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POLÍTICA PÚBLICA DE CULTURA: UMA VISÃO CRÍTICA NA PERSPECTIVA

DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL PARA O NORTE FLUMINENSE A PARTIR


DO MOVIMENTO “OCUPA TB”

Matheus Campista Mariano1


Elisabeth Soares da Rocha2

RESUMO: O presente artigo decorre do trabalho de pesquisa intitulado “Política Pública de


Cultura: uma visão crítica na perspectiva do Desenvolvimento Regional para o Norte
Fluminense”, desenvolvida no Laboratório de Estudos em Desenvolvimento Regional –
LEDER, do Instituto Federal Fluminense. Como desdobramento da mesma, no ano de 2017, a
pesquisa teve como um de seus recortes, o estudo das Políticas Públicas de Cultura no município
de Campos dos Goytacazes, frente ao movimento “Ocupa TB”. Essa pesquisa justifica-se
principalmente pela insuficiência de estudos acadêmicos referentes a cultura e desenvolvimento
regional. As políticas de cultura adotadas após o movimento popular “Ocupa TB” constituem
o foco deste artigo na expectativa que as análises efetuadas colaborem para uma maior
conscientização dos efeitos deste movimento na conjuntura em que se processam as políticas
culturais na região.

PALAVRAS-CHAVE: Teatro de Bolso, Política cultural, Ocupa TB, Campos dos Goytacazes.

INTRODUÇÃO

A democracia política proporciona aos trabalhadores a oportunidade de defender


alguns dos seus interesses. A política eleitoral constitui o mecanismo pelo qual todo indivíduo,
enquanto cidadão pode reivindicar seu direito a bens e serviços. Embora como produtores
imediatos, os trabalhadores não tenham direito legal ao produto, como cidadãos podem obter
tal direito via sistema político. Pois como cidadãos e não como produtores imediatos, podem
intervir na própria organização da produção e na alocação dos lucros, influenciando, como
consequência, na elaboração das próprias políticas públicas.
A partir dessa premissa compreendemos que a organização da sociedade civil,
representada pela classe artística do município de Campos dos Goytacazes, na atuação do

1
Licenciando em Teatro pelo Instituto Federal Fluminense campus Campos Centro. E-mail:
matheuscampistamariano@gmail.com.
2
Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Professora dos Cursos de Licenciatura em Música
e Teatro do Instituto Federal Fluminense. E-mail: bethrocha12@gmail.com.

1
Movimento popular “Ocupa TB”, representou um ato democrático que visou intencionalmente
fazer valer o direito do cidadão na participação democrática da gestão dos bens públicos e na
decisão no que tange as ações e implementações das políticas públicas de cultura.
Esse trabalho buscou analisar essas políticas realizadas no município de Campos dos
Goytacazes a partir da visão do filósofo húngaro György Lukács, sobre o papel da arte e cultura
na sociedade; e, na realização do levantamento das ações realizadas no município tendo como
referência o Equipamento de Cultura, Teatro de Bolso Procópio Ferreira, em virtude da
demanda popular que culminou com o “Ocupa TB” no ano de 2016. Considerando a
importância dessa ação coletiva e sua repercussão no âmbito da política pública de cultura local,
buscou-se analisar à luz do referencial teórico, os resultados obtidos na construção do banco de
dados das ações culturais realizadas, e assim, refletir sobre o impacto do “Ocupa TB” junto as
esferas dos poderes públicos gestores de cultura no município, a partir dos resultados obtidos
com o levantamento de todas as ações culturais realizadas a partir da reabertura do Teatro de
Bolso durante todo o ano de 2017.
Para tanto, este artigo está dividido em três partes relacionadas entre si, tendo na
primeira parte a fundamentação teórica com base na reflexão lukacsiana sobre a arte como
produto de uma subjetividade que transcende a individualidade e seu condicionamento
histórico e de classe para configurar e plasmar em sua singularidade, universal e permanente, a
memória da humanidade, tendo a partir dessa particularidade a possibilidade de captar os
momentos essenciais da história da evolução humana, permitindo assim, desenvolver nos
homens uma autoconsciência sobre sua própria essência genérica; a segunda parte traça um
breve panorama sobre o Teatro de Bolso como equipamento de cultura do município de Campos
dos Goytacazes, em sua trajetória histórica, e, por fim, na terceira e última parte, este artigo
foca na ação coletiva denominada “Ocupa TB” e a análise realizada sobre as ações que
envolveram as políticas públicas de cultura decorrentes dessa mobilização da classe artística,
após a reinauguração do Teatro no ano de 2017.

