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www.febrapsi.org.br
O centenário de “Introdução
do narcisismo” na óptica
da atualidade
com Luis Carlos Menezes
PÁGINA 6
Artigo
Narcisismo: corte e
abertura para uma
metapsicologia
das origens
de Inácio Paim
Foto: Zago
PÁGINA 7
“ESTRELA, ESTRELA”
Eleição
Conheça a nova
Diretoria da
FEBRAPSI
PÁGINA 3
arte e psicanálise
EVENTOS
NO TESTEMUNHO XXV Congresso
DA ARTISTA MARILIA FAYH Brasileiro de
Psicanálise
páginas 10 e 11
PÁGINA 5
Palavras do Presidente
Queridos Colegas!
Ao assumirmos a direção da FEBRAPSI, vejo que ini- EDITORIAL
ciamos num momento de maturidade de nossa insti-
tuição, alcançada pelo trabalho e dedicação das várias Este editorial marca o início do exercício das
gestões anteriores, trabalho que queremos dar conti- Aloysio Augusto D’Abreu funções de Diretor do Departamento de Pu-
nuidade e aprofundar. Buscamos novas iniciativas, para blicações e Divulgação e de Editor do jornal
PRESIDENTE
alcançarmos um pleno fortalecimento de nossa Fede- FEBRAPSI Notícias.
ração e revigorar o sentimento de pertencimento dos membros de nossas Federadas.
A consolidação de uma Federação cientificamente ativa vem sendo o caminho tri- E considerando-se toda a amplitude abar-
lhado pelas gestões anteriores, com uma presença nacional junto às filiadas, por meio cada pela Federação, esta tarefa torna-se um
da Revista Brasileira de Psicanálise, seu jornal informativo e seu site, além de outros desafio! O desafio da comunicação entre todas
empreendimentos. Todos estes projetos somente tornam-se viáveis através de uma as Sociedades, Grupos e Núcleos presentes em
sólida situação financeira, fruto do esforço contínuo das Diretorias. vários estados do Brasil; o desafio de manter o
Além de organizar os congressos, a FEBRAPSI possui várias outras atividades cien- alcance de nosso jornal como o veículo de in-
tíficas em conjunto com as filiadas, configurando uma importante função integradora tegração da FEBRAPSI com suas Federadas e
das Federadas brasileiras, procurando representá-las em diversos foros, mantendo com os membros que as integram.
nossa identidade e nossas diferenças. Para evitar o risco de uma homogeneização, E justamente pela consciência do papel que
com perda de identidades regionais, a FEBRAPSI mostra-se de fundamental impor- o FEBRAPSI Notícias ocupa dentro de nossa
Federação é que gostaria de manifestar minha
tância, constituindo-se numa entidade forte a defender os interesses das Sociedades,
satisfação pela confiança depositada em mim
Grupos de Estudos e Núcleos, representando a união de forças das filiadas, com um
pelo colega Aloysio D’Abreu, atual presidente
peso decisivo internacionalmente. Como exemplo da relevância desta corporação na
da FEBRAPSI, ao me convidar para exercer as
defesa de nossos interesses, temos a brilhante atuação da FEBRAPSI (na época ABP)
funções acima referidas.
junto à IPA para a aprovação da análise condensada, tão importante para a difusão
Cabe ressaltar que nossa meta é dar con-
da psicanálise no Brasil. Mais recentemente, temos a participação da FEBRAPSI no
tinuidade ao trabalho exercido pelos colegas
processo de filiação à FEPAL do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Campinas. que me antecederam nesta função, com obje-
Vemos como de grande importância uma maior integração com as Sociedades não tivo de compartilhar informações que nos per-
participantes da IPA, estimulando trocas de experiências, atividades científicas co- mitam manter o diálogo estabelecido entre os
muns e convites para participação em eventos com estas instituições. Será dada con- integrantes da FEBRAPSI.
tinuidade a nossa presença no movimento “Articulação”: um espaço político, onde Assim como a psicanálise é uma disciplina
são discutidas questões ligadas ao exercício da psicanálise. que se transforma, que se desenvolve, as enti-
Para este ano, temos programados vários eventos científicos em associação com dades psicanalíticas buscam acompanhar essas
Grupos de Estudos e Núcleos, instituições em desenvolvimento que, junto com seus transformações através de um exercício conti-
alunos em formação, mais necessitam, sem serem os únicos, de um apoio maior da nuado de interação mútua e de integração com
FEBRAPSI. Por ter uma Diretoria composta de membros de várias Sociedades e com a comunidade em geral. E para atingirmos os
diferentes vértices da psicanálise, a FEBRAPSI propicia que estes eventos sejam enri- objetivos de manutenção do diálogo dentro da
quecidos por pontos de vista diversos. FEBRAPSI, em nossa linha editorial será impor-
tante contar com a participação das Federadas
Em julho, teremos um encontro em Porto Alegre intitulado: “A Reponsabilidade
para que os membros que
Social das Instituições Psicanalíticas”, no qual estudaremos possiblidades de um tra-
fazem parte das entidades
balho conjunto, voltando nossos olhos para os problemas sociais que nos cercam.
componentes da Federa-
Várias Sociedades já têm promovido atividades em hospitais, colégios, creches, em
ção possam participar e
comunidades carentes, programas de rádio etc. e a FEBRAPSI busca fomentar este
ter conhecimento do que
espírito entre as Federadas.
acontece com o movimen-
Concluindo, adianto que nosso Congresso Brasileiro de Psicanálise, que se realiza- to psicanalítico nas diver-
rá em São Paulo, em outubro de 2015, está em fase de organização. Na perspectiva sas regiões do país. Zelig Libermann
de um proveitoso encontro para todos, precisamos que, ao serem consultadas, as Gostaria de destacar Editor
diversas Federadas manifestem seu interesse em termos de assuntos e mesas que ainda que as preocupações com essa respon-
poderão compor o Congresso. sabilidade certamente se atenuarão pela possi-
bilidade de contar com a colaboração dos co-
Depto de Publicações e Divulgação Expediente
Editor: Zelig Libermann Federação Brasileira de Psicanálise legas Katia Wagner Radke, Editora Associada,
Editora Associada: Katia Wagner Radke Av. Nossa Sra. de Copacabana, 540 / Sala 704 Carlos Augusto Ferrari Filho, Elisabeth Meyer
Comissão Editorial: Carlos Augusto Ferrari Filho, RJ - CEP 22020-001
Elisabeth Meyer Wolf e Sandra Regina Wolffenbüttel. Wolf e Sandra Regina Wolffenbüttel, membros
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Jornalistas Responsáveis: Ana Klein DRT/RS 8741
Vera Nunes DRT/RS 6198 email: febrapsi@febrapsi.org.br da Comissão Editorial.
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Projeto Gráfico e Diagramação:
Sugestões, dúvidas ou críticas podem ser
Desejo a todos uma boa leitura!
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Impressão: Gráfica Odisséia enviadas para jornal@febrapsi.org.br
No clima cordial que caracterizou a transmissão dos cargos à nova Diretoria, a pre-
sidente Gleda Brandão Araújo e a sua Diretoria despediram-se desejando sucesso
aos colegas na nova gestão. A Assembleia foi encerrada com a saudação do novo
presidente, Aloysio D’Abreu, que renovou o compromisso da Diretoria de seguir pro-
movendo o intercâmbio entre as Federadas e incentivando a difusão da psicanálise
no Brasil. Já no dia seguinte foi realizada a primeira reunião do Conselho, marcada por
uma extensa pauta proposta pelo Presidente.
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ACONTECEU
JULHO | 2014 5
ENTREVISTA
narcisismo:
corte e abertura para uma
metapsicologia das origens
E
m setembro de 1913, após o der- Freud faz um avanço através de uma regres-
radeiro congresso da IPA em Mu- são, ou seja, em Totem e Tabu (1913) tece
nique, marco da ruptura definitiva uma possível antropologia psicanalítica para
com Jung, Freud revisitara Roma. as origens do sujeito e da cultura, centrado
Ignácio A. Paim Filho1
Revitalizado por esse reencontro, e bus- no desejo parricida e incestuoso do filho em
cando elaborar os efeitos dessa cisão para relação aos pais, tomando por paradigma a
o movimento psicanalítico, vai começar a tragédia edípica, encenada em Édipo Rei de do à possibilidade da ruptura deste pacto
rascunhar um de seus trabalhos mais signifi- Sófocles. Por outro lado, no Narcisismo, nos narcísico com os pais, com sua promessa de
cativos: Para Introduzir o Narcisismo. Produ- propõe uma mudança de perspectiva – “[...] imortalidade. O romance familiar edipiano
to de divergências teórico/clínicas que tem dedução retroativa a partir de outro ponto torna-se mais complexo, sendo ressignifica-
como ponto de ebulição a necessidade de de observação.” (Freud, 1914) – com a postu- do, nesse a posteriori, diante dessa virada
repensar a teoria pulsional – a libido – ener- lação do narcisismo primário, traz para o pri- de quatorze.
gia da pulsão sexual e suas repercussões meiro plano a anterioridade do desejo das Já me encaminhando para o fechamen-
na psicose. O caso do presidente Schreber figuras parentais, com todo o seu implexo to dessas pontuais considerações sobre o
(1911) demanda novos aportes. Instalação para com seus rebentos – ser objeto de de- texto, que se mantém com uma vitalidade
de um novo modelo para especulações so- sejo – ápice da vivência incestuosa: ser três perene, que segue nos solicitando para no-
bre a constituição da psique: a relação neu- em um: “O ponto mais sensível do sistema vas/velhas interrogações, deixo registrado,
rose/psicose. Advento de uma nova dualida- narcísico, a imortalidade do Eu, tão dura- à guisa de introdução a interlocuções, a
de pulsional: libido do Eu versus libido do mente encurralada pela realidade, ganha, as- importância de tecermos releituras des-
objeto, com seu movimento de gangorra. As sim refúgio seguro abrigando-se na criança” se escrito à luz da pulsão de morte. Como
pulsões de autoconservação passam a ser li- (Freud, 1914). Com o esboçado nessa cena apontei anteriormente, o retorno do não
bidinizadas, o não sexual sai de cena, o que – refugiar-se, abrigar-se com segurança em... sexual da pulsão de morte – propicia des-
implicará nos desdobramentos da virada de – amparar o desamparo dos seus ascenden- dobramentos do narcisismo, da patologia
vinte – quando esse retorna com a pulsão tes: eis aí lançadas as bases para uma pos- à criatividade. Pelo viés psicopatológico te-
de morte. Nesse sentido, assinalo que esse sível neurose do destino (Freud, 1937), com mos, por exemplo, a destrutividade da força
texto sobre o narcisismo, poderia ter como seus mandatos endogâmicos. do desligado que impera na psicose, de um
codinome a virada de quatorze. Podemos explorar, para além desse texto narcisismo em que a libido é deficitária em
Nesse trabalho Freud se valerá da regres- centenário, que o tema do duplo abordado sua função de domesticar a pulsão de mor-
são psicótica como um estímulo para aden- por Freud em 1919, no Estranho, vem ao en- te; por outro lado, a sublimação, enquanto
trar ao universo arcaico e, com isso, coloca contro dessa ideia: o filho em suas origens criação, ganha novo status metapsicológico:
em movimento a criação de uma metapsi- como um duplo do investimento parental, implicando desconstrução e construção. A
cologia sobre a constituição do Eu. Utiliza protetor e necessário, porém mortal se per- pulsão de morte produz rupturas, que pro-
como referência o acontecer do narcisismo. petuado. Portanto, em Totem e Tabu, temos
piciam liberação da libido, que por sua vez
Seguindo por essa trilha propõe como se dá uma narrativa estruturada nos destinos de
pode fazer novas ligações.
esse desenvolvimento do autoerotismo ao Édipo, enquanto nesse texto de 1914, temos
Com a introdução da pulsão de morte,
amor objetal. Para atingir tal meta, enuncia uma introdução que permite especular so-
no seio do narcisismo, se produz um avanço
a necessidade de uma nova ação psíquica2 bre as origens de Édipo. Retorno da velha
metapsicológico, com repercussões teóri-
para viabilizar a saída do autoerotismo. Ação pergunta ao oráculo, feita pelo jovem Édipo,
cas e clínicas, que ressoa de forma consis-
integradora, porém não nomeada por Freud. suscitando outra resposta, talvez não exclu-
Sendo justamente o narcisismo primário que tente na dinâmica estrutural da psique, no
dente, mas sim complementar: qual a minha
surge dando uma estruturação, criando uma ascendência? Estranhamento. O oráculo interjogo da libido da pulsão sexual (ligar)
unidade, regida por um padrão organizador cala, como se dissesse nada saber sobre versus a destrutividade da pulsão de morte
– o princípio do prazer purificado. Diante suas origens. Entretanto, fala do seu destino. (desligar)3. Ressoar que nos convoca e pro-
desse cenário temos as bases para inferir sua Compreendo que ao olhar o destino de Édi- voca a adentrarmos no universo que jaz no
ligação e fundamentação para o Eu-Ideal. po (1913) e ao mesmo tempo calando sobre leito de rocha: sepultado sim, destruído não
Contudo, através de um processo de aqui- a sua origem especificamente (1914), Freud – a hegemonia da virilidade narcísica.
sição, gradual de uma diferenciação, vai se abre a possibilidade e convida para inter- A pretensão, com certa dose de ou-
fazendo acontecer o narcisismo secundário – virmos na problemática do narcisismo dos sadia, com essa narrativa é que possa
retorno ao Eu da libido que foi investida nos pais – o renascer da renúncia da castração – ser um incitamento para releituras desse
objetos. Esse retorno da libido traz as mar- e seu comprometimento na constituição da texto centenário. Escritura que tem uma
cas que revelam a não completude, fissuras psique dos seus descendentes, proporcio- potencialidade vibrante para dar funda-
que põem a trabalhar a construção de um nando os indícios para a sua postulação, em mentação para as ideias que estão por vir,
Eu comprometido com os ideais narcísicos, Análise Terminável e Interminável (1937), do bem como constituir-se no elo com o ante-
porém esse já submetido à logica do princí- leito de rocha, com seu repúdio ao feminino. riormente elaborado. Assim sendo, reen-
pio do prazer/desprazer: o Ideal-de-Eu. Ideal Seguindo por esse caminho, o lugar do contrá-lo e contextualizá-lo, de Freud ao
esse que estará subjacente aos destinos do objeto, a partir dessa abertura metapsicoló- nosso tempo, acompanhado de um espíri-
recalque e da sublimação. gica, amplia sua significação. Torna cada in- to investigativo, pode ser uma bela opor-
Uma das grandes questões, entre muitas, divíduo, num tempo inaugural, coadjuvante tunidade de experimentarmos reflexões a
que está posta nessa introdução do e no nar- do protagonismo dos objetos primordiais. respeito do ser contemporâneo: sobre a
cisismo é a vinculação do narcisismo primá- O processo de desenvolvimento da psique psicanálise, sobre nosso ofício e sobre as
rio com as figuras parentais. Parece-me que – o vir a ser protagonista – está subordina- interações com a ordem social.
1
Psicanalista, membro titular da SBP de PA.
2
Essa “ação” será palco de muitas discussões pelos pós-freudianos. Fico inclinado a referendar a ideia de que a identificação primária – o ser identificado – seja o elemento que
cumpra essa ação de ligação
3
Essa temática é desenvolvida por autores como: S. Leclaire, A. Green e N. Marucco.
JULHO | 2014 7
NOTÍCIAS
A infância como
potência criativa
G
iorgio Agamben é um filósofo Walter Benjamin, filósofo e historiador da
italiano que nos últimos anos primeira metade do século passado, ao fa-
tem se destacado por uma pro- lar da transformação histórica do brinquedo Roberto Calil Jabur
dução profícua e foi definido e do brincar, afirma que a brincadeira viva
pelos jornais Times e Le Monde como uma passa necessariamente por um processo de
Membro Efetivo
das dez mais importantes cabeças pensan- criação. Benjamin analisa a repetição intrín- da Sociedade de
tes do mundo. seca ao brincar e que nada torna mais feliz a Psicanálise de Brasília.
Como não poderia deixar de ser, sua obra criança do que o “mais uma vez”. Mas não o Analista Didata do Instituto de
influencia os mais variados campos científi- “mais uma vez” de uma compulsão à repe- Psicanálise Virginia Bicudo
cos. Nos últimos anos, temos percebido inú- tição, não o “fazer como se”, mas um “fazer
meros trabalhos psicanalíticos que direta ou sempre de novo”, para criar sempre o novo,
indiretamente citam o filósofo. em uma variação criativa e criadora. Um ção e o estado de infância são justamente a
Seu segundo livro publicado chama modo de experimentar o mundo criticamen- fonte primordial para a mediação da busca
atenção justamente pelo título: Infância e te, porque inclui no próprio brincar e na pró- do conhecimento, a desordem produtora.
História. Ensaio sobre a destruição da ex- pria infância, as dificuldades, os tropeços, as Na Antiguidade, a fantasia é vista positiva-
periência (1978). Durante toda a obra o au- liberdades de não-ser e de ser, de expansão mente como formadora de imagens de so-
tor tenta fazer uma relação entre infância, e retração, de movimento rumo ao desco- nhos nos quais se recolhiam adivinhações.
experiência e fantasia. nhecido, nele escavando brechas e fazendo Já Descartes, trata a fantasia como fato da
Para Agambem, a infância é um fato da vida das incertezas parte do próprio jogo. Um es- subjetividade, um fantasma, combinação de
humana que indica o não instituído, potências tado de infinitas bricolagens e citações emo- alucinação com alienação mental.
que resistem a determinações. Bastante con- cionais (bem ao estilo do filósofo alemão), A ciência moderna desvincula a imagina-
centrado em estudos linguísticos, Agamben onde um objeto que aparece pode conter ção do real, lega-a (pensando no sentido da
buscará neste “estado de infância” sua situa- referências e estados emocionais múltiplos, frase, não se poderia pensar no verbo “rele-
ção de passagem, de morada provisória, de como ele próprio descreve no ensaio Rua de gar” no lugar de legar?) para um plano de ir-
aprendizado e espanto da linguagem. Mão Única (1984, p.39): realidade (o que estaria aquém/além do real,
Esta infância vive, como em um jogo, ar- CRIANÇA DESORDEIRA. Cada pedra que a forma do impossível) e por isso impedida
ticulada e esquecida ao mesmo tempo. No ela encontra, cada flor colhida e cada borbo- de ser uma forma de conhecimento. É deste
limiar da presença/ausência, entre tradição e leta capturada já é para ela princípio de uma espaço abandonado que emerge o fantasma.
o gérmen. A primeira busca ser perpetuada coleção, e tudo que ela possui em geral, Neste sentido, Agamben demonstra
como forma de propriedade e de memória; constitui para ela uma coleção única. Nela como a noção moderna e científica da ima-
já o segundo é construído como agente de essa paixão mostra sua verdadeira face, o ginação ligada a um fantasma alucinatório
invenção e de recomeço. rigoroso olhar índio, que, nos antiquários, retira a capacidade inventiva da imaginação,
Por isso mesmo, a infância não é um es- pesquisadores, bibliômanos, só continua como estado de infância. Os fantasmas são
tado primeiro e cronológico de nossa traje- ainda a arder turvado e maníaco. Mal en- os índices para uma cultura que não “joga”,
tória biográfica, mas sim uma ontogênese, tra na vida, ela é caçador. Caça os espíritos não permite a aparição do residual e, por-
um processo de potencialidades narrativas cujo rastro fareja nas coisas; entre espíritos e tanto, da própria vida da história humana,
de experimentações. Ela é o estado onde coisas ela gasta anos, nos quais seu campo na qual a criança é entregue aos fantasmas.
se pode recuperar a vida como narrativa e de visão permanece livre de seres humanos. O impedimento faz da criança o movimento
como jogo. Como a própria experiência, Para ela tudo se passa como em sonhos: ela estacionário de um tempo que não devolve
constituída do não-saber, do silêncio, do não conhece nada de permanente; tudo lhe o passado e não comunica o futuro, mas, em
que não se diz. acontece, pensa ela, vai-lhe de encontro, sua própria imobilidade, será o espelho que
A figura da criança emerge como o outro atropela-a. Seus anos de nômade são horas ilude como preservação.
do sentido, a linguagem como o brinquedo: na floresta do sonho. De lá ela arrasta a presa O que Agamben pretende demonstrar é
jogo, renovação, nascimento. A criança des- para casa, para limpá-la, fixá-la, desenfeitiçá justamente como a infância é justamente a
monta os objetos da realidade para torná-los -la. Suas gavetas têm de tornar-se casa de potência da imaginação e da experiência.
