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Representação Psicossonora
Publicado no Livro de MACEDO, A.R. de (org.). Envelhecer com Arte, Longevidade e Saúde. SP: Atheneu,
2010.
Na atualidade, observa-se uma crescente necessidade de atenção à pessoa idosa, como já visto
em capítulos anteriores, dando ênfase a conteúdos que priorizam seus interesses, bem como à
experiência acumulada em seu contexto social, que foi moldando e construindo a própria
identidade em um processo contínuo. São as transformações do sujeito, decorrentes dessas
experiências, que podem torná-lo humanizado ao buscar sua emancipação e autonomia.
Todas as variadas abordagens de intervenção musicoterápica se apoiam nos critérios evolutivos
e nos conceitos de desenvolvimento físico, psíquico e sonoro-musical do ser humano. Assim
sendo, iniciaremos discutindo esses critérios.
Critérios evolutivos
Tanto a ciência quanto os estudos de enfoque espiritual com visão analítica são unânimes em
admitir, hoje, que o ser humano – já ao ser concebido – traz na célula-ovo um potencial
riquíssimo de capacidades ainda encapsuladas na forma de uma semente. A exemplo do que
ocorre na natureza, essa semente deverá evoluir por etapas até chegar à sua forma de maior
potencial frutífero, dependendo de suas particularidades (individualidade) e do meio onde será
cultivada. Dentre essas potencialidades, destacamos suas habilidades físicas, suas capacidades
mentais (cognitivas, afetivas e volitivas), bem como seus valores morais (ou espirituais) e
sonoro-musicais (ZUCKERKANDL, 1973).
Os recém-nascidos parecem reagir apenas por instinto, ainda sem nenhum grau de consciência
de si mesmos ou do mundo ao seu redor. Porém, suas capacidades receptivas sensoriais já
mostram sinais de competência desde a vida intrauterina, principalmente com relação aos
estímulos sonoros (ILARI, 2006). Em épocas de um passado próximo, pareciam nascer ainda de
olhos fechados. Hoje em dia, contudo, parecem já fixar o olhar em direções definidas logo nos
primeiros dias de vida extrauterina. Assim, ao longo da vida, um dos seus principais eixos
diretivos é o processo evolutivo que todo ser humano deve abraçar, desde sua concepção até o
último instante de sua vida. Porém, ao superar uma etapa de aquisição de novas habilidades,
como mostram todas as linhas de psicologia do desenvolvimento (BIAGIO, 2008; BEE, 2003),
sua passagem para a etapa seguinte é sempre uma fase de transição (de crise), que leva mais ou
menos tempo, dependendo da pessoa e das circunstâncias que a cercam. Mesmo os povos
“primitivos” já sabiam que os velhos – homens e mulheres – constituíam uma nova fase da vida,
com capacidades específicas e imprescindíveis para o bem-estar de sua comunidade (como
sabedoria e paciência), e por isso eram pessoas valorizadas, respeitadas e até mesmo veneradas.
Contudo, nós, humanos oriundos da cultura ocidental, passamos a cultivar e a valorizar cada vez
mais a ação, fisicamente falando, e a rapidez, acima de tudo. Estamos sempre buscando
“conquistar” o mundo à nossa volta em detrimento de nosso mundo interior (a “santíssima
trindade”: corpo, alma e espírito), procurando dominar o mercado, ganhar muito dinheiro e o
mais rápido possível, atingir logo o topo da carreira, constituir família com status social de
destaque; em uma palavra, “ser vencedores”. Não há nada de errado em se buscar alcançar o
topo de nossas melhores habilidades, porém, em quanto tempo (respeitando nossos limites
naturais) e apoiados em quais valores é que se torna a questão.