REFERENCIAL TEÓRICO
Lukács (2010) enfatiza em sua crítica sobre a produção de uma obra de arte que apenas
reproduziam a aparência fetichista de um mundo burguês, não acreditando mais na
possibilidade de o homem modificar-se. Em suas palavras,

2
A hostilidade da ordem de produção capitalista à arte se manifesta igualmente
na divisão capitalista do trabalho. Um maior desenvolvimento na
compreensão desse aspecto do tema nos remeteria, ainda uma vez, ao estudo
da economia como uma totalidade. Do ponto de vista do nosso problema,
vamos nos contentar em fixar aqui um só princípio, que será, novamente, o
princípio do humanismo, o princípio que a luta emancipadora do proletariado
herdou dos grandes movimentos democráticos e revolucionários precedentes,
herança elevada a um plano qualitativo superior, ou seja, a reinvindicação do
desenvolvimento harmônico e integral do homem. Ao contrário, a hostilidade
à arte e à cultura, própria do sistema capitalista comporta o fracionamento da
totalidade concreta do homem em especializações abstratas (LUKÁCS, 2010,
p.20).

Dessa forma, Lukács enfatiza os “efeitos perniciosos e envilecedores da divisão


capitalista do trabalho e colhessem o homem na sua essência e na sua totalidade”. No entanto,
o que Marx e Engels perceberam é que para a maioria dos seus contemporâneos faltava a
aspiração à “integralidade, do anseio pela totalidade, a orientação para o essencial, e à essência,
consideravam-nos epígonos sem importância” (Ibid, 2010, p.21).
A criação artística, a que se refere Lukács portanto, deve partir de um processo social
geral e organicamente articulado no qual o homem torna seu o mundo por meio da própria
consciência. Nesse sentido, é necessário ao crítico tanto quanto o artista ao aspirarem à
objetividade do realismo, que o façam como resultado da “complexa dialética objetiva de
essência e fenômeno, [...] na interrelação que liga sempre o escritor à realidade refletida, sua
relação de influência recíproca com a concepção de mundo e o estilo artístico” (OLDRINI,
2002, p.58).
Lukács esclarece que Marx e Engels nunca negaram uma autonomia relativa dos
campos particulares da vida humana, como a ciência, o direito e principalmente a arte. No
entanto, ele ressalta que a compreensão do desenvolvimento dessas atividades só podem ser
compreendida dentro da perspectiva da totalidade:

Marx e Engels negam apenas que seja possível compreender o


desenvolvimento da ciência ou da arte com base exclusivamente, ou mesmo
principalmente, em suas conexões imanentes. Tais conexões imanentes
existem, sem dúvida, na realidade objetiva, mas só como momentos do tecido
histórico, como momentos do conjunto do desenvolvimento histórico, no
interior do qual, através do intricado complexo de interações, o fato
econômico (ou seja, o desenvolvimento das forças sociais produtivas)
assumem o papel principal (LUKÁCS, 2010, p.12).

Dessa forma, a realidade objetiva implica na não neutralidade mediante os fenômenos


sociais, pois, tal objetividade não se acha em contradição em relação ao fator subjetivo da arte,

3
e sim, no sentido de totalidade, onde o artista não representa coisas ou situações estáticas, mas
as investiga, buscando conhecer e definir seu caráter dentro das relações dos processos sociais.
Ou seja, numa tomada de consciência, já está implícita a tomada de posição, já que a concepção
de que o artista seria um espectador passivo desses processos é uma ilusão, uma forma de
autoengano, ou ainda, uma evasão, uma fuga diante dos grandes problemas da vida e da arte.
“Não há grande artista em cuja representação da realidade não se exprimam, ao mesmo tempo,
também as suas opiniões, desejos, aspirações apaixonadas e nostálgicas” (LUKÁCS, 2010,
p.30).
A concepção da estética, portanto, na visão lukacsiana, deve buscar

Um completo rompimento com aquela concepção vulgar da literatura e da arte


que deduz mecanicamente o valor da obra literária a partir das concepções
políticas do escritor, da sua pseudopsicologia de classe. O método marxista
aqui indicado se presta muito bem para esclarecer fenômenos literários,
mesmo os mais complexos. Mas isso só ocorre quando se sabe utilizá-lo
concretamente, com genuíno espírito historicista e com discernimento estético
e social. [...] O triunfo do realismo não significa, segundo Engels, que a
ideologia abertamente proclamada pelo escritor seja indiferente para o
marxismo, como não significa que toda criação de qualquer escritor represente
um triunfo do realismo pelo simples fato de se afastar em maior ou menor
medida da ideologia abertamente proclamada (Ibid, 2010, p.34).

A arte precisa ser considerada segundo o princípio de uma concepção materialista da


história em que seja possível desalienar os sentidos que foram substituídos unicamente pela
ideia do possuir, emancipando-os dessa condição deformada da sociedade dividida em classes
para sentidos e faculdades humanas tanto subjetiva como objetivamente.
Oldrini (2002), acrescenta a esse debate que, a obra de arte para Lukács deve ser
compreendida

[...] como uma necessidade interna da nova teoria que está sendo construída
exatamente pelo fato de que, melhor do que qualquer outra tendência artística,
ele traz em si a consciência dialética da “totalidade”. Se a “representação”
realista vale mais do que a crônica e a reportagem, se o “narrar” vale mais do
que o “descrever”, é porque quem narra e representa penetra, com meios
artísticos, mais profundamente nas “leis dialéticas objetivas” da estrutura do
real (OLDRINI, 2002, p.57).

Lukács contrapõe assim, a narração à descrição, pois na descrição encontra-se em pé


de igualdade, a ação humana, com a descrição das coisas, e, portanto, esvaziada do sentido da
vida social, enquanto na narração, ao contrário, há um ordenamento hierárquico do enredo,

4
evitando as digressões desnecessárias, onde os detalhes só são importantes quando se
desencadeiam na ação humana, e estão a serviço delas.

Frederico (2000), afirma que, para Lukács,

A arte, portanto, educa o homem fazendo-o transcender à fragmentação


produzida pelo fetichismo da sociedade mercantil. Nascida para refletir sobre
a vida cotidiana dos homens, a arte produz uma “elevação” que a separa
inicialmente do cotidiano para, no final, fazer a operação de retorno. Esse
processo circular produz um contínuo enriquecimento espiritual da
humanidade (FREDERICO, 2000, p. 305).

Ou seja, para Lukács o potencial utópico da arte está na sua capacidade para expressar
a essência genérica. A obra de arte é produto de uma subjetividade que transcende a
individualidade e seu condicionamento histórico e de classe para configurar e plasmar em sua
singularidade, universal e permanente, a memória da humanidade. Essa particularidade da Arte,
para captar os momentos essenciais da história da evolução humana, permite desenvolver nos
homens uma autoconsciência sobre sua própria essência genérica. Essa essência genérica
capturada através da arte, não está identificada com uma suposta relação com o tempo, mas
sim, com a história concreta do homem.
Considerando essa visão lukacsiana, considera-se fundamental que as políticas
públicas de cultura pautem suas ações no que tange à implementação de uma cultura em
atividades artísticas culturais que sejam capazes de produzir na sociedade essa “elevação” do
homem do “homem inteiro” da cotidianeidade ao “homem inteiramente” (ALBINATI, 2014,
p. 267).
Assim sendo, as duas partes que se seguem abordam a historicização do Teatro de
Bolso Procópio Ferreira enquanto equipamento de cultura sob a gestão do governo municipal e
por fim, as análises decorrentes dos efeitos produzidos nessa gestão cultural após a mobilização
da sociedade por melhorias e adequações deste equipamento para a sua utilização.

BREVE PANORAMA SOBRE A HISTÓRIA DO TEATRO DE BOLSO PROCÓPIO


FERREIRA

5
A década de 60, revelou dois aspectos históricos fundamentais para a vida cultural do
município e mais especificamente para a história do Teatro de Bolso. Segundo Alvarenga
(2015),
A criação da ARTA (Associação Regional de Teatro Amador) e a construção
do Teatro de Bolso. Estes dois acontecimentos estão presentes inegavelmente
na história cultural de nosso Município. O primeiro, porque teve por objetivo
congregar os artistas de teatro amador de Campos, e Norte do Estado, na
defesa de seus interesses, e também por elaborar planos de ação cultural nas
artes cênicas; o segundo, porque o Município de Campos passou a contar com
uma casa de espetáculos, com a missão de abrigar as montagens dos artistas
amadores de Campos e Norte Fluminense (ALVARENGA, 2015, p.23).

O movimento artístico, reconhecido pela classe como “teatro amador”, era formada
por jovens, estudantes, alguns universitários, os quais, tendo alguns, vivenciado uma formação
teatral fora da cidade de Campos, e outros que, pela sensibilidade se organizavam entre amigos
para montagens de textos teatrais, criaram, dando legitimidade ao grupo, a Associação Regional
de Teatro Amador - ARTA.
Não se pode deixar de ressaltar que, paradoxalmente, enquanto a classe artística lutava
para conquistar um espaço de teatro para si, a sociedade perdia seu único, maior e emblemático
Teatro: o Cine Teatro Trianon.
Apesar da oposição de alguns setores da sociedade como, por exemplo, a Associação
Norte Fluminense de Engenheiros e Arquitetos, que dias antes, enviara ao Prefeito José Carlos
Vieira Barbosa um protesto tentando sensibilizá-lo, a fim de que a demolição do Cine Teatro
Trianon não se concretizasse, nada foi feito para impedir que aquele patrimônio histórico fosse
dilapidado. O Cine Teatro Trianon deixou de existir para dar lugar a uma agência bancária
(ROCHA, 2017, p. 111).
Segundo Alvarenga (2015), o terreno, localizado a avenida XV de novembro, que
recebeu a construção do Teatro de Bolso, foi resultado da doação feita pelo Clube Carnavalesco
Tenentes de Plutão, local este, que funcionava o barracão do clube para confecção de suas
alegorias e demais adereços carnavalescos. Por meio da abertura de um crédito de 30 milhões
de cruzeiros, e um convênio entre ARTA, Clube Tenentes de Plutão e a Prefeitura Municipal
de Campos, o Legislativo definiu os termos da deliberação nº 1992, com publicação no Diário
Oficial do Município do dia 27 de maio de 1965. Assim foi dado início as obras da construção
do Teatro de Bolso (ALVARENGA, 2015, p.89).

6
No final da década de 60, mais precisamente, 1968, aos 13 dias do mês de abril foi
inaugurado com o nome de “Teatro de Bolso”, conhecido também como “teatrinho’.
A partir desta data o “teatrinho” recebia constantemente as produções teatrais locais, até
que em 1973, a fundadora da ARTA, Tércia Gomes, passa para as mãos do teatrólogo e
dramaturgo campista, Orávio de Campos Soares, a chave do Teatro. Além dos espetáculos
teatrais, o Teatro de Bolso, passaria a sediar o Teatro Escola de Campos, até que em 1975, em
forma de comodato, o Teatro é doado para a Prefeitura (MATIAS, 2016, p. 23).
Em 20 de setembro de 1979, por meio da Lei nº 3.634 em ação da Câmara Municipal
de Campos, passando a ser denominado Teatro Municipal Procópio Ferreira. Doze anos depois,
o nome foi mais uma vez modificado, por ocasião da reinauguração após uma reforma no ano
de 1991, para “Teatro de Bolso Procópio Ferreira”, sendo assim denominado.
Desde então, o “Teatro de Bolso” é palco de atividades artísticas, principalmente as
relacionadas ao teatro com artistas locais, possuindo um espaço físico capaz de receber um
público de 192 pessoas, e uma estrutura de maquinário, iluminação, sonorização e recursos
tecnológicos ainda muito limitados. A Fundação Teatro Municipal Trianon, enquanto órgão
gestor de cultura mantém sob sua responsabilidade a agenda e manutenção deste Teatro
(ROCHA, 2017, p. 161).
Segundo Matias (2016),
A permanência do Teatro Escola nas dependências do Teatro de Bolso nos
anos de 1970 (entre os anos de 1973 e 1975) colaborou para a afirmação de
uma proposta teatral de oposição cultural e política aos ditames do regime
militar. Orávio e seu grupo viam o cultivo das liberdades individuais por meio
da produção teatral enquanto um posicionamento crítico em relação à censura
e a repressão experimentadas durante aquele período. Neste sentido, a própria
identidade do Teatro Escola passou a ter a sua construção associada a prática
artístico-cultural de um teatro voltado mesmo, conforme me narrou Orávio,
aos debates políticos propostos partir das peças realizadas no Teatro de Bolso,
assim como lançou mão de intervenções teatrais públicas, naquilo que ficaria
conhecido como “Jogral”17 ainda nos anos de 1970 e 1971, realizado nas
praças e ruas de Campos (MATIAS, 2016, p. 23).