reais, ou seja, mostra as variantes potenciais armas e zoológico, museu criminal e cripta. Para ele, leitor cuidadoso de outro filósofo,
de sua existência para não ocultá-los de seu “Arrumar” significaria aniquilar uma constru- Walter Benjamin, o brinquedo não preser-
lugar, que é o real. O jogo é a própria ma- ção cheia de castanhas espinhosas que são va o tempo como um antiquário ou como
neira de experimentar a liberdade, defende maças medievais, papéis de estanho que um monumento, mas como material icônico
Agamben, pois liberdade é acima de tudo são um tesouro de prata, cubos de madei- da temporalidade, desconstruindo e distor-
poder-não-ser. Não é apenas uma afirmação ra que são ataúdes, cactos que são tótens e cendo o passado ou miniaturizando o pre-
categórica, mas também uma renúncia: re- tostões de cobre que são escudos. No armá- sente – jogando.
nunciar ao que não somos e nos tornarmos, rio de roupas de casa da mãe, na biblioteca A miniatura, o brinquedo e a própria in-
potencialmente, algo que nem sequer nos do pai, ali a criança já ajuda há muito tempo, fância tornam presença o que é fragmento:
imagináramos capazes. O jogo da infância é quando no próprio distrito ainda é sempre o pedaços, passagens, intenções pertencen-
o jogo da própria liberdade. O brincar é o anfitrião inconstante, aguerrido. tes a outras estruturas que se reúnem para a
ato de desarmar o pensamento. Voltando a Agamben o uso da imagina- indistinção temporal que repercute no jogo.
JULHO | 2014 9
Arte e psicanálise
Esculpindo
a vida
O Museu do Louvre, em Paris, assim como Espanha,
Portugal, Grécia e EUA já foram palcos para as obras
da artista plástica Marilia Fayh que se dedica à
escultura, pintura e litografia e, mais recentemente
também demonstrou seu talento com as palavras, ao
lançar o livro “Diário de Alecrim”.
Na entrevista ao FEBRAPSI NOTÍCIAS, ela abre seu
coração, mergulha em suas memórias e compartilha
suas percepções sobre a arte, a vida e o mundo.
Numa autoanálise afirma: “Não sei se o que faço
“Heleno”
é obra de arte, isto só o tempo vai dizer. Prefiro Foto: Zago
chamar meu trabalho de obra de vida. A vida me faz
trabalhar. A vida me emociona, provoca, maltrata ou
me enche de prazer e eu transbordo trabalho”.
FEBRAPSI: Conte um pouco da sua história ganda, pela facilidade de desenhar e a ra- tórico e eu, via de regra, arrancava do pa-
como escultora.
pidez de criar soluções visuais. Casei, tive pel a figura. Me aconselhou a entrar para
Marilia: Sempre desenhei. Desde meni- três filhos bem cedo, com uma diferença a escultura. Eu fui e a escultura me pegou.
na. Era meu brinquedo predileto: lápis de de idade entre eles tão pequena, que me Acho que foram os anos anteriores dese-
cor, papel, tesoura, tintas, enfim, desenha- impediu de trabalhar fora de casa. Mais nhando muito, que me proporcionaram a
va todo o tempo; recortava, montava, sem uma vez o desenho veio em meu encontro. facilidade muito prazerosa para modelar
nunca imaginar que esta brincadeira pu- Desenhava entre as mamadas e tarefas de minhas primeiras peças. Eu simplesmente
desse se transformar em profissão. Dese- menina mãe. Estava sempre com um blo- sabia fazer, melhor: minhas mãos sabiam!
nhar era, e continua sendo, o meu refúgio. co de desenho e lápis por perto. Esta é a E encantada iniciei a trilha da escultura
Uso a expressão desenhar porque não grande facilidade do desenho: com muito também. Um mundo muito saboroso, po-
tinha a menor ideia que às vezes fazia de- pouco se pode trabalhar. Só com meus rém, muito mais trabalhoso e dispendioso,
senhos tridimensionais, recortados e que filhos na escola, pude buscar conhecer contudo me abduzia num prazer e numa
saiam do bidimensional. Brincava intuiti- atelier de artistas e observar na fonte, o entrega quase total. Impossível modelar,
vamente com cores e formas, sem jamais fazer artístico. Ingressei no Atelier Livre de fazer uma escultura ficar de pé, atravessar
me preocupar com a possível utilidade Porto Alegre, para aprender alguma téc- todo o processo, a técnica de fundir, ter o
deste prazer. Mais tarde, na escola, des- nica, conhecer pessoas da área e comecei olho treinado, ver além, sentir os pesos, o
cobri que desenhava com mais facilidade devagar a participar de algumas exposi- equilíbrio, sem uma entrega profunda. Aos
do que minhas colegas e me inclinei natu- ções coletivas de alunos. poucos, começaram convites para partici-
ralmente para esta área. Desenhava mo- Ainda a escultura estava adormecida. pações em salões de arte, exposições co-
delos de anatomia para aulas de biologia, Certo dia, uma professora, hoje já falecida, letivas, mais tarde individuais, que foram se
sobressaindo meus trabalhos nas feiras de chamada Carmem Moralles, me disse: “Tu estendendo a grandes capitais culturais da
ciência, por conta do gosto pelo desenho. és uma escultora!” Fiquei constrangida, América e Europa, onde hoje exponho sis-
Por outro lado, era aluna desligada nas ou- nunca tinha pensado nisso. Ela me expli- tematicamente. Ganhei inclusive duas pre-
tras disciplinas. Nunca me preocupei com cou, que eu recortava, tirava para fora os miações em Paris, em épocas e exposições
nada disso. Cursei Publicidade e Propa- desenhos, meu trabalho era muito escul- diferentes.
JULHO | 2014 11
AGENDA
calendário nacional
JULHO 30 NOVEMBRO
28 e 29 Sociedade Brasileira de Psicanálise 07 e 08
Sociedade de Psicanálise de Ribeirão Preto - SBPRP Grupo de Estudos Psicanalíticos
de Brasília – SPBsb de Goiânia - GEPG
EXPANSÕES E RUPTURAS III:
Atividades científicas e clínicas com “Rumo a uma terceira tópica?” IX Jornada de Psicanálise de Goiânia:
Bernard Chervet Psicanálise e Diversidade Sexual
OUTUBRO 07 e 08
AGOSTO Sociedade Brasileira de Psicanálise
24 e 25
5a7 de Porto Alegre - SBP de PA
Grupo de Estudos Psicanalíticos de
Sociedade Psicanalítica de II Encontro de Estudos da Obra de
Porto Alegre – SPPA Minas Gerais - GEPMG Sigmund Freud e lançamento do livro
Bernard e Emanuelle Chervet na Sppa Jornada Anual: 100 Anos de Narcisismo “Diálogos com Freud”, de Ricardo
Avenburg (APdeBA)
15 e 16 25
27 a 29
Sociedade Psicanalítica de Mato Grupo Psicanalítico de Curitiba - GPC Sociedade Brasileira de Psicanálise
Grosso do Sul - SPMS
Jornada Desafios do Contemporâneo II de São Paulo - SBPSP
9º Simpósio de Psicanálise da SPMS:
Transtornos do Espectro Autístico
O mundo em mutação: Realidades 31 e 1o/11
e II Fórum Interdisciplinar sobre o
e Ficções Sociedade Psicanalítica de Recife – SPR Desenvolvimento Humano
23 XIX Jornada de Psicanálise e XV 27 a 29
Sociedade Psicanalítica do Encontro de Psicanálise da Criança FEPAL e Sociedade Brasileira de
Rio de Janeiro - SPRJ e do Adolescente: Do Ato ao Sonho: Psicanálise do Rio de Janeiro - SBPRJ
Psicanálise em Diálogo “Repensando Desdobramentos da Psicanálise na Simpósio Especial de Lançamento
responsabilidade: limites necessários” Clínica Atual da Revista Calibán
Conselho Diretor APERJ-Rio4: Eliana Lobo Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ):
Presidente: Aloysio Augusto D’Abreu SPMS: Joelma Dibo Victoriano José de Matos
Secretario Geral: Paulo Cesar Chagas Lessa GEPMG: Rosália Lage Martins Bicalho Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de
Tesoureiro: Rosângela de Oliveira Faria GEPG: Marísia Abrão Janeiro (SBPRJ): Celmy de A. A. Quilelli Correa
Diretor Científico: Daniel Delouya GEPFor: Galba Lobo Junior Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA):
Diretor do Conselho Profissional: Ana Paula Terra Machado GEPCampinas: Martha Prada e Silva Anette Blaya Luz
Diretor Publicações e Divulgação: Zelig Libermann
GPC: Sérgio Kaio
Diretor de Relações Exteriores: José Fernando de Santana Sociedade Psicanlítica de Recife (SPR):
Diretor Superintendente: Vera Lucia de Faria Benchimol Delegados José Fernando de Santana Barros
Secretaria Ana Cláudia de Almeida Sociedade de Psicanálise de Brasília (SPBsb):
Gerente Administrativo Financeiro Álvaro Velloso Carlos de Almeida Vieira
Renata Lang Marcel Ana Paula Terra Machado
Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre
Karel De Ublo Andreas Zschoerper Linhares