A agressividade viril pode ser benéfica se não abandonar atividades mais receptivas,
“femininas”, como descreve Ryan (2006): “esperar uma ocasião, abrir-se à intuição, aguardar
o momento certo, permitir que a verdade nos penetre e nos mova, cultivar a paciência”. As
tendências de ação e reação na infância tendem a se manter ao longo da vida; porém, com o
evoluir da maturidade, essas tendências devem ser, se maléficas, atenuadas, modificadas ou até
mesmo desaparecer, e, se forem benéficas, devem ser mantidas ou reforçadas. Nossos
mecanismos de defesa primitivos são, à semelhança dos animais, os de luta ou fuga, que no
modo infantil se expressam respectivamente por reações agressivas, ou de rebeldia ou birra, ou
então depressivas e de retraimento. Com o desenvolver da maturidade, esses mecanismos
deverão ser substituídos pelos mecanismos de escuta (auto e hétero-observação), elaboração e
resposta verbal, baseada numa análise racional de fatos reais, e, ainda, ação coerente à
abordagem verbal, respeitando-se todos os interessados.
Espera-se que a pessoa idosa saudável tenha alcançado essa habilidade e transformação. Uma
observação empírica nos mostra que apenas uma mínima parte de nossa sociedade ocidental
alcança esse nível pleno de maturidade. Hoje em dia, observamos, como tem sido
exaustivamente apontado, um aumento da longevidade humana, preservando características
físicas e habilidades intelectuais até há pouco tempo inusitadas. Porém, alcançar a maturidade
emocional parece menos comum. Além disso, pessoas idosas ainda são alvos de preconceitos no
que se refere às suas possibilidades de vida útil e prazerosa, no sentido de que deveriam manter-
se no mesmo ritmo de trabalho que desempenhavam até então na vida adulta, apesar de o
organismo já mostrar sinais de cansaço, ou se aposentar – e isso significa ociosidade e
inutilidade –, ou, ainda, apenas buscar ocupações paliativas que disfarcem um vazio. Por outro
lado, ao longo da vida, tanto experiências agradáveis quanto outras frustrantes foram se
somando, moldando os traços de personalidade do sujeito, conforme seu modo de interpretá-las
(sua representação mental dos fatos) ou suas oportunidades de aprendizado de como assimilar
seus resultados e as consequências.
Pareceu-nos bastante plausível a abordagem de PRÉTAT (1997), propondo que se atribuísse à
faixa etária entre 50 e 70 anos a característica de uma etapa de transição, mais uma, portanto, à
semelhança da adolescência, por conta das transformações progressivas que devem ocorrer na
pessoa, na sua passagem da meia-idade para a velhice, chamando de “envelhecimento” a essa
etapa. Assim, as modificações físicas, mentais e morais que devem ocorrer na pessoa durante
essa transição podem adquirir caráter patológico ou não, isto é, certas limitações que surjam não
deverão necessariamente adquirir caráter de perda, mas poderão, sim, apenas significar a
substituição de habilidades antigas por outras a serem agora adquiridas, diferentes, mas
igualmente úteis e necessárias, o que ratificará a conotação de contínuo progresso. Nesse
sentido, dentre os vários recursos terapêutico-educativos, a Musicoterapia destaca-se como um
dos mais auspiciosos e eficazes, como se mostrará adiante neste capítulo, para o
desenvolvimento ou o aprimoramento da autonomia e a valorização da pessoa idosa, até onde as
reais limitações da pessoa que conseguiu alcançar o envelhecer permitirem.
Conceitos básicos
Para compreender melhor a abordagem técnica adiante exposta apresentaremos antes, ainda que
resumidamente, alguns conceitos básicos nos quais estão apoiados nossos estudos.
Comunicação e linguagem
Como em qualquer disciplina em desenvolvimento, a Musicoterapia passou por fases que foram
marcos históricos. Na década de 1970, por exemplo, vislumbrou-se a necessidade de se
estabelecer os limites precisos entre Educação Musical e Musicoterapia. Segundo BENENZON
(1985), pode-se afirmar que a Musicoterapia é originária de três vertentes: Xamanismo, Música
como Recreação e Educação Musical. Educadores musicais como Jacques Emile Dalcroze
(1865-1950) oferecem suporte importante ao fundamento da musicoterapia atuante. Dele
citamos uma das frases que marcaram a integração entre as duas áreas (musicoterapia e
educação musical) que diz: “a música deve significar um rol importante na educação em geral,
pois ela responde aos desejos mais diversos do homem: o estudo da música é o estudo de si
mesmo”. De acordo com BENENZON (1971), Dalcroze abriu as portas à terapia musical, pois
rompeu com esquemas rígidos da escolástica musical, permitindo o descobrimento e o contato
direto com os ritmos do ser humano.
Pode-se educar um organismo pela ordem e pelo impulso da música, porque “o ritmo musical e
o corporal são o resultado de movimentos sucessivos, ordenados, modificados e estilizados, que
formam uma verdadeira identidade”.
A prática da profissão e os concursos para terapeutas profissionais em hospitais psiquiátricos
data dos fins do século XIX. Entretanto, o reconhecimento da terapia profissional, como uma
via de tratamento, é comparativamente recente. Na verdade, somente nos últimos trinta anos
tem-se recorrido a especialistas para alcançar objetivos específicos de tratamento
musicoterápico. Músicos voluntários, terapeutas ocupacionais e especialistas em recreação
foram os primeiros que utilizaram atividades musicais no tratamento de enfermidades. A partir
daí, músicos começaram a ser chamados para empregar música nos hospitais gerais como
“ajuda musical”, com a finalidade de entretenimento. Pode-se considerar como marco inicial da
Musicoterapia o século XX, mais especificamente a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945),
quando em hospitais de veteranos, na Grã Bretanha e nos Estados Unidos, a música foi aplicada
com fins terapêuticos, isto é, relaxantes, sedativos, para auxiliar na reabilitação de indivíduos
vítimas de sequelas físicas e psiquiátricas (LEINIG, 1977). Como resultado, um grande número
de pacientes foi beneficiado pelo uso da música. Dessa forma, houve necessidade de se fazer um
plano de estudos para a formação de pessoal técnico em Musicoterapia, pois quem aplicava os
testes eram professores de música, instrumentistas de banda, compositores e regentes, que não
tinham conhecimento da música com pensamento científico, ou seja, com a preocupação de
estudar sua influência biopsicológica no cérebro e no comportamento humano, mas, sim,
enquanto arte estética ou aprendizado instrumental. Acreditando haver muito mais resultados do
que simplesmente o de “aliviar” a tensão do paciente, foi realizado um estudo minucioso sobre o
tema, em Kansas, nos Estados Unidos da América, em 1944. Entre os pioneiros da aplicação da
Musicoterapia em hospitais destacam-se: Harriet Ayer Seymour, que serviu como enfermeira na
guerra e passou depois à prática musicoterápica; Isabel Parkman, colaboradora da doutora
Laureta Bender, do Bellevue Hospital e de outros centros médicos norte-americanos, onde
empregou também a música como auxiliar no tratamento das doenças de naturezas cardíaca,
ortopédica e neuropsíquica, com resultados bastante significativos. Wilhem Van de Wall, que
pelos estudos e pelas observações realizados acerca dos efeitos da música sobre o homem foi
escolhido pelo Comitê da Fundação Nacional de Terapêutica Musical para fazer o estudo do uso
da música nas instituições hospitalares, chefiadas pelo doutor Charles W. P. Tremaine e pelo
psiquiatra doutor Samuel H. Hamilton (LEINIG, 1977).
O primeiro curso acadêmico (teoria e prática) foi fundado em 1946, na Universidade de Kansas;
logo foram estabelecidos outros em universidades e colleges dos Estados Unidos. Em 1950, foi
fundada a primeira associação de Musicoterapia do mundo: a National Association for Music
Therapy – NAMT –, tornando possível maior categorização e unidade da profissão.
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