O Teatro de Bolso Procópio Ferreira, historicamente, foi considerado o teatro dos


artistas locais. No ano de 2012, esse equipamento de cultura foi fechado para obras de
manutenção que se estenderam por quase 4 anos. A morosidade das providências dos órgãos
gestores para a realização das obras necessárias, além do descaso em atender às reivindicações
dos artistas locais, após uma generosa espera de quatro anos, a classe artística através do

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movimento, que ficou conhecido como “Ocupa TB” no ano de 2016, artistas, estudantes de
teatro ativistas ocupam o teatro no dia 9 de maio de 2016.
Inexoravelmente, tal fato relembraria, os anos de 1982, quando um grupo de jovens
artistas, liderados pelo vice-presidente da Associação Regional de Teatro Amador (ARTA) à
época, Anthony Garotinho, invadiram o Teatro de Bolso com reinvindicações semelhantes.
Ironicamente, o mesmo Garotinho à frente da Prefeitura de Campos, no período de 2013 a 2016,
como Secretário de Governo em exercício, no mandato de sua esposa, Rosinha Garotinho, foi
o responsável pelo fechamento das portas do Teatro de Bolso e assim o manteve com enorme
descaso às reivindicações feitas pela classe artística campista 3.
A relação entre ocupantes e os órgãos gestores públicos para a área de cultura no
município foi vivenciada pelo autor desta pesquisa, que como ocupante, traçará na parte três
deste artigo os aspectos relevantes que correspondem a posição do Estado enquanto responsável
pelas políticas públicas que gerenciam o Teatro, o posicionamento da classe artística organizada
enquanto sociedade civil reivindicadora de tais ações e os desdobramentos após aplacadas as
tensões e a reinauguração, mais uma vez, do Teatro de Bolso.

O MOVIMENTO “OCUPA TB” E SEUS DESDOBRAMENTOS NAS POLÍTICAS


PÚBLICAS DE CULTURA
Com a criação do Curso de Licenciatura em Teatro pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) no ano de 2015, a cidade ganhou um espaço
para formação educacional em Teatro em nível superior, o que contribuiu para uma maior
construção de conhecimento coletivo nesta área, além de promover o encontro entre artistas, e,
consequentemente, ampliar o debate sobre a arte no município, a implementação das políticas
públicas de cultura, os espaços formativos, o mercado de trabalho, e, além destes, sobre a
manutenção dos equipamentos culturais por parte dos órgãos responsáveis.
Dentre a pauta destes debates, o fechamento do Teatro de Bolso Procópio Ferreira por
4 anos, logo ganhou destaque e impulsionou a classe artística a iniciar um movimento coletivo
reivindicando sua reabertura.

3
Fonte: Disponível em: http://noticiaurbana.com.br/old/apos-ocupacao-garotinho-garante-que-teatro-de-bolso-
sera-reaberto-em-um-mes-e-meio/. Acesso em 18 de janeiro de 2019.

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Ao entardecer do dia nove de maio do ano de 2016 um grupo de artistas, estudantes de
arte e integrantes da sociedade civil reunidos sob o viaduto Rosinha Garotinho partiram rumo
ao Teatro de Bolso, sob o som das vozes entoando: “Ocupaê”!
A guarda civil municipal responsável pela portaria do Teatro numa tentativa de impedir
a entrada da população, comunicou-se com o presidente do Teatro de Bolso, a presidenta da
Fundação Jornalista Oswaldo Lima, órgão público responsável pela gestão do Teatro e a polícia
militar.
A ocupação do Teatro se concretizou e a classe artística apresentou a pauta de
reivindicações, que, dentre diversas solicitações, destacava-se: a reforma imediata do Teatro de
Bolso e sua reabertura; a gestão compartilhada do Teatro; a reabertura do Museu Olavo Cardoso
e do Palácio da Cultura, também fechados para uma reforma que nunca se efetuava.
A presença de um representante dos órgãos gestores públicos se fez na pessoa do
secretário municipal de governo, Anthony Garotinho somente após o terceiro dia de ocupação,
juntamente com seus secretários, que num diálogo rápido prometeu a reabertura do Teatro em
45 dias.
Com a ausência de documentos que efetivassem a palavra empenhada pelo representante
do governo, os ocupantes permaneceram no local, exigindo um diálogo mais claro e promissor
com o poder público.
Em 19 de maio de 2016 diante de nova visita do secretário de governo à ocupação, novas
estratégias foram consideradas e na semana seguinte a prefeita Rosinha Garotinho homologou
por meio de Diário Oficial, um contrato firmado com uma empresa prestadora de serviços de
refrigeração, tendo em vista a reforma do sistema de ar-condicionado do dispositivo com o
orçamento de cento e quarenta e sete mil reais.
No vigésimo sétimo dia de ocupação após uma reunião entre representantes da ocupação
e a presidenta da Fundação Cultural Oswaldo Lima, Patrícia Cordeiro, ficou acordado o fim do
movimento com a expectativa de que a obra logo seria iniciada.
Durante o período do movimento “Ocupa TB” a classe artística manteve uma
programação intensa de espetáculos teatrais, oficinas, minicursos, palestras, shows de música,
performances, além de promover reuniões com a sociedade civil esclarecendo a comunidade as
reivindicações que estavam na pauta do movimento. Após um longo período com suas portas
fechas, o teatro estava vivo! Suas cortinas foram abertas, mostrando sua potência e importância
tanto para artistas quanto para a população campista.

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A prefeita Rosinha Garotinho não reabriu o Teatro de Bolso conforme as garantias dadas
pelas negociações realizadas entre a classe artística e seu representante de governo.
Em 02 de outubro do mesmo ano, o candidato de oposição ao Governo de Rosinha
Garotinho vence com 55% dos votos válidos, numa campanha surpreendente no município. O
prefeito Rafael Diniz apoiado pela mesma classe artística insatisfeita com o descaso do poder
público para com a cultura e a arte na cidade, torna-se numa grande expectativa de novos rumos
para a política de cultura no município de Campos dos Goytacazes.
O dia mundial do Teatro comemorado em 27 de março foi marcado no ano de 2017 com
a reabertura do Teatro de Bolso, cuja reforma foi comemorada pela economia de investimentos,
que custou aos cofres públicos apenas R$900,00 (novecentos reais)4.
O levantamento sobre as atividades artísticas realizadas no Teatro de Bolso após sua
reabertura passou a integrar o foco desta pesquisa, em virtude da constatação de que as
reivindicações realizadas pela pauta do Movimento “Ocupa TB” não apresentavam terem sido
atendidas e ao mesmo tempo um número de ocupantes comemorava a reabertura e defendia a
utilização deste equipamento de cultura mesmo em condições não ideais para realização dos
projetos artísticos ali apresentados.
Segundo o jornalismo local, o ano de 2017, o Teatro de Bolso recebeu aproximadamente
800 artistas, com um público de apreciadores de 7,7 mil pessoas5.
O primeiro levantamento das atividades artísticas realizadas no Teatro de Bolso no
período de março de 2017 a março de 2018, possibilitou a criação de um banco de dados cujo
resultado apresentado como pode ser observado no Gráfico 1 obteve 74,2% das atividades para
a categoria Teatro, 13,5% para Dança e 12,4% para Música.

4
Disponível em: https://www.campos.rj.gov.br/exibirNoticia.php?id_noticia=39138 Acessado em 12 de jan.
2019
5
Fonte: https://g1.globo.com/rj/norte-fluminense/noticia/teatro-de-bolso-em-campos-rj-completa-50-anos-
com-programacao-diversificada.ghtml Acessado em 18 de jan. 2019.

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Dança

Música

Teatro

Gráfico 1: Percentual de apresentações artísticas realizadas no teatro de Bolso divididos nas


Categorias, Teatro, dança e música no período de março de 2017 a março de 2018.