(SBPdePA): Helena Ardaiz Surreaux
Conselho Profissional Anette Blaya Luz
Sociedade Psicanalítica de Pelotas (SPPel):
Diretora: Ana Paula Terra Machado Carlos de Almeida Vieira
Hemerson Ari Mendes
SBPSP: Alicia B. Dorado de Lisondo Celmy de A. A. Quilelli Correa
SPRJ: Paulo Cesar Chagas Lessa Christine Marques Castro Vinhas Sociedade Brasileira e Psicanálise de Ribeirão
SBPRJ: Wania Maria Coelho Ferreira Cidade Edival Antonio Lessnau Perrini Preto (SBPRP):
SPPA: Jair Rodrigues Escobar Gisèle de Mattos Brito Rachel Barbosa Lomônaco Beltrame
SPR: Eduardo Afonso Jr. Hang Ly Homem de Ikegami Rochel Associação Psicanalítica do Estado do Rio de
SPB: Sylvaim Nahum Levi Helena Ardaiz Surreaux Janeiro (APERJ-Rio4):
SBPdePA: Beatriz Saldini Behz Maria Adelaide da Cunha Neves Leonardo
Hemerson Ari Mendes
SPPel: José Francisco Rotta Pereira
Jose de Matos Sociedade Psicanalítica do Mato Grosso do Sul
SBPRP: Maria Auxiliadora Campos
José Fernando de Santana Barros (SPMS): Lenita Osório Nogueira Araújo
APERJ-Rio4: Sergio Antônio Cyrino da Costa
SPMS: Ana Deise Leonardo Cardoso Judit Letsche Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Ge-
GEPMG: Elieane de Andrade Lenita Osório Araújo rais (GEPMG): Sérgio Kehdy
GEPG: Daniel Emídio de Souza Luiz Tenório Oliveira Lima Grupo de Estudos Psicanalíticos de Goiânia
GEPFor: Roberto Nóbrega Teixeira Magda Sousa Passos (GEPG): Álvaro Alves Velloso
GEPCampinas: Hang Ly Homem de Ikegami Rochel Maria Adelaide da Cunha Neves Leonardo Grupo de Estudos Psicanbalíticos de Fortaleza
Revista Brasileira de Psicanálise Maria de Fátima Chavarelli (GEPFor): Paulo Marchon
Editor: Bernanrdo Tanis Marísia Abrão
Grupo de Estudos Psicanalíticos de Campinas
Editora Associada: Alice Paes de Barros Arruda Nelson José Nazaré Rocha
(GEPCampinas): Nelson José Nazaré Rocha
Conselho Científico Nilde Jacob Parada Franch
Paulo Marchon Grupo Psicanalítico de Curitiba (GPC):
Diretor: Daniel Delouya
Rachel Barbosa Lomônaco Beltrame Edival Antonio Lessnau Perrini
Secretária: Beatriz Troncon Busatto
SBPSP: Vera Regina Jardim Ribeiro Marcondes Fonseca Regina Pereira Klarmann Núcleos
SPRJ: Marisa Helena Leite Monteiro Roberto Calil Jabur Núcleo de Psicanálise de Marília e Região
SBPRJ: Liana Albernaz de M. Bastos Sergio Cyrino Núcleo Psicanalítico de Natal
SPPA: Maria Elisabeth Cimenti Sergio Eduardo Nick Núcleo Psicanalítico de Maceió
SPR: Carolina Cavalcanti Henriques Núcleo Psicanalítico de Florianópolis
Sérgio Kehdy
SPB: Mirian Elisabeth Bender Ritter de Gregorio Núcleo Psicanalítico de Aracaju
Valton de Miranda Leitão
SBPdePA: Silvia Skowronsky Núcleo Psicanalítico do Espírito Santo
SPPel: Christine Marques Castro Vinhas Sociedade Brasileira de Psicanálise de Núcleo Psicanalítico de Salvador
SBPRP: Lia Fátima Christóvão Falsarella São Paulo (SBPSP): Nilde J. Parada Franch Núcleo Psicanalítico de Santa Catarina