medições) só podem aumentar as confusões com extravagâncias. Mas vamos supor, em função do
argumento, que todas essas dificuldades foram superadas ainda temos de enfrentar a questão do valor
heurístico dessa abordagem. (249)

Portanto, a questão que aflige nossas discussões refere-se ao abuso propagandístico da frase: todas as
diferenças são diferenças de grau. Quando se afirma hoje em dia, que todas as diferenças são de tipo, a
maior parte das pessoas considera tal afirmação uma estupidez lógica. No entanto a primeira máxima é
tão estúpida quanto a segunda. Não há nada na natureza intrínseca das coisas que estabeleça que,
exatamente como não há nada na natureza intrínseca da coisas que estabeleça que são de tipo. As
diferenças são de grau quando são assim tratadas (logicamente). Da mesma maneira, as diferenças são de
tipo, de acordo com o tratamento classificatório (per genus et defferentian). O fato das diferenças serem
qualitativas ou quantitativas, de tipo ou de grau, descontínuas ou contínuas, depende do tratamento lógico
e, portanto, da questão de decidir, que tratamento lógico é apropriado para que propósito. (250)

Ao meu ver, “o que é democracia”? e “quanta democracia”? São ambas questões corretas e
complementares, não questões mutualmente exclusivas. Penso também que essas perguntas devem ser
feitas nessa ordem, pois, sem dizer primeiro o que uma coisa é, (e não é), não podemos estabelecer em
que grau ela é o que se declara ser. Assim, minha posição é que as variações no interior da democracia, ou
de democracia (em relação a mais ou menos democracia) requerem que estabeleçamos primeiro a que se
aplicam, isto é, que decidamos primeiro o que é e o que não é democracia. Só uma lógica muito
descuidada pode resolver todos os problemas declarando que tudo é uma questão de mais ou menos. Essa
lógica descuidada levou, por sua vez, a negligência das definições a contrário - uma negligência que
precisa ser corrigida. Povos reais vivem de fato sob regimes e formas políticas dos quais gostariam de
fugir ou nos quais anseiam entrar. Na verdade, nos últimos tempos, milhões de pessoas fugiram de sua
terra natal com risco de vida. Não fizeram isso por uma simples melhoria, por um grau maior ou menor
do que já tinham – buscavam o que não tinham. (250)

Autoritarismo, Autoridade e poder

Gostaria de voltar aquilo que é bem oposto de democracia. A possibilidade de escolha é grande: tirania,
despotismo, autocracia, absolutismo, ditadura, autoritarismo e totalitarismo.
Portanto, é apropriado começar com as entradas mais recentes na série e, primeiro, com autoritarismo.
Autoritarismo deriva de “autoridade” e apena sum sufixo, apenas um “ismo” separa significados que
estão, ou podem estar, a distâncias astronômicas. Autoridade é um termo latino muito antigo, e nunca foi
(ao menos até algumas décadas atrás) um termo pejorativo. Ao longo dos séculos, autoridade foi
invariavelmente uma palavra boa, de apreço. Hoje em dia, porém, autoritarismo é uma palavra
depreciativa, indica um excesso e um abuso de autoridade, na verdade, uma autoridade opressiva que
esmaga a liberdade. Não discordo dessa mudança. Desde que não deixemos “autoridade” ser contaminada
(quando não completamente engolida) pelo “autoritarismo”. Isso significa que é importante manter
autoridade como um conceito distinto que não podemos nos dar ao luxo de deixar deteriorar-se. (251)

Desenvolvendo o argumento, gostaria de falar primeiro da questão que interessa, que é como a autoridade
gera o autoritarismo e como o novo termo se relaciona com o antigo. A gênese foi simples e teve lógica.
Autoritarismo enquanto termo que indica um sistema político, foi cunhado pelo fascismo e pretendia ser
um termo elogioso; pretendia de fato passar para um estado ditatorial os atributos ou associações
favoráveis de autoridade. Quando o termo chegou ao campo democrático, a conotação valorativa
inverteu-se e o significado foi reajustado de acordo. Para seus formuladores, o autoritarismo era um
regime onde a “verdadeira autoridade” havia sido restaurada – em contraposição à putrefação das
plutocracias decadentes e sem autoridade. Para os democratas, o autoritarismo era, ao invés, um regime
que falsifica autoridade e abusa dela. Como todos podem ver, a fronteira conceitual é tênue. A questão
está em definir o que é “verdadeira” autoridade e/ou em saber qual é a “boa” autoridade e, eventualmente,
em saber em que medida a autoridade não é excessiva. É claro que uma linha divisória pode ser tênue e
existir mesmo assim. Mas não quando autoridade é definida como poder formal ou poder
institucionalizado. Segundo essa definição (e outras semelhantes) segue-se por definição que, como todos
os regimes têm uma estrutura formalizada de poder, todos têm uma estrutura de autoridade. Nesse caso,
ficamos impossibilitados de separar a chamada autoridade do autoritarismo da autoridade que sustenta a
democracia. (256)

Parece que “autoritarismo” não pode ser um bom oposto de democracia a não ser que saibamos melhor o
que é autoridade. Um conceito excessivamente amplificado e diluído de autoridade apaga a linha divisória
entre democracia e autoritarismo. Se “autoridade estatal” aplica-se a todo e qualquer Estado, e se toda
política, em todos os lugares, consiste de formas de autoridade e “alocações que têm autoridade” – como
diria Easton – a sugestão de não existir diferenças está presente e faz os autoritarismos parecerem mais
bonitos do que são ou, inversamente, faz as democracias parecerem mais feias do que merecem. O fato de
o adjetivo de Easton ser “autoritativo” não muda o problema, pois seu argumento aplica-se a política em
sí e inclui, portanto, tanto autoridade quanto coerção. [...] (256)

Até agora minha análise confinou-se à relação conceitual (e corrupção recíproca) entre autoridade e
autoritarismo. Mas autoridade pode ser concebida numa associação bem diferente, qual seja, em sua
relação com a liberdade. Até a década de 20, autoridade era vista e compreendida, quase
invariavelmente, como um contraponto ou correlativo de liberdade. Segundo essa perspectiva antiga, o
argumento é que a verdadeira autoridade reconhece a liberdade. A liberdade que não admite autoridade é
uma liberdade arbitrária, licentia não libertas. Inversamente, a autoridade que não conhece a liberdade é
autoritarismo. Quando consideramos o autoritarismo do ângulo da liberdade, segue-se claramente que o
autoritarismo nega a autoridade (uma vez que autoridade passa a definir liberdade). Como afirma
Friederich com perspicácia, “numa sociedade totalitária, a verdadeira autoridade é totalmente destruída”.
Por isso mesmo se pode dizer que, quanto mais um regime é autoritário, tanto menos se baseia na
autoridade.

Para concluir, a afirmação de que o autoritarismo é um sistema políptico que deixa pouco espaço, se é que
deixa algum, para a liberdade, é a melhor que sustenta a noção. Isto também significa que é através da
digressão autoridade-liberdade que “autoritarismo” melhor se define como oposto de democracia. Á
medida que o argumento for avançando, sugiro contrários que são, creio eu, mais preciosos. No momento,
observo apenas que, embora o autoritarismo possa com certeza possa definir democracia a contrário,
devemos ter cuidado para não formular a noção contraditória de democracia. (257)

Estado Total, democracia e absolutismo


Num primeiro sentido um poder que não sofre uma oposição de fato da parte de poderes compensadores
adequados é um poder absoluto. Nesse sentido o absolutismo está relacionado com a concentração de
poder. Quanto mais uma sociedade perde sua estrutura pluralista e quanto mais suas forças intermediárias
são debilitadas, tanto mais fácil é criar as condições que possibilitam o absolutismo. Assim, todo Estado
que concentra todo poder em si é, potencialmente, um Estado que pode exercer um poder absoluto. Isso
implica também que uma democracia excessivamente centralizada – aquela que substitui a interação
espontânea de uma sociedade multigrupal por sua própria vontade unicêntrica – está em condições de
exercer um tipo de poder absolutista.

Num segundo sentido, temos um poder absoluto quando este não é disciplinado e limitado pela lei. Nesse
sentido, o Estado absoluto é o Estado-não-constitucional, isto é, um estado legibus solutus, que não se
submete à lei, onde os detentores do poder não são restringidos ou foram liberados dos impedimentos e
limites. Nesse caso a pergunta é: o Estado democrático é necessariamente um Estado liberal-
constitucional e, mais precisamente, um rachtstaat do tipo garantiste onde o demos soberano (não menos
que o príncipe de antigamente) é legibus obrigtus, obrigado por leis superiores e submetido a elas? Nos
últimos dois séculos, tem sido realmente assim. Mas quando dizemos “necessariamente”, então a resposta
é que democracia e constitucionalismo não são partes inseparáveis. A democracia ateniense soçobrou,
entre outras razões, nos recifes de um demos que afirmava está acima das leis. E a maximização da
democracia procura, ou implica de alguma forma, uma minimização do aspecto garantiste do
constitucionalismo liberal. Portanto, uma democracia pode tornar-se absoluta no sentido constitucional da
expressão.

Tudo somado, absolutismo é, portanto, um mau oposto de democracia. É óbvio que uma democracia não
pode ser absoluta no sentido em que as monarquias absolutas o eram; mas um absolutismo democrático
cabe perfeitamente no leque das possibilidades. A legitimidade democrática em si não garante a limitação
de poder. Um poder limitado enquanto luta com outro poder ou resiste a ele, a soberania popular
transforma-se, com a vitória (na ausência de contra poderes), em frente de uma fonte de poder ilimitado.
Mais especificamente, se afirmamos que a democracia é alcançada quando tiramos todo o poder do
déspota para dar ao povo, tudo quanto essa operação faz é nos apresentar um absolutismo invertido. E,
nesse caso, é inteiramente justificado dizer que é precisamente a legitimidade democrática que dá sanção
absoluta ao poder. Pois não há para quem apelar quando a soberania é exercida em nome do povo; já
estamos no último tribunal de apelação.

Com respeito a questão de saber se o absolutismo ajuda a determinar o significado de totalitarismo, é


claro que todo sistema totalitário é também absoluto. Mas a recíproca não é verdadeira: O absolutismo
não precisa ser totalitário. O absolutismo implica apenas que o poder é exercido arbitrariamente. Portanto,
o conceito de totalitarismo deve ser enfrentado em seus próprios termos, sem apoiar-se, para a sua
explanação, na nomenclatura preexistentes de formas políticas. (259-260)

Totalitarismo

A razão válida para desprezar a distinção entre totalitarismo e autoritarismo é provar que essa é uma
distinção que não indica diferenças – e não se provou isso. Dizer que Mussolini e Stalin, Salazar e Hitler,
Franco e Pol Pot do Camboja, Nasser e Enver Hoxa da Albânia, todos eles encarnaram um mesmo tipo de
sistema político não é um ganho, mas uma perda de clareza analítica. Em particular, faz realmente
diferença se os regimes ditatoriais têm ou não têm um problema sucessário; embora as ditaduras simples e
autoritárias raramente ultrapassam o período de vida da pessoa do ditador, as ditaduras totalitárias têm de
fato sido mais duráveis e capazes de enfrentar crises sucessórias. Também faz muita diferença se, e em
que medida, a autonomia dos subsistemas e a independência dos subgrupos (em outras áreas que não a
política) são permitidas ou toleradas; embora as ditaduras não totalitárias procurem adotar políticas de
exclusão vis-a-vis grupos externos, as ditaduras totalitárias têm tanto a força quanto a motivação para
procurar a destruição completa de todos os subsistemas. Por fim, faz realmente uma diferença enorme se
os regimes ditatoriais têm, ou não, pretensão de legitimidade última. Neste último aspecto, a linha
divisória não se encontra na posse de uma ideologia “oficial” (até os ditadores africanos já aprenderam,
hoje em dia, a inventar uma)mas na natureza e alcance dessa ideologia. As ditaduras não-totalitárias o são
precisamente por não conseguirem criar uma ideologia oficial, apenas uma ideologia de bases limitadas
ou com pouca penetração enquanto crença. Inversamente, as ditaduras totalitárias, repousam, em termos
de sua justificativa, em uma filosofia de natureza humana relacionada a um plano de aperfeiçoamento do
mundo, de redenção dos pecados passados e presentes e, assim, de estar a serviço de um bem inteiramente
superior e realmente absoluto. Isso não requer, gostaria de sublinhar, intensidade de crença. A longo
prazo as religiões requerem apenas alguns seguidores de verdade e podem não precisar de nenhum
fanático. Assim, quando falo de ideologia de tipo religioso, estou me referido a rotinização do fervor
ideológico. O que persiste e pode durar muito tempo, é a “visão de mundo” resultante de uma vida inteira
de doutrinação e controle da mensagem por parte dos totalitarismos. (272)

Um sumário rápido: Quando o totalitarismo é concebido como um tipo polar (um tipo ideal da variedade
polar) contribui realmente, a meu ver, para o mapeamento dos sistemas políticos. Por outro lado, a teoria
do totalitarismo, é tanto mais convincente, quanto mais se mantém dentro da ordem semântica do termo
empregado. Nesse caso, a principal característica definidora da sociedade política totalitária é sua total
penetração e extensão. Desse ângulo, as caracterizações do tipo “economia centralmente dirigida” não
podem entrar no rol de características definidoras, mas como medida ou indicador da extensão alcançada
por um totalitarismo. Da mesma forma, de acordo com esse ponto de vista, o que importa não é a
imposição oficial de uma ideologia, nem a intensidade com que existe, mas sua natureza globalmente
reformadora, includente e milenarista. O ponto fraco do construto é não ser estrutural e não se prestar a
uma sustentação estrutural. Nesse sentido, minha impressão, ou reação, é transformar o totalitarismo
enquanto conceito de objeto (o designador de um sistema) em “totalitário” enquanto predicado, enquanto
conceito de propriedade. Neste caso, a estrutura é ditadura, e uma de suas variantes (sua variante mais
extrema, quando não a variante ideal típica) é a ditadura totalitária. Mas o fato de “totalitarismo” não ser
um bom tipo empírico-estrutural não implica de forma alguma que o conceito seja descartável. (273)

Ditadura e Autocracia

Não há termo algum, então, que se apresente como um bom oposto de democracia, um oposto
inquestionável e indiscutível? A meu ver, esse termo é “autocracia”. A vantagem do conceito de
autocracia sobre aqueles examinados até agora é que aponta diretamente para um princípio constitutivo
(no sentido de Montesquieu) o método de criação dos detentores do poder com respeito à base de
legitimidade do poder. Portanto, quanto a dicotomia, ou a alternativa, é “democracia ou autocracia”, a
simetria é muito grande e difícil de disfarçar. Isso acontece sobretudo porque agora temos um definiens
(autocracia) que é mais claro, mais simples e mais fácil de usar que o definiendun (democracia). Se a
condição que determina um bom definiens é que diminui a obscuridade ou complexidade do definiendun,
do termo que deve ser definido, autocracia realmente satisfaz muito bem essa condição.

Que a tese seja, então, que democracia é não-autocracia, o contrário exato, e na verdade, a exata
contradição de autocracia. Isso significa que democracia denota um sistema político caracterizado pela
recusa do poder personalizado, de um poder sobre os cidadãos que pertence a alguém. O poder não é
propriedade de ninguém. Mais especificamente, democracia representa um sistema vinculado ao princípio
de que ninguém pode assumir em seu próprio nome um poder irrevogável. Exatamente porque o princípio
autocrático é repudiado, o axioma democrático é que o poder do homem sobre o homem só pode ser
concedido por outros – e sempre e apenas numa base revogável (de outra forma, as pessoas que concedem
o poder renunciariam, ao mesmo tempo, ao seu poder). Portanto, os dirigentes devem resultar de uma
designação livre e irrestrita daqueles que devem ser dirigidos. É o mesmo que dizer que sempre que esses
outros que concedem o poder de designar você forem pervertidos ou falsificados – seja porque a
dissenção está sendo impedida, seja por não haver alternativas – a democracia morre no parto. Qualquer
outra coisa que democracia possa ser, ou deva ser, se não for isso – o exato inverso de autocracia – ela
não existe. (277)

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