Dentro dos percentuais apresentados no Gráfico 1, considerou-se esclarecedor para uma


análise mais aprofundada, realizar um novo levantamento desdobrando em subcategorias as
atividades que foram apresentadas como Teatro, Música e Dança.
Dessa forma, dentro da categoria Teatro, a qual obteve neste novo levantamento 39,3%,
foram consideradas as subcategorias: Cena Curta (Esquete) 2,2%; Contação de histórias 2,2%.
A categoria Dança neste desdobramento em subcategorias apresentou Dança 7,9%;
Ballet e Jazz com 1,1%; Street, Hip Hop e Stletto com 1,1% e Workshop com 2,2%.
Na categoria Música, seus dados desdobrados em subcategorias encontrou-se Musicais
com 33,7% e Shows com 9,0%.

Gráfico 2: Percentual de apresentações artísticas realizadas no teatro de Bolso divididos nas subcategorias,
no período de março de 2017 a março de 2018.

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A hipótese levantada neste estudo constituiu no seguinte questionamento: Se a pauta de
reivindicação apresentada pelo movimento “Ocupa TB” não foi atendida pelas políticas
públicas de cultura por meio de seus órgãos gestores, o que levou esses mesmos artistas abrirem
mãos de suas reivindicações e assumirem a reabertura do Teatro inclusive, apoiando tal
reabertura participando de sua agenda artística com seus trabalhos?
Mais uma vez nos debruçamos sobre o banco de dados para investigar os artistas,
produtores e companhias que participaram neste período levando seus trabalhos artísticos para
o palco do Teatro de Bolso.

Gráfico 3: Quantitativo de artistas, produtores e Companhias que apresentaram seus trabalhos artísticos
no palco do Teatro de Bolso no período de março de 2017 a março de 2018.

Como pode ser observado no Gráfico 3, após a realização de um novo levantamento dos
artistas, produtores e companhias que se apresentaram no período do estudo, podemos observar
que a Companhia com o maior quantitativo de apresentações (dez), tem à frente o próprio
diretor do Teatro de Bolso, que ainda apresentou um quantitativo de três apresentações,
totalizando treze.
Este demonstrativo tornou-se relevante ao observarmos os demais participantes por
revelarem que constituem nos mesmos diretores e Grupos de Artistas a frente de espetáculos
alternando-se entre si, além de estarem estes artistas, em sua maioria, atuando em algum cargo
na administração municipal na gestão do Governo do Prefeito Rafael Diniz.

CONCLUSÃO

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A partir de Fisher (1981) podemos compreender que “a divisão de poder de Estado é
uma ficção de “representação popular”, e muitas vezes resulta numa “alienação que acarretou
concentração de poder, perda da democracia e perda da liberdade” (FISCHER, 1981, p.94).
O Movimento “Ocupa TB”, que reuniu principalmente artistas, alunos ligados ao Teatro
em Campos, e profissionais da área, além de outros representantes, ao construir uma pauta de
reivindicações centrada numa proposta que apontava principalmente para: uma direção
participativa e coletiva do Teatro de Bolso; apoio e patrocínio mais efetivo por parte dos
gestores públicos de cultura para a realização de produções artísticas mais elaboradas e
profissionais; e renovação do material de iluminação, maquinaria e sonorização do Teatro de
Bolso, não se realizou.
A desistência por parte desses artistas de sua luta reivindicatória, e a participação dos
mesmos de maneira conformista em defesa das arbitrariedades cometidas pelos órgãos públicos
em manter um equipamento de cultura em péssimas condições de utilização, nos leva a concluir
que, à semelhança da análise de Reis (2014) “o Estado ao cooptar artistas entusiastas”,
ofertando-lhes cargos na administração municipal, interrompeu a militância da classe como um
todo e sua luta pelo atendimento às reivindicações realizadas, acomodando-a à um
contentamento por um espaço debilitado, sem condições ideais para a montagem de seus
trabalhos artísticos, além de “calar a boca” frente ao descaso para com o fomento de uma arte
de formação mais inclusiva e crítica que atenda de forma mais ampla a sociedade campista
(REIS, 2014, p.180).
O grito de guerra “Ocupaê” daquela tarde de 9 de maio não ecoa mais na planície de
Campos dos Goytacazes, em seu lugar paira um “silêncio” acovardado pelas mordaças do poder
insidioso que nos compra e nos vende.

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13
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