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Mario J.

Pinheiro

Mecânica e Ondas
– Curso e Problemas Resolvidos –

February 22, 2016

Springer
À memória de Bento de Moura Portugal
(1702-1776)
Foreword

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foreword precedes the preface which is written by the author or editor of the book.

Place, month year Firstname Surname

vii
Preface

Learn from yesterday, live for today, hope for tomorrow. The important thing is not stop
questioning.

- Albert Einstein
Este é um curso teórico-prático de “Mecânica e Ondas” e que se destina a todos
os alunos de Engenharia e Fı́sica. São notas que foi redigindo ao longo das min-
has aulas para os alunos de Engenharia Mecânica e de Engenharia Naval do Insti-
tuto Superior Técnico. Procuramos expor a matéria com objectividade e com cunho
prático. Neste curso não se pretende que se memorizem muitas fórmulas, apenas
as essenciais, que assinalaremos no devido tempo. Procuramos transmitir conceitos,
ideias e as leis da mecânica e, ao mesmo tempo, introduzir os princı́pios funda-
mentais da fı́sica. Não é um curso em que se trata apenas da aplicação numérica
das fórmulas que fazem a matéria da Mecânica e Ondas ! É fundamental aprender
a pensar, porque só assim se poderá compreender, criar, inovar ! É esta diferença
no nı́vel de apreensão que distingue um cientista, engenheiro, de um técnico com
formação básica.
Alguns problemas de aplicação procuram ilustrar melhor a aplicação da matéria.
Todos os assuntos teóricos e exercı́cios que estejam marcados com asterisco (F)
são facultativos, ou trata-se de matéria para ler se o desejarem (há também que ter
cultura cientı́fica...)
No desenrolar do curso iremos conhecer quais foram as contribuições cientı́ficas
de grandes mestres pensadores, como o foram Kepler, Galileu, Copérnico, Maxwell,
Einstein, entre uma plêiade de muitos outros. Os seus trabalhos constituem o fun-
damento da nossa compreensão do mundo actual que, não obstante, continua em
perpétua transformação. O curso de Mecânica e Ondas constitui também uma opor-
tunidade para se introduzir técnicas matemáticas básicas: cálculo diferencial e inte-
gra, cálculo vectorial, resolução de equações diferenciais.
Estas notas de curso discordam ortograficamente.
A Mecânica estuda o movimento e as suas causas.
Introduziremos os elementos essenciais da linguagem da fı́sica:
• medidas de grandezas fı́sicas, unidade fı́sicas e padrões de unidades;

ix
x Preface

• cálculo diferencial e integral;


• álgebra vectorial.
Começaremos por introduzir os elementos da linguagem que descreve o movimento:
• partı́cula pontual em movimento rectilı́neo;
• movimento no plano (movimento parabólico/balı́stico);
• trajectória do movimento circular.
É de capital importância que alcancemos uma boa compreensão da relação entre
força e movimento, e veremos que essa relação é bem representada pelas três leis
do movimento de Newton.
Sempre que uma partı́cula é acelerada, desacelerada, ou muda a direcção e sen-
tido do seu movimento é porque está sujeita a uma força. As três leis de Newton
estabelecem a relação entre força e movimento.
Veremos qual a relação entre a teoria e a experiência, pois que a fı́sica é uma
ciência experimental. Toda a teoria deve estar fundamentada na experiência.
A resolução de problemas permitirá adquirir uma sólida compreensão das leis de
Newton.

Fig. 0.1 Mecânica clássica.

Em mecânica clássica estudaremos o movimento de uma partı́cula. O seu movi-


mento é descrito atribuindo-lhe uma posição em função do tempo.
O par de coordenadas (posição + tempo) constitui um evento.
A descrição do movimento de uma partı́cula ideal requer unicamente a medida
da sua posição, instante de tempo e massa.
Preface xi

Fig. 0.2 Partı́cula ideal.

Posição:
Se a partı́cula move-se ao longo de uma:
• curva → 1 dimensão;
• superfı́cie → 2 dimensões;
• volume → 3 dimensões.
A descrição do movimento requer
• a escolha de um sistema de referência apropriado (a Terra, uma viatura, um plano
inclinado,...) 1 ;
• um sistema de coordenadas com uma origem (sistema de eixos orientados);
• instruções para associar o ponto material com o sistema de eixos e origem 2 .
No âmbito da Mecânica clássica o espaço é a 3 dimensões, espaço euclideano,
isto é, a soma dos ângulos internos de um triângulo no plano é: ∆ = 180 0 .
O tempo é absoluto, isto é, a taxa de variação do tempo (ou ritmo dos relógios)
é independente do lugar e da velocidade (isto é, é o mesmo para todos os obser-
vadores).

Fig. 0.3 Na base da Mecânica clássica está a suposição de que o universo é regido por uma ge-
ometria euclideana e o tempo é absoluto.

A obra de Sir Isaac Newton (1642 - 1727) intitulada “Philosophiae Naturalis


Principia Mathematica” (publicada em 1686) constitui a base da explicação cientı́fica
do mundo fı́sico e não foi alterada desde então. As leis enunciadas por Newton:
• leis do movimento;
• gravitação universal;
constituem os fundamentos da engenharia e da fı́sica actuais. Não obstante, foi
necessário proceder a correcções, pois que os postulados do espaço-tempo, tais
como Newton os concebeu, não são totalmente exactos.

Fig. 0.4 Desvio de um raio de luz na proximidade de uma estrela.

Por exemplo, sabe-se que os raios de luz sofrem um desvio na proximidade de


uma estrela, o que se deve ao facto de que a geometria na proximidade de uma
estrela é distorcida, de tal forma que ∆ 6= 180 0 .
1Veremos mais tarde que este não se confunde com o sistema de coordenadas.
2 Por exemplo, se as coordenadas forem esféricas, teremos x = r sin φ cos θ , e, se forem coorde-
nadas cilı́ndricas, teremos por sua vez x = r cos θ , onde os sı́mbolos têm o significado habitual.
xii Preface

Relógios que se movam a velocidades próximas da luz (v ∼ c), ou que estejam su-
jeitos a campos gravı́ticos, registarão um ritmo temporal diferente quando compara-
dos com relógios em repouso, ou longe da acção de campos gravı́ticos, fenómeno
este que tem o nome de dilatação do tempo.
Existem outros domı́nios onde os conceitos da Mecânica Clássica claramente
não se aplicam. É também o caso das estrelas de neutrões 3 onde se verificam
acelerações da ordem dos a = 1011 g , e os buracos negros 4 que aprisionam a luz.
Para descrever, compreender e predizer fenómenos com essa amplitude, foi criada
por Albert Einstein duas novas teorias:
• a Teoria da Relatividade Especial,
• a Teoria da Relatividade Generalizada (onde se assume que a energia curva o
espaço-tempo, e é esta curvatura que dita a dinâmica dos corpos).
Contudo, os efeitos acima referidos são desprezáveis a baixas velocidades (v 
c) desempenhando um papel muito insignificante na mecânica newtoniana que ire-
mos estudar.
As partı́culas elementares não podem ser estudadas no âmbito clássico, pois que
elas normalmente se deslocam a v ∼ c, e numa escala temporal e espacial muito
pequena, onde os efeitos quânticos adquirem uma importância muito grande.

Lisboa, Instituto superior Técnico


Setembro 2015 Mário J. Pinheiro

3 Uma estrela de neutrões tem um raio tı́pico de 12 km e resulta de um colapso gravitacional de


uma estrela massiva e é constituı́da maioritariamente de neutrões.
4 Quando a estrela que colapsa tem uma massa superior a 5 vezes a massa do Sol, a estrela

transforma-se num Buraco Negro.


Agradecimentos

Agradeço a todos os estudantes que reviram o texto, em especial AB, Instituto su-
perior Técnico CD, Universidade Nova de Lisboa, ...

xiii
Contents

1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

2 Noções Fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.1 Noções Fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.2 Espaço e Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
2.2.1 Noções pré-clássicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
2.2.2 Intervalos de tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
2.2.3 Ordens de grandeza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2.2.4 Unidades derivadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.2.5 Incertezas em medições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
2.2.6 Arredondamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.2.7 Sistemas de dimensões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.2.8 Equações dimensionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.2.9 Homogeneidade dimensional. Análise dimensional . . . . . . . . 11
2.2.10 Medidas de comprimento: distâncias pequenas . . . . . . . . . . . . 12
2.2.11 Medidas de comprimento: longas distâncias . . . . . . . . . . . . . . 13
2.2.12 Sistemas de coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.2.13 Medidas de tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3 Movimento unidimensional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.1 Movimento unidimensional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.2 Velocidade instantânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
3.3 Movimento a velocidade constante (ou uniforme) . . . . . . . . . . . . . . . . 24
3.4 Rapidez de uma bala de espingarda; Métodos experimentais para
determinação da sua velocidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
3.5 Aceleração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.6 Aceleração instantânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.7 Aceleração constante; caso particular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.8 Aceleração da gravidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.9 Equação do movimento a = −g . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

xv
xvi Contents

3.10 Problema a 2 corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

4 Vectores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.1 Vectores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.2 Representação geral de vectores; Notação; Deslocamento . . . . . . . . . 40
4.2.1 Vectores iguais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
4.2.2 Adição de vectores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
4.2.3 Ordem da adição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4.2.4 Soma de três ou mais vectores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
4.2.5 Negativo de um vector . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
4.2.6 Subtracção de vectores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
4.2.7 Multiplicação de um escalar por um vector . . . . . . . . . . . . . . . 43
4.2.8 Regra do Paralelograma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
4.2.9 Componentes de um vector . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.2.10 Resultante de um número arbitrário de vectores . . . . . . . . . . . 47
4.2.11 Vectores unitários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.2.12 Representação de um vector arbitrário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.2.13 Plano inclinado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
4.3 Multiplicação de vectores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
4.3.1 Produto interno (ou escalar) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
4.3.2 Produto externo (ou vectorial) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4.4 Estática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
4.4.1 Stevinus de Bruges . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

5 Cinemática a 3 dimensões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
5.1 Cinemática em 3 dimensões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
5.1.1 Velocidade média . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
5.1.2 Rapidez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
5.1.3 Aceleração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
5.1.4 Aceleração: componentes a⊥ e ak . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
5.1.5 Movimento com aceleração constante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
5.1.6 Movimento de projécteis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
5.1.7 Movimento balı́stico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
5.1.8 Estratégia na resolução de problemas sobre projécteis . . . . . . 77
5.1.9 Movimento circular uniforme. Coordenadas cartesianas e
polares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
5.2 Movimento circular não uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

6 Relatividade do Movimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
6.1 Relatividade do movimento. Transformação de Galileu . . . . . . . . . . . 87
6.1.1 Velocidade relativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
6.2 Dinâmica - Leis de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
6.3 Forças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
6.3.1 Forças fundamentais na Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
6.3.2 Primeira Lei de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
Contents xvii

6.3.3 Referenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
6.3.4 Segunda lei de Newton ou princı́pio fundamental da
mecânica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
6.3.5 Definição de massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
6.3.6 Superposição de forças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

7 Forças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
7.0.7 Terceira lei de Newton ou lei da ação e reação . . . . . . . . . . . . 101
7.1 Força gravitacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
7.1.1 Peso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
7.1.2 Elevador acelerado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
7.1.3 Massa gravitacional, massa inercial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
7.1.4 O Princı́pio da Equivalência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
7.1.5 Lei de Hooke. Molas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
7.1.6 Movimento com força constante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
7.1.7 Polias ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
7.1.8 Fricção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
7.1.9 Força de atrito e velocidade terminal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
7.1.10 Força resistiva proporcional à velocidade . . . . . . . . . . . . . . . . 122
7.1.11 Queda dos corpos no ar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
7.1.12 Cordas e postes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

8 Trabalho e Energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133


8.1 Trabalho e energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
8.1.1 Trabalho a 1-dim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
8.1.2 Força variável, trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
8.1.3 Trabalho em 3-dim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética . . . . . . . . . . . 141


9.0.4 Energia cinética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
9.0.5 Energia potencial gravı́tica (ou gravitacional) . . . . . . . . . . . . . 145
9.0.6 Conservação da energia na presença da gravidade e de
outras forças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
9.0.7 Conservação da energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
9.0.8 Forças conservativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
9.0.9 Energia potencial das forças conservativas . . . . . . . . . . . . . . . 156
9.0.10 Energia potencial de uma mola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
9.0.11 Força gravitacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158
9.0.12 Sobreposição de forças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
9.0.13 Exercı́cios suplementares de revisão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
9.0.14 Forças não-conservativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
9.0.15 Relação entre força e energia potencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
xviii Contents

10 Equilı́brio e Estabilidade de um Sistema Fı́sico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167


10.1 Curvas de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
10.2 Equilı́brio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
10.2.1 Equilı́brio e estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
10.3 Princı́pios variacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
10.4 Potência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
10.5 Formas de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
10.6 Momento linear de uma partı́cula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180

11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183


11.1 Sistema de duas partı́culas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
11.2 Centro de massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187
11.2.1 CM de um grupo de partı́culas; procedimento geral . . . . . . . . 189
11.2.2 CM de corpos sólidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
11.2.3 CM de áreas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
11.2.4 Movimento do centro de massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192
11.2.5 Energia de um sistema de partı́culas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
11.3 Sistemas de massa variável. Equação do foguetão . . . . . . . . . . . . . . . . 199
11.4 Centro de massa. Referencial do centro de massa. . . . . . . . . . . . . . . . 206

12 Colisões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209
12.0.1 Choques no referencial do centro de massa . . . . . . . . . . . . . . . 209

13 Colisões. Continuação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219


13.1 Noção de impulso. Colisões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219
13.1.1 Colisões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222
13.1.2 Colisões elásticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
13.1.3 Colisões elásticas a 2-dim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231
13.1.4 Colisões inelásticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233
13.1.5 Colisões. Sumário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239
13.1.6 Exercı́cio suplementar de revisão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240

14 Cinemática do Corpo Rı́gido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243


14.1 Cinemática do corpo rı́gido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
14.1.1 Rotação em torno de um eixo fixo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
14.1.2 Movimento rotacional com aceleração angular constante . . . 246
14.1.3 Relação entre a velocidade e aceleração angular e linear . . . . 247
14.1.4 Energia cinética rotacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248

15 Momentos de Inércia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251


15.0.5 Momento de inércia dos corpos rı́gidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251
15.0.6 Teorema dos eixos paralelos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255
15.0.7 Teorema do eixo perpendicular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255
15.0.8 Momento angular de uma partı́cula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 258
15.0.9 Movimento de rotação de um sólido rı́gido. Equação dos
momentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261
Contents xix

15.0.10Dinâmica do corpo rı́gido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264


15.0.11Sistema isolado. Forças internas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 266
15.0.12Dinâmica rotacional: aceleração angular ou torque . . . . . . . . 267
15.1 Dinâmica do corpo rı́gido: rotação em torno de um eixo fixo . . . . . . 267
15.1.1 Conservação do momento angular e energia cinética . . . . . . . 269
15.1.2 Trabalho e energia no movimento rotacional . . . . . . . . . . . . . 273
15.1.3 Teorema do trabalho-energia no movimento rotacional . . . . . 274
15.1.4 Impulso angular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 275
15.1.5 Cilindros/esferas a rolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 276
15.1.6 Movimento de rolamento de um corpo rı́gido . . . . . . . . . . . . . 278
15.2 Giroscópio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 284
15.2.1 Dinâmica linear do giroscópio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285
15.2.2 Nutação do giroscópio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287

16 Gravitação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 289
16.1 Lei da Gravitação Universal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 289
16.1.1 Lei da Gravidade de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291
16.1.2 Energia potencial gravitacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 292
16.1.3 Princı́pio da sobreposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293
16.1.4 Energia potencial de uma calote esférica e de uma partı́cula . 294
16.1.5 Descrição da experiência de Cavendish . . . . . . . . . . . . . . . . . . 296
16.1.6 Análise elementar da órbita translunar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 298
16.1.7 Energia potencial do sistema esfera-partı́cula . . . . . . . . . . . . . 300
16.1.8 Força gravitacional exercida entre objectos com simetria
esférica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 302
16.1.9 Forças gravitacionais sobre objectos extensos . . . . . . . . . . . . . 302
16.1.10Força de marés (ou força tidal) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303
16.1.11Peso e força gravitacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 304
16.2 Movimento planetário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 306
16.2.1 Velocidade de escape . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 308
16.2.2 Movimento Planetário Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 309
16.2.3 Propriedades Gerais do Movimento Planetário geral . . . . . . . 311
16.2.4 Movimento planetário-sistema de 2 partı́culas . . . . . . . . . . . . 312
16.2.5 Órbitas caracterı́sticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 318
16.2.6 Órbitas circulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 319
16.2.7 Órbitas elı́pticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 321
16.2.8 Leis de Kepler revisitadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323
16.3 Fı́sica no sistema de coordenadas em rotação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 326

17 Lagrangianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333
17.1 Introdução à Mecânica Lagrangiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333
17.1.1 Princı́pio da Mı́nima Acção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 335
17.1.2 Equações de Lagrange para uma partı́cula . . . . . . . . . . . . . . . . 336
17.1.3 Momento generalizado ou momento conjugado.
Hamiltoniano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 341
xx Contents

17.1.4 Alguns rudimentos de Mecânica Quântica não-relativista ? . 343


17.1.5 Método dos multiplicadores de Lagrange . . . . . . . . . . . . . . . . 345
17.2 Oscilações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353
17.2.1 Movimento harmónico simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 354
17.2.2 Propriedades do MHS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 356
17.2.3 Sistema massa-mola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 356
17.2.4 Energia no movimento harmónico simples . . . . . . . . . . . . . . . 359
17.2.5 Circuito LC e o papel das analogias em Fı́sica . . . . . . . . . . . . 363
17.2.6 Pêndulo simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 366
17.2.7 Solução exacta do problema do pêndulo simples . . . . . . . . . . 368
17.2.8 Percussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 374

18 Oscilações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 377
18.1 Oscilações amortecidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 377
18.1.1 O factor Q de um oscilador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381
18.1.2 Oscilações forçadas: ressonância e impedância mecânica . . . 383
18.1.3 Ressonância da amplitude. Ressonância da velocidade . . . . . 385
18.1.4 Ressonância da velocidade. Impedância mecânica . . . . . . . . . 387
18.1.5 Aspecto energético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 389
18.1.6 Absorção de potência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 390
18.1.7 Oscilações acopladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 392
18.2 Conceito de onda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 399
18.2.1 Equação das cordas vibrantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 402
18.2.2 Intensidade de uma onda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 404
18.2.3 Modos normais de vibração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 404
18.2.4 Natureza das ondas sonoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 411

19 Aplicação da Mecânica dos Fluidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 417


19.1 Aplicações da mecânica dos fluidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 417
19.1.1 O coeficiente de contracção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 418
19.1.2 Circulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 420
19.1.3 Efeito Magnus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 422
19.1.4 Viscosidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 422
19.1.5 Ondas de gravidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 424

20 Teoria da Relatividade Restrita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 427


20.1 Teoria da Relatividade Restrita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 427
20.1.1 As inconsisteências entre o eletromagnetismo e a mecânica . 428
20.1.2 Reflexões sobre o tempo e o espaço nos finais do século
XIX e inı́cio do XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 429
20.1.3 Experiências de Michelson-Morley . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 430
20.1.4 As soluções propostas por Lorentz e Poincaré . . . . . . . . . . . . 434
20.1.5 Postulados da Teoria da Relatividade Especial (ou Restrita) . 436
20.1.6 Relatividade e medidas; ponto de vista operacional . . . . . . . . 437
20.1.7 A transformação de Lorentz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 438
Contents xxi

20.1.8 Invariantes de espaço-tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 439


20.1.9 O conceito de simultaneidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 440
20.1.10Medidas relativistas de comprimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 440
20.1.11Dilatação do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 441
20.1.12Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 443
20.1.13Transformação relativista das velocidades . . . . . . . . . . . . . . . . 443
20.1.14Momento linear relativista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 444
20.1.15E=mc2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 445
20.1.16Relação entre o momento linear e a energia . . . . . . . . . . . . . . 446
20.2 O sistema de referência preferido em Paul Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . 447
20.2.1 A equação de Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 448
20.2.2 A bomba atómica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 450
20.3 Teoria da Relatividade Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 453
20.3.1 O Princı́pio da Covariância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 454
20.3.2 Tempo próprio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 455
20.3.3 Dilatação do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 455
20.3.4 Os Espaços Fibrados e a Teoria Quântica . . . . . . . . . . . . . . . . 455

Index . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 457
Acronyms

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tions or symbols in the Springer layout.
Lists of abbreviations, symbols and the like are easily formatted with the help of
the Springer-enhanced description environment.
ABC Spelled-out abbreviation and definition
BABI Spelled-out abbreviation and definition
CABR Spelled-out abbreviation and definition

xxiii
Chapter 1
Introdução

1.1 Introdução

Procura que hás-de encontrar,


Se medo não tiveres de trabalhar,
Homens há que tanto estudaram
Que novas estrelas encontraram;
E sabem no céu descobrir
Como se movem, nascem e morrem
E, ainda, do Sol os eclipses.
Da nossa vida na Terra, qual o segredo
Que o homem não possa desvendar? - Aléxion (poeta grego, Séc. IV AC)

A matéria de base da ciência é constituı́da pelo conjunto de experiências, observações


e medidas efectuadas pelo cientista. Com este material, o cientista procura um
padrão coerente onde o relacionamento entre as experiências forma um todo consis-
tente, intelı́givel. As leis ou princı́pios fundamentais são generalisações dos factos
experimentais. O método experimental permite validar as leis fı́sicas dentro dos lim-
ites impostos pelas incertezas experimentais.
A mecânica tem por objecto o estudo do movimento e do equilı́brio dos cor-
pos. Entende-se por o deslocamento de um corpo em relação a outros corpos. A
mecânica newtoniana é uma mecânica clássica, não relativista, que estuda o movi-
mento dos corpos macroscópicos a baixas velocidades (quando comparadas com a ,
c = 299792458 m/s)1 .
A Mecânica precedeu as outras ciências, tais como a Termodinâmica e a Electro-
magnetismo.
Alguns grandes sábios resolveram problemas particulares da estática. Existem
registos que mostram a alavanca ter sido utilizada no Antigo Egipto e as polias foram
utilizadas na Antiguidade para construção de estátuas de centenas de toneladas.
(287-212 A.C.) e teriam deixado obras sobre estática. Aristóteles deu erradamente

1 Consulte o sı́tio htt p : //physics.nist.gov onde poderá encontrar informações sobre constantes
fı́sicas fundamentais, unidade e incertezas.

1
2 1 Introdução

a condição de equilı́brio da alavanca, m/m0 = v0 /v, onde v e v0 são as velocidade de


cada extremo da alavanca, onde se encontram as massas suspensas m e m0 .
Foi (Séc. II A.C.) que deixou a condição correcta de equilı́brio da polia, md =
m0 d 0 , sendo d e d 0 o comprimento dos braços. (1452-1519) já teria compreendido
no Séc. XV a utilidade do paralelograma das forças, mas foi (1548-1620) que fez
a sua descrição sob forma rigorosa. A disciplina da Estática foi completada por
(1654-1722).
O desenvolvimento da dinâmica foi mais demorado. Aristóteles defendeu errada-
mente que os corpos mais pesados caı́am mais depressa do que os mais leves e
que uma pedra atirada ao ar descreveria uma recta até certo ponto e depois cairia
verticalmente. (1564-1642) corrigiu os erros propagados por Aristóteles fazendo
experiências com um relógio de água e medindo o tempo de queda em planos incli-
nados e mostrando que se a aceleração for constante, a relação entre a velocidade
e a aceleração é dada por v = at e a distância percorrida é d = at 2 /s. Também de-
scobriu o , compreendeu o movimento circular e a queda dos corpos mostrando que
qualquer que seja a sua massa, todos caiem com a mesma aceleração. (1571-1630)
foi o primeiro astrónomo a propor a órbita elı́ptica e a enunciar as três leis básicas
da mecânica celeste. Na medida em que esse estudo não mostra de forma clara a
relaçaão entre a força e a massa, eles se incluem na aárea da cinemática. Com base
na observação de que um relógio de pêndulo calibrado num dado ponto da Terra in-
dica um tempo cronológico diferente noutro ponto do planeta, (1629-1695) sugeriu
que esse efeito se devia à atracção terrestre. Mas foi com os princı́pios fundamentais
da Mecânica, formulados pela primeira vez por Sir no célebre tratado intitulado “”,
cuja primeira edição remonta a 1687, que esta ciência adquiriu um sistema completo
de princı́pios. Em grande parte o que aqui se expõe é a Mecânica Newtoniana.
Chapter 2
Noções Fundamentais

2.1 Noções Fundamentais

Saber é poder.

- Sir Francis Bacon, filósofo, polı́tico e jurista inglês (1561 - 1626).


A palavra vem de “máquina”. É uma ciência que resultou da construção de
aparelhos para levantar ou deslocar objectos com determinados fins práticos. Muito
antes de se conhecer qualquer regra sobre o funcionamento das máquinas já se con-
heciam as vantagens do que então se designava de Poder Mecânico: a alavanca;
a roda e o eixo; a polia; o plano inclinado; a cunha (ou duplo plano inclinado);
o parafuso. Existem registros Egı́pcios e Assı́rios de todos estes intrumentos, que
teriam sido utilizados na construção das pirâmides. Foi então que aconteceu algo
extraordinário, descobrindo-se regras que permitiam o uso seguro e eficaz dessas
máquinas; fundando-se uma nova ciência.
A Mecânica desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento das outras
ciências. A ciência de 1 e os Escolásticos2 que a seguiram de perto, desenvolveram
uma ciência qualitativa e descritiva. A Mecânica actual é uma ciência que mede e
faz previsões.
A surgiu muito antes da , a ciência do movimento produzido por uma força.
Começou com 3 que nos deu o e o . E durante um longo perı́odo de tempo não
houve mais contribuições para esta ciência. Só em meados do Séc. XVI, foi alguém
que voltou a dedicar-se à Estática, estudando o equilı́brio num plano inclinado.

1 Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) nasceu em Estagira. Foi discı́pulo de Platão e professor de

Alexandre, o Grande. Considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos e criador do


pensamento lógico.
2 O Escolasticismo foi uma doutrina professada por académicos nas universidades medievais no

perı́odo que decorre de 1100 a 1500 d.C. Integrava a filosofia antiga do tempo dos Gregos com a
filosofia medieval cristã. Baseava-se no julgamento, desprezando a observação dos fenómenos.
3 Arquimedes (287-212 a.C.) foi morto por engano por um soldado romano, após a tomada de

Siracusa durante a Segunda Guerra Púnica. A sua sepultura foi decorada com o desenho de uma
esfera dentro de um cilindro, uma das suas demonstrações matemáticas de que mais se orgulhava.

3
4 2 Noções Fundamentais

A partir de Stevinus toda uma plêiade de grandes cientistas contribuiu para os al-
icerces da ciência mecânica, entre eles: Galileu (1564-1642), Huygens (1629-1695),
Newton (1642-1727), Descartes (1596-1650), Leibniz (1646-1716).

2.2 Espaço e Tempo

Todos os processos fı́sicos têm lugar no espaço e no tempo. Todas as leis fı́sicas
contêm, explı́cita ou implicitamente, relações entre comprimentos (espaço) e inter-
valos de tempo (duração).
é a mudança de posição espacial dos corpos com o tempo. A posição do corpo
é uma posição relativa, definida em relação a outros corpos. Até à actualidade, e
após a revolução conceptual inaugurada por Einstein com a Teoria da Relatividade
Restrita, o conceito de posição absoluta, isto é, a posição de um corpo no espaço
absoluto não terá qualquer sentido.

2.2.1 Noções pré-clássicas

Na verdade, a noção de espaço absoluto ou éter desde muito cedo entrou na lin-
guagem da ciência. 4 (544-460 AC) introduziu a noção de contı́nuo em fı́sica, em
oposição à ordenação descontı́nua de todos os corpos, incluindo a recta que, como
toda a figura geométrica, seria formada de mónadas - corpúsculos - postas sequen-
cialmente, ideia defendida por 5 (c. 580 e 504 AC). Um dos discı́pulos mais famosos
de Parménides foi .
A ideia de Parménides teve eco em Descartes que imaginava que o vácuo não
era vazio, que a matéria é contı́nua e que ela forma uma coisa com extensão (res
extensa).
Os trabalhos de Young, Fresnel e Huyghens afirmam a teoria ondulatória da luz
em contraposição à teoria corpuscular da luz. Porém, permanecia por explicar o
carácter especı́fico da sua propagação. Servindo-se da analogia com a propagação
do som, idealizaram que a onda luminosa fazia vibrar um suporte material elástico
e deformável com propriedades exóticas, o éter 6 .
Os trabalhos de , publicados em 1873 num trabalho notável, mostraram que as
ondas electromagnéticas e a luz têm uma origem comum (os campos eléctrico e
magnético) e mostraram igualmente que a sua propagação requeria um substrato
”material”, o éter luminı́fero.

4 Ele resumiu o seu programa numa frase célebre: “Não se pode conhecer o que não existe, nem o

enunciar: porque o que pode ser pensado e aquilo que pode existir são uma mesma coisa”.
5 , destacado discı́pulo de Pitágoras, afirmou: “todas as coisas têm um número e nada se com-

preende sem o número”.


6 Ou ainda “aether” na linguagem dos maxwellianos, actualmente designa-se por vácuo fı́sico ou

ainda campo do ponto zero (em inglês, zero-point field).


2.2 Espaço e Tempo 5

Como veremos no capı́tulo da mecânica relativista, o resultado nulo da , isto é, a


aparente impossibilidade de se detectar o movimento no , veio evidenciar o carácter
supérfluo do conceito de .
Esta é a concepção actual do espaço-tempo, porque a tradição Aristotélica domi-
nou o pensamento europeu até à Idade Média. A empederniu muitas das ideias de
Aristóteles até ao exagero.
A noção cosmológica que introduziu, sugeria que todo o universo é construı́do
em 7 esferas, ocupando a Terra o seu centro. Todo o objecto tinha o seu lugar nat-
ural, para o qual tenderia desde que nada o impedisse. Assim, o movimento era
determinado pelas “causas finais” e accionado pelas “causas eficientes”.
A doutrina de Aristóteles argumentava que os corpos celestes, sendo constituı́dos
por matéria mais perfeita do que os objectos terrestres, deveriam mover-se em
órbitas perfeitas por natureza. Atendendo a que a figura geométrica mais perfeita é o
cı́rculo, concluı́a-se que os planetas deveriam descrever circulos em volta da Terra.
O , para ajustar os desvios das trajectórias planetárias em relação ao cı́rculo, intro-
duziu (cı́rculos dentro de cı́rculos), convertendo o movimento dos planetas numa
mecânica extremamente complicada.
Com a Escolástica Medieval, o espaço adquiriu uma estrutura hierárquica e o
tempo só depois foi introduzido, no sentido em que foi imaginado um instante da
criação do Universo com um final implı́cito.
Com Nicolau Copérnico (1473-1543) inaugurou-se uma revolução no pensa-
mento. Não era mais necessário tanta órbita complicada para descrever movimentos
bem simples. Bastava colocar o Sol no centro do sistema planetário. Esta singular
visão do Cosmos contribuiu para a evolução da noção do tempo, não havendo ne-
cessidade de conceber um instante da criação do Universo e o seu terrı́vel final. A
evolução do pensamento a partir daqui levou à construção duma visão do Cosmos
onde não há pontos do espaço e nem instantes do tempo privilegiados. As leis da
Fı́sica podem ser referidas a qualquer ponto do Universo, assumidos como o centro,
e estabelecer-se determinadas relações entre grandezas.

2.2.1.1 Comprimento

Todas as leis fı́sicas contêm relações do tipo espaço-tempo. Comprimentos são me-
didos com réguas. Só corpos rı́gidos podem ser usados como réguas.
O padrão usado na medida de comprimentos é o . Em mecânica as três são:
comprimento (L), massa (M) e tempo (T). Todas as outras quantidades fı́sicas ()
podem ser expressas por meio dessas quantidades.
Em 1960 foi estabelecido um conjunto de padrões para essas quantidades funda-
mentais - trata-se do (SI). As outras quantidades estabelecidas pelo comité criado
para o efeito são:
• o Kelvin, para a , sı́mbolo (K);
• o mol, sı́mbolo (mol), para a ;
• o ampère, para a , sı́mbolo (A);
• a candela para , sı́mbolo (cd).
6 2 Noções Fundamentais

No total constituem 7 unidades fundamentais.


A necessidade de um padrão comum de unidades pode-se compreender com uma
situação que ocorria com frequência e completamente arbitrária: em 1120 o rei de
Inglaterra decretou que o padrão de comprimento no seu paı́s seria o “yard”, igual à
distância que ia da ponta do seu nariz até à ponta do braço do soberano...
Em 1979, em França definiu-se o metro como a décima milionésima parte da
distância do Equador ao Polo Norte ao longo da linha horizontal () que passa por
Paris. Em Outubro de 1983 redifiniu-se o metro como a distância percorrida pela
luz no vácuo durante o intervalo de tempo igual a 1/299792458 segundos. Esta
definição estabelece que a é 299792458 m/s 7 .
Uma é uma propriedade atribuı́da aos fenómenos naturais, corpos, substâncias
que pode ser quantificada, por exemplo, a massa ou a carga eléctrica. As quanti-
dades fı́sicas podem ser usadas em equações matemáticas utilizadas em ciência e
tecnologia.
A é uma quantidade fı́sica particular, definida e adoptada por convenção, com a
qual outras quantidades particulares da mesma espécie são comparadas de modo a
expressar o seu valor.
O valor de uma quantidade fı́sica é a expressão quantitativa (numérica) de uma
quantidade fı́sica particular e é apresentada como o produto de um número por uma
unidade, o número é o seu valor numérico. O valor numérico de uma quantidade
fı́sica particular depende da unidade com que é expressa.
Por exemplo, a estátua equestre de D. José que se encontra no Terreiro do Paço
tem a altura h = 14 m. Aqui h é a quantidade fı́sica. O seu valor expresso na unidade
“metro” (sı́mbolo da unidade m) é 14 m. O seu valor numérico quando expresso em
metros é 14.

2.2.1.2 Massa

O padrão de massa é o kilograma (kg) e é definido como a massa do protótipo


internacional em platina iridiada, sancionado pela Conférence Générale des Poids
et Mesures, reunida em Paris em 1889, e que se encontra depositado no Paveillon
de Breteuil, em Sévres.

2.2.2 Intervalos de tempo

Intervalos de tempo são medidos com relógios ou por qualquer outro processo repet-
itivo, cı́clico.
A sua unidade padrão é o segundo (s) e define-se como a duração de 9192631770
perı́odos correspondentes à transição entre dois nı́veis hiperfinos do estado funda-

7 Esta definição resulta do Postulado da Teoria da Relatividade Restrita, onde se define que a
velocidade da luz é constante e não depende da direcção de propagação.
2.2 Espaço e Tempo 7

mental do átomo de césio 133 8 . Resumindo, as unidades destes objectos fı́sicos


fundamentais encontram-se na Tabela 2.1.

Table 2.1 Unidades fı́sicas fundamentais.


Sistema de unidades L M T
CGS cm g s
SI m kg s

Exemplo 1: Massa molecular relativa de uma substância: É a massa de uma


molécula dessa substância relativa à unidade de massa atómica (ou dalton) u (igual
a 1/12 da massa do isótopo do carbono-12, 12C ). No estudo das reacções nucleares
define-se a massa do átomo 12C de modo exacto: 12C ( átomo) = 12u. As massas
de outras partı́culas podem ser expressas em função desta unidade com grande pre-
cisão:
1u ' 1.66054 × 10−27 kg.

2.2.3 Ordens de grandeza

2.2.3.1 Comprimentos

• O mais longı́nquo quasar 9 (1987): 2 × 1026 m;


• Comprimento de onda da luz visı́vel: 10−7 m;
• Raio do protão: 10−15 m.

2.2.3.2 Tempo

• Vida média de um protão: 1039 s;


• Idade do Universo: 5 × 1017 s;
• Vida média da partı́cula mais instável: 10−23 s;
• Tempo de Planck 10 : 10−43 s.

8 A precisão do relógio atómico de césio é de 1 segundo em 300000 anos.


9 Os quasares (abreviatura de Quasi stelars objectus) são objectos de extrema luminosidade en-
contrados na fronteira do Universo conhecido, distando mais de dois bilhões de anos-luz da Terra.
Tratam-se possivelmente de núcleos galácticos activados por buracos negros.
10 Em fı́sica, o tempo de Planck (t ), é a unidade de tempo no sistema de unidades conhecido por
P
unidades de Planck, denominado assim em honra de Max Planck. É o tempo que leva um fotão
viajando à velocidade da luz no vácuo a percorrer a distância igual ao comprimento de Planck.
8 2 Noções Fundamentais

2.2.3.3 Massa

Em fı́sica, a massa representa o grau de aceleração que um corpo adquire


quando é sujeito a uma força. Não se deve confundir massa com peso 11 . A massa
de uma quantidade de matéria é determinada pelo número de átomos de um dado
elemento quı́mico.
• Universo conhecido: 1053 kg;
• Elefante: 5 × 103 kg;
• Electrão: 9 × 10−31 kg.

2.2.4 Unidades derivadas

As unidades derivadas são unidades que podem ser expressas a partir das
unidades de base através de sı́mbolos matemáticos de multiplicação e divisão.
Alguns exemplos:
• Volume = L3 ;
massa = ML−3 (unidades no S.I. em kg/m3 );
• Densidade: ρ = Vm = volume
comprimento
• Velocidade = tempo = LT −3 (unidades no S.I. em m/s);
Por vezes é conveniente usar a massa molecular relativa de uma substância. Massa
molecular relativa de uma substância é a massa de uma molécula dessa substância
relativa à unidade de massa atómica u igual a 1/12 da massa do isótopo
carbono-12, 12C. Usa-se em:
• Reacções nucleares: 12C = 12u (unidade de massa atómica ou Dalton);
• Outras massas podem ser medidas relativas ao carbono com grande precisão.
1u ∼ 1.66054 × 10−27 kg.

2.2.5 Incertezas em medições

Nas aulas de laboratório terão oportunidade de adquirir bases mais sólidas sobre
diferentes métodos de tratamento de erros.
Qualquer medida de uma quantidade fı́sica não é perfeita. Utiliza-se o termo
incerteza da medição para expressar este desvio em relação ao seu valor real.
Por outro lado convém ter presente que os resultados das medidas experimentais
são adaptados às necessidade reais, pois que ao procurar obter-se o valor de uma
quantidade fı́sica com grande exatidão há sempre um custo a pagar. Muitas análises
são efectuadas de modo a verificar se determinados limites não são ultrapassados,
por exemplo, a concentração de fluoreto na água potável não deverá ultrapassar o
11 O peso de um corpo é a força exercida pelo campo gravitacional.
2.2 Espaço e Tempo 9

1 mg/l. Na era da globalização é fundamental comparar resultados no âmbito do


comércio e da indústria. Tal só é possı́vel se for conhecida a incerteza da medição
da quantidade fı́sica.
Ao fazer medidas experimentais deve-se efectuar o seguinte procedimento (básico):
1. Especificar o mensurando 12 ;
2. Identificar as fontes de incerteza (por exemplo, apoiando-se num diagrama de
Ishikawa ou Espinha-de-peixe) 13 ;
3. Quantificar as componentes da incerteza;
4. Escolher o método usado para os estimar (tipo A-análise estatı́stica de uma série
de observações; ou tipo B-outro que não estatı́stico de uma série de observações);
5. Se escolher o método do tipo A, calcule a média e o desvio-padrão;
6. Se escolher o método do tipo B, então um dos processos mais vulgar consiste em
assumir uma distribuição triangular na ausência de mais informação. Estime os
valores do limite inferior e superior a− e a+ da quantidade fı́sica em questão de
modo que a quantidade em questão tenha 100 % de probabilidade de se encontrar
nesse intervalo. A melhor estimativa do resultado é dado por X = (a+ + a− )/2
com incerteza uc = (a+ − a− )/2.
Os resultados experimentais apresentam-se usualmente na forma, Xexp = X ± uc ,
onde uc é normalmente o desvio-padrão. Significa que o valor experimental estará
provavelmente algures entre X ±uc com intervalo de confiança de aproximadamente
68 %. Quando se faz um tratamento estatı́stico, calcula-se o valor médio usando a
equação:
∑n xi
X = i=1 , (2.1)
n
e o desvio-padrão calcula-se com
s
∑ni=1 (xi − X)
uc = . (2.2)
n−1

2.2.6 Arredondamentos

A regra mais simples é a seguinte:


• quando o algarismo imediatamente a seguir ao último algarismo a ser conser-
vado é inferior a 5, este último algarismo a ser conservado permanece sem
modificação;
• quando o algarismo imediatamente seguinte ao último algarismo a ser conser-
vado é igual ou superior a 5, este último algarismo a ser conservado é aumentado
de 1 unidade.

12 O que está sendo medido.


13 Consulte o sı́tio: http://pt.wikipedia.org/wiki/Diagrama espinha de peixe
10 2 Noções Fundamentais

2.2.7 Sistemas de dimensões

A expressão de uma grandeza fı́sica A envolve a exactidão e precisão dessa medida


assim como o estabelecimento de uma equação de dimensão:

[A] = F(L, M, T, ...). (2.3)

Esta equação de dimensão é uma lei em potência do tipo

[A] = M α Lβ T γ . (2.4)

2.2.8 Equações dimensionais

A equação de dimensão de uma grandeza fı́sica só tem significado num dado sistema
de dimensão. Na tabela 2.2 apresentamos a equação de dimensão de diferentes
grandezas fı́sicas.

Table 2.2 Equações dimensionais de diferentes grandezas fı́sicas.


Grandeza Equação de definição Equação de dimensão (MLT)
Massa F = ma [M]=M
Força F = ma [F] = MLT −2
Velocidade v = dr
dt [v] = LT −1
Aceleração dv
a = dt [a] = LT −2
Trabalho W = (F · dr) [W ] = ML2 T −2
Energia potencial −∆V = W [V ] = ML2 T −2
Energia cinética 1
T = 2 mv 2 [T ] = ML2 T −2

A equação de dimensão da força é [F] = MLT −2 e significa que a relação entre


as duas medidas F1 e F2 em dois sistemas de unidades diferentes é a seguinte:

F1 = MLT −2 F2 . (2.5)

Exercı́cio: Converta newton (N) para dine 14 .


Arbitremos a relação 1N = x dine:

F1 = x dine F2 = 1 Newton (2.6)

Isto implica que x = 103 × 102 × (1)−2 =105 , ou seja 1 N = 105 dine.

14 Escreve-se mesmo dine por extenso.


2.2 Espaço e Tempo 11

2.2.9 Homogeneidade dimensional. Análise dimensional

Todas as equações fı́sicas satisfazem ao princı́pio da homogeneidade dimen-


sional.
Exercı́cio: Durante um exame um estudante escreveu as seguintes equações:

v= v0 + at 2
d2 x (2.7)
m dt 2
= g

Faça uma análise dimensional de cada equação e diga porque não estão correctas.
A análise dimensional é útil para:
1. encontrar erros nas fórmulas obtidas através de um cálculo ou mesmo erros ti-
pográficos;
2. útil para verificação das unidades no final de longos cálculos matemáticos.
A análise dimensional é baseada no facto que todos os termos de uma equação
que descreve um fenómeno têm as mesmas dimensões.
Aplicações da análise dimensional:
1 verificação de derivações matemáticas;
2 transformação de uma expressão matemática noutra forma mais simples para
verificação experimental;
3 Dedução, a partir de um grande número de dados experimentais, de uma
fórmula mais apropriada para usos práticos;
4 obtenção de coeficientes e relacionar o modelo matemático com o modelo
fı́sico;
5 simplificação da apresentação de dados experimentais.
Resumindo, as regras a reter desde já são as seguintes:
• Numa equação só podemos adicionar ou subtrair quantidades com a mesma di-
mensão;
• as quantidades nos dois membros de uma equação devem ter a mesma√ dimensão;
• a análise dimensional não permite verificar se constantes como π, 2,...estão
correctas ou não.
Exemplo 2: Novo exemplo de análise dimensional com a equação da velocidade:
Estará a equação v = v0 + at 2 /2 correcta?
A equação dimensional será
     
L L 1 L
= + [T 2 ] (2.8)
T T 2 T2

o que nos confirma não estar a equaça o correcta. Na verdade, sabemos que a
equação correcta é v = v0 + at.
Exemplo: - obtenção da expressão do perı́odo do pêndulo simples por meio da
análise dimensional.
12 2 Noções Fundamentais

Suponha que se verificou, por meio de uma experiência, que o perı́odo T de-
pende da massa m do corpo suspenso pelo fio, comprimento do fio do peêndulo l,
aceleração da gravidade g e ângulo de deflexão θ .
Começamos assim por assumir

T = Cl w mx θ y gz , (2.9)
sendo C uma constante numérica sem dimensões. Repare que o ângulo θ não tem
dimensões e portanto não aparece no cálculo. Repare que s = rθ ou seja, θ = s/r
e sendo o ângulo o rácio de dois comprimentos, não tem dimensão. Voltemos a
escrever a Eq. 2.9 na forma
L z
[T ] = [L]w [M]x [ ]. (2.10)
T2
Comparando o membro esquerdo com o direito, concluı́mos que as seguintes igual-
dades dever ser verificadas:

1 = −2z (2.11)
0 = w+z (2.12)
0=x (2.13)

Resolvendo, obtemos z = −1/2, w = 1/2 e x = 0. Ou seja


s
l
T =C . (2.14)
g

q poderı́amos deixar uma função adimensional f (θ ) no membro di-


Eventualmente,
reito, T = C gl f (θ ). A constante C só pode ser determinada experimentalmente.
Já sabemos que C = 2π.

2.2.10 Medidas de comprimento: distâncias pequenas

As medidas das grandezas fı́sicas só poderão ser directas se estiverem dentro de uma
gama de 4 ou 5 ordens de grandeza em torno da nossa escala natural, que é digamos,
1 m.

2.2.10.1 Como medir comprimentos, áreas e volumes

A medida de um comprimento consiste na determinação do número de centı́metros e


fracções de centı́metros que se encontram contidos nele. O método apropriado para
2.2 Espaço e Tempo 13

se proceder à medição depende da magnitude do comprimento. Para comprimentos


da ordem do milı́metro pode-se usar o nónio (Vd. Fig. ??-(a)) 15
A fim de medir volumes de pequenos objectos pode-se colocar o objecto num
tubo de ensaio ou copo 16 marcando um traço no seu exterior. Encha uma pipeta
com água até um certo volume e deixe a água escoar para o copo até chegar ao traço
marcado. Anote o volume contido agora na pipeta. Retire o objecto e a água do copo
e volte a medir qual o volume na pipeta que corresponde ao preenchimento de água
no copo até que se atinja o traço. A diferença entre estes dois volume corresponde
ao volume do objecto.
Distâncias pequenas são medidas com um microscópico óptico se as distâncias
estiverem na gama dos comprimentos de onda da luz visı́vel, ou por microscopia
electrónica se as distâncias forem ainda menores, da ordem de 10−8 m (tamanho
tı́pico de um vı́rus).
A natureza ondulatória dos objectos microscópicos introduzem limitações na
precisão com que a sua dimensão pode ser definida, expressas no “Princı́pio da
Incerteza de Heisenberg” 17 .

2.2.11 Medidas de comprimento: longas distâncias

Distâncias longas são medidas com frequência pelo . Munidos de um 18 , com me-
0
didas efectuadas em dois pontos de observação O e O distantes de b, poderı́amos
determinar a distância a um ponto A (Fig. 2.1):

d sin α = d 0 sin α 0
0 0 (2.15)
d cos α + d cos α = b

donde se obtém:
b
d= sin α
. (2.16)
(cos α + sin α 0 cos α 0 )
Esta técnica é muito usada em Astronomia, onde é conhecida como “” e é apli-
cada na determinação das distâncias a que se encontram as estrelas.

15 Os franceses chamam-no vernier.


16 No Brasil diz-se béquer.
17 Werner Karl Heisenberg (1901 1976) foi um célebre fı́sico Alemão e prémio Nobel. Foi um dos

fundadores da Mecânica Quântica e um dos maiores fı́sicos do Séc. XX. Em Mecânica Quântica,
o Princı́pio da Incerteza de Heisenberg afirma que a localização de uma partı́cula microscópica
numa pequena região faz com que a determinação do seu momento linear fique afectado de uma
incerteza, ou de modo complementar, quando se mede o momento linear de uma partı́cula, tal
implica que a posicao da mesma é incerta.
18 O teodolito é um pequeno telescópio usado em geodesia ou astronomia. Geralmente tem a forma

de um tripé centrado sustentando uma plataforma onde se encontra o telescópio óptico colocado
de tal forma que permite a leitura em escalas graduadas dos ângulos de direção e de inclinação de
um determinado ponto.
14 2 Noções Fundamentais

Fig. 2.1 Método da triangulação.

19usou uma variante deste processo no séc. III a.C. para medir o raio da Terra.
Aristóteles tinha argumentado que a Terra era redonda, pois era esta a forma da
sombra projectada pela Terra sobre a superfı́cie lunar sempre que se interpõe entre
o Sol e a Lua. O seu método foi o seguinte: enquanto bibliotecário em Alexan-
dria, disponha do registo de um grande número de observações diárias sobre toda a
espécie de eventos, soube que no dia do soltı́scio de verão (o dia mais longo do ano),
na cidade de Siena (actual Assuão) ao meio dia os raios solares eram exactamente
verticais. Ao mesmo tempo, em Alexandria, sobre o mesmo meridiano 20 , os raio
solares faziam um ângulo de θ ' 7.20 com a vertical. Os estafetas que percorriam
essa distância afirmam que 5040 estádios separam as duas cidades. Designemos pela
letra s a distância entre Alexandria e Siena. Ora é fácil de ver que
s 5000 stadia
s = Rθ =⇒ R = = , (2.17)
θ 7.2
donde se tira
s 7.2 1
= = =⇒ C = 2πR = 50 s, (2.18)
2πR 360 50
e
5000 × 158m × 50
R= = 6.37 × 106 m. (2.19)

19 Eratóstenes de Alexandria (276-194 a.C.), nascido em Cirene, actual Shahhat, Lı́bia, foi um
famoso geógrafo grego. Eratóstenes foi chamado ao Egipto por Ptolomeu III, fazendo-o precep-
tor do seu filho e bibliotecário em Alexandria. A cidade de Alexandria foi um importante centro
cultural, fundada por Alexandre Magno.
20 Linha imaginária passando pelos Polos Norte e Sul e fazendo um ângulo recto com o equador.

Eratóstenes avança com a ideia que um ponto à superfı́cie da Terra poderia ser referenciado por
duas linhas, uma perpendicular e outra paralela ao equador.
2.2 Espaço e Tempo 15

O era uma antiga unidade de medida e valia aproximadamente 158 m. Ou seja,


Eratóstenes determinou que o raio da Terra seria de 39250 m, obtendo-o com um
erro inferior a 2 %, o que para a época constitui sem dúvida um facto notável.

2.2.12 Sistemas de coordenadas

A descrição do movimento é muito subtil. Por experiência própria todos já nos
apercebemos que quando a chuva cai pode nos parecer que cai na vertical se es-
tivermos parados, mas o mesmo fenómeno observado a partir de um carro em movi-
mento já nos parecerá diferente, a chuva parecerá cair obliquamente. O pêndulo
em oscilação terá um comportamento diferente quando observado num local em re-
pouso, mas terá um comportamento diferente se for posto em oscilação no interior
de uma viatura em andamento acelerado ou em vibração devido à irregularidade do
piso. Estas situações sugerem uma relatividade do movimento e levanta a seguinte
questão: em relação a quê deveremos reportar o movimento? Assim, deveremos
definir um e com ele , isto é, um .
Distâncias e ângulos são usados para fixar a posição de um ponto no espaço,
em relação a um dado referencial. O caso mais simples é o das 21 , definido por
uma origem O e dois eixos ortogonais, em relação aos quais a posição de um ponto
P é definida pelas suas coordenadas x (abscissa) e y (ordenada): P(x, y), tal como
ilustramos na Fig. ??. Do estudo das cónicas Descartes teve a ideia do sistema de
coordenadas.
O é definido por uma origem O e uma direcção de referência Ox, tal como mostra
a Fig. 2.3. A posição de um ponto P é fixada pela sua distância r à origem e pelo
ângulo θ que a direcção OP faz com Ox: P(r, θ ).
O modo mais simples de visualizar o movimento de um ponto no espaço recorre
a três coordenadas (x,y,z) cartesianas (Vd. Fig. 2.4). Por exemplo, podemos aplicar
um sistema a 3 dimensões semelhante às coordenadas polares para descrever o
movimento de uma nave à superfı́cie da Terra com o auxı́lio de 3 números: (r, θ , λ ).

21O essencial das matemáticas Gregas está exposto nas obras de Euclides, Pitágoras e Arquimedes.
Os Gregos desenvolveram uma visão muito clara e abstracta da natureza e dos seus elementos.
Reduziram toda a construção geométrica a algumas figuras que podiam ser traçadas com o auxı́lio
de um esquadro e de um compasso. Os Gregos já usavam de certa forma o que hoje designamos por
coordenadas, mas estas serviam apenas para a representação, por exemplo, no estudo das cónicas.
2 2
Assim, eles escreviam MP
2 + MQ2 = 1, onde M representa um ponto sobre a elipse de semi-eixos
OA OB
maior OB e semi-eixo menor OA sendo MP e MQ comprimentos. A grande descoberta de Descartes
consistiu em substituir MP por y e MQ por x, substituindo o que era uma propriedade geométrica
de uma elipse por uma expressão algébrica.
16 2 Noções Fundamentais

Fig. 2.2 Do estudo das cónicas Descartes teve a ideia do sistema de coordenadas.

Fig. 2.3 Coordenadas polares.

Fig. 2.4 Coordenadas rectangulares. É o sistema de mais fácil visualização.


2.2 Espaço e Tempo 17

2.2.13 Medidas de tempo

Qualquer fenómeno periódico pode ser medido por meio de um relógio. Exemplos:
• relógio de Sol;
• relógio de água (clepsidra) 22
• relógio de areais (ampulhetas);
• relógio de pêndulo;
• relógio atómico
Os métodos directos de medidas de são . Um dos aparelhos utilizados para este
fim é o .
O principal método empregado para medir é o da :
 
N0
t = T1/2 ln (2.20)
N(t)

onde T1/2 designa a . Por exemplo, para o U 238 , T1/2 ≈ 4.5 × 109 anos. Se N0 rep-
resenta a população inicial de átomos radioactivos, após decorrido um tempo t se
encontrará presente na amostra a população N(t). Existem ainda outros métodos de
medida de perı́odos de tempo longos:
1 datação geológica pelo K 40 ;
2 datação geológica com carbono radiactivo.

22 Usado por Galileu nas suas experiências de cinemática.


Chapter 3
Movimento unidimensional

...The entire preoccupation of the physicist is with things that contain within themselves a
principle of movement and rest.

- Aristóteles.
A cinemática descreve a geometria do movimento de uma partı́cula 1 . Usa a
matemática para descrever o movimento em função da posição, da velocidade e da
aceleração. A dinâmica estuda as causas do movimento.
Começaremos pelo estudo do movimento de translacção, por ser o mais simples.
Utilizaremos o conceito de partı́cula ideal. Uma partı́cula ideal é um corpo cuja
dimensão é tão pequena que pode ser tido como a quantidade de matéria colectada
num ponto singular.

3.1 Movimento unidimensional

Comecemos pela análise cinemática do movimento de um objecto (ou melhor, de


uma partı́cula ideal) numa recta orientada com origem no ponto O. A posição da
partı́cula é descrita por meio da abscissa x(t). Poderı́amos medir as posições deste
objecto usando fotografia estroboscópica e construir uma (Tabela 14.1). Como pro-
cesso alternativo, poderı́amos traçar um gráfico, tal como o que se apresenta na
Fig. 3.1.
O movimento mais simples é o descrito pela equação linear:

x(t) = a + bt. (3.1)

O movimento uniforme caracteriza-se pelo facto de que percursos iguais, ∆ x = x4 −


x3 = x2 − x1 são descritos por intervalos de tempos iguais, ∆t = t4 −t3 = t2 −t1 . Se a
1Grande parte desta matéria já foi abordada no ensino secundário. Iremos aqui re-expor a matéria
em jeito de revisão e, ao mesmo tempo, propor uma nova abordagem introduzindo o cálculo difer-
encial e integral ao nı́vel elementar.

19
20 3 Movimento unidimensional

posição de uma partı́cula varia com o tempo, ela encontra-se em movimento, adquire
velocidade. Define-se velocidade média de uma partı́cula por meio da expressão
(vd. QN# 1):
∆ x x(t2 ) − x(t1 )
v= = , (3.2)
∆t t2 − t1
onde ∆ x representa a mudança da posição e ∆t representa o intervalo de tempo
decorrido. O sinal ± designa o sentido do movimento. Repare que v pode ser posi-
tivo ou negativo. |v| chama-se rapidez 2 .
Na Fig. 3.1 mostra-se uma linha de universo . Define-se rapidez média pela
expressão:
distância percorrida [L]
Rapidez média = = (3.3)
tempo dispendido [T ]
ou
d
s= >0 (3.4)
t
sempre positivo e com unidades em m/s. Damos em seguida alguns valores tı́picos:
• Luz: 3 × 108 m/s;
• Som: 300 m/s;
• Corredor: 12 m/s;
• Glaciar: 10−6 m/s;
• Continente: 10−9 m/s.
Movimento e rapidez são grandezas relativas porque dependem do sistema de re-
ferência. Por exempo, um corredor poderá mover-se com a rapidez de 12 m/s no
solo, mas o planeta Terra move-se em torno do Sol com a velocidade de 29.8 m/s.
Qualquer movimento rectilı́neo não-uniforme chama-se acelerado.
A velocidade média é dada pelo coeficiente angular da corda P1 P2 que une os
dois pontos (x1 ,t1 ) e (x2 ,t2 ).
Se v > 0 o movimento vai no sentido positivo do eixo Ox; se v < 0 o sentido do
movimento vai no sentido negativo do eixo Ox.

Table 3.1 Lei horária do movimento


t(s) 0 1 2 3 ...
x(m) 0 0.8 3.1 1.5 ...

Os conceitos deslocamento e distância têm significados distintos. A velocidade


média representa o deslocamento por unidade de tempo. Por exemplo, o movimento
de um corpo sobre um cı́rculo desde um ponto P e retornando ao mesmo ponto
P apresenta um deslocamento nulo e contudo a rapidez 3 não é nula, embora a
velocidade média o seja.

2 Ou por vezes chama-se por celeridade.


3 Em Inglês diz-se “speed”
3.1 Movimento unidimensional 21

Fig. 3.1 Cinemática e dinâmica.

Exemplo 1: Um navio dirige-se de A para B à velocidade v1 = 10 km/h e de B


para A à velocidade v2 = 16 km/h, ambas relativas ao rio. Determine: 1) a veloci-
dade média do navio e, 2) a velocidade da água no rio.
1.) Define-se a velocidade média por meio da expressão v = ∆ x/∆t. O tempo
total dispendido no deslocamento é t = t1 + t2 = ∆vx11 + ∆vx22 . Sabe-se que ∆ x1 =
∆ x2 = ∆ x=AB. Portanto
2∆ x 2v1 v2
v= = = 12.3km/h (3.5)
t1 + t2 v1 + v2
Repare que o factor 2 vem do facto do percurso total ser ∆ x1 + ∆ x2 .
2.) Manifestamente a corrente do rio vai no sentido de B para A. Designando a
velocidade média do barco por v e a do rio por vr , temos de A para B

v = v1 − vr (3.6)

e de B para A
v = v2 + vr . (3.7)
Logo, conclui-se que
v1 − v2
vr = = −3km/h (3.8)
2
ou seja, 0.83 m/s.
Exemplo 2: A velocidade de um atleta foi registada na tabela 3.2.
- Determine v para os primeiros 1.53 s da corrida.
22 3 Movimento unidimensional

t(s) 0.00 0.18 0.25 0.37 0.43 0.54 0.74 0.84 1.12 1.37 1.53
x(m) 0.00 0.61 0.91 1.52 1.83 2.44 3.66 4.27 6.10 7.93 9.14
Table 3.2 Posições e instantes de tempo registados durante a aceleração inicial de um atleta numa
prova de velocidade.

x2 − x1 9.14 − 0
v= = = 5.97m/s.
t2 − t1 1.53 − 0
- Determine v no intervalo de tempo t1 = 0.54 s e t2 = 0.93 s:
x2 − x1 4.88 − 2.44
v= = = 6.3m/s.
t2 − t1 0.93 − 0.54

3.2 Velocidade instantânea

À medida que o ponto P2 se aproxima do ponto P1 (na Fig. 7.7), ∆ x/∆t tende para
o coeficiente angular da tangente T T 0 à curva neste ponto (cf. 7.7):
     
dx ∆x x(t0 + ∆t) − x(t0 )
= lim = lim (3.9)
dt t=t0 ∆t→0 ∆t ∆t→0 ∆t

Esta quantidade representa a derivada de x em relação a t, no ponto t0 . Se o limite


existe para qualquer função de t, então a função diz-se diferenciável no ponto t0 .

Fig. 3.2 Conceito de velocidade instantânea.

Qual é a velocidade no ponto P1 ? A velocidade instantânea no ponto P1 é igual


à velocidade definida como o limite quando ∆t → 0. É igual ao declive da tangente
à curva no ponto P1 :
3.2 Velocidade instantânea 23

∆ x dx
v = lim = . (3.10)
∆t→0 ∆t dt
A velocidade é igual à derivada geral em ordem ao tempo da função posição.
Os valores numéricos de v ou de v(t) são independentes do sistema de coor-
denadas (se não houver movimento relativo) pois que dependem da diferença das
posições. Isto é, são invariantes relativamente à escolha da origem ou do sistema
de coordenadas.
Exemplo 3: Exemplo de uma partı́cula movendo-se ao longo de uma linha recta
com a posição dada por x(t) = 2.1t 2 + 2.80 (m).
a) Dê os valores de v e v(t) nos instantes t = 3 e t = 5 s.

x(3) = 2.1(3)2 + 2.8 = 21.7 m (3.11)


x(5) = 2.1(5)2 + 2.8 = 55.3 m (3.12)
∆ x x(5) − x(3)
v= = = 16.8 m (3.13)
∆t 2
b) Qual é a velocidade instantânea?

x(t + ∆t) = 2.1t 2 + 2.8 + 4.2t∆t (3.14)


2
∆ x = 4.2t∆t + 2.1∆t (3.15)
∆x
v(t) = lim = lim (4.2t + 2.1∆t) (3.16)
∆t→0 ∆t ∆t→0
v(t) = 4.2t. (3.17)

c) Trace os gráficos de x(t) e v(t).


Exemplo 3: Calcule a derivada de x(t) = at 2 +bt +c, onde a, b e c são constantes,
num ponto t qualquer.

x(t + ∆t) = a(t + ∆t)2 + b(t + ∆t) + c


(3.18)
= a(t + 2t∆t + ∆t 2 ) + bt + b∆t + c
2

donde decorre que

∆ x = x(t + ∆t) − x(t) = 2at∆t + a(∆t)2 + b∆t, (3.19)

ou seja,
∆x
= 2at + a∆t + b, (3.20)
∆t
e, no limite,  
∆x
lim∆t→0 = 2at + b. (3.21)
∆t
Finalmente obtém-se a expressão da derivada de x em ordem a t:
24 3 Movimento unidimensional

dx
= 2at + b. (3.22)
dt

3.3 Movimento a velocidade constante (ou uniforme)

A partı́cula move-se de acordo com uma função posição-tempo correspondente a


uma linha recta. O declive de x(t) é constante.

∆x
v= = const. = vo . (3.23)
∆t
Também se tem
dx
v(t) = = const. = vo , (3.24)
dt
ou seja
v = v, (3.25)
a velocidade média iguala a velocidade instantânea. Suponha x(t = 0) = xo . Tem-se
logo
v = vo = x(t)−x
t−0
o
(3.26)
∴ x(t) = xo + vot.
É a equação do movimento linear uniforme (Fig. 3.3).

Fig. 3.3 Movimento linear uniforme.

3.4 Rapidez de uma bala de espingarda; Métodos experimentais


para determinação da sua velocidade

A determinação da velocidade de um objecto com velocidade elevada pode ser feita


utilizando técnicas com grande importância experimental em qualquer laboratório
do mundo. Apresentamos em seguida dois métodos frequentes.
Repare que um projéctil disparado por uma espingarda Winchester modelo .223
Super Short Magnum é de 4345 km/h. Claramente, só usando técnicas especiais se
consegue medir velocidades desta ordem de grandeza.
O primeiro método é o da medida directa do tempo de voo 4 , como se encontra
ilustrado na Fig. 3.4.

4 Em inglês diz-se “Time-of-flight” method


3.4 Rapidez de uma bala de espingarda; Métodos experimentais para determinação da sua velocidade
25

Fig. 3.4 Velocidade de uma bala de espingarda. Método I: Determinação directa do tempo de voo
(Em inglês, “Time-of-flight” method).

O segundo processo chama-se método do veio de rotação 5 , que está ilustrado


na Fig. 3.5.
O procedimento associado a este último método consiste nas seguintes etapas:
• 2 discos de cartão colocados à distância d um do outro e colocados sobre um
eixo comum em rotação
• o projéctil perfura em primeiro lugar o primeiro disco;
• Entretanto o veio vai rodando à medida que o projéctil se desloca ao longo da
distância d;
• Finalmente, o projéctil perfura o segundo disco.
Portanto, trata-se de efectuar as seguintes operações:
1. Medir o intervalo de tempo decorrido em 1 revolução, (suponha que é TR =
0.0293 s)
2. Atendendo que os discos se encontram dispostos arbitrariamente no veio, torna-
se necessário definir uma linha recta, o que pode ser feito disparando primeiro
um projéctil com o veio em repouso;
3. Anote o sentido da rotação do veio;
4. Anote as marcas deixadas pelo projéctil;
5. Coloque o veio em rotação e dispare o projéctil;
6. Meça o deslocamento angular, ∆ θ .
O tempo de voo é dado por (supondo, por exemplo, que θ1 = 20o e θ2 = 77o ):

∆θ 77o − 20o
∆t = 0.0293 = 0.0293 = 0.0046s. (3.27)
360o 360o
A rapidez do projéctil é, por sua vez, dada por

d 1.50m
c= = = 326.1m/s. (3.28)
∆t 0.0046s
5 Em inglês, “rotating shaft”
26 3 Movimento unidimensional

Fig. 3.5 Velocidade de uma bala de espingarda. Metodo II: veio em rotação (em inglês, “rotating
shaft” method).

De modo a ter-se uma noção dos erros inerentes à determinação da rapidez us-
ando o método experimental exposto, resumimos as fontes de erro mais significati-
vas:
Erros e incertezas:
• Medida do tempo de revolução do veio: ∆tR = 0.001 s, inferior a 0.5 %;
• Posição dos orifı́cios (na verdade, medida do ângulo, ∆ θ ∼ (5 − 10)%;
• Medida da distância ∆ d ∼ 0.01 m, inferior a 1%.
Podemos avaliar o erro cometido na medição usando o método do tipo-B, tal
como foi descrito no Fasc. 1:
d.E∆t −∆t.Ed
d
Es = E( ∆t )= ∆t 2
= 1.5×0.001−0.0046×0.01
0.0046 (3.29)
Es = 0.3m/s

O resultado experimental deve-se apresentar na forma:

sexp = (326.1 ± 0.3)m/s. (3.30)

Usámos a regra do quociente:

u vdu − udv
d( ) = . (3.31)
v v2
It is a good thing to proceed in order and to establish propositions. This is the way to gain
ground and to progress with certainty.

- Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716), filósofo, cientista, matemático, diplo-


mata e bibliotecário alemão.
3.6 Aceleração instantânea 27

3.5 Aceleração

A velocidade e a posição de uma partı́cula podem ambas ser função do tempo.


Quando o movimento de uma partı́cula torna-se mais rápido ou mais lento, a veloci-
dade varia: diz-se que o movimento é acelerado. A aceleração é a taxa de variação
da velocidade.
Se v = v1 no instante t = t1 , e v = v2 no instante t = t2 , a é dada pela expressão:

v2 − v1 ∆ v v(t + ∆t) − v(t)


a= = = , m/s2 . (3.32)
t2 − t1 ∆t ∆t

a é igual ao declive do segmento de recta que liga os pontos (v1 ,t1 ) e (v2 ,t2 ) (vd.
Fig. 3.6).

Fig. 3.6 Aceleração média.

3.6 Aceleração instantânea


28 3 Movimento unidimensional

Tal como fizemos ao definir a velocidade instantânea, em lugar de saber a


aceleração média num dado intervalo de tempo, podemos estar interessados em de-
terminar a aceleração instantânea num determinado instante de tempo t.
A aceleração instantânea define-se como o valor limite quando ∆t → 0:

v(t + ∆t) − v(t) dv


a(t) = lim = . (3.33)
∆t→0 ∆t dt

É a derivada da velocidade em relação ao tempo. Em termos geométricos representa


o declive T T 0 do segmento tangente à curva da Fig. 3.7-(b) quando ∆t → 0.

Fig. 3.7 Velocidade vs. tempo.

Visto que a(t) = dv/dt, conclui-se que

dv(t) d 2 x(t)
a(t) = = . (3.34)
dt dt 2

Fig. 3.8 Velocidade vs. tempo. Nem sempre quando v=0 tem-se a=0.
3.7 Aceleração constante; caso particular 29

Exemplo 1: Atenção, mesmo quando v(t) = 0, não temos necessariamente a(t) =


0 (vf. Fig. 3.7).
Exemplo 2: Seja v(t) = 12 βt 2 . Determine a nos instantes t = 1 s e t = 3 s.

v(t + ∆t) = 12 β (t + ∆t)2


= 12 βt 2 + βt(∆t) + 21 β ∆t 2 (3.35)
a = v(t+∆t)−v(t)
∆t = βt + 12 β (∆t)
Temos ∆t = 2 s. quando t = 1 s, tem-se a = β (1) + β (2)/2 = 2β (m/s2 ). Tem-
se ainda v(t + ∆t) = v(3) = β (3)2 /2 = 4.5β . Também verifica-se v(t) = v(1) =
β (1)2 /2 = 0.5β . Daqui vem

∆ v (4.5 − 0.5)
a= = β = 2β m/s2 (3.36)
∆t 2
Se derivarmos a velocidade, obtemos
dv
a(t) = = βt. (3.37)
dt
A aceleração nos instantes t = 1 s e t = 3 s, é, resp., a(1) = β e a(3) = 3β . Pode
verificar que
a(1) + a(3)
a= = 2β . (3.38)
2

3.7 Aceleração constante; caso particular

Trata-se de um caso particular de movimento com grande importância. Por exem-


plo, na proximidade da superfı́cie terrestre todos os corpos caem com a mesma
aceleração (constante), →

g.
a(t) = a = const. (3.39)
Quando a > 0, a aceleração aumenta no sentido positivo do eixo Ox; quando a < 0,
a aceleração diminui no sentido de Ox. Como

dv
a(t) = = a = constante, (3.40)
dt
∴ v(t) ≡ linha − recta. (3.41)
Quando um corpo tem aceleração uniforme (Fig. 3.9)

a(t) = a = const.
a = a = v(t)−v
t−0
o
(3.42)
∴ v(t) = vo + at.
30 3 Movimento unidimensional

Aqui, vo é a velocidade inicial no instante t = 0. Se v > 0, a partı́cula move-se no


sentido positivo do eixo OX; se v < 0, a partı́cula move-se no sentido negativo do
eixo OX.

Fig. 3.9

Se uma partı́cula se encontra em x0 no instante t = 0, após um intervalo de tempo


∆t estará em
x(t) = x0 + vt. (3.43)
A expressão anterior resulta de se saber que o deslocamento é dado por ∆ x = v∆t.
Agora coloca-se a seguinte questão: existe um valor médio da velocidade para um
objecto que se move com aceleração constante desde a velocidade inicial vo até à ve-
locidade final v? A resposta é dada pelo Teorema da velocidade média (conhecida
desde a Idade Média):
1 1 1
v = (vo + v(t)) = [vo + vo + at] = vo + at (3.44)
2 2 2
Atendendo a que v(t) aumenta uniformemente com t, temos

x(t) = xo + vt. (3.45)

Esta expressão resulta de se saber que o deslocamento é dado por ∆ x = vt.


1
∴ x(t) = x0 + vot + at 2 . (3.46)
2
x0 é a posição inicial, vot representa a mudança de posição devido à velocidade
inicial que a partı́cula possui, e at 2 /2 é a variação da posição devido à aceleração.
As equações 3.46 e 3.44 dão v(t) e x(t) em função do tempo. Da Eq. 3.46
obtemos t = v−v 0
a . Substituindo na Eq. 3.44 obtemos sucessivamente

v − v0 1 v − v0 2
 
x(t) − x0 = v0 + (3.47)
a 2 a
1 1
= [v0 (v − v0 ) + (v − v0 )2 ] (3.48)
a 2
2a(x(t) − x0 ) = v2 − v20 (3.49)

e, finalmente,
v(t)2 − v20 = 2a(x(t) − x0 ). (3.50)
Após os cálculos anteriores chegamos à seguinte expressão:

v2 − v20 = 2a(x − x0 ). (3.51)


3.7 Aceleração constante; caso particular 31

Podemos aplicar os conhecimentos de cálculo diferencial já adquiridos para obter a


velocidade e a aceleração instantâneas:
1
x(t) = x0 + v0t + at 2 , (3.52)
2
dx
v(t) =
= v0 + at, (3.53)
dt
dv
a(t) = = a, (3.54)
dt
sendo a uma constante. No caso particular de a = 0, então o movimento seria rec-
tilı́neo e uniforme (Fig. 3.10.

Fig. 3.10 Gráficos da posição, velocidade e aceleração em função do tempo.

Exemplo 3: Em quanto tempo uma viatura percorre 30 m sabendo que parte do


repouso com uma aceleração de 2.0 m/s2 ?

grandeza conhecida incógnita


x0 = 0 −
v0 = 0 −
a = 2.0m.s−2 −
x = 30m t =?
1
x = x0 + v0t + at 2 , (3.55)
2
32 3 Movimento unidimensional

1
30 = 0 + (0)t + × 2t 2 . (3.56)
2

∴ t = 30 = 5.5s. (3.57)
Exemplo 4: Uma partı́cula encontra-se em x0 = 5 m no instante inicial t = 0,
movendo-se com velocidade inicial v0 = 20 m/s. A partir desse momento começa
a desacelerar (i.e., com aceleração oposta à velocidade). No instante t = 10 s a
partı́cula tem a velocidade v = 2 m/s.
a) Qual é a sua aceleração?
b) Determine a função posição.
c) Qual o intervalo de tempo que decorre até a partı́cula voltar à posição inicial?
Resposta:
a) Temos as condições iniciais

x0 = 5m
v0 = 20m/s
v(10) = 2m/s, quando t = 10 s.

Tem-se as seguintes equações

v = v0 + at (3.58)
1
x = x0 + vot + at 2 (3.59)
2
2 2
v − v0 = 2a(x − x0 ). (3.60)

Da primeira equação obtém-se


v − v0 2 − 20
a= = = −1.8 (3.61)
t 10
em unidades m/s2 .
b) Logo, obtém-se a função da posição:
1.8 2
x(t) = 5 + 20t − t . (3.62)
2
c) Quando x = 5m, tem-se

5 = 5 + 20t − 0.9t 2
2
0.9t − 20t = 0
(0.9t − 20)t = 0

ou seja
20
t = 0∨t = = 22.22s.
0.9
3.9 Equação do movimento a = −g 33

3.8 Aceleração da gravidade

Este é um problema com grande importância prática. Um corpo lançado na proxim-


idade da superfı́cie terrestre é acelerado para baixo sob a acção da gravidade. Na
queda livre o movimento processa-se com aceleração constante.
Os Gregos, em particular Aristóteles (como referimos no Fasc. I) estudaram a
queda dos corpos, concluindo (erradamente) que os corpos mais pesados cairiam
mais rapidamente.
Foi com Galileu (1564-1642) que se compreendeu o problema da queda dos cor-
pos, através de experiências cuidosamente preparadas e observações aturadas.
Na verdade, todos os corpos caem para o centro da Terra com aceleração
constante, desde que outros factores externos, tais como o vento, o ar e efeitos
aerodinâmicos sejam excluı́dos.
A aceleração constante dos corpos na proximidade da superfı́cie terrestre consti-
tui uma das leis mais rigorosamente verificadas. O Barão Roland von Eötvös (1848
- 1919) , fı́sico húngaro, realizou importante trabalho experimental sobre a gravi-
dade, estudando em particular a equivalência entre a massa gravitacional e a massa
inertial 6 .
• aceleração normal da gravidade, gn = 9.80665 m/s−2 ;
• aceleração da gravidade no Equador, g = 9.78031 m/s−2 ;
• aceleração da gravidade em Greenwich, g = 9.81170 m/s−2 ;
• aceleração da gravidade em Lisboa, g = 9.80054 m/s−2 .
Devido à rotação da Terra e à inhomogeneidade da crosta terrestre, g varia ligeira-
mente com a latitude e a longitude. Veremos mais tarde como obter g com a lei da
gravitação universal, de Newton.

3.9 Equação do movimento a = −g

Trace um sistema de coordenadas com o eixo Oy orientado para cima. Como já
vimos, as equações do movimento com a constante são as seguintes:

a = −g (3.63)

v = v0 − gt, (3.64)
1
y = y0 + vot − gt 2 , (3.65)
2
e
v2 − v20 = −2g(y − y0 ). (3.66)

6 O chamado princı́pio da equivalência que constitui o postulado fundamental da Teoria da Rela-

tividade Geral.
34 3 Movimento unidimensional

Esta última equação está relacionada com a equação de conservação da energia,


Ec + E p = const.
A aceleração é por vezes medida em unidade de aceleração da gravidade. Na
aviação comercial é recomendado que os materiais e os passageiros não fiquem
submetidos a acelerações superiores a 3.8 gees. Os aviões de combate F-16 supor-
tam 9 gees. Os pilotos não conseguem suportar tais acelerações porque o sangue
é forçado a fluir da cabeça para as pernas, provocando uma diminuição drástica
da visão, mesmo providos de fatos apropriados e treino intensivo. Programas de in-
teligência artificial tomam o comando do aparelho até que o piloto consiga recuperar
da manobra 7
 
a
a(gees) = , (3.67)
g
onde a não tem dimensão. Assim,

a = ga(gees), (3.68)

onde g = 9.81 m/s2 . Se a = 1 gee, então a = g; se a = 2 gees, então a = 2g.


Exemplo 5: Uma bola é atirada do solo verticalmente para cima com uma ve-
locidade inicial de 25 m/s.
a) Quanto tempo leva a atingir a altura máxima?
As condições inicias são as seguintes:

y0 = 0 m
v0 = 25 m/s
a = −g

Usemos as equações

1
y(t) = vot − gt 2
2
v(t) = v0 − gt

Qual a condição que define a altura máxima? É t = T , v(T ) = 0. Donde,

v(T ) = 0 = v0 − gT
v0 25 m/s
T = = = 2.55 s.
g 9.8m/s2

b) Qual a altura atingida?

7 Com o desenvolvimento estrutural dos aparelhos e motores mais potentes, a tendência é os aviões

serem telecomandados (os chamados “drones”).


3.10 Problema a 2 corpos 35

v2 − v20 = −2g(y − y0 )
Quando v(T ) = 0, tem-se y(T ) = ym , donde

0 − v20 = −2g(ym − 0)
v20 (25)2
ym = = = 31.9 m.
2g 2 × 9.81
c) Qual é a velocidade quando atinge de novo o solo?
Tem-se

v2 − v20 = −2g(y − y0 )
v2 − v20 = −2g(0 − 0)
v = ±v0 = −25m/s.

d) Qual o tempo total de voo?

1
y = v0t − gt 2
2
1 1
0 = v0t − gt 2 = t(v0 − gt)
2 2
2v0
t = 0∨t = = 2T = 2 × 2.55s.
g

3.10 Problema a 2 corpos

Exemplo 6: Um estudante quer apanhar um autocarro para o IST. O autocarro


pára no tráfego. O estudante começa a correr para o autocarro com uma velocidade
de 6 m/s. Quando ele se encontra a 15 m do autocarro, este começa a acelerar com
a = 1 m/s2 .
a) Será que ele consegue alcançar o autocarro?
b) Quantos segundos necessita para o alcançar?
c) Quantos metros se deslocará o autocarro até que o estudante o alcance?
d) Qual o valor da aceleração do autocarro a partir da qual o estudante não con-
seguirá seguramente alcançar o autocarro?
Solução: Para alcançar o autocarro ambos devem estar na mesma posição ao
mesmo instante.
Estudante: xe = x0e + vet
Autocarro: xa = x0a + v0at + 21 at 2 .
Requer portanto que: xe = xa
1
∴ x0e + vet = x0a + v0at + at 2 . (3.69)
2
36 3 Movimento unidimensional

isto é:
ve 2x0a a
t= [1 ± (1 − 2 )1/2 ]. (3.70)
a ve
O sinal ± indica que poderá haver em geral dois instantes de tempo correspondendo
a dois eventos diferentes.
Por exemplo, escolha a origem do sistema de coordenadas na posição em que se
encontra o estudante no instante t = 0: x0e = 0 e x0a = 15 m. Temos também ve = 6
m/s, a = 1 m/s2 , v0a = 0.
Tem-se
2x0a a 2 × 15 × 1
= = 0.83, (3.71)
v2e 6×6
6
t = [1 ± (1 − 0.83)1/2 ] (3.72)
1
donde resulta t = 3.5s 8 e t = 8.4 s 9 .
Qual a distância percorrida pelo autocarro entretanto?
1
xa − x0a = v0at + at 2 = 6m (3.73)
2
onde xa − x0a é a distância percorrida, isto é, 6 m.
Exemplo 7: Uma pedra é atirada para cima do alto de um edifı́cio com a veloci-
dade inicial vertical de 20 m/s. O edifı́cio tem 50 m de altura e a pedra passa a razar
o edifı́cio no seu movimento para baixo.
a) Ao fim de quanto tempo a pedra atinge o ponto mais alto da sua trajectória?
Sabe-se que
v = v0 − gt. (3.74)
A altura máxima é atingida quando v = 0, pois que a pedra tem que inverter o sentido
do movimento e há um momento em que ela pára no ar para voltar a descer:
v0 20
∴t = = = 2.04s. (3.75)
g 9.8
b) Qual é a altura máxima atingida?
Parte-se da equação
1
y = v0t − gt 2 , (3.76)
2
donde se obtém
1
ymax = 20 × 2.04 − × 9.8 × (2.04)2 = 20.4m. (3.77)
2

8 Corresponde ao intervalo de tempo que seria necessário para alcançar o autocarro quando este

ainda está parado.


9 Correspondente ao tempo necessário para alcançar o autocarro depois de este partir em movi-

mento.
3.10 Problema a 2 corpos 37

c) Qual é o tempo que a pedra demora a chegar ao ponto de onde foi lançada
(onde está o atirador)?
1
y = v0t − gt 2 . (3.78)
2
O nı́vel do atirador é o nı́vel de referência, a origem do sistema de coordenadas por
questão de conveniência, y = 0.

∴ 0 = v0t − 4.9t 2 , (3.79)

isto é, temos duas soluções possı́veis:

t = 0s t = 4.08s. (3.80)

A primeira corresponde ao instante inicial quando a pedra foi lançada (mas que
aqui é irrelevante), e a segunda corresponde ao intervalo de tempo decorrido desde
o instante inicial 10 .
d) Qual é a velocidade da pedra no instante t = 4.08 s?
Temos
v = v0 − gt (3.81)
v = 20 − 9.8 × 4.08 = −20.0m/s. (3.82)
Repare que a pedra chega ao nı́vel do atirador com a mesma velocidade em módulo
com que partiu, só o sinal se inverteu.
e) Qual é a posição da pedra e do objecto quando t = 5 s?
Recorremos de novo à expressão:

v = v0 − gt = 20 − 9.8 × 5 = −29.0s. (3.83)

assim como
1
y = v0t − gt 2 . (3.84)
2
1
y = 20 × 5 − × 9.8 × 52 = −22.5m (3.85)
2
f) Com que velocidade, e em que instante de tempo, a pedra bate no solo?
1
−50 = vot − gt 2 (3.86)
2
Esta é uma equação algébrica em t, cuja soluções são, t1 = 5.83 s e t2 = −8.75 s,
esta última sem significado fı́sico.
A velocidade com que a pedra embate no solo, mais uma vez, determina-se por
meio da equação v = 20 − 9.8 × 5.83 = −37.1 m/s.

10 Repare que se trata, de facto, de intervalos de tempo.


Chapter 4
Vectores

What use is knowledge if there is no understanding?

- Joannes Stobaeus, natural de Stobi, Norte da Macedónia.

4.1 Vectores

Os vectores surgiram nas primeiras duas décadas do Séc. XIX com a representação
geométrica dos números complexos. Caspar Wessel (1745–1818) , Jean Robert Ar-
gand (1768–1822) , Carl Friedrich Gauss (1777–1855) , estão entre os que mais
contribuiram ao conceberem os números complexos como pontos num plano a
2 dimensões, isto é, como vectores bidimensionais. Em 1827, August Ferdinand
Möbius publicou um livro intitulado “The Barycentric Calculus” no qual introduziu
segmentos rectos orientados que designou por letras do alfabeto, que eram em todos
os aspectos os actuais vectores usados na matemática, ciência e engenharia.
Caspar Wessel desenvolveu uma técnica algébrica para lidar com segmentos de
recta orientados. Ele introduziu uma unidade i (o número imaginário puro) para
expressar qualquer segmento de recta orientado na forma a + bi, sendo a e b
números reais. No desenvolvimento da sua técnica, Wessel obteve uma interpretação
dos números complexos 1 . A invenção dos vectores, representados hoje na forma

− →
− →
− → −
a i + b j , onde i e j são vectores unitários, foi apenas mais um passo audacioso
dos matemáticos com pensamento criativo.
Vectores são entidades matemáticas úteis para representar grandezas fı́sicas que
têm magnitude (módulo), direcção e sentido.

1 Na verdade só mais tarde desenvolvida de forma explı́cita pelo matemático francês D’Argand,

que sugeriu colocar o termo em num eixo vertical.

39
40 4 Vectores

Estudaremos neste capı́tulo as operações fundamentais de adição, subtracção e


multiplicação vectorial. Em particular, estudaremos dois tipos de multiplicação de
natureza diferente (o produto interno e o produto externo).
Abordaremos esta matéria fazendo dois tipos de aproximações: geométrica e
algébrica.
A vantagem adquirida no uso dos vectores reside em podermos descrever o movi-
mento de uma partı́cula ideal em qualquer sistema de coordenadas de modo com-
pletamente geral. As leis da natureza devem ser invariantes relativamente a qualquer
sistema de referência inercial (isto é, não acelerado).

4.2 Representação geral de vectores; Notação; Deslocamento

Quando o movimento se processa no espaço a 3-dim, o deslocamento tem uma


direcção, sentido e módulo. A grandeza (ou objecto matemático) que tem direcção,
sentido e módulo e que dá a distância rectilı́nea entre dois pontos do espaço é um
segmento de recta ao qual se chama vector deslocamento. É representado grafi-
camente por uma seta orientada que vai da origem do movimento ao seu término,
e cujo comprimento é proporcional ao seu módulo. Usualmente representam-se os


vectores por meio de letras com uma seta em cima, N . Mas é apenas uma questão de
convenção. Por exemplo, Feynman sugere a notação IN. Deslocamento, velocidade,
aceleração, força, torque e momento são exemplos de vectores.
Grandezas fı́sicas ou magnitudes que não têm direcção nem sentido são es-
calares. Massa, densidade, trabalho, energia e tempo são escalares.
Em resumo, vectores são representados por linhas orientadas ou setas. O compri-
mento da linha orientada representa a sua magnitude, enquanto que a sua direcção
coincide com a do vector.

4.2.1 Vectores iguais

V ECTORES IGUAIS : Dois vectores são iguais se têm o mesmo comprimento e


direcção. O valor de um vector não se altera se o movermos de um ponto para outro
do espaço, desde que o seu módulo e direcção não mudem.

4.2.2 Adição de vectores

Considere dois deslocamentos sucessivos, tal como o mostra a Fig. 4.1.


4.2 Representação geral de vectores; Notação; Deslocamento 41

Fig. 4.1 Adição de vectores.

Começámos primeiro no ponto A e dirigimo-nos depois para o ponto B. O seg-


mento recto orientado que vai de A para B é designado por vector deslocamento,
como já referimos. A seta indica o sentido do movimento 2
A linha ondulada representa a trajectória real, efectivamente seguida pelo móvel.
Em seguida, este desloca-se de B para C. AC representa o resultado de ambos os dois
deslocamentos. Chama-se a resultante ou soma. Esta é a regra básica da “adição de
vectores”, e este facto é representado pela seguinte equação vectorial:

→ − → − →
AB + BC = AC. (4.1)

Verifica-se que

− → −
A = B, (4.2)

− →

somente se | A |=| B | têm o mesmo módulo, mesma direcção e sentido; a
localização e o ponto de aplicação não são relevantes (vectores equipolentes). As
unidades fı́sicas têm que ser necessariamente as mesmas.

4.2.3 Ordem da adição

A ordem da adição não afecta o resultado.


2 Atenção: na literatura anglo-saxónica fala-se só de direcção, com o significado simultâneo de
direcção e sentido.
42 4 Vectores

• a ordem da adição é irrelevante;


• a adição só faz sentido para alguns tipos de vectores.

Fig. 4.2 Propriedade comutativa da adição de vectores.

4.2.4 Soma de três ou mais vectores

Quando se tem mais de dois vectores a soma processa-se tal como está ilustrado na
Fig. 4.3.
Usa-se a propriedade distributiva da soma vectorial:

− →
− → − →

R = ( A + B )+ C
− →
→ − − →
→ − (4.3)
R = A +( B + C )

Forças podem ser representadas por linhas rectas: Para definir uma força é
necessário especificar: i) o seu ponto de aplicação; (ii) a sua direcção; (iii) a sua
−→
magnitude. Assim, AB representa uma força actuando de A para B.
4.2 Representação geral de vectores; Notação; Deslocamento 43

Fig. 4.3 Soma de três ou mais vectores.

4.2.5 Negativo de um vector




Um vector A multiplicado por um escalar −1 resulta num vector antiparalelo, com


o mesmo módulo mas sentido contrário, − A :

− →

A + (− A ) = 0 (4.4)

4.2.6 Subtracção de vectores



− → − →
− →

A subtracção de dois vectores A e B é definido como a soma de A com − B
( 4.4-(a)):

− → − → − → − →

C = A − B = A + (− B ). (4.5)

4.2.7 Multiplicação de um escalar por um vector



− →

Um vector A multiplicado por um escalar λ é o vector λ A que tem o módulo | λ | A

− →

e é paralelo a A se λ é positivo e é antiparalelo a A se λ é negativo ( 4.4-(b)).
44 4 Vectores

Fig. 4.4 a) - Subtração de vectores; b) - Multiplicação de um escalar por um vector.


− →
− −
Por exemplo: F = m→ −a, F e → a têm a mesma direcção e sentido, apesar de a
massa m ter unidade própria (kg, no SI).

4.2.8 Regra do Paralelograma

A Regra do Paralelograma constitui o fundamento teórico da composição e resolução


das forças.
D EFINIÇ ÃO DE FORÇA : Força é a causa que induz a variação da velocidade de
um corpo com massa.
Pode-se entender por força um puxão ou empurrão.
Os resultados das últimas secções dão-nos dois métodos para adicionar vectores
graficamente.
M ÉTODO DO TRI ÂNGULO : Mova um dos vectores sem mudar a sua direcção
até que a sua origem coincida com o terminus do outro vector. Complete o triângulo
traçando um vector com a origem coincidindo com o primeiro vector. O novo vector
é a resultante dos dois vectores dados.
M ÉTODO DO PARALELOGRAMA : Desloque um dos vectores até que a sua
origem coincida sobre o outro vector, complete o paralelograma, e depois trace um
vector com uma origem comum aos outros dois vectores dados e que forma uma
diagonal do paralelograma. O novo vector é a resultante dos dois vectores dados.
P ROPOSIÇ ÃO 1. Quaisquer duas forças que actuam sobre uma partı́cula são
equivalentes a uma única força representada pela diagonal do paralelograma cu-
4.2 Representação geral de vectores; Notação; Deslocamento 45

jos lados são essas duas forças; e reciprocamente, se uma única força fôr represen-
tada por uma linha recta, se desenharmos um paralelograma tendo por diagonal esta
recta, esta força pode ser substituı́da por duas forças representadas pelos dois lados
do paralelograma. Veja a Fig. 4.5-(a) para ilustração da ideia.

Fig. 4.5 (a) - O paralelograma das forças; (b) - resolução trigonométrica.



P ROPOSIÇ ÃO 2. A expressão da resultante de dois vectores → −a e b inclinados
em relação um ao outro de um ângulo φ , consiste num vector resultante →

c , tal que:
q
−→ 2
R =| OC |= a2 + b + 2a · b. (4.6)

Resolvendo o triângulo formado pelos dois vectores da Fig. 4.5-(b) obtém-se:

c2 = a2 + b2 + 2ab cos φ (a)


b sin φ (4.7)
tan θ = a+b cos φ (b),


− −
onde a, b e c são as magnitudes de → −
a, b e→ c , respectivamente, enquanto que φ e

− → − →

θ são os ângulos que b e c fazem com a . A Eq. 5.20-(a) determina a magnitude
e a Eq. 5.20-(b) a direcção de →

c.
L EI DOS SENOS : A lei dos senos estabelece que para um triângulo arbitrário com
lados a, b e c e ângulos opostos a esses lados α, β e γ:

a b c
= = . (4.8)
sin α sin β sin γ
46 4 Vectores

Exemplo 1: Uma partı́cula desloca-se 10 cm N 30o E, depois 10 cm E. Determine


o deslocamento final.

− −
Representando os deslocamentos e a sua resultante pelos vectores →−
a, b e→ c,
obtemos:
c2 = a2 + b2 + 2ab cos φ
= (10) + (10)2 + 2 × 10 × 10 × cos(60o )
2

= 300cm 2

∴ c = 10 3cm
= 17.3cm (4.9)
b sin φ
tan θ = a+b cos φ
10cm. sin(60o )
= o
√ cos(60 )
10cm+10cm.
3
= 3
∴ θ = 30o .
O deslocamento resultante tem módulo 17.3 cm e está orientado ao longo da
direcção N 60o E.

4.2.9 Componentes de um vector

A projecção de um vector sobre uma linha é chamada de componente do vector ao


longo da linha.
Um vector fica completamente definido pelas suas componentes. Embora o vec-
tor não dependa do sistema de coordenadas, as suas componentes dependem dessa
escolha (cf. Fig. 4.6). As componentes de um vector são muito úteis na álgebra 3
vectorial.

Fig. 4.6 Componentes de um vector em coordenadas cartesianas em duas dimensões.

3 A palavra álgebra é á a variante latina da palavra Árabe “al-jabr”. Esta palavra foi usada pelo
grande matemático árabe Mohammed ibn-Musa al-Khowarizmi cerca de 825 no seu livro escrito
em Bagdad e intitulado “Hidab al-jabr wal-muqubala”.
4.2 Representação geral de vectores; Notação; Deslocamento 47

O procedimento consiste em:


• escolher um sistema de coordenadas;
• escolher uma origem no pé do vector;
• P(x, y, z) é um ponto arbitrário com coordenadas (x, y, z);
• →
−r é o vector posição orientado da origem para o ponto de coordenadas (x, y, z).

Se →
− a tiver componentes ao longo dos três eixos num sistema rectangular (ou
cartesiano), as seguintes equações expressam o vector em termos das suas compo-
nentes:

−a =→ −a x +→

a y +→−
az
ax = a cos α1
ay = a cos α2 (4.10)
azq= a cos α3
a= a2x + a2y + a2z

e onde α1 , α2 e α3 são os ângulos que →



a faz com os eixos coordenados.

4.2.10 Resultante de um número arbitrário de vectores



− −
A resultante de um número de vectores → −a, b,→ c , etc., pode ser obtida seja por um
método gráfico que leva ao traçado de um polı́gono, ou por um método analı́tico que
passamos a descrever.
Escrevemos os vectores dados e as suas componentes:

− →
− → − →
− →

a =→

a x +→−a y +→
−a z, b = b x + b y + b z,
... (4.11)

−r = →−r + → −r + →
−r .
x y z

A resultante é o somatório dos vectores:



−r = →
− →
− −
a + b +→
c + ... (4.12)

Juntando os termos, obtemos



−r + →
−r + →
−r = (→
− →
− →
− →

x y z a x + b x + ...) + (→

a y + b y + ...) + (→

a z + b z + ...) (4.13)

Dado a independência dos eixos, podemos ainda escrever



−r = →
− →
− →

x a x + b x +→−
c x + ..., →
−r = →
y
−a y + b y +→

a y + ...,

−r = → − →
− →
− (4.14)
z a z + b z + c z + ...

Podemos agora escrever as Eqs. vectoriais 4.14 na forma algébrica (porquê?):


48 4 Vectores

rx = ax + bx + cx + ...,
ry = ay + by + cy + ..., (4.15)
rz = az + bz + cz + ...

A resultante é de imediato obtida usando o método analı́tico exposto anteriormente:


q
r = rx2 + ry2 + rz2 ,
r
(4.16)
cos α1 = rrx , cos α2 = ry , cos α3 = rrz ,

onde α1 , α2 e α3 são os ângulos que →


−r faz com os eixos (Fig. 4.7).

Fig. 4.7 Adição de um número arbitrário de vectores.

Exemplo 2: Um homem caminha 3 km N 30o E, depois 1 km E, depois 3 km S


45o E, depois 4 km S, depois 1 km N 30o W. Determine a sua posição final.
Representando graficamente os vectores deslocamento sucessivos obtemos a
Fig. 4.8, com →
−r a resultante.

Fig. 4.8 Problema.

Para determinar →
−r analiticamente iremos primeiro determinar os seus compo-
nentes. Temos sucessivamente:
rx = [3 cos 60o + cos0o + 2 cos(−45 o o o
√ ) + 4 cos(−90 ) + cos(120 )]km
= (2 + 2)km,
= 3.41km
ry = [3 sin(60o ) + sin(0o ) + 2√ o o o
√ ) + 4 sin(−90 ) + sin(120 )]km
sin(−45
= (2 3 − 2 − 4)km (4.17)
= −1.95km
q
∴r= rx2 + ry2
= 3.93km

A direcção é dada pela seguinte relação:


r
tan θ = rxy = −1.95
3.41 (4.18)
∴ θ = −37.1o .

A posição final do homem é a 3.93 km S 52.9o E do seu ponto de partida.


4.2 Representação geral de vectores; Notação; Deslocamento 49

4.2.11 Vectores unitários



− → − → −
i , j , e k são três vectores de módulo igual a 1 unidade (sem dimensão) apontando
ao longo dos eixos das coordenadas. Podem-se construir outros vectores a partir
destes mais elementares.
Exemplo 3: Componentes do vector posição → −r a 2 dimensões.
Escreve-se o vector na forma:
−r = r →
→ − →

x i + ry j , (4.19)

onde rx e ry são as componentes cartesianas do vector →


−r . Há quem escreva na forma


−r = →

rx + →

ry , (4.20)

ou
−r = x→
→ − →

i +y j . (4.21)
p
O módulo do vector é r = x2 + y2 , sendo que x = r cos θ e y = r sin θ , e tan θ =
y/x. O ângulo θ é o ângulo que o vector →
−r faz com o eixo Ox.
Qual é o significado da expressão:

− →
− →

x i + y j + z k =? (4.22)

Significa que se deslocar de x unidades ao longo do eixo Ox, de y unidade ao longo


de Oy, e de z unidades ao longo de Oz, acabamos por traçar o vector →
−r :

−r = x→
→ − →
− →

i +y j +z k . (4.23)

4.2.12 Representação de um vector arbitrário




Escolha um sistema de coordenadas no “pé” do vector A . Projecte perpendiculares
da ponta final do vector nos eixos das coordenadas. Ficam determinados assim as
“componentes” do vector, digamos Ax , Ay e Az . Podemos então escrever:

− →
− →
− →

A = Ax i + Ay j + Az k . (4.24)

Exemplo 4: 2-dim
Sejam as componentes de um vector:

Ax = A cos θ
(4.25)
Ay = A sin θ .

O vector escreve-se na forma



− →
− →

A = Ax i + Ay j (4.26)
50 4 Vectores

− →
− →

A = A cos θ i + A sin θ j . (4.27)


e o módulo de A é dado por:

− q
| A |= A = A2x + A2y . (4.28)



Exemplo 5: Considere dois vectores A (dirigido no sentido positivo do eixo Ox)

− →
− → −
e B (fazendo um ângulo de 600 com o eixo Ox). Calcule a sua soma A + B .
Comece por escolher o sistema de coordenadas mais conveniente, por exemplo,
escolha um dos eixos orientado ao longo de um dos vectores.

− →

Os módulos dos vectores são, | A |= 3 e | B |= 4. Tem-se sucessivamente

− →
− →
− →
− →

A = A − x i + Ay j = A i + 0 j (4.29)

− →
− →
− →
− →

B = Bx i + By j = B cos 60o i + B sin 60o j (4.30)

− →
− → − →
− →

R = ( A + B ) = (Ax + Bx ) i + (Ay + By ) j (4.31)

− →

= (A + B cos 60o ) i + (0 + B sin 60o ) j (4.32)

− →
− →
− →

= (3 + 4 cos 60o ) i + (4 sin 60o ) j = 5 i + 3.46 j (4.33)

Obtemos seguidamente o módulo da resultante:



− q p
| R |= R2x + R2y = 52 + 3.462 = 6.08

Exemplo 6: Vectores a 3-dim


Os vectores a 3 dimensões também se podem representar tal como está na Fig.

Fig. 4.9 Representação de um vector a três dimensões em função dos ângulos dos cosenos direc-
tores

Ax = A cos α
Ay = A cos β (4.34)
Az = A cos γ
4.2 Representação geral de vectores; Notação; Deslocamento 51

α, β e γ são os ângulos dos cosenos directores da recta OA.


Verifica-se
cos2 α + cos2 β + cos2 γ = 1. (4.35)
Os ângulos α, β e γ não são
q todos independentes.
→−
O módulo de A é A = A2x + A2y + A2z e

Ax
cos α = (4.36)
A
Ay
cos β = (4.37)
A
Az
cos γ = (4.38)
A


O vector A pode escrever-se

− →
− →
− →

A = A cos α i + A cos β j + A cos γ k . (4.39)

Sejam

− →
− →
− →

A = Ax i + Ay j + Az k

− →
− →
− →
− (4.40)
B = Bx i + By j + Bz k
A adição é dada pela operação:

− →− →
− →
− →

A + B = (Ax + Bx ) i + (Ay + By ) j + (Az + Bz ) k (4.41)

e a operação da subtracção é feita da seguinte forma:



− →− →
− →
− →

A − B = (Ax − Bx ) i + (Ay − By ) j + (Az − Bz ) k (4.42)

Pode-se generalizar estas operações a um número arbitrário de vectores efectuando-


as par a par.

4.2.13 Plano inclinado

Considere a figura 4.10 abaixo desenhada de um plano inclinado.

Fig. 4.10 Vector num plano inclinado.



Decomponha o vector B :
• Bq : paralelo a x;
52 4 Vectores

• B⊥ : perpendicular a x e dirigido ao longo de -Oy.


Isto é:

− →
− →

B = Bq i + B⊥ j , (4.43)
sendo →

Bq = | B | cos θ

− (4.44)
B⊥ = − | B | sin θ .
onde θ = 300 .

4.3 Multiplicação de vectores

4.3.1 Produto interno (ou escalar)



− → −
Considere os vectores A e B . O produto interno é dado por

− →−
A · B = AB cos φ , (4.45)

onde o ângulo φ ≤ 1800 . O resultado é um escalar, um número.


- Propriedade comutativa

− →− → − →−
A · B = B · A. (4.46)


− →−
A · A = AA cos 00 = A2 (4.47)
Os vectores são paralelos.

− →

A · (− A ) = −A2 . (4.48)
Os vectores são antiparalelos.
A Fig. 7.6 ilustra como se pode obter as componentes de A ao longo de B e
vice-versa.

− →
− →

Note que B cos φ é a projeção de B em A e que A cos φ é a projeção de A em


B.

− →−
0o < φ < 900 (A · B)>0

− →−
900 < φ < 1800 (A · B)<0 (4.49)

− →−
φ = 900 (A · B)=0

− → −
No último caso A e B são perpendiculares um ao outro. O produto interno de dois
vectores constitui um excelente teste de verificação da sua perpendicularidade.
Quando os vectores unitários são paralelos, verifica-se:
4.3 Multiplicação de vectores 53

Fig. 4.11 Componentes de A ao longo de B e vice-versa.


− → −
i · i =1

− → −
j · j =1 (4.50)

− → −
k · k =1

Quando pelo contrário, os vectores unitários são perpendiculares, verifica-se:



− → − → − →−
i · j = j · i =0
− →
→ − → − →−
i · k = k · i =0 (4.51)
− →
→ − → − → −
j · k = k · j = 0.

- Propriedade distributiva

− → − → − → − → − → − → −
(C + D)· E = C · E + D · E . (4.52)

− →−
Exemplo 7: Calcule o produto interno (ou escalar) A · B .
Temos

− →− →
− →
− →
− →
− →
− →

A · B = (Ax i + Ay j + Az k ) · (Bx i + By j + Bz k ) (4.53)

Continuando a operação, obtém-se



− →−
A · B = Ax Bx + Ay By + Az Bz . (4.54)

Obtemos finalmente
54 4 Vectores

− →−
A · B = Ax Bx + Ay By + Az Bz . (4.55)
− →
→ −
- Qual é o significado do produto interno j · A ?
− →
→ − → − →
− →
− →

j · A = j · [Ax i + Ay j + Az k ] = Ay (4.56)
− →
→ − →

Portanto, o produto interno j · A representa a componente do vector A no eixo
Oy. O produto interno será muito utilizado no cálculo do trabalho efectuado por

− →

uma força F sobre um corpo deslocado da distância d :
− →
→ −
W= F · d. (4.57)

− →
− →
− → − →
− − →
→ −
Exemplo 8: Sejam os dois vectores A = 3 i + 7 k e B = − i + 2 j + k .

− →−
- Calcule o produto interno A · B e o ângulo θ que fazem os dois vectores.
Tem-se

Ax = 3; Bx =
−1
Ay = 0; By =
2
Az = 7; Bz =
1

Logo,

− → −
( A · B ) = Ax Bx + Ay By + Az Bz
= (3)(−1) + (0)(2) + (7)(1) = +4

− → −
(A · B) 4 4
cos θ = =√ p =√ √
AB 32 + 02 + 72 (−1)2 + 22 + 12 58 6

− → −
donde se segue que o ângulo formado pelos dois vectores A e B é

⇒ θ = 77.6o .

4.3.2 Produto externo (ou vectorial)


− →
− → −
C = [ A × B ]. (4.58)
C = AB sin φ (4.59)
4.3 Multiplicação de vectores 55


QuadroNegro 8 - (a) A sin φ é a componente de A perpendicular a B ; (b)
AB sin φ é a área do paralelograma.

Fig. 4.12 Regra da mão direita.



Como mostra a Fig. 4.12 o vector C está orientado perpendicularmente ao plano

− → − → − →
− → −
formado por A e B . C é perpendicular a A e B .
56 4 Vectores

− →− − →
→ −
A × B =−B × A. (4.60)

No caso dos vectores serem paralelos, então



− →− →

A × A = AA sin 00 →

n = 0, (4.61)

− → −
sendo →
−n o vector unitário perpendicular ao plano de A e B . Concluı́mos que o
produto externo constitui um teste útil para verificar se dois vectores são paralelos.
Os vectores unitários verificam as seguintes relações:

− → −
i × i =0

− → −
j × j =0 (4.62)

− → −
k × k = 0.

− → − →
− →− → −
i × j =− j × i = k

− → − − →
→ − → −
k × i =− i × k = j (4.63)
− →
→ − →
− →− → −
j × k =−k × j = i

− → − →
− →
− →
− →
− →
− →

A × B = (Ax i + Ay j + Az k ) × (Bx i + By j + Bz k ) (4.64)

− →− →
− →
− →

A × B = (Ay Bz − Az By ) i + (Az Bx − Ax Bz ) j + (Ax By − Ay Bx ) k . (4.65)
Podemos representar o produto externo em notação matricial:
→− →− → −

− → − i j k
A × B =  Ax Ay Az  (4.66)
Bx By Bz

Exemplo 9: Calcule os determinantes:


a) Ordem 2
 
a1 a2
= a1 b2 − a2 b1 (4.67)
b1 b2
 
3 −2
= 3(5) − 4(−2) = 23 (4.68)
4 5
b) Ordem 3
 
a1 a2 a3      
 b1 b2 b3  = a1 b2 b3 − a2 b1 b3 + a3 b1 b2 (4.69)
c2 c3 c1 c3 c1 c2
c1 c2 c3
Exemplo 10:
 
3 2 −1      
 4 3 3  = 3 3 3 − 2 4 3 + (−1) 4 3 = (4.70)
71 −2 1 −2 7
−2 7 1
4.3 Multiplicação de vectores 57

3[3(1)−7(3)]−2[4(1)−(−2)(3)]+(−1)[4(7)−(−2)(3)] = −54−20−34 = −108


(4.71)
Exemplo 11: Outros exemplos de aplicação serão dados mais tarde, entre os

− −p ], o momento da força →−
quais se incluem o momento angular L = [→−r × → τ =

− →

[ r × F ].
Exemplo 12: Sejam

− →
− − →
→ −
A = 3 i +7 j − k (4.72)
e

− →− → −
B = i − j. (4.73)

− →
− → −
Calcule C = [ A × B ].
→− →− →− 

− →
− → − i j k
C = [ A × B ] =  +3 +7 −1  = (4.74)
+1 −1 0


− →− →
− →
− →
− → − →

C = i [7(0)−(−1)(−1)]− j [3(0)−(1)(−1)]+ k [3(−1)−(1)(7)] = − i − j −10 k
(4.75)


− →− →
− → − →
− →
− − →
→ −
C · A = (− i − j − 10 k ) · (3 i + 7 j − k ) = −3 − 7 + 10 = 0, (4.76)


− →− →
− → − →
− →
− → −
C · B = (− i − j − 10 k ) · ( i − j ) = −1 + 1 = 0. (4.77)

− →
− → −
C é perpendicular a A e B .
Em módulo:
C = AB sin θ (4.78)
ou seja
p √ r
C (−1)2 + (−1)2 + (−10)2 102 102
sin θ = =p p =√ √ = , (4.79)
AB 2 2 2 2
3 + 7 + (−1) 1 + (−1) 2 59 2 118

donde resulta r
102
θ = arcsin = 70.80 . (4.80)
118
Exemplo 13: Lei dos cosenos
Trace um triângulo com os vectores. Tem-se

− → − →

C = A−B (4.81)

donde

− → − →
− → − →
− → − →
− →− →
− → − → − → −
C · C = ( A − B )·( A − B ) = A · A −2 A · B + B · B , (4.82)
58 4 Vectores

ou seja
C2 = A2 − 2AB cos θ + B2 . (4.83)
Exemplo 14: Lei dos senos A lei dos senos 4 estabelece uma relação entre os
lados e os ângulos de qualquer triângulo (Fig. 4.13):

a b c
= = = 2R. (4.84)
sin A sin B sinC

Fig. 4.13 Lei dos senos.

4.4 Estática

É útil começarmos por expor os princı́pios básicos do funcionamento das máquinas,


antes de começarmos a exposição da Mecânica Newtoniana. O veleiro, o moinho
4 O gigantesco tratato de Astronomia intitulado “Almagesto” de Claudius Ptolemaeus (circa 100-
170 D.C.) foi a primeira obra sobre trigonometria que chegou à Europa. No primeiro livro (num
compêndio de 13) Ptolomeu constrói uma tábua de cordas na qual o comprimento da corda num
cı́rculo é dado como uma função do ângulo central que a subtende, isto é, c = 2R sin(C/2). Na
obra “Āryabhatīya”, escrita por Āryabhata I (c. 475-550 D.C.) este autor usou a palavra ardha-jya
para meia corda. Depois reduziu a expressão para jya ou jyba e, mais tarde, os Árabes traduziram
esta grande obra clássica da matemática da India, sem explicar qual o seu sentido. Na subsequente
tradução para o Latim, jyba foi traduzida como sinus, palavra latina que significa baı́a, curva. A
abreviatura sin foi introduzida em 1624 por Edmund Gunter.
4.4 Estática 59

de vento e a roda de água eram de facto máquinas inventadas para tornar o esforço
humano mais conveniente. Contudo, nesse tempo, a máquina não era algo que tra-
balhava em lugar do homem, tal como acontece hoje com a máquina eléctrica. O
que se procurava era um dispositivo que proporcionasse vantagem mecânica, uma
máquina que poupasse tempo ao homem. Os princı́pios sobre os quais se funda a
ciência da estática foram estabelecidos por Arquimedes e Stevenius.
O primeiro princı́pio deve-se a Arquimedes (287-212 A.C.) 5
Todos nós sabemos por experiência própria que uma pequena força aplicada num
extremo de uma alavanca, longe do ponto de apoio (ou fulcro) pode ultrapassar em
magnitude uma força muito maior aplicada perto do fulcro.
O tratado de Arquimedes no qual trata desta matéria mostra que Arquimedes
fala de pesos (e não forças) e o seu raciocı́nio trabalha com Axiomas, Redução ao
absurdo e a teoria geométrica das proporções.
P RINC ÍPIO DA ALAVANCA : Seja AB uma barra suportada em C, e sejam P e Q
dois pesos suspensos nos pontos A e B. No equilı́brio verifica-se:

P × AC = Q × BC. (4.85)

Se P for um peso e Q for um peso que se contrapõe, então chama-se a P de força


resistente e a Q força potente, enquanto que AC é o braço resistente e BC o braço
potente.
A vantagem mecânica da alavanca é
Peso comprimento-do-braço-potente
= . (4.86)
Potência comprimento-do-braço-resistente

Exemplo 14: Alavanca simples: A maior parte dos membros do corpo são desta
classe. O ante-braço move-se em torno do cotovelo sendo este o fulcro. A potência
é aplicada pelos músculos bı́ceps (Vd. Fig. 4.14-(a)). A vantagem mecânica é muito
pequena e os músculos devem ser muito fortes.
Exemplo 15: A alavanca simples funciona com base num fulcro fixo e só pode
elevar um peso até à altura acima do flucro e igual ao comprimento do braço menor.
Esta restrição é ultrapassada com o segundo dos poderes mecânicos, a roda e o eixo
(Vd. Fig. 4.14-(b)). Em qualquer instante o diâmetro ACB pode ser visto como uma
alavanca com o flucro em A. Logo, P × AB = W × AC. A força potente é aplicada na
roda maior. A condição de equilı́brio é a da alavanca, Eq. 10.3.

Fig. 4.14 (a) Alavanca simples na máquina do corpo humano; (b) cabrestante, aparelho muito
usado em navios (náutica); (c) Polia.

5 Nascido em Siracusa, completou os estudos na cidade de Alexandria sob a orientação de Conon

na Escola Real dos Ptolomeus (uma dinastia de faraós que governou o Egipto desde a morte de
Alexandre O Grande, até ao ano 30 a.C.) Euclides estudou aqui meio século antes. São conhecidas
as histórias da coroa do rei Hiero, os espelhos ustórios (que pegam fogo) com os quais destruiu as
embarcações romanas, e o seu assassinato no final do cerco a Siracusa, e apesar das ordens estritas
do general Marcellus para que a sua vida fosse poupada.
60 4 Vectores

Exemplo 16: Determine em que ponto de uma barra, de peso desprezável, deve
colocar um corpo de modo que o peso suportado por uma criança numa das suas ex-
tremidades seja a terça parte daquele que suporta um homem na outra extremidade.
Seja W o peso suportado pela criança e 3W o peso suportado pelo homem. Se-
jam x1 e x2 respectivamente o braço potente e o braço resistente. Estando a barra
em equilı́brio a soma dos momentos deve ser nula, ou por outra via, aplicando o
princı́pio da alavanca, W x1 = 3W x2 , isto é, x1 = 3x2 e o peso deve ser colocado a
uma distância mı́nima de 3/4 do comprimento da barra.
Exemplo 17: A polia é uma roda com uma corda enrolada e suportada numa
extremidade. A força potente é aplicada na outra extremidade. O peso é pendurado
no eixo da polia, como mostra a Fig. 4.14-(c). Em qualquer instante o diâmetro ACB
pode ser visto como uma alavanca com fulcro em A. Donde

P × AB = W × AC
P AC 1 (4.87)
W = AB = 2 .

Se tivermos em conta o peso da polia w, devemos antes escrever


W +w
P= (4.88)
2
Claramente os sistemas anteriores so nos permite duplicar a força. Vamos ver em
seuida como podemos amplificar forças.
Exemplo 18: Sistema de Arquimedes (Fig. 4.15) combinando várias polias
permite-nos aumentar a vantagem mecânica até ao limite que desejarmos. Como
a tensão de cada corda é dupla do valor da corda colocada acima, o peso é o dobro
da tensão da última corda. Se houver n polias móveis, tem-se

W = 2n × P
P 1 (4.89)
W = 2n

Desprezámos aqui o peso das polias.

Fig. 4.15 (a) - sistema de Arquimedes; (b) - Polipasto com n roldanas.

Exemplo 19: Polipasto Há dois blocos, cada um dos quais com várias polias no
mesmo eixo. A corda está amarrada a um dos blocos e enrolada em torno da todas
as polias como mostra a Fig. 4.15-(b). A tensão da corda é a mesma em todo o lado
e o peso é suportado por todas as tensões de modo que
P 1
= . (4.90)
W n
Em todos estes casos ignorámos o efeito do atrito que é com frequência consider-
avel. Sem atrito, o trabalho que a força aplicada P deve efectuar para elevar o peso
R na distância s0 deve ser igual ao trabalho efectuado por P ao deslocar o seu ponto
4.4 Estática 61

de aplicação da distância s. Teremos:

P × s = R × s0 . (4.91)

Estes aparelhos são muito usados em construção e náutica.


Exemplo 20: No manual de voo de uma aeronave vem o diagrama apresentado
na Fig. 4.16. Coloca-se o avião na horizontal e debaixo de cada roda coloca-se uma
balança. Mede-se o peso L e R na roda direita e esquerda traseira e N é o peso
medido na roda dianteira. O peso total do avião tem o ponto de aplicação em C.G.
As distâncias em relação ao ponto de referência arbitrariamente escolhido estão
apresentados na figura. Determine a posição XCG .
Se estabelecermos que o momento angular total em torno de um ponto no eixo
de referência é nulo, obtemos

W XCG = (2 + b)(L + R) + N(2 + b − a)


(4.92)
XCG = 2 + b − Na
W

Acresce referir que as unidade de comprimento no caso da figura vêm em m e o


peso em kg.

Fig. 4.16 Procedimento de pesagem de uma aeronave.

4.4.1 Stevinus de Bruges

Simon Stevin de Bruges (1548-1620), cerca de dois milénios depois de Arquimedes


estabeleceu o princı́pio do plano inclinado. A sua contribuição é considerada como
uma das mais importantes para o desenvolvimento da Mecânica. A sua imaginação
fértil e talento para questões práticas levou-o a construir máquinas para elevação das
embarcações dos pescadores holandeses; a arte das fortificações; e a melhor forma
de gestão de uma estrebaria...a pedido do Prı́ncipe de Orange, Maurice de Nassau.
O problema estudado por Stevinus foi o seguinte: imagine um corpo em repouso
num plano horizontal; ele não requer nenhuma força para se manter assim. Em
seguida, prenda-se o corpo a uma corda e inclinemos o plano até que ele fique na
vertical. A tensão do fio iguala o peso do corpo. Em qualquer posição intermediária
a tensão da corda terá um valor que fica entre o peso do corpo e zero. A questão
que se colocou Stevinus foi: qual a relação entre a tensão e o peso para qualquer
inclinação do plano?

Fig. 4.17 A solução de Stevinus.


62 4 Vectores

A Fig. 4.17 mostra a solução avançada por Stevinus. Seja um triângulo com o
plano perpendicular ao horizonte e com a sua base paralelo a ele. De cada lado do
triângulo coloque-se uma série de esferas de igual massa, constituindo uma cadeia
infinita. Stevinus mostrou que a força necessária P aplicada sobre um dos lados do
triângulo para suportar o corpo em repouso sobre o lado oposto do plano inclinado
deve estar na seguinte proporção:

P altura − do − plano
= . (4.93)
W comprimento − do − plano
Nesta expressão hoje sabemos que está implı́cita a conservação da energia mecânica,
na forma W = ∆U. Ele chegou a este resultado pela experimentação e pelo conhec-
imento instintivo. Sabemos de antemão que a cadeia de esferas não se pode mover,
nunca vimos nada semelhante na nossa experiência de vida, podemos dizê-lo até
por instinto. Foi por esta via do conhecimento instintivo que Stevinus começou as
suas investigações e construiu as bases da mecânica.

Fig. 4.18 Cubo de lado a actuado pela força P.



Exemplo 21: Um cubo de lado a é actuado por uma força P , tal como mostra a


Fig. 4.19. Determine o momento de F :


a) em torno de A, M A ;


b) em torno do lado AB, M AB ;


c) em torno da diagonal AG do cubo, M AG .
Solução do Problema.


a) Escolheu-se o sistema de eixos, tal como ilustra a Fig. 4.19. O vector P é
−→
representado em coordenadas Cartesianas e o vector → −r
F/A = AF com origem no


ponto A e término no ponto de aplicação F de P . Deste modo tem-se
−r = a→
→ − →
− →
− → −
i − a j = a( i − j ) (4.94)

− P →− P →− P →− →

P = √ j −√ k = √ ( j − k) (4.95)
2 2 2


O momento do vector P em torno de A é

− →
− →
− → − P →− → −
MA = →
−r
F/A × P = a( i − j ) × √ ( j − k ). (4.96)
2


b) O momento em torno do lado AB é obtido fazendo a projeção de M AB no eixo
Ox:

− → − →
− aP → − → − → − aP
MAB = i · M A = i · √ ( i + j + k ) = √ . (4.97)
2 2
4.4 Estática 63



Fig. 4.19 Determinação do momento de P .



c) A partir do momento que temos o momento de P relativo ao ponto A, o

− →

momento de P relativo à diagonal AG é obtido projectando M A sobre AG. Temos
então primeiro que obter o vector unitário que vai de A para G.
−→

− AG
λ = . (4.98)
AG
Ora, pela Fig. 4.19, concluı́mos que
−→ →
− →
− →

AG = a i − a j − a k . (4.99)
√ √
O seu módulo é AG = a 12 + 12 + 12 = a 3, donde
−→ →
− →
− →


− AG a i − a j − a k 1 →− → − → −
λ = = √ = √ ( i − j − k ). (4.100)
AG a 3 3
Obtém-se em seguida

− → − 1 →− → − → − aP → − → − → −
MAG = ( λ · M AG ) = √ ( i − j − k ) · √ ( i + j + k ), (4.101)
3 3
ou seja
aP aP
MAG = √ (1 − 1 − 1) = − √ . (4.102)
3 6
Chapter 5
Cinemática a 3 dimensões

’If people do not revere the Law of Nature, It will ...adversely affect them. If they accept it
with knowledge and reverence, It will accommodate them with balance and harmony.’

- Tao Te Ching, “O Livro do Caminho e sua Virtude”, escrito pelo grande sábio
chinês Lao Tzu (circa 600 A.C.)
All religions, arts and sciences are branches of the same tree. All these aspirations are
directed toward ennobling man’s life, lifting it from the sphere of mere physical existence
and leading the individual towards freedom.

- Albert Einstein

5.1 Cinemática em 3 dimensões

No Cap. 3 fizemos a exposição das bases do cálculo vectorial fundamentais para


a resolução dos problemas de Mecânica. Em seguida generalizamos a 3 dimensões
o movimento unidimensional desenvolvido nos capı́tulos anteriores.
Em 3-dim o vector posição da partı́cula ideal num referencial cartesiano é dado
pela expressão:
−r (t) = x(t)→
→ − →
− →

i + y(t) j + z(t) k . (5.1)

5.1.1 Velocidade média

Considere uma partı́cula ideal em movimento num plano dirigindo-se de P para


Q. O vector posição em P é →
−r (t) e o vector deslocamento é dado por ∆ →
−r :

65
66 5 Cinemática a 3 dimensões

−r = ∆ x→
∆→
− →

i +∆y j . (5.2)

A razão entre o vector deslocamento e o intervalo de tempo ∆t = t2 −t1 que decorre


entre as duas posições P e Q é o vector velocidade média :


− ∆→
−r ∆x→ − ∆y→ − ∆z→ −
v = = i + j + k, (5.3)
∆t ∆t ∆t ∆t
O vector velocidade média tem a direcção e o sentido de ∆ →
−r , e tem módulo ∆ r/∆t
(cf. Fig. 5.1).

Fig. 5.1 (a) - Vector posição no espaço cartesiano a três dimensões; (b) - Vector deslocamento.

Podemos igualmente escrever:



− →
− →
− →

v = vx i + vy j + vz k . (5.4)

A velocidade instantânea, v(t), no ponto P é definida em módulo, direcção e


sentido como o limite da velocidade média ∆ →
−r /∆t quando ∆t → 0, ou seja:


− ∆→
−r d→
−r
v = lim = . (5.5)
∆t→0 ∆t dt

A sua direcção e sentido é o da tangente à trajectória no ponto P. É igual à taxa de


variação temporal do vector deslocamento:


− d →− →
− →

v = [x i + y j + z k ] (5.6)
dt


− dx →
− dy → − dz → −
v = i + j + k, (5.7)
dt dt dt

− →
− →
− →

v = v i +v j +v k .
x y z (5.8)
O módulo do vector velocidade é dado pela expressão:
q
|→−v |= v2x + v2y + v2z (5.9)

sendo a direcção definida pela equação:


vy
tan θ = . (5.10)
vx
5.1 Cinemática em 3 dimensões 67

5.1.2 Rapidez

A rapidez é dada pela expressão:

d→
−r q
s =| |= v2x + v2y + v2z . (5.11)
dt
Repare que a rapidez instantânea tem o módulo do vector velocidade (enquanto que
a velocidade instantânea tem, além desta propriedade, direcção e sentido).

distancia − percorrida
rapidez − media = . (5.12)
tempo

5.1.3 Aceleração

A aceleração média e a aceleração instantânea são ambas obtidas por uma


generalização imediata do movimento unidimensional.

−v1e→ −v 2 são os vectores velocidade instantânea nos pontos P e Q da trajectória
curva. Têm módulo e direcção diferentes. A aceleração média da partı́cula quando


ela move-se de P para Q é, a , e é definida pela razão entre a variação do vector
velocidade instantânea ∆ →−
v e o intervalo de tempo ∆t:

QuadroNegro 1 - Aceleração média.



Portanto, temos sempre a 6= 0 se a velocidade muda de direcção, ou se a veloci-
dade muda em módulo.
68 5 Cinemática a 3 dimensões

A aceleração instantânea, →
−a , no ponto P define-se em módulo, direcção e sen-
tido como o limite para o qual tende a aceleração média quando o ponto Q aproxima-
se do ponto P e ∆ v e ∆t ambos aproximam-se de zero.

Fig. 5.2 Aceleração instantânea e suas componentes a duas dimensões.

Portanto, tem-se aqui:



− →
− →
− 2→−
a = lim ∆∆tv = ddtv = ddt 2r
∆t→0

− →
− →

= ax i + ay j + az k
d2x
ax = dv x
dt = dt 2
(5.13)
dvy d2y
ay = dt = dt 2
dvz d2z
az = dt = dt 2

Pode-se verificar o seguinte:


• é igual à taxa de variação temporal da velocidade;
• →
−a 6= 0 se o módulo da velocidade varia, ou se a direcção muda;
• Não tem necessariamente a mesma direcção que o vector velocidade;
• O vector aceleração fica no lado côncavo da trajectória curva.
Exemplo 1: As coordenadas de um ponto material movendo-se no plano XY são
dadas por:
x = 1 + 2t 2 (m)
(5.14)
y = 2t + t 3 (m).
Determine a posição da partı́cula, e a sua velocidade e aceleração no instante t = 2
s.

QuadroNegro 2 - Problema.
5.1 Cinemática em 3 dimensões 69

5.1.4 Aceleração: componentes a⊥ e ak

A representação da aceleração de uma partı́cula movendo-se ao longo de uma curva


em termos das componentes a⊥ e ak é muito útil porque essas componentes repre-
sentam um sistema de coordenadas rectangulares.
• →

a ⊥ é normal à trajectória e está associada à mudança de direcção do movimento;
• ak é paralela à trajectória e está associada à variação do módulo de →

v.
Existem 2 casos a considerar:
(a) - →
−a paralelo a →−v : Uma variação no vector velocidade →−v 1 durante o inter-
valo de tempo ∆t é um vector ∆ v com a mesma direcção e sentido que →

− −
a e→ −v 1.


A velocidade v 2 atingida pelo móvel no final do intervalo de tempo ∆t é dada
por →
−v2=→ −
v 1 + ∆→−v , e tem a mesma direcção que →−v 1 , mas módulo ligeiramente
superior.
(b) - →
−a perpendicular a → −
v : No intervalo de tempo ∆t a variação ∆ →
−v é perpen-

− →
− →
− →
− →
− →

dicular a v 1 . Temos v 2 = v 1 + ∆ v , mas v 1 e v 2 diferem na direcção. Quando
∆t → 0, ∆ →−v é perpendicular a →−
v1e→ −v 2 , mas os módulos de →
−v1e→ −v 2 são iguais.

QuadroNegro 3

Repare que a partir da aceleração podemos obter o incremento infinitesimal da


velocidade:

− d→−v
a = ⇒ d→−
v =→−a dt. (5.15)
dt
Ou seja, a variação da velocidade tem a mesma direcção (e sentido) que o vector
aceleração.
Em particular, pode-se verificar (usando →

a⊥e→ −a k ) que:
• →−
a ·→−v > 0 - a velocidade aumenta;
• a ·−

− →v < 0 - a velocidade diminui.
70 5 Cinemática a 3 dimensões

• →

a ·→

v = 0 - o módulo da velocidade permanece constante, mas a velocidade
muda de direcção ⇒ movimento circular.

5.1.5 Movimento com aceleração constante

A aceleração média é dada por:


− ∆→

v
a = . (5.16)
∆t
Se a velocidade inicial é →

v 0 , então após o intervalo de tempo ∆t = t será:


v =→

v 0 +→

a t, (5.17)

quando a aceleração é constante.


As componentes em x, y e z são:

vx = vox + axt
vy = voy + ayt (5.18)
vz = voz + azt

Se aplicarmos os mesmos argumentos que usámos no caso do movimento unidi-


mansional, pode-se mostrar que o vector posição é dado pela expressão:


−r = →
−r + →
− 1→−
o v ot + a t 2 . (5.19)
2
As suas componentes são:
1
x(t) = xo + voxt + axt 2 (5.20)
2
1
y(t) = yo + voyt + ayt 2 (5.21)
2
1
z(t) = zo + vozt + azt 2 (5.22)
2
Repare que nas Eqs. 17.172-Eq. 17.173 e Eqs. 5.20- 5.22 as várias componentes do
movimento são independentes umas das outras. Embora o tempo seja comum em
todas elas, vx é só afectado por ax ; x é afectado pela velocidade inicial vox e ax , e por
aı́ adiante.

Fig. 5.3 Gráficos de y vs. x.


5.1 Cinemática em 3 dimensões 71

5.1.6 Movimento de projécteis

Começamos aqui o estudo do movimento dos corpos aos quais se comunica uma
velocidade inicial a partir de uma posição inicial e que seguem uma trajectória de-
terminada pelo efeito do campo gravitacional e pela resistência do ar.
O modelo ideal é o seguinte:
• As trajectórias são de curto alcance de modo que → −g é (praticamente) constante
em módulo e direcção;
• Despreza-se a resistência do ar;
• Despreza-se o efeito da rotação da Terra;
• O movimento é de aceleração constante.

Fig. 5.4 Trajectória balı́stica.

Para descrever este movimento pode assumir que (cf. Fig. 5.4):
• o movimento realiza-se no plano XZ;
• O eixo OZ é dirigido verticalmente;
• O eixo OX é dirigido no sentido da componente horizontal da velocidade;
Ou seja:

ax = 0
ay = 0
(5.23)
az = −g = −9.80m.s−2 (aceleracao-oposta-a+Oz)
voy = 0.

Equações do movimento:

x(t) = xo + voxt vx (t) = vox


y(t) = 0 vy (t) = 0 (5.24)
z(t) = zo + vozt − 21 gt 2 vz (t) = voz − gt
Repare que os movimentos estão desacoplados, o movimento ao longo de um
dado eixo é independente do movimento ao longo dos outros dois. Essa experiência
pode ser feita por vós. Basta atirar simultaneamente duas moedas (a sua massa
também é indiferente, pois ambas caem com a mesma aceleração) do alto de uma
mesa, uma delas com velocidade horizontal e a outra em queda livre na vertical:
ambas atingem o solo no mesmo instante.
Portanto, x(t), y(t) e z(t) dão uma descrição completa da trajectória da partı́cula
em função do tempo.
Qual é curva matemática descrita pela trajectória balı́stica?
Sabemos que
72 5 Cinemática a 3 dimensões

x(t) = x0 + v0xt
(5.25)
⇒ t = x(t)−x 0
v0x .

Substitua t em z(t):

x − x0 2
   
x(t) − x0 1
z = z0 + v0z − g (5.26)
v0x 2 v0x

Esta equação tem a forma geral da “equação da parábola”:

z = A + Bx +Cx2 , (5.27)

onde A, B e C são constantes.

5.1.7 Movimento balı́stico

O movimento balı́stico foi estudado por Galileu tendo ele chegado à conclusão que a
curva traçada pelo projéctil 1 é uma parábola, consistindo na combinação do movi-
mento de queda livre na vertical com o movimento inercial na horizontal (o de-
sacoplamento das componentes que referimos na Sec. anterior.)
Sejam quais forem as condições iniciais, a trajectória será sempre uma parábola,
desde que seja desprezável o efeito da resistência do ar.
O objectivo é determinar:
• altura máxima;
• tempo de voo 2 ;
• Alcance 3
Normalmente assume-se:
• z(0) = 0 e x(0) = 0, a partı́cula é colocada na origem das coordenadas;
• vz (0) = vzo - componente vertical da velocidade inicial;
• vx (0) = vxo - componente horizontal da velocidade inicial.
O movimento efectua-se no plano XZ. Quando o projéctil atinge a altura máxima,
vz (0) = 0 ele está movendo-se efectivamente horizontalmente:

∴ 0 = voz − gtmax , (5.28)

isto é, o tempo necessário para atingir a altura máxima é:


voz
tmax = . (5.29)
g

1 Bola, bala, missil, bomba.


2 Em inglês, “time-of-flight”
3 Em inglês, “Range”.
5.1 Cinemática em 3 dimensões 73

QuadroNegro 4 Altura máxima e alcance do projéctil.

Qual é a velocidade, v do projéctil em qualquer posição da sua trajectória?


A velocidade instantânea é:

− →
− →

v (t) = vx (t) i + vz (t) k (5.30)

o módulo é: q
|→

v |= v2x + v2z (5.31)
e a direcção e sentido são dados por

vz (t)
tan θ = . (5.32)
vx (t)

Fig. 5.5 Trajectória de um missil balı́stico intercontinental.

5.1.7.1 Velocidade à altura máxima


74 5 Cinemática a 3 dimensões

Fig. 5.6 Esquema do foguetão V2 construı́do na Alemanha Nazi, na base de Peenemünde na costa
Báltica. Werner Von Braun era o cientista-chefe deste projecto que aterrorizou os bitânicos durante
a Segunda Guerra Mundial. Em 1945, os cientistas mais famosos especialistas em foguetões foram
acolhidos pelos americanos sob a capa da operação secreta “Paperclip”. Wernher von Braun, ci-
entista lı́der no desenvolvimento de foguetes na Alemanha foi levado para os Estados Unidos e
tornou-se director do Centro Espacial de Vôo Marshall de 1960 a 1970, onde desenvolveu o Pro-
grama Apollo que colocou o homem na Lua.

vx (t) = vox (5.33)


voz
vz (t = tmax ) = voz − g( )=0 (5.34)
g
No instante em que o projéctil atinge a altura máxima a trajectória é horizontal e
temos então

− →

v = vox i . (5.35)

5.1.7.2 Velocidade atingida à distância máxima alcançada

vx (t) = vox (5.36)


 
2voz 2voz
vz (t = ) = voz − g = −voz (5.37)
g g
Concluı́mos que, em módulo, a velocidade atingida é a mesma com que partiu na
origem, e o ângulo feito com a horizontal é θ = −θo , em lugar do ângulo descrito
na origem θ = +θo quando t = 0.

QuadroNegro 5 - Curvas caracterı́sticas do movimento balı́stico.


5.1 Cinemática em 3 dimensões 75

Exemplo 2: Calcule a altura máxima, o tempo de voo e o alcance atingidos por


um projéctil lançado com velocidade inicial →

v o e fazendo um ângulo inicial θ com
a horizontal, com origem em O.

vox = vo cos θ
(5.38)
voz = vo sin θ
As equações do movimento balı́stico são as seguintes:

x(t) = (vo cos θ )t + xo


(5.39)
z(t) = zo + (vo sin θ )t − 21 gt 2

donde resultam as componentes da velocidade

vx (t) = dx
dt = vo cos θ (5.40)
vz (t) = dz
dt = vo sin θ − gt.

Altura máxima:
v2o sin2 θ
Zmax = (5.41)
2g
Tempo de voo:
2vo sin θ
tvoo = = 2tmax . (5.42)
g
Alcance:
2v2o sin θ cos θ v2 sin 2θ
xmax = = o (5.43)
g g
Atenção: Os resultados apresentados anteriomente podem ser aplicados de ime-
diato se o ponto de impacto e de lançamento se encontrarem à mesma altura. De
outra forma deverá reacertar a origem.
A expressão do alcance:
v2 sin 2θ
R= o , (5.44)
g
é função do ângulo θ , de modo que podemos procurar o ângulo θ que corresponde
ao alcance máximo.
De imediato nos apercebemos que o valor máximo do alcance é obtido quando
sin 2θ = 1, ou seja
• 2θ = 90o
• θ = 45o
Podemos chegar à mesma conclusão por meio do cálculo das derivadas. Primeiro
obtemos o valor extremo:
dxmax v2
= o 2 cos 2θ = 0 ⇒ θ = 45o , (5.45)
dθ g
e depois verificamos se corresponde ao máximo:
76 5 Cinemática a 3 dimensões

d 2 xmax
< 0. (5.46)
dθ 2
Exemplo 3: Qual é o alcance de uma bala de espingarda calibre 22, supondo que
v0 = 330 m/s? Considere θ = 45o . Despreze a resistência do ar.

v2o sin 2θ 3302 × 1


xmax = = = 11.1km. (5.47)
g 9.80

Fig. 5.7 Carregador de munição de algumas espingardas.

Exemplo 4: Repita o mesmo tipo de cálculo para uma bola de baseball 4 .


Suponha que vo ∼ 145 km/h = 40.3 m/s.

v2o sin 2θ 40.32 × 1


xmax = = = 165.7m. (5.48)
g 9.8
Exemplo 5: Uma bola é arremessada horizontalmente a 18 m/s de uma colina
de 50 m de altura. Calcule o tempo de voo, a velocidade com que atinge o solo, o
ponto do impacto e o ângulo do impacto.

x(t) = vo cos θt = vot (5.49)


porque θ = 0o .
1
z(t) = zo + vozt − gt 2 . (5.50)
2
1 2
z(t) = H − gt (5.51)
2
porque voz = 0 e zo = H.
No ponto de impacto devemos ter z = 0. Resolvendo a Eq. 17.181, obtemos
s r
2H 2 × 50
T= = = 3.19s. (5.52)
g 9.80

donde
x(T ) = 18 × 3.19 = 57.42 (5.53)
dx
vx (T ) = = vo = 18m/s (5.54)
dt
dz
vz (T ) = = −gT = −9.80 × 3.19 = −31.26m/s. (5.55)
dt
4Um arremessador (“pitcher”) lança uma bola para o o rebatador (“striker”), que a atinge com um
bastão e tenta em seguida correr em torno de um circuito de bases sem ser atingido pela bola pelos
defesas.
5.1 Cinemática em 3 dimensões 77

vz −31.26
tan β = = (5.56)
vx 18.0
β = −60.1o (5.57)
q
|→

p
v |= v2x + v2y = 182 + 31.262 = 36.1m/s (5.58)

5.1.8 Estratégia na resolução de problemas sobre projécteis

As equações gerais do movimento parabólico são:

x(t) = xo + (vo cos θo )t


(5.59)
z(t) = zo + (vo sin θo )t − 12 gt 2

vx (t) = vo cos θo
(5.60)
vz (t) = vo sin θo − gt.
Exemplo 6: Pretende-se atingir uma maçã com uma flecha no mesmo instante
em que ela cai da árvore (Fig. 7.1)
Para onde deve apontar o atirador de modo a atingir a maçã?

Fig. 5.8 Como atingir uma maçã em queda livre com uma flecha.

A trajectória da flecha é dada por x f (t), y f (t), donde resulta o vector posição:

−r (t) = x (t)→
→ − →

f f i + z f (t) k . (5.61)

A trajectória da maçã é dada por


−r (t) = L→
→ − →

m i + zm (t) k . (5.62)

O impacto da flecha com a maçã acontece no instante t = T e para que tal aconteça
é necessário que
z f (t) = zm (t)
(5.63)
x f (t) = xm (t)
As equações do movimento da maçã são:

xm (t) = L
(5.64)
zm (t) = H − 12 gt 2

As equações do movimento da flecha são:

x f (t) = voxt
(5.65)
z f (t) = vozt − 12 gt 2
78 5 Cinemática a 3 dimensões

No instante t = T devemos ter


L = voxt
(5.66)
∴ T = vLox
A Eq. 17.190 permite-nos escrever
1 1
voz T − gT 2 = H − gT 2 . (5.67)
2 2
isto é, depois de substituir t por T :
L
H = voz . (5.68)
vox
Atendendo a que
vox = vo cos θ
(5.69)
voz = vo sin θ
conclui-se que
H sin θ
= = tan θ . (5.70)
L cos θ
Este resultado leva-nos a concluir o seguinte:
• a pontaria é independente de vo , embora vo deva ser suficientemente elevado de
modo a atingir o alvo;
• o ângulo θ representa o ângulo com que o alvo é visto antes de este começar a
cair.

5.1.9 Movimento circular uniforme. Coordenadas cartesianas e


polares

Considera-se aqui o movimento de uma partı́cula movendo-se com rapidez con-


stante ao longo do cı́rculo de raio R. Já sabemos que


− d→
−v
a = , (5.71)
dt
e também vimos na Sec. anterior que, se a velocidade varia em módulo ou em
direcção, a partı́cula está acelerada.
Por exemplo, se uma partı́cula move-se num cı́rculo a rapidez s =| →

v |= constante,
embora a direcção mude continuamente.
Considere dois instantes de tempo consecutivos muito próximos, ∆t, no movi-
mento de uma partı́cula ideal. Tem-se:

|→

v 1 |=| →

v 2 |= v = const, (5.72)

e a diferença da velocidade é:


5.1 Cinemática em 3 dimensões 79

∆→

v =→

v 2 −→

v 1. (5.73)

Quando ∆t é muito pequeno, tem-se

|→

v |≈ v∆ θ (5.74)

QuadroNegro 6 -Movimento circular uniforme

Portanto,
| ∆v | ∆θ
a= ∼ v( ). (5.75)
∆t ∆t
O que significa este rácio ∆∆tθ ?
Repare que no intervalo de tempo ∆t a partı́cula tem o deslocamento v∆t. Esta
quantidade deve ser igual a R∆ θ (com θ em radianos).

∴ R(∆ θ ) = v∆t (5.76)


 
∆θ v
∴ = = ω = const. (5.77)
∆t R
sendo ω a velocidade angular (em unidades rad/s).
v
∴a=v (5.78)
R
80 5 Cinemática a 3 dimensões

Esta aceleração no movimento circular é perpendicular à velocidade e dirigida no


sentido da concavidade, isto é, do centro, de modo que

v2
a⊥ = = ω 2 R, (5.79)
R
em unidades m/s2 .
Qual é a direcção (e sentido de →

a )?
No limite ∆t → 0 é claro que também ∆ θ → 0. Uma figura rápida do movimento
circular é suficiente para nos apercebermo-nos que ∆ → −v é perpendicular a → −
v, ∴

− →

a ⊥ v , em todo os pontos da curva.
Portanto, como o vector velocidade → −v é tangencial à trajectória conclui-se que
o vector aceleração é orientado para o centro do cı́rculo. Esta aceleração é chamada
de aceleração centrı́peta (“orientada para o centro”).
Podemos exprimir esta aceleração em termos do perı́odo τ do movimento. Se a
partı́cula percorre uma distância 2πR no intervalo de tempo τ, então a sua veloci-
dade é:
2πR
v= , (5.80)
τ
donde se obtém
4π 2 R
a⊥ = 2 . (5.81)
τ
Temos procurado calcular a velocidade e aceleração a partir do procedimento das
coordenadas. Em seguida iremos obter a aceleração de um objecto movendo-se ao
longo de um arco usando a coordenada de arco s. Emprega-se este método quando
se conhece previamente a trajectória da partı́cula. A posição do ponto P fica deter-
minada pela coordenada do arco s, isto é, pela distância à origem de referência eleita
O. Fica assim também estabelecido o sentido positivo da leitura da coordenada s.

QuadroNegro 7 - Procedimento “natural”.


5.1 Cinemática em 3 dimensões 81

Exemplo 1: Um ponto P move-se ao longo de um arco de circunferência de raio


ρ (Vd.√Fig. 7.2). A sua velocidade depende da coordenada do arco segundo a lei
v = C s, onde C é uma constante. Achar o ângulo α entre o vector aceleração e o
vector velocidade.

Fig. 5.9 Um ponto P move-se ao longo de um arco de circunferência de raio ρ.

S OLUÇ ÃO :
Note que
an
tan α =
at
Determinemos as componentes da aceleração:
v2 C2 s dvt dvt ds C √ C2
an = ρ = ρ ; at = dt = ds dt = √ C s
2 s
= 2

donde se obtém:
2s
α = arctan .
ρ
Exemplo 2: Num carrossel os passageiros movem-se num cı́rculo horizontal de
raio R = 5.0 m, completando uma volta ao fim de 40 s. Calcule a⊥ .
S OLUÇ ÃO :

2πR 2π(5.0)
v= = = 0.785m/s (5.82)
τ 40
v2 7.852
a⊥ = = = 0.123m/s2 (5.83)
R 5.0
ou seja, em termos de fracção de “gees”:
 
a⊥
= 1.25gees. (5.84)
g

Repare que


1. Na queda livre, →
−a é constante em módulo e direcção e ddta = 0;
2. No movimento circular uniforme, → −
a é constante em módulo mas não em direcção


que está sempre dirigida para o centro e em contı́nua mudança, ddta 6= 0 ⇒ →

a 6=
constante.
Exemplo 3: Velocidade de uma pequena esfera ao longo de um raio de uma roda
de bicicleta (Vd. Fig. 18.14(b))
S OLUÇ ÃO :
Uma esfera move-se ao longo do raio de uma roda de bicicleta com velocidade
constante v. A velocidade angular da roda é θ̇ = ω em rad/s em torno de um eixo
82 5 Cinemática a 3 dimensões

fixo no espaço. No instante inicial t = 0 a esfera está na origem e o raio ao longo


do qual a esfera move-se está orientado ao longo de OX. Determine a velocidade da
esfera num instante genérico t.
a) Em coordenadas polares:
O procedimento de cálculo que apresentamos a seguir tem um carácter geral
e é de grande importância na aplicação das coordenadas polares a problemas de
movimentos curvilı́neos.
Temos previamente as seguintes relações: r = vt, ṙ = v e θ̇ = ω.
O vector velocidade é:

− d −
v = (r→ u r) (5.85)
dt
onde → −u denota o vector unitário radial, representado na Fig. 18.14(a). O vector
r
unitário radial, como se depreende da Fig. 18.14(a) é dado pela expressão

− →
− →

u r = cos θ i + sin θ j . (5.86)

Efectuando a derivada em ordem ao tempo da Eq. 17.210 obtemos


− d→
−ur
v = ṙ→

u r +r . (5.87)
dt
Encontramos um termo novo, que é o que se encontra no final da Eq. 17.212. Vamos
então calculá-lo:
d→ − →
− d →
− d
ur= i cos θ + j sin θ
dt dt dt

− →

= − i θ̇ sin θ + j θ̇ cos θ

− →
− (5.88)
= θ̇ (− sin θ i + cos θ j )

− → −
Repare que os vectores unitários i e j permanecem fixos no sistema de coorde-
nadas escolhido. Repare agora que se fizermos roda o vector unitário → −
u r de 90o


obtemos o novo vector unitário azimutal u : θ


− →
− →

 
u θ = i cos θ + 2 + j sin θ + π2 )
π

− →
− (5.89)
= − sin θ i + cos θ j

Isto é, obtemos


d→−
ur
= θ̇ →

u θ. (5.90)
dt
Finalmente, obtemos o vector velocidade em coordenadas polares:


v = ṙ→

u r + rθ̇ →

u θ. (5.91)

Voltando ao nosso problema, podemos substituir o que já sabemos:




v = v→

u r + vtω →

u θ. (5.92)
5.1 Cinemática em 3 dimensões 83

b) Em coordenadas cartesianas:
Neste caso convém partir da expressão


− d →− →

v = (x i + y j ) (5.93)
dt
Ou seja

− d →
− →

v = (r cos θ i + r sin θ j ) (5.94)
dt

− → −
Repare que agora os versores i e j estão fixos no espaço, não rodam com o tempo
como o fazem →−
u e→ r

u . Temos assim sucessivamente
θ


− →
− →
− →

v = ṙ cos θ i − rθ̇ sin θ i + ṙ sin θ j + rθ̇ cos θ

− →
− →
− (5.95)
v = i (v cos θ − v sin θ ) + j (v sin θ + v cos θ )
r θ r θ

onde pusemos vr = ṙ e vθ = rθ̇ = rω.


Por este exemplo concluı́mos ser muito mais fácil a resolução do problema us-
ando coordenadas polares.
Exemplo 4: Calcule a expressão da aceleração em coordenadas polares. Parta da
Eq. 17.210.
S OLUÇ ÃO :


− d−
a = → v
dt

− d −
a = (ṙ→
u r + rθ̇ →

u θ) (5.96)
dt

QuadroNegro 8 - Aceleração em coordenadas polares (complete o cálculo


acima iniciado)
84 5 Cinemática a 3 dimensões

Chegámos finalmente à expressão da aceleração em coordenadas polares:




a = (r̈ − rθ̇ 2 )→

u r + (rθ̈ + 2ṙθ̇ )→

u θ. (5.97)

• r̈→

u r - aceleração linear na direcção radial devido à variação do módulo da ve-
locidade;
• rθ̈ →

u θ - aceleração linear na direcção tangencial devido à variação do módulo da
velocidade angular ω (termo de Euler);
• −rθ̇ 2 →
−u r - aceleração centrı́peta;


• 2ṙθ̇ u θ - aceleração de Coriolis5 (força fictı́cia que aparece nos referenciais em
rotação)

Fig. 5.10 (a) Movimento circular e em linha recta em coordenadas polares. (b) Uma esfera move-
se radialmente ao longo de um raio de roda de bicicleta com velocidade v.

5.2 Movimento circular não uniforme

Quando o movimento é circular mas porém a rapidez varia, aparece o termo que já
discutimos a⊥ mas também um novo termo que representa uma componente tan-
gencial da velocidade:
∆ vk dvk
ak = lim = , (5.98)
∆t→0 ∆t dt
continuando com a componente normal:

v2
a⊥ = . (5.99)
R
O módulo é dado por q
a= a2⊥ + a2k . (5.100)

É claro que no inı́cio do movimento circular a partir do repouso estas duas compo-
nentes estão sempre presentes.
A força centrı́fuga é a força que parece dirigida no sentido contrário ao do centro
O.
Imagine que está no interior de uma viatura em movimento circular e que atira
uma maçã para fora do carro. Temos duas perspectivas diferentes do mesmo evento:
5 Gaspard-Gustave de Coriolis ou Gustave Coriolis (1792 1843), foi um matemático, engenheiro

mecânico e cientista francês, tornado famoso pela descoberta do efeito Coriolis. Coriolis foi o
primeiro a cunhar a palavra “trabalho” para o produto da força pelo deslocamento. Em 1829 Cori-
olis publicou o livro “Calcul de l’Effet des Machines” onde expôs a mecânica na forma que a
tornava de compreensiva aplicação no contexto da engenharia.
5.2 Movimento circular não uniforme 85

- Referencial do solo.
• o objecto é atirado para fora da viatura
• move-se numa linha recta relativo ao solo (ou ao laboratório)
• tudo se passa como se a viatura tivesse uma aceleração centrı́peta a⊥ que afasta
a viatura do objecto.
- Referencial da viatura
• o objecto é atirado para fora da viatura
• aparenta estar animado da aceleração centrı́fuga −→

a⊥
• é evidente então pela comparação dos eventos observados nestes dois referen-
ciais diferentes que surgem forças com carácter fictı́cio 6 (ou ainda por vezes
denominadas por pseudo-forças).
As chamadas forças fictı́cias surgem normalmente em referenciais não-inerciais
(isto é, acelerados), e nestes a descrição da mecânica sofre modificações apropri-
adas, como veremos a seguir.

6 Isto é, forças que não resultam de uma interacção fı́sica, que não resultam da presença de um

campo de forças (do tipo, por ex., electromagnético ou gravı́tico).


Chapter 6
Relatividade do Movimento

’Be a philosopher; but, admidst all your philosophy, be still a man.’ - (David Hume, 1737)

’It does not matter how slowly you go so long as you do not stop’. - Confucius (571 BC
–479 BC)

6.1 Relatividade do movimento. Transformação de Galileu

O movimento é relativo. Como é notório no exemplo anterior, a velocidade e a


aceleração dependem do referencial usado no estudo do movimento.
Os trabalhos de Galileu proporcionaram a base teórica para a artilharia. A artil-
haria foi usada inicialmente para quebrar a moral dos adversários numa confrontação
bélica, mas era fundamental saber como atingir o alvo. Galileu compreendeu que
uma bala de canhão tem dois movimentos quando é lançada: um movimento para a
frente que resulta da explosão e que lhe dá um movimento inicial em determinada
direção; o outro movimento deriva da ação da gravidade que puxa a bala para o
centro da Terra. Galileu compreendeu que se pode decompor um movimento com-
plicado numa dada direção como resultado do movimento em duas outras direções.
Também compreendeu que o corpo se movia numa direção determinada com ve-
locidade constante porque possuia uma propriedade intrı́nseca e fundamental da
matéria: a inércia 1 .
1 Esta propriedade era perfeitamente surpreendente na época. Alguns historiadores da Ciência
fizeram notar a extrema semelhança que a Lei da Inércia de Galileu tem com o perı́odo inicial do
Cap. II do Leviathan, escrito por Thomas Hobbes com o fito de compreender o funcionamento das
sociedades humanas:
”Que quando uma coisa está parada, assim permanecerá eternamente a menos que alguma
outra coisa a mova, é verdade que ninguém duvida. Mas que, quando uma coisa se encontra
em movimento, assim permanecerá eternamente a menos que alguma outra coisa a detenha,
não é tão facilmente que se concorda com isso, embora a razão seja a mesma, a de que nada
pode modificar-se por si mesmo.”

87
88 6 Relatividade do Movimento

Exemplo 1: Um avião desloca-se à altitude de 500 m e com a velocidade (ou


melhor, rapidez) de 100 km/h. Supondo que se pretende deixar cair um saco postal
para o solo no local B, a que distância A desse local se deve deixar cair o saco postal?
Veja a Fig.

Fig. 6.1 Avião deixa cair saco postal.

Tem-se sucessivamente:

y = h − 12 gt 2
x = vt
2
⇒ t = xv2
2
y = h − gx
2v2
2 (6.1)
y = 0 [saco no solo] ⇒ h = gx
q 2v2
x = v 2h g
q
105 2x500
x = 3600 10 ≈ 210 m.

QuadroNegro 1 - Movimento do veleiro relativo ao referencial do navio e da


Terra.
6.1 Relatividade do movimento. Transformação de Galileu 89

Referencial da Terra: x, y, z,t


Referencial do navio: x0 , y0 , z0 ,t 0 .
O tempo é absoluto no âmbito da mecânica Newtoniana: t = t 0 .
Sejam:

−r - vector posição do veleiro relativo à Terra.

−r 0 - vector posição do veleiro relativo ao navio.
Iremos assumir que o sistema de coordenadas dos dois referenciais coincide no


instante t = t 0 = 0 e que as coordenadas do navio movem-se com a velocidade V


ao longo de R . Podemos então escrever:
→ −r 0 + →
−r = → −
R (6.2)

Esta adição imediata pode ser feita porque fora do contexto relativista (v  c) os
comprimentos dos objectos fı́sicos são absolutos.

− → −
R =Vt (6.3)
∴→ −r 0 + →
−r = → −
V t, (6.4)
ou
→ −r − →
−r 0 = → −
Vt (6.5)


C ASO PARTICULAR : V orientado ao longo do eixo OX.
De
→ −r −V t →
−r 0 = → −
i.
Daqui resulta a Transformação de Galileu (válida no limite v  c, comprimentos
e tempos absolutos):  0
 x = x −V t
 0

y =y
(6.6)
 z0 = z
 0

t = t
Para obter a velocidade derivamos a Eq. 17.200 em ordem ao tempo:


− d→
−r 0 d→
−r 0 d → −r − →
− d→
−r →−
v0= 0
= = ( V t) = −V. (6.7)
dt dt dt dt


∴→ − v0=→ −v −V, (6.8)
ou então,


∴→

v =→

v 0+V (6.9)
Isto significa que a velocidade do veleiro relativa ao navio é a diferença entre a ve-
locidade do veleiro relativo à Terra e a velocidade do navio relativo à Terra. Também
a poderı́amos escrever na forma:

− →

v V0 N = →

v V T − V NT ,

− →
− (6.10)
v VT =→−
v0 +V .
VN NT
90 6 Relatividade do Movimento

Repare na forma como está escrita a última equação com os sub-ı́ndices do vector
velocidade com a seguinte sequência: {V T } → {V N} + {NT }.


Em particular, se V dirige-se ao longo do eixo Ox, temos:

 vx = vx −V
vy = vy (6.11)
vz = vz

Podemos calcular a aceleração que o veleiro aparenta ter em ambos referenciais,


bastando calcular a derivada em ordem ao tempo do vector velocidade:


− d→
−v0 d→
−v0 d − → −
a0= 0
= = (→v −V) (6.12)
dt dt dt


Como V assume-se constante (estudamos aqui o movimento uniforme), então
conclui-se que

− d→
−v
a0= =→ −
a. (6.13)
dt
Isto é, a aceleração é absoluta relativamente aos referenciais de inércia.
No caso geral em que a velocidade entre os dois referenciais não é constante,
teremos

− d→ −
a0=→ −
a − V. (6.14)
dt

6.1.1 Velocidade relativa

A velocidade relativa é usada para descrever o movimento de referenciais relativa-


mente um ao outro.
Note em particular que para quaisquer dois objectos or referenciais A e B, a
velocidade de A relativa a B tem o mesmo módulo mas sentido oposto da velocidade
de B relativa a A:

− →

V BA = − V AB .
Exemplo 2: Uma embarcação atravessa um rio com uma corrente de velocidade
Vrt = 12 km/h, tal como ilustra o problema a Fig. 7.3. A velocidade da embarcação
relativa ao rio é Ver = 20 km/h. Qual é a orientação da embarcação mais apropriada
para que ela atinja a outra margem na transversal?
S OLUÇ ÃO :

Fig. 6.2 Movimento relativo da embarcação ao atravessar um rio.

Temos:
6.1 Relatividade do movimento. Transformação de Galileu 91


V er − velocidade da embarcação relativa ao rio


V et − velocidade da embarcação relativa à Terra (6.15)


V rt − velocidade do rio relativamente às margens


Nós queremos que o movimento tenha o sentido do vector V et , o ângulo θ deve ser
tal que
Vrt 12
sin θ = = = 0.60
Ver 20
donde
θ = 36.90 .
Exemplo 3: Uma embarcação desloca-se no sentido 30o Norte-Oeste a 30 m/s
relativamente à água dum rio (Vd. Fig. 7.4). A corrente do rio é dirigida para Sul
a 5 m/s relativamente à margem. Considere em seguida que um objecto move-se
com a velocidade de 6 m/s no sentido 30o SO relativamente à embarcação. Qual é
a velocidade do objecto relativamente à margem do rio?
S OLUÇ ÃO :
A transformação de Galileu permite-nos escrever:


v ot = →

v oe + →

v er + →

v rt . (6.16)

Com base nos dados de que dispomos podemos desde logo escrever:

− →
− →

v oe = 6[− cos 30o i − sin 30o j ] (6.17)

− →
− →

v er = 30[− sin 30o i + cos 30o j ] (6.18)

− →

v rt = −5 j (6.19)

Fig. 6.3 Movimento relativo de um objecto relativamente às magens de um rio.


92 6 Relatividade do Movimento

6.2 Dinâmica - Leis de Newton

A cinemática faz a descrição do movimento. Parte da definição da posição, veloci-


dade e aceleração e as suas relações e evolução temporal.
A dinâmica interroga-se sobre:
• porque se movem os corpos na forma que conhecemos?
• o que causa a aceleração dos corpos? (veremos que as forças são as causas da
aceleração).
As propriedades da força e a relação entre força e aceleração são dadas pelas três
leis de Newton.
A Primeira Lei descreve o estado natural de movimento de um corpo na ausência
de forças. As outras duas leis tratam do comportamento dos corpos quando sujeitos
a forças.
Foi Galileu que lançou as bases da ciência mecânica. Investigando a queda dos
corpos, perguntou-se: Como caem os corpos? Em particular:
• mostrou que a queda livre dos corpos faz-se com aceleração constante (é inde-
pendente do peso, ou da massa do objecto). Realizou experiências na Torre de
Pisa;
• determinou experimentalmente as relações dadas pelas expressões: v = at, x =
at 2 /2;
• designando o peso de um corpo por força, mostrou que na queda dos corpos a
força pode ser medida pela aceleração que ela produz nesse corpo.
Newton reuniu as descobertas de Galileu numa formulação da dinâmica a que
hoje se designa por “Mecânica Newtoniana”, generalizando a ideia de força como
possı́vel de ser medida pela taxa de variação do momentum, incluindo assim todas
as formas de movimento.
As leis de Newton não representam uma descrição perfeita do mundo real. Em
particular, ela falha na descrição dos
• Átomos e núcleos atómicos → Teoria Quântica.
• Movimento a altas velocidades, isto é, quando v ∼ c → Teoria da Relatividade.

6.3 Forças

A noção de força é fundamental na fı́sica clássica. Força é um vector, este indicando


a direcção ao longo da qual é aplicada e a sua magnitude (módulo).
No quotidiano usa-se o conceito de força para explicar e descrever o acto de
“puxar” ou de “empurrar”. Por exemplo, usamos os seguintes instrumentos:
• mola comprimida;
• elásticos;
• cabos;
6.3 Forças 93

• cordas;
de modo a exercer forças nos objectos. Ou então:
• liquidos;
• gases;
para exercer forças em paredes (ou superfı́cies) e gases para criar forças de fluctuação
(por ex., o balão de ar quente, força de empuxe de um foguete).
Os exemplos acima referidos representam forças de contacto porque os objectos
estão em contacto directo uns com os outros.
Existe um certo tipo de forças, forças de acção à distância onde este contacto
directo não existe, tais como o são as forças gravitacional e electromagnética.

6.3.1 Forças fundamentais na Natureza

Para completar a visão actual que a ciência tem sobre os tipos de força, faremos em
seguida a descrição mais detalhada das suas propriedades.
Gravitacional - É um tipo de força que age entre corpos que possuem massa, é
sempre atractiva, e é a força de mais fraca magnitude que se conhece na Natureza.
Segundo as teorias modernas baseadas na Mecânica Quântica, todas as forças
fundamentais são transmitidas entre partı́culas reais por meio de partı́culas virtu-
ais que não podem ser detectadas directamente, mas cuja existência transitória é
permitida pelo Princı́pio da Incerteza de Heisenberg. É possı́vel que esta força
resulte da troca de gravitões entre os corpos. Poderão os corpos acelerados ra-
diar energia? Se tal acontecesse, radiariam ondas gravitacionais.
Electromagnética - Atracção ou repulsão consoante a carga eléctrica. A partı́cula
que transmite a força é o fotão. Cargas aceleradas radiam fotões.
Força nuclear forte - A força nuclear age no interior do núcleo atómico entre nu-
cleões (ou entre quarks)
Força nuclear fraca - É exercida entre partı́culas elementares, por exemplo, na
desintegração beta do nucleão: n → p + e− + ν. Esta força foi observada experi-
mentalmente no CERN e predita teoricamente, afectando os leptões e os quarks 2
e é mediada pelos bosões W e Z.
Quinta força? A experiência de Ëtvös verificou a igualdade da massa gravita-
cional com a massa inercial. Mas é possı́vel que exista uma pequenı́ssima
diferença entre elas devido à possı́vel existência desta 5a força. A hipotética
partı́cula mediadora seria uma espécie de hiper-fotão. Porém, actualmente não
há certeza sobre a sua existência.
A estrutura e comportamento do universo pode ser descrito por meio da acção
das primeiras 4 forças referidas.
2 No estágio actual da teoria de partı́culas toda a matéria é composta de dois tipos de partı́culas:

i) leptões - partı́culas parecidas com os electrões com massa e carga eléctrica e os neutrinos; ii)
quarks - compõem os protões e neutrões e são basicamente de dois tipos, up e down.
94 6 Relatividade do Movimento

Table 6.1 Forças fundamentais da natureza e sua magnitude e alcance. Nota: Força relativa exer-
cida entre 2 protões distantes de 10−15 m.
Tipo Alcance importância relativa mediadores
Força nuclear forte ∼ 10−15 m 1 mesões, gluões
Força electromagnética ∞ 10−2 fotão
Força nuclear fraca 10−17 m 10−13 W ±, Zo
Força gravitacional ∞ 10−38 (Nota) gravitão ?

A estas quatro forças básicas estão associadas quatro formas de energia que po-
dem converter-se numas nas outras. Por exemplo, a gravitação pode converter-se
em electricidade (por exemplo, numa central hidroeléctrica), ou a interacção nu-
clear forte em electromagnetismo (tal acontece quando no interior do Sol a energia
nuclear converte-se em energia electromagnética do calor dos raios solares). Os tra-
balhos do prémio Nobel da Fı́sica Abdus Salam, mostraram que essencialmente
todas as forças fundamentais da natureza são fundamentalmente de origem electro-
magética !

6.3.2 Primeira Lei de Newton

O princı́pio da inércia emerge da necessidade social da época em que surgiu, em


particular, do problema elementar da pontaria. Se alguém parado disparar sobre um
alvo móvel, terá de apontar à frente de um alvo móvel directamente perpendicular à
sua linha de mira de modo a acertá-lo. Se, pelo contrário, alguém em movimento dis-
parar contra um alvo imóvel, deverá apontar a linha de mira para trás. Este fenómeno
quer dizer que o projéctil conserva o seu movimento lateral, além do seu movimento
ao longo da linha de mira. Este facto apareceu como algo inesperado na época 3 .
P RIMEIRA LEI DE N EWTON OU P RINC ÍPIO DA I N ÉRCIA : “Um corpo que esteja
em movimento ou em repouso, tende a manter o seu estado inicial” 4 .

3 Curiosamente, as palavras que Newton usou para enunciar esta lei apresentam grande parecença
com o perı́odo inicial do segundo capı́tulo do Leviathan, a obra máxima do filósofo materialista
inglês Thomas Hobbes: “Que quando uma coisa está parada, assim permanecerá eternamente a
menos que alguma outra coisa a mova, é verdade de que ninguém duvida. Mas que, quando uma
coisa se encontra em movimento, assim permanecerá eternamente a menos que alguma outra coisa
a detenha, não é tão facilmente que se concorda com isso, embora a razão seja a mesma, a de que
nada pode modificar-se po si mesma”. O Leviathan aborda a questão do contracto social (acordo
sobre direitos e deveres entre os diversos membros de uma sociedade) e as origens da criação de
um Estado ideal.
4 No Latim original as leis exprimem-se assim: Lex I. Corpus onme perseverare in statu suo qui-

escendi vel movendi uniformiter in directum; nisi quatems a viribus impressis cogitur statum illum
mutare; Lex II. Mutationem motus preportionalem esse vi motrici impressæ, et fieri secundum
lineam rectam qua vis illa imprimitur; Lex III. Actioni contrarium semper et æqualemesse reac-
tionem; sive corporum duorum actiones in se mutuo semper esse æquales et in partes contrarias
dirigi.
6.3 Forças 95

− →

Isto é, se F = 0 ⇒ V = const., o corpo na ausência de forças descreve um
movimento tendo a velocidade a mesma direcção e módulo.
Na realidade a maioria dos corpos que observamos no quotidiano param quando
abandonados a eles próprios devido às forças de fricção (do ar, do solo,...).
Os corpos no vácuo, os planetas, persistem num estado de movimento uniforme.
Um corpo liberto da acção de forças externas é dito um corpo livre. A primeira
Lei de Newton afirma a inércia da matéria 5 .

6.3.3 Referenciais

As leis de Newton não são válidas em todos os referenciais, somente nos designados
referenciais de inércia.
A Fig. 7.5 mostra um observador sobre uma carruagem em movimento aceler-
ado com → −
a > 0. No ponto de vista deste observador a bola que está no solo é sub-
metida a uma aceleração. A bola parece ao observador animada por uma aceleracão
espontânea, mesmo se na realidade não há nenhuma força actuando sobre ela.

Fig. 6.4 Referenciais não inerciais.

Podemos assim sugerir um teste para verificar se um dado referencial é um ref-


erencial de inércia:
• observe um corpo livre (nenhuma força actua sobre ele);
• se ele persistir em repouso ou num estado de movimento uniforme (velocidade
constante) num dado referencial, então esse referencial é de inércia.
Como é lógico, qualquer outro referencial em movimento uniforme de translação
em relação a este, também é um referencial inercial.
Já um referencial em movimento acelerado em relação àquele, não é um referen-
cial de inércia.
A Terra só em primeira aproximação se pode considerar de inércia. Como tem
um movimento de rotação é um referencial acelerado, de onde resulta a aceleração
centrı́peta cujo valor no Equador é de 0.34 m/s2 .

6.3.4 Segunda lei de Newton ou princı́pio fundamental da


mecânica

Esta lei estabelece a relação entre força, aceleração e massa.


5Embora possamos argumentar que a primeira lei de Newton tem um cunho um tanto ou quanto
metafı́sico.
96 6 Relatividade do Movimento

A resultante das foras de agem num corpo é igual ao produto de sua massa pela
aceleração adquirida.

− d→
−p
F = m→−a = . (6.20)
dt
A última forma da equação é a mais correcta, como veremos no estudo do sistema
de massas variáveis.
Em resumo:
• É uma lei fundamental da Natureza, ditando a dinâmica dos objectos;
• É a definição exacta de força;
• É válida unicamente em referenciais de inércia.

− →

• a ∝ F e tem o mesmo sentido que a força.
Unidades: Newton (N)

6.3.5 Definição de massa

Na teoria da Relatividade Restrita de Einstein ver-se-á que em lugar p


de se usar a
massa em repouso mo , é de maior utilidade usar a quantidade m = mo / 1 − v2 /c2 .
Sucede que na experiência quotidiana o efeito da velocidade sobre a massa é pe-
queno. Por exemplo, a velocidade de uma nave em torno da Terra corresponde a
v/c ≈ 3 × 10−5 , sendo que m e mo diferem de cerca de uma parte por 1010 .
As massas são obtidas por comparação com o padrão de massa (1 kg).
Procedimento:
• Coloca-se uma força comum a agir sobre a massa padrão e a massa desconhecida;
• sob a acção dessa força os corpos são acelerados relativamente um ao outro;
• Esta experiência deve ser realizada num referencial de inércia.
Sejam mS , aS a massa e a aceleração da massa padrão.
Sejam m, a a massa e a aceleração da massa com valor incógnito. Temos

F = ma
(6.21)
F = mS aS
m aS
∴ = . (6.22)
mS a
A massa resulta da resistência que os corpos oferecem à variação da sua velocidade.
A massa é uma quantidade fı́sica aditiva, m = m1 + m2 .
6.3 Forças 97

6.3.6 Superposição de forças



− → − → −
Se várias forças F 1 , F 2 , F 3 , ...actuam sobre um corpo simultaneamente, a aceleração
resultante é a mesma que resultaria da actuação de uma só força:

− →
− →
− →

F R = F 1 + F 2 + F 3 + ... (6.23)

Num sistema de coordenadas cartesianas (ou rectangulares) (x,y,z) as projecções


das equações do movimento sobre os eixos dão o sistema de equações:

∑ Fx = max
∑ Fy = may (6.24)
∑ Fz = maz

Projectando sobre a tangente e a normal à trajectória num ponto dado, obtemos:


2
Ft = m dvt v
dt Fn = m ρ . (6.25)

Exemplo 4: Situação dinâmica básica de uma partı́cula em movimento num


cı́rculo com aceleração constante (Vd. Fig. 7.12(a)).
S OLUÇ ÃO :


A partı́cula é acelerada para o centro O pela acção da tensão da corda T . Tem-se,
2
se o movimento realiza-se sobre uma mesa sem atrito, T = mvr , onde r é o raio do
cı́rculo. Se a corda romper,a trajectória não será radial, mas descreverá uma recta
tangencial à curva, como se mostra na Fig. 7.12(b).
Exemplo 5: Uma viatura move-se com velocidade v sobre uma estrada curva e
inclinada, fazendo um ângulo θ com a horizontal. Suponha que a estrada descreve
uma curva de raio r. Supõem-se que a estrada e os pneus não oferecem atrito ao


movimento, mas existe uma reacção da estrada N .
S OLUÇ ÃO :
Tem-se:
v2
∑ Fn = m ,
r
onde Fn = N sin θ . Na vertical temos:

Fg = mg = N cos θ ,

donde se obtém:
v2
tan θ =
gr

Fig. 6.5 (a) Partı́cula em movimento circular presa por um fio; (b) o fio parte-se e a partı́cula parte
ao longo da tangencial à curva no ponto em que se parte o fio...A força centrifuga é fictı́cia!; (c)
Viatura numa curva inclinada vista de fronte ou pela traseira.
98 6 Relatividade do Movimento

Exemplo 6: Um pequeno corpo P desliza do vértice de uma esfera lisa de raio


R. Determine a velocidade do corpo no momento de separação da superfı́cie da
esfera, assim como o ângulo θc com que o corpo se ”descola” da superfı́cie esférica.
Considere que a sua velocidade inicial é muito pequena (ou por outras palavras, que
estava em equilı́brio instável). Repare que é mais cómodo usar aqui o referencial


móvel (→−
n , t ).
S OLUÇ ÃO :

QuadroNegro 2 - Projecções sobre a tangente e a normal à trajectória num


ponto dado

Exemplo 7: Um bloco de massa m = 7/3 kg, é actuado por duas forças, uma

− →

horizontal F 1 de 7 N e outra vertical F 2 de 5 N. Determine a aceleração do bloco.
6.3 Forças 99

S OLUÇ ÃO :


Comece por encontrar a resultante das forças, F R . Escolha um sistema de coor-
denadas apropriado:

− →
− →

F 1 = 7 i +0 j

− →
− →

F 2 = 0 i +5 j
donde resulta

− →
− →
− →
− →

F R = F 1 + F 2 = 7 i +5 j
Módulo: p
FR = 72 + 52 = 8.60N
FRy 5
tan θ = = ⇒ θ = 35.5o
FRx 7

− →


− FR 7 i +5 j →
− 15 → −
a = = =3 i + j.
m 7/3 7
8.60
a= = 3.69m/s2 .
7/3
Exemplo 8: Um disco plano de massa m = 2 kg desliza sobre um lago gelado
com velocidade inicial vo = 5 m/s. Exerce-se sobre o disco uma força de fricção
fr = 4 N oposta ao movimento, como mostra a Fig. 7.6. Qual a distância percorrida
pelo disco até este atingir o repouso?

Fig. 6.6 Um disco desliza sobre um lago gelado com velocidade inicial vo e move-se submetido a
uma força de frição fr .

Solução: O disco não tem movimento vertical (a soma das componentes verticais
é nula). Escolhemos o eixo Ox ao longo do movimento:


− f i = m→−a

− f →
− 4N →
− →
− (6.26)
a = − m i = − 2 kg i = −2 i m/s2 .

Podemos calcular a distância percorrida s, usando

v2f − v20 = 2as, (6.27)

Ora, v f = 0 quando o disco pára, logo

v20 5×5
−v20 = 2as ⇒ s = − =− = 6.25 m. (6.28)
2a 2 × (−2)
Chapter 7
Forças

Não há quem aprenda alguma coisa simplesmente por tê-la ouvido, e quem não se esforça
sozinho em certas coisas acaba por conhecê-las apenas de modo superficial e pela metade.

- “Colóquios com Goethe”, J. Eckermann

7.0.7 Terceira lei de Newton ou lei da ação e reação

A lei da ação-reação, ou terceira lei de Newton, é usada em qualquer manual uni-


versitário a fim de obter as leis da conservação do momento linear e angular. Ernst
Mach 1 considerou, algo surpreendentemente, a terceira lei como a lei mais impor-
tante descoberta por Sir Isaac Newton.
Newton concluiu que as forças agem sempre par a par e, assim, anulando-se
igualmente par a par. Para toda força aplicada, existe outra de mesmo módulo,
mesma direção e sentido oposto. Para uma dada pressão exercida sobre um ob-
jecto, existe uma contra-pressão. Um corpo que puxa ou empurra outro corpo é,
de acordo com Newton, exactamente puxado ou empurrado com igual magnitude
pelo outro. A experiência que a fundamenta está na percepção intuitiva da conexão
que existe entre pressão e contra-pressão. Com a Terceira Lei, Newton completa
a exposição dos Principia Methematica demonstrando os seus teoremas com rigor
e introduzindo o cálculo diferencial 2 . Newton e Leibniz beneficiaram do trabalho
preparatório desenvolvido por Kepler, Galileu, Descartes, Fermat, Roberval, Cava-
lieri, Guldin, Wallis e Barrow.

1 Ernst Mach (1838 1916) foi um fı́sico e filósofo austrı́aco.


2 Que ele designou por “método das fluxões”. Assinale-se que Leibniz também desenvolveu de
forma independente os fundamentos do cálculo diferencial.

101
102 7 Forças

T ERCEIRA L EI DE N EWTON: A toda ação há sempre oposta uma reação igual,
ou, as acções mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas
a partes opostas 3 .
Como se depreende da Fig. 7.1:

− →

F AB = − F BA . (7.1)

Aparentemente é impossı́vel obtermos uma força única isolada.


Repare que:
• O par de forças que constituem a ação-igual-reação, agem sobre diferentes ob-
jectos;
• Um corpo é acelerado pelas forças que agem sobre ele, e não é afectado pela
força que ele exerce sobre os outros corpos.

Fig. 7.1 Lei da ação-reação: as forças anulam-se aos pares.

Exemplo 1: Uma força de 2 N é aplicada por um operador no bloco A que está em


contacto com o bloco B. Identifique o par de forças ação-reação (Fig. 7.2). Suponha
que mA = 1 kg e mB = 2 kg. Qual é a aceleração adquirida pelos blocos? Qual é a


força F AB ?

Fig. 7.2 Uma força de 2 N é aplicada no bloco A que está em contacto com o bloco B.

Tracemos um sistema de coordenadas orientando o sentido positivo do eixo OX


para a direita, como ilustra a Fig. 7.2:
Temos em módulo:
FBA = mB aB . (7.2)
Como se vê pela Fig. 7.2, a força resultante que age sobre o bloco A é:

F − FAB = mA aA . (7.3)

Repare que, como neste caso as forças estão todas aplicadas ao longo do eixo Ox
não há necessidade de escrevê-las na forma vectorial.
Como os blocos estão em contacto, temos necessariamente a (condição de con-
strangimento do problema):

∴ aA = aB = a (7.4)

3 Na formulação original em Latim: “Lex III: Actioni contrariam semper et aequalem esse reac-
tionem: sine corporum duorum actiones in se mutuo semper esse aequales et in partes contrarias
dirigi.”
7 Forças 103

Da soma das Eqs. 17.173- 17.174 obtemos

F − FAB + FBA = (mA + mB )a. (7.5)

Mas atendendo que a lei da ação-reação implica que



− →

| F AB |=| F BA |, (7.6)

∴ F = (mA + mB )a (7.7)
Tudo se passa como se a força resultante estivesse actuando sobre a massa total m
que é a soma da massa das outras duas, m = mA + mB . A aceleração adquirida pelos
blocos movendo-se solidários é então dada por:
F 2N 2
a= = = m/s2 . (7.8)
mA + mB (1 + 2)kg 3

A força de contacto é obtida de imediato:

FBA = mB aB = mB a
(7.9)
= 2 × 23 = 43 N.

Concluı́mos que a força de contacto não é igual à força aplicada!


Heron de Alexandria (10 d.C. - 70 d.C.), matemático e engenheiro grego, inven-
tou um mecanismo que provou o efeito mecânico da pressão do ar sobre os corpos.
O pequeno engenho é o primeiro motor a vapor documentado na história, e con-
hecido pelo nome de “eolı́pila”. Mostra-se esta máquina na Fig. 7.3. É um exemplo
perfeito da lei da acção e reacção, assim como é um dos grandes inventos dos chine-
ses, o foguete. A Fig. 7.4 mostra um guerreiro chinês disparando um foguete contra
a horda de mongóis 4 .
Nas lendas europeias é contada a história fantástica do barão alemão Karl
Friedrich Hieronymus, Freiherr von Münchhausen (1720 1797). Ele teria realizado

4 Os Chineses repeliram os Mongóis com uma barragem de foguetes, ou nas suas próprias palavras,
de “setas de fogo voador”. Essas setas eram foguetões a combustı́vel sólido, constituı́dos por um
tubo fechado num extremo e aberto no outro e contendo pólvora (outro grande invento chinês).
O tubo era ligado a uma longa vara para estabilizar o movimento (vd. Fig.4). A pólvora quando
deflagrada produz fogo, fumo e o gás produzido é expelido com grande velocidade pelo exaustor.
A pólvora é feita basicamente de 75 % de nitrato de potássio, 12.5 % de carvão em pó e 12.5 % de
enxofre purificado (in Arte dos Fogos de Artifı́cio, Tipografia do Comércio, Lisboa, 1908). A partir
da batalha de Kai-Keng, os Mongóis produziram os seus próprios foguetes e difundiram-nos na
Europa. Em Inglaterra, Roger Bacon aumentou o alcance dos foguetes. Em França, Jean Froissart
descobriu que lançando os foguetes por meio de tubos de lançamento melhorava a precisão do
tiro, estava inventada assim a “bazooka”. Em Itália, Joanes de Fontana inventou um torpedo que se
deslocava à superfı́cie da água com o propósito de incendiar os navios inimigos.
Johann Schmidlap, no séc. XVI inventou o foguetão com andares: um foguetão de maior ca-
pacidade (primeiro andar) transportava um foguetão mais pequeno (segundo andar). Quando o
foguetão maior extinguia-se, o mais pequeno incendiava-se, atingindo uma maior altitude. Todos
os foguetões a propulsão quı́mica destinados a alcançar o espaço exterior usam esta simples ideia
de Schmidlap.
104 7 Forças

Fig. 7.3 A máquina a vapor de Hero de Alexandria (10-70 A.C.), matemático e engenheiro. Este
simples motor a vapor também é conhecida por “Eolı́pila”.

Fig. 7.4 Os chineses inventaram o foguete em 1232 e usaram-nos contra os Mongóis.

feitos extraordinários, tais como voar em bolas de canhão, viajar até à Lua, e escapar
de um pântano simplesmente puxando pelos seus próprios cabelos...

7.1 Força gravitacional

Na natureza os movimentos conhecidos que determinam os fenómenos limitam-se


a atracções, repulsões, rotações, projecções, vibracções e vórtices. Os movimentos
mais conhecidos são a atracção e repulsão, talvez porque tenhamos instrumentos
mais adequados para medir estes últimos. A balança mede a atracção exercida pela
Terra sobre os corpos; um galvanómetro mede a atracção exercida por um ı́man
sobre uma corrente eléctrica; o equilı́brio osmótico, que tem grande importância na
manutenção da vida da célula, consiste na atracção e repulsão das moléculas.
As vibrações produzidas numa corda produzem som.
Os vórtices desempenham um papel muito importante na natureza, pois um sim-
ples sopro produz no ar uma rotação do fluido-isto é, vórtices. Um helicóptero eleva-
se no ar porque as sua hélices rodam no ar como parafusos...
Sir Isaac Newton mostrou que todos os corpos atraem-se mutuamente com uma
força directamente proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao
quadrado da distância entre elas. Porém, acrescentou:
A razão dessas propriedades da gravidade, eu ainda não as deduzi; não faço hipóteses 5 .

P OSTULADO DE N EWTON: Em todo o par de partı́culas do universo cada uma


exerce sobre a outra uma força gravitacional de mútua atração. Esta força é propor-
cional ao produto das massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância
entre elas:
Gm1 m2
Fg = 2
, (7.10)
r12
onde G = 6.673 × 10−11 N m2 /kg2 representa a constante da gravitação universal
(Fig. 7.5).
Na proximidade da superfı́cie terrestre (de massa mT e raio RT ) uma massa m é
actuada pela força:  
GmT
Fg = m = mg, (7.11)
R2T
onde
5 Esta é o célebre ditto de Newton: “Hypothesis non fingo”.
7.1 Força gravitacional 105

GmT
g≡ , (7.12)
R2T
é a aceleração da gravidade.

Fig. 7.5 Força de atracção gravitacional entre dois corpos de massa m1 e m2 distantes de r12 .

A constante da gravitação pode ser medida experimentalmente com uma balança


de Cavendish 6 (Vd. Fig. 7.6).

Fig. 7.6 Secção vertical da balança de torsão de Cavendish. As esferas maiores estavam pen-
duradas num quadro de modo a poderem rodar aproximando-se das esferas menores.

Naturalmente não nos é possı́vel “pesar” um planeta, mas conhecendo o valor


de G podemos determinar a massa de qualquer objecto cósmico. A aceleração da
gravidade g pode ser determinada medindo a queda de objectos. Conhecendo-se G,
RT e g podemos determinar a massa da Terra!:

gR2T
mT = . (7.13)
G
Considere a seguinte situação: um objecto m encontra-se à superfı́cie da Terra.
Duas forças opostas agem sobre ele (Vd. Fig. 7.7-(a)). A força gravitacional da Terra

− →

é F g e a força de contacto denota-se por N com o solo. Se o objecto não se move,
temos

− → −
N + F g = 0,
ou seja

− →

N = − F g.
Por sua vez a Terra encontra-se submetida à força gravitacional da massa m e à força
de contacto com o objecto →−
w (Vd. Fig. 7.7-(b)):

− →

w = − F g.

Fig. 7.7 Força gravitacional, reacção do solo e peso w. (a): forças actuando sobre o objecto; (b):
forças actuando sobre a Terra; ambas são pares de forças obedecendo à lei da acção-reacção.

6 Henry Cavendish (1731 - 1810), foi um excêntrico cientista britânico. Descobriu o hidrogénio.

Usou uma balança de torsão para determinar G. Contribuiu para o conhecimento dos fenómenos
eléctricos propondo a lei da atracção entre cargas eléctricas e utilizando o conceito de potencial
elétrico.
106 7 Forças

Repare que todas as forças referidas no exemplo anterior possuem igual magni-
tude (módulo).
Ao nı́vel quântico as leis de Newton não descrevem com rigor a trajectória das
partı́culas quando submetidas ao campo gravı́tico (→ −g constante). A Fig. 7.8 rev-
ela a natureza discreta das propriedades da matéria. Sabe-se da Mecânica Quântica
que qualquer partı́cula aprisionada num poço de potencial estará sujeita a estados
quânticos ligados. É por este motivo que os electrões existem em estados quânticos
(discretos) na presença de um campo electromagnético e daqui resulta a estrutura
atómica. Do mesmo modo, na presença do campo gravı́tico deverá haver a formação
de estados quantificados. Na experiência realizada por Valery V. Nesvizhevsky,
no Instituto Laue-Langevin, neutrões eram atirados para um espelho horizontal
numa configuração tal que, em conjunto com o campo gravı́tico, se assemelha às
condições de um potencial finito. Verificou-se então que os neutrões em queda não
se movem de forma contı́nua, mas dão saltos de uma altura para outra, tal como é
predito pela teoria quântica. Este exemplo ilustra bem os limites da aproximação da
mecânica clássica no âmbito microscópico.

Fig. 7.8 Os pontos experimentais são obtidos com intervalo de 2 m. A curva a tracejado corre-
sponde a um ajuste usando cálculos de mecânica quântica. A curva contı́nua é obtida com o cálculo
clássico do movimento balı́stico. Ref. Valery V. Nesvizhevsky, Nature 415, 297-299 (2002).

No cap. 6 referimos que na visão actual da ciência a interação gravitacional


processa-se via um mediador. Esta ideia seminal foi proposta pelo fı́sico japonês
Hideki Yukawa em 1934. Ele mostrou que se dois protões pudessem trocar partı́culas
virtuais, o resultado da troca seria uma força atractiva entre os protões. Hoje sabe-se
que essa partı́cula é o mesão π. A massa relativamente elevada deste mediador im-
plica uma força (nuclear) forte. A Fig. 7.9 ilustra esta ideia. A partı́cula virtual tem
um perı́odo de existência muito efémero.

Fig. 7.9 A troca de partı́culas virtuais (ou mediadores) resulta numa força de atracção nuclear
forte, de acordo com a ideia original de Hideki Yukawa.

7.1.1 Peso

A força de contacto → −w que um objecto exerce sobre o que a suporta é chamada de


peso de um objecto.


No exemplo anterior a força F g age no objecto e →−
w age na Terra. Não havendo
aceleracção, verifica-se necessariamente


w = m→

g. (7.14)
7.1 Força gravitacional 107

7.1.2 Elevador acelerado

Já conclusão diferente é obtida se o suporte do objecto se encontra acelerado, como


sucede quando um objecto é colocado no chão dum elevador acelerado para cima
com aceleração →−a.
As forças que agem sobre m resultam nas equações:

N − Fg = ma,
(7.15)
N = Fg + ma = mg + ma = m(g + a).

N representa a força que o elevador exerce sobre o objecto; Fg é a força que a Terra


exerce sobre o objecto. Atendendo a que a reacção do piso é N = −→ −
w , tem-se:


N = −→−w

− (7.16)
∴| w |= m(g + a)em módulo.

Isto é, o peso é aumentado da quantidade ma em relação ao seu valor em repouso.


Se o elevador move-se para baixo com aceleração a0 , então teremos

w = m(g − a0 ), (7.17)

isto é, o peso diminui de ma0 .

Fig. 7.10 Um objecto encontra-se colocado no chão de um elevador que é acelerado para cima.
(a): forças que agem sobre o objecto; (b): forças que agem sobre o elevador.

Em queda livre podemos prever que a0 = g ∴ w = 0, o objecto não terá peso,


porque a força de contacto com o suporte passará a ser nula.
Exemplo 2: - Astronauta ou satélite.
Suponha que um satélite artificial encontra-se numa órbita circular em torno
da Terra (vd. Fig. 7.11). Na posição orbital que ocupa a aceleração é centrı́peta e
designemo-la por g0 :
v2
g0 = (7.18)
R
A força que actua sobre o satélite e o astronauta é dada por

Fs = Fg = Mg0 . (7.19)

As força que actuam sobre o astronauta são:

fa = fg − N = mg0 . (7.20)

Mas, por definição


Fg = Mg0
(7.21)
fg = mg0 .
108 7 Forças

Logo, atendendo à Eq. 7.20, obtém-se:

∴ w = N = 0.

Tal significa que o astronauta não sente nenhuma força de contacto com o chão e,
portanto, o astronauta tem a sensação que não tem peso. Na verdade o astronauta
continua a ter o peso fg = mg0 , a diferença é que à superfı́cie da Terra g = 9.8m/s2
aproximadamente e a 400 km de altitude g0 = 8.7 m/s2 : o peso dum astronauta com
a massa de 100 kg passaria de 98 N para 87 N, o que não representa uma mudança de
peso muito significativa. Na verdade o satélite e o astronauta estão ambos em queda
livre para a Terra e daı́ resulta a sensação fı́sica de perda de peso efectiva, porque o
astronauta não tem uma força de contacto que o faça sentir a força gravitacional,
que efectivamente continua agindo sobre ele.

7.1.3 Massa gravitacional, massa inercial

Existem dois tipos diferentes de massa:


Massa inercial: - Nas leis da mecânica a quantidade m é o coeficiente de pro-


porcionalidade entre a força e a aceleração, F = mI →−
a . A massa mI definida desta
forma é chamada massa inercial.
Massa gravitacional: - A massa também é uma propriedade da matéria que dá


origem às forças gravitacionais entre os corpos tal que F = RT2 g = mg → −
Gm m
g . A esta
T
massa mg designa-se de massa gravitacional.

Fig. 7.11 Um astronauta num satélite em torno da Terra não sente a gravidade.

Uma questão fundamental em fı́sica é: serão as duas iguais? Ajustando a con-
stante da gravitação universal G, obtemos de facto mI = mg

7.1.4 O Princı́pio da Equivalência

Albert Einstein ainda era um simples funcionário no escritório de patentes em


Berna, Suı́ça, quando teve o que ele considerou ser “a ideia mais feliz da minha
vida”. Einstein já tinha formulado a Teoria da Relatividade Restrita e procurava
generalizar aqueles conceitos a referenciais acelerados:
“Esta lei... da igualdade da massa inercial e da massa gravitacional foi então compreendida
por mim com todo o seu significado. Fiquei abismado com a sua existência e conjecturei que
ela deveria conter a chave para uma compreensão mais profunda da inércia da gravitação”.

Einstein formulou então assim o


7.1 Força gravitacional 109

P RINC ÍPIO DA EQUIVAL ÊNCIA: Consideremos 2 referenciais: 1) um referencial


R inercial não acelerado no qual existe um campo gravitacional uniforme e 2) um
referencial R 0 acelerado uniformemente mas no qual não existe um campo gravita-
cional. Estes dois referenciais são fisicamente equivalentes.
Einstein deu um passo gigantesco ao sugerir que nenhuma experiência mecânica,
eletromagnética, etc., permite distinguir o referencial R de R 0 .

7.1.5 Lei de Hooke. Molas

Todos os corpos são elásticos até certo ponto. Quando são submetidos a uma força
de compressão ou extensão deformam-se.
Exemplos:
• bolas de aço;
• tiras de borracha;
• molas.
Um corpo resiste à deformação por meio de uma força de restauração. A ex-
periência mostra-nos que quando puxamos uma mola ela por sua vez puxa-nos
também.
Em primeira aproximação a relação existente entre a força de restauração e
a deformação obedece a uma lei empı́rica muito simples conhecida por lei de
Hooke 7 .
L EI DE H OOKE: a magnitude da força de restauração é directamente propor-
cional à deformação.
A lei de Hooke é conhecida na forma
l0 − l
T =E (7.22)
l
onde T é a tensão (ou pressão) exercida sobre um corpo (por exemplo, uma barra de
metal); l é o comprimento natural (ou na ausência de tensão) da mola; E é o módulo
de Young (expresso em Pascal Pa no S.I.) 8 ; l 0 o comprimento da mola sob tensão.
Pode ser também expressa em termos de uma força ou tensão:

T = k(l 0 − l), (7.23)

sendo k uma constante elástica.


7 Robert Hooke (1635 1703) foi um filósofo, fı́sico e matemático inglês. Foi a primeira pessoa a
usar a palavra “célula” como a unidade básica da vida. Hooke anunciou a sua lei da elasticidade
na forma de um anagrama, como era por vezes usado por cientistas tais como Galileu, Huygens
e outros, de modo a estabelecer a prioridade da sua descoberta sem oferecer demasiados detalhes
reveladores. O anagrama foi: ceiiinosssttuv, mais tarde foi revelado querer significar “ut tensio sic
vis”, ou seja, como a extensão a força
8 Ou ainda módulo de elasticidade longitudinal. Por exemplo, para o aço tem-se E
aco ≈ 21000
kN/cm2 ; concreto, Econc ≈ 3000 kN/cm2 .
110 7 Forças

Esta lei é:


• aproximada;
• constitui uma descrição empı́rica;
• é válida para pequenas deformações.

7.1.5.1 Mola helicoidal

Na Fig. 7.12-(a) mostramos uma mola helicoidal 9 relaxada, e em Fig. 7.12-(b)


mostramos a mesma mola distendidada de um alongamento x. A lei de Hooke diz
que
F = −kx (7.24)
onde k representa a constante elástica da mola e x o seu alongamento. O sinal nega-
tivo significa que a força restauradora se opõe à deformação. Atenção, quando
• +x - a mola é esticada
• −x - a mola é comprimida

Fig. 7.12 Mola helicoidal. (a), em repouso; (b)-distendida com alongamento x.

A constante k vem em unidades N/m no sistema SI. Quando k é elevada a mola é


rı́gida (força elevada po unidade de deslocamento), quando k é pequeno a mola é
mole (força pequena por unidade de deslocamento).

Fig. 7.13 (a) - Se +x obtemos alongamento da mola e a força negativa opõe-se ao estiramento;
(b) - Se −x temos compressão da mola e a força com que a mola reage é positiva opondo-se à sua
compressão. Sempre os pares de forças presentes na lei da acção-reacção.

A Fig. 7.14 mostra uma curva tı́pica tensão-alongamento.

Fig. 7.14 Curva tı́pica de tensão-alongamento.

QuadroNegro 1 - Molas em paralelo

9 Em inglês chama-se coil spring.


7.1 Força gravitacional 111

Em paralelo, a constante elástica efectiva é ke f f = k1 + k2 .

QuadroNegro 2 - Molas em série

Em série, a constante elástica efectiva é dada por 1/ke f f = 1/k1 + 1/k2 .

7.1.6 Movimento com força constante



F = m→

a


Se F = const. então →

a = const.
Num sistema de eixos ortogonais:

∑ Fx = max
∑ Fy = may (7.25)
∑ Fz = maz

Forças:
• Tensão,
• gravidade,
• força normal, de contacto
• fricção.
• mola.
Exemplo 3: Considere duas massas em tandem (Fig. 7.15) deslizando sobre um
plano horizontal, sem fricção e despreze a massa dos cabos de ligação.
112 7 Forças

Fig. 7.15 (a) Duas massas em tandem unidas por um cabo sem massa; (b): forças actuando sobre
a massa m2 ; (c): forças actuando sobre a massa m1 .

Sobre a massa m2 agem as forças:

F − T2 = m2 a2 eixo Ox
(7.26)
N2 − m2 g = 0 eixo Oy

Sobre a massa m1 agem as forças:

T1 = m1 a1 eixo Ox
(7.27)
N1 − m1 g = 0 eixo Oy

Os dois corpos estão constrangidos a moverem-se juntos, e temos assim obrigatori-


amente a1 = a2 = a. Um cabo ideal actua de modo que T1 = −T2 = T .
A adição das componentes em OX resulta em

F = (m1 + m2 )a (7.28)

donde
F
a= (7.29)
m1 + m2
Da Eq. 7.28 obtém-se
m1
T = m1 a = F.
m1 + m2

7.1.7 Polias ideais

• São usadas polias ideias para mudar a direção da força exercida pelos cabos;
• Se o cabo e a polia não tiverem ambos massa, a tensão é a mesma de ambos os
lados da polia
• No caso contrário, isto já não é verdade;
• Assume-se que as polias ideais não têm massa nem exercem fricção.
A componente normal da força de contacto é suposta bisectar o ângulo entre os
extremos do cabo (Fig. 7.16).

Fig. 7.16 A componente normal da força de contacto bisecta o ângulo entre os extremos do cabo.

Os cabos só podem servir para puxar (exercer tensão, não compressão).

• cabos de massa desprezável: a tensão é a mesma por todo o lado;


7.1 Força gravitacional 113

• Se a massa do cabo é diferente de zero, trata-se como outro corpo massivo qual-
quer;
• O cabo é suposto não ter resistência interna e alinha-se com a força aplicada;
• assume-se que não há alongamento do cabo (mantém o comprimento constante).

Fig. 7.17 (a) Dois blocos encontram-se ligados por meio de um cabo e são puxados por uma força
aplicada F. O cabo tem comprimento L e massa mc . (b), (c), and (d) Diagramas das forças actuando
sobre o bloco m2 , o cabo de ligação mc , e o bloco m1 , respectivamente.

Exemplo 4: Dois blocos estão ligados por uma corda, como mostra a Fig. 7.17.
Como os blocos estão unidos a aceleração de ambos é a.

m1 : F − T1 = m1 a
m2 : T2 = m2 a (7.30)
mc : T1 − T2 = mc a

O somatório resulta em
F = (m1 + m2 + mc )a
assim como
T1 = F − m1 a = (m2 + mc )a
e
T2 = m2 a,
isto é, T1 6= T2 .
Verificamos que, devido à massa do cabo, a tensão não é a mesma ao longo do
seu comprimento. Seja l o seu comprimento e Tl a tensão no ponto l (Fig. 7.18).

Fig. 7.18 O cabo é secionado longitudinalmente numa extensão de comprimento l e noutra de


extensão L − l.

QuadroNegro 3 -
114 7 Forças

Exemplo 5: Contrangimento: Considere o sistema da Fig. 7.19 sem atrito, cabo


e polia com massa desprezável.
Massa m1 :
T1 = m1 a1
(7.31)
N − m1 g = 0
Massa m2 :
m2 g − T2 = m2 a2
Polia:
2T1 − T2 = 0.
Constrangimento: Quando m1 move-se a distância x1 para a direita, a massa m2 cai
a distância x2 = x1 /2.
d 2 x2 1
∴ a2 = 2 = a1 . (7.32)
dt 2
Das Eqs. anteriores é fácil obter
 
m2
a2 = g
4m1 + m2

que deve ser resolvido com o que já tinhamos obtido a1 = 2a2 .

Fig. 7.19 Polia e cabos com massa desprezável do exemplo.

Exemplo 6: Massas acopladas: Assuma que não há fricção e os cabos têm massa
desprezável (Fig. 7.20).

Fig. 7.20 Massas acopladas.

Massa m1 :
eixoOx m1 g sin θ − T = m1 a
(7.33)
eixoOy N1 − m1 g cos θ = 0
Massa m2 :
eixoOx T = m2 a
(7.34)
eixoOy N2 − m2 g = 0
Somando as componentes em Ox das Eqs. 7.33- 7.34, obtém-se

m1 g sin θ = (m1 + m2 )a (7.35)


m1
∴a= g sin θ . (7.36)
m1 + m2
7.1 Força gravitacional 115

7.1.7.1 Máquina de Atwood

Considere o conjunto de duas polias com massa desprezável e sem atrito e um cabo
com massa igualmente desprezável (Fig. 7.21) - máquina de Atwood 10 .

Fig. 7.21 Máquina de Atwood.

Massa m1 :

(T − m1 g) = m1 a
Massa m2 :

(m2 g − T ) = m2 a
A sua soma resulta em
(m2 −m1 )g =(m2 + m1 )a
m2 −m1
∴a= m2 +m1 = 15 (m/s2 )

Aplicação numérica: m1 = 2 kg e m2 = 3 kg.


Tensão do cabo
   
m2 − m1 2m1 m2
T = m1 (a + g) = m1 +1 = g
m2 + m1 m2 + m1

Repare que To = 2T (vd. Fig. 7.21).


A máquina de Atwood ideal consiste em dois objectos de massa m1 e m2 , ligadas
por um cabo de massa desprezável colocado por cima de uma polia igualmente de
massa desprezável e sem atrito. Quando m1 = m2 , a máquina fica em equilı́brio
neutro, qualquer que seja a posição das massas. Quando m2 > m1 ambas as massas
experimentam uma aceleração uniforme.
A máquina de Atwood tem inúmeras aplicações. Por exemplo, nos elevadores
usa-se um contrapeso que desempenha o mesmo papel, aliviando o motor, porque
assim este não gasta energia puxando a caixa onde se desloca a carga, bastando o
motor para compensar a diferença de inércia das duas massas. O mesmo princı́pio é
usado nos funiculares com dois trilhos de ferro ligados num plano inclinado.
Exemplo 7: Plano inclinado acelerado. Considere um bloco de massa m deslizando
sem atrito sobre um plano inclinado fazendo um ângulo θ com a horizontal. O plano
inclinado está acelerado com aceleração de módulo a para a direita da Fig. 7.22.
Calcule o ângulo θc para o qual o bloco não escorrega para cima ou para baixo do
plano.

10A máquina de Atwood foi inventada em 1784 pelo Reverendo George Atwood para ser uma
montagem de laboratório destinada a testar as leis do movimento uniformemente acelerado.
116 7 Forças

Fig. 7.22 Plano inclinado acelerado.

O bloco não deslizará se tiver aceleração igual à do plano inclinado (porque tal
significa que ele move-se em conjunto com o plano). O sistema de forças resulta nas
seguintes equações (escolhendo o sistema de coordenadas com Ox na horizontal):

f orcasaolongodeOx N sin θ = ma
(7.37)
f orcasaolongodeOy N cos θ − mg = 0.

Da última equação resulta


mg
N = cos
mg
θ (7.38)
∴ sin θ = ma
cos θ
ou seja
a = g tan θc .

7.1.8 Fricção

Superfı́cies em contacto exercem duas forças uma na outra:


• uma força é normal e perpendicular às superfı́cies;
• outra força paralela, a força de fricção. As forças de fricção opõem-se sempre ao
movimento relativo entre as duas superfı́cies.

7.1.8.1 Forças de fricção

As forças de fricção desempenham um papel muito importante no movimento dos


objectos reais, como se tornará claro com os exemplos que serão apresentados. Essas
forças resultam das forças atractivas (do tipo de Van der Waals) que se estabelecem
entre os átomos das diferentes superfı́cies. A sua descrição a um nı́vel microscópico
é muito complexa, muito embora a sua descrição ao nı́vel macroscópico seja muito
empı́rica 11 . Essas leis são as seguintes: a força de atrito é
• proporcional à força normal entre duas superfı́cies
• é independente da área de contacto
• é independente da velocidade.

11 Leonardo da Vinci (1452-1519) foi o primeiro a fazer estudos quantitativos do problema da


fricção. A montagem experimental usada por da Vinci era muito simples. Media o ângulo do plano
inclinado a partir do qual um objecto colocado na sua superfı́cie começava a deslizar.
7.1 Força gravitacional 117

7.1.8.2 Fricção cinética

Quando as superfı́cies estão animadas de movimento relativo essa força é

f k = µk N (7.39)

onde µk é o coeficiente de fricção cinético (0 < µk < 1), e N é a força de contacto


(normal).
• a força de fricção é proporcional a N;
• é paralela à superfı́cie de contacto;
• opõem-se à direcção do movimento;
• lei empı́rica e aproximada;
• µk depende da natureza dos materiais;
• µk é independente de v.
Exemplo 8: Um bloco de massa m = 100 kg move-se para a frente com veloci-
dade constante, →−
a = 0. O coeficiente de fricção cinético é µk = 0.40. Determine a
força F que actua sobre o bloco (Fig. 7.23).
Componente vertical da força:

N + F sin 30o − mg = 0.

Componente horizontal da força:

F cos 30o − fk = 0

onde fk = µk N. Donde resulta:

F cos 30o − µk (mg − F sin 30o ) = 0,

ou seja
µk mg
F=
cos 30o + µk sin 30o
0.40 × 100 × 9.80
F= = 368N.
0.866 + 0.40 × 0.50

Fig. 7.23 Bloco de massa m sobre um plano com fricção.

Repare que
θ = 0o F = 392N
θ = 45o F = 396N (7.40)
θ = 90o F = 981N
118 7 Forças

7.1.8.3 Fricção estática

As forças de fricção também actuam sobre superfı́cies em repouso (sem movimento


relativo).
Objectos em repouso requerem a aplicação de uma força para iniciarem o movi-
mento. A força de fricção estática é:

fs ≤ µs N, (7.41)

onde µs designa o coeficiente de fricção estático e N a força (normal) de contacto.


• forças de fricção podem ter qualquer magnitude entre zero (quando não há qual-
quer outra força actuando paralelamente à superfı́cie) até ao valor máximo µs N;
• O sinal de igualdade só se verifica quando o movimento está prestes a começar.
Propriedades da força de fricção estática:
• proporcional à força normal;
• é independente da área;
• lei empı́rica;
• opõe-se à força aplicada;
• usualmente µs > µk , de modo que é necessário uma força menor para manter o
objecto em movimento;
• µs depende da natureza e condições das superfı́cies.
Exemplo 9: Bloco sobre uma superfı́cie horizontal (Fig. 7.24).
a) Repouso: f1 < µs N (Fig. 7.24-(a)).

Fig. 7.24 (a) e (b): quando fs < fs,max , a força de fricção é exactamente igual à força (externa)
aplicada, e não há aceleração do bloco. (c): quando uma força de suficiente magnitude é exercida
de modo que o moviemento se torna possı́vel, a força de fricção é igual a µk N e a aceleração é
(F − µk N)/m.

b) No limiar do movimento: f2 = µs N (Fig. 7.24-(b))


c) Movimento iniciado: f3 = µk N (Fig. 7.24)
Exemplo 10: Plano inclinado de ângulo variável destinado a medir coeficientes
de fricção estáticos.
O bloco começa a sua queda quando ângulo α = 23o . Qual é o coeficiente de
fricção estática, µs ?

eixoOy N − mg cos α = 0
(7.42)
eixoOx mg sin α − f = 0
Repare que este ângulo α constitui o limiar a partir do qual o bloco acelera, portanto
ainda estamos na condição →

a = 0. Temos assim
f mg sin α
= = tan α (7.43)
N mg cos α
7.1 Força gravitacional 119
 
f
= µs = tan 23o = 0.424.
N max
O ângulo máximo é chamado de ângulo de repouso e é independente da massa do
bloco.
Exemplo 11: Bloco a deslizar num plano inclinado sob a ac.āo da gravidade.

eixoOx mg sin θ − f = max


(7.44)
eixoOy N − mg cos θ = may = 0
∴ N = mg cos θ . (7.45)
Por sua vez sabemos que
f = µk N (7.46)
substituindo na Eq. projectada em Ox, temos

mg(sin θ − µk cos θ ) = max , (7.47)

donde resulta:
ax = (sin θ − µk cos θ )g. (7.48)
Se ax = 0, então obtemos o coeficiente de fricção cinético procurado:

sin θ
µk = = tan θ . (7.49)
cos θ
Assim, concluı́mos que um método razoável para determinar µk consiste em deter-
minar o ângulo limite a partir do qual dá-se uma aceleração do bloco.

Fig. 7.25 Bloco a deslizar num plano inclinado sob a ação da gravidade.

Exemplo 12: Bloco sobre uma parede vertical.


Considere um bloco apoiado sobre um plano vertical (por ex., sobre o quadro
negro, Fig. 7.26).
As duas equações que resultam da projeção nos eixos cartesianos Ox, e Oy, são:

∑ Fx = P − N = 0(a)
(7.50)
∑ Fy = fs − w = 0(b)

Da Eq. 7.50-(b) temos fs = w e da Eq. 7.50-(a) temos P = N, sendo P a força


de compressão exercida pela punho. Mas fs ≤ µs P. Para que não haja deslize é
necessário que fs ≥ w,
∴ µs P ≥ w, (7.51)
ou
w
P≥ . (7.52)
µs
120 7 Forças

Portanto, a força de compressão mı́nima para que não haja deslize do “apagador”
do quadro negro é:
w
P= . (7.53)
µs

Fig. 7.26 Apagador puxado por um operador na vertical contra o quadro negro.

Exemplo 13: Bloco puxado para cima ao longo de um plano inclinado.


Consideremos agora a nova situação de um bloco puxado ao longo de um plano
inclinado (Fig. 7.27).
Suponha que os dados numéricos são os seguintes: m = 5 kg, F = 20 N, µk =
0.42. A pergunta é: qual é a aceleração?
Assuma que o movimento é para cima:

eixoOx F − f − mg sin 60o = max


(7.54)
eixoOy N − mg cos 60o = 0

Ao longo de Oy não há aceleração.

∴ N = mg cos 60o . (7.55)

Donde resulta
f = µk N = µk mg cos 60o (7.56)
ou
F − mg sin 60o − µk g cos 60o
ax = = −6.55m/s2 . (7.57)
m

Fig. 7.27 (a) - Bloco puxado contra a gravidade ao longo de um plano inclinado. (b) - Pino de
disparo do torpedo Mark-6.

Isto é, o bloco coom os valores numéricos assumidos está acelerado para baixo;
há que inverter o sentido da força de atrito!

F − mg sin 60o + f = max


(7.58)
N − mg cos 60o = 0

Resolvendo obtém-se a = −2.43 m/s2 . Agora a direcção do bloco é para baixo, mas
é consistente com as hipóteses iniciais.
Exemplo 14: Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) os norte-americanos
tiveram sérios problemas no funcionamento dos torpedos lançados pelos seus sub-
marinos. Um desses problemas estava relacionado com o mecanismo de disparo
que não funcionava correctamente. Até que fosse compreendido a causa do prob-
lema cerca de 70 % dos torpedos não explodiam! Descobriu-se que a causa estava
7.1 Força gravitacional 121

no atrito enorme a que era submetido o pino de disparo. Este dispositivo tem basi-
camente a estrutura mostrada na Fig. 7.27-(b). A massa M desliza na superfı́cie AA

− →

sendo actuada por uma força de fricção F = µk N . Quando o dispositivo está em
repouso e a compressão da mola é ∆ x = D, a mola exercerá uma força kD sobre M
e a aceleração de M relativa à superfı́cie imóvel AA será

kD
a= − µk g. (7.59)
M
Porém, se o dispositivo estiver submetido a uma aceleração vertical a0 = Kg, onde
designamos por K uma constante positiva sem dimensões, a aceleração sentida no
referencial do dispositivo acelerado será

kD
a= − µk g(1 + K) (7.60)
M
porque a força normal exercida entre AA e M aumentou de Mg para Mg(1 + K).
Conclui-se assim que a aceleração vertical aumentou consideravelmente a força de
atrito e reduzindo a aceleração de M ao longo de AA, podendo em particular im-
pedir o deslize da massa M e portanto provocando a falha do pino de disparo do
torpedo. Uma atempada resolução da falha dramática dos pinos de disparos feita
postriormente pelos norte-americanos mostrou que o final da guerra poderia ter sido
antecipado.

7.1.9 Força de atrito e velocidade terminal

Os objectos que se movem em meio fluido (água, ar,...) estão submetidos a uma
força de atrito que se opõe ao movimento. A resolução detalhada deste problema
é muito complexo. Geralmente considera-se existir 2 regiões distintas do fluxo do
fluido em torno do objecto.
1. Fluxo laminar: fluxo estável em torno do objecto; FD ∼ v; a lei de Stokes 12
aplica-se (Fig. 7.28).
2. Fluxo turbulento: FD ∼ v2 , a velocidade é suficientemente elevada de modo que
o fluxo de ar atrás do objecto é turbulento. As partı́culas do fluido fluctuam de
modo desordenado, caótico, produzindo vórtices (ou vortexes), vd. Fig. 7.28.
O escoamento do fluido em torno de um objecto é sempre turbulento 13 nos casos:

12 In 1851, George Gabriel Stokes obteve uma expressão matemática das forças de fricção (ou

resistiva) exercida sobre objectos de forma esférica válida quando o número de Reynolds é muito
pequeno (em particular, válida para partı́culas muito pequenas) num fluido viscoso, FD = 6πRµv,
onde FD é a força de fricção, R é o raio do objecto esférico, µ é a viscosidade dinâmica do fluido,
e v é a velocidade da partı́cula.
13 Conta-se que alguém teria perguntado ao célebre cientista alemão Werner Heisenberg o que ele

perguntaria a Deus, se tivesse essa oportunidade. Ele teria respondido: “Quando me encontrar com
122 7 Forças

Fig. 7.28 Fluxo laminar (a) e turbulento (b-d) em torno de uma esfera.

• bola de baseball (42 m/s);


• paraquedista (5 m/s);
• ...
Em 1883 Osborne Reynolds 14 descobriu o fenómeno de turbulência em dinâmica
dos fluidos quando estudava o escoamento da água através de tubos cilindricos de-
vido a um gradiente de pressão. Reynolds descobriu que quando uma velocidade
crı́tica era atingida (e bem caracterizada por um valor crı́tico hoje chamado em sua
homenagem “número de Reynolds” 15 , Rec ) era excedida o escoamento tornava-se
turbulento. Hoje em dia compreende-se que o fenómeno de turbulência deve-se a um
movimento caótico solenoidale do fluido acompanhado por um grande incremento
das propriedades de transporte tais como a viscosidade (transferência de momen-
tum), difusividade (transferência de massa), conductividade térmica (transferência
de energia), e resistividade eléctrica (na passagem da corrente eléctrica). O fluxo
turbulento é mantido energeticamente pelo fluxo principal e as perdas de energia
aparecem sob a forma de quedas de pressão ou perdas por fricção.

Fig. 7.29 Um “skydiver” em queda livre...Normalmente um “skydiver” na posição barriga para


a Terra atingirá uma rapidez de cerca de 200 km/h. Esta é a chamada velocidade terminal. Há
quem diga que nos anos 60 um sujeito chamado Joe Kittenger ultrapassou a barreira do som ao
cair de uma altitude de cerca de 31 km. A rapidez com que uma pessoa cai pode ser ajustada com
a variação do coeficiente de fricção. Uma pessoa com a cabeça para baixo oferecendo uma menor
resistência pode atingir cerca de 300 km/h. Ao abrir o para-quedas a velocidade terminal do sujeito
reduz-se para cerca de 24 km/h de 4 para 5 segundos.

7.1.10 Força resistiva proporcional à velocidade

Qual a forma da força de atrito, resistiva, exercida pelo meio sobre os objectos?
• objectos em queda através de um fluido;
Deus irei colocar-Lhe duas questões: Porquê a relatividade? E porquê a turbulência? Eu acredito
deveras que Ele terá uma resposta para a primeira.”
14 Osborne Reynolds (1842 1912), engenheiro irlandês, deu contribuiuções importantes na área

da dinâmica dos fluidos. Estudou igualmente os fenómenos de transferência de calor entre sólidos
e fluidos, contribuindo assim nos melhoramentos em caldeiras e condensadores.
15 Em mecânica dos fluidos, o número de Reynolds é uma grandeza sem dimensões dado pelo

rácio das forças de inércia sobre as forças de viscosidade Re ≡ uL


ν , onde u é a velocidade do fluido
(em m/s), L é um comprimento caracterı́stico (em metros) e ν é o coeficiente de viscosidade
cinemática (em m2 /s). Re quantifica a importância relativa desses dois tipos de força para um
determinado escoamento.
7.1 Força gravitacional 123

• pequenos objectos (partı́culas de poeira) no ar.


Essa força resistiva tem a forma:


F D = −b→

v. (7.61)

onde
• →
−v - velocidade do objecto;
• b - constante que depende do meio e da forma do objecto. Por exemplo, para uma
esfera, tem-se b ∼ r em unidades SI kg/s.

Fig. 7.30 As forças resistivas dependem da forma do objecto e em particular da área da seção
transversal do objecto. Na figura mostra-se desenhos de um avião Messerschmitt Me 262 A-1a de
fabrico alemão.

Considere o movimento de uma esfera de massa m através de um fluido. Duas


forças actuam sobre a esfera:
• mg - peso (eventualmente incluindo já as forças de impulsão)
• −bv - força resistiva.
Aplicando a segunda lei de Newton:

∑ Fy = may (7.62)

QuadroNegro 4 - Forças resistivas sobre uma esfera.


124 7 Forças

Quando o objecto cai no inı́cio do movimento quando t = 0, tem-se supostamente


neste caso v = 0 e a força resistiva é nula.
No inı́cio a aceleração inicial é suposta ser a da gravidade:

dv
a(t = 0) = = g. (7.63)
dt

À medida que o tempo t passa, a velocidade do objecto v aumenta, e a força re-


sistiva aumenta igualmente até que a um dado momento a aceleração pode mo-
mentaneamente decrescer. Estabelece-se um equilı́brio natural de forças. Quando a
força resistiva iguala o peso, a aceleração de facto anula-se. O objecto continua o
movimento, mas com uma velocidade terminal, sem aceleração.

QuadroNegro 5 - velocidade do objecto e velocidade terminal

Fig. 7.31 (a): As asas dos aviões são concebidas para terem um fluxo laminar.

Há maneiras de contornar o efeito resistivo do meio fluido. O fenómeno de


cavitação acontece quando a pressão da água baixa até valores inferiores ao do vapor
de água (ou quando a pressão de vapor ultrapassa a pressão da água). A cavitação
ocorre dentro de uma bomba hidráulica ou em torno de um obstáculo, por exemplo,
uma hélice com alta rotatividade. As pequenas bolhas de vapor de água formadas
implodem rapidamente resultando num aumento rápido da pressão ambiente que
acaba por danificar fisicamente as hélices propulsores erradamente projectadas.
A supercavitação corresponde ao fenómeno de cavitação descrito acima mas
onde o efeito é usado de forma sustentada e amplificadamente. As caracterı́sticas
7.1 Força gravitacional 125

de um objecto supercavitando 16 consistem na forma do “nariz”, que deve ser plana


com saliências agudas, e com linhas aerodinâmicas ou hidrodinâmicas que seguem
as linhas de fluxo do fluido. Quando o objecto atinge uma velocidade de cerca de 440
m/s, a água é deflectida pelo nariz com tal rapidez que o objecto acaba por “voar”
dentro da bolha de vapor de água entretanto criada. Para lá de determinada veloci-
dade, ou injectando gás para dentro da bolha de vapor de água formada consegue-se
estender a cavidade de modo a envolver por completo o corpo do objecto.
Foram propostos os mais diversos processos de propulsão, entre os quais objectos
sub-aquáticos propelidos por um motor de foguetão “queimando” alumı́nio com
água. O torpedo ‘VA-111 Shkval” é um objecto supercavitando, fabricado pelos
russos (aliás, provavelmente os maiores especialistas mundiais em mecânica dos
fluidos) e está na origem do afundamento trágico do submarino russo “Kursk” (vd.
Fig. 7.32).

Fig. 7.32 Detalhes do nariz do Shkval e destroços do submarino “Kursk”.

7.1.11 Queda dos corpos no ar

A força de atrito (ou de arrasto) é do tipo:


1
FD = CρAv2 . (7.64)
2
A força é proporcional à (velocidade)2 .
• A : área transversal efectiva do objecto;
• ρ : densidade do ar;
• v : velocidade do objecto em queda;
• C : coeficiente de atrito (sem dimensão), depende da geometria do objecto (usual-
mente C = 0.5 → 1.0).
Quando o objecto atinge a velocidade terminal, verifica-se FD = mg, donde se obtém
1
∴ CρAvt2 = mg. (7.65)
2
s
2mg
∴ vt = , m/s. (7.66)
CρA
Exemplo 15: Um paraquedista salta de um avião, percorrendo inicialemente uma
certa distância antes de abrir o paraquedas. O módulo da força de atrito é dado por
16 Em inglês designa-se “supercavitating object”.
126 7 Forças

Fa = 1/2CD Sρv2 , sendo CD o coeficiente aerodinâmico, ρ a densidade do ar e S a


superfı́cie de atrito. Considere os seguintes valores: m = 70 kg, ρ = 1.2 kg/m3 ;

Paraquedista com os braços e pernas em “X” : CD = 0.56, S = 0.7m2


Paraquedista com o parauedas aberto : CD = 2.30, S = 12m2

a) Escreva a equação do movimento e calcule a velocidade terminal (ou limite)


em função dos parâmetros dados;
Facilmente vemos que podemos a aceleração a partir da equação fundamental da
dinâmica; projectamos as forças gravı́tica e de atrito num eixo vertical:

dv 1 v2
= g− CD Sρv2 = g(1 − 2 ) (7.67)
dt 2m vl

sendo que a velocidade terminal, aquela na qual a aceleração é nula e a velocidade


constante, é dada por s
2mg
vl = . (7.68)
CD Sρ
b) Calcule a velocidade em função do tempo. Ao fim de quanto tempo é atingida
90% da velocidade terminal?
Como se depreende analisando a Eq. 7.67, é conveniente usar o método da
separação das variáveis:
dv
gdt = 2 . (7.69)
1 − vv2
l

Pode-se ler numa Tabela de Integrais o valor do integral indefinido:


 
dx 1 a+x
Z
= ln . (7.70)
a2 − x 2 2a a−x

Substituindo, obtém-se logo


R t dv0 /vl  
vl
ln 1+v/v
Rt l
0 gdt = vl 0 02 = 2 1−v/vl
1− v 2
v
l  
vl 1+v/vl
t= 2g ln
1−v/vl
1+v/vl
⇒ e2gt/vl = 1−v/v (7.71)
  l
1 − vv e2gt/vl = 1 + vv
l l
− vv 1 + e2gt/vl = 1 − e2gt/vl

l
2gt/v
∴ v(t) = vl e2gt/vll −1 .
e +1
7.1 Força gravitacional 127
 
t= vl
2g ln vvl +v
−v
 l 
vl
t = 2g ln vvl +0.9vl (7.72)
vl 1
 vl l −0.9vl
t = 2g ln 0.1 = 2g 2.3 = 0.12vl ≈ 0.6s,
quando vl = 54 m/s; ou t ≈ 6 s, quando vl 6.44 m/s.
c) Qual a altura equivalente da qual o paraquedista poderia cair, sem paraquedas,
para sofrer um embate semelhante?

mgH = 12 mv2
v2 (7.73)
⇒ Heq = 2g ≈ 149m
quando vl = 54 m/s, e Heq ≈ 2 m, quando vl = 6.44 m/s.

7.1.12 Cordas e postes

Considere uma corda enrolada em torno de um poste (Cf. Fig. 7.33). Queremos
relacionar a força nas extremidades da corda com o comprimento da corda enrolada
em torno do poste se o coeficiente de fricção estático for µ.
• assume-se que não ocorre deslize;
• A secção da corda faz um ângulo dγ no centro;
• Seja N a força normal actuando na corda por unidade de comprimento em qual-
quer ponto.

Fig. 7.33 Corda enrolada em torno de um poste.

QuadroNegro 1 - Corda enrolada num poste


128 7 Forças

Considere uma corda de comprimento l enrolada em torno de um poste. Tem-se

Rγ = l

e  
µl
T = To exp
R
Por exemplo, uma corda enrolada com uma só volta em torno do poste, resulta em

l
γ= = 2π
R
e seja µ = 0.40. Vem

T = To exp(0.40 × 2π) = 12.3To

o que representa uma formidável multiplicação do esforço exercido pela tensão da


corda!
R EGRA : Se uma corda leve estiver em contacto com uma superfı́cie (curva) com
atrito µ, o rácio das tensões em dois pontos quaisquer é igual a e à potência de µ
vezes o ângulo entre as tangentes (ou entre as normais nesses pontos):

T2 = T1 eµ(θ2 −θ1 ) . (7.74)

Exemplo 1: Forças aerodinâmicas 17 : Equilı́brio de um avião.


As forças aerodinâmicas exercem-se simetricamente sobre um avião e são me-
didas num “túnel de vento” 18 , onde se estabelece um escoamento horizontal de ar
(com uma velocidade determinada) em torno de um protótipo imóvel.
Como é ilustrado na Fig. 7.34 num objecto em voo (ex., avião) actuam as
seguintes forças:


• força de sustentação, R ;


• força de arrasto, F D ;


• peso, w ;


• empuxo ou tracção, T .
Em voo horizontal, a força de sustentação equilibra o peso, enquanto que a força de
arrasto deve ser equilibrada pela tracção.
Por convenção, as forças aerodinâmicas são medidas em relação ao eixo paralelo
à velocidade de escoamento. O ângulo de incidência i (ou ângulo de ataque) é o
ângulo que o vector velocidade de escoamento faz com o plano da asa (Fig. 7.34-
(b)-(c)).

17 A matéria exposta neste exemplo tem um carácter meramente informativo para resolver este
problema, não precisa de a decorar para o exame.
18 Um túnel de vento é um aparelho de investigação em aerodinâmica, usado para estudar o escoa-

mento de ar em torno de objectos sólidos.


7.1 Força gravitacional 129

Fig. 7.34 (a) Gráfico do CL vs. ângulo de ataque. (b) . (c) Força de sustentação.

Suponhamos que a aeronave A-10 Thunderbolt 19 (peso bruto máximo é 22950


kg) utiliza o perfil de asas com as caracterı́sticas do gráfico apresentado na Fig. 7.34.
O A-10 Thunderbolt pode transportar uma grande quantidade de armamento. A área
das asas é de S = 42 m2 . Calcule a força de sustentação do A-10 voando a 320
Km/h a uma altitude próxima do nı́vel do mar, com ângulo de ataque de 0o (onde a
densidade do ar é 1.22 Kg/m3 ).
Convertamos a rapidez: dá 88 m/s. Lendo o gráfico da Fig. 7.34, registamos CL
a 0o igual a cerca de 0.07. Ora, a força de sustentação da asa é dada pela fórmula:
1
FL = ρV 2 SCL , (7.75)
2
onde CL é o coeficiente de sustentação do perfil da asa.
Introduzindo os valores numéricos conhecidos na fórmula anterior, temos:
1
FL = 1.22 × 882 × 42 × 0.07 = 13888.1N. (7.76)
2
Isto é, temos uma força capaz de sustentar um peso de cerca de 1300 kg. O
aerofólio com estas caracterı́sticas não é capaz de empurrar o avião A-10 para cima.
Deve-se escolher outro tipo de asa!

Fig. 7.35 Flaps e slats de uma aeronave.

Qual o CL necessário para que o avião não caia antes de tocar a pista, supondo
que o avião atinge a pista a 190 km/h?
O CL é dado por:
2FL
CL = .
ρV 2 S
FL deve ser exactamente igualado pelo peso da aeronave, pois no momento do pouso
a aeronave toca o solo suavemente, quase em voo nivelado, e lembre-se que em voo
nivelado as forças se equilibram. Verificamos assim:
2 × 13888.1
CL = == .193.
1.22 × 532 × 42
Observando o gráfico, verificamos que este perfil não atinge o CL necessário. O CL
máximo ocorre quando o ângulo de ataque é de cerca de 20o . A aeronave irá perder
sustentação e um acidente dramático certamente ocorrerá...
19 O A-10 Thunderbolt foi o primeiro avião norte-americano cosntruı́do para apoio próximo das
forças terrestres, possui uma grande maneabilidade a baixa altitude e velocidade, representando
em particular um adversário perigosı́ssimo para os tanques.
130 7 Forças

Existem processos capazes de minorar estas dificuldades usando-se os “flaps” e


os “slats” 20 . Os “flaps” destinam-se a aumentar a curvatura da asa (aumentando as-
sim o CL ), tornando desnecessários atingir ângulos de ataque elevados, próximos da
perda de sustentação, ou “stall”. Deste modo a aeronave pode voar em velocidades
muito baixas para realizar um pouso seguro. Os “slats” corrigem o escoamento so-
bre a asa, obrigando a camada limite a aderir ao aerofólio, e tornando possı́vel à
aeronave alcançar ângulos de ataque maiores.
Exemplo 2: Força de sustentação durante a re-entrada na atmosfera por uma
nave.
Neste exercı́cio ilustramos a aplicação da força centrı́peta num problema de
grande importância prática.
Faz mais de meio século que as aeronaves em voo nivelado foram desenhados
para obedecer à relação simples:

Peso = força-de-sustentação.

Contudo, no que se refere a satélites temos que corrigir a linguagem, porque um


satélite com um voo nivelado teria uma trajectória rectilı́nea, isto é, abandonaria
a Terra ao longo da tangencial. Devemos então modificar a equação simples an-
terior, tendo em atenção a curvatura da Terra. Temos que incluir uma nova força
(centrı́peta):

− 2→

∑ F = m vr n
2 2 (7.77)
−Rz + wg = m vr ∴ Rz = wg − m vr ,
onde Rz representa a força de sustentação e wg o peso do satélite, ou seja:

Rz v2
= 1− . (7.78)
wg wg R

Desta expressão concluı́mos que a força é dirigida para baixo a velocidades pe-
quenas (relativamente àquelas que normalmente são atingidas pelos satélites), mas
quando a nave atinge velocidades mais elevadas, a força é dirigida para cima
(no chamado “voo invertido”), Vd. Fig. 16.1.6. O uso da força aerodinâmica de
sustentação permite controlar o voo da nave, ou melhor, a re-entrada na atmosfera
terrestre, aumentando também o tempo de voo.

Table 7.1 Fração do peso do veı́culo mantido pela força de sustentação. Voo a altitude constante.
rapidez (milhas/s) 0 1 2 3 4 5 6 7 8
FL /wg 0.96 0.84 0.64 0.36 0 -0.44 -1 -1.56
Mach number 0 4.8 9.6 14.4 19.2 24 29 34 38.4

20 Flaps são dispositivos hiper-sustentadores, presentes nos bordos de fuga e semelhantes a abas;
slats são superfı́cies aerodinâmicas colocadas no bordo de ataque de uma asa que, quando aciona-
dos, permitem o aumento do ângulo de ataque.
7.1 Força gravitacional 131

Fig. 7.36 (a) : Formas e diferentes tipos de atritos gerados. A introdução do conceito de corpo
de reentrada rombudo (“blunt-body”) foi criado por H. Julian Allen and A. J. Eggers, Jr. do “Na-
tional Advisory Committee for Aeronautics” (NACA) em 1951. Eles descobriram que um corpo
de reentrada rombudo era o mais eficaz a criar um escudo térmico, mostrando que a carga térmica
experimentada pelo veı́culo de reentrada era inversamente proportional ao coeficiente de atrito.
Com a forma rombuda o ar não consegue escapar rapidamente, actuando como uma almofada que
empurra a onda de choque e a camada limite térmica (“heat shock layer”) para longe do veı́culo.
(b) : Reentrada directa ou mais tangencial do veı́culo espacial. (c) : Quatro imagens representando
concepções iniciais dos veı́culos de re-entrada na atmosfera. A teoria do corpo de reentrada rom-
budo permitiu o “design” que foi posteriormente utilizado nas cápsulas espaciais Mercury, Gemini
e Apollo, tornando possı́vel a sobrevivência dos astronautas durante a reentrada da atmosfera ter-
restre.

Exemplo 3: Declive de subida em altitude de um avião.


Como se vê pela Fig. 7.34, a força de tracção (ou empuxo) é dada pela equação:
1
T = ρv2 SCx (7.79)
2
e a força de sustentação é dada por
1
R = ρv2 SCz . (7.80)
2
Ac componentes das forças no eixo Ox e Oz (vertical), supondo a velocidade da
aeronave uniforme, são as seguintes, como se depreende da Fig. 7.34:

∑ Fz = T sin θ − FD sin θ + R cos θ − P = 0


∑ Fx = −T cos θ + FD cos θ + R sin θ = 0
(7.81)
⇒ T sin θ = FD sin θ − R cos θ + P
⇒ T cos θ = FD cos θ + R sin θ ⇒ T = R tan θ + FD .

Temos portanto a seguinte equação de equilı́brio da aeronave:


1
T = R sin θ + ρv2 SCx . (7.82)
2
Dividindo a Eq. 7.82 pelo peso, obtém-se:
1
T ρv2 SCx
= sin θ + 2 , (7.83)
P P
porque Rz = P. Isto significa que para fazer subir um avião de peso P com um
declive de altitude θ (medido em %) é necessário que a tração gerada pelo motor (a
hélice, com turbo-reactor ou motor foguetão,...) seja superior à força de atrito (ou
resistiva) na quantidade adicional Pθ .
Pode-se mostrar que a Eq. 7.83 se escreve também na forma:
132 7 Forças

T Cx
=θ+ . (7.84)
P Cz
pois que sin θ ≈ θ . Questão: Suponha que uma aeronave possui a eficieência das
asas igual a 0.1 e que o rácio tração peso é de 0.3. Qual é o declive máximo que esta
pode atingir na ascenção?

0.3 = ϑ + 0.1
(7.85)
∴ ϑ = 0.2
isto é, pode subir com um declive máximo de 20 %, onde θ = sin θ , ou seja sobe de
20 m cada 100 metros de percurso.
Chapter 8
Trabalho e Energia

“Although nature commences with reason and ends in experience it is necessary for us to
do the opposite, that is to commence with experience and from this to proceed to investigate
the reason’.

- Leonardo da Vinci
NOTA PRÉVIA - Grande parte da matéria exposta constitui uma revisão e será
rapidamente exposta na aula teórica. Os exemplos apresentados são tı́picos proble-
mas que o aluno deve rever em casa com atenção.

8.1 Trabalho e energia

As leis de Newton estabelecem uma relação entre as forças actuantes numa partı́cula
e a aceleração resultante, tornando possı́vel predizer quais são os futuros valores da
posição e da velocidade da partı́cula (por integração sucessiva).
Mas o movimento de sistemas mecânicos mais complexos nem sempre é sus-
ceptı́vel de uma análise baseada na variação temporal do momento linear, tal como
o propôs Isaac Newton. Gottfried Wilhelm von Leibniz argumentou que existia uma
outra quantidade fı́sica, a energia 1 , cujos valores deveriam ser mı́nimos.
Assim, no desenvolvimento inicial da mecânica clássica, co-existiam duas per-
spectivas diferentes em como resolver os problemas da mecânica, tendo-se ambas
desenvolivdas de forma separada até à actualidade: uma é a teoria das forças vecto-
riais e as condições para o seu equilı́brio; a outra trata da teoria escalar da energia,
fundamentada na crença que a Natureza requer que certas propriedades do movi-
mento tenham um valor máximo ou um valor mı́nimo.
Veremos em seguida como relacionar a força com o movimento da partı́cula
seguindo o segundo processo. Sabemos já que o produto escalar da força pelo deslo-

1 Na verdade, na altura chamavam-na por vis viva, um tipo de energia cinética, definida como mv2
(faltando o factor 1/2).

133
134 8 Trabalho e Energia

camento define o trabalho e que o produto da massa pelo quadrado da velocidade


da partı́cula define o dobro da energia cinética.
Ao combinarmos trabalho com energia cinética obtemos o princı́pio trabalho
- energia. Este princı́pio desempenha um papel análogo ao da 2a lei de Newton,
mas tem a vantagem das quantidades serem escalares.
• Princı́pio trabalho-energia → Conservação da energia;
• (Forca
¸ )×∆t = impulso linear → Conservação do momentum
• Força × posição → Conservação do momento angular.
As simetrias desempenham um papel fundamental na construção das teorias
fı́sicas, não esquecendo, porém, que a fı́sica é uma ciência experimental e re-
quer permanentemente a sua confrontação com a experiência. Existe um teorema
matemático que estabelece uma relação entre a existência (ou não) de certas sime-
trias na formulação matemática da realidade fı́sica descrita pela teoria. As leis da
natureza estão contrangidas pelas simetrias.
As simetrias em fı́sica referem-se aos aspectos de um sistema fı́sico que exibem
a propriedade de simetria, isto é, sob certas transformações há aspectos desses sis-
temas que não são modificados quando observados de determinado modo peculiar.
A simetria de um sistema fı́sico é uma particularidade fı́sica ou matemática do sis-
tema (que resulta da observação, mas que também pode ser intrı́nseca) que é preser-
vada sob determinada transformação. As transformações podem ser contı́nuas (por
exemplo, rotação de um cı́rculo), ou discretas (por exemplo, reflexão de uma figura
simétrica bilateralmente, ou rotação de um polı́gono regular).
O teorema de Emmy Noether (Fig. 8.1) estabelece que para qualquer simetria
contı́nua de uma teoria fı́sica existe uma quantidade fı́sica que se conserva, que não
varia com o tempo.

Fig. 8.1 Emmy Noether (1882-1935) foi a primeira mulher a tornar-se numa matemática na Ale-
manha, donde era natural. Ela teve que obter uma autorização especial para poder assistir às aulas
na universidade e não podia ensinar estudantes. Na verdade acabou por ensinar, mas usando o
nome do seu colega, e excepcional matemático, David Hilbert.

Table 8.1 Leis de conservação e suas respectivas simetrias fı́sicas.


Momentum translação no espaço
Energia translação no tempo
Momentum angular invariância por rotação
Carga eléctrica desfasagem quanto-mecânica da fase1
8.1 Trabalho e energia 135

8.1.1 Trabalho a 1-dim

Uma força Fx actuando sobre uma partı́cula movendo-se ao longo de Ox realiza a


quantidade de trabalho W :
W = Fx ∆ x, (8.1)
onde ∆ x denota o deslocamento da partı́cula. No Sistema SI a unidade fı́sica é o
Joule (J).
• W > 0 : a força e o deslocamento estão na mesma direcção (operador externo
exercendo a força);
• W < 0 : a força e o deslocamento estão opostos;
• W < 0 : representa o trabalho efectuado pela partı́cula.
O trabalho depende do referencial onde é calculado, como se pode depreender
da fig. 8.2.

Fig. 8.2 O trabalho depende do referencial. (a) homem-aranha com bola no referencial do ele-
vador: não há trabalho realizado. (b) homem-aranha visto do referencial (exterior) do laboratório:
há trabalho realizado.

8.1.2 Força variável, trabalho

Vamos supor que a força é uma função da posição, Fx = Fx (x). A questão que nos
colocamos neste momento é: qual é o trabalho realizado W (a → b) ao deslocar-se
uma partı́cula de x = a para x = b?
Para o calcular o método consiste no seguinte: divide-se o deslocamento total
num número muito grande de pequenos intervalos ∆ x. Para cada intervalo tem-se

∆Wi = Fx (xi )∆ xi , (8.2)

que corresponde à área do rectângulo de altura Fx e largura ∆ xi (Fig. 8.3).

Fig. 8.3 O deslocamento total de a para b é dividido em pequenos intervalos de largura ∆ x.

O trabalho total efectuado ao deslocar-se a partı́cula de a para b é a soma de todos


os pequenos intervalos:
W = lim∆ x→0 ∑ Fx (xi )∆ xi (8.3)
i

isto é,
136 8 Trabalho e Energia
Z b
W= Fx (x)dx (8.4)
a
que representa um integral definido e onde Fx (x)dx representa o integrando. O
trabalho é igual à área delimitada pela curva Fx (x) e pelas linhas situadas em x = a
e x = b.
Para determinadas formas do integrando f (x) a integração de 8.4 pode ser feita
analiticamente consultando uma tabela de integrais ou fazendo um desenvolvimento
em série assimptótica. Porém, muitos integrais devem ser avaliados numericamente
pois não se conhece o seu valor ou são muito complexos. Os métodos de integração
numérica baseiam-se na interpretação geométrica do integral da Eq. 8.4 como sendo
a área delimitada pela curva de f (x) em função de x do ponto x = a ao ponto x = b.
Como se vê na Fig. 8.3 divide-se o eixo Ox em n intervalos de largura ∆ x, sendo ∆ x
dado por
b−a
∆x = (8.5)
n
e
xn = x0 + n∆ x, (8.6)
sendo xo = a e xn = b. O integral pode ser estimada usando a aproximação rectan-
gular, somando sobre todos os rectângulos mostrados na Fig. 8.3:
n−1
W= ∑ Fx (xi )∆ x. (8.7)
i=0

Pode-se usar a aproximação trapezoidal e obtendo um valor mais exacto do inte-


gral. Aı́ terı́amos:
" #
n−1
1 1
W= Fx (x0 ) + ∑ Fx (xi ) Fx (xn ) ∆ x. (8.8)
2 i=1 2

Mostra-se um pequeno programa escrito em linguagem BASIC 2 na Tabela 8.1.2


que implementa a aproximação rectangular do integral de uma função f (x):
Exemplo 4: Força de uma mola. Qual a quantidade de trabalho que é necessário
efectuar para mover a mola (fixa numa das extremidades) de x = a até x = b?

F = −kx
Rb
F(x)dx = ab (−kx)dx
R
W= a
2 b
= −kx 2 |a
(8.9)
= − 2k (b2 − a2 )
W < 0, isto é, realiza-se trabalho sobre a mola quando ela é distendida.

2 BASIC (Beginner’s All-purpose Symbolic Instruction Code) é uma linguagem desenvolvida para

resolver problemas simples. É usado em modo interactivo e é a linguagem mais usada em micro-
processadores, em particular com fins educacionais ou de diversão.
8.1 Trabalho e energia 137

Table 8.2 Programa em linguagem BASIC para o integral na aproximação rectangular. A função
a integrar neste exemplo é o coseno.
PROGRAM integral
CALL inicial (a,b,h,n)
CALL rectangulo (a,b,h,n,area)
CALL output(area)
END

SUB inicial (a,b,h,n)


LET a=0 ! limite inferior
LET b=0.5*pi ! limite superior
INPUT prompt ”numero de intervalos=”:n
LET h=(b-a)/n ! grelha
END SUB

SUB rectangulo(a,b,h,n,area)
DECLARE DEF f
LET x=a
FOR i=1 to n-1
LET sum=sum + f(x)
LET x=x+h
NEXT i
LET area=sum*h
END SUB

SUB output(area)
PRINT using ”.”:area
END SUB

DEF f(x)=cos(x)

8.1.3 Trabalho em 3-dim

Em geral,


W = ( F ·∆→ −r )
(8.10)
= F(∆ r) cos θ


Verifica-se de imediato que, quando F ⊥∆ →−r → W = 0.
A projeção nas suas componentes resulta em

W = Fx (∆ x) + Fy (∆ y) + Fz (∆ z). (8.11)

Se F = F(x) depende da posição, então o procedimento utilizado na Sec. 20.3.2


pode ser empregue.
138 8 Trabalho e Energia

Temos Z P2


∆W = F · d→
−r . (8.12)
P1

que é um integral de linha. Decomposto nas suas componentes cartesianas temos

W = PP12 (Fx dx + Fy dy + Fz dz)


R
(8.13)
= W = PP12 Fx dx + PP12 Fy dy + PP12 Fz dz
R R R

Exemplo 5: Força gravitacional.


Uma partı́cula algures no sistema solar é atraı́da por todas as outras do sistema


com uma força F que varia em módulo e direção de posição para posição. Portanto,


F é uma função vectorial dependente da posição:

− →
− →
− →

F = Fx i + Fy j + Fz k . (8.14)

Este exemplo ilustra muito bem a ideia geral que se tem de um campo de forças.
A força gravitacional na proximidade da superfı́cie terrestre tem as seguintes
componentes cartesianas:
Fx = 0
Fy = 0 (8.15)
Fz = −mg
Z x2 Z y2 Z z2
W= Fx dx + Fy dy + Fz dz. (8.16)
x1 y1 z1
Z z2
W= (−mg)dz = −mg(z2 − z1 ) = −mg(∆ z) (8.17)
z1

onde ∆ z representa a variação em altura.


Conclui-se que o trabalho efectuado pela gravidade depende da distância vertical
entre dois pontos P1 e P2 . É irrelevante o caminho (mais ou menos) complicado que
levou o objecto de massa m de um ponto ao outro; só interessa a distância ∆ z!
Exemplo 6: Um bloco é empurrado ao longo de um plano horizontal com ve-
locidade constante. O coeficiente de fricção cinético é µk . Qual o trabalho realizado
ao exercer a força F ao longo da distância s?

F cos θ − f = 0
(8.18)
−F sin θ + N − mg = 0
donde obtemos
f = µk N = µk (F sin θ + mg) (8.19)
∴ F cos θ − µk (F sin θ + mg) = 0 (8.20)
µk mg
∴F = (8.21)
cos θ − µk sin θ
O trabalho é dado pelo produto
8.1 Trabalho e energia 139

Fig. 8.4 Bloco empurrado num plano horizontal a velocidade constante.


− −
WF = ( F · d →
s) (8.22)

porque F é constante, e finalmente


µk mgs
WF = Fs cos θ = (8.23)
1 − µk tan θ

O resultado anterior possui uma singularidade quando µk tan θ = 1, i.e.,


1
tan θ = ⇒ W → ∞.
µk

Exemplo 7: Trabalho efectuado sobre um astronauta.


Qual é o trabalho realizado pela força da gravidade sobre um astronauta de 80 kg
ao deslocá-lo do ponto A sobre a superfı́cie terrestre até ao ponto B a uma altitude
de 2RT (RT é o raio terrestre).

− −GmT m →

F =− ur (8.24)
r2
R 3RT GmT m
W =− dr
R 1 RT r2
1 (8.25)
r2
dr = − r
 
GmT m 3RT 1 1 2 GmT m 2
W =+ |RT = GmT m − =− = − mgRT (8.26)
r 3RT RT 3 RT 3
É realizado um trabalho de valor negativo porque a força é dirigida na direção do
centro da Terra, mas o deslocamento é dirigido radialmente para fora da Terra.

W = −3.34 × 109 J.

Podemos referir, como curiosidade, que em torno de dois corpos massivos su-
jeitos ao campo gravı́tico mútuo, existem 5 posições do espaço onde uma terceira
massa m3 mais pequena pode orbitar a distância fixa de ambos. São chamados
pontos de Lagrange porque foram descobertos pelo matemático franco-italiano
Joseph-Louis Lagrange. Os Pontos de Lagrange são pontos onde a resultante da
atração gravitacional exercida por ambos os corpos compensa exactamente a força
centrı́peta necessária para rodar com eles.
Dos 5 Pontos de Lagrange, 3 são instáveis e 2 são estáveis. Na Fig. 8.5 os pontos
L1 , L2 e L3 são instáveis; os pontos L4 e L5 são pontos estáveis.
O ponto L4 do sistema Terra-Sol permite colocar um satélite em permanente
observação do Sol e é onde se encontra actualmente “Solar and Heliospheric Ob-
servatory Satellite” (SOHO). No ponto L5 do sistema Terra-Sol encontra-se a nave
“WMAP” (e provavelmente no ano 2011 será também aı́ colocado o “James Webb
Space Telescope”). Os pontos L1 e L2 são instáveis numa escala de tempo de 23
140 8 Trabalho e Energia

dias mas, apesar disso, são utilizados pelos satélites com frequência, embora sendo
necessário corrigir frequentemente a atitude do satélite (isto é, a orientação do
veı́culo relativamente a um dado sistema de referência). O ponto L3 não tem sido
utilizado porque situa-se por detrás do Sol. Apesar de ser um ponto instável numa
escala de tempo de 150 anos, tem sido referido nos escritos de ficção cientı́fica como
o ponto onde se encontra oculto o “Planet-X”.
Conhecem-se apesar de tudo a presença de 2 satélites Trojanos 3 nos dois pontos
de Lagrange L4 e L5 acima referidos do sistema Saturno-Luas de Saturno. Esses
satélites Trojanos são Telesto e Calypso.

Fig. 8.5 Na presença de dois corpos massivos exercendo uma força gravitacional mútua existem 5
Pontos de Lagrange.

3 O termo Trojano aplica-se no sentido estrito aos asteróides que ocupam os pontos de Lagrange L4
e L5 do sistema Sol-Júpiter. No sentido geral, designa também qualquer corpo situado nos pontos
de Lagrange de qualquer sistema. Como curiosidade, refira-se que no sistema Terra-Lua não existe
nenhum satélite nos pontos L4 e L5 , embora parece aı́ acumular-se poeira cósmica.
Chapter 9
Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia
Cinética

The profit we possess after study is to have become better and wiser.

- Michel Eyquem de Montaigne (1533 1592) foi um dos escritores mais influentes
do Renascimento Francês

9.0.4 Energia cinética

Vamos agora estabelecer uma relação entre o trabalho 1 efectuado e a variação da


rapidez das partı́culas.
Considere uma partı́cula em movimento de P1 para P2 sob a acção de uma força

− −
resultante F (→
r ). O trabalho realizado é dado pela fórmula:
Z P2


W= F · d→
−r . (9.1)
P1

A força é uma grandeza vectorial, podendo nós escrevermos em coordenadas carte-


sianas nesta forma:

− →
− →
− →

F = Fx i + Fy j + Fz k , (9.2)
e, do mesmo modo, podemos escrever o vector deslocamento elementar:
−r = dx→
− →
− →

d→ i + dy j + dz k . (9.3)

Resulta assim a expressão

1 Actio sequitur esse, isto é, a acção segue a essência da natureza, era o que diziam os Antigos (isto

é, aqueles que viveram antes da queda do Império Romano do Ocidente). A palavra “trabalho”
vem do Latim, “tripalium”, que era como se chamava o tripé onde as mulheres se apoiavam para
dar à luz os seus filhos, mas que também era usado como instrumento de tortura...

141
142 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética
Z P2
W= (Fx dx + Fy dy + Fz dz). (9.4)
P1

Agora, note que a componente em x da força é

dvx
Fx = max = m . (9.5)
dt
Substituindo na fórmula da força, tem-se
Z P2 Z P2
dvx
Fx dx = m dx. (9.6)
P1 P1 dt

Repare que vx é uma função da posição:

dvx dvx dx dvx


= = vx (9.7)
dt dx dt dx

Fig. 9.1 Uma partı́cula move-se ao longo de uma trajectória curvilı́nea do ponto P1 a P2 actuada
por uma força F que varia em módulo e direção.

- Teorema trabalho-energia
QuadroNegro 1 -
9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 143

Chega-se, portanto ao resultado


1 1
W = mv22 − mv21 , (9.8)
2 2
onde
1
K = mv2 , (9.9)
2
é a energia cinética da partı́cula e representa o potencial que uma partı́cula possui
para realizar trabalho em virtude da sua velocidade.
Teorema do trabalho-energia: O trabalho efectuado sobre uma partı́cula por
uma força resultante é igual à variação da energia cinética da partı́cula:

W = K2 − K1 = ∆ K. (9.10)

Atendendo a que uma partı́cula de massa m e velocidade v possui o momento linear



−p = m→ −v , segue que
p2
∴K= . (9.11)
2m
Exemplo 1: Uma massa m é puxada para baixo até à posição xA e liberta depois
de lhe ser comunicada a velocidade inicial vo . Qual é a velocidade do bloco quando
este atinge a posição xB ?
A força total que actua sobre o bloco é

F = Fg − Fs = mg − kx (9.12)

O trabalho efectuado obtém-se integrando Fdx:


Z xB Z xB
1
W (xA → xB ) = Fdx = (mg − kx)dx = (mgx − kx2 ) |xxBA (9.13)
xA xA 2

W = mg(xB − xA ) − 21 k(xB2 − xA2 )


= 0.5 × 9.8(0.2 − 0.5) − 21 × 50(0.22 − 0.52 ) (9.14)
= −1.47 + 5.25 = 3.78J.
O teorema trabalho-energia, por sua vez, dá-nos a relação
1 1
W = mv2B − mv2A ,
2 2
2W 2 × 3.78
∴ v2B = v2A += [(−2.0)2 + ] ⇒ vB = ±4.37m/s.
m 0.5
Dados numéricos: m = 0.50 kg, k = 50 N/m, xA = 0.50 m, xB = 0.20 m, vo = 2.0
m/s.

Fig. 9.2 Massa m é puxada até xA e liberta com uma velocidade inicial para cima vo .
144 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

Exemplo 2: Uma esfera de massa m encontra-se atada à extremidade de uma


corda e posta a girar numa trajectória circular no plano vertical. Qual é a velocidade
mı́nima vo que a esfera tem quando atinge o ponto mais baixo B sabendo-se que
ela atingiu previamente o ponto mais alto A com a corda no limite da tensão nula,
T → 0.
Verifica-se neste problema (Fig. 9.3) que considerações meramente energéticas
são insuficientes para resolver o problema, é necessário aplicar a 2a lei de Newton.
No topo da trajectória a rapidez mı́nima corresponde ao limite da tensão nula da
corda, T → 0. Neste ponto a força resultante é dirigida para baixo:

∑ Fy = may
v2
mg + T = m RT (9.15)
v2
∴ Fg = mg = m RT

Fig. 9.3 Esfera de massa m em movimento circular num plano vertical.

ou seja,
W (A → B) = mgh = KB − KA
mg(2R) = 12 mv2o − 12 mv2T
∴ v2T = gR 2
vo = v2T + 4gR = √
gR + 4gR = 5gR
∴ vo = 5gR.
Exemplo 3: Uma partı́cula de massa m desliza pela curva da Fig. 9.4. Os pontos
sucessivos assinalados na Fig. 9.4 correspondem às seguintes cotas: hA = 7 m, hB =
4 m, hc = 7.2 m, hD = −1 m, tendo no ponto A a rapidez vA = 3 m/s. Qual é a
rapidez da partı́cula nos pontos x = xB , xC e xD ?

− →
− −
A normal N não realiza trabalho, ( N · d → s = 0), portanto só a força gravı́tica
efectua trabalho sobre a partı́cula (ou bloco).
Calculemos primeiro o trabalho das forças actuantes:
R → − − RB
W (A → B) = AB F · d →
s = A (−mg)dy
(9.16)
W = mg(hA − hB ).

Em seguida, usando o Teorema trabalho-energia, calculemos a velocidade


1 1
W = K2 − K1 = mv2B − mv2A (9.17)
2 2
obtém-se sem dificuldade:

∴ v2B = v2A + 2W 2
m = vA + 2g(hA − hB )
2
= 3 + 2 × 9.8(hA − hB )
(9.18)
= 67.8(m/s)2
vB = 8.23m/s.
9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 145

Uma questão adicional: até que ponto acima de x = xD poderá ir o bloco? Esse ponto
de altura hm será atingido quando vm = 0.

Fig. 9.4 Bloco desliza sobre uma “montanha russa”.

0 = v2A + 2g(hA − hm )
v2
⇒ hm = hA + 2gA (9.19)
∴ hm = 7.46m.
Exemplo 4: Uma viatura de massa m = 103 kg, sofre uma aceleração de v1 = 20
m/s para v2 = 30 m/s. Qual foi o trabalho realizado (por ex., forças de tracção)?

W = 12 mv22 − 12 mv21
= 12 m(v22 − v21 )
1 (9.20)
= 2 × 1000 × (900 − 400)
= 2.5 × 105 J.

9.0.5 Energia potencial gravı́tica (ou gravitacional)

• K : representa a capacidade da partı́cula efectuar trabalho em virtude da sua ve-


locidade;
• U : representa a capacidade da partı́cula efectuar trabalho em virtude da sua
posição no espaço (ou num campo de forças).
Considere a acção da força constante da gravidade Fz = −mg, sobre uma partı́cula
que se desloca da posição de coordenadas (x1 , y1 , z1 ) até (x2 , y2 , z2 ). O trabalho
necessário é dado por
R z2 →

Wg = z1 F · d→
−r = − R z2 mgdz = −mg(z − z )
z1 2 1
(9.21)
= −U(z2 ) +U(z1 ) = −∆U,

onde
U(z) = mgz, (9.22)
é chamada a energia potencial gravitacional (ou gravı́tica).

Fig. 9.5 Energia potencial gravitacional.

A variação da energia potencial entre as duas posições z1 e z2 é o negativo do


trabalho efectuado pela gravidade sobre a partı́cula.
146 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

Energia potencial gravı́tica: É a capacidade que a partı́cula tem em realizar


trabalho em virtude da sua altura acima da superfı́cie de uma massa atractiva (Terra).
Quando só actua a força da gravidade, usando o teorema trabalho-energia, pode-
se obter a expressão da energia mecânica total:

Wg = K2 − K1
Wg = U(z1 ) −U(z2 ) (9.23)
∴ K1 +U(z1 ) = K2 +U(z2 )

∴ K +U(z) ≡ constante do movimento (9.24)


A expressão
E = K +U(z) (9.25)
representa a energia mecânica do sistema e representa a capacidade total da
partı́cula para realizar trabalho em virtude da sua velocidade e da sua posição.
Se a única força actuante for a gravı́tica, então

E = K +U(z) = Const. (9.26)

A lei da conservação da energia mecânica escreve-se assim:


1
E = mv2 + mgz = Const. (9.27)
2
Vê-se assim que, quando
• z aumenta ⇒, v decresce;
• z decresce ⇒, v aumenta.
Considerando agora explicitamente duas posições distintas
1 2 1 2
2 mv1 + mgz1 = 2 mv2 + mgz2
2 2
v1 + 2gz1 = v2 + 2gz2
(9.28)
v22 − v21 = 2g(z1 − z2 )
= −2g(z2 − z1 )

9.0.6 Conservação da energia na presença da gravidade e de


outras forças

Vamos supor agora que, além da gravidade, outras forças actuam sobre a partı́cula,
por exemplo, forças de frição, que são forças do tipo dissipativo. Designemos por
Wd o trabalho realizado por forças de outra natureza, excluindo a gravı́tica. Temos
9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 147

W = Wg +Wd = K2 − K1 = ∆ K
Wd − (mgz2 − mgz1 ) = 21 mv22 − 12 mv21
(9.29)
Wd = ( 12 mv22 − 12 mv21 ) + (mgz2 − mgz1 )
= ∆ K + ∆U

que podemos tembém escrever na forma

Wd = ( 21 mv22 + mgz2 ) − ( 21 mv21 + mgz1 )


(9.30)
= E2 − E1 = ∆ E.

O trabalho efectuado por todas as outras forças actuantes sobre a partı́cula (com
excepção da gravı́tica) iguala a variação da energia mecânica total da partı́cula.
Em particular:
• Wd > 0 ⇒ energia mecânica total aumenta;
• Wd < 0 ⇒ energia mecânica total decresce.
Exemplo 5: Um corpo de peso w é suportado por uma corda de comprimento R


(Fig. 9.6). Uma força horizontal variável P que começa de zero e aumenta grad-
ualmente, empurra o corpo até que este atinja o valor final θo . Qual é o trabalho


realizado pela força P ? Assuma que o corpo move-se com lentidão, K ≈ 0.

Fig. 9.6 Baloiço.



As componentes da força “propulsiva” P e do peso →

w são:

(x) : P = T cos θ
(9.31)
(y) : w = T cos θ .

Deduz-se que P = w tan θ . Logo, o trabalho é


Rθ → − −
W = θ 0 ( P · d→
Rθ R
s ) = 0 0 P cos θ ds = w tan θ cos θ dθ
R θ0 θ (9.32)
W = wR 0 sin θ dθ = wR[− cos θ ]00 = wR(1 − cos θ ),

pois que s = rθ . Verifica-se que W (θ0 = 0) = 0 e W (θ0 = π/2) = wR.


Considerando que outras forças (além da gravidade) podem estar presentes, es-
crevemos:
Wd = Wg +WT = ∆ K + ∆U = ∆ E (9.33)


Mas WT = 0 porque T é perpendicular à trajectória do movimento e ∆ K = 0 porque
assumimos que o movimento é lento.

∴ Wg = ∆U = w∆ y
∆ y = l(1 − cos θ ) (9.34)
Wg = wl(1 − cos θ )
148 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

Exemplo 6: Uma criança desliza para baixo ao longo de um escorrega que é


o quadrante de um cı́rculo (Fig. 9.7). Despreze o atrito e assuma que ela parte do
repouso. Qual é a velocidade com que chega ao solo?

Fig. 9.7 Criança escorrega numa plataforma que é um quadrante de um cı́rculo.

O problema é um pouco mais complicado, porque não podemos resolver como


se fosse de aceleração constante g, porque | →
−a | varia ao longo do movimento. A
força normal não realiza aqui trabalho porque é ⊥ ao deslocamento, ∴ Wd = 0. Seja
1 o ponto de partida e 2 o ponto de chegada. Temos

K2 +U2 = K1 +U1
1 2
2 mv2 + 0 =√0 + mgR (9.35)
∴ v2 = 2gR

Se R = 3.0 m, v2 = 2 × 9.80 × 3.0 = 7.67 m/s.
Questão: o que acontece se está presente uma força de atrito e v2 = 3.00 m/s?
Assuma m = 25 kg.
Temos agora

Wd = W f
W f = ( 12 mv22 − 12 mv21 ) + (mgz2 − mgz1 ) (9.36)
= ( 12 × 25 × 3.02 − 0) + (0 − 25 × 9.80 × 3.02 ) = 112 − 735 = −623J.

Exemplo 7: Uma mola de constante elástica k = 10 N/m encontra-se presa em


O sobre uma mesa horizontal sem atrito. Uma massa de 10 kg está presa na outra
extremidade livre e quando a mola está relaxada a massa está num ponto B. A mola
é esticada até ao ponto A e depois liberta a partir do repouso descrevendo uma linha
recta em direção de O. Com que velocidade atinge o ponto B, distante 1 m de A?
A lei fundamental da dinâmica dá-nos
d2x
m = −kx (9.37)
dt 2
onde x = l − lo é a diferença de comprimento quando a mola está relaxada (lo ) e
quando está sob tensão l.
Para integrar esta equação convém aplicar o pequeno “truque” substituindo

d2x dx d dx dv
⇔ ( )=v . (9.38)
dt 2 dt dx dt dx
Temos assim
dv k
v = − x, (9.39)
dx m
9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 149

e ainda
vdv = − mk xdx(a)
vdv = − mk xdx(b)
R R
(9.40)
v2 k 2
2 = − 2m x +C.(c)
Podemos ainda escrever:
k 2
v2 = 2C − x , (9.41)
m
ou ainda, pondo C0 = 2C,
C0 − mk x2
v2 =q
(9.42)
v = ± C0 − mk x2
Questão: quanto tempo leva a massa a alcançar B?
Como vimos r
dx k
v= = ± 1 − x2 . (9.43)
dt m
Como x diminui quanto t aumenta, v é negativo. Podemos escrever:
q
dx
dt = − C0 − mk x2
dt = − q dx k
C 0 − m x2 (9.44)
dt = − √ 0 q dx k 2
C 1− mC0 x

q
k
Façamos a mudança de variável u = mC0 x. A Eq. escreve-se agora numa forma
mais apropriada q
mC0 √ du
dt = − √1 0 k
C 1−u2
= − mk √du 2 +C00 (9.45)
R
t
1−u
t = − arcsin u +C00
Na última expressão substituı́mos o valor numérico de modo a apresentar o integral
na forma que se conhece em tabelas de integrais. A nova constante de integração é
obtida a partir das condições iniciais, x(t = 0) = 1:

0 = − arcsin 1 +C00
(9.46)
∴ C00 = π2 .

Logo
t = − arcsin x + π2 = arccos x
∴ x = cost (9.47)
t = arccos 0 = π2 = 1.57s
A partı́cula leva 1.57 s a atingir o ponto B.
Podemos determinar a constante de integração C, observando que no inı́cio
quando a partı́cula é liberta no ponto A, tem-se v = 0 m/s e x = 1 m. Logo
150 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

k
0 = − 2m × (1)2 +C
(9.48)
C = 2m × (1)2 ∴ C = 12 .
k

A Eq. 17.200-(c) fica


k 2
v2 = 1 −
x , (9.49)
m
donde podemos obter a velocidade quando a massa atinge o ponto B (quando x=0!):

v2 |x=0 = 1 ⇒ v |x=0 = 1m/s. (9.50)

Exemplo 8: Determine a velocidade com que cai para a Terra um veı́culo espacial
provindo do espaço interestelar. Considere a Terra em repouso e a ação única da
força gravı́tica. Suponha que o veı́culo cai de um ponto A distante de r do centro da
Terra. Faça um esboço do problema.
Vamos escrever a força gravı́tica na forma mais simplificada

λ
F= . (9.51)
r2
Como sabemos que F = mg quando r = RT (raio da Terra), também podemos escr-
ever
mg = Rλ2 ∴ λ = mgR2T
T
mgR2
(9.52)
F = r2 T .
A lei fundamental da dinâmica toma a forma
d2r mgR2T
m = − (9.53)
dt 2 r2
Logo
d2r gR2T
= − . (9.54)
dt 2 r2
A integração desta equação requer novo método: multiplicamos ambos os membros
por 2dr/dt. Fixe este “truque”...
2 2gR2
2 dr d r T dr
dt dt 2 = − r2 dt
d dr 2 2gr2
= − r2T dr (9.55)

dt dt dt
2
d drdt = −2gR 2 dr .
T r2

Vamos agora integrar em relação ao tempo t:

dr 2 dr 2gR2T
Z
( ) = −2gR2T = +C. (9.56)
dt r2 r
Inicialmente em t = 0 temos dr/dt = 0 e sabemos que o veı́culo se encontra distante
de r = l do centro da Terra. Logo
9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 151

2gR2T
0= l +C
2gR2 (9.57)
C=− lT
( dr 2 2 1 1

∴ dt ) = 2gRT r − l

Se l  1 pode ser desprezado e atendendo a que só a partir dos 50 km de altitude a


atmosfera começa a exercer um atrito não desprezável, √ concluı́mos que pelo menos
até esta altitude o veı́culo atinge a velocidade de v = 2gRT ≈ 11.3 km/s. Será esta
a ordem de grandeza da rapidez com que um asteróide cai sobre a Terra.
Questão: qual é o tempo que leva a atingir a Terra?
q
dr
dt = − 2gR2T l−r
lr

l √rdr
dt = − √ 2 2 (9.58)
2gR
√ T R lr−r
l
∴t = − √ 2 √rdr 2
2gRT lr−r

O resultado deste integral pode ser encontrado em tabelas de integrais, que aconsel-
hamos o estudante a consultar 2 . Encontra-se o seguinte:
R rdr √
√ = − lr − r2 + 2l √ dr 2
R
2
lr−r √ lr−r
= − lr − r 2 + l arcsin 2r−l (9.59)
√ h√ 2 l i
l 2 l 2r−l
∴ t = 2gR
√ lr − r + 2 arcsin l + K.
T

Atendendo a que em t = 0 temos r = l, então podemos determinar agora a constante


de integração K: √  
l lπ
0= √ 0− + K. (9.60)
2gRT 22
Finalmente,
√   
l p l π 2r − l
t=√ lr − r2 + − arcsin . (9.61)
2gRT 2 2 l

9.0.7 Conservação da energia

É usual definir o conceito de energia como a capacidade de realizar trabalho


mecânico ou eléctrico. Na realidade, o conceito de energia é muito complexo. A
palavra energia provém da palavra grega energeia, que significa um sistema ou
estado em acção. O seu uso no contexto cientı́fico deve-se a Thomas Young, um
cientista Britânico do séc. XIX, que o começou a usar para descrever o conceito de
energia cinética.

2 A edição mais exclente que conheço é a de Gradshteyn, I.S. e Ryzhik, I.M. “Tables of Integrals,

Series, and Products”, 6th ed. San Diego, CA: Academic Press, 2000
152 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

Introduzimos nas Secs. anteriores a lei da conservação da energia mecânica


quando a partı́cula se move sob a influência da gravidade. Em muitos processos
a soma da energia cinética e potencial não permanece constante porque existem
forças dissipativas, tal como a frição.
A lei geral da conservação da energia foi concebida para incluir outras formas de
energia:
• energia térmica (e geotérmica);
• energia maremotriz (aproveitamento da energia das marés);
• energia das ondas (as ondas do ocenao armazenam 3 TW de energia);
• energia eólica (nos ventos que sopram sobra a Terra acumulam-se 2 700 TW);
• energia hidráulica;
• energia eléctrica;
• energia solar (a energia solar média que chega à atmosfera terrestre é cerca de 1
353 KW/m2 );
• energia quı́mica;
• energia nuclear.
O Princı́pio da Conservação da Energia determina que em qualquer sistema fı́sico
fechado, isolado do ambiente, existe uma grandeza fı́sica chamada ”energia” que
permanece constante ao longo do tempo.
As mudanças nas outras formas de energia levam-nos a escrever a Lei da
Conservação da Energia:

∆ K + ∆U + ∆ ( todas as outras formas de energia) = 0. (9.62)

É um dos princı́pios mais importantes da fı́sica. Enuncia-se assim:


A energia total de um sistema fechado não aumenta nem diminui em qualquer processo.
A energia pode ser transformada de uma forma para outra, e transferida de um corpo para
outro, mas a sua quantidade total permanece constante.

A validade desta lei está comprovada por observações experimentais. Enquanto que
a leis de Newton falham ao nı́vel microscópico, dos núcleos e átomos, a lei da
conservação da energia é sempre válida. É um dos grandes princı́pios unificadores
da ciência.
O seu estudo e uso é importante em Mecânica porque, enquanto a resolução
das leis de Newton envolve grandezas vectoriais e suas projeções nos eixos das
coordenadas, o uso das leis de conservação:
• energia;
• momentum;
• momentum angular,
permite-nos obter as caracterı́sticas do movimento de um sistema e do seu movi-
mento de um modo mais fácil.
9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 153

Exemplo 9: Uma embarcação navega em águas tranquilas com a rapidez de 3


milhas por hora 3 , quando desliga o motor. Determine o movimento subsequente da
embarcação.
Vamos admitir que a 2a lei de Newton escreve-se

dv
m = −av (9.63)
dt
donde obtemos
dt = − ma dvv (9.64)
t = ma ln vvo
onde vo é a velocidade inicial. Para resolver a última das Eqs. 17.204, note que
at vo
= ln (9.65)
m v
ou  at  v
o
exp = (9.66)
m v
donde se obtém  at 
v(t) = vo exp − . (9.67)
m
Note en passant que a embarcação ao ver a sua velocidade reduzida, poderá pas-
sar a ter um movimento de deriva lateral e a aproximação usada não é mais válida,
devendo-se usar um valor diferente para a (que o estudantye de engenharia apren-
derá em nı́veis mais adiantados do curso).
Questão: qual a distância percorrida?
Parte-se de
dv
mv = −av (9.68)
ds
e, consequentemente,
a
v = vo − s. (9.69)
m
Integrando-se a Eq. 17.207, tem-se

ds  at 
= vo exp − (9.70)
dt m
mvo  at 
s= (1 − exp − ). (9.71)
a m
É espantoso, mas um petroleiro necessita em média de cerca de 10 km até parar
completamente!

3 Isto é, cerca de 5 km/h.


154 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

9.0.7.1 Energia e desenvolvimento

A energia foi ao longo da história um factor fundamental no desenvolvimento


económico e social dos povos. Sabemos que qualquer actividade implica dissipação
de energia. Desde o perı́odo histórico em que a humanidade usava a tracção animal
para cultivar a terra até ao actual uso da fissão nuclear em centrais geradoras de en-
ergia, a história da energia é indissociável da história da humanidade. A utilização
do carbono em larga escala, a invenção da locomotiva a vapor, os progressos da
quı́mica e da siderurgia, estão na base da primeira revolução industrial, que trans-
formou as sociedades essencialmente agrárias na Europa e na América do Norte,
em sociedades industriais guiadas pela tecnologia.

9.0.8 Forças conservativas

Na presença do campo gravı́tico a equação de conservação é a seguinte:

E = K +U(z). (9.72)

Quais são as condições necessárias e suficientes para que uma força conservativa
exista?
Considere uma partı́cula que se desloca de P1 para P2 sob a atuação de uma


força F . Assuma que a força depende unicamente da posição, mas não depende
explicitamente do tempo.
O trabalho exercido pela força quando a partı́cula desloca-se ao longo do per-
curso I é: Z P2

− →
WI =
12 F · d −r , (9.73)
P1

enquanto que o trabalho efectuado sobre a partı́cula quando ela se desloca ao longo
do percurso II é:
Z P2

− →
W II =
12 F · d −r . (9.74)
P1


Definição: F é uma força conservativa se o trabalho depende apenas da posição
dos pontos P1 e P2 , mas é independente dos percursos efectuados entre P1 e P2 :
I II
W12 = W12 , (9.75)

para quaisquer que sejam os dois trajectos.

Fig. 9.8 Forças conservativas.


9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 155

Imagine agora que a partı́cula efectua um percurso fechado, tal como mostra a
Fig. ??. Se a força for conservativa o trabalho total é exactamente igual a zero para
um trajecto fechado:

Fig. 9.9 Trajecto da partı́cula ao longo de um percurso fechado de P1 a P2 .

I II I II
W12 +W21 = W12 −W12 = 0. (9.76)
Z P2 Z P1 Z P2 Z P2

− →
− →
− →

F · d→
−r + F · d→
−r = F · d→
−r − F · d→
−r = 0, (9.77)
P1 P2 P1 P1

resultado que se pode escrever de forma condensada assim



− →
I
F · d −r = 0. (9.78)
γ

Este é um integral de linha em torno de uma curva fechada. De acordo com o


Teorema de Stokes

− − − →
→ −
I Z Z
( F · d→
r )= rot F · d S . (9.79)
γ

Pode-se verificar que a força gravı́tica e a força elástica são ambas forças conser-
vativas.
A força de atrito não é conservativa porque opõe-se ao movimento:

− →
I
F · d −r 6= 0. (9.80)

O trabalho exercido contra uma força de atrito não é recuperável, é dissipado


sob a forma de calor ou noutra forma de energia. O trabalho das forças dissipativas
dependem também do comprimento do trajecto e não apenas dos pontos extremos.
Exemplo 10: [Problema muito avançado] Quando duas correntes eléctricas par-
alelas têm o mesmo sentido elas atraem-se. Do mesmo modo, uma carga eléctrica
positiva movendo-se paralelamente a um fio longo portador de corrente eléctrica I
será atraı́da para o fio.
a) Escreva a equação do movimento e as componentes da aceleração em coorde-
nadas cilindricas. Sabe-se que o campo magnético é azimutal e tem a forma

− µ0 I →

B = u θ. (9.81)
2πr
S OL .:

− →

a = mq [→−
v × B]

− (9.82)
a = (r̈ − rθ̇ 2 ) u r + (rθ̈ + 2ṙθ̇ )→

− −
u θ + z̈→

u z.
156 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

b) Obtenha as componentes r, θ e z do movimento. Por conveniência defina o


0 Iq
parâ mtero α = µ2πm .
S OL .:
A componente em z integra-se para obter-se
 
r
ż = żo + α ln . (9.83)
ro

A componente θ integra-se, obtendo-se


p
β
θ̇ = (9.84)
r2
onde β = (l/m)2 . O momento angular é aqui introduzido porque a partı́cula ao
rodar em torno do fio vai adquirir momento em torno do eixo z. Substituindo-se na
equaç˜ao em r podemos reescrver o resultado na forma

d 1 2
[ ṙ +Ve f f (r)] = 0, (9.85)
dr 2
onde se introduziu um “potencial efectivo”:

α2
   
β r 2 r
Ve f f (r) = 2 + [ln ] + α żo ln . (9.86)
2r 2 ro ro

c) Suponha que ro é uma distância de equilı́brio e desenvolva a função logarit-


mica em torno desse ponto. Mostre que se obtém:

r − ro 2
   2  
β β r − ro α α żo 3β
Ve f f (r) = 2 + (α żo − 2 ) + − + 2 . (9.87)
2ro ro ro 2 2 2ro ro
q
d) Elimine o termo linear da Eq. anterior e mostre que ro = αβżo .

9.0.9 Energia potencial das forças conservativas

A energia potencial só pode ser definida para forças conservativas. É conveniente
escolher-se um ponto de referência Po ao qual é atribuı́do um determinado valor
U(Po ), qualquer número arbitrário de facto, embora com mais frequência seja con-
veniente escolher U(Po ) ≡ 0.
Deste modo, qualquer outro ponto P situado num campo de forças determinado,
tem a energia potencial dada pela expressão geral:
Z P


U(P) = U(Po ) − F · d→
−r . (9.88)
Po
9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 157

Podemos também escrever:


Z P2


U(P2 ) −U(P1 ) = − F · d→
−r . (9.89)
P1

Vimos previamente que a variação da energia cinética da partı́cula iguala o tra-


balho efectuado: Z P2

− →
K −K =W =
2 1 F · d −r . (9.90)
P1

Logo, para qualquer força conservativa deve-se verificar

K2 − K1 = U(P1 ) −U(P2 )
K2 +U(P2 ) = K1 +U(P1 ) (9.91)
E = K +U = Const.

onde E designa a energia mecânica total.


Exemplo 11: Energia potencial gravı́tica (na proximidade da Terra).

− →

F = −mg k . (9.92)
Z P


U(P) = − F · d→
−r +U(P ).
o (9.93)
Po

Assumindo U(Po ) = 0 para as coordenadas (x = 0, y = 0, z = 0):


x
F dx − R0y Fy dy − 0z Fz dz
R R R
U(P) = −
Rz0 x (9.94)
= − 0 Fz dz = − 0z (−mg)dz,

ou seja
U(z) = mgz. (9.95)
A energia mecânica total é
1
E = K +U = mv2 + mgz. (9.96)
2

9.0.10 Energia potencial de uma mola

Comecemos por escolher o nosso ponto de referência em Po quando a mola está


relaxada, x = 0:
U(Po )R = 0.
U(x) =R− 0x Fx (x)dx
(9.97)
= − 0x (−kx)dx
1 2
U(x) = 2 kx .
A energia mecânica total para o sistema massa-mola é (Vd. Fig. 9.10):
158 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

1 1
E = K +U = mv2 + kx2 . (9.98)
2 2

Fig. 9.10 (a) : Força elástica no sistema massa-mola. (b) : Energia potencial vs. x.

9.0.11 Força gravitacional


− GmM −
Fg=− 2 →ur (9.99)
r

QuadroNegro 3 -
9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 159

Obtém-se portanto a expressão da energia potencial gravı́tica:


GmM
U(r) = − (9.100)
r
sendo a energia mecânica total dada por
1 GmM
E = K +U = mv2 − . (9.101)
2 r

9.0.12 Sobreposição de forças




Quando diversas forças (conservativas) F i actuam no objecto, então temos


Z
Wtot = F R · d→
−r , (9.102)



onde a força resultante F R é dada pelo somatório das forças:
N

− →

F R = ∑ F i. (9.103)
i=1

Decorre deste resultado que a energia potencial total será dado pela soma de cada
uma delas individualmente:
N
U = ∑ Ui . (9.104)
i=1

A energia mecânica total entre dois estados do sistema fı́sico inicial ≡ i e final
f inal ≡ f é conservada:
N N
Ki + ∑ U j = K f + ∑ U f = E. (9.105)
j=1 j=1

Exemplo 12: Uma massa m é deixada cair a partir do repouso sobre uma mola
(Fig. 9.11). Determine a compressão máxima da mola.
Repare que só se encotram aplicadas forças conservativas sobre o sistema massa-
mola:
E = K +U = Const. (9.106)
Quando é deixada cair a massa parte do repouso, v1 = 0 ⇒ K1 = 0. No instante
de compressão máxima da mola a massa encontra-se em repouso, K2 = 0. Logo
160 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

K1 +U1 = K2 +U2
0 + mgh = 0 − mg(y) + 21 ky2
y2 − 2mg
k y − 2mg h = 0  (9.107)
q k
y = 12 2mg k ± ( 2mg 2 8mg
k ) + k .

Na última expressão, o sinal + é o que tem significado fı́sico. Faça a aplicação


numérica para os seguintes valores: m = 2.6 kg, k = 72 N/m, h = 0.55 m.

Fig. 9.11 Uma massa m cai em cima de uma mola.

Exemplo 13: Pêndulo invertido


Um pêndulo consiste numa haste rı́gida leve de comprimento l girando numa das
extremidades e tendo na outra uma massa m. O pêndulo é largado do repouso de um
ângulo φo , como mostra a Fig. 9.12. Qual é a velocidade de m quando a haste faz
um ângulo φ com a vertical?

Fig. 9.12 Pêndulo invertido.

O teorema trabalho-energia conduz-nos a

∆ K = W (φo → φ )
1 (9.108)
2 mv(φ )2 − 12 mv2o = W

logo r
2W
v(φ ) = . (9.109)
m
Agora temos que calcular o trabalho. Repare-se no diagrama de forças mostrado na


Fig. 9.12-(b). Duas forças encontra-se actuando sobre a massa m, N e m→
−g . Como

− →

se vê N ⊥ d r e, portanto não realiza trabalho. Resta-nos o trabalho do campo
gravı́tico:
m→−
g · d→
−r = mgl cos φ − π dφ .
2 (9.110)
= mgl sin φ dφ
onde usámos | d →
−r |= ldφ .


Wφ ,φo = φo mgl sin φ dφ
φ (9.111)
= −mgl cos φ |φo
= mgl(cos φo − cos φ )

Logo, a velocidade (ou melhor, a rapidez) atingida quando a massa m está em φ é


p
v(φ ) = 2gl(cos φo − cos φ ). (9.112)
9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 161

A velocidade máxima é atingida quando o pêndulo cai do topo φo = 0 até ao ponto


mais baixo φ = π: p
vmax = 2 gl. (9.113)
Exemplo 14: Energia e estabilidade do “teeter toy”.
O “teeter toy” consiste em dois pesos idênticos pendurados em hastes inclinadas
que se apoiam num ponto, como mostra a Fig. 9.13. A configuração é bastante
estável e o porquê pode ser compreendido vendo a curva da energia de potencial.
Calcule a energia potencial quando o brinquedo faz um ângulo θ com a vertical, tal
como mostra a Fig. 9.13-(b). Arbitre uma energia potencial nula quando θ = 0.

QuadroNegro 4 -

Fig. 9.13 (a) : O “Teeter toy” na posição de equilı́brio; (b) : ligeiro desvio da posição de equilı́brio.
162 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

O esboço da função energia potencial torna a ideia de estabilidade quase óbvia.


O mı́nimo da curva de energia potencial é um ponto de equilı́brio, e o máximo é
um ponto de equilı́brio instável. Podemos “testar” a estabilidade do equilı́brio de-
terminando quando U tem um máximo ou um mı́nimo num ponto xo . Temos apenas
que examinar a derivada segunda, d 2U/dx2 em xo . Se a derivada segunda é positiva
nesse ponto xo o equilı́brio é estável; se for negativa, o equilı́brio é instável. Se U
for constante em redor de xo diz-se que o sistema está em equilı́brio neutro.

Fig. 9.14 Condições de estabilidade de um sistema fı́sico.

9.0.13 Exercı́cios suplementares de revisão

Exemplo 15: Um comboio faz uma curva de 300 m de raio com a rapidez de 50
km/h. De quanto deve ser elevado o carril externo de modo a que as rodas exerçam
igual pressão sobre ambos os carris? Assuma que os carris estão calibrados de
acordo com o standard gauge 1435 mm.
Se colocarem um fio de prumo no vagão e este não oscilar, então ele deverá fazer
um ângulo recto com o eixo das rodas. O comboio descreverá uma trajectória circu-


lar no espaço sob a ação de 2 forças: a gravı́tica, m→−g e a tensão da corda T . Suponha
que o fio de prumo faz um ângulo α com a vertical. Nestas condições a componente


vertical de T equilibra a força gravı́tica (pois que não existe movimento vertical do
fio de prumo). Logo
mv2
T sin α = N = ,
r
logo,
v2 142
tan α = = = 0.067
gr 9.8 × 300

Fig. 9.15 Comboio num trilho de 300 metros de raio e a 50 km/h.

Dá 3.8 o , e portanto o carril mais externo deverá assentar cerca de 4.7 cm acima
do carril mais interno de modo a que a pressão sobre ambos os carris seja igual.
Exemplo 16: Vaso de centrifugação.
Este dispositivo é usado com frequência em quı́mica, mas foi em tempos us-
ado para determinar a velocidade de uma locomotiva...com uma velocidade angular
proporcional à rapidez do trem (Fig. 9.16).
Suponha que se tratava de um óleo movendo-se como se tratasse de um corpo
rı́gido, sem correntes transversais ou outras perturbações internas. Qual será a forma
9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 163

da superfı́cie? Imagine para este fim uma pequena partı́cula na superfı́cie do óleo.


Ela será actuada pela força gravı́tica, m→

g e pela impulsão de Arquimedes I . A re-


sultante destas duas forças deve igualar a força centrı́fuga N necessária para manter
a partı́cula na sua trajectória.

Fig. 9.16 O vaso centrı́fugo.

Temos então por um lado:


N = mω 2 x. (9.114)
Por outro lado, repare que o declive da curva é determinada pelo tangente normal a


I:
I cos θ = mg
(9.115)
I sin θ = N
donde se obtém
ω 2x
tan θ = (9.116)
g
ou
ω2
tan θ = g x
dy ω2
(9.117)
∴ dx = g x

Daqui obtém-se:
ω2 2
y= x . (9.118)
2g
A superfı́cie livre do óleo (ou de qualquer fluido em geral) é uma parábolade
revolução. Em particular, podemos concluir que a altura máxima atingida pelo
lı́quido é dada em função do raio do vaso R:

ω2 2
h= R . (9.119)
4g
Exemplo 17: Operação do rotor de um helicóptero em condições de fluxo
oblı́qua.
Todos os sistemas de rotor estão sujeitos a` assimetria da força de sustentação
num voo para a frente. Quando o helicóptero paira no ar, a força de sustentação é
igual sobre todo o disco do rotor. Porém, quando o helicóptero ganha velocidade, a
pá do rotor que avança desenvolve uma sustentação maior devido à velocidade maior
do ar (por exemplo, se as pás do rotor quando estão paradas movem-se a 100 km/h,
quando o heli move-se a 100 km/ para a frente a pá que avança terá a velocidade
de 200 km/h, enquanto que a pá que se desloca para trás terá a velocidade relativa
de 0 km/h... Este efeito da dissemetria da força de sustentação é compensado pelo
“blade flapping”. O ângulo de ataque das pás do rotor (que são na realidade asas)
é modificado de modo a compensar o aumento da sustentação da pá que avança e
164 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

reduzindo na pá que retrai. Se este efeito não é corrigido o helicóptero é submetido
a grandes vibrações que comprometem a durabilidade do rotor.

Fig. 9.17 Assimetria do rotor.

Exemplo 18: Pêndulo simples.

U(θ ) = mgL(1 − cos θ )


E = K +U (9.120)
1 2
= 2 mv + mgL(1 − cos θ )
No ângulo máximo θ = θo e v = 0

∴ Eo = mgL(1 − cos θo ) (9.121)

Logo
mgL(1 − cos θo ) = 12 mv2 + mgL(1 − cos θ )
(9.122)
v2 = 2gL(cos θ − cos θo )
Na parte inferior, θ = 0: p
vB = 2gL(1 − cos θo ) (9.123)

Fig. 9.18 Pêndulo simples.

9.0.14 Forças não-conservativas

Quando forças não-conservativas actuam sobre um objecto, a variação da energia


potencial U e energia cinética K é igual ao trabalho efectuado pela força de frição:

∆ K + ∆U = W f . (9.124)

• ∆ K : variação da energia cinética;


• ∆U : variação da energia potencial;
• W f : trabalho efectuado pela força de frição.
Se tivermos
E1 = K1 +U1
E2 = K2 +U2 (9.125)
(E2 − E1 ) = W f
ou
9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética 165
    Zx
1 2 1 2
mv2 +U(x2 ) − mv21 +U(x1 ) = f dx (9.126)
2 2 x1

Exemplo 19: Considere o sistema massa-mola da Fig. 9.19. A massa m é lib-


ertada de x = xA com vA = 0 quando a mola está esticada. Qual é a velocidade vB
quando x = xB ?
A força de frição é f = µk N = µk mg. O trabalho efectuado pela força de frição é
Z xB


Wf = f · d→

x = +µk mg(xB − xA ) = −0.245J. (9.127)
xA

Pelo princı́pio de conservação da energia:


   
1 2 1 2 1 1
mvB + kxB − mv2A + kxA2 = µk mg(xB − xA ) (9.128)
2 2 2 2
1 2
2 mvB = 12 k(xA2 − xB2 ) + µk mg(xB − xA )
= 12 × 50(.32 − 0.052 ) − 0.245 (9.129)
∴ vB = 2.788m/s.

9.0.15 Relação entre força e energia potencial

Uma força conservativa verifica sempre a relação seguinte:


Z P1


U(P1 ) −U(Po ) = − F · d→
−r . (9.130)
Po

Inversamente, supondo que os dois pontos Po e P1 encontram-se separados por uma


distância infinitesimal d →
−r , diferenciando a expressão para U(P ):
1


− −
dU = U(P1 ) −U(Po ) = − F · d →
r
(9.131)
= −Fx dx − Fy dy − Fz dz.

Se assumirmos que o deslocamento realiza-se ao longo de Ox, então podemos pôr


dy = 0 e dz = 0, ficando só
dU = −Fx dx (9.132)
ou
dU
Fx = − |y,z . (9.133)
dx
Podemos definir um tipo novo de derivada a que chamaremos derivada parcial de
U em relação a uma dada variável x, y e z:

Fx = − ∂U
∂x
Fy = − ∂U
∂y (9.134)
Fz = − ∂U
∂z
166 9 Formas de Energia. Teorema Trabalho-Energia Cinética

Combinando temos

−  → − ∂U →− ∂U 
F = − ∂U
∂x i + ∂y j + ∂z

− (9.135)
F = −∇U
O sı́mbolo ∇ representa o operador diferencial vectorial. Podemos escrever o oper-
ador del no sistema de coordenadas cartesianas:
∂ →− ∂U → − ∂ →−
∇= i + j + k, (9.136)
∂x ∂y ∂z

− → − → −
onde i , j e k constituem a base em R3 .
Exemplo 20: Força elástica.
A energia potencial da mola é dada por:
1
U(x) = kx2 . (9.137)
2
Obtém-se facilmente:
Fx = − ∂U
∂ x = −kx
Fy = − ∂U
∂y = 0 (9.138)
∂U
Fz = − ∂ z = 0.

Fig. 9.19 Energia potencial U de um sistema massa-mola vs. x. Quando a mola é comprimida,
x < 0 o declive da curva é negativo e a força positiva; quando a mola é esticada, x > 0, o declive é
positivo e a força negativa.

Exemplo 21: Seja a função potencial

U(x) = − b2ax
+x2 (9.139)
F(x) = − ∂U(x)
∂x

QuadroNegro 5 -
Chapter 10
Equilı́brio e Estabilidade de um Sistema Fı́sico

“A careful analysis of the process of observation in atomic physics has shown that the
subatomic particles have no meaning as isolated entities, but can only be understood as
interconnections between the preparation of an experiment and the subsequent measure-
ment. Quantum theory thus reveals a basic oneness of the universe. It shows that we cannot
decompose the world into independently existing smallest units. As we penetrate into mat-
ter, nature does not show us any isolated basic building blocks, but rather appears as a
complicated web of relations between the various parts of the whole.”

- Fritjof Capra, in “The Tao of Physics”

10.1 Curvas de energia

Suponhamos que é conhecida a curva da energia potencial de uma partı́cula que


se move unidimensionalmente. Qual é a descrição do movimento da partı́cula em
função do tempo, x(t)?
Começemos por estudar o caso das forças conservativas. A energia mecânica
total é uma constante do movimento:
E = K +U = Const.
= 12 mv2 +U(x) (10.1)
2
= 21 m dx
dt +U(x)

Começemos por resolver as Eqs. 10.1 em ordem a vx :


r
dx 2
vx = = [E −U(x)]. (10.2)
dt m
Separando as variáveis semelhantes para cada um dos lados da equação, temos

167
168 10 Equilı́brio e Estabilidade de um Sistema Fı́sico

dx0
Z x Z t
q = dt 0 , (10.3)
x0 =xo 2 0 t 0 =0
m [E −U(x )]

onde x0 = xo quando t 0 = 0.
Como podemos depreender, o integral da Eq. 10.3 não é necessariamente de
obtenção analı́tica fácil. Coloca-se então a seguinte questão: será que olhando o di-
agrama da energia potencial podemos extrair conclusões gerais sobre o movimento
da partı́cula?
Exemplo 1: O potencial (a 1-dim) de uma partı́cula alfa α na proximidade de
um núcleo de ouro de raio rB ∼ 10−13 cm tem a forma apresentada na Fig. 10.1.

Fig. 10.1 Curva da energia potencial de uma partı́cula α em função de x na proximidade de um


núcleo de ouro.

∂U(x)
F =−
∂x
1. Nos pontos xB e xD , ∂U/∂ x = 0 e, portanto F(x) = 0;
2. Se ∂U(x)/∂ x → 0 quando x → ∞, então F(x) → 0 quando x → ∞.
3. F(x) > 0 no intervalo 0 < x < xB , porque ∂U/∂ x < 0. Também no intervalo x >
xD , tal se verifica. Portanto, conclui-se que nestes intervalos a força é repulsiva.
4. F(x) < 0 no intervalo xB < x < xD , porque o declive de U(x) é positivo: a força
neste intervalo é atractiva (no sentido da origem).
Este exemplo sugere-nos um método útil para podermos interpretar outras curvas
de potencial: imagine uma esfera a rolar entre as “colinas” da curva de potencial
sujeita à força da gravidade. A esfera é empurrada na direcção de F(x).
Exemplo 2: Sistema massa-mola (Fig. 10.2): Uma massa é puxada para a direita
até à posição x = xo e liberta com velocidade inicial nula. Supostamente não há
dissipação de energia. A energia total inicial permanece constante:

E = 12 kxo2
1 2 1 2 1 2 (10.4)
∴ 2 mv + 2 kx = 2 kxo .

Quando:
i) x > 0, verifica-se ∂U(x)/∂ x = kx > 0, logo F < 0, e a força é atractiva
acelerando a massa em direcção à posição de equilı́brio.
ii) x < 0, ∂U(x)/∂ x = kx < 0, F > 0 e a força é igualmente atractiva, acelerando
a massa em direcção à posição de equilı́brio.

Fig. 10.2 (a) : curva da energia potencial U = U(x); (b) : sistema massa-mola.

iii) x = 0, tem-se ∂U(x)/∂ x = 0 ⇒ F = 0.


10.1 Curvas de energia 169

Depreendemos do gráfico da energia potencial U(x) vs. alongamento (x) que a


partı́cula move-se entre pontos de retorno 1 cujos limites são definidos pela energia
total E. Quando a energia E do sistema aumenta também aumenta a amplitude das
oscilações nesse sistema. O movimento é sempre confinado.
Exemplo 3: Na Fig. 10.3 mostra-se um gráfico possı́vel da energia potencial de
um objecto constrangido a um movimento a 1 dimensão.
Consideremos agora o movimento de uma partı́cula podendo possuir diferentes
valores da energia E = Eo , E1 , E2 e E4 . Já vimos que para um sistema conservativo
(como é o caso aqui considerado) o valor da energia depende das condições da
energia: r
2
vx = (E −U(x)). (10.5)
m
Tem que se verificar necessariamente U(x) < E, de outro modo a velocidade se-
ria imaginária. Agora verifiquemos o que se poderá passar em diferentes casos
possı́veis:

1. E = Eo : a partı́cula permanece fixa na posição x = xo . É um ponto de equilı́brio.


A partı́cula encontra-se aqui no ponto mais baixo do “vale”.
2. E = E1 : a partı́cula oscilará para a frente e para trás entre os pontos x1 e x10 . A
sua energia cinética em qualquer ponto é dada pela diferença entre E1 e U(x). Se
partir de x1 a partı́cula mover-se-á para a direita (porque F(x) > 0) aumentando
a sua velocidade (de acordo com a Eq. 10.5) até ao ponto xo . A partir daqui
continuará o seu movimento para a direita com velocidade decrescente até x10 ,
parando aı́ e regressando no movimento de retorno atá ao ponto x1 . Os pontos
(x1 , x10 ) são pontos de retorno e o movimento está constrangido; diz-se que a
partı́cula encontra-se aprisionada num poço de potencial.
3. E = E2 : com esta energia a partı́cula pode mover-se em qualquer um dos dois
“poços de potencial” acessı́veis, dependendo para isso das suas condições inici-
ais 2 .
4. E = E4 : a partı́cula possui um único ponto de retorno em x4 com U(x) < E4 , ∀x >
x4 . Uma partı́cula que se move para a esquerda do gráfico varia em velocidade
conforme vai atravessando os “vales”, revertendo o seu movimento em x = x4 . A
partir deste único ponto de retorno, a partı́cula move-se indefenidamente quando
x > x4 . O movimento é ilimitado.

Fig. 10.3 Representação gráfica da energia potencial U(x) de uma partı́cula num movimento con-
stangido a 1 dimensão.

1 Em inglês, “turning points”.


2 Refira-se que em Mecânica Quântica, a partı́cula pode passar de um “vale” para outro num
processo chamado quantum tunnelling, ou tunelamento quântico, interdito no âmbito da fı́sica
clássica.
170 10 Equilı́brio e Estabilidade de um Sistema Fı́sico

10.2 Equilı́brio

Ainda referindo-nos à Fig. 10.3 verificamos o seguinte:


• x = xo : A força em ambos os lados de xo actua sobre a partı́cula de modo a
trazê-la de volta a xo . Diz-se que o equilı́brio é estável.
• x = xP : a força actua a partı́cula afastando-a de x = xP . Diz-se que o equilı́brio
é instável.

10.2.1 Equilı́brio e estabilidade

Para determinar se um ponto de equilı́brio é estável ou instável, examina-se o sinal


de d 2U(x)/dx2 .
Se num dado ponto do espaço (onde se encontra um campo de forças com poten-
cial U) verificar-se que:
• d 2U/dx2 > 0 : mı́nimo do potencial = equilı́brio estável.
• d 2U/dx2 < 0 : máximo de potencial = equilı́brio instável.
• d 2U/dx2 = 0 : U é constante dentro de uma determinada região do espaço.
Verifica-se igualmente que F = 0. Equilı́brio neutro.
É o que se procura ilustrar na Fig. 10.4.

Fig. 10.4 Os pontos A, B, C e D no gráfico da energia potencial em função da posição são pontos
de equilı́brio. O equilı́brio pode caracterizar-se como estável (A), instável (B), ou neutro (D).

Um gráfico como aquele onde assenta o ponto B é instável porque a força que age
sobre um objecto que se encontre nesse ponto afasta-o permanentemente da posição
x = xB .

Exemplo 4: Pêndulo simples constituı́do por uma massa m e uma haste de com-
primento L. Determine os pontos de equilı́brio estável e instável.
A energia potencial da massa m é

U(θ ) = mgL(1 − cos θ ) (10.6)

Como se vê na Fig. 10.5, a massa m possui a energia potencial

U(θ ) = mgL(1 − cos θ ) (10.7)

Derivando em ordem a θ de modo a estudar o equilı́brio do sistema tem-se


dU
dθ = mgL sin θ
d 2U (10.8)
dθ 2
= +mgL cos θ .
10.2 Equilı́brio 171

Conclui-se que dU/dθ = 0 para θ = 0, π, mas a derivada segunda mostra que para
θ = 0, U 00 > 0, sendo o equilı́brio estável e,para θ = π, tem-se U 00 < 0, sendo
portanto o equilı́brio instável.

Fig. 10.5 Pêndulo simples constituı́do por uma massa m e haste de comprimento L.

Exemplo 5: Molécula diatómica. A força entre os átomos de uma molécula


diatómica tem a sua origem fı́sica na interação entre os electrões e o núcleo de
cada átomo. O potencial de Lennard-Jones
  
a 12  a 6
U(r) = Uo − (10.9)
r r

descreve com uma boa aproximação este tipo de interação.


• r : distância entre os átomos;
• Uo , a : constantes diatómicas que podem ser extraı́das de uma tabela ou base de
dados;
• Por exemplo, para o O2 : Uo = 5.6 × 10−21 J, a = 3.5 × 10−10 m.

Fh = − dU
dr i
12 6
= −Uo −12 ar13 + 6 ar7 (10.10)
h 13 7 i
= 6Ua o 2 ar − ar

No ponto de equilı́brio tem-se F = 0:


 13  7
a a
∴2 ro − ro =0
 6
a 1
ro = 2 (10.11)
ro = 21/6 a = 21/6 (3.5 × 10−10 )m
= 3.9 × 10−10 m

Esta é a distância média entre dois átomos de oxigénio na molécula de O2 .


Exemplo 6: Considere uma força repulsiva do tipo:
A
F= (10.12)
x2
onde A > 0. O potencial é obtido usando a expressão
Z x Z x  
A A x 1 1
U(x) −U(xo ) = − Fdx = − = | = − , (10.13)
xo xo x2 x xo x xo

isto é:
172 10 Equilı́brio e Estabilidade de um Sistema Fı́sico

A
U(x) =
. (10.14)
x
O gráfico desta função está representado na Fig. 10.6.

Fig. 10.6 Potencial U(x) = A/x vs. x.

Uma partı́cula com energia total E vinda da esquerda atingirá o ponto de


aproximação mı́nima xmin e depois reverte a direção partindo para o infinito x → ∞:
A
xmin = , (10.15)
U(xmin )

onde U(xmin ) = E.

10.3 Princı́pios variacionais

Os princı́pios variacionais são métodos alternativos para determinar o estado ou


a dinâmica de um sistema fı́sico procurando o valor extremo de uma função (ou
funcional) dos parâmetros relevantes do sistema.
Heron de Alexandria (c. 60 D.C.) foi dos primeiros pensadores a realçar que a lei
da reflexão θi = θr resulta do facto de a luz seguir o percurso mais curto entre dois
pontos extremos. Esta ideia foi generalizada por Pierre de Fermat 3 que formulou o
Princı́pio da ação mı́nima: “os raios de luz percorrem o percurso mais curto entre
dois pontos”.
P RINC ÍPIO DE F ERMAT: “os raios de luz propagam-se entre dois pontos no
menor tempo possı́vel”.
Em termos formais, o percurso que um raio de luz faz ao propagar-se dum ponto
A a um ponto B do espaço num meio de ı́ndice de refracção n, corresponde ao valor
mı́nimo do integral:
Z B Z B
n ds
t= ds = , (10.16)
A c A v
onde ds representa o deslocamento infinitesimal e v a velocidade do raio de luz
nesse meio.
Exemplos de algumas curvas que correspondem a tempos mı́nimos de percurso:
1. Linha recta: y = a1 x;
2. Parábola: y = a2 x2 ;
3. catenária : y = a1 cosh ax.

3 Pierre de Fermat (1601-1665) foi um matemático e cientista francês.


10.3 Princı́pios variacionais 173

A catenária 4 é a forma da curva que se obtém quando se suspende um cabo entre


dois postes sujeito à força da gravidade. A equação tem a forma:
1
y= 2a [exp(ax) + exp(−ax)]
= 1a cosh ax (10.17)
y(x = 0) = 1a .

Exemplo 7: Uma corrente uniforme encontra-se suspensa entre dois pontos A e


B e está em equilı́brio num plano vertical. Seja C o ponto mais baixo da catenária,
ou seja, o ponto onde a tangente é horizontal. Coloque-se a origem O do eixo Ox
por baixo de C, tal como mostra a Fig. 10.7.

Fig. 10.7 Catenária.



Seja θ o ângulo que a tangente em qualquer ponto da curva faz com Ox e T o


e T as tensões em C e P, e seja CP = s. O comprimento CP da corrente está em
equilı́brio sob a acção de três forças: T0 , T e o peso ws = λ sg (λ é uma densidade
linear de massa) que actua no centro de gravidade G do arco CP:

T cos θ = To
T sin θ = ws (10.18)
dy ws
∴ dx = tan θ = To

O peso da corrente no ponto C pode ser encontrado por meio da energia potencial
da corda de comprimento ds à altura y do ponto de referência O (onde assumimos
U(0) = 0):
dU = λ dsyg. (10.19)
Obtemos logo a força calculando a derivada em ordem a s:

∂U
Fx = − = −λ yg. (10.20)
∂x
Aqui substituı́mos ds = dx pois estamos a considerar a componente horizontal da
força. ds é o arco elementar que obedece à equacção

ds2 = dx2 + dy2 . (10.21)

Temos assim T0 = λ y0 g. Podemos agora escrever a equação diferencial resul-


tante:

4 A palavra catenária deriva da palavra latina “catena”, que significa corrente. Esta curva também
se chama de “alysoid”, “funicular”, ou “chainette”. O problema da determinação da forma de
uma correia pesada suspensa em dois pontos foi proposto por James Bernoulli. OS dois irmãos
Bernoulli, Huyghens e Leibniz, resolveram a questão, porém sem efectuarem uma análise defini-
tiva, julga-se que na intenção de deixar alguns louros para outros.
174 10 Equilı́brio e Estabilidade de um Sistema Fı́sico
 2  2 2
ds
dy ≡ 1+ dx
dy = 1 + ys2
∴ dy = ± √ sds
2 2 (10.22)
qs +y0
∴ y + A = ± s + y20
2

Repare que o sinal que aqui faz sentido é o sinal positivo, pois que quando x e s
aumentam, também y deve aumentar. Quando s = 0, temos y + A = y0 . Portanto, se
o eixo Ox fôr escolhido de modo que se localiza à distância y0 do ponto mais baixo
C da corrente, deve-se ter A = 0. Obtemos então

y2 = s2 + y20 . (10.23)

Substituindo o valor de y0 na Eq. 10.18-(a), obtemos

y ds
q 0 = dx, (10.24)
s2 + y20

o que resulta em q
y0 ln[s + s2 + y20 ] = x + B. (10.25)
Atendendo a que quando x = 0 quando s = 0, tem-se B = y0 ln y0 . Finalmente obtém-
se q
s2 + y20 + s = y0 ex/y0 . (10.26)
Teremos que incluir agora a solução para a região negativa do eixo Ox:
q
s2 + y20 − s = y0 e−x/y0 . (10.27)

Somando as duas soluções da Eq. 10.26 e Eq. 10.27, e usando a Eq. 10.23, obtém-se
y0  yx −x 
y= e 0 + e y0 (10.28)
2
O eixo OX e Oy chamam-se, resp., a directrix e o eixo da catenária, e o ponto C
chama-se vertex.
As Eqs. 10.23 revelam as três importantes
P ROPRIEDADES DA CATEN ÁRIA :
1. A tensão horizontal em qualquer ponto da curva é constante e igual a T0 = λ y0 g;
2. a tensão vertical em qualquer ponto P é igual a λ dsg, onde s é o arco medido a
partir do ponto mais baixo da curva;
3. a tensão resultante em qualquer ponto é igual a λ dsyg, sendo y a ordenada medida
a partir da directrix.

Fig. 10.8 Catenária, parábola e forma em catenária do tabuleiro de uma ponte.


10.4 Potência 175

Exemplo: Um cilindro tem raio r e altura h. Para um valor fixo do volume, qual
é o raio que deverá ter o cilindro de modo a minimizar a sua superfı́cie?
Temos V = πr2 h=fixo. A superfı́cie é dada por S = 2πr2 + 2πrh. Subsituindo
h = V /πr2 , obtemos

V 2V
S = 2πr2 + 2πr = 2πr2 + . (10.29)
πr2 r
Procuremos em seguida o valor da primeira e segunda derivada:
dS
dr = 4πr − 2V
r2
=0 ⇒ r3 = 2V

d2 S (10.30)
dr2
d
= 4π − 2V dr (r−2 ) = 4π + 4V
r3
> 0.

V 1/3
= h2 é o que minimiza a superfı́cie de

Verificámos assim que o valor rmin = 2π
um cilindro, para um dado valor fixo do volumeV .
Recorda-se aqui que o valor máximo de uma função de uma variável x é obtido
procurando o valor xmin que corresponde a d f (x) = dx = 0, e verificando que
d 2 f (x)/dx2 > 0. Se d 2 f (x)/dx2 < 0, então o respectivo x é o valor que corresponde
ao máximo da função f (x) nesse ponto.

10.4 Potência

A potência P proporcionada por uma força é a taxa temporal com que a força efectua
o trabalho. Quando uma força externa aplicada a um objecto realiza a quantidade de
trabalho ∆W no intervalo de tempo ∆t, a potência média P é dada por

∆W
P= . (10.31)
∆t
A potência instantânea P é o valor limite da potência média quando ∆t → 0:

∆W dW
P ≡ lim = . (10.32)
∆t→0 ∆t dt
As unidades são [P] = J/s = Watts (W). 1 horse-power é igual a 745.7 W.
Podemos expressar a potência em função da velocidade da partı́cula da seguinte
forma: →
− −
dW = ( F · d → r)

− d→−r →
− − (10.33)
P = dt = ( F · dt ) = ( F · →
dW
v ).
Note-se que o trabalho depende do referencial a que se refere e o mesmo se passa
com a potência.
Tendo a potência, podemos obter a energia:
176 10 Equilı́brio e Estabilidade de um Sistema Fı́sico

E = tt12 Pdt
R
(10.34)
E = Pt

A última expressão é válida quando P é constante.


1 kW.h = 3.6 × 106 J.
Combustı́veis:
• 1 kilocaloria=4.187 × 103 J;
Exemplo 8: Um carro sobe com velocidade constante um plano inclinado com
inclinação θ = 10o . Os dados numéricos são: m = 1400 kg, v = 80 km/h e f = 700
N. Calcule a força necessária para mover o carro com velocidade constante v e a
potência dispendida P. Admita que se exerce a força de atrito resultante (sobre as 4


rodas) f .
Temos sucessivamente:

− →

∑F =ma
∑ Fx = max
F − f − mg sin θ = 0 (10.35)
F = 700 + 1400 × 9.80 × sin10o
F = 3100N

A potência é

− −
P = (F ·→
v ) = 3100 × 22 = 6.8 × 104 W (10.36)
ou seja 91 Hp (lê-se “Horse Power”) (sendo 1 Hp= 746 W). Refira-se que 1 Hp =
735.49875 W, 1 CV= 0.9863 Hp, sendo CV o “Cavalo-vapor”. São todas unidades
diferentes de potência.

Fig. 10.9 O carro sobe com velocidade constante um plano inclinado.

Exemplo 9: O movimento de qualquer corpo num meio fluido está sempre sub-
metido a uma força resistiva. Infelizmente, só num número de casos reduzidos se
pode calcular teoricamente a força resistiva, e usualmente quando os corpos têm
uma forma simples. Um caso notável é a lei de Stokes para um corpo esférico. Na
maioria dos casos tem que se recorrer a técnicas experimentais a fim de determinar-
se com exactidão a força resistiva. É usual apresentar-se os resultados experimentais
da força resistiva em termos de um coeficiente de atrito sem dimensão:
D
CD = 1 2
A, (10.37)
2 ρV

onde D é a força de atrito sobre o corpo, ρ é a densidade do fluido, V é a rapidez


do movimento relativo entre o fluido e o corpo, A é a área transversal do corpo. A
potência dispendida contra a resistência oferecida ao movimento pelo fluido é dada
por:
10.5 Formas de energia 177

1
P = ρV 3 ACD . (10.38)
2
Para as viaturas CD ≈ 0.5 o que significa que a potência necessária para vencer a
resistência do ar quando a rapidez da viatura passa de 22.35 m/s para 31.29 m/s
aumenta de um factor 2.74. A situação mais dramática quando se considera os gastos
energéticos dos camiões, pois que estes oferecem uma área transversal mais signi-
ficativa e na maior parte das vezes não têm uma forma aerodinâmica apropriada.
Exemplo 10: Uma roldana fixa, cuja massa pode ser desprezada, tem uma corda
pesada de massa M que se encontra enlaçada. No instante inicial um sujeito de
massa m agarra-se à corda num ponto situado entre a roldana e o extremo inferior
da corda e começa a trepar para se manter a uma altura constante. Qual a potência P
deverá o sujeito dispender para assim se manter? Ao fim de quanto tempo o sujeito
deixará de conseguir manter-se nessa posição, sabendo que ele consegue desen-
volver a potência muscular máxima Pmax ?
Repare que, para o sujeito se manter a uma dada altura, ele deverá exercer mus-
cularmente uma força igual e de sinal contrário à força gravı́tica, que o puxa para
baixo. Isto é, deve-se estabelecer o seguinte equilı́brio de forças:

F = mg
mg = Ma (10.39)
m
∴a= M g

Supondo que a velocidade inicial da corda é nula, vo = 0, então a velocidade da


corda evolui com o tempo de acordo com a expressão
Z t Z t
m m
v= adt = gdt = gt (10.40)
0 0 M M
donde se obtém a potência


− − (mg)2
Z Z
P= ( F · d→
v)= Fdv = mgv = t (10.41)
M
Na realidade, uma pessoa consegue desenvolver por curtos intervalos de tempo uma
potência muscular Pmax = 200 W, o que dá neste caso concreto t ∼ 1 ms. O que a Eq.
mostra é que o sujeito conseguiria manter-se mais tempo suspenso se aumentasse a
massa da corda!

10.5 Formas de energia

Ao investigar-se as mudanças que ocorrem com corpos livres em movimento depois


de terem interagido verifica-se que, independentemente do tipo de interacção, cer-
tas leis de conservação são observadas. Vimos que no movimento de um sistema
(corpo, partı́cula ideal,...) aberto na presença de um campo externo uniforme, há
178 10 Equilı́brio e Estabilidade de um Sistema Fı́sico

uma quantidade escalar E que se conserva, a energia mecânica total:


1
E = ∑ mi v2i +U. (10.42)
i 2

A energia compreende dois tipos essencialmente diferentes de componentes. A en-


ergia cinética é uma função quadrática da velocidade e a energia potencial U é
independente da velocidade.
Já referimos que as leis de conservação resultam de simetrias. Ao estudar-se
o movimento dos corpos e realizando experiências verificou-se que diferentes in-
stantes temporais são equivalentes no que se refere às propriedades fı́sicas dos cor-
pos.
I SOTROPIA DO TEMPO: as propriedade fı́sicas dos diferentes momentos tempo-
rais sã equivalentes.
O tempo não é só apenas homogéneo como também é isótropo, isto é, as suas pro-
priedades são as mesmas em todas as direcções. Substituindo −t por t na Eq. 10.42,
assim como na equação do movimento

d→
−p ∂U
=− → = −∇U, (10.43)
dt ∂ −r
deixa estas duas equações inalteradas. Isto quer dizer que se um sistema é capaz de
um determinado movimento, então o movimento inverso também é possı́vel; diz-se
que
S EGUNDO AS LEIS DA MEC ÂNICA CL ÁSSICA TODOS OS MOVIMENTOS S ÃO
REVERS ÍVEIS .
A expressão quantitativa deste facto é a lei da conservação da energia. O pro-
gresso da ciência tem confirmado que as leis de conservação do momento (linear e
angular) e da energia são leis fundamentais da natureza. Todas as teorias fı́sicas que
se conhecem descrevendo inúmeráveis fenómenos podem ser obtidas a partir destas
duas leis de conservação.
Formas de energia:
• eléctrica
• quı́mica
• calor
• nuclear
Unidades de energia usadas ao nı́vel atómico e nuclear:
• 1 eV= electrão-volt
• = 1.602 × 10−19 J.
Unidades de energia usados nas centrais de energia:
• 1 kW.h = 3.6 × 106 J.
Unidades de combustı́vel:
• 1 kilocaloria= 4.187 × 103 J
10.5 Formas de energia 179

Relação entre massa e energia no âmbito da Relatividade de Einstein:


Massa é equivalente a energia: E = mc2 , onde c = 3 × 108 m/s. Massa possui
energia e energia possui massa, mesmo no estado de repouso. Neste caso, é conve-
niente escrever a equação na forma Eo = mo c2 .
Exemplo 11: Um electrão e a sua anti-partı́cula o positrão aniquilam-se mu-
tuamente quando são postas em contacto no estado de repouso, dando origem a
dois (ou mais fotões). Qual é a energia máxima libertada? Exceptuando a sua
carga, um positrão é em tudo semelhante ao electrão, sendo a massa de ambos
iguais, me = me = 9.11 × 10−31 kg = 0.511 Mev/c2 . Na Fig. 10.10 mostra-se uma
“Penning-trap” destinado a acumular anti-matéria e um possı́vel motor desenhado
pela NASA.

Fig. 10.10 “Penning-trap” e Possı́vel motor a anti-matéria desenhado pela NASA.

Temos
2mo c2 = 2Eγ = 2 × 0.511Mev (10.44)
Portanto liberta-se 1.022 MeV de energia. Toda a massa em repouso das duas
partı́cula que sofreram aniquilação de pares converteu-se em energia. É natural
que se procure utilizar este processo em propulsão de naves, como é o caso das
naves “Enterprise” e “Voyager” da série StarTrek. Esta ideia de usar motores de
anti-matéria é lavada a sério pela Marshall Space Flight Center, da NASA.
Enquanto que os processos quı́micos podem produzir até 107 J/kg, a fissão nu-
clear 8×1013 J/kg, a fusão nuclear 3×1014 J/kg, a aniquilação completa da matéria
com anti-matéria, como se pode verificar usando a relação de Einstein, pode libertar
9 × 1016 J/kg.
Porém existem limitações tecnológicas actuais: a anti-matéria não existe em
quantidades significativas na natureza, tem que ser fabricada (como acontece em
instalações com potentes aceleradores de partı́culas, no FermiLab, perto de Chicago,
e no CERN, na Suı́ça. A quantidade de anti-protões) produzida actualmente no Fer-
milab e no CERN é de cerca de 1 − 10 nanogramas. Outro problema ainda por
resolver é como se armazena a anti-matéria...na medida em que em contacto com
as paredes do contentor se aniquilaria de imediato. Uma solução provisoriamente
sugerida consiste no uso de um dispositivo conhecido para aprisionar partı́culas, o
“Penning Trap”. Bastaria 71 mg de anti-matéria para se libertar tanta energia quanto
a que possuem os tanques de combustı́vel do “Space Shuttle”...
180 10 Equilı́brio e Estabilidade de um Sistema Fı́sico

10.6 Momento linear de uma partı́cula

As leis de Newton são formuladas com maior rigor quando expressas em termos de
quantidade de movimento 5 , →−p .
A quantidade de movimento linear de uma partı́cula de massa m movendo-se
com velocidade →
−v é definida pela expressão:

−p = m→

v (10.45)

É um vector que tem a mesma direção e sentido que o vector velocidade e tem as
unidades fı́sicas no SI em kg.m/s.
A Primeira Lei de Newton, recordamos, afirma que na ausência de forças a quan-
tidade de movimento de uma partı́cula é constante.

F = 0 ⇒ V = constante
(10.46)
p = constante

Na ausência de forças p é uma quantidade que se conserva. Como já referimos, as


quantidade que se conservam em Fı́sica são:
• quantidade de movimento linear, → −p .
• energia, E;


• momento angular, L ;
• carga eléctrica, q.
Quando temos um sistema de partı́cula (por ex., uma garrafa de gás), interna-
mente ocorrem permanentemente colisões e interações de grande complexidade. Na
ausência de forças externas aplicadas a quantidade de movimento linear total do
sistema é conservada.
S EGUNDA L EI DE N EWTON: a taxa de variação do momento linear iguala a força
aplicada:

− →
− →

F = ddtp = dtd (m v )
dm →−
 →
d− (10.47)
v +m v

= dt dt

Concluı́mos da equação anterior que só se verifica a equação




F = m→

a (10.48)

quando dm/dt = 0, isto é, a massa do sistema permanece constante. Daqui vemos
também que a forma mais geral da equação fundamental da dinâmica escreve-se


− d→
−p
F = . (10.49)
dt
podendo-se assim estudar sistemas de massa variável, como é o caso do foguetão.

5 Em inglês diz-se “momentum”.


10.6 Momento linear de uma partı́cula 181

T ERCEIRA L EI DE N EWTON: A acção iguala a reacção.


Quando dois corpos interagem a variação do momento linear resultante é igual
e oposta; esta é uma forma da Lei da conservação da quantidade de movimento
linear.
Exemplo 12: Colisão elástica: uma bola de mB = 100 g colide contra uma parede
com a rapidez de 50 m/s, ressaltando com a mesma rapidez. Qual é a variação da
quantidade de movimento da bola?
−p = m v →
No inı́cio, antes da colisão, a bola tem a quantidade de movimento →

i B o i
e no estado final, após a colisão com a parede tem a quantidade de movimento
−p = −m v →
→ −
f B o i . Logo a variação da quantidade de movimento linear é

∆→−p = →−p − →
f
−p
i


= −2mB vo i (10.50)


= −2 × 0.1 × 50 i = −10kg.m/s.

Se considerarmos agora a variação de momento linear total (incluindo portanto a


parede) deverı́amos obter ∆ → −p →
− →

total = ∆ p bola + ∆ p parede = 0. Portanto a parede


deverá ter absorvido a diferença, isto é, 2mB vo i .

Fig. 10.11 Bola de massa mB colide elasticamente contra uma parede.

Em seguida iremos estudar o movimento de um sistema de partı́culas. Se o


sistema for composto por N partı́culas de momento linear, ou apenas momento
−p = m →
→ − → − →
− →
− →

1 1 v 1 , p 2 = m2 v 2 ,... p n = mn v n , então o momento total do sistema de
partı́culas é dado pela soma dos momentos individuais:
N

−p = →
−p + →
−p + ... + →
−p = →
1 2 n ∑ −p i . (10.51)
i
Chapter 11
Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

“O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.


O que há é pouca gente para dar por isso. óóóó—óóóóóó óóó— óóóóóóó óóóóóóóó (O
vento lá fora.)

- Fernando Pessoa, Poesias de Álvaro de Campos

11.1 Sistema de duas partı́culas

O sistema de 2 partı́culas é o mais simples mas apresenta aspectos muito inter-


essantes. Considere duas partı́culas sujeitas a uma interação do tipo atractivo e de
força central (dirigida ao longo da linha que une as duas partı́culas). Tal como ilustra
a Fig. 11.1 pela Terceria Lei de Newton (ou lei da acção-reacção) deve-se ter:

− →

F 1 = −F 2 (11.1)

Fig. 11.1 Sistema de 2 partı́culas em interação do tipo atractiva.

As equações do movimento são:


d→−p
1


dt= F1
d −p 2
→ →

= F2


d p1 −p dt
d→ →
− →
− (11.2)
2
dt + dt = F 1 + F 2 = 0
∴ dtd (→
−p + →
1
−p ) = 0.
2

Logo

−p = →
−p + →
−p = Const. (11.3)
1 2

183
184 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

Podemos concluir que as partı́culas trocam momento enquanto interagem. em par-


ticular, se houver unicamente forças internas (do tipo força central) agindo sobre as
partı́culas, o momento total conserva-se.
Uma força central depende só da distância r entre a fonte do campo e a partı́cula-
teste e é dirigida radialmente. O campo criado por este tipo de força tem simetria
esférica.
Uma força central pode sempre ser expressa como o negativo de um gradiente de
potencial:


F = −∇U(r) (11.4)
e o rotacional rot da força é zero:


rot F = 0. (11.5)

A força gravitacional e a força de Coulomb são ambas forças centrais onde F(r)
varia como 1/r2 .
Exemplo 13: Forças que violam a lei da acção-reacção. Forças do tipo giroscópico,

− →
− →

isto é, na forma F = q[→
−v × B ], ou F = 2m[ω ω ×→ −v ], não satisfazem a lei da ação-
reação.

QuadroNegro 1 -
11.1 Sistema de duas partı́culas 185

Exemplo 14: Colisão inelástica.


Dois vagões de massa m1 = m2 = 104 kg encontram-se sobre um trilho metálico
horizontal de atrito desprezável. O primeiro desloca-se com velocidade v1 = 24 m/s
na direcção do outro que se encontre parado (Vd. Fig. 11.2). Os vagões colidem e
ficam acoplados. Qual é a velocidade comum final v0 ?

Fig. 11.2 Colisão inelástica de dois vagões.



O momento inicial é: m1 v1 i .


O momento final é: (m1 + m2 )v0 i .


Repare que as forças verticais anulam-se reciprocamente, N = m→ −
g . Supõe-se
que não existem forças exercidas horizontalmente: a conservação do momento dá-
nos a seguinte expressão:
m1 v1 = (m1 + m2 )v, (11.6)
donde obtemos sucessivamente
m1
v= m1 +m2 v1
104 (11.7)
= 2×104
× 24 = 12m/s.

Porém a energia não é conservada como se pode rapidamente confirmar (e porque a


colisão é totalmente inelástica): no inı́cio tem-se
1
Ki = m1 v21 (11.8)
2
e no final, após a colisão, tem-se

1 m1 v21
K f = (m1 + m2 )v2 =  Ki (11.9)
2 4
Exemplo 15: Duas partı́culas com massa m1 = 2.0 kg e m2 = 5.0 kg podem
deslizar com atrito desprezável numa haste (Fig. 11.3-(a)). Uma mola com con-
stante elástica k = 103 N/m encontra-se ligada à massa m2 . Suponha que num dado
instante tem-se v1 = 14 m/s e v2 = 0.
a) Qual é a compressão máxima da mola quando as partı́culas colidem?
b) Quais são as velocidade finais das partı́culas?
Quando a mola está com a máxima compressão, a velocidade relativa das duas
massas é zero. O sistema tem porém a velocidade de conjunto vo :

Fig. 11.3 Colisão entre duas massas m1 e m2 tendo no meio uma mola.
186 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

m1 v1 + m2 × 0 = (m1 + m2 )vo
(11.10)
∴ vo = m1m+m
1
2
v1 = 2×14
2+5 = 4m/s.

Já por sua vez a energia inicial é:


1 1 1
Ko = m1 v21 + m2 × 0 = × 2.0(14)2 = 196J. (11.11)
2 2 2
Por sua vez, quando a compressão da mola é máxima, a energia cinética do sistema
(massas + mola) é:
1 1
K f = (m1 + m2 )v2o = (2 + 5)42 = 56J. (11.12)
2 2
O teorema trabalho-energia estabelece que

Wd = ∆ (K +U) = 0 (11.13)

pois que não há trabalho efectuado pelas forças dissipativas (como as de frição),
donde concluı́mos que

Ki + 0 = K f +U f
U f = Ki − K f
1 2 1 2 (11.14)
2
q kx = 2 k(l −
qlo ) = Ki − K f
2(Ko −K) 2×(196−56)
∴x= k = 1000 = 0.53m.

b) Após a colisão elástica com a mola, as duas massas separam-se uma da outra
com uma dada velocidade que importa agora calcular. Quando as partı́cula se sepa-
ram, a energia armazenada na mola é convertida em energia cinética das partı́culas
e a energia total e o momento são necessariamente conservados:

m1 v01 + m2 v02 = m1 v1 + m2 × 0
1 02 1 02 1 2 1 2 (11.15)
2 m1 v1 + 2 m2 v2 = 2 m1 v1 + 2 m2 × 0 .

2v01 + 5v02 = 28kg.m/s


(11.16)
2v02 02
1 + 5v2 = 392J .
2

Substituindo a Eq. 17.181-(a) na Eq. 17.181-(b), obtém-se:


28−2v01
v02 = 5
28−2v01 2 (11.17)
2v02
1 + 5[ 5 ] = 392

Esta última equação tem duas soluções: v01 = 14 e v01 = −6. A primeira dá-nos v02 = 0
(que não é fisicamente correcta, porque significaria que só m1 seria propelida e m2
ficaria em repouso), e a segunda solução, que essa sim, faz sentido, ficando então,
v02 = 8 m/s.
Exemplo 16: Uma bola animada com velocidade → −
v e energia cinética K colide
com um conjunto de duas bolas ligadas por uma mola que se encontram em repouso
11.2 Centro de massa 187

sobre uma superfı́cie lisa, sem atrito, como mostra a Fig. 11.3-(b). Na sequência
da colisão (elástica) a bola reparte em movimento no sentido contrário com energia
cinética K 0 . Assume-se que as três bolas têm igual massa m. Calcule a energia das
oscilações do conjunto das duas massas acopladas depois da colisão.
Designe por p e p0 os momentos lineares da bola que vai ao encontro das outras
duas, resp., antes e depois da colisão. E sejam pc , Kc0 e Er o momento linear, a
energia cinética e a energia devido ao movimento relativo do conjunto das duas
bolas acopladas, depois da colisão.
As leis da conservação do momento linear e da energia cinética (trata-se de uma
colisão elástica) dão-nos as seguintes relações:

px = −p0x + p0c
(11.18)
K = K 0 + Kc0 + Er

Atendendo a que K = p2 /2m, obtemos de imediato:

1 √
Er = (K − 3K 0 − 2 KK 0 ). (11.19)
2

11.2 Centro de massa

Até agora temos considerado partı́cula pontuais, mas veremos em seguida que para
objectos de dimensão finita, o centro de massa representa perfeitamente o movi-
mento do sistema de partı́culas.
D EFINIÇ ÃO DE CENTRO DE MASSA : o vector posição do centro de massa (CM)
representa a posição média da massa do sistema e define-se por meio do vector:

− →
− →

−r = m1 r 1 + m2 r 2 + ...mn r n
→ (11.20)
cm
m1 + m2 + ...mn
ou ainda

− →
− →
− N →

−r = m1 r 1 + m2 r 2 + ...mn r n = ∑i=1 mi r i .
→ (11.21)
cm
M M
M = ∑M
i=1 mi representa a massa total do sistema.
Em termos da suas componentes, temos

xcm = M1 [m1 x1 + m2 x2 + ...mn xn ] = M1 ∑ mi xi


ycm = M1 [m1 y1 + m2 y2 + ...mn yn ] = M1 ∑ mi yi (11.22)
zcm = M1 [m1 z1 + m2 z2 + ...mn zn ] = M1 ∑ mi zi

Finalmente, também podemos escrever:


−r = x →
→ − →
− →

cm cm i + ycm j + zcm k . (11.23)
188 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

Fig. 11.4 Centro de massa de um sistema de partı́culas.

Exemplo 17: CM de duas partı́culas (KBr, ou brometo de potássio, Vd. Fig. 11.5.

ycm = 0
(11.24)
xcm = m1mx11 +m2 x2
+m2

Sabe-se que x1 = 0 e x2 = 2.82 Å, e as massas têm os seguintes valores (como se


pode ler na Tabela Peródica) m1 = 79.9 u, m2 = 39.1 u (onde u é a unidade de massa
atómica).
79.9 × 0 + 39.1 × 2.82
xcm = = 0.93Å. (11.25)
79.9 + 39.1

Fig. 11.5 CM da molécula diatómica de brometo de potássio.

Exemplo 18: CM de 3 partı́culas. As posições são: (x1 = d, y1 = 0) para m1 = 2m,


(x2 = d + b, y2 = 0) para m2 = m e (x3 = d + b, y3 = h) para m3 = 4m.

QuadroNegro 2 -

O vector posição do CM é dado pelo vector:


−r = x →
→ − →

cm cm i + ycm j
→ →

−r = (d + 5 b) i + 4 →
− (11.26)
cm 7 j. 7
11.2 Centro de massa 189

11.2.1 CM de um grupo de partı́culas; procedimento geral

Se tivermos um grupo de partı́culas podemos dividi-lo em dois sub-grupos, por ex-


emplo (ou mais). Em seguida, determina-se o CM de cada grupo tratando-se cada
grupo como uma partı́cula única situado no seu CM e depois calcula-se o CM do
grupo combinado (total):
l n


M R = ∑ mi →
−r +
i ∑ m j→
−r .
j (11.27)
i=1 j=l+1

Se designarmos os vectores posição do CM de ambos os grupos aqui chamados B e


G: →

R B = M1B ∑li=1 mi →
−r
i

− 1 n →
− (11.28)
R G = MG ∑ j=l+1 m j r j

onde MB = ∑li=1 mi e MG = ∑nj=l+1 m j , podemos escrever



− →
− →

M R = MB R B + MG R G , (11.29)

onde M = MB + MG , ou ainda

− 1 →
− →

R = [MB R B + MG R G ]. (11.30)
M

11.2.2 CM de corpos sólidos

Considere um objecto com uma distribuição contı́nua de massa. Vamos dividir em


pensamento este objecto em elementos de massa muito pequenos ∆ mi com coorde-
nadas xi , yi , zi , tal como se ilustra na Fig. 11.6.
A coordenada no eixo Ox do CM deverá ser dado pela expressão:

∑ x i ∆ mi
xc = . (11.31)
M
Façamos tender para zero a massa destes pequenos elementos de massa:

∑ xi ∆ mi 1
Z
xc = lim = xdm. (11.32)
∆ mi →0 M M

O mesmo tipo de raciocı́nio conduz-nos igualmente a


1 R
yc = M ydm
1 R (11.33)
zc = M zdm

Deste modo vemos que o vector posição do CM é dado por


190 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

−r = 1
Z
→ →
−r dm. (11.34)
cm
M
A Eq. 17.190 revela-nos que o CM de um objecto rı́gido, homogéneo e simétrico

Fig. 11.6 Um corpo rı́gido pode ser considerado uma distribuição de pequenos elementos de massa
∆ mi .

deve situar-se num eixo de simetria. Por exemplo, se um objecto possui um ponto,
linha ou plano de simetria, então o CM deve ficar sobre esse ponto, linha ou plano
de simetria. Além disso, repare que não é necessário que haja partı́culas sobre o CM
de um dado objecto, como é o caso do CM de um “donut”.
A maior parte das vezes é conveniente exprimir a distribuição das massas em
termos da densidade local de massa e de um elemento de volume:

dm = ρdV (11.35)

onde ρ = ρ(x, y, z) denota a densidade local de massa (ou densidade volúmica de


massa).
Assim, devemos ter
−r = 1 →
Z
→ −r ρdV (11.36)
cm
M
Projectando nos eixos cartesianos temos:
1 R
xc = M xρdV
1 R
yc = M yρdV (11.37)
1 R
zc = M zρdV

Exemplo 19: Calcule as coordenadas do CM da placa homogénea indicada na


Fig. 11.7, um cı́rculo de 1.0 m de raio do qual foi removido um cı́rculo de 0.5 m de
raio, com uma separação de 0.25 m entre os centros O e O0 dos dois cı́rculos.

QuadroNegro 3 -
11.2 Centro de massa 191

Fig. 11.7 (a) - CM de dois cı́rculos descritos no Exemplo 19; (b) - CM da lâmina parabólica.

Exemplo 20: Determine o CM da lâmina parabólica limitada pelas curvas y2 =


2px e x = a, tal como mostra a Fig. 11.7-(b).
Por razões de simetria vemos que o CM deverá ficar sobre o eixo Ox. Logo,
ycm = zcm = 0. Denotando a densidade superficial de massa por σ e considerando
os dois a região acima e abaixo do eixo Ox, temos

dm =√2σ ydx
(11.38)
= 2σ 2pxdx.

Podemos usar a expressão


m R
xdm
xcm = R0m (11.39)
0 dm
onde m é a massa do corpo (neste caso a lâmina). Temos
R √
2σ 0a x 2pxdx
R a 3/2
x dx 3a
xcm = Ra√ = R0a 1/2 = . (11.40)
2σ 0 2pxdx 0 x dx 5

11.2.3 CM de áreas

Quando os objectos têm a forma de um folha plana de espessura constante t:

∆ mi = σ ∆ ai (11.41)

onde σ é a densidade mássica superficial (em unidade kg/m2 ), então temos


1 R
xcm = M σ xda
1 R (11.42)
ycm = M σ yda

onde da = dxdy. Se σ (x, y) = σo for constante, a posição do CM é dada por


1 R
xcm = A xda
1 R (11.43)
ycm = A yda

Exemplo 1: CM de um cone circular direito.


Por razões de simetria o CM deve situar-se sobre o eixo do cone:
xcm = 0
(11.44)
ycm = 0

enquanto que
Z h
1 1
Z
zcm = zdm = ρzπr2 dz. (11.45)
M M 0
192 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

O cone é dividido num grande número de pequenos cilindros infinitesimais de raio


r e espessura dz. Assume-se ρ = constante.
A massa de cada cilindro de espessura infinitesimal é:

dm = ρdV = ρπr2 dz. (11.46)

O raio de cada cilindro está relacionado com a sua altura z por meio da relação:
r
z= Rh
(11.47)
⇒ r = Rzh

Fig. 11.8 Cone circular direito.

QuadroNegro 1 -

11.2.4 Movimento do centro de massa

Em mecânica não-relativista a massa é independente da velocidade. Chamamos cen-


tro de massa ou centro de inércia de um sistema um ponto imaginário cujo vector


posição R se exprime em função dos vectores posições → −r , →

1 r 2 ,...dos diversos
11.2 Centro de massa 193

pontos materiais na seguinte forma:


− m1 →
−r + m →
1

2 r 2 + ...
R = , (11.48)
M
onde M = m1 + m2 + ... é a massa total do sistema. Este ponto normalmente é deno-
tado por CM.
Calculemos a derivada temporal do vector posição do CM. Obtém-se facilmente:


− d→
−r
cm 1 d→
−r
1 d→
−r
2 d→
−r
n
v cm = = [m1 + m2 + ...mn ]. (11.49)
dt M dt dt dt
Pode-se ainda escrever


v cm = 1 →
− →
−v 2 + ...mn →

M (m1 v 1 + m2→ v n)

− −
P
(11.50)
v cm = M .

Ou seja, concluı́mos que:




P = M→

v cm . (11.51)
O MOMENTO TOTAL DE UM SISTEMA DE PART ÍCULAS é o produto da sua massa


total pela velocidade do CM. Isto é, tudo se passa como se P fosse o momento total
de uma partı́cula única de massa M movendo-se com a velocidade → −v cm .
Diferenciando de novo a Eq. 11.50 em ordem ao tempo obtemos a aceleração do
CM: →
− →



a cm = d vdtcm = M1 ∑ mi ddtv i = M1 ∑ mi →

ai

− →
− ext →
− int
(11.52)
M a cm = ∑i ( F i + F i )

− →
− int
onde F exti denota a força externa exercida sobre a partı́cula i, enquanto F i denota
a força interna exercida sobre a partı́cula i.
Esta proposição chama-se
T EOREMA DO MOVIMENTO DO CENTRO DE MASSA: o centro de massa de um
sistema desloca-se como um ponto material cuja massa é igual à massa total do
sistema e ao qual estão aplicados todas as forças externas e internas que actuam
sobre esse sistema.
Estas equações chamam-se equacções diferenciais vectoriais do movimento
do sistema e permitem-nos definir a lei do movimento do sistema. Como se com-
preende, o teorema do movimento do CM traz enormes vantagens porque não é
necessário resolver cada uma das equações de cada um dos pontos do sistema,
com as dificuldades matemáticas inerentes. Basta-nos determinar as caracterı́sticas
do movimento do sistema considerado como um todo. Em particular, se um corpo
efectua um movimento de translação, o seu movimento fica completamente definido
pelo do seu centro de massa.
As forças exercidas sobre qualquer partı́cula podem ser consideradas de origem:
• externa: provenientes do exterior do sistema;
• interna: com origem no interior do sistema.
194 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

Decorre da Segunda Lei de Newton que as forças internas cancelam-se par a par,


de modo que a ∑i F inti = 0. Ora este resultado é rigorosamente verdadeiro se se
tratarem de forças centrais, como é o caso da força gravı́tica 1 .
Do teorema do movimento do CM podemos tirar várias conclusões de grande
importância:
1) Vamos admitir que a soma das forças exteriores que actuam sobre o sistema é
igual a zero:


∑ F ext
i = 0. (11.53)
Da Eq. 17.182 concluı́mos que


dP
= M→

ac=0 (11.54)
dt
ou seja


P = M→

v c = constante (11.55)
Se a soma das forças exteriores que actuam sobre um sistema é igual a zero, o
CM do sistema desloca-se com uma velocidade constante em módulo e direcção. O
movimento é rectilı́neo e uniforme e o momento total do sistema conserva-se.
Vejamos alguns exemplos ilustrativos das aplicações desta lei:
Exemplo 2: Movimento do CM do sistema solar: A atracção das estrelas sobre
o sistema solar é praticamente desprezável, isto é, não existem praticamente forças
agindo sobre o CM do sistema solar, donde podemos concluir que o seu movimento
é rectilı́neo e uniforme, em primeira aproximação.
Exemplo 3: Acção de um binário sobre um corpo: Se aplicarmos um binário

− → −
( F , F 0 ) sobre um sólido livre este entrará certamente em rotação. Porém, como

− → −
F + F 0 = 0, o seu CM permanecerá em repouso (ou em movimento uniforme, se
já estivesse com esse movimento).
Exemplo 4: Explosão de um projéctil: Um “rocket” é disparado para o ar, tal
como se encontra ilustrado na Fig. 11.9. No seu ponto de altura máxima distante
horizontalmente de D da origem, o rocket separa-se em duas partes de igual massa.
A parte I cai verticalmente para a Terra. Onde cairá a parte II? Assuma g constante.

Fig. 11.9 Um “rocket” é disparado para o ar fragmentando-se em duas partes iguais.

Tem-se mI = mII . O CM descreve uma trajectória balı́stica como se se tratasse


de uma partı́cula de massa total M = mI + mII , atingindo o solo a uma distância
(alcance) 2D da origem. como as massas mI e mII são iguais, a parte II colide com
o solo à distância D para lá do ponto onde “cai” o CM, isto é, a uma distância
3D da origem. Recordamos que as forças externas são nulas para a componente

1 No caso de forças giroscópicas esta consideração requer cuidado.


11.2 Centro de massa 195

horizontal do movimento. Desprezando forças de atrito, a única força externa actua


no movimento vertical.
Exemplo 5: Movimento num plano horizontal: O atrito permite o nosso movi-
mento no solo. Se estivessemos sobre um piso escorregadio, se avançassemos uma
perna para a frente a outra seria forçada a deslocar-se para trás de modo a que o
CM permanecesse no mesmo sı́tio. Os nossos esforços musculares (forças internas)
seriam inúteis e sendo as projeções de todas as forças externas no plano horizon-
tal nulas, terı́amos sempre xc constante. Pelo contrário, havendo atrito, suponhamos
que avançamos com a perna direita e deixamos a perna esquerda para trás. O atrito
sobre a perna esquerda terá o sentido oposto e é esta força externa que permite o
nosso movimento para a frente, na direção da acção que exerce para a frente.
O deslocamento duma locomotiva ou de um automóvel processa-se da mesma
maneira. O que ocorre internamente no motor de combustão é incapaz por si só, de
fazer mover o aparelho. O deslocamento ocorre porque o motor transmite para as
rodas motoras um movimento de rotação.
Como se mostra na Fig. 11.10, o ponto de contacto A move-se para a esquerda
mas sobre a roda actua uma força de atrito dirigida para a direita. Se esta força
não existe ou é insuficiente para vencer a resistência exercida pelas rodas livres


(isto é, que não estão sujeitas a um momento de rotação M rot mas estão submetidas


unicamente a uma força Q actuante sobre o seu eixo), então não ocorre nenhum
movimento para a direita, começando as rodas motoras a patinar.

Fig. 11.10 Forças externas sobre as rodas de um automóvel ou locomotiva.

Exemplo 6: Considere uma massa pontual, m, com velocidade v0 = v0 ex e que


choca com um halter parado formado pelas massas 2m e m ligadas rigidamente a
uma distância 2l por uma barra de massa desprezável (ver Fig. 11.11). Depois do
choque as duas massas m ficam coladas. Aplicação numérica: v0 = 5 m/s, l = 0.5
m, m = 1 kg.

Fig. 11.11 Partı́cula colide com halter.

a) Descreva o momento do centro de massa determinando RCM e VCM antes e depois


do choque.

b) Descreva o movimento do halter depois do choque calculando o módulo de ve-


locidade angular da rotação em torno do centro de massa.

c) Calcule a energia cinética dissipada no choque.


196 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

QuadroNegro 2 -

Exemplo 7: Canhão sobre a via férrea: Um canhão é instalado sobre um vagão


que se pode mover com atrito desprezável sobre uma via férrea rectilı́nea horizontal.

10) (Canhão sobre a via férrea; quantidade de movimento) Um canhão encontra-se


instalado sobre um vagão que pode se mover sem atrito sobre uma via rectilı́nea
horizontal. O canhão e o vagão de massa total M, estão em movimento à velocidade
u quando um óbus de massa m (não incluı́do em M) é disparado pelo canhão com a
velocidade v em relação ao vagão. O tubo do canhão e o eixo da via encontram-se
no mesmo plano vertical e o cano faz um ângulo α com o plano horizontal, fazendo
α um ângulo agudo relativamente à direcção de deslocamento do vagão.
11.2 Centro de massa 197

Determine o alcance do óbus e mostre que a distância entre este e o vagão quando
o primeiro atinge o solo é independente de M e m.

QuadroNegro 3 -

11.2.5 Energia de um sistema de partı́culas

A energia cinética de um sistema de n partı́culas em movimento com velocidade



−v num dado referencial de inércia é dada pelo somatório da energia de cada uma
delas:
198 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

1 1 1
K = m1 v21 + m2 v22 + ... mn v2n . (11.56)
2 2 2
Pode-se condensar esta expressão na forma:
1
K = ∑ mi v2i . (11.57)
i 2

Seria interessante escrever esta expressão em termos da velocidade do CM, → −


v cm .
Para este efeito é conveniente colocarmo-nos num referencial de inércia que se mova
com o CM, o “referencial CM”.
As partı́culas neste referencial (do CM) têm a velocidade → −u que se encontra
relacionada com as outras por meio da transformação de Galileu:


u1=→

v 1 −→

v cm
... (11.58)


un=→

v n −→

v cm

ou seja, em termos da velocidade no referencial de inércia inicial:




v1=→

u 1 +→

v cm
... (11.59)


vn=→

u n +→

v cm

A inserção das Eqs. 11.59 na Eq. 11.56 conduz-nos à seguinte sucessão de cálculos:

K = 21 (→ −u i +→−
v cm )2 + ... 12 mn (→

u n +→ −
v cm )2
1 →
− 2 →
− →
− 2
= 2 m1 ( u 1 + 2 u 1 · v cm + vcm ) + ...
= [ 21 m1 u21 + 12 m2 u22 + ...] + [m1 →
− u 1 + m2 →

u 2 + ...] · →
−v cm + 21 [m1 + m2 + ...]v2cm
(11.60)
Obtemos após um cálculo simples
1 1
K = ∑ mi u2i + [∑ mi →

v i − ∑ mi →

v cm ] · →

v cm + Mv2cm . (11.61)
i 2 i i 2

O segundo termo é nulo pela própria definição da velocidade do CM. Finalmente


obtemos:
1
K = Kint + Mv2cm . (11.62)
2
A Eq. 11.62 mostra que a energia cinética total no referencial de inércia ini-
cial contém a energia interna do sistema (no CM, por ex., devido a rotações e
agitação térmica) e a energia de translação do CM. Ao fim e ao cabo, obtivemos
a decomposição da energia nas suas várias parcelas.
Podemos assim enunciar o Teorema de König que estabelece uma relação entre
as energias cinéticas nos diferentes referenciais.
T EOREMA DE K ÖNIG : A energia cinética de um sistema de pontos materiais é
igual à soma da energia cinética da massa do sistema inteiro que se imagina concen-
11.3 Sistemas de massa variável. Equação do foguetão 199

trada no seu CM deslocando-se com ele, e a energia cinética desse mesmo sistema
em movimento relativo ao seu CM.
Se forças conservativas internas e externas actuam sobre o corpo, o sistema
também terá energia potencial, U, que será função da posição de todas as partı́culas
e que deverá ser adicionada à energia cinética de modo a obtermos a energia total
do sistema de n partı́culas:
Etot = Ktot +Utot . (11.63)
Considerando em particular um corpo extenso composto de n partı́cula sob a
acção do campo gravı́tico, a sua energia gravitacional será dada pelo somatório:

U = (m1 z1 + m2 z2 + ....mn zn )g = Mzcm g. (11.64)

O corpo extenso comporta-se como se todo a massa estivesse localizada no CM.

11.3 Sistemas de massa variável. Equação do foguetão

Temos estudado atá aqui sistemas em que a massa é constante. A equação funda-


mental da dinâmica é F ext = d → −p /dt. O que acontece quando a massa do sistema
varia? Podemos definir uma fronteira do sistema de tal forma que haja massa a en-
trar ou sair. O foguetão é o exemplo mais evidente. Os sistemas de massa variável
incluem-se entre uma classe importante e fundamental de problemas fı́sicos.
Começaremos então por tratar o problema do foguetão. O argumento foi dado
por Ivan Vsevolodovich Meshchersky em 1897. Considere um foguetão com massa
m(t) e velocidade → −
v relativa a um dado referencial de inércia num instante t. A Terra
é usada como referencial de inércia por uma questão de conveniência. Num instante
posterior t +∆t é ejectada a quantidade de matéria de massa δ µ (combustı́vel e com-
burente queimados) com a velocidade −→ −v e relativa ao foguetão (a velocidade do
combustı́vel ejectado é normalmente considerada constante), enquanto que a massa
restante do foguetão (m − δ µ) adquire a velocidade → −
v +∆→ −v . Mas agora repare que

− →
− →

a massa δ µ tem a velocidade v + ∆ v − v e relativamente ao solo.

Fig. 11.12 Problema do foguetão.

Isto é, o momento antes e depois da ejeção da massa é:



−p (t) = m→
−v

−p (t + ∆t) = (m − δ µ)(→
− (11.65)
v + ∆ v ) + δ µ(→

− −
v +∆→

v −→

v e)

A variação do momentum linear num intervalo de tempo ∆t resulta necessariamente




de uma força externa F ext (no vácuo seria a força gravı́tica).
200 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

QuadroNegro 4 - Equação do foguetão.

Obtém-se então a velocidade do foguetão num instante t:


m0 − Rt
v(t) = −ve ln − gt, (11.66)
m0

sendo ve a velocidade de ejecção dos gases pelo exaustor (em m/s), R = −dm/dt
a taxa de combustão, m0 é a massa total inicial incluindo o propelente (em kg).
O empuxo do foguetão (isto é, a força que age sobre o foguetão), no SI exprime-
se em kg.m./s ou N:
dm
Fem = Rve =| | ve . (11.67)
dt
11.3 Sistemas de massa variável. Equação do foguetão 201

O empuxo é proporcional à quantidade de gases expelidos por unidade de tempo.


O impulso da força com que o foguetão age sobre a massa de gás ejectada é dado
por
d p = Fem dt = dmve . (11.68)
A quantidade
dp
I= = ve (11.69)
dm
representa o impulso por unidade de massa e é igual à velocidade de ejecção (ou
exaustão) dos gases de um foguetão em repouso. A ordem de grandeza de ve é de 2
km/s para os gases resultantes da combustão de combustı́vel sólido e 3 km/s para
combustı́vel lı́quido. Porém, é mais frequente medir o desempenho (performance)
do motor de um fogutão ou motor a jacto (tipo turbofan ou outro) por meio da
quantidade chamada impulso especı́fico:
ve
Iesp ≡ , (11.70)
g0

cuja unidade fı́sica é o s e onde g0 = 9.81 m/s2 .


Um foguetão é constituı́do basicamente por:
• carga útil (tripulação, satélite artificial, explosivos,...);
• reservatório de propelente;
• câmara de combustão (o propelente, sólido ou lı́quido, por reacção de combustão
converte-se em gás a alta pressão, alta temperatura e baixa velocidade. Por ex-
emplo, numa mistura de hidrogénio e oxigénio lı́quidos, a pressa)o é da ordem
das 200 atm e a temperature de 3500 C);
• tubeira, ou bucal de Laval 2 , (A função do bucal de Laval é converter e dire-
cionar o fluxo de gás ejectado da câmara de combustão onde está a alta pressão,
alta temperatura e baixa velocidade para o exterior, num processo designado por
isentrópico, a pressão e temperatura mais baixas e alta velocidade).
Na ausência de gravidade g = 0 e assumindo v(t = 0) = v0 = 0, obtém-se
v m0
= ln (11.71)
ve m
ou
m0
= ev/ve . (11.72)
m
Esta é a célebre fórmula de Tsiokolvsky 3 . Pode-se ainda exprimir a Eq. 11.66 na
forma:
2 (Karl) Gustaf (Patrick) de Laval (9 de Maio de 1845-2 de Fevereiro de 1913) foi um engenheiro
Sueco e inventor que deu importante contribuições para a concepção de turbinas a gás. Em 1890
Laval desenvolveu uma tubeira capaz de aumentar a velocidade de ejecção do vapor a valores
supersónicos.
3 Konstantin Eduardovich Tsiolkovsky (1857-1935) foi um cientista soviético, pioneiro da as-

tronáutica. O seu trabalho inspirou os engenheiros soviéticos leaderes do bem sucedido programa
soviético, Sergey Korolyov e Valentin Glushko.
202 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa
m0
∆ v = ve ln (11.73)
m1
onde m1 é a massa total final (em kg). ∆ v lê-se delta-v.
Da Eq. 11.66 pode-se obter a fracção mássica que resta quando ocorre uma
variação da velocidade ∆ v:
m0 − m1
= 1 − e−∆ v/ve (11.74)
m0

Por exemplo, podemos assumir que a velocidade de exaustão é ve = 4.5 km/s e


∆ v = 9.7 km/s (esta é o incremento de velocidade a imprimir ao foguetão para o
transportar até uma órbita terrestre baixa 4 ).
Num foguetão de um só andar, 1 − e−9.7/4.5 = 0.884, isto é, 88.4 % da massa
inicial total corresponde ao propelente, os restantes 11.6 % correspondem à massa
dos motores, tanques e carga. Tal significa que a propulsão quı́mica apresenta sérias
limitações à conquista do espaço pois que a maior parte da massa do foguetão é
apenas combustı́vel!...
Exemplo 8: Um cadeado de comprimento L e densidade linear de massa (ou
massa por unidade de comprimento) λ está amontado numa superfı́cie horizontal,
onde pode deslizar (Fig. 11.13-(a)).

Fig. 11.13 Cadeado em queda: a) amontoado; b) alinhado sobre a superı́cie.

No instante inicial, uma ponta do cadeado de comprimento zo está pendente. Em


seguida abandona-se o cadeado sob a acção da gravidade e este põe-se elo após elo
em movimento de queda.
a) Determine a velocidade e a energia cinética da parte pendente do cadeado em
função do seu comprimento z. Calcule a energia cinética do momento em que sobre
a superfı́cie está 1/3 do comprimento total do cadeado.

QuadroNegro 5

4 Low Earth orbit (LEO) em inglês. Nesta órbita os objectos encontram-se entre 350 e 1400 km

acima da superfı́cie da Terra. Os satélites na órbita LEO movem-se com a velocidade de 8 km/s.
As órbitas inferiores a esta são instáveis, pois ficam sujeitas ao arrastamento atmosférico.
11.3 Sistemas de massa variável. Equação do foguetão 203

b) Compare a variação da energia cinética da parte pendente do cadeado com o


trabalho da força gravı́tica entre o instante inicial e o instante em que o último elo
do cadeado cai da mesa.
No instante inicial K(z = z0 ) = Ki e no instante final K f = λ3Lg (L3 − Z03 ). O tra-
balho da força gravı́tica é dado pelo integral:
z=L
mgdz = zL0 λ zgdz
R R
W = z=z
RL0
= λ g z0 zdz = λ2g (L2 − z20 ) (11.75)
∆ K = K f − Ki = λ3Lg (L3 − z30 )

Este último resultado mostra-nos que a variação da energia cinética não iguala o
trabalho realizado pela força gravı́tica, que só parcialmente terá sido usado para
aumentar a energia cinética. A razão para esta discrepância está em que só se pode
usar o Teorema trabalho-energia cinética para sistemas de mass constante; e aqui
estamos frente a um sistema de massa variável, tal como o é o foguetão.
c) Suponha uma outra situação em que a ponta pendente do cadeado (que agora
está “em linha” sobre a mesa, Fig. 11.13-(b)). Determine a velocidade e a energia
cinética da parte pendente do cadeado em função do comprimento z.
Agora a massa total do cadeado m = λ L põe-se em movimento sob a acção do
peso da parte pendente do cadeado, λ zg. Resolvendo pelo método mais usual, tem-
se
d dz
(λ L ) = λ zg (11.76)
dt dt
ou seja
2
λ L ddtz = λ zg
2
d z
dt 2
− Lg z = 0
dv g dv dz g
dt − L z = 0 ⇒ dz dt − L z = 0 (11.77)
dv g
v dz − L z = 0
vdv − Lg zdz = 0
v2 gz2 2 g 2
2 − L 2 = C1 ⇒ v − L z = 2C1 .
Sendo as constantes iniciais z(t = 0) = z0 e v(t = 0) = v0 = 0, conclui-se que 2C1 =
− Lg z20 , ou seja
v2 =qLg (z2 − z20 )
(11.78)
∴ v = Lg (z2 − z20 ).
A energia cinética é
K = 21 mv2 = 12 (λ L) Lg (z2 − z20 )
(11.79)
∴ K = λ2g (z2 − z20 ).
Repare agora que no instante inicial, z = z0 e Ki = 0 e no instante final, z = L,
K f = λ2g (L2 − z20 ), donde resulta

λg 2 2
∆ K = K f − Ki = (L − z0 ). (11.80)
2
204 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

O trabalho realizado pela força gravı́tica é, por sua vez, dado por:
h 2i
W = zL0 (λ z)gdz = λ g zL0 zdz = λ g z2 = λ2g (L2 − z20 )
R R
(11.81)
∴ W = ∆ K,

isto é, verifica-se o teorema trabalho-energia cinética.


Exemplo 9: Foguetão a peróxido de hidrogéneo. O peróxido de hidrogéneo e a
prata reagem fortemente libertando vapor de água e oxigénio atómico. O peróxido
de hidrogénio (cuja fórmula quı́mica é H2 O2 ) tem que ter concentração superior
a 85 % 5 . Quando o H2 O2 entra em contacto com uma fina rede de prata, a prata
reaje como um catalisador, libertando o átomo extra de oxigénio, produzindo água,
e libertando uma grande quantidade de energia (reacção fortemente exoenergética).
O calor libertado converte a água em vapor que é ejectada a alta velocidade pelo
ejector.

Fig. 11.14 (a) Rocket propelido a peróxido de hidrogénio (repare na pequena dimensão do en-
genho); (b) esquema de funcionamento.

Este é um motor a monopropelente, diferenciando-se dos rocketes normais que


queimam dois diferentes tipos de quı́micos (um combustı́vel e um oxidante). Este
tipo de motor foi inicialmente usado pelos alemães durante a Segunda Guerra
Mundial. Helmuth Walters desenvolveu em 1936 na WalterWerke de Kiel o motor
auxiliar a peróxido de hidrogénio de 1000 kgf para o avião Heinkel He 176. Tratava-
se de um motor monopropelente frio que fazia uso de uma solução de parmanganato
de cálcio como catalisador u 80% de H2 O2 .
A General Electric produziu um motor de foguetão hı́brido, onde o H2 O2 é de-
composto numa rede de prata e usando combustı́vel orgânico de polietileno. Actual-
mente, o interesse por este tipo de motor recrudesceu, por ser mais económico e
relativamente seguro.
Exemplo 10: Correia transportadora plana
Cascalho (ou areia, granulado) está a ser debitado continuamente para uma cor-
reia transportadora à taxa de 75.0 kg/s. A velocidade da correia é v = 22 m/s. Qual
é a força necessária para manter a correia em movimento?
O funil (Fig. 11.15) encontra-se em repouso, de modo que u = 0. A taxa de
débito do cascalho é dM/dt = 75.0 kg/s e a correia move-se a velocidade constante,
dv/dt = 0.
O procedimento que sugerimos de modo a resolver esta questão consiste em
começar por escrever a quantidade de movimento linear num instante t:

−p (t) = m(t)→

v, (11.82)

e num instante posterior qualquer t + ∆t:

5 O que se compra nas farmácias tem 3 %.


11.3 Sistemas de massa variável. Equação do foguetão 205


−p (t + ∆t) = (m + δ µ)(→

v +∆→

v ). (11.83)

Fig. 11.15 Correira transportando granulado.

Na Eq. 11.83, δ µ representa uma pequena quantidade de cascalho que cai do


funil sobre a correia transportadora durante o pequeno intervalo de tempo ∆t. A


força externa que actua sobre a correia transportadora, F ext , deverá igualar a taxa
de variação do momento linear (ou quantidade de movimento linear) com o tempo:

− ext
F = [→ −p (t + ∆t) − →
−p (t)]/∆t

− ext ∆→
− (11.84)
F = m ∆t + ∆t −
v δµ →
v.

Quando ∆t → 0, as diferenças finitas passam a infinitésimos, obtendo-se a seguinte


equação:

− ext d→
−v dµ →

F =m + v. (11.85)
dt dt
Projectando a força na horizontal, obtém-se


Fxext = v = 2.2 × 75.0 = 165N. (11.86)
dt
Exemplo 11: Um foguetão tem a massa inicial mo = 21000 kg e a massa final
m f = 6000 kg (após queima de combustı́vel). A taxa de combustão é dm/dt = −190
kg/s e a velocidade de exaustão dos gases é ve = 2800 m/s. Assuma g = 9.81 m/s2 .
a) Tração: ve dm 5
dt = (2800)(190) = 5.3 × 10 N.
b) F = mg = 2.1 × 10 × 9.81 = 2.1 × 105 N (no inı́cio)
ext 4

F ext = (0.6 × 104 )(9.81) = 5.9 × 104 N (após queima do combustı́vel)


A força lı́quida sobre m é a seguinte:
Condições iniciais: (5.3×105 −2.1×105 ) = 3.2×105 N, resultando na aceleração
a = 15.2 “gees”.
Imediatamente antes da queima total do combustı́vel: (5.3 × 105 − 5.9 × 104 ) =
4.7 × 105 N, resultando na aceleração a ≈ 80 “gees”.
Após a queima de combustı́vel: −mg, ou seja a = −1 “gees”.
4 kg
O tempo total de queima do combustı́vel é dado por t = 1.5×10
190kg/s = 79 s.
Se vo = 0, a velocidade final será:
6000
v = −9.81(79) + (−2800) ln = 2830m/s. (11.87)
21000
206 11 Sistema de 2 partı́culas. Centro de Massa

11.4 Centro de massa. Referencial do centro de massa.

Como já referimos, em qualquer sistema de partı́culas existe um ponto notável, o


centro de massa do sistema que possui propriedades de grande importância, em
particular no que diz respeito ao estudo das colisões. A posição desse ponto rel-
ativamente à origem O de um dado referencial é caracterizada pelo vector posição

−r = m → −
cm ∑ i r i /M. Quando o campo gravı́tico é homogéneo na região ocupado pelo
corpo, o centro de massa coincide com o centro de gravidade.
E QUAÇ ÃO DO MOVIMENTO DO CM: Durante o movimento de qualquer sistema
de partı́culas o seu centro de massa move-se como se toda a massa estivesse con-
centrada nesse ponto e sobre ele fossem aplicadas todas as forças interna e externas
que actuam sobre o sistema:


d V cm →
− →
− ext
M = ∑( F int
i + F i ). (11.88)
dt i


− →
− →
− →
− →

Se F = 0, deduz-se que d V cm /dt = 0, logo V cm = const. e de P = M V cm ,


também se conclui que P = const.
Podemos inferir facilmente que a posição do CM é dado pela expressão:

− →
− →

R cm (t) = V cmt + R cm (0). (11.89)

Se um corpo se encontra em repouso num dado instante em relação a um dado


referencial de inércia, ele continuará em repouso desde que não haja forças actuando
sobre ele.
As conclusões anteriores permitem-nos resolver o seguinte problema clássico.
Exemplo 1: Um homem de massa m1 está sobre uma balsa estreita de massa m2
que se encontra na superfı́cie de um lago. O homem desloca-se de ∆ → −r 0 relativa-
mente à balsa e depois detém-se. Despreza-se a resistência da água. Determine o
deslocamento ∆ → −r da balsa relativamente à margem.
2
A resistência da água é desprezável e a resultante de todas as outras forças sobre
o sistema (homem+balsa) é nula. Se o sistema está em repouso inicialmente:


− →
− 1
R cm = R cm (0) = (m1 →
−r + m →
1

2 r 2) (11.90)
m1 + m2

onde →−r e →
1
−r são os vectores posição do homem e da balsa relativamente a um
2
ponto fixo da margem.
Daqui podemos determinar a relação entre os deslocamentos do homem e da
balsa:
m1 ∆ →
−r + m ∆ →
1

2 r 2=0 (11.91)
Tendo em conta a Transformação de Galileu:

∆→
−r = ∆ →
1
−r + ∆ →
2
−r 0 , (11.92)
11.4 Centro de massa. Referencial do centro de massa. 207

obtemos o deslocamento da balsa:


m1
∆→
−r = −
2 ∆→
−r 0 . (11.93)
m1 + m2
Em muitas situações interessa-nos o movimento relativo das partı́culas dentro do
próprio sistema, permitindo-nos assim simplificar consideravelmente os cálculos in-
volvidos. É conveniente associarmos um referencial com o próprio centro de massa.
S ISTEMA DO CM: referencial rigidamente ligado ao centro de massa do sistema
de partı́cula e que se desloca relativamente ao referencial de inércia dado (o refer-
encial onde estamos, que usualmente designamos o referencial do laboratório).
A energia do sistema é dada pelo Teorema de König:
1 1 →

K = ∑ mi v2ic + M V cm . (11.94)
i 2 2

Atendendo a que a energia potencial interna do sistema depende apenas da configuração


do sistema, a energia potencial U é a mesma em todos os referenciais (digamos o
do laboratório e o do CM). Podemos então escrever a energia mecânica total:
1 2
Em = Ee + MVcm , (11.95)
2
onde
1
Ee = ∑ mi v2ic +U, (11.96)
i 2

onde →

v ic é a velocidade da partı́cula i no referencial do CM e Ee representa a energia
mecânica interna do sistema.
Chapter 12
Colisões

“There is nothing more difficult to plan, more doubtful of success, more dangerous to man-
age than the creation of a new system. The innovator has the enmity of all who profit by the
preservation of the old system and only lukewarm defenders by those who would gain by
the new system. ”

- Machiavelli, 1513
“The scientists of today have substituted mathematics for experiments and they wander off
through equation after equation and eventually build a mathematical structure which has
no relation to reality. They are metaphysicians rather than scientists.”

- Nikola Tesla, in Dr. Tesla, at 77, seldom sleeps, July 11th 1933, New York Times

12.0.1 Choques no referencial do centro de massa

Em muitos casos frequentes em que nos interessa descrever unicamente o movi-


mento relativo das partı́culas dentro do sistema, abstraindo-nos do movimento total
do conjunto, mostra-se mais vantajoso utilizarmos o referencial do centro de massa,
no qual o centro de inércia (ou CM) se encontra em repouso. Decorre desta escolha
uma simplificação notável da análise do fenómeno fı́sico em si, assim como uma
grande simplificação dos cálculos matemáticos.
O referencial ligado rigidamente ao centro de massa do conjunto dado de partı́culas
e que se desloca com movimento uniforme em relação a um referencial de inércia

− →

denomina-se referencial do centro de massa 1 . Como já vimos que P = M V c ,
resulta daqui a propriedade fundamental do referencial C: o momento total de um
conjunto de partı́culas é zero. Ou seja, qualquer conjunto de partı́culas como um
todo repouso no seu referencial CM.
Exemplo 2: Um sujeito de massa m1 encontra-se numa embarcação de massa
m2 que está na superfı́cie de um lago. Suponha que o sujeito desloca-se de ∆ →
−r 0 em

1 Usaremos neste Cap. indiferentemente ou c ou cm como notação.

209
210 12 Colisões

relação à embarcação e pára em seguida. Despreze a resitência da água. Calcule o


deslocamento que a embarcação terá feito em relação à margem.

QuadroNegro 1

Vamos em seguida determinar a relação entre o valor da energia nos referenciais


do LAB e do CM. Consideremos então o conjunto de 2 partı́culas de massas m1 e
m2 e analisemos o fenómeno da colisão no referencial do CM e no referencial do
laboratório (em geral, aqui representado sumariamente pelas iniciais LAB):


v 1c , →

v 2c : velocidades no CM

−v 1, −→
v 2 : velocidades no LAB (12.1)


V cm : velocidade do CM.

A energia cinética do conjunto é dada, como já vimos, pela expressão:

K = 12 MVcm 2 +K
int
1 2 1 2 + 1 m v2 . (12.2)
= 2 MVcm + 2 m 1 v1c 2 2 2c

Repare que →−v 1c e →



v 2c são as velocidades relativas ao referencial do centro de massa
(CM) e M = m1 + m2 . O termo
1 2
MVcm (12.3)
2
representa a energia cinética do movimento de translação do CM, enquanto que os
dois restantes representam uma forma de energia interna do conjunto. Na ausência
de forças actuantes sobre o conjunto mecânico, a energia cinética de translação


conserva-se (pois que V cm será constante). Isto é, a energia cinética de um con-
junto de partı́culas é dada pelo soma da energia cinética do conjunto das partı́culas
12 Colisões 211

medidas no referencial do CM e da energia cinética do movimento do conjunto de


partı́culas medidas como um todo.
Atendendo a que a energia potencial U do conjunto de partı́culas depende uni-
camente da sua configuração, U deverá ser o mesmo tanto no referencial do LAB,
como no referencial do C. Ao somarmos U aos dois membros da Eq. 12.2 obtemos
a fórmula de transformação da energia mecânica total ao passarmos do referencial
C para o LAB:
MVc2 P2
E = K +U = Kint +U + = Ee + , (12.4)
2 2M
onde Ee = Kint +U representa a energia mecânica interna do sistema. Portanto E é
a energia mecânica total no referencial do LAB.
Usamos em seguida as transformações de Galileu para passar do referencial do
LAB ao referencial do CM (vd. Fig. 12.1):

− →
− →
−v 1 +m2 →
− →
− −→ −
v 1c = →
−v 1 − V cm = →
−v 1 − m1 m 1 +m2
v2
= m2 (mv1 +m
1 v 2)


− →
− →
− →
− − 2→
→ − (12.5)
v =→
2c
−v −V =→
2

cmv − m1 v 1 +m2 v 2 = − m1 ( v 1 − v 2 )
2 m1 +m2 m1 +m2

1 1 m1 m2 →
2
∴ K = MVcm + (−
v 1 −→

v 2 )2 (12.6)
2 2 m1 + m2
O último termo representa a energia máxima disponı́vel numa colisão perfeitamente
inelástica.

Fig. 12.1 Velocidade no CM.

Sejam


v rel = →

v 1c − →

v 2c

− →
− (12.7)
= v 1− v 2
as velocidades relativas das duas partı́culas. Podemos então escrever a Eq. 17.177
na seguinte forma:
1 2 1
K = MVcm + µv2rel , (12.8)
2 2
onde
m1 m2
µ= (12.9)
m1 + m2
representa a massa reduzida do conjunto de duas partı́culas.
Exemplo 3: Num plano horizontal de atrito desprezável encontram-se duas pe-
quenas esferas de massa m unidas por uma mola de massa desprezável. Comunica-se
a uma das massas a velocidade → −
v o , como o mostra a Fig. 12.2. Determine a energia
mecânica interna Ee associada ao movimento.

Fig. 12.2 Problema do exemplo 3.


212 12 Colisões

O sistema é isolado - não há forças externas aplicadas sobre ele - e o momento
linear conserva-se. A energia cinética inicial é aquela que é comunicada à partı́cula
m, K = mv2o /2, e o momento é o que ele possui inicialmente, → −p = m→
−v o . A energia
interna no referencial CM é dada pela Eq. 12.4:

P2 mv2
Ee = E − = E− o. (12.10)
2M 4
e representa a energia de rotação e de oscilação da mola entretanto adquirida pelo
conjunto mecânico na sequência da colisão.
Exemplo 4: Um conjunto mecânico é composto por duas esferas de massas m1 e
m2 , unidas entre si por uma mola de massa desprezável. São comunicadas às esferas
as velocidades →−v1e→ −v 2 (perpendiculares entre si), tal como o mostra a Fig. 12.3,
e o conjunto começa em movimento sob a ação do campo gravı́tico terrestre. De-
sprezando o atrito com o ar e supondo que no instante inicial a mola não se encontra


deformada, determine: 1) a velocidade do CM ao longo do tempo V c ; 2) a energia
mecânica do conjunto no processo do movimento.

Fig. 12.3 Problema do Exemplo 4.


− →

Da equação fundamental da dinâmica, M d dt
Vc
= F ext = M →

g , deduzimos que


dV c = →

g dt (12.11)

A integração desta equação dá-nos de imediato:



− →

V c (t) − V c (0) = →

g t, (12.12)


onde V c (0) é a velocidade inicial do CM. Temos assim


− v 1 + m2 →
m1 →
− −
v2 →
V c (t) = +−
gt (12.13)
m1 + m2
Procuremos em seguida o valor da energia. A energia mecânica interna do conjunto
(tal como é medida no referencial do CM) representa-se por E. e
A colisão da massa m1 com a mola vai naturalmente deformá-la logo após a


colisão, pois que há trabalho exercido. Denotando por F 12 a força exercida pela


massa m1 sobre m2 na sequência da velocidade v 1 que é comunicada a m1 e que
a faz deslocar-se de d →−r , a massa m por sua vez vai exercer uma reacção −→ −
F 21
2 2
sobre m1 :

− −r + →−
dW = F 12 · d → 2 F 21 · d →
−r .
1 (12.14)

− →

Como pela lei da acção-reacção tem-se F 12 = − F 21 , acabamos por obter

− −r ) = →

dW = F 12 · d(→
−r − →
2 1 F 12 · d →
−r , (12.15)
12 Colisões 213

depois de introduzirmos a coordenada especial → −r = → −r − →


2
−r . Este é o trabalho
1
efectuado pelas forças internas produzidas pela mola. Sendo as forças elásticas con-
servativas temos


Z
U(r) = − F 12 · d → −r . (12.16)

Vemos assim, passo a passo, que podemos definir uma energia mecânica total Ee no
referencial do CM:
Ee = Kint +U(r), (12.17)
onde U(r) = 12 ks2 , sendo r = ro + s, e ro o comprimento natural da mola. Como
vimos
1 −
Kint = µ(→ v 1 −→−
v 2 )2 . (12.18)
2
A energia mecânica total do conjunto de 2-corpos é constante porque os campos são
conservativos, ∆ E,
e e por conseguinte a energia não variará, bastando-nos utilizar o
valor inicial da energia:
m1 m2 1
Ee = (v21 + v22 ) + ks2 , (12.19)
2(m1 + m2 ) 2

com s = 0, pois que foi dito que no inı́cio não há deformação da mola. No caso de
haver uma deformação inicial da mola, a energia interna será dada com generalidade
pela Eq. 17.190, ∀s.
Em qualquer tipo de colisão - elástica ou inelástica - quando as forças externas
são desprezáveis, o momento linear total conserva-se e, portanto temos:


P = m1 →

v 1 + m2 →

v2 (12.20)


Repare que o valor de P depende do sistema de coordenadas escolhido. A conservação
do momento linear é verificada para todos os sistemas de referência inerciais 2 .
Se nos colocarmos no referencial do CM podemos obter as soluções das equações
de conservação do momento linear ou da energia de um modo mais intuitivo. Para
duas partı́culas o CM do conjunto define-se da seguinte forma:
−r = m1 →
→ −r +m →
1

2 r2
cm m1 +m2

− →
−v 1 +m2 →
− (12.21)
V cm = m1 m 1 +m2
v2
.

No referencial do CM o momento é dado pelas seguintes expressões (onde passamos


a abreviar por c o referencial do CM):

−p = m → − m1 m2 →− →
− →

1c 1 v 1c = m1 +m2 ( v 1 − v 2 ) = µ v rel

−p = m → − m1 m2 →− →
− →
− (12.22)
2c 2 v 2c = − m1 +m2 ( v 1 − v 2 ) = −µ v rel .

2 O teorema de Noether mostra que as leis de conservação resultam das simetrias dos sistemas

fı́sicos.
214 12 Colisões

Deste modo, os momentos da ambas as partı́culas no referencial do CM são iguais


e dirigidos em sentidos contrários, onde vrel =| →

v 1 −→

v 2 | é a velocidade de uma
partı́cula em relação à outra.
As Eqs. 13.21 mostram que o momento total no referencial do CM é zero:


Pc =→
−p + →
1c
−p = 0,
2c (12.23)

enquanto que o momento total no referencial do laboratório (por ex., a Terra), é



− −p = (m + m )→

P L = m1 →

v 1 + m2 →

v2=→
−p + →
1 2 1 2 Vc (12.24)

Como já referimos, as colisões podem ser analisadas de modo mais simplifi-
cado no referencial do CM. As velocidades iniciais e finais determinam o plano de
colisão. Cada partı́cula é caracterizado pelo seu respectivo ângulo de colisão (ou
difusão) 3 θ ou Θ no referencial do LAB. Segundo uma terminologia introduzida
pelo prémio Nobel indiano Subrahmanyan Chandrasekhar, chama-se partı́cula teste
à partı́cula de massa m2 (que frequentemente considera-se em repouso) e partı́cula
do campo à partı́cula de massa m1 .
1) Colisão elástica (Fig. 12.4-(a)):
Na ausência de forças externas, o CM move-se com rapidez constante Vcm , antes,
durante e após a colisão. Verifica-se

|→
−p |=| →
1c
−p 0 |
1c (12.25)
| p 2c |=| −p 02c |

− →

Os módulos (comprimentos) dos momentos lineares antes e após a colisão são




iguais. A energia conserva-se. O somatório dos momentos na colisão é zero: P =

−p + → −p = 0. Verifica-se portanto
1c 2c

→−p 0 = −→
−p
1c
→−p 01c →

= − p 2c
2c (12.26)
⇒→ −
v 01c = −→
−v 1c
⇒→ −
v0 2c


= − v 2c .

As velocidade das partı́culas no referencial do CM resultam das Eqs. 13.21. As


últimas relações que estão nas Eqs. 13.25 resultam de

m1 →

v 1c + m2 →−
v 2c = 0 ⇒ m1 v1c − m2 v2c = 0.
(12.27)
m1 v 01c + m2 −

− →
v 02c = 0 ⇒ m1 v01c − m2 v02c = 0.

Destas equações obtemos


m1
v2c = m v1c
0
2
m1 0 (12.28)
v2c = m2 v1c .
Introduzindo-as em

3 Em inglês, chama-se “scattering angle”.


12 Colisões 215

1 1 1 1 02
m1 v21c + m2 v22c = m2 v02
1c + v2c ,
2 2 2 2
obtém-se logo o que procurávamos:

v1c = v01c ; v02c = v2c

Isto quer dizer que, numa colisão elástica, no referencial do CM a rapidez de cada
partı́cula é a mesma antes e depois da colisão e que os vectores velocidade apenas
rodam no plano de colisão.
É frequente uma das partı́culas estar parada e, neste caso, a rapidez do CM é
constante:
m1 v1
Vc = , (12.29)
m1 + m2
sendo que

− m2 → −
v 1c = v 1, (12.30)
m1 + m2
e

− m2 → −
v 2c = − v 1, (12.31)
m1 + m2
pois que →
−p = m →
1c
− →
− →

1 v 1c = m1 m2 ( v 1 − v 2 )/(m1 + m2 ). Daqui resulta a relação

Vc m1 v 1 m1 + m2 m1
= = ,
v1c m1 + m2 m2 v 1 m2
que será usada mais adiante.
Na colisão frontal ambas as partı́culas antes e depois da colisão movem-se so-
bre a mesma linha recta. Na colisão não frontal, no referencial do CM ambas as
partı́culas têm igual módulo e estão dirigidas em sentido contrário antes e depois
da colisão. Após a colisão, →−p faz um ângulo Θ com a direcção da incidente no
1c
referencial do CM. O ângulo Θ feito no CM depende do tipo de interacção entre as
partı́culas e da sua posição relativa (Fig. 12.4). Θ pode tomar qualquer valor entre 0
e π: 0 ≤ Θ ≤ π.

Fig. 12.4 Colisões no CM.

2) Colisão inelástica (Fig. 12.4-(b)):


Os módulos do momento linear são reduzidos após a colisão devido à perda da
energia cinética (modificação da energia interna das partı́culas, por ex., aumento da
energia térmica, fracturas, criação de estados atómicos e moleculares excitados,...).
Vejamos em seguida com mais detalhe o caso da colisão elástica.
Exemplo 5: Limites do ângulo de difusão no referencial do laboratório (LAB).
Consideremos a colisão elástica de uma partı́cula de massa m1 e velocidade → −v1
com uma outra, de massa m2 , que está parada. Em muitas experiências de fı́sica de
partı́culas (e nuclear) é frequente esta situação. O ângulo de difusão Θ no referencial
216 12 Colisões

do CM não tem restrições, mas no referencial do laboratório (abreviadamente LAB)


as leis de conservação impõem limites que vamos agora calcular (Fig. 12.6-(a)).
A velocidade do massa nestas condições é dada por

− m1 → −
V cm = v1 (12.32)
m1 + m2
As velocidade iniciais de cada partı́cula no referencial do CM são dadas por:

− 2 → − m2 →−
v 1c = m1m+m v1=m V cm

− 2
m1 →− 1 (12.33)
v 2c = − m1 +m2 v 1 .

Se designarmos com generalidade por → −n 0 o vector unitário que tem a direcção


da velocidade da partı́cula m1 após o choque, as velocidades das partı́culas após o
choque serão dadas por:

−v 01c = m1m+m
2
v1 →

n0

− 2 (12.34)
v 2c = − m1 +m2 v1 −
0 m1 →n 0.
Podemos em seguida voltar ao referencial do LAB usando as transformações de
Galileu: →



v 01 = m1m+m
2
+ V cm


2

− (12.35)
v 0 = − m1 v →2

n +V .
m1 +m2 1 0 cm

Mais uma vez chamamos a atenção de que a direcção do vector unitário → −


n 0 depende
da lei da interacção entre as partı́culas. Repare que se verifica p 1 + p 2 = →

− 0 →
− 0 −p (pois
1
que supomos a partı́cula m2 em repouso no referencial do LAB).
Multiplicando as Eqs. 12.35 por m1 e m2 , respectivamente, obtemos:

−p 0 = µv →
− m1 → −
1 1 n 0 + m1 +m2 p 1
−p 0 = −µv →
→ − m 2 →
− (12.36)
2 1 n 0 + m1 +m2 p 1 .

As relações vectoriais acima descritas sugerem uma interpretação geométrica, como


se mostra na Fig. 12.5-(a). Podemos por começar por traçar uma circunferência de
raio µv1 . Em seguida, se orientarmos o vector unitário → −n 0 ao longo da direcção
−→ −→ − →
OC, os vectores AC e CB correspondem respectivamente aos momentos lineares

−p 0 e →
−p 0 . Para um dado vector →−p , o raio OC e a posição do ponto A permanecem
1 2 1
invariáveis, enquanto que o ponto C pode ocupar qualquer posição sobre a cir-
cunferência (depende de facto da lei de interacção). Concluı́mos da construção
geométrica que se m1 < m2 o ponto A estará dentro da circunferência, mas encontrar-
se-á fora dela se pelo contrário m1 > m2 .

Fig. 12.5 Interpretação geométrica da colisão elástica.

Agora repare no diagrama traçado na Fig. 12.6-(b).


12 Colisões 217

Fig. 12.6 Diagrama vectorial das velocidades.

Vê-se que a relação que existe entre o ângulo de difusão que a partı́cula incidente
faz no referencial do laboratório, θ , e o ângulo que faz no referencial do CM, Θ , é
a seguinte:
v01c sinΘ
tan θ = . (12.37)
V + v01c cosΘ
Como a colisão é elástica verifica-se v01c = v1c e V /v1c = m1 /m2 , então

sinΘ
tan θ = , (12.38)
γ + cosΘ

onde pusemos γ = m1 /m2 .


Quando a colisão é inelástica, mostra-se que a Eq. 12.38 permanece válida,
porém deve-se substituir o γ = m1 /m2 pelo novo γ:

m1 −1/2
  
m1 Q
γ= 1− 1+ . (12.39)
m2 K1i m2

Esta relação é válida no âmbito não-relativista e pode ser usada em particular nas
reacções nucleares no decurso da qual uma partı́cula de massa m1 interage com uma
partı́cula de massa m2 para dar duas partı́culas de massas m3 e m4 . Q tem o nome de
calor de reacção.
C ALOR DE REACÇ ÃO : Define-se calor de reacção à quantidade de energia
cinética convertida noutra forma de energia:

Ki = K f + Q,
(12.40)
Q = Ki − K f .

Tendo em conta a Eq. 17.189 concluı́mos igualmente que


1 1
Q = µv2rel = µ | →

v 1 −→

v 2 |2 . (12.41)
2 2
A magnitude de Q depende apenas da velocidade relativa entre as duas partı́culas
que colidem.
Na maior parte das vezes Q é positiva (colisão exoenergética) e a energia cinética
é perdida. Porém, Q também pode ser nulo ou, em particular, negativo (colisão
endoenergética) se a energia interna do sistema for convertida em energia cinética,
no que se chama uma colisão superelástica, reacção de grande importância em
fı́sica atómica e nuclear.
C ASOS LIMITES EM COLIS ÕES EL ÁSTICAS : É interessante considerarmos os
casos particulares seguintes (lembrando que 0 ≤ Θ ≤ π):
Nm1  m2 :
⇒ θ ≈ Θ. (12.42)
218 12 Colisões

Isto significa que, quando o projéctil é muito mais leve do que o alvo, o referencial
do CM e do LAB coincidem praticamente.
Nm1 = m2 :
Θ
⇒θ = , (12.43)
2
ou 0 < θ ≤ π/2, o que significa que, quando as massas são iguais, não ocorre re-
versão da direcção do movimento 4 .
Nm1 > m2 :  
m2
⇒ θmax = arcsin , (12.44)
m1
ou 0 < θ ≤ θmax . Neste caso existe um ângulo máximo de difusão (ou ângulo
limite).
Nm1  m2 :
m2
⇒θ ≈ sinΘ . (12.45)
m1

4 Em inglês diz-se “backscattering”.


Chapter 13
Colisões. Continuação

“.... we are a part of nature as a whole, whose order we follow”.

- (Espinosa, Ethics, 1673)

13.1 Noção de impulso. Colisões

Quando dois objectos colidem as forças que eles exercem um sobre o outro du-
ram usualmente um pequeno intervalo de tempo. A fim de caracterizar a acção
exercida por uma forca ¸ sobre um corpo durante um determinado intervalo de
tempo, introduziu-se a noção de impulsão de uma força. Forças desta natureza
são chamadas de forças impulsivas, ou forças de percussão.
I MPULSO E TRABALHO: quando uma força actua sobre um corpo surgem dois
resultados completamente distintos chamados impulso (∆ → −p ) e trabalho (W ).
Durante a colisão a força impulsiva produz uma variação grande do movimento
do objecto.
Chama-se
IMPULS ÃO ELEMENTAR DE UMA FORÇA a uma grandeza vectorial d p dada




pelo produto da força F pelo intervalo de tempo elementar dt:
−p = →
d→

F dt. (13.1)

A impulsão de uma força que actua durante um intervalo de tempo finito t f − ti é


Z tf Z tf

−p − →
−p = →

f i d→
−p = F dt. (13.2)
ti ti

Podemos também escrever



− R tf →

I = ti F (t)dt
−p = → − (13.3)
∆→
−p = →
−p − →
f i I.

219
220 13 Colisões. Continuação

A variação do momento linear do objecto é igual ao impulso que actua sobre ele.
Este resultado traduz o
T EOREMA DO MOMENTO LINEAR DE UM PONTO MATERIAL NO DECORRER
DE UM CHOQUE: A variação do momento linear do objecto é igual ao impulso que
actua sobre ele.
É a equação fundamental da teoria das colisões, tendo o mesmo papel que a


equação m→−a = F no estudo do movimento produzido por forças que não sejam de
percussão.

− →

O produto da força F pelo intervalo de tempo ∆t resulta na impulsão I 1 .

− →

M OMENTO LINEAR : o vector p = m v é chamado momento linear 2 . Há que
referir em relação a qual referencial ele é definido (se a Terra, um vagão, laboratório,
CM).
Exemplo 1: Um sujeito empurrando um vagão de massa m desde o repouso com


a força F constante, terá comunicado a velocidade v ao fim do tempo ∆t:
mv
∆t = , (13.4)
F
porque, de acordo com o teorema anteriormente exposto, a impulsão I = F∆t é igual
à variação da quantidade de movimento comunicada ao vagão. O trabalho efectuado
é igual à variação da energia cinética adquirida pelo vagão:

1 (mv)2 I2
W = mv2 − 0 = = . (13.5)
2 2m 2m
Para uma mesma impulsão corresponde um trabalho tanto maior quanto menor for
a massa do vagão.
Por vezes é conveniente definir uma força média F actuante durante o intervalo
de tempo ∆t = t f − ti produzindo o mesmo impulso e igualmente a mesma variação
do momento:
1 R tf
F = ∆t ti F(t)dt
−p ) = →
− (13.6)
F∆t = (→−p − →
f i I.
Examinemos agora o choque de duas esferas duras A1 e A2 . Durante a colisão, A1


fica sujeita à reacção N exercida por A2 . Podemos ainda admitir que o sistema das
duas esferas não está isolado, exercendo-se eventualmente forças eléctricas ou o


peso, F . Em cada instante verifica-se


− → − d→
−v1
F + N = m1 (13.7)
dt
donde
1 Os criadores da mecânica tiveram uma grande dificuldade em distinguir as duas noções de im-
pulsão possı́veis, o produto da força pelo tempo e o produto da força pelo deslocamento.
2 Ou ainda momento cinético, quantidade de movimento linear, ou simplesmente momento. Prefe-

rimos chamá-lo por momento linear de modo a sermos consistentes com a designação do momento
angular que usaremos no estudo da dinâmica rotacional.
13.1 Noção de impulso. Colisões 221
Z t0 →
d−
Z t0

− →− v1
( F + N )dt = m1 dt. (13.8)
t t dt
Daqui obtém-se
Z t0

− →
− →−
I 1 = m1 [→

v 1 (t 0 ) − →

v 1 (t)] = ( F + N )dt. (13.9)
t

Como a duração do choque τ = t 0 − t é muito pequena podemos admitir que o




choque é instantâneo, supondo que a força F permanece finita, isto é, admitindo
que
Z t0

− →

lim
0
F dt = 0 . (13.10)
t →t t

Assim, da Eq. 13.15 obtém-se



− →

I 1 = m1 (→

v 01 − →

v 1 ) = lim
0
N dt. (13.11)
t →t

De acordo com a lei da acção-reacção, a esfera A2 deverá ficar sujeita à percussão




− I 2:

− →

I 1=− I 2
(13.12)
∴ m1 → −
v 1 + m2 →−v 2 = m1 →
−v 01 + m2 →

v 02
A última expressão traduz a conservação do momento linear, sendo as velocidades
aquelas que são verificadas imediatamente antes e imediatamente após o choque.
Repare que, admitindo que a duração da colisão é muito pequena, pode-se desprezar
a variação da energia potencial durante o choque.
Exemplo 2: Um problema com importância prática diz respeito ao manusea-
mento de material (e segurança) no espaço sideral, quando o peso desvanece mas a
massa do objecto permanece. Quando a massa desse material tem toneladas, como
acontece na construção de uma estação espacial, podem ocorrer situações que sur-
preendem a nossa intuição. Imagine que você é um astronauta a trabalhar numa
estação espacial, manipulando 10 toneladas de massa m de uma estrutura que se
encontra no exterior da estação espacial (aqui supostamente com uma massa total
muito superior ao da referida estrutura). Suponha que você se encontra posicionado
contra uma parede da estação espacial. A massa aproxima-se de si com a veloci-
dade de 30 cm/s e ameaça-o esmagar contra a parede. A questão que lhe ocorre
de imediato é a seguinte: “poderei parar esta estrutura ou deverei saltar para o lado
de imediato?”. Suponha que aplica uma força constante F de 450 N (equivalente
a levantar um peso de 45 kg) de forma constante (e desacelerando). Os seguintes
cálculos monstram-nos o seguinte:
F
a= m = 0.045m/s2
v2 (13.13)
s = 2a = 1m.

É suficiente 1 metro para parar completamente as 10 toneladas de material ! Uma


façanha que está ao alcance de uma pessoa normal...
222 13 Colisões. Continuação

Exemplo 3: Uma bola de massa 100 g é atirada para o solo de uma altura h = 2
m. A bola ressalta até uma altura h = 1.5 m. Assuma que o tempo de colisão é 0.01 s
(aliás um valor tı́pico). Determine a velocidade imediatamente antes da colisão com
o solo:
1 2
2 mvi = mgh
√ (13.14)
vi = 2gh = 6.26m/s
Depois do ressalto, a bola adquire a velocidade
1 2 0
2 mv f = mgh
√ (13.15)
v f = 2gh0 = 5.42m/s.

O momento inicial e final são ambos dados por:



−p = m→
− →

i v i = −0.63 k (kg.m/s)

−p = m→
− →
− (13.16)
f v = 0.54 k (kg.m/s).
f



O impulso I = ∆ →
−p = → −p = →
−p − → −
F ∆t resulta em
f i

−p = [0.54 − (−0.63)]→
∆→

k


= 1.17 k (kg.m/s) (13.17)

− →
− →− →

∴ F = ∆∆tp = 1.17 k
0.01 = 117 k (N)

o que representa uma força muito maior do que a força da gravidade!


Nas colisões normalmente é mais fácil medir a massa e a variação da velocidade
do que a força. Se o tempo durante a qual a força actua é medido, pode-se determinar
a força média.
Se um impacto pára um objecto em movimento, a variação do momento é uma
quantidade fixa. Ao dilatarmos o tempo de colisão diminuimos o valor da força de
impacto. Aplicamos com frequência este princı́pio em muitas situações:
• quando caı́mos para o solo de uma certa altura normalmente dobramos os joelhos
de modo a aumentar o tempo de colisão e reduzindo a força de impacto;
• os automóveis são projectados para serem destruı́dos durante a colisão, aumen-
tando o tempo de colisão e reduzindo a força de impacto.

13.1.1 Colisões

Chama-se choque ou colisão ao fenómeno durante o qual a velocidade de um corpo


sofre uma variação finita num intervalo de tempo ∆t muito curto. Como já referi-
mos, as forças que actuam sobre os corpos são forças de percussão e o intervalo de
tempo ∆t é o tempo de impacto (ou tempo de choque).
13.1 Noção de impulso. Colisões 223

Iremos em seguida estudar as colisões entre objectos. Muitas vezes a conservação


do momento é suficiente, mas em geral temos que recorrer à equação de conservação
da energia.
Existem basicamente dois tipos de colisão:
Colisões elásticas 1) assume-se que as forças de interacção são conservativas; 2)
a energia cinética total antes e depois da colisão é a mesma; 3) o momento é
conservado.
Colisões inelásticas 1) o momento é conservado; 2) a energia cinética total depois

− →

da colisão é menor que antes da colisão ocorrer: P i = P f e Ki 6= K f .

13.1.2 Colisões elásticas

C OLIS ÕES EL ÁSTICAS : A energia total é conservada, assim como o momento linear
total.
Começamos por analisar o caso a 1 dimensão. Assumimos que as partı́culas
movem-se com velocidade → −v1e→ −
v 2 antes da colisão, tendo após a colisão as ve-

− 0 →
− 0
locidades respectivas v 1 e v 2 . Se v > 0 a partı́cula move-se para a direita; se v < 0,
a partı́cula move-se para a esquerda.

− →

1) Conservação do momento: P i = P f

m1 →
− v 01 + m2 →
v 2 = m1 →
v 1 + m2 →
− − −
v 02 . (13.18)

2) Conservação da energia: Ki = K f

1 1 1 1
m1 v21 + m2 v22 = m1 v02 02
1 + m2 v2 (13.19)
2 2 2 2
Temos 2 equações e 2 incógnitas: o problema está bem definido:

(v1 , v2 ) ⇒ (v01 , v02 ). (13.20)

Fig. 13.1 Colisões elásticas a 2-dim.

É conveniente reescrever a Eq. 13.18 na forma

m1 (→

v 1 −→

v 01 ) = m2 (→

v 02 − →

v 2) (13.21)

e a Eq. 13.19 na forma

m1 (→

v 21 − →

v 02 →
− 02 →−2
1 ) = m2 ( v 2 − v 2 ) (13.22)

Ao dividirmos a Eq. 13.22 pela Eq. 13.21 obtemos


224 13 Colisões. Continuação

v1 + v01 = v02 + v2 (13.23)

ou seja


v 1 −→

v 2 = −(→

v 01 − →

v 02 ). (13.24)
A velocidade relativa de duas partı́culas depois da colisão é o negativo da velocidade
relativa antes da colisão para qualquer colisão directa (ou central), quaisquer que
sejam as massas.
A impulsão de percussão que ocorre durante a colisão de dois corpos depende das
suas massas, das suas velocidades antes do choque e das propriedades elásticas que
se caracterizam por meio do chamado coeficiente de restituição, k. A razão da sua
existência é a seguinte: quando uma bola de massa M em movimento de translação
colide com o solo (suposto perfeitamente rı́gido) as velocidades das partı́culas que a
constituem, que no inı́cio têm um dado valor →−v , diminuem até zero. A bola começa
a deformar-se e toda a sua energia cinética inicial 21 Mv2 transforma-se em energia
potencial interna do corpo deformado. Em seguida, terminada esta fase, a energia
potencial elástica interna converte-se de novo em energia cinética de movimento das
partı́culas da bola, sendo agora →
−u a velocidade resultante do conjunto das partı́culas
1 2
e a sua energia 2 Mu . Porém, uma parte da energia mecânica total da bola não é re-
cuperada inteiramente pois foi usada em produzir deformações residuais, aumentar
a energia térmica da bola e na emissão de ondas acústicas, essencialmente. Então é
expectável que u seja inferior a v. No caso de um choque frontal de um corpo contra
outro corpo fixo (solo, por ex.), define-se o coeficiente de restituição k:
u
k= . (13.25)
v
A tabela 14.1 dá alguns valores de k para velocidades de choque da ordem de 3 m/s.

Table 13.1 Coeficientes de restituição para alguns materiais para velocidades da ordem de 3 m/s.
corpos em contacto k
madeira contra madeira 0.5
aço contra aço 5/9
marfim contra marfim 8/9
vidro contra vidro 15/16
bola de basquete 0.76

Se introduzirmos no sistema de equações anteriores o coeficiente de restituição


k, teremos
| v0 − v02 | v0 − v02
k= 1 =− 1 (13.26)
| v1 − v2 | v1 − v2
podendo nós então escrevermos a Eq. 13.24 na forma mais geral

v01 − v02 = −k(v1 − v2 ). (13.27)


13.1 Noção de impulso. Colisões 225

Podemos considerar dois casos limite.


1) Colisão perfeitamente inelástica (k = 0).
Das Eqs. 13.21- 13.27 obtemos
m1 v1 + m2 v2
v01 = v02 = (13.28)
m1 + m2
Após a colisão, as duas partı́culas movem-se com a mesma velocidade (que é a
velocidade do CM).
2) Colisão perfeitamente elástica (k = 1).
As duas Eqs. 13.21- 13.27 conduzem-nos ao resultado

v01 = v1 − m12m
+m2 (v1 − v2 )
2

0 2m1 (13.29)
v2 = v2 + m1 +m2 (v1 − v2 )

Analisemos seguidamente 2 casos particulares que se encontram com frequência:


a) Massas iguais, m1 = m2
As Eqs. 13.29 levam-nos a concluir que v01 = v2 e v02 = v1 , isto é as 2 partı́culas
trocam entre si as velocidades com que iam animadas.
Se a segunda partı́cula encontra-se em repouso inicialmente, → −v 2 = 0, e

v02 = v1
(13.30)
v01 = 0

A primeira partı́cula pára e a segunda move-se para a frente com a velocidade da


primeira.
b) Consideremos agora a situação das partı́culas terem massas diferentes, mas

−v 2 = 0.
A conservação do momento dá-nos

m1 v1 = m1 v01 + m2 v02 (13.31)

A Eq. 13.27, e atendendo a que k = 1, conduz-nos a

v1 = −v01 + v02 (13.32)

A resolução deste sistema de duas equações dá-nos


 
v02 = v1 m12m 1
+m 2
 (13.33)
1 −m2
v01 = v1 m m1 +m2

i) Se v2 = 0 e m1 = m2 obtemos o mesmo resultado encontrado no caso da alı́nea a).


ii) Se v2 = 0, e m1  m2 , situação semelhante ao embate de um objecto pesado
contra um objecto leve. Da Eq. 13.33, obtemos
226 13 Colisões. Continuação

v02 ≈ 2v1
(13.34)
v01 ≈ v1 .

Isto quer dizer que a velocidade da partı́cula pesada que colide não é substancial-
mente modificada, mas que a partı́cula de massa menor move-se para a frente com
praticamente o dobro da velocidade do objecto pesado.
iii) Se v2 = 0 e m1  m2 , a partı́cula leve que colide contra um objecto pesado,
então:
• v02 ∼ 0, v01 ∼ −v1 : o objecto pesado permanece praticamente em repouso;
• a partı́cula leve reverte a direcção do movimento e move-se com a velocidade
com que incidiu inicialmente.
c) Solução geral:

QuadroNegro 1
13.1 Noção de impulso. Colisões 227

A resolução das equações algébricas obtidas acima dão as velocidades das


partı́cula após o choque:
1 −m2 2m2
v01 = v1 m
m1 +m2 + v2 m1 +m2
m2 −m1 (13.35)
v02 = v1 m12m 1
+m2 + v2 m1 +m2 .

Neste exemplo aplicámos a Regra de Cramer 3 que dá a solução de um sistema


de equações lineares em termos de determinantes.
D ETERMINANTE : É uma função que associa a cada matriz quadrada um escalar.
Por exemplo, seja a matriz A:  
ab
(13.36)
cd
O seu determinante, det(A), é:
a b

c (13.37)
d
M ATRIZ : É uma tabela de (m × n) sı́mbolos sobre um corpo F. O sı́mbolo ai j
representa o (i,j)-ésimo elemento de A. Por exemplo,
 
a11 a12 a13
(13.38)
a21 a22 a23

é uma matriz de ordem (2 × 3), tendo 2 linhas e 3 colunas.




R EGRA DE C RAMER : Se A→ −x = b é um sistema de equações algébricas, então
a solução do sistema é:
| Aj |
xj = , (13.39)
|A|
onde A j é a matriz que se obtém da matriz A substituindo a coluna j pela coluna dos
termos independentes b (veja o exemplo anterior para ilustração).
Exemplo 4: Num choque frontal entre duas esferas sólidas, as velocidades antes
e após o choque encontram-se relacionadas pelas expressões:

v01 − v1 = −e(v1 − v2 ) (13.40)

onde 0 < e < 1 é o coeficiente de restituição.


a) Calcule v01 e v02 em função de v1 e v2 , m1 , m2 e e.

m1 v1 + m2 v2 = m1 v01 + m2 v02
−e(v1 − v2 ) = v01 − v02
∴ v01 = v1 (m1 −em2 )+m2 v2 (1+e) (13.41)
m1 +m2
m1 v1 (1+e)+v2 (m2 −m1 e)
v02 = m1 +m2

b) Calcule a variação da energia cinética do sistema ∆ K = K f − Ki .

3 Gabriel Cramer (1704 - 1752), matemático suı́ço,nascido em Genebra.


228 13 Colisões. Continuação

2∆ K = m2 v02 02 2
2 + m1 v1 − (m1 v1 + m2 v2 )
2
02 2 02
= m2 (v2 − v2 ) + m1 (v1 − v1 ) 2 (13.42)
= m2 (v02 − v2 )(v02 + v2 ) + m1 (v01 − v1 )(v01 + v1 )
Como verifica-se a conservação do momento linear:

m2 (v02 − v2 ) = −m1 (v01 − v1 ) (13.43)

podemos modificar a Eq. 13.42:

2∆ K = m1 (v01 − v1 )[v1 − v2 − e(v1 − v2 )]


(13.44)
= m1 (v1 − v2 )(1 − e)(v01 − v1 )

Embora com cálculos algebraicamente morosos, podemos usar a Eq. 13.41

m2 (1 + e)(v2 − v1 )
v01 − v1 =
m1 + m2
obtendo-se finalmente a expressão pedida:
1 m1 m2
∆K = − (1 − e2 )(v1 − v2 )2 . (13.45)
2 m1 + m2
Exemplo 5: Colisão perfeitamente inelástica a 1-dim.
Duas partı́culas de massas m1 e m2 movem-se com velocidades → −
v 1i e →−
v 2i ao
longo de uma recta (Vd. Fig. 13.2). Elas colidem e ficam coladas uma à outra com
velocidade final →

v f após colisão.
O momento total conserva-se:

− →

Pi = P f (13.46)

obtendo-se sucessivamente
v 1i + m2 →
m1 →
− −
v 2i = (m1 + m2 )→ −
vf

− m1 →
−v 1i +m2 →

v 2i (13.47)
vf= m1 +m2

m1 →

Exemplo 6: Considere o corpo 2 em repouso, →

v 2i = 0. Então, →

vf= v 1i
m1 +m2 . As
energias cinéticas respectivas são:

Ki = 12 m1 v21i
m21 v21i
K f = 12 (m1 + m2 ) (m 2 (13.48)
1 +m2 )
Kf m1
Ki = m1 +m2 < 1.

Neste tipo de colisões a energia cinética final é sempre inferior à energia cinética
inicial. Nas colisões perfeitamente inelásticas a energia cinética dos corpos tem a
sua perda máxima. A variação da energia cinética é dada por
13.1 Noção de impulso. Colisões 229

1 1
Ki − K f = m1 (v1i − v f )2 + m2 (v2i − v f )2 . (13.49)
2 2
Se →

v 2i = 0, então:
m1
Kf = Ki (13.50)
m1 + m2

Fig. 13.2 Choque perfeitamente inelástico.

Vejamos dois exemplos de grande interesse prático:


Exemplo 7: m1  m2 : Neste caso pode admitir-se que m1 + m2 ≈ m1 e a
Eq. 13.50 conduz a K f ≈ Ki . Isto significa que a perda de energia cinética é in-
significante e após o choque o conjunto mecânico desloca-se com sensivelmente a
mesma energia cinética que possuı́a no inı́cio do choque. É o que se procura fazer
ao meter pregos, estacas, usando martelos com uma massa muito maior que a do
martelo.
Exemplo 8: m2  m1 : neste caso tem-se K f ≈ 0, usando-se a energia cinética
para deformar os corpos que chocam. Na prática, tal acontece durante a forjadura,
rebitagem, em que a massa da peça a forjar e da bigorna (ou a massa do rebite e seu
suporte) é muito maior do que a massa do martelo.

Fig. 13.3 (a): meter pregos; (b): martelo e bigorna.

Exemplo 9: Colisão elástica directa (ou central) a 1-dim.


O choque de dois corpos diz-se directo ou central quando a normal comum às
superfı́cies dos corpos no ponto de contacto passa pelos seus centros de massa e as
velocidades dos CM’s no inı́cio da colisão têm a direção desta normal comum.
Conservação do momento:

(5kg)(2m/s) + (3kg)(−2m/s) = 5vA2 + 3vB2


(13.51)
5vA2 + 3vB2 = 4m/s

A colisão é completamente elástica:

vB2 − vA2 = −(vB1 − vA1 )


(13.52)
= −(−2 − 2) = 4m/s.

Resolvendo:
vA2 = −1m/s
(13.53)
vB2 = 3m/s.
As energias cinética são as seguintes:
230 13 Colisões. Continuação

Ki = 12 mA v2A1 + 21 mB v2B1 = 21 × 5 × 22 + 12 × 3 × 22 = 16J


K f = 21 mA v2A2 + 12 mB v2B2 = 21 × 5 × 12 + 12 × 3 × 32 = 16J (13.54)
∴ Ki = K f

Exemplo 10: Deixa-se cair uma bola sem velocidade inicial de uma altura h0
acima de uma superfı́cie horizontal. A bola toca o plano com uma velocidade v0 ,
ressalta e parte para cima com uma velocidade v1 = ev0 (e denota o coeficiente de
restituição). Estude a sucessão dos ressaltos.
O choque da bola sobre o plano é acompanhado pela dissipação da energia
cinética:
mv21 < mv20 ⇒ e < 1. (13.55)
Vamos admitir que a velocidade (em valor absoluto) após o salto n á dada por:

vn = evn−1 (13.56)

A energia cinética Kn = mv2n /2 converte-se em energia potencial gravı́tica:

1
mghn = mv2n , (13.57)
2
obtendo-se em seguida
hn v2n
hn−1 = v2n−1
= e2
(13.58)
∴ hn = hn−1 e2
ou seja, temos a seguinte sucessão das alturas máximas sucessivas atingidas pela
bola:
h0
h1 = h0 e2
h2 = h0 e4 (13.59)
...,
hn = h0 e2n .
A bola reparte para o alto com uma velocidade vn após o salto n, segundo a lei

v = vn − gt (13.60)

atingindo o máximo de altura no instante t = vn /g, isto é, a duração do salto n é


vn
θn = 2 (13.61)
g
√ √
e como vn = 2ghn = 2gh0 en , obtém-se
s
2h0 n
θn = 2 e . (13.62)
g

A duração total dos ressaltos determina-se somando o total:


13.1 Noção de impulso. Colisões 231
q q
τ = 2 2hg0 ∑n=∞ n
n=1 e = 2
2h0
e(1 + e + e2 + ... + en + ...)
qg (13.63)
τ = 2 2hg0 1−e
e
.

Esta análise do problema mosta-nos que a duração de cada ressalto diminui à medida
que n aumenta fazendo que no final a duração total dos ressaltos tenha um valor
finito igual a τ.

13.1.3 Colisões elásticas a 2-dim

Assumiremos que a partı́cula alvo está inicialmente em repouso, →−


v 2 = 0. A partı́cula
incidente e a partı́cula difundida definem um plano comum e o problema é bi-
dimensional.
As partı́culas podem colidir devido a serem atraı́das uma para a outra por ação
de forças interactivas.
A Fig. 13.4 representa o esquema da colisão elástica entre duas partı́culas.

Fig. 13.4 Esquema da colisão elástica a 2-dim entre duas partı́culas.

QuadroNegro 2
232 13 Colisões. Continuação

Exemplo 11: Colisão elástica a 2-dim.


Considere a col. elástica entre duas massas:
mA = 5kg vA1 = 4m/s
mB = 3kg vB1 = 0

Assuma que após a colisão, vA2 = 2 m/s. Determine VB2 , θ e φ .


Como a colisão é elástica Ki = K f :
1
2 (5kg)(4m/s)
2 = 12 (5kg)(2m/s)2 + 12 (3kg)v2B2
(13.64)
∴ vB2 = 4.47m/s

A conservação das componentes em Ox e Oy do momento dá:

(5kg)(4m/s) = (5kg)(2m/s) cos θ + (3kg)(4.47m/s) cos φ


(13.65)
0 = (5kg)(2m/s) sin θ − (3kg)(4.47m/s) sin φ

Resolve-se as 2 equações anteriores para cos φ e sin φ , elevam-se ao quadrado ambas


as expressões (porque sin2 φ + cos2 φ = 1) e obtém-se θ = 36.9o e φ = 26.6o .
Exemplo 12: Pêndulo balı́stico.
O pêndulo balı́stico é um método usado com frequência para determinação da
rapidez de um projéctil.
Tem-se:
• Bala: massa m e rapidez v1 (inicialmente)
• Bloco: massa M  m e rapidez inicial nula.
Depois da colisão, a massa (m + M) move-se conjuntamente até à altura h.
Estuda-se a colisão em 2 fases:
• i) a bala colide com o bloco e fica aı́ bloqueada;
• ii) o conjunto bloco + bala move-se até a uma altura máxima h.
Assume-se que durante a colisão as seguintes condições são observadas:
• a duração da colisão é curta;
• o bloco não se move durante a colisão;
• durante a colisão não se exerce alguma força externa e a colisão é perfeitamente
inelástica e o momento é conservado;
• a velocidade após a colisão é dada por mv1 = (m + M)v f
Após a colisão:
• o conjunto m + M tem energia cinética;
• a energia mecânica total é conservada;
• K à altura h é transformada em energia potencial do bloco e da bala à altura h.

1 2
2 (m + M)v f =√(m + M)gh
∴ v f = 2gh (13.66)

⇒ v1 = (m+M)
m 2gh
13.1 Noção de impulso. Colisões 233

Quanto aos valores da energia verifica-se o seguinte:

Fig. 13.5 Pêndulo balı́stico.

2
Ki = 12 mv21 = 21 m (m+M)
m2
2gh
1 2 1
K f = 2 (m + M)v f = 2 (m + M)2gh (13.67)
Kf m
Ki = m+M 1

A maior parte da energia cinética é perdida. Newton compreendeu que a energia


cinética não se convserva neste problema, pois que a energia tem muitas formas e
pode ser convertida de uma forma de energia para outras formas que existem po-
tencialmente, tais como calor, luz, som, electromagnética,... Newton compreendeu
que se usarmos a conservação do momento linear obteremos a resposta certa do
problema, pois que o momento linear não é convertı́vel noutra forma.
Podemos igualmente fazer uma estimativa da duração da colisão. Assumimos
que a bala desacelera uniformemente ao longo de uma distância 0.10 m, tendo uma
velocidade inicial v1 = 300 m/s.

v2f − v2o = 2as


2 2 (13.68)
a = − v2so = − 2×0.10
300

Mas como
v f = vo + at (13.69)
deduz-se que
vo
= 6.7 × 10−4 s,
t ∼− (13.70)
a
q é bemqinferior em várias ordens de grandeza ao perı́odo do pêndulo T =
o que
2π Lg = 2π 1.14
9.81 = 2.14 s, t  T .

13.1.4 Colisões inelásticas

C OLIS ÕES INEL ÁSTICAS : As colisões que não conservam a energia cinética são di-
tas colisões inelásticas. Parte da energia cinética é absorvida pelos corpos e conver-
tida noutras formas de energia (térmica, sonora,...). A colisão inelástica acompanha-
se sempre de uma diminuição da energia cinética do movimento macroscópico.
C OLIS ÃO TOTALMENTE INEL ÁSTICA : No caso em que a energia cinética ab-
sorvida atinge o valor máximo permitido pela conservação do momento, a co-
lisão é chamada totalmente inelástica. Os dois corpos após a colisão unem-se
comportando-se como um só corpo sólido.
234 13 Colisões. Continuação

Assume-se que a energia interna é nula, Kint = 0, só restando a energia cinética
do CM.
Na realidade grande parte das colisões são inelásticas até certo ponto. A resolução
dos problemas que envolvem colisões inelásticas são muito dificeis porque é necessário
saber qual a quantidade de energia que foi perdida.
Os problemas mais simples são aqueles que envolvem colisões totalmente inelásticas.
A consideração da conservação do momento é suficiente.
Exemplo 13: Colisão totalmente inelástica a 2-dim.
Sabemos que o momento linear é sempre conservado na ausência de forças ex-

− →

ternas, P i = P f .
Temos assim
m1 v1 = (m1 + m2 )v cos θ (a)
(13.71)
m2 v2 = (m1 + m2 )v sin θ (b)
Dividindo a Eq. 13.71-(b) pela Eq. 13.71-(b), obtemos
m2 v 2
tan θ = (13.72)
m1 v1
Da Eq. 13.71-(b) resulta
m2 v2
v= . (13.73)
m1 + m2 sin θ
Sejam:
m1 = 70kg, v1 = 2m/s
m2 = 50kg v2 = 3m/s
donde se obtém
50 × 3 50 3
tan θ = ⇒ θ = 47o ⇒ v = = 1.71m/s. (13.74)
70 × 2 50 + 70 sin 47o

Ki = 21 m1 v21 + 21 m2 v22 = 12 70 × 22 + 21 50 × 32 = 365J


(13.75)
K f = 12 (m1 + m2 )v2 = 21 (50 + 70)1.712 = 175.5J.
Como vimos, perde-se energia cinética numa colisão totalmente inelástica.
Exemplo 14: Um protão de massa m p animado com a velocidade → −
v 0 colide com
um átomo de hélio, de massa 4m p , que está inicialmente em repouso. A direcção em
que o protão deixa o ponto de impacto faz um ângulo de 45o com a direcção inicial.
Veja a Fig. 13.6.
a) Supondo que a colisão é perfeitamente elástica, quais são as velocidades finais
de cada uma das partı́culas? Em que direcção move-se o átomo de hélio? Faça o
cálculo no referencial do laboratório.

Fig. 13.6 Choque de um protão com um átomo de hélio no referencial do laboratório.

A colisão é elástica, logo verificam-se as seguintes leis de conservação:


13.1 Noção de impulso. Colisões 235

1. conservação do momento linear;


2. conservação da energia cinética.
1) Conservação do momento linear:

QuadroNegro 3

2) Conservação da energia cinética:


Temos
1 1 1
m p v20 = m p v2 + (4m p )V 2 (13.76)
2 2 2
236 13 Colisões. Continuação

ou seja
v20 = v2 + 4V 2 (13.77)
Na alı́nea anterior obtivemos as componentes da velocidade do átomo de hélio após
a colisão. Podemos ver então que temos
√ !2 √ !2
v0 2 2
V 2 = Vx2 +Vy2 = − v + v (13.78)
4 8 8

O desenvolvimento do cálculo leva-nos sucessivamente num cálculo algébrico


monótono a √
v2
V 2 = 160 + 64 v − 2322 v0 v + 64
2 2 2 2
v
v20 2
√ (13.79)
v 2
= 16 + 16 − 16 v0 v.
Portanto, conclui-se que

v20 v2 2
v20 2
= v + + − v0 v . (13.80)
4 4 4
Daqui obtém-se a equação quadrática:

5v2 − 2v0 v − 3v20 = 0, (13.81)

cujas soluções são:


v = 0.9288v0
(13.82)
v = −0.646v0 .
A última solução é descartada, pois que o protão não recua (como é suposto no
enunciado do problema).
Podem-se obter agora as componentes da velocidade do átomo de hélio após a
colisão: √
Vx = v40 −
√ 8
2
v = 0.0858v0
2
(13.83)
Vy = 8 v = 0.164v0 .
O ângulo θ pode agora ser calculado:
Vy
tan θ = = 1.911 ⇒ θ = 62o , 38. (13.84)
Vx
assim como o módulo da velocidade
q
V = Vx2 +Vy2 = 0.185v0 . (13.85)

b) Calcule o ângulo de difusão do protão no referencial do centro de massa.


Designemos por
• θ - ângulo de difusão no referencial do laboratório: LAB
• Θ - ângulo de difusão no referencial do centro de massa: CM
13.1 Noção de impulso. Colisões 237

Usemos a Eq. já introduzida em Secção anterior:

sinΘ
tan φ = ,
γ + cosΘ

onde γ ≡ m1 /m2 .
QuadroNegro 4

c) Sabendo que a colisão é inelástica e que tem um Q igual a 1/4 da energia


inicial do protão, determine as velocidades finais de cada uma das partı́culas e a
direcção em que se move o átomo de hélio. Calcule o ângulo de difusão do protão
no referencial do CM.
Sabe-se inicialmente que Q = 41 K pi . Escrevemos em seguida a equação da con-
servacão do momento linear:


mp→

v 0 = mp→

v + 4m p V . (13.86)

Projectando em Ox e Oy, obtém-se:


238 13 Colisões. Continuação

v0 = v√22 + 4Vx ,
(13.87)
0 = v 22 − 4Vy .

donde se obtém √
Vx = v40 −
√ 8
2
v
2
(13.88)
Vy = 8 v
A equação do balanço energético é:

QuadroNegro 5

Da Eq. da conservação da energia tinhamos obtido



2 2 v20 v2 2
V = Vx +Vy = + − v0 v. (13.89)
16 16 16
As Eqs. obtidas anteriormente levam-nos à sucessão do seguinte cálculo algébrico:
3 2 2 2
4 v0 = v + 4V √
2
3 2 2 v0 v2 2
4 v0 = v + 4 + √4 − 4 v0 v
1 2 5 − 2 (13.90)
2 v0 = 4 v √ 4 v0 v
v0 =√2 v − 22 v0 v
2 5 2

∴ 5v2 − 2v0 v − 2v20 = 0

Esta última Eq. quadrática resolve-se facilmente, obtendo-se duas soluções:

v = 0.789v0 , v = −0.507v0 . (13.91)


13.1 Noção de impulso. Colisões 239

A segunda solução negativa não nos interessa porque o protão não recua, tal como
o mostra a Fig. 13.6. Resta-nos então v = 0.789v0 e pode-se agora obter as compo-
nentes em Ox e Oy da velocidade do átomo de hélio:

Vx = v40 −√ 82 v = 0.1105v0 ,
Vy = 82 v = 0.139v0 .

O ângulo φ determina-se facilmente:


Vy
tan φ = = 1.258 ⇒ θ = 510 , 52.
Vx
A relação entre φ e Θ já vimos que é dada pela expressão:

sinΘ
tan φ =
γ + cosΘ

Quando a colisão é inelástica, a equação precedente permanece válida, porém deve-


se substituir o γ = m1 /m2 pelo novo γ:

m1 −1/2
  
m1 Q
γ= 1− 1+ . (13.92)
m2 K1i m2

Neste caso γ = 0.3015, sabendo que o protão faz um ângulo de difusão de 450 com
a direcção incidente, tem-se
sinΘ
1 = 0.3015+cosΘ
0.3015 + cosΘ = sinΘ
0.3015 = sinΘ − cosΘ
0.0909 = sin2 Θ + cos2 Θ − 2 sinΘ . cosΘ = 1 − sin 2Θ (13.93)
sin 2Θ = 0.9091
2Θ = 65o , 38
Θ = 32o , 69

13.1.5 Colisões. Sumário

13.1.5.1 Condições

Um evento é considerado uma colisão se ∆t  ∆ T :


• pode-se distinguir o tempo antes, durante e depois da colisão;
• ∆t tempo de colisão;
• ∆ T tempo de observação.
Um evento é uma colisão se | I ext || Icoll |: o impulso das forças externas pode ser
desprezado e o momento é conservado.
240 13 Colisões. Continuação

13.1.5.2 Classificação das colisões

• Elástica - K é conservado;
• Inelástico - K não é conservado;
• Completamente inelástica - as partı́culas colam-se uma à outra após a colisão.

13.1.5.3 Notação

• m1 e m2 - massas das partı́culas;


• v1i , v2i - velocidades iniciais das partı́culas 1,2 (antes da colisão)
• v1 f , v2 f - velocidades finais das partı́culas 1,2 (após a colisão)

13.1.5.4 Equações

Conservação do momento - válido para todas as colisões:

m1 →

v 1i + m2 →

v 2i = m1 →

v 1 f + m2 →

v 2f . (13.94)

Conservação da energia cinética - válido somente para as colisões elásticas:


1 1 1 1
m1 v21i + m2 v22i = m1 v21 f + m2 v22 f (13.95)
2 2 2 2
E XPERI ÊNCIA : Determine experimentalmente o centro de gravidade de um
cartão plano.
Pode fazê-lo por meio do seguinte procedimento: Faça dois orifı́cios A e B junto
às extremidades e suspenda o cartão com uma agulha de tricot do orifı́cio A. Pendure
na agulha um fio de prumo que tenha sido esfregado com cal. Dedilhe o fio para que
este deixe a marca sobre o cartão. Repita o processo usando outro orifı́cio B. A
intersecção dos traços dá-se no centro de gravidade do cartão (Fig. 13.7).

Fig. 13.7 Método para determinação do centro de gravidade de um objecto.

Este foi o método usado por Arquimedes na demonstração do princı́pio da ala-


vanca. O Princı́pio do Centro da Gravidade é na verdade o Princı́pio da Alavanca na
sua forma mais geral.

13.1.6 Exercı́cio suplementar de revisão

Exercı́cio 1: Desprezando a resistência do atrito e do ar, determinar o tempo


necessário para que um trem atravesse um túnel cavado através da Terra, por ex-
13.1 Noção de impulso. Colisões 241

emplo a corda AB tal como é mostrada na Fig. 13.8. O trem entra no ponto A e sai
no ponto B. Suponha que o raio da Terra é RT = 6370 km.
Vamos começar por supor que o trem parte de A onde x = a (atendendo à nossa
colocação da origem das coordenadas em O) com velocidade inicial nula, vo = 0. Na

− → −
posição arbitrária em que estáo trem, ele é actuado pelas forças F e N . Projectando
no eixo Ox, tem-se:

GMT m GMT m d2x


∑ Fxext = − r 2
cos α = −
r 3
r cos α = m 2 .
dt
(13.96)

Mas depreende-se da Fig. 13.8 que x = r cos α e na proximidade da superfı́cie ter-


restre podemos admitir, em primeira aproximação, que r ≈ R. Podemos obter assim
uma equação com resolução analı́tica simples:
mg 2
∑ Fxext = − R x = m ddt 2x
(13.97)
∴ vx dv 2
dt = −k x.
x

Nesta última equação pusemos k2 = g/R, onde g = GMT /R2 representa a aceleração
da gravidade.

Fig. 13.8 Trem atravessando túnel cavado na Terra.

É claro que reconhecemos de imediato a equação diferencial de segunda ordem


do movimento harmónico simples, cuja solução é do tipo x = a cos kt. Mas podemos
fazer de conta que não o sabemos e iremos procurar a solução pelo processo mais
elaborado. Temos assim
vx dvx = −k2 xdx
R R
2 2 (13.98)
∴ v2x = −k2 x2 +C1
Mas sabemos que as condições iniciais são: x(t = 0) = ae vx (t = 0) = 0. Obtém-se
assim C1 = 12 k2 a2 .
Substituindo C1 na equação precedente tem-se
p
vx = ±k a2 − x2 (13.99)

Como supomos que na posição onde considerámos estar o trem a velocidade vai de
m para O, escolhemos o sinal negativo, vx < 0. Portanto temos

dx p
= −k a2 − x2 (13.100)
dt
Separando as variáveis (pelo método da separação das variáveis), temos também

dx
kdt = − √ . (13.101)
a2 − x2
242 13 Colisões. Continuação

Integrando esta equação vem

kt = arccos ax +C2
(13.102)
∴ x(t) = a cos kt

pois que de x(t = 0) = a obtemos sem dificuldade C2 = 0. p


O trem no túnel efec-
tua um movimento harmónico com frequência angular
q ω = g/R. O tempo que o
trem leva a percorrer o túnel de A para B é t1 = π Rg ≈ 42 minutos. Qual será a
velocidade máxima que o trm pode atingir em O?
s
R
vmax = ka = a = 1422km/h (13.103)
g

Apesar da complexidade técnica do problema, existem projectos que visam utilizar


este processo como meio de transporte.
Chapter 14
Cinemática do Corpo Rı́gido

“People say to me, ”Are you looking for the ultimate laws of physics?” No, I’m not... If it
turns out there is a simple ultimate law which explains everything, so be it that would be
very nice to discover. If it turns out it’s like an onion with millions of layers... then that’s the
way it is”.

- Richard Feynman.

14.1 Cinemática do corpo rı́gido

Na vida real os objectos não são pontuais mas apresentam uma distribuição de
massa, além de terem dimensões e forma.
Como já vimos, no movimento dos objectos reais podemos distinguir:
• o movimento de translação do CM;
• o movimento rotacional em torno de um eixo, que frequentemente passa pelo
CM, ou algum outro eixo fixo.
Neste capı́tulo discutiremos o movimento do corpo rı́gido.
C ORPO R ÍGIDO : Entende-se por corpo rı́gido um objecto no qual as coordenadas
relativas que ligam todas as partı́culas constituintes permanecem constantes.
Trata-se de uma idealização, como é evidente, mas que permite aceder aos as-
pectos fenomenológicos fundamentais do problema. Iremos tratar em geral objectos
familiares tais como: a roda volteando em torno do eixo principal; o eixo cilindrico;
a mó; o pêndulo.

14.1.1 Rotação em torno de um eixo fixo

Começaremos este estudo com o movimento de um corpo rı́gido em torno de um


eixo fixo num referencial de inércia.

243
244 14 Cinemática do Corpo Rı́gido

Consideremos o movimento em torno do eixo Oz. O ponto de referência P que


se encontra fora do eixo (tal como o mostra a Fig. 14.1) representa o movimento
rotacional do corpo e a sua posição angular.

Fig. 14.1 Rotação de um corpo rı́gido em torno de um eixo fixo (eixo Oz).

Dado um determinado ponto P sobre o sólido, a sua velocidade angular é medido


pelo ângulo φ varrido na unidade de tempo pelo vector posição →
−r e o eixo Ox. A
velocidade angular é o número de radianos descritos por segundo e representa-se
pela letra Grega ω (lê-se omega).
A partı́cula move-se num cı́rculo desde o eixo positivo Ox (φ = 0) até ao ponto
P, ao longo do arco de comprimento

s = Rφ . (14.1)

Recordamos aqui que faz-se a conversão de ângulos de graus para radianos 1 através
da regra
π
φ (rad) = φ (graus). (14.2)
180
C ONVENÇ ÃO : Por convenção, φ é positivo quando roda no sentido anti-horário
e φ = 0 sobre o eixo positivo do Ox, e φ = 2π quando se dá uma volta completa até
ao eixo Ox de novo. φ não é um vector (a operação de rotação não é comutativa),

− →

mas d φ = dφ k que representa uma rotação infinitesimal, é um vector.
O movimento rotacional de um corpo é descrito pela taxa de variação de φ . Em
geral, a posição é uma função do tempo:

φ = φ (t). (14.3)

Suponha que a partı́cula move-se de P para Q. A linha de referência OP faz um


ângulo φ1 no instante de tempo t1 e um ângulo φ2 no instante de tempo t2 . Define-se
a velocidade média angular do corpo, ω, no intervalo de tempo ∆t = t2 − t1 , pelo
rácio do deslocamento angular ∆ φ = φ2 − φ1 por ∆t:

φ2 − φ1 ∆φ
ω= = , (14.4)
t2 − t1 ∆t

que se expressa em unidades de rad/s, ou s−1 (vd. Fig. 14.3).

Fig. 14.2 Ponto de referência P descrevendo um arco de circunferência s = Rφ .

1 Um radiano é igual a 57.296o , e é o ângulo subtendido no centro de um arco de circunferência

cujo comprimento é igual ao raio. A circunferência de um cı́rculo de raio r é 2πr. A rapidez de


rotação é medido com frequência em revoluções por minuto.
14.1 Cinemática do corpo rı́gido 245


Denotemos por k o vector unitário orientado ao longo do eixo de rotação (eixo
Oz). →

ω orienta-se ao longo do eixo de rotação, aplicando-se a convenção da regra-
da-mão-direita.
Tal como fizemos para a velocidade angular, podemos aqui igualmente definir
a velocidade angular instantânea, definida como o limite para que tende o rácio
∆ φ /∆t quando ∆t → 0:


− ∆φ dφ →

ω = lim = k (rad.s−1 ). (14.5)
∆t→0 ∆t dt

Fig. 14.3 Uma partı́cula num objecto rı́gido move-se de P para Q ao longo de um arco de cı́rculo.
No intervalo de tempo ∆t = t2 − t1 , o vector posição varre um ângulo ∆ φ = φ2 − φ1 .

Se a velocidade angular ω for constante, põem-se:

ω = ωo . (14.6)

Recordamos que a taxa de rotação é dada em número de rotações 2 por unidade de


tempo.
O tempo de uma revolução, ou perı́odo, define-se como

T= (s), (14.7)
ωo
e a frequência de revolução define-se como
1 ωo
ν= = (Hz). (14.8)
T 2π
Quando a velocidade angular do corpo varia com o tempo, diz-se que ele possui uma
aceleração angular. Se as velocidades angulares do corpo são ω1 e ω2 em instantes
sucessivos t1 e t2 , a aceleração angular média é:

ω2 − ω1 ∆ω
α= = . (14.9)
t2 − t1 ∆t
A aceleração instantânea define-se como o limite do rácio quando ∆t → 0:


− ∆ω d→
−ω −2
α = lim = (s ). (14.10)
∆t→0 ∆t dt
Visto que ω = dφ /dt, é válida a seguinte relação:



− d2 φ
α = . (14.11)
dt 2
2 Ou revoluções, ou voltas, ou ciclos
246 14 Cinemática do Corpo Rı́gido

Na rotação em torno de um eixo fixo cada partı́cula do corpo rı́gido possui a mesma
velocidade angular e a mesma aceleração angular.
A direção de → −
α é ao longo do mesmo eixo que → −
ω . Se o eixo de rotação varia


então α não coincide com ω . →

R EGRA DA M ÃO DIREITA : A regra da mão direita permite conhecer a orientação
de ambos os vectores. Quando os dedos da mão direita enrolam-se ao longo da
direção de rotação, então →

ω aponta ao longo do polegar (Vd. Fig. 14.4-(a)).
A direção de α está relacionada com d →

− −
ω /dt:


• ddtω > 0: → −α tem o mesmo sentido que → −ω.
dω→
− →
− →

• dt < 0: α tem o sentido oposto a ω .

Fig. 14.4 Regra da mão direita para o sentido de α e ω.

14.1.2 Movimento rotacional com aceleração angular constante

Vamos assumir que o movimento faz-se em torno de um eixo. Iremos ignorar por
agora a notação vectorial na medida em que nos basta os sinais das grandezas fı́sicas
para determinarmos a direcção. As conclusões que iremos alcançar são válidas
mesmo se o eixo se encontra em movimento de translação. Da aceleração angular:


= α, (14.12)
dt
intgrando, obtém-se: R R
dω = αdt,
(14.13)
ω = αt +C.
A constante de integração C é determinada a partir das condições iniciais, ω =
ωo (t = 0) ⇒ C = ωo . Ou seja:

ω = ωo + αt, (14.14)

ou ainda:

QuadroNegro 1
14.1 Cinemática do corpo rı́gido 247

Table 14.1 Comparação entre o movimento com aceleração linear constante e com aceleração
angular constante.
movimento com aceleração linear constante movimento com aceleração angular constante
a = constante α = constante
v = vo + at ω = ωo + αt
x = xo + vot + 12 at 2 φ = φo + ωot + 12 αt 2
v2 = v2o + 2a(x − xo ) ω 2 = ωo2 + 2α(φ − φo )

14.1.3 Relação entre a velocidade e aceleração angular e linear

Quando um corpo rı́gido roda em torno de um eixo fixo, cada partı́cula do corpo
move-se num cı́rculo em torno do eixo de rotação.
Considere um ponto P em movimento circular. O vector velocidade linear é tan-
gente ao cı́rculo. O módulo é ds/dt, onde s é a distância percorrida ao longo do
percurso circular:
s = rφ

v = dsdt = r dt
(14.15)
v = rω
A rapidez da partı́cula é directamente proporcional à distância do eixo de rotação;
quanto mais distante do eixo maior é a sua velocidade.
Podemos relacionar a aceleração do ponto P com a aceleração angular do corpo
rı́gido em torno de um eixo fixo. Toma-se a derivada de v em ordem ao tempo:

dv dω
at = ak = =r = rα. (14.16)
dt dt
Esta é a componente tangencial (paralela) da aceleração linear de um ponto à
distância r do eixo de rotação. Mede a taxa de variação da rapidez da partı́cula.
Atendendo a que a partı́cula move-se num cı́rculo, já vimos que ela deve ter
uma componente centrı́peta (ou radial) da aceleração que resulta da sua mudança de
direcção:
v2
ar = a⊥ = = rω 2 . (14.17)
r
A aceleração linear total da partı́cula é →

a:


a =→ − →

t+ ar
a√
p (14.18)
a = at + ar = r α + ω 4 (m/s2 ).
2 2 2
248 14 Cinemática do Corpo Rı́gido

14.1.4 Energia cinética rotacional

Consideremos um corpo rı́gido composto por uma colecção de N partı́culas. A en-


ergia cinética do conjunto é a soma das energias cinéticas individuais de cada uma
das partı́culas:
N
1
K = ∑ mi v2i . (14.19)
i=1 2

Cada i-ésima partı́cula descreve um movimento circular em torno do eixo de rotação


Oz tendo como velocidade linear vi = ri ω. No total, temos:

K = ∑Ni=1 12 mi ri2 ω 2 ,
(14.20)
K = 12 Iω 2 .

onde I é dado por:


I = ∑ mi ri2 . (14.21)
i

I define o momento de inércia do conjunto completo de partı́culas em relação a um


dado eixo de rotação (ou eixo de simetria). No sistema SI a unidade fı́sica de I é o
kg.m2 .
A palavra momento é usada no sentido de “importância” ou “consequência”.
Chamamos a atenção para o significado da palavra “momento” para que ela rep-
resente uma ideia e não tão só uma mera quantidade fı́sica. Assim, quando se diz
“o momento da força em torno de um eixo”, quer-se dizer qual é a importância da
força no que diz respeito à capacidade dessa força em pôr o corpo em rotação. O
momento de inércia de um corpo em relação a um eixo significa a importância da
inércia desse corpo quando se procura rodá-lo em torno desse eixo.
Chamamos agora a atenção para os seguintes dois conceitos diferentes, porém
análogos:
ω, I resistência-ao-movimento-rotacional
(14.22)
v, m resistência-ao-movimento-linear
Exemplo 1: Um gira-discos roda à velocidade de 33 rev/mn e leva 20 s para
parar. a) Assumindo que a velocidade angular é uniforme, determine o seu valor?

ωo = (33rev/min)(2πrad/rev)(1min/60s) = 3.46rad/s
ω = ωo αt
(14.23)
ω(t = 20s) = 0
∴ α = ω−ω
t
o
= 0−3.46 2
20 = −0.173rad/s .
O sinal negativo significa que o disco está em desaceleração.
Repare no procedimento da conversão em cadeia de modo a expressar a grandeza
fı́sica na unidade que nos interessa. Na conversão em cadeia multiplica-se a medida
original por um factor de conversão. Por exemplo, 1 min/60 s=1. Assim, se mul-
tiplicarmos a grandeza pela unidade não modificamos não modificamos o valor da
grandeza.
14.1 Cinemática do corpo rı́gido 249

b) Quantas rotações são dadas até o disco ficar em repouso?

∆ φ = φ − φo = ωot + 12 αt 2
= 3.46(20) − 21 (0.173)202
(14.24)
= 34.6rad
= 34.6
2π = 5.51rev.
c) Determine a aceleração de um ponto à distância de r = 14 cm do centro no
instante t = 0.

at = rα = 14cm(0.173rad/s2 ) = 2.42cm/s2
ac = rωo2√= 14cm(3.46rad/s)2 = 168cm/s2 (14.25)
a = 2.422 + 1682 = 168.0cm/s2 .
Velocidade desse ponto no instante t = 0 é:

v = rωo = 14cm × 3.46rad/s


(14.26)
= 48.4cm/s.

Exemplo 2: Calcule a energia cinética duma roda cilı́ndrica de massa M que rola
sem deslizar. Sabe-se que o momento de inércia do cilindro em relação ao eixo que
passa pelo CM é Iz = MR2 /2.

QuadroNegro 2

Exemplo 3: Conjunto de quatro partı́culas em rotação.


Considere 4 partı́culas ligadas a uma estrutura muito leve e assente no plano
OXY, tal como está ilustrado na Fig. 14.5.

Fig. 14.5 Quatro partı́culas em rotação.


250 14 Cinemática do Corpo Rı́gido

a) Determine o momento de inércia em torno do eixo Oy e a sua energia cinética,


supondo que a velocidade angular do conjunto é ω.
b) Determine o momento de inércia e a energia cinética de rotação em torno do
eixo Oz, perpendicular ao plano XY.

QuadroNegro 3
Chapter 15
Momentos de Inércia

“No intelligent idea can gain general acceptance unless some stupidity is mixed in with it.”

- Fernando Pessoa

15.0.5 Momento de inércia dos corpos rı́gidos

Calcula-se o momento de inércia I de um corpo rı́gido em rotação em torno de


um eixo dividindo-o em pequenos elementos de volume de massa elementar ∆ m.
Usamos a expressão I = ∑ r2 ∆ m e toma-se o limite da soma quando ∆ m → 0. O r
representa a distância perpendicular ao eixo de rotação (Fig. 15.1):
Z
I = lim
∆ m→0
∑ r2 ∆ m = V
r2 dm. (15.1)

Temos que exprimir ∆ m em termos das suas componentes de modo a efectuar o


cálculo e para tal introduz-se a densidade volúmica local de massa ρ:

ρ = lim∆V →0 ∆∆Vm = dm
dV , (15.2)
∴ dm = ρdV,

donde podemos obter finalmente o momento de inércia:


Z
I= ρr2 dV. (15.3)

Para corpos homogéneos o integral anterior reduz-se a


M
Z
I= r2 dV. (15.4)
V

251
252 15 Momentos de Inércia

A XIOMA . - O momento de inércia de um corpo relativamente ao eixo de rotação


é a soma dos momentos de inércia de qualquer parte constituinte, e de modo semel-
hante, o momento de inércia relativamente a qualquer eixo de qualquer superfı́cie
ou volume é igual à soma dos momentos de inércia de qualquer parte constituinte
na qual podemos imaginar a superfı́cie ou o volume divididos.

Fig. 15.1 Corpo sólido em rotação em torno do eixo OZ. r representa a distância em relação ao
eixo OZ (na perpendicular) da massa ∆ m.

Como ilustração do que se disse, podemos referir que o momento de inércia do


pião mostrado na Fig. 15.2 relativamente ao seu eixo de revolução é igual ao mo-
mento de inércia da cúpula hemisférica ABC mais a parte inferior do corpo ABDE,
mais a ponta cónica em aço DE.

Fig. 15.2 Pião.

Na Fig. 15.3 apresentam-se os momentos de inércia dos corpos rı́gidos de uso


mais frequentes.

Fig. 15.3 Momentos de inércia.

Exemplo 1: Cilindro ôco de densidade uniforme.


Em coordenadas cilı́ndricas o elemento diferencial de volume (Vd. Fig. 15.4) é
dado por:
dV = 2πlrdr
(15.5)
dm = ρdV = 2πρlrdr

Fig. 15.4 Momento de inércia de um cilindro oco. A massa elementar consiste num cilindro de
raio r e espessura dr.

QuadroNegro 1
15 Momentos de Inércia 253

Portanto, concluı́mos que o momento de inércia do cilindro ôco é:


M 2
I= (R + R21 ). (15.6)
2 2
A Eq. 15.3 permite obter de imediato os momentos de inércia dos seguintes cor-
pos sólidos:
• Disco uniforme, R1 = 0 ⇒ I = 21 MR2 ;
• Anel uniforme, R1 ≈ R2 = R ⇒ I = MR2 .
Repare que em qualquer dos casos, o momento de inércia do cilindro não depende
do seu comprimento l. Isto é, a distribuição de matéria ao longo do eixo não é rele-
vante. Porém, o momento de inércia depende fortemente da distribuição da matéria
radialmente, como mostra a Fig. 15.5.
Exemplo 2: Barra (ou haste) uniforme.
Toma-se o eixo de rotação que passa pelo seu centro e é perpendicular ao seu
comprimento.
O comprimento da barra é L e, portanto, neste caso a distância radial r vai de 0 a
L/2 de cada lado. Se a barra fôr uniforme, podemos escrever
M
dm = dr = λ dr. (15.7)
L
Deve-se em seguida integrar r2 dm desde o centro até uma das extremidades, mul-
R

tiplicando depois por 2 (pois há duas extremidades):

ML2
Z L/2
M
Z
I= r2 dm = 2 r2 dr = . (15.8)
L 0 12
Referimos aqui, sem proceder ao seu cálculo, que o momento de inércia de uma
esfera, I = 25 MR2 . Todos os exemplos referidos mostram que é possı́vel (e também
usual) representar o momento de inércia como o produto da massa do corpo M pelo
quadrado de um comprimento a que se chama raio de giração em torno do eixo de
rotação, k:
I = Mk2 . (15.9)
Se qualquer outro corpo tiver a massa total M localizada à distância k do eixo, o
momento de inércia será igual à de qualquer um dos corpos sólidos acima referidos.
O raio de giração é definido pela relação:

Mk2 = ∑i (mi ri2 )


∑i (mi ri2 ) (15.10)
k2 = M

Fig. 15.5 Diferentes distribuições de uma mesma massa M relativamente ao eixo Oz. a) barra; b)
cilindro; c) disco. Os momentos de inércia verificam a desigualdade: Iz (R1 ) < Iz (R2 ) < Iz (R3 ).
254 15 Momentos de Inércia

Denotámos por Iz o momento de inércia em relação ao eixo de rotação Oz, por


exemplo no caso c) do disco da Fig. 15.5, mas é claro que qualquer outro eixo
perpendicular a Oz e que passe pelo centro de massa é também um eixo de simetria.
Assim, é possı́vel definir dois outros momentos de inércia, Ix e Iy relativos a dois
novos eixos perpendiculares a Oz e perpendiculares entre si. Chamam-se principais
momentos de inércia do corpo às três quantidades (Ix , Iy , Iz ). No caso particular do
disco, teremos, como é evidente, Ix = Iy 6= Iz .
Também se verificam as seguintes proposições, aqui apresentadas sem demonstração.
P ROPOSIÇ ÃO : Em qualquer corpo rı́gido, a soma dos momentos de inércia rel-
ativo a qualquer dos três eixos rectangulares traçados a partir de um dado ponto
fixo no corpo é constante, para qualquer posição desses eixos:

Ix + Iy + Iz = const. (15.11)

P ROPOSIÇ ÃO : Em qualquer plano que passa por um dado ponto fixo do corpo,
os eixos de maior e menor momento de inércia, para esse plano, fazem um ângulo
recto um com o outro.
Para compreedermos, fixemos um dos eixos, o eixo Oz, por exemplo, sendo o
respectivo momento Iz . Portanto, Ix + Iy = Const. Logo, quando Iz é um máximo, Iy
é um mı́nimo para o plano xy, e vice-versa.
P ROPOSIÇ ÃO : Se o momento de inércia relativo a qualquer eixo (Ox) que passe
por um ponto fixo do corpo tem o seu valor máximo, então o momento de inércia rel-
ativo a outro eixo (Oz), fazendo um ángulo recto com Ox, terá o seu valor mı́nimo; e
o momento de inércia relativo ao eixo perpendicular restante (Oy) terá um máximo
no plano yz, e um mı́nimo no plano xy.
Seja Ox um eixo de momento de inércia máximo para o ponto O. Então o eixo
com o momento de inércia mı́nimo deve estar no plano que passa por O e lhe é
perpendicular. Em seguida, suponhamos que o eixo mı́nimo é Oz. O momento de
inércia relativo ao eixo restante, Oy, deve ter um máximo para o plano yz. Para Ix
fixo, Iy + Iz = Const., e portanto Iy é um máximo pois que Iz é mı́nimo.
D EFINIO̧ES : Os eixos rectangulares correspondentes aos momentos de inércia
máximo, mı́nimo e intermediário são chamados eixos principais do ponto do corpo
a partir do qual foram traçados, e os momentos de inércia respectivos são chamados
momentos de inércia principais para esse ponto. Um plano que contenha dois
desses eixos principais é chamado de plano principal para esse ponto. Quando o
ponto coincide com o centro de massa, os eixos principais chamam-se principais
eixos do corpo e os momentos de inércia, momentos de inércia principais do
corpo.
P ROPOSIÇ ÃO : O momento de inércia (IOP ) relativo a qualquer eixo OP fazendo
os ângulos α, β e γ com os eixos principais que passam por qualquer ponto O, em
relação aos quais os momentos de inércia principais são A, B e C, é dado por:

IOP = A cos2 α + B cos2 β +C cos2 γ. (15.12)

Os cálculos dos momentos de inércia podem ser muito facilitados com o uso
de dois importantes teoremas que apresentamos em seguida. O teorema dos eixos
15 Momentos de Inércia 255

paralelos aplica-se a qualquer corpo sólido. O teorema dos eixos perpendiculares


aplica-se somente a corpos planos de espessura muito pequena.

15.0.6 Teorema dos eixos paralelos

O Teorema dos Eixos Paralelos encontra-se referido em outras obras como o Teo-
rema de Huygens, ou o Teorema de Steiner.
O momento de inércia depende da posição do eixo de rotação. Supondo que já
conhecemos o momento de inércia em relação a um eixo qualquer, vamos ver como
se determina o momento de inércia em relação a outro eixo paralelo ao primeiro.
Seja Ic o momento de inércia em relação a um eixo que passa pelo CM. O mo-
mento de inércia em relação a um dado eixo z é igual a Ic mais o produto da massa
do corpo M pelo quadrado da distância d entre os dois eixos:

Iz = Ic + Md 2 . (15.13)

Exemplo 3: Barra
Sabemos que o momento de inércia em relação a um eixo que passa pelo meio
é, Ic = ML2 /12. Qual é o momento de inércia em relação a um eixo que passa pela
extremidade?

Fig. 15.6 Aplicação do teorema dos eixos paralelos à barra uniforme.

d = L2
2 L 2
I = ML

12 + M 2 (15.14)
2
I = ML
3 .

15.0.7 Teorema do eixo perpendicular

Este teorema estabelece uma relação entre os momentos de inércia em relação a três
eixos (mutuamente perpendiculares entre si) de um corpo plano de espessura muito
pequena e de forma arbitrária.
Consideremos uma placa muito fina que pode rodar em torno de qualquer dos
três eixos (Ox,Oy,Oz). Suponhamos que a placa assenta sobre o plano xy. Seja um
ponto O arbitrariamente colocado sobre a placa e um eixo z perpendicular a ele. O
momento de inércia do corpo em relação a z é Iz . Um elemento de massa dm situado
à distância r do eixo contribui com r2 dm, sendo no total
256 15 Momentos de Inércia
Z
Iz = r2 dm. (15.15)

A distância do eixo z ao ponto de referência P é dada por:


p
r = x 2 + y2 (15.16)

que assenta no plano xy. Podemos então escrever


Z Z
2
Iz = x dm + y2 dm. (15.17)

Fig. 15.7 Placa muito fina que pode rodar em torno de qualquer eixo Ox, Oy, Oz.

Como o corpo é plano, o primeiro termo do segundo membro representa o mo-


mento de inércia em relação ao eixo Ox, Ix e, na mesma lógica, o segundo termo é
Iy . Concluı́mos assim que
Iz = Ix + Iy . (15.18)
Este resultado é conhecido como o teorema dos eixos perpendiculares.
Exemplo 4: Disco plano uniforme. Seja um disco plano uniforme de massa M e
raio R. Calcule os momentos Ix , e Iy .
O cálculo de qualquer um deles seria complicado, mas a aplicação deste teorema
torna-o extremamente simples. Sabemos de um cálculo anterior que Iz = MR2 /2.
Por razões de simetria, temos
2
Ix + Iy = 2Ix = MR 2
2 (15.19)
∴ Ix = MR 4 .

Exemplo 5: Placa quadrada uniforme. Considere uma placa quadrada de lado


a. Determine Ix e Iy . Sabemos que Iz = 16 Ma2 . Como por razões de simetria temos
Ix = Iy , obtemos logo
1
Ix + Iy = 2Ix = Iz = Ma2 . (15.20)
6
Exemplo 6: Placa rectangular. Um corpo tem a forma de um rectângulo de lado
menor a e lado maior b. Quais são os valores dos momentos de inércia em relação
aos dois eixos que passam pelo seu centro e são perpendiculares ao seu plano? (vd.
Fig. 15.8).

Fig. 15.8 Placa rectangular.

Comecemos por determinar Iz . Repare na Fig. 15.8. Um elemento de massa dm =


σ dS onde σ é a densidade superficial de massa, σ = M/(ab) e dS = dxdy é o
15 Momentos de Inércia 257

elemento diferencial de superfı́cie.


Z Z
Iz = r2 dm = r2 σ dxdy (15.21)
S

Mas a integração na varável x deve ir de 0 a a/2 e o mesmo para y que deve ir de 0


a b/2. No final devemos ainda multiplicar por 4 para obter a superfı́cie total:

M R a/2 R b/2 R b/2 R a/2 2


Iz = 4 ab ( 0 0 x2 dy + 0 0 y dx
M a3 b b3 a (15.22)
= 4 ab ( 3×8 2 + 3×8 2)
M 2
= 12 (a + b2 ).

O cálculo de Ix é mais fácil. É semelhante ao cálculo de uma barra fina.


R b/2 2
Ix = −b/2 y dm
R b/2 2
= −b/2 y λ dy (15.23)
b3
= λ 2 3×8
2
= Mb
12 ,

onde λ = M/b. Um cálculo análogo permite-nos concluir que Iy = Ma2 /12.


Exemplo 7: Uma corda de massa desprezável encontra-se enrolada em torno de
um sólido cilı́ndrico de massa M e raio R. Uma massa m é presa à corda e é largada
da altura h acima do solo, tal como se encontra ilustrado na Fig. 15.9. Assumindo
que o movimento não é submetido a alguma força de frição, determine a rapidez da
massa m e a velocidade angular do cilindro quando m atinge o solo.

Fig. 15.9 Com a rotação do cilindro, a corda desenrola e a massa m cai no solo da altura h.

Repare que o conjunto mecânico não possui inicialmente energia cinética, mas
tem energia potencial U. No final, imediatamente antes de a massa m colidir com o
solo, m e M possuem ambas energia cinética.

E1 = K1 +U1 E2 = K2 +U2
(15.24)
E1 = 0 + mgh E2 = 12 mv2 + 12 Ic ω 2 + 0
sendo v = ωR e I = MR2 /2. Atendendo à conservação da energia, E1 = E2 , conclui-
se que:
 v 2 1
mgh = 21 mv2 + 12 12 MRr
2 = 2 m + M2 v2

R
2gh (15.25)
⇒v = 1+ M ,
2m

com ω = v/R.
Exemplo 8: Uma das partes constituintes dum mecanismo comporta uma peça
(Fig. 15.10) que efectua um movimento de translação de velocidade →

u e uma haste
258 15 Momentos de Inércia

AB de comprimento L e massa M, ligada à peça exterior por meio de um eixo A.


Calcule a energia cinética da haste quando ela forma um certo ângulo α com a
vertical.

Fig. 15.10 Mecanismo comportando uma peça que efectua um movimento de translação de ve-
locidade u e uma haste AB de comprimento L e massa M, ligada à peça exterior por meio de um
eixo A.

A energia cinética é dada por


1 1
K = Mv2c + Ic ω 2 . (15.26)
2 2
A velocidade do ponto C assinalado na Fig. 15.10 é por sua vez relacionada com a
velocidade →

u da peça por meio da Transformação de Galileu:


vc=→

u +→

v r, (15.27)

sendo vr = ωl/2. O momento de inércia da haste é, como já vimos, Ic = Ml 2 /12.
Portanto temos:
2
K = 21 M(u2 + ω l4 + 2ωu 2l cos α) + 24 1
Ml 2 ω 2
1 2 Ml 2 ω 2 1 2 2 1 (15.28)
K = 2 Mu + 8 + 24 Ml ω + 2 Muωl cos α
K = 12 Mu2 + 16 Ml 2 ω 2 + 12 Mlωu cos α.

15.0.8 Momento angular de uma partı́cula

Considere uma partı́cula de massa m localizada à distância →


−r de uma origem O e

− →

movendo-se com velocidade v . O momento angular instantâneo L da partı́cula rel-
ativa à origem O é definido pelo produto externo do seu vector posição instantâneo
pelo seu momento linear instantâneo → −p (Vd. Fig. 15.11):



L = [→
−r × →
−p ], (15.29)

cujo módulo é dado por:


→−
| L |= rp sin φ . (15.30)
A sua unidade no sistema SI é kg.m/s2 .

Fig. 15.11 O momento angular L de uma partı́cula de massa m e momento p localizado a uma
distância r é um vector dado por L = [r × p].
15 Momentos de Inércia 259


O módulo e direcção de L dependem do sistema de coordenadas. A direcção


de L é perpendicular ao plano que contém →−r e →
−p , como ilustra a Fig. 15.12. Em


particular, L = 0 se →
−r for paralelo a →
−p .

Fig. 15.12 Lz = r⊥ p ou Lz = rp⊥ .

Geometricamente:
• r⊥ - distância na perpendicular entre a origem e o vector →
−p ;
• →

p⊥ - componente de p perpendicular a r . →



• L = [→−r × →−p ].

Em particular, para o caso da Fig. 15.12 verifica-se:

Lz = r⊥ p = rp⊥ . (15.31)

Para o cálculo do momento angular pode-se usar a notação matricial:


→− →− →−

− i j k
L = [→
−r × →−p ] = 
rx ry rz  . (15.32)
px py pz

Exemplo 9: Partı́cula em movimento numa linha recta.


Assuma que :


• F ext = 0, → −
v = const.


• A direcção de L = const.


• O módulo de L = const.

− →

Já sabemos que L = rp sin φ k .
−p se encontram no plano xy, →
− →

Se → −r e → L aponta ao longo do versor k (Vd.
Fig. 15.14).

Fig. 15.13 A distância entre a origem e a linha do movimento é r sin θ .

Se o vector posição da partı́cula parecer mover-se em torno de um dado ponto


O que podemos ter como origem, então a partı́cula terá certamente um momento
angular não nulo. Se o vector posição somente decresce ou aumenta em módulo,
isso significa que a partı́cula está a mover-se ao longo de uma linha que passa pela
origem (do vector posição) e o momento angular é nulo.
Este exemplo mostra quanto importante é a escolha da origem das coordenadas.
Deve-se sempre escolher uma origem antes de proceder ao cálculo do momento
angular.
Exemplo 10: Partı́cula em movimento circular uniforme.
260 15 Momentos de Inércia

Considere uma partı́cula no extremo de uma corda. É na verdade uma situação


semelhante ao da Terra e outros planetas em torno do Sol. Escolha-se uma origem
no centro do cı́rculo, tal como se vê na Fig. 15.14.

Fig. 15.14 Partı́cula em movimento uniforme circular. O vector L é perpendicular ao plano do


cı́rculo.



L = [→
−r × →−p ]

− →
− →
− →
− (15.33)
L = rp k = mrv k = (mr2 )ω k .


Como o movimento é uniforme, L permanece constante em módulo e direcção.
Neste exemplo há forças actuando sobre a partı́cula:
2
ac = vr
2 (15.34)
Fc = mvr

A força centrı́peta actua na direção do centro do cı́rculo que foi tomada como


origem. É importante notar que se tivessemos escolhido qualquer outra origem, L
não teria sido constante.
Exemplo 11: Momento angular do pêndulo cónico.
Assuma que o pêndulo descreve um movimento circular com velocidade angular
ω. Escolha a origem em A, como o mostra a Fig. 15.15-(a).


L = [→
−r × →
−p ]

− (15.35)
= rp k

onde r é o raio do cı́rculo descrito pela massa M. Temos sucessivamente

p = mv = mrω

− →
− (15.36)
L A = mr2 ω k


Repare que L A é constante em módulo e direcção.

Fig. 15.15 Pêndulo cónico.

Escolha agora uma origem em B (no pivot). Obtemos agora


→−
| L B |=| →−r 0 × →
−p |

− 0 →

=| r || p | (15.37)
= MvL = MrLω
15 Momentos de Inércia 261

onde | →
−r 0 |= L é o comprimento da corda (vd. Fig. 15.15-(b)). Repare que o módulo


de L B não é constante porque depende da localização do pivot B e a direcção
também não é constante, como é claro na Fig. 15.15-(c).
Sendo B um ponto fixo, o módulo de LB é constante, mas a direcção traça um
cone em cada rotação.


A componente em z de L B é constante, enquanto que a componente horizontal
(Fig. 15.15-(c)) traça um cı́rculo com velocidade angular ω.

15.0.9 Movimento de rotação de um sólido rı́gido. Equação dos


momentos

Vamos determinar qual a grandeza fı́sica que é responsável pela variação do vector

− →

L num sistema de referência dado. Diferenciando L em ordem ao tempo, obtemos


dL
dt = dtd [→
−r × →
−p ]


= ddtr × →
−p + → −r × d →−
dt p
(15.38)
= v × (m v ) + r × dt −p ,

− →
− →
− d→

O primeiro termo do segundo membro da última equação é nulo (porquê?). Ficamos


assim com a equação dos momentos:


dL −r × →
= [→

F ]. (15.39)
dt
−r × →
Se se verificar →
− →
− →

F temos d L /dt = 0, isto é, L conserva-se.
P ROPOSIÇ ÃO I: A taxa de rotação de um corpo rı́gido em rotação em torno de
um eixo fixo não pode ser modificada, excepto pela aplicação de um torque externo
Num conjunto de N partı́culas temos que somar sobre todas elas:
N N

− →

L = ∑ L i = ∑ [→
−r × →
i
−p ],
i (15.40)
i=1 i=1

e a Eq. 17.172 generaliza-se de imediato a N momentos:




dL −r × →
= ∑[→

F i] = ∑ →

τ i. (15.41)
i
dt i i


− −r × →

A fim de obtermos d L /dt = 0, devemos necessariamente ter → F = 0, isto é,
devem-se verificar as seguintes condições:


• F deve ser paralelo a →−r .


• F deve apontar para dentro ou para fora da origem, isto é, deve ser uma força
central.
262 15 Momentos de Inércia

− →

• Se F é central, tem-se d L /dt = 0.
Obtemos assim a lei da conservação do momento angular:


• ⇒ L é constante.


Se a força é não-central, L não se conserva.


A grandeza → −r × F chama-se momento da força ou torque 1 :


− −r × →
τ = [→

F] (15.42)


dL
=→ −
τ. (15.43)
dt
Esta é a equação fundamental da dinâmica do corpo rı́gido: a taxa de variação tem-
poral do momento angular iguala o momento da força (ou torque). Ambos os vec-


tores →
−τ e L devem ser referidos à mesma origem O de um sistema de coordenadas
inercial.
Exemplo 12: Cometas.
Um cometa descreve uma elipse em torno do sol com um apogeu (distância
maior) e um perigeu (distância menor). Nesses pontos o vector posição → −r e a ve-


locidade v são perpendiculares um ao outro, como ilustra a Fig. 15.16.

Fig. 15.16 Cometa.

QuadroNegro 2

Por exemplo, os dados relativos ao cometa Halley são os seguintes:

1 Em inglês chama-se “torque” e usaremos neste texto as duas expressões indiferentemente.


15 Momentos de Inércia 263

• r1 = 8.75 × 1010 m e v1 = 5.46 × 104 m/s no perigeu


• r2 = 5.26 × 1012 m, no apogeu.
8.75×1010 4 2
• ⇒ v2 = 5.26×10 12 × 5.46 × 10 = 9.08 × 10 m/s.

Exemplo 13: Carrossel


Uma plataforma com o formato de um disco circular de raio R e massa M roda
sem atrito em relação ao eixo vertical (Vd. Fig. 15.17). Um estudante de massa m
caminha devagar desde o perı́metro em direcção ao centro. A velocidade angular do
conjunto quando o estudante se encontra no perı́metro é ωi .
• R = 2.0 m.
• M = 100 kg e m = 60 kg.
• ωi = 2 s−1 .
a) Calcule ω quando o estudante está à distância r = 0.5 m do centro.
O momento de inércia é o do conjunto (plataforma + estudante):
1
Ii = MR2 + mR2 . (15.44)
2
Quando o estudante está na posição r < R, o momento de inércia é (lembre-se que
tem que ser o somatório dos momentos de inércia, porque I = ∑i ri2 dmi ):

1
I f = MR2 + mr2 . (15.45)
2
Não havendo algum momento de força externa em relação ao centro do disco que
actue no sistema (plataforma + estudante), o estudante caminha para o centro O com
o momento angular constante, Li = L f .

Fig. 15.17 Plataforma + estudante em movimento de rotação.

Portanto tem-se:
Ii ωi = I f ω f
( 12 MR2 + mR2 )ωi = ( 21 MR2 + mr2 )ω f
( 21 MR2 +mR2 ) (15.46)
ωf = 2 ωi
( 12 MR 2
 +mr )
200+240
ωf = 200+5 (2) = 4.1rad/s.

b) Calcule a energia cinética inicial e final.

Ki = 21 Ii ωi2 = 21 (440)22 = 880J


(15.47)
K f = 21 I f ω 2f = 12 (215)4.12 = 1800J.
Verifica-se um aumento da energia cinética. Este acréscimo provém do trabalho
efectuado pelo estudante ao caminhar do perı́metro para o centro do disco. Isto
significa que as forças internas dentro do conjunto mecânico realizaram trabalho.
264 15 Momentos de Inércia

O estudante encontra-se num referencial acelerado, não-inercial e sente uma força


centrı́fuga que varia com r. Por sua vez, ele exerce uma força de reação que efectua
trabalho, W , e , de acordo com o teorema trabalho-energia cinética, W = ∆ K tal
resulta num incremento de K.

15.0.10 Dinâmica do corpo rı́gido

Da equação fundamental da dinâmica rotacional compreedemos que quando uma


força é aplicada de tal forma que a sua direcção não passa pelo eixo de rotação,
será comunicada ao corpo um movimento rotacional. A tendência de um corpo para
rodar é determinada pelo momento da força ou torque 2 , →−τ.


Considere a acção da força F sobre uma partı́cula tendo o vector posição →
−r . O
momento da força em relação à origem do sistema de referência é:

− −r × →
τ = [→

F]
(15.48)
τ = rF sin θ ,

O vector →
− −r e →
τ aponta numa direcção perpendicular ao plano definido por →

F.

Fig. 15.18 O torque τ aponta numa direcção perpendicular ao plano formado pelo vector posição
r e pela força aplicada F.

−r sobre →
Repare que podemos fazer duas projecções, ou do vector →

F , ou vice-
versa:
• (a) d = r sin θ : o braço da força: é a distância perpendicular desde o eixo de


rotação até à linha de acção de F ; ou seja, momento da força=braço vezes força

−r || →
τ =| →

F | (15.49)



• (b) Se representarmos F em termos das suas componentes, temos: Ft = F⊥ , com-
−r , F = F sin θ ; F = F cos θ , componente paralelo a →
ponente perpendicular a → t k
−r .
Assim τ=distância radial vezes força transversa.

−r || →
τ =| →

Ft | (15.50)
Concluindo:
• Fk não contribui para o momento da força ou rotação;
• →
−r não contribui para o momento da força ou rotação.
k

2 A palavra torque exprime “poder de rotação”. Provém do Latim, torqueo, Eu rodo.


15 Momentos de Inércia 265

Fig. 15.19 braços da força.

No Sistema S.I. a unidade fı́sica de τ é o N.m. Se bem que tal seja igual ao joule,
não se usa esta unidade no torque.
Há que distinguir força do momento da força, como se depreende dos três casos
apresentados na Fig. 15.20.

Fig. 15.20 Força e momento da força.

O SCILAÇ ÕES EL ÁSTICAS : Qualquer conclusão obtida no estudo do movimento


linear pode ser transposta para o movimento rotacional, desde que estabeleçamos a
seguinte analogia
• momento de inércia ⇔ Massa;
• torque ⇔ Força;
• distância angular θ ⇔ distância linear.
p
se antes tı́nhamos T = 2π m/k, no movimento angular dev-
Resulta daqui que,p
eremos ter T = 2π I/R, onde R representa aqui o rácio R =torque/deslocamento
angular.
Exemplo 14: Determine o perı́odo das oscilações de um pêndulo simples de
comprimento l e massa m.
Quando o deslocamento é θ , o momento (ou o torque) das forças restauradoras é

τ = mgl sin θ
≈ mglθ quando θ é pequeno (15.51)
∴ R = momento−do−binario
deslocamento = mglθ
θ = mgl

O momento de inércia é I = ml 2 e, portanto,


q
T = 2π RI
q
ml 2 (15.52)
= 2π mlg
q
= 2π gl .

Exemplo 15: Momento das forças actuando num cilindro.



− →

Duas forças F 1 actuando no raio R1 e F 2 actuando no raio R2 produzem um
momento de forças resultante por meio da corda enrolada em torno do cilindro,
como ilustra a Fig. 15.21.


A força F 1 tem o braço R1 e exerce um momento no sentido horário; →

τ é di-
rigido para dentro da folha, consideremo-lo negativo:

τ = −F1 R1 . (15.53)
266 15 Momentos de Inércia

Fig. 15.21 Um cilindro pode rodar em torno do eixo z que passa por O. O braço do torque da força
F1 é R1 e o braço do torque da força F2 é R2 .



O momento da força F 2 é dirigido no sentido anti-horário (→

τ é agora dirigido para
fora da folha), portanto positivo:

τ2 = +F2 R2 . (15.54)

O momento resultante é:

τres = τ1 + τ2 = −F1 R1 + F2 R2 . (15.55)

Suponhamos que os dados numéricos são os seguintes:

F1 = 5N R1 = 1.0m
(15.56)
F2 = 6N R2 = 0.5m

donde se obtém
τres = −(5)(1) + (6)(0.5) = −2N.m (15.57)
O momento da força é negativo e portanto o movimento resultante é no sentido
horário.

15.0.11 Sistema isolado. Forças internas

Sejam duas forças centrais iguais e opostas. Tem-se


−r × →
→ − →

1 F 12 = −F12 r1 sin θ1 k
→ →

−r × F = F r sin θ k →
− (15.58)
2 21 21 2 2

Fig. 15.22 As forças centrais que duas partı́culas exercem uma sobre a outra são iguais em módulo
e de sentido contrário.

Verifica-se a seguinte relação geométrica, como se depreende da Fig. 15.22:

r1 sin θ1 = r2 sin θ2 (15.59)



− →

Ora a lei da acção-reacção aplica-se aos pares de forças (centrais), F 12 = − F 21 ,
logo os momentos anulam-se internamente para um sistema de forças centrais. Se

− →

igualmente se verificar ∑i → −τ ext
i = 0, conclui-se que L = ∑i L i é constante-lei da
conservação do momento angular.
15.1 Dinâmica do corpo rı́gido: rotação em torno de um eixo fixo 267

15.0.12 Dinâmica rotacional: aceleração angular ou torque

Considere uma partı́cula em movimento circular de raio r sob a acção de uma força


tangencial F t . Esta força produz uma aceleração tangencial at :

Ft = mat (15.60)


O torque de F em torno da origem é dado por

τ = Ft r = (mat )r. (15.61)

A aceleração tangencial está relacionada com a aceleração angular α pela seguinte


relação:
at = rα
∴ τ = (mr2 )α (15.62)
τ = Iα
O torque que actua sobre a partı́cula é proporcional à aceleração angular. Este é o
análogo rotacional da Segunda Lei de Newton.
B IN ÁRIO : Uma força única não é capaz de transmitir a um corpo rı́gido um
movimento de rotação pura. O sistema de forças mais simples capaz de transmitir
uma rotação pura consiste em duas forças iguais e opostas, que não estão na mesma
linha de aplicação, o chamado binário.

15.1 Dinâmica do corpo rı́gido: rotação em torno de um eixo fixo

Considere a rotação de um corpo rı́gido em torno de um eixo fixo. Um corpo é


constituı́do por um número praticamente infinito de elementos de massa dm. Cada
massa dm roda em torno da origem e tem uma aceleração tangencial at produzida
por Ft . De acordo com a Segunda Lei de Newton, temos assim

dFt = (dm)at (15.63)

O torque respectivo é dado por

dτ = rdFt = (rdm)at . (15.64)

Ora, temos at = rα:


dτ = (rdm)rα = (r2 dm)α. (15.65)
Os diferentes pontos (ou partı́culas) que compõem o corpo rı́gido têm diferentes at ,
mas o mesmo α. Por integração, obtemos
Z Z
τres = (r2 dm)α = α r2 dm (15.66)
268 15 Momentos de Inércia

ou seja


τ res = I →

α. (15.67)

Fig. 15.23 Um corpo rı́gido roda em torno dum eixo que passa pelo ponto O. Cada elemento de
massa dm roda em torno de O com a mesma aceleração angular α, e o torque resultante actuando
sobre o corpo é proporcional a α.

Exemplo 16: Uma corda está enrolada em torno de um cilindro de massa M e


raio R (Fig. 15.24). O cilindro pode rodar livremente em torno do seu eixo. A corda


é puxada tangencialmente por uma força constante T . Sabe-se que: M = 15 kg,
R = 6 cm, T = 2 N.
a) Qual é a aceleração angular do cilindro?; b) Qual é a rapidez angular quando
t = 2 s?

Fig. 15.24 Corda enrolada em torno do cilindro de massa M e raio R.



τ = I→

α. (15.68)

QuadroNegro 3
15.1 Dinâmica do corpo rı́gido: rotação em torno de um eixo fixo 269

Exemplo 17: Como se encontra ilustrado na Fig. 15.25, uma massa m1 desliza
sem frição sobre uma superfı́cie horizontal. A polia é um pequeno cilindro de massa
M e raio R. A corda encontra-se ligada à massa m2 e puxa a massa m1 sem derrapar
na polia.

Fig. 15.25 Problema das duas massas e uma polia.

Analisando os digramas das forças que acutam sobre cada um dos corpos obte-
mos:
T1 = m1 a1
m2 g − T2 = m2 a2 (15.69)
T2 R − T1 R = Iα = (MR2 )α
Como a corda é inextensı́vel, a1 = a2 = Rα. Assim, as equações anteriores podem-
se escrever de novo na forma
T1 = m1 a1
m2 g − T2 = m2 a1 (15.70)
T2 − T1 = Ma1

Resolvendo em ordem a a1 obtém-se


m2 g
a1 = (15.71)
m1 + m2 + M
assim como as tensões m1 m2
T1 = m1 +m2 +M
(m1 +m2 )m2 g (15.72)
T2 = m1 +m2 +M

Se M = 0 então a1 = m1m+m
2g
2
e T1 = T2 , caso já estudado no âmbito da cinemática
sem momentos de inércia.

15.1.1 Conservação do momento angular e energia cinética

A conservação do momento angular traz implicações interessantes no que diz re-


speito à energia cinética total de um sistema mecânico que varia na forma e na sua
dimensão.
Podemos considerar um sistema de duas partı́culas rodando no sentido anti-
horário em torno do seu centro de massa. As velocidades de cada uma das massas
são v1 = r1 ω e v2 = r2 ω, donde resulta o momento angular Lc (o C vem de CM):

Lc = (r1 p1 ) + (r2 p2 ) (15.73)


270 15 Momentos de Inércia

Repare que somamos porque o momento angular de cada uma das partı́culas orienta-
se na mesma direcção. Continuando o cálculo, obtemos

Lc = (m1 r12 ω + m2 r22 ω) = Ic ω (15.74)

Substituindo no termo da energia cinética, obtemos


 2
1 1 Lc
K = Ic ω 2 = Ic , (15.75)
2 2 Ic

ou seja
Lc2
K= . (15.76)
2Ic
Exemplo 18: Duas partı́culas de massa m encontram-se nas extremidades de uma
haste de massa desprezável. A haste faz um ângulo θ com o eixo z (Vd. Fig. 15.26).

Fig. 15.26 Duas partı́culas de massa m estão nas extremidades de uma haste que faz um ângulo θ
com o eixo de rotação.

Temos
R = r sin θ ;
(15.77)
v = ωR = ωr sin θ ,
donde se segue que o momento angular de cada partı́cula é dado por

m|→
−r × →

v |= mvr = mωr2 sin θ . (15.78)

− →

Repare agora que L 1 e L 2 apontam na mesma direção, donde resulta o momento
angular total:
L = 2mωr2 sin θ . (15.79)


Porém, Lz é a projeção de L total (que faz um ângulo de 90o − θ ) sobre Oz:

Lz = L cos(90o − θ ) = 2mωr2 sin2 θ


Lz = 2mωR2 (15.80)
Lz = Ic ω.


Isto é, temos L = Ic →
−ω.
Em resumo:


• L = I→ −
ω : o momento angular varia em proporção com → −ω . I representa uma
propriedade inercial do corpo e mede a sua resistência à variação do momento
angular.
• →−p = m→ −v : o momento varia proporcionalmente à velocidade →−v . A massa mede
a resitência do corpo a variações da velocidade.
Veja-se a analogia:
15.1 Dinâmica do corpo rı́gido: rotação em torno de um eixo fixo 271

Lz2 p2 (15.81)
K= 2I ⇔K= 2m
Suponha que o momento angular dum sistema mecânico em relação a um dado eixo
z é constante, Lz = constante.
Se o sistema contrai-se e I decresce, a energia cinética aumenta. Mas, para que
tal aconteça, é necessário que haja uma fonte de energia.
Quando estrelas ou galáxias colapsam, a fonte é a gravidade. A energia potencial
gravitacional é negativa e aumenta em módulo à medida que os objectos se con-
traem. É o que sucede à bailarina quando os seus braços e pernas são puxados para
dentro e alinhados com o eixo de rotação (Vd. Fig. 15.27).

Fig. 15.27 Conservação do momento angular em relação a um eixo fixo.

Como vimos a equação fundamental da dinâmica rotacional e´




dL
=→

τ tot = ∑ →

τ ext →
− int
i + τ i . (15.82)
dt i

Se →

τ tot = 0, obtemos a lei da conservação do momento angular:
O momento angular total dum sistema isolado conserva-se.

No caso de um corpo rı́gido em rotação em relação a um eixo fixo z com τz = 0, a


conservação do momento angular reduz-se às seguintes expressões:
dLz
dt= 0 ⇒ τz = 0
Lz = const. ⇒ Li = L f
(15.83)
Iω = const.
Ii ωi = I f ω f

Exemplo 19: Um objecto de massa m presa numa corda está à distância r1 de


um centro O em torno do qual move-se circularmente com velocidade angular ω1
(Fig. 15.28).

Fig. 15.28 Exemplo 19.

A corda é encurtada até ter um novo raio r2 . Qual é a nova velocidade angular
adquirida pelo objecto?

QuadroNegro 4
272 15 Momentos de Inércia

Exemplo 20: Momento angular induzido num electrão por um campo de indução


magnético externo B : Uma partı́cula de massa m e carga q move-se numa trajectória
circular de raio r sujeita a uma força do tipo central. A sua coordenada angular é θ .
Um campo magnético é criado perpendicularmente à órbita da partı́cula, ao longo
do eixo Oz. Segundo a lei da indução de Faraday, é induzido um campo eléctrico
tangente ao cı́rculo, Eθ :
1 dBr2
Eθ = − . (15.84)
2r dt
a) Qual é a força que aje sobre a partı́cula?

Fθ = qEθ (15.85)


b) Calcule o torque e o momento angular induzido quando o campo B atinge o
seu valor estacionário.
O torque é dado por:
τ = rFθ
2 (15.86)
τ = − q2 dBr
dt
dirigido segundo Oz.
dLz 2
dt = − q2 dBr
dt
2 (15.87)
Lz = Lz (0) − qr2 B.
Para uma carga negativa q = −e, tem-se
eB 2
∆ Lz = + r (15.88)
2
Existe uma relação fundamental entre o momento angular e o momento magnético


M:

− q →−
M= L (15.89)
2m
e, neste caso, obtemos
e2 B 2
∆ Mz = − r . (15.90)
4m
Podemos verificar que o momento magnético induzido é sempre oposto ao campo
B.
Exemplo 21: Roda de bicicleta em rotação.
Um sujeito sentado num banco rotatório sustém uma roda de bicicleta, tal como
é mostrado na Fig. 15.29. Ele encontra-se inicialmente em repouso. A roda revolve


no plano horizontal com momento angular inicial L o dirigido para cima.
o
Quando a roda é invertida dum ângulo de 180 o que acontece?
O sistema é constituı́do pelo estudante + roda + banco.


O momento angular total é L o , o que se deve unicamente ao movimento inicial
da roda.
15.1 Dinâmica do corpo rı́gido: rotação em torno de um eixo fixo 273

Quando o sujeito fornece um torque (interno ao sistema), a roda inverte-se da


forma pretendida. Não existem torques externos em ralação ao eixo vertical ac-
tuando no sistema. Em consequência, o momento angular total conserva-se.

− →

Inicial: L sist = L o

− →
− →

Final: L sist = L su jeito+banco + L roda .

− →
− →

L o = L su jeito+banco + L roda

− →
− →

L o = L su jeito+banco − L o (15.91)

− →

∴ L su jeito+banco = 2 L o

Fig. 15.29 Sujeito sobre um banco rotatório + roda.

Se designarmos o momento de inércia do conjunto sujeito + banco, I p , então


podemos escrever
I p ω p = 2Io ωo (15.92)

15.1.2 Trabalho e energia no movimento rotacional

Uma força que actua sobre um corpo e o põe em movimento efectua trabalho sobre


esse corpo. O trabalho efectuado pela força F fazendo com que o corpo rode de um
arco elementar ds = rdθ no intervalo de tempo dt é dado por:

− −
dW = ( F · d →
s ) = (F sin φ )rdθ , (15.93)


onde F sin φ é a componente tangencial de F . A componente radial não realiza


trabalho porque é perpendicular a d s (Vd. Fig. 15.30).
O torque exercido pela força é

τz = (F sin φ )r (15.94)

e o trabalho elementar associado


dW = τz dθ
(15.95)
W = θθ12 τz dθ .
R

Se o torque for constante tem-se

W = τz ∆ θ . (15.96)

Observe que esta medida do trabalho efectuado é exactamente análoga ao tra-


balho feito por uma força no movimento rectilı́neo.
274 15 Momentos de Inércia

Fig. 15.30 Um corpo rı́gido roda em torno de um eixo que passa pela origem O sob a ação de uma
força externa aplicada em P.

Fig. 15.31 Uma força aplicada a um corpo em rotação realiza trabalho nesse corpo.

A potência associada ao trabalho por unidade de tempo é dada por

dW dθ
P= = τz = τz ω. (15.97)
dt dt

15.1.3 Teorema do trabalho-energia no movimento rotacional

O trabalho efectuado pelo torque produz uma variaçao da energia cinética do corpo
de acordo com a sequência:

τ →α ω1 → ω2 .

De facto, verificamos que

dω dω dθ dω
τ = Iα = I =I =I ω, (15.98)
dt dθ dt dθ
ou seja:
τdθ = dW = Iωdω. (15.99)
Finalmente, o trabalho total efectuado é assim dado pelo somatório dos trabalhos
elementares
1 1
Z θ2 Z ω2
W= τdθ 0 = Iω 0 dω 0 = Iω22 − Iω12 . (15.100)
θ1 ω1 2 2
1 1
W = ∆ K = K f − Ki = Iω22 − Iω12 . (15.101)
2 2
Se a força actuante fôr conservativa (ex: força gravı́tica, elástica, electrostática), o
trabalho realizado é o negativo da variação da energia potencial:
1 1
−∆U = −U2 +U1 = Iω22 − Iω12 . (15.102)
2 2
Isto é,
1 2 1
Iω +U1 = Iω22 +U2 . (15.103)
2 1 2
No movimento rotacional a energia mecânica total conserva-se:
1
E = Iω 2 +U = Const. (15.104)
2
15.1 Dinâmica do corpo rı́gido: rotação em torno de um eixo fixo 275

Exemplo 22: Massas ligadas.


Duas massas encontram-se ligadas por uma corda que passa por uma polia com
momento de inércia I (Fig. 15.32). Quais são as velocidades lineares das massas
depois de se moverem da altura h?
Como é suposto não haver atrito, a energia mecânica conserva-se:

E1 = E2
K1 +U1 = K2 +U2 (15.105)
0 = 12 m1 v2 + 21 m2 v2 + 12 Iω 2 + m1 gh − m2 hg.

Mas sendo v = Rω, obtém-se de imediato


s
2(m2 − m1 )gh
v= . (15.106)
m1 + m2 + RI2

Podı́amos ter seguido um processo de resolução diferente, obtendo primeiro τ = Iα,


resolvendo depois para α e 2ah = v2 , a = αR, e daqui finalmente obtendo v.

Fig. 15.32 Duas massas ligadas por uma corda suspensa numa polia.

15.1.4 Impulso angular

Mostrámos previamente que se definirmos um impulso linear


Z t2

− →

I = F (t)dt (15.107)
t1

d→
−p →

a variação do momento linear dt = F no intervalo de tempo ∆ = t2 − t1 é tal que

∆→
−p = → −p = →
−p − → −
I. (15.108)
f i

De modo semelhante, partindo da equação fundamental da dinâmica rotacional




dL
=→

τ, (15.109)
dt
podemos escrever

− →
− →
− −
L f − Li=∆ L =→ τ ∆t


= J (15.110)

− R −
∴ J = tt12 →
τ dt
Verificamos assim que a variação do momento angular é igual ao impulso angular.
276 15 Momentos de Inércia

Exemplo 23: Considere um sistema mecânico constituı́do por dois discos com
momentos de inércia I e I 0 , cada um deles em rotação com velocidades angulares ω
e ωo0 (Vd. Fig. 15.33). A seguir, os dois discos são colocados um sobre o outro por
ação de uma força externa que actua paralelamente ao eixo de rotação. No estado
final, os dois discos rodam com velocidade angular final ω.

Fig. 15.33 Dois discos rodam na configuração final com velocidade angular ω.

QuadroNegro 5

15.1.5 Cilindros/esferas a rolar

Quando um cilindro de raio R rola (sem deslizar) sobre uma superfı́cie horizontal
de um ângulo θ (Fig. 15.34-(a)) o seu CM move-se de uma distância s = Rθ . A
velocidade e a aceleração do CM para a rotação sem derrapagem são dadas pelas
expressões conhecidas
vc = ds dθ
dt = R dt = Rω
dvc (15.111)
ac = dt = R dωdt = Rα
15.1 Dinâmica do corpo rı́gido: rotação em torno de um eixo fixo 277

Fig. 15.34 (a)-Na rotação de um cilindro sem deslizamento de um ângulo θ , o seu CM desloca-
se de uma distância s = Rθ ; (b)-Todos os pontos de um corpo ao rodar movem-se numa direção
perpendicular ao eixo que passa pelo ponto de contacto P. O CM move-se com velocidade vc ,
enquanto que o ponto P0 move-se com velocidade 2vc .

Apercebemo-nos que os diferentes pontos do objecto têm diferentes velocidades


lineares. A velocidade linear de qualquer ponto está dirigida perpendicularmente à
linha que vai desse ponto ao ponto de contacto P. O ponto de contacto P está em
repouso relativamente à superfı́cie. O eixo que passa por P e é perpendicular a →−
vc
é o eixo instantâneo de rotação.
Um ponto genérico Q localizado sobre o cilindro possui componentes horizontal
e vertical da velocidade. Em particular, os pontos P e P0 têm especial interesse.

P : vp = 0
C : vc = Rω (15.112)
P0 : vP0 = 2Rω.
Repare que todos os pontos do cilindro possuem a mesma velocidade angular ω.
Assim, podemos concluir o seguinte:
Na translação todos os pontos têm a mesma velocidade v = vc (Fig. 15.35-(a)).
Na rotação, vc = Rω, todos os pontos têm a mesma velocidade angular ω e a
velocidade linear é proporcional à distância ao eixo de rotação (Fig. 15.35-(b)).
No movimento combinado de translação e rotação (Fig. 15.35-(b)), tem-se:

vP = vc − Rω = 0
vc = vc + 0 = vc (15.113)
vP0 = vc + ωR = 2vc

O que há de notável neste exemplo é que o efeito combinado da translação do CM

Fig. 15.35 (a)-Translação; (b)-Rotação; (c)-Translação e rotação.

e da rotação em torno de um eixo que passa pelo CM é equivalente a uma rotação


pura com a mesma velocidade angular em relação a um eixo que passa pelo ponto
de contacto do corpo rolante:

K = 12 IP ω 2
IP = Ic + MR2
(15.114)
∴ K = 12 Ic ω 2 + 12 MR2 ω 2
= 21 Ic ω 2 + 12 Mv2c

Conclui-se assim que: A ENERGIA CIN ÉTICA TOTAL DE UM OBJECTO EM ROLA -


MENTO É A SOMA DA ENERGIA CIN ÉTICA ROTACIONAL EM TORNO DO EIXO DO
CM MAIS A ENERGIA CIN ÉTICA DE TRANSLAÇ ÃO DO CM.
278 15 Momentos de Inércia

Iremos enunciar em seguida dois teoremas sem os demonstrar.


T EOREMA 1: O deslocamento de um corpo rı́gido pode ser decomposto em dois
movimentos independentes: a translação do centro de massa e a rotação em torno
do CM.
T EOREMA 2: O movimento de rotação em torno do CM depende somente do
torque em relação ao CM, independentemente do movimento de translação.

15.1.6 Movimento de rolamento de um corpo rı́gido

Um tipo de movimento rotacional de um corpo rı́gido acontece quando o eixo de


rotação é paralelo a ele próprio, isto é, a sua orientação é constante no espaço.
Situações onde se encontra o movimento combinado de translação e de rotação:
bola, cilindro, roda sobre superfı́cies planas.
As equações do movimento são:

− →

d→
−r
P = M ddtR =
R
dt dm

− →
− →
− →
− ext
dP dV d2 R (15.115)
dt = M dt = M dtR = ∑ F
K = 21 MV 2 + 12 v2c dm

Para o momento angular temos



− →
− → −
Z
L = [ R × P ]+ [→
−r × →
c

v c ]dm (15.116)
M

− → − →

L = L or + L s . (15.117)


L or - momento angular orbital do CM em relação à origem.


L s - momento angular intrı́nseco (ou de “spin”) em relação ao eixo que passa
pelo CM.
Pode-se mostrar que


dLs →
=− τc (15.118)
dt
onde →−τ é o torque em relação ao CM produzido pelas forças externas. Este re-
c
sultado é independente do tipo de movimento do CM que, em especial, pode ser
acelerado. O CM seria neste caso um referencial não-inercial.
O movimento combinado de translação e rolamento é um caso de especial

− →

relevância. A orientação de L s é constante no espaço com torque paralelo a L s ,
embora o módulo possa variar.
Como o objecto possui um movimento geral de translação do CM com uma
rotação em torno do mesmo CM que se mantém paralelo a si mesmo (ex: sistema
Terra-Sol, Vd. Fig. 15.36), podemos escrever
15.1 Dinâmica do corpo rı́gido: rotação em torno de um eixo fixo 279

τs = Is dω
dt = Is α (15.119)
K = 12 MV 2 + 12 Is ω 2 .

Fig. 15.36 Sistema Terra-Sol.

Exemplo 24: Objecto redondo rolando num plano inclinado (Fig. 15.37).
Um objecto redondo parte do topo do plano inclinado a partir do estado de re-
pouso. Supõe-se não haver derrapagem. O movimento de rolamento só é possı́vel
na presença de atrito que produz o torque em relação ao CM.
Não há perda de energia porque o ponto de contacto não se move relativamente
à superfı́cie! A energia mecânica total conserva-se.

vc = Rω
1 vc 2
+i 12 Mv2c

K= 2 Ih
c R (15.120)
1 Ic 2
= 2 R2 + M vc .

∆U = −Mgh
∆ K = −∆U
1 Ic 2 = Mgh
(
2 R2 + M)v
r c (15.121)
2gh
vc = Ic .
1+
MR2

Fig. 15.37 Objecto redondo rolando sobre plano inclinado. A energia mecânica conserva-se se não
ocorrer derrapagem.

No caso particular do objecto redondo ser uma esfera, tem-se Ic = 25 MR2 , donde
podemos obter s r
2gh 10
vc = = gh. (15.122)
2 MR2 7
1+ 2 5 MR

Supondo que a esfera percorre a distância x, qual é a aceleração alcançada?


Sendo h = x sin θ a altura donde parte a esfera, obtemos sucessivamente:

v2c = 107 gx sin θ


v2c = 2ac x (15.123)
ac = 75 g sin θ

A aceleração é menor do que a alcançada por um objecto que não rola.


Exemplo 25: Rolamento sem derrapagem, Fig. 15.38.
Qualquer objecto redondo de raio R e massa M rola em torno do seu CM à medida
que desce no plano inclinado de declive θ . Seja I = β MR2 o seu momento de inércia.
280 15 Momentos de Inércia

Temos que resolver o sistema de equações

∑ τc = Ic α
τ f + τg + τN = R f + 0 + 0 = Iα (15.124)
∑ fx = Mg sin θ − f = Mac

Se o movimento for de rolamento sem derrapagem, temos

vc = Rω; ac = Rα (15.125)
2 ac
Mg sin θ − RI α = Mg sin θ − β MR
R R
= Mg sin θ − β Mac = Mac (15.126)
sin θ
∴ ac = g1+β .

Fig. 15.38 Diagrama de forças de uma esfera sólida rolando sobre um plano inclinado.

Não havendo derrapagem a frição é estática

f s ≤ µs N
Iα β MR2 1 g sin θ
fs = R = R R 1+β ≤ µs Mg cos θ (15.127)
∴ tan θ ≤ µs 1+β β .

Para um ângulo superior ao θ determinado pela equação precedente, o objecto


deslizará à medida que rolar no plano inclinado. Porém, se começar a deslizar, os
pressupostos mudam porque v 6= ωR e a 6= αR!
• arco: β = 1;
• cilindro: β = 1/2;
• esfera: β = 2/5.

(ac )es f era = 75 g sin θ ;


(ac )cilindro = 23 g sin θ ; (15.128)
(ac )arco = 21 g sin θ .
Exemplo 26: Um disco plano encontra-se sobre uma superfı́cie plana que não


oferece atrito (Fig. 15.39). A força F é aplicada na extremidade da corda que se
encontra enrolada em torno do disco. O disco roda em torno do seu eixo vertical e
move-se horizontalmente. Aplicação numérica: M = 2 kg, R = 10 cm, F = 5 N.

Fig. 15.39 Disco sobre superfı́cie lisa.

a) Aceleração do CM:
15.1 Dinâmica do corpo rı́gido: rotação em torno de um eixo fixo 281

F 5
ac = = = 2.5m/s2 . (15.129)
M 2
b) Torques:
τc FR 2F 2×5
α= = 1 = = = 50rad/s2 . (15.130)
Ic 2 MR
2 MR 2 × 0.10

c) Qual é a aceleração do extremo livre da corda?


A velocidade vo da corda no ponto P é a velocidade de P relativa ao CM (vT =
Rω) mais a velocidade do CM relativa à superfı́cie:

vo = Rω +V
as = dv o dω
dt = R dt + ac
(15.131)
= Rω + ac = 7.5m/s2 .

Exemplo 27: Cilindro em queda.


Uma corda encontra-se enrolada em torno de cada um dos extremos de um cilin-
dro sólido (Fig. 15.40). O cilindro é deixado cair.

Fig. 15.40 Cilindro em queda.

τc = Ic α
2T R = 12 MR2 α
(15.132)
Mg − 2T = Ma
a = Rα
Resolvendo, obtém-se
a = 23 g
(15.133)
T = 16 Mg.
Exemplo 28: O estudante e a prancha.
Um estudante salta para cima de uma prancha (Fig. 15.41). Qual é a posição da
prancha 1.2 s após o salto?
• massa do estudante : m = 70 kg;
• massa da prancha : M = 50 kg;
• largura da prancha estreita 2b = 5 m;
• superfı́cie horizontal sem atrito;
• velocidade inicial do estudante : v = 3 m/s.
• sistema inicial : prancha + estudante a correr
• sistema final : (prancha + estudante) em movimento como corpo rı́gido.


Não há forças horizontais e portanto, o momento P hor conserva-se:
282 15 Momentos de Inércia

Fig. 15.41 Estudante + prancha.

QuadroNegro 6

Fig. 15.42 Movimento do CM no problema do estudante e da prancha.

No exemplo 28 usamos uma propriedade dinâmica importante:


E XIST ÊNCIA DE UM PONTO DO CORPO R ÍGIDO POSSUINDO RELAÇ ÕES DIN ÂMICAS
PARTICULARES : Se for aplicada uma força sobre um corpo rı́gido e livre de se
15.1 Dinâmica do corpo rı́gido: rotação em torno de um eixo fixo 283

mover de qualqer modo e se essa força passar pelo centro de massa do corpo, esse
corpo ficará animado com um movimento de translacção; se a linha de actuação
dessa força não passar pelo centro de massa, o corpo terá como movimento geral
uma translacção e uma rotação em torno do seu centro de massa
Mostramos na Fig. 15.43 uma comparação entre as grandezas fı́sicas do movi-
mento linear e rotacional.

Fig. 15.43 Analogias entre as grandezas fı́sicas do movimento linear e rotacional.

Exemplo: Cada uma das 4 rodas de uma viatura de massa total M tem o raio R e
massa m. A viatura é propelida com a ação do torque G aplicado no eixo das rodas
traseiras. Calcule a aceleração da viatura em movimento horizontal (Fig. 15.44).

Fig. 15.44 Viatura em movimento horizontal propelida por ação do torque G.

Seja θ o ângulo de rotação de cada roda. A força de frição F nas rodas traseiras
propele a viatura para a frente, enquanto que em cada roda dianteira se exerce uma
força de atrito que obriga a roda a rodar (sem deslizar) e actua no sentido oposto ao
movimento. A equação dinâmica aplicada à roda traseira dá-nos o resultado:

1 d2θ
G − RF = mR2 2 . (15.134)
2 dt
Nas rodas dianteiras teremos
1 d2θ
RF1 = m 2 . (15.135)
2 dt

− →

O CM da viatura move-se devido à ação da força resultante 2 F − 2 F 1 :


− → − d2θ
2( F − F 1 ) = MR 2 . (15.136)
dt
Verifica-se que o torque capaz de mover a viatura com as rodas em aceleração an-
gular α = θ̈ é:
(m + M)R2 θ̈
G= , (15.137)
2
e a aceleração da viatura é
2G
a = Rθ̈ = (15.138)
(m + M)R2
284 15 Momentos de Inércia

15.2 Giroscópio

Nesta Seção introduziremos os princı́pios básicos do giroscópio. Um giroscópio


é um dispositivo mecânico basicamente constituı́do por um volante ou roda em
rotação rápida, possuindo uma energia cinética muito superior à sua energia po-
tencial gravitacional. Foucault definiu em 1852 o giroscópio como um aparelho que
exibe um momento angular forte 3 .
Considere um giroscópio suportado num ponto de suspensão O, tal como se en-
contra ilustrado na Fig. 15.45. Suponha que o movimento do CM é de precessão em
relação ao eixo vertical. O ponto de suspensão (oupivot) do giroscópio oferece uma
reacção que se contrapõe ao peso:

N = Mg, (15.139)

de modo que não há movimento vertical.

Fig. 15.45 O movimento de um simples giroscópio em torno de um ponto de apoio sem atrito O.
O eixo vertical é o eixo de precessão e o eixo do gisroscópio é o eixo de rotação (ou spin).

O torque em relação à origem O é:



− →
− → −
τ o =[R × F]
(15.140)
= Mgl sin γ

O módulo é τ = mgl sin γ, a direção é sempre perpendicular a →


− g.→
ω s e M→
− −τ é normal

− →
− →

ao plano definido por ω s e ω p = Ω .
O movimento de um simples giroscópio em torno de um ponto de apoio sem
atrito O descreve um movimento de precessão em relação ao eixo vertical → −
ω p e um


movimento de rotação (ou spin) em relação ao seu eixo de simetria, ω s .
Assumindo que o movimento de precessão é muito lento, de modo que → −
ω p→ −
ωs
e possamos desprezar o momento angular devido à precessão, podemos escrever

∴ Lo ∼ Iωs

− (15.141)
dL
dt =→−τ

Num intervalo de tempo dt a variação do momento angular é dado simplesmente


por


| d L |=| →
−τ | dt = Mgl sin γdt, (15.142)
mostrando-se na Fig. 15.46 a composição dos vectores.
O ângulo dφ varrido pelo eixo no intervalo de tempo dt é naturalmente dado por

3 Léon Foucault, “Sur une nouvelle démonstration expérimentale du mouvement de la terre fondée
sur la fixité du plan de rotation”, Compt. Rend. 35, 421 (1852).
15.2 Giroscópio 285

Fig. 15.46 Variação do momento angular durante o intervalo de tempo dt.

dL Mgl sin γdt


dφ = = , (15.143)
Lo sin γ Lo sin γ

onde se pode definir uma frequência de precessão

dφ Mgl
Ω = ωp = = . (15.144)
dt Lo
Como se depreende, o movimento de precessão é independente do ângulo de
inclinação e de facto o movimento pode ser horizontal.
Podemos reescrever a expressão anterior na forma:

ω p Lo sin γ = Mgl sin γ



− →
− (15.145)
τ o = [→ −
ω p × L o]

No caso do giroscópio ser inicialmente largado com → −


ω p = 0, ele começa por
cair sob a ação do campo gravı́tico. Surge então um torque que dá lugar ao deslo-
camento rotacional e o CM eleva-se até à altura inicial. Em geral acaba-se por so-
brepor um movimento de nutação aos dois movimentos de precessão e spin, matéria
muito complexa para se abordar aqui. É extraordinário observar que em lugar do
giroscópio cair sob a acção do seu próprio peso descreve uma trajectória circular
pela acção do torque!

15.2.1 Dinâmica linear do giroscópio



− →
− −
Sabemos que L o = I →

ω s e denotamos a frequência de precessão por Ω = →
ωp eo
torque é →

τ.
Portanto

− →

τ = [Ω × I→−
ω s ]. (15.146)

Fig. 15.47 Movimento de precessão de um giroscópio girando em torno do seu eixo de simetria.
A única força externa actuando sobre o giro é a força normal N e a força gravı́tica Mg. A direção
do momento angular, L, é ao longo do seu eixo de simetria.

Exemplo 29: O cálculo da precessão pode ser também feito por outro processo.
Considere 2 partı́culas de massa m ligadas por meio de uma haste rı́gida de compri-
mento 2L. O momento angular é Ls em relação ao eixo z. As massas têm a veloci-
dade vo (Fig. 15.48).
286 15 Momentos de Inércia

Fig. 15.48 Precessão giroscópica.

Suponha que o torque é aplicado durante um intervalo de tempo curto ∆t no


momento em que a haste se encontra ao longo do eixo dos x:

− →

∑( F + (− F )) = 0, (15.147)

e o CM não se move.
Ocorre uma variação do momento de cada uma das massas:


∆→
−p = m∆ →

v = F ∆t. (15.148)

Portanto ∆ →
−v é perpendicular a →−
v o.
Tal significa que ocorre uma mudança da direção da velocidade e a haste roda em
torno de uma nova direção - o eixo de rotação inclina-se ligeiramente de um ângulo
∆ ϕ:
∆ v F∆t
∆ϕ ∼ = (15.149)
vo mvo
O torque é τ = 2FL e Ls = 2mvo L onde L é o comprimento da haste
F∆t 2LF∆t τ∆t
∴ ∆ϕ = mvo = 2Lmvo = Ls (15.150)

onde
∆ϕ τ
Ω= = (15.151)
∆t Ls
denota a frequência de precessão, como já foi referido.

Fig. 15.49 Geometria da operação realizada pelo girocompasso. O girocompasso é semelhante ao


giroscópio. É uma bússola que encontra o verdadeiro norte (isto é, a direção do eixo de rotação
da Terra) usando uma roda em rotação rápida movida por um motor eléctrico. É usado em navios,
aviões, ...

Exemplo 29: O giroscópio que faz parte do horizonte artificial para um avião
possui as seguintes caracterı́sticas:

m = 5kg
Ik = 8 × 104 g.cm2
(15.152)
l = 0, 25cm
ω = 2094rad/s

a) Calcule o perı́odo de precessão T = Ω .

2π Ik ω
T= = 2π = 860s = 14mn20s. (15.153)
Ω mgl
15.2 Giroscópio 287

b) Quando o giroscópio tem o ponto de suspensão abaixo do centro de massa,


também se chama de pêndulo giroscópio. Pode-se fazerq corresponder ao seu
perı́odo T um comprimento reduzido L, tal que T = 2π Lg . Calcule o seu com-
primento reduzido L.

Ik2 ω 2
L= = 180km. (15.154)
m2 l 2 g
Repare que a velocidade angular da precessão estimulada é cerca de 1.7 × 106 vezes
inferior à velocidade angular de rotação em torno do eixo de revolução.

15.2.2 Nutação do giroscópio

Ao movimento de precessão pode-se sobrepor o movimento de nutação que con-


siste numa oscilação do eixo do giroscópio, tal como se assinala na Fig. 15.50

Fig. 15.50 Movimento de nutação de um giroscópio.

A equação do movimento rotacional, válida num referencial de inércia, é dada


por


dL
=→−τ. (15.155)
dt
A passagem de um referencial de inércia para um referencial em rotação é operada
pela transformação:

−! →
−!
dL dL →

= + [→

ω × L ]rot , (15.156)
dt dt
in rot

sendo que → −
ω representa a velocidade angular do referencial em rotação. Vamos
aqui supor, para simplificar, que os eixos cartesianos se encontram ao longo dos
eixos pricipais de inércia de um corpo em rotação. Assim, podemos escrever

Lx = Ix ωx ; Ly = Iy ωy ; Lz = Iz ωz , (15.157)

não esquecendo que os eixos principais estão rigidamente ligados ao corpo sólido.
Podemos agora introduzir a Eq. 15.157 na Eq. 15.156. É fácil ver que a primeira
componente da Eq. 15.157 é
− →
→ −
 
dLx
dt rot + [ ω × L ]x = dIdt + ωy Lz − ωz Ly
x
(15.158)
= Ix dω
dt + ωy Iz ωz − ωz Iy ωy = τx
x
288 15 Momentos de Inércia

Como se vê, as equações correspondentes às três componentes podem-se escrever


na forma conhecida por Equações de Euler:

dωx
Ix + (Iz − Iy )ωy ωz = τx , (15.159)
dt
dωy
Iy + (Ix − Iz )ωx ωz = τy , (15.160)
dt
dωz
Iz + (Iy − Ix )ωx ωy = τz . (15.161)
dt
Exemplo 30: Movimento de precessão de um giroscópio simétrico
O giroscópio simétrico possui a propriedade Ix = Iy 6= Iz . Na ausência de torque
externo, verifica-se de imediato que a Eq. 15.161 dá ωz constante. As restantes
equações resultam em

ω̇x + Ω ωy = 0 ; ω̇y − Ω ωx = 0. (15.162)

Aqui Ω denota a frequência de nutação:


Iz − Ix
Ω≡ ωz . (15.163)
Ix
As Eqs. 15.162 têm como solução

ωx = A cos Ωt ; ωy = A sin Ωt, (15.164)

sendo A uma constante de integração que pode ser determinada com as condições
iniciais do problema.
Chapter 16
Gravitação

“Wise is he who enjoys the show offered by the world.”

- Fernando Pessoa
“The Future is indeed within us and is woven by ourselves. Not being fixed, like the Past,
it can be transformed by our own efforts. The Reparable of the present soon becomes the
Irreparable of the future. The action of Chance, that is to say, of unknown causes, is con-
siderable in the march of events, but it has never yet stopped a nation from deciding its own
fate.”

- Gustave Le Bon, in “The World Unbalanced”.

16.1 Lei da Gravitação Universal

Em 1687 Sir Isaac Newton publicou a lei da gravitação universal na sua obra Prin-
cipia Mathematica. Nela era dito que:
cada partı́cula do universo atrai outra partı́cula com uma força que é proporcional ao produto
das suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas.

Na simplicidade desta lei, Newton condensou todas as observações astronómicas


acumuladas ao longo dos séculos. Numerosos astrónomos tentaram explicar a or-
dem aparente do movimento do Sol e dos planetas no céu, em particular os seus
aspectos recorrentes:
• ciclo do dia e da noite;
• progressão anual dos planetas;
• retorno periódico dos planetas.
Em 150 A.C., Claudius Ptolomeu 1 generalizou os trabalhos realizados pelos
Gregos. A Terra constituı́a o centro do sistema cosmológico. Inventou-se os epi-
1 Claudius Ptolomeus foi um notável astrónomo de Alexandria, autor de obras importantes:
Tetrabiblos (Astrologia), Geografia e Harmonia Musical. O modelo de Ptolomeu constitui um

289
290 16 Gravitação

ciclos, cı́rculos no interior do grande cı́rculo traçado por cada planeta, chamado o
deferente 2 . Em particular, admitiu que os centros dos epiciclos de Mercúrio e Vénus
alinhavam-se numa linha recta que ligava a Terra ao Sol. Este modelo explicava a
variação do brilho dos planetas e podia predizer as futuras posições dos planetas.
Tudo isto está ilustrado na Fig. 16.1.

Fig. 16.1 Sistema cosmológico de Ptolomeu.

Com o sistema epiciclos-deferente podia-se explicar qualquer movimento planetário,


mas à custa de uma excessiva complicação.
Nicolau Copérnico (1473-1543) propôs uma teoria radicalmente nova sobre o
sistema solar, colocando o Sol no centro e a Terra e os outros planetas revolvendo
em redor do Sol em cı́rculos, porém mantendo os epiciclos de modo a manter o
movimento circular uniforme que era suposto os planetas manterem. Estava assim
criada a teoria heliocêntrica do sistema solar. Este modelo explicava o movimento
retrógrado observado.

Fig. 16.2 O movimento retrógrado dos planetas na perspectiva do modelo heliocêntrico de


Copérnico.

Kepler (1571-1630) introduziu as órbitas elı́pticas e quantificou com grande pre-


cisão os dados recolhidos por Tycho Brahe (1546-1601).
Leis de Kepler:
• Primeira Lei de Kepler: “O planeta em órbita em torno do Sol descreve uma
elipse em que o Sol ocupa um dos focos”.
• Segunda Lei de Kepler: “A linha que liga o planeta ao Sol varre áreas iguais em
tempos iguais”.
• Terceira Lei de Kepler: “Os quadrados dos perı́odos de revolução dos planetas
são proporcionais aos cubos dos eixos máximos de suas órbitas”.

Fig. 16.3 Dados planetários.

aperfeiçoamento do Sistema Deferente-Epiciclo, imaginado por dois astrónomos e matemáticos


gregos Apolônio e Hiparco.
2 Deferente significa literalmente aquele que arrasta.
16.1 Lei da Gravitação Universal 291

16.1.1 Lei da Gravidade de Newton

Sir Isaac Newton conseguiu explicar as Leis de Kepler com apenas algumas leis
simples que constituem a Mecânica Newtoniana. Em particular, Newton descobriu
que alguns princı́pios gerais unificavam o Céu e a Terra, mostrando que todos os
fenómenos na Natureza, aqui na Terra como nos Céus 3 , estavam sujeitos às mesmas
leis do movimento e da gravitação.
Newton mostrou que se duas partı́culas têm massas m1 e m2 e estão separadas
pela distância r, o módulo da força gravitacional que as atrai é dado por:
Gm1 m2
F= , (16.1)
r2
onde G = 6.672 × 10−11 N.m2 /kg2 é a constante da Gravitação Universal, que é
usualmente medida por experências do tipo de Cavendish 4 .
As suas caracterı́stica são as seguintes:
• lei do quadrado inverso;
• força atractiva;
• aplica-se a todo o objecto com massa;
• os seus efeitos estendem-se ao infinito.
Na forma vectorial esta lei escreve-se:

− Gm1 m2 −
F 12 = − 2 → u r, (16.2)
r21


onde F 12 é a força que m1 exerce sobre m2 . De acordo com a lei da acção-reacção
para forças centrais, verifica-se sempre

− →

F 12 = − F 21 . (16.3)

Fig. 16.4 Força gravitacional de m1 sobre m2 .

3 “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na Terra como no Céu” - excerto do Evangelho

Segundo São Mateus, Cap. VI.


4 O valor oficial CODATA atribuı́do a G em 1986 foi G = (6, 67259 ± 0.00085) × 10−11

m3 Kg−1 s−2 e foi baseado nas medidas feitas por Luther e Towler em 1982. Contudo, o valor
de G foi posto em questão devido a novas medidas feitas por grupos na Alemanha, Nova Zelândia
e Russia. Por exemplo, em 1996, um grupo alemão do “German Institute of Standards” liderado
por W. Michaelis obteve um valor para G que é 0.6 % superior ao valor aceite. Outro grupo da
University of Wuppertal, Alemanha, liderado por Hinrich Meyer encontrou um valor que é 0.06 %
inferior. O grupo russo encontrou uma variação curiosa no tempo e no espaço que vai até +0.7 %.
Daqui resulta uma controvérsia, e uma procura para realizar experiências mais precisas, mas tem
sido impossı́vel até agora...
292 16 Gravitação

Fig. 16.5 Marés tal como aparecem num velho Almanaque publicado em Londres por James
Reynolds em 1801. Quando a maré está no seu máximo chama-se maré alta, maré cheia ou prea-
mar; quando atinge o seu nı́vel mı́nimo chama-se maré baixa ou baixa-mar. Podemos dizer que, em
média, as marés têm um perı́odo de 12 horas e 24 minutos. As doze horas devem-se à rotação da
Terra e os 24 minutos são devidos à órbita lunar. Quando as forças gravitacionais do Sol e da Lua
estão alinhadas, na ocasião da lua nova e lua cheia, produzem-se marés mais altas, são as marés
de sizı́gia (do Grego, sysygos). Pelo contrário, nas luas minguante e crescente as forças gravita-
cionais do Sol e da Lua estão em quadratura, resultando no enfraquecimento da força resultante e
produzindo-se marés mais baixas: são as chamadas marés de quadratura.

No núcleo galáctico, a formação das estrelas ocorre no seio das nuvens molec-
ulares. Os astrónomos acreditam actualmente que uma nuvem de gaz isola-se,
afundando-se sobre ela mesma devido ao seu peso (à força da gravidade). A pressão
no núcleo aumenta, aquecendo-o, e assim favorecendo a ocurrência de reacções nu-
cleares, na origem da emissão de luz. A nossa Galáxia forma o equivalente a três
vezes a massa solar por ano, o que representa muito pouco em relação ao que se-
ria expectável, dada a profusão de gás interestelar. E porquê? Porque há uma fonte
de perturbação, as nuvens onde se formam as estrelas são alvo de turbulência que
provoca a dispersão desse gśs, provocada pela actividade das estrelas mais próximas
que explodem, criando uma onda de choque. A dimensão das estrelas depende dessa
turbulência e, no seu nascimento, a maioria das estrelas tem a massa aproximada-
mente de 0.3 massas solares. Algumas delas atravessam regiões do espaço ricas em
matéria, aumentando a sua massa por acreção de gás. Por exemplo, a nebulosa RCW
49, é uma das mais prolı́ficas produtoras de estrelas na nossa Galáxia.

16.1.2 Energia potencial gravitacional

Mostrámos em Secção anterior que a variação da energia potencial entre dois esta-
dos i e f é dada por
Z r2


∆U = U f −Ui = − F (r) · d →
−r . (16.4)
r1

No caso de uma partı́cula m situada acima da superfı́cie terrestre, obtém-se:




F = − GMr2T m →

ur
R r2 dr 1 r2
U f −Ui = GMT m r1 r2 = GMT m[−
 r ]r1 (16.5)
1
U f −Ui = −GMT m rf − r1i

A escolha do ponto de referência é arbitrário. Seja Ui = 0 quando ri = ∞, tal que


F(∞) = 0:
∴ U(r) = − GMrT m , r > RT . (16.6)
Para duas partı́culas quaisquer m1 e m2 :
16.1 Lei da Gravitação Universal 293

GMT m
U(r) = − . (16.7)
r

Fig. 16.6 Energia potencial gravı́tica.

Exemplo 1: A Eq. 16.19 explica um fenómeno de grande importância em As-


tronomia: o colapso gravitacional, que consiste na queda sobre si próprio de um
corpo massivo sob a acção da gravidade. Este fenómeno está na origem da formação
de estruturas no Universo. A partir de uma distribuição inicial de matéria, o colapso
gravitacional conduz à formação de uma hierarquia de estruturas, tais como agru-
pamento de galáxias, grupos estelares, estrelas e planetas. Estime o tempo carac-
terı́stico do colapso gravitacional. Aplique a fórmula obtida para estimar o tempo
de colapso gravitational do Sistema Solar.
Seja uma massa m de gás em queda livre desde a superfı́cie de um corpo esférico
de massa M e raio R, atraı́da pela sua força gravı́tica. Da conservação da energia
mecânica total obtém-se:
Ki +Ui = K f +U f
1
− GMm
Ri = 2 qmv2 − GMm
R
⇒ v = 2GM R ,

admitindo que Ri  R. Tal significa que a massa m tem a velocidade v à superfı́cie


do corpo massivo. O tempo que decorre até que m atinja o centro do corpo esférico,
admitindo que a aceleração é uniforme, é:
r r
R R3 3 1
t= = = √ , (16.8)
v 2GM 8π Gρ

tendo nós inserido a relação M = ρ 43 πR3 . O sistema solar possui a massa total M =
2 × 1033 g, e o raio médio é de R = 7.5 × 1014 cm. A Eq. 16.8 permite-nos estimar
o tempo de colapso do sistema solar em tc ≈ 1.8 × 109 s.
Exemplo 2: O nascimento das estrelas resulta do gradual colapso gravitacional
de uma nuvem de gás interestelar.

16.1.3 Princı́pio da sobreposição

A energia potencial total associada a um conjunto de partı́culas é dada pela soma


sobre todos os pares (Fig. 16.7). Por exemplo, para um sistema de três partı́culas
tem-se:
Utot = U12 +U13 +U23 
(16.9)
= −G mr112m2 + mr112m3 + mr223m3 .
294 16 Gravitação

Fig. 16.7 Diagrama de três partı́culas em interação.

Generalizando a expressão da energia potencial de N corpos passa-se a escrever:

1 N N
GMi M j
U =− ∑ ∑ . (16.10)
2 i= j;(i6= j) j=1 ri j

Exemplo 3: Qual é a energia gravitacional da galáxia? Considere que há nela N


estrelas de massa M.
Repare que temos N termos do tipo ∑Ni=1 e (N − 1) termos do tipo ∑Nj=1 . Daqui
resulta
1 M
U ≈ − GN(N − 1) . (16.11)
2 R
Se N ≈ 1.6 × 1011 estrelas e R ∼
= 1021 m (distância média entre estrelas), M ≈ 2 ×
30
10 kg, estima-se então que

U ≈ −4 × 1051 J.

Exemplo 4: Energia gravitacional de uma esfera uniforme.


Podemos começar por considerar a energia de interacção entre um núcleo esférico
pleno de raio r e uma camada esférica de espessura dr que a rodeia. Logo, a
massa da esfera é 4πρr3 /3 e a massa da camada é 4πr2 drρ. Usando o princı́pio
da sobreposição, podemos escrever
4π 3 2

3 r ρ (4πr ρ) 1
dU = −G = − G(4πρ)r4 dr. (16.12)
r 3
Integrando sobre todas as camadas, imaginando-as como constituindo uma cebola,
obtemos sucessivamente:
2 5
G(4πρ)r4 dr = − G(4πρ)
R RR 1 R
US = dU = − r=0 3 3 5
 2
3 GM 2
(16.13)
US = − 35 G 4πρ3 R3 1
R = − 5 R .

No caso do Sol, obtém-se:

3(7 × 10−11 )(2 × 1030 )2 ∼


US ∼
=− = −2 × 1041 J.
5(7 × 108 )

16.1.4 Energia potencial de uma calote esférica e de uma partı́cula

Considere uma partı́cula pontual de massa m e uma calote esférica de massa M,


espessura t e raio R. A separação entre o centro da calote e a partı́cula é r (Fig. 16.8).
16.1 Lei da Gravitação Universal 295

Fig. 16.8 Geometria dos cálculos da energia potencial de uma calote esférica e uma partı́cula. A
espessura da calote é t.

A partı́cula está em P. Considere um anel de material com densidade ρ tendo


todos as partes a igual distância s de P.
A largura do anel é Rdθ , a espessura t e o raio R sin θ .
A massa dM do anel é dada por

dM = (Rdθ ).2πR sin θ .t.ρ


(16.14)
dM = 2πR2tρ sin θ dθ .

A energia potencial criada pelo anel no ponto do espaço onde se encontra a


partı́cula m é
GmdM 2πGmR2tρ sin θ dθ
dU = − =− (16.15)
s s
A fim de obter a energia potencial total da calote esférica temos que integrar so-
bre todo a calote. Mas é mais simples integrar sobre s em lugar de θ e para tal é
conveniente fazer uma mudança de variável:

s2 = r2 + R2 − 2rR cos θ
ds
2s dθ = 2rR sin θ
sin θ ds (16.16)
s dθ = rR
2πGmRtρ
∴ dU = − r ds

Há dois casos a considerar:


Caso I: r > R: (m está fora do escudo)

θ = 0 s = r−R
(16.17)
θ = π s = r+R

U(r > R) = dU = − 2πGmRtρ


R R r+R
r r−R ds
(16.18)
U = − Gm 2
r (4πR tρ).

Mas M = V ρ = (4πR2t)ρ:
GmM
∴U =− . (16.19)
r
Concluı́mos assim que o potencial criado por uma calote esférica de massa M com
raio R é exactamente igual ao potencial criado por uma partı́cula pontual de massa
M localizada no centro (no caso de pontos fora da calote).


− → dU → GMm −
F (−r ) = − −
ur =− 2 →u r. (16.20)
dr r
Caso II: r < R: (m está dentro da calote esférica)
296 16 Gravitação

Consideremos agora o caso em que a partı́cula encontra-se dentro da calote


esférica:
θ = 0 s = R−r
(16.21)
θ = π s = R+r
O integral a perfazer é o seguinte:

U(r < R) = − 2πGmtρR R+r 2πGmRtρ


R
r R−r ds = − r [(R + r) − (R − r)]
(16.22)
= − GmR (4πR2 tρ) = − GmM .
R

Conclui-se assim que o potencial é constante no interior do escudo. A força exercida


na partı́cula m é então nula:


− → dU →
F (−r ) = − −
ur =0 (16.23)
dr
A força exercida sobre m no interior da esfera anula-se porque por simetria todas as
partes anulam-se par a par. A Fig. 16.9 mostra as curvas de potencial gravı́tico e a
força gravitacional que dela deriva.

Fig. 16.9 (a) - Potencial gravı́tico; (b) - força gravitacional.

16.1.5 Descrição da experiência de Cavendish

A experiência de Cavendish consiste basicamente num par de esferas, cada par for-
mando um halter que tem um eixo comum em torno do qual pode rodar (Fig. 16.10).
Um dos halteres está suspenso por uma fibra de quartzo e é livre de rodar torcendo
a fibra. A torsão é medida pela posição de um raio de luz reflectido por um espelho
colado à fibra. O segundo halter pode girar sobre um eixo de tal modo que cada uma
das suas esferas fica muito próxima de uma das esferas do outro halter. A atração
gravitacional exercida entre os dois pares de esferas produz uma torsão da fibra, e é
a magnitude da torsão que permite calcular a força gravitacional.
A força exercida sobre as massas M e m distantes de r uma da outra é:
GMm
F= . (16.24)
r2

Fig. 16.10 Experiência de Henry Cavendish.

O torque em relação ao eixo de suspensão devido ao binário das forças gravita-


cionais por sua vez é
16.1 Lei da Gravitação Universal 297


− →
− → −
τ = [ L × F ], (16.25)
tendo como módulo
lGmM
τ= (16.26)
r2
Mas o fio torcido resiste ao binário criando um torque oposto que segue a lei de
Hook para os fios de torsão:
τ = −kφ (16.27)
Mostra-se que o perı́odo das oscilações de um pêndulo de torsão é dado por
r
I
T = 2π , (16.28)
k

onde o momento de inércia das massas na haste é I = ml 2 /2 e o ângulo de reflexão


do feixe de luz no espelho é dado por θ = 2φ .
Obtém-se as seguintes equações:

−kφ = lGmM r2
φ = lGmM
kr 2
(16.29)
φ 0 = 2lGmM
kr2
θ 2lGmM
2 = kr2

O ângulo φ 0 corresponde ao ângulo total de deflexão.


Suponhamos que os resultados de uma experiência são os seguintes:

r = 4.65cm
M = 1.5kg
m = 0.015kg
l = 10cm
L = 5.7m
k = 8.5 × 10−9 N.m/rad (16.30)
∆ s = Lθ
T ∼ 10 min
∆ s = 4lLGmM
kr2
4×0.10L×6.672×10−11 ×0.15×1.50
= 8.5×10−9 ×(0.0465)2
∆ s = 0.0327L(m)

Para uma distância do espelho à parede L = 5.7 m, obtém-se um erro experimental


de 2.6 %.
(∆ s)teo = 18.6cm
(16.31)
(∆ s)exp = 19.1cm
298 16 Gravitação

16.1.6 Análise elementar da órbita translunar

Considere o problema de uma nave com massa m movendo-se com a velocidade v


no campo gravitacional da Terra de massa MT e da Lua ML . Assumindo que a nave
não perturba o movimento da Lua que orbita a Terra num cı́rculo de raio D, a energia
potencial da nave é dada por
GMT m GML m
U =− − (16.32)
r r0
onde r e r0 são as distâncias desde a Terra e da Lua até à nave, respectivamente. A
sua energia total mecânica é
1
Em = mv2 −U(r, r0 ). (16.33)
2
Ao longo da linha que une a Terra à Lua, r0 = D − r (e, neste caso, U(r, r0 ) = U(r)
pois D é fixo). Podemos verificar que existe um ponto B onde a força que age sobre
m se anula, isto é,
dU
|r=B = 0. (16.34)
dr
Da Eq. 16.32 obtemos logo
D
B= (16.35)
1+ε
e
(1 + ε)GmMT
U(B) = − (16.36)
B
onde
ML 1/2
 
ε= (16.37)
MT
Substituindo as massas da Terra e da Lua na Eq. 16.37 verifica-se que ε = 1/9, ou
seja, B = 0.90D, a fronteira entre o campo gravı́tico da Terra e da Lua encontram-se
a cerca de 90 % da distância Terra-Lua.
Refira-se que a velocidade com que a nave Apollo-8 chegou ao ponto B era de
vB ≈ 3380 km/h.
Assumindo que a órbita do satélite é elı́ptica, a sua energia é 5
GMT m
E =− (16.38)
2a
onde 2a é o eixo-maior da elipse.
Exemplo 5: Supondo que a nave foi colocada numa órbita elı́ptica de eixo-maior
2a, qual é a velocidade orbital lunar vM (isto é, a velocidade com que a nave chega
à Lua)?

5 Veja o Cap. 16.


16.1 Lei da Gravitação Universal 299

A energia mecânica total é dada por


GMT m 1 2
Em = − = mvB +U(B). (16.39)
2a 2
Obtém-se
E = 21 mv2 − GMrT m
Eq = − GM2aT m (16.40)
∴v= GMT ( 2r − 1
a)

onde a última expressão dá a velocidade da nave em qualquer posição r da sua


órbita. Pondo r = a = D, tem-se
r
GMT
vM = (16.41)
D
Mostra-se que se pode reescever a Eq. 16.39 na forma

D u2 (1 + ε)D
− = − (16.42)
2a 2 B
onde pusemos u ≡ vB /vM . Obtemos então

vM = 3670km/h.
u = 0.92
D (16.43)
B = 1 + ε = 1.11
∴ 2a = 1.23D.

Concluı́mos que o eixo-maior da elipse descrita pela órbita da nave é um pouco


maior que o mı́nimo necessário para atingir a Lua, isto é, um pouco mais do que
0.9D.
Exemplo 6: Suponha que a nave é injectada a partir de uma órbita circular baixa
à distância r0 do centro da Terra, por exemplo, a 160 km de altitude, ou r0 = 6539
km. Calcule a velocidade que deverá ser comunicada ao satélite de modo a que a
nave atinja a Lua. Se escolhermos a órbita elı́ptica 2a = 1.23D, obtemos v0 = 3949.3
km/h. Usando a Eq. 16.41, podemos construir a seguinte tabela:

2a = 1.23D v0 = 3949.3 km/h


2a = 0.9D v0 = 3939.7 km/h
(16.44)
2a = ∞ v0 = 3976.7km/h velocidade de escape
2a = 2r0 v0 = 2811.5km/h órbita circular

Os resultados apresentados em 16.44 mostram que a velocidade adicional que


é necessária para atingir a Lua é apenas ligeiramente superior à que é necessária
para escapar ao campo gravı́tico do sistema Terra-Lua. Note-se também que todas
as velocidades têm a mesma ordem de grandeza, concluindo-se que o “custo” do
300 16 Gravitação

Table 16.1 Dados para o Sistema Solar.


Distância Terra-Lua D 384398.3 km
Raio da Terra RT 6377.8 km
Raio da Lua RL 1738 km
ε2 ML /MT 0.01228
Massa da Terra MT 5.983 × 1024 kg
Constante Gravitação Universal G 6.67 × 10−11 N m2 kg−2

voo não é o único critério a ter em conta para selecionar a órbita, pois que em todos
os casos tratam-se de missões extremamente dispendiosas.
Exemplo 7: Sabendo que o perı́odo da órbita é dado pela expressão (despreza-se
a influência da Lua): s
a3
T = 2π (16.45)
GMT
determine o tempo que leva a viagem à Lua 6 . Admita que se escolheu a órbita
elı́ptica, tal que 2a = D.
q
(1.92×108 )3
T = 2π 6.67×10 −11 ×5.983×1024

T = 8.37 × 105 s (16.46)


T ≈ 10 dias.

A viagem à Lua decorre em cerca de 10 dias (ida e volta) no caso de usarmos a órbita
elı́ptica. As naves Apollo levaram cerca de três dias percorrendo órbitas diferentes
(Fig. 16.11).

Fig. 16.11 Órbita Terra-Lua descrita pelo Apollo-8.

16.1.7 Energia potencial do sistema esfera-partı́cula

Considere uma partı́cula de massa m à distância r do centro de uma esfera sólida


homogénea de massa M e raio R.
Caso I: r ≥ R:
Pode-se imaginar que a esfera sólida é constituı́da por um grande número de
camadas desde o núcleo até à superfı́cie de raio R.
6 Na verdade este exemplo ilustra uma órbita muito semelhante à que foi descrita pela sonda

Soviética Luna-3 lançada a 4 de Outubro de 1959 e que sobrevoou a face oculta da Luaa 7 de
Outubro. Em lugar de uma órbita heliocentrica, a Luna-3 era de facto um satélite da Terra com
uma órbita muito excentrica com o raio no apogeu ra = 469000 km e um perı́odo de 16.2 dias.
16.1 Lei da Gravitação Universal 301

Como já foi abordado na Secção anterior, a força e a energia potencial criada
pela camada dependem somente da sua massa e da distância r a que uma partı́cula
m se encontra : →

F = − GmM →
−u r , (r ≥ R)
r2 (16.47)
GmM
U =− r , (r ≥ R).
No interior da esfera o caso difere.
Caso II: r ≤ R:
A partir do resultado obtido quando tivemos em conta as camadas esféricas, a
força exercida numa partı́cula é devida inteiramente a toda a massa contida entre
r = 0 e r = r:
(r)
∴ F = GmM r2
, (r ≤ R). (16.48)
Estes dois casos distintos encontram-se sumariados no gráfico da Fig. 16.12.

Fig. 16.12 A força exercida sobre uma partı́cula no exterior da esfera sólida homogénea é dada
por GmM/r2 e está dirigida para o centro. A força qua actua sobre a partı́cula quando ela está na
região interna da esfera é proporcional a r e tende para zero no centro.

M (r) é a quantidade de massa no interior de uma esfera de raio r e M é a massa


total da esfera de raio R. Como a esfera é homogénea, ρ, a sua densidade volúmica
é constante:
3M 3M (r)
ρ=M V = 4πR3 = 4πr  3
r 3
∴ M (r) = M R (16.49)

− GmMr →

∴ F = − R3 u r
A energia potencial na região r ≤ R é obtida a partir da definição:
Z P2


U(P2 ) −U(P1 ) = − ( F · d→
−r ). (16.50)
P1

QuadroNegro 1
302 16 Gravitação

A Fig. 16.13 mostra os gráficos da energia potencial e da força gravitacional


criada por uma esfera sólida homogénea.

Fig. 16.13 Energia potencial e força de atração gravitacional exercida sobre uma partı́cula de
massa m por uma esfera sólida homogénea.

16.1.8 Força gravitacional exercida entre objectos com simetria


esférica

Sejam dois objectos esféricos em atracção mútua exercendo um sobre o outro a


força:

− GmA mB
F AB = (16.51)
r2
onde r é a distância entre eles (Fig. 16.14).
Cada massa elementar do objecto B actua sobre o CM do objecto A, de modo
semelhante ao sistema calote esférica + massa pontual. Somando sobre todos os
elementos dm de B a força resultante actua sobre o CM de A. Usando argumentos
de simetria podemos concluir que a força recı́proca actua também sobre o CM de B.
Pela Terceira Lei de Newton as forças são iguais em módulo e opostas em direção.

Fig. 16.14 A força gravitacional exercida sobre uma esfera A devido a uma esfera B actua sobre o
CM de A.

Se o objecto B não possui simetria esférica, a força sobre A continua a actuar


sobre o CM de A. Porém, a diferença agora é que a força sobre B não actua sobre o
CM de B.
Este resultado vai permitir-nos abordar o caso mais geral de forças gravitacionais
exercidas sobre objectos extensos 7 .

16.1.9 Forças gravitacionais sobre objectos extensos

Sabemos que a força gravitacional exercida pela Terra sobre uma partı́cula de massa
mi é


f i = mi →

g (16.52)

7 Repare bem que nos referimos a objectos que têm volume e forma, não se trata mais aqui de

estudar objectos pontuais.


16.1 Lei da Gravitação Universal 303

onde →
−g é a aceleração da gravidade. Considerando relativamente pequenos objectos
onde se pode assumir → −g constante sobre a extensão do objecto, obtemos

− →

g = (∑ →
F = ∑ f i = ∑ mi →
− −
m i )→

g = M→

g, (16.53)
i i i

onde M é a massa total do objecto. A questão que agora nos colocamos é a seguinte:
em que ponto do objecto actua esta força efectiva?
Calculemos o torque em torno do CM do objecto resultando da acção de todas as


forças f i :

− −r × →
τ c = [∑ →

f i] = ∑ →
−r × m →
− →
− →

i i i g = (∑ mi r i ) × g . (16.54)
i i i

−r = M →
Ora por definição, ∑i mi →

R c e como estamos aqui a medir distâncias em
i


relação ao CM, de modo que podemos pôr R c = 0. Logo, obtemos assim


τ c = 0. (16.55)


Em conclusão, a força total F não pode produzir torques em torno do CM. Isto é,


F actua exactamente no CM do objecto. Este ponto também é chamado de centro
de gravidade do objecto.
Se o objecto for de tal forma extenso que →

g varia em toda a sua extensão, o centro
de gravidade não pode ser facilmente identificado, excepto para objectos esféricos.

Fig. 16.15 As partı́culas individuais mi que fazem parte de um objecto são actuadas por forças
gravitacionais mi g. A soma de todas essas forças indiciduais é equivalente a uma única força que
actua em C, o CM do objecto.

16.1.10 Força de marés (ou força tidal)

As marés são as elevações e depressões da superfı́cie oceânica devido à acção das


forças de maré com origem na Lua e no Sol.
As marés afectam a profundidade das águas dos estuários e marinas e produzem
correntes oscilantes. As previsões das marés são feitas com as leis de Newton, e o
problema foi resolvido sobretudo por Pierre-Simon Laplace, sendo de grande im-
portância a sua previsão para a navegação costeira.
Quando um campo gravitacional é uniforme todas as partes de um corpo em
queda livre experimentam a mesma aceleração. Pelo contrário, se o campo é não
unforme a aceleração varia de ponto para ponto e daqui resultando uma força difer-
encial, provocando um alongamento ou compressão do objecto (Fig. 16.16).
Forças diferenciais são forças de marés, também chamadas forças tidais.
304 16 Gravitação

Fig. 16.16 (a) num campo gravitacional uniforme um objecto experimenta a mesma aceleração;
(b) Quando o campo não é uniforme, a gravidade actua diferentemente nas diferentes partes do
objecto. O resultado é uma força diferencial que tende a alongar um objecto ao longo das linhas de
campo ou a comprimi-lo ao longo da direcção perpendicular às linhas de campo.

Considere dois objectos de massa m separados de uma distância 2a localizados à


distância r da massa M (Fig. 16.18). A força de maré (ou força tidal) exercida sobre
o objecto iguala a diferença entre a força gravitacional em cada um dos extremos:

GMm GMm (r + a)2 − (r − a)2


FT = 2
− 2
= GMm . (16.56)
(r − a) (r + a) (r − a)2 (r + a)2

Daqui resulta a força tidal (ou de maré)


4GMma
FT = (16.57)
r3
válida para distância r  a. Repare que trata-se de uma força que decai rapidamente
como 1/r3 , donde a influência da Lua ser mais importante da que é exercida pelo
Sol (Fig. 16.17).

Fig. 16.17 As marés resultam em primeiro lugar da força diferencial criada pela lua. A força
gravitacional exercida sobre a massa dos oceanos no lado próximo da lua é maior, sendo menor
no lado mais distante. Desta situação resulta que a massa oceânica do lado voltado para a lua é
para aı́ atraı́da desenvolvendo-se duas pretuberâncias de maré e fazendo que um dado lugar possa
experimentar duas marés altas por dia à medida que a Terra roda. A força da gravidade não é
mostrada por ser menor, mas desempenha um papel também importante.

16.1.11 Peso e força gravitacional

Perto da superfı́cie terrestre o peso de um corpo de massa m é

w = mg. (16.58)

Se a igualarmos à força que actua sobre um corpo em queda livre, obtemos a con-
stante de aceleração da gravidade:
GMT m
mg = R2T
GMT (16.59)
∴g ≡ R2
T

Suponha agora que um objecto de massa m está à altura h acima da superfı́cie ter-
restre, ou seja, está à distância r do seu centro:
16.1 Lei da Gravitação Universal 305

r = RT + h. (16.60)

Se o corpo está em queda livre, a sua aceleração é, digamos, g0 :


GMT m
mg0 = r2
= (RGM+h)
Tm
2
T
(16.61)
∴ g0 = GM
r 2
T
= GMT
(RT +h)2

g0 decresce com o incremento de altitude, atingindo no caso limite g0 = limh→∞ 0.


No espaço intersideral os corpos não têm peso (apenas massa).
Considere a energia potencial de uma partı́cula à distância r do centro:
GMT m
U(r) = − , (16.62)
r
sendo que a sua energia potencial à superfı́cie da Terra (r = RT ),é dada por

Fig. 16.18 A força tidal actuando sobre um objecto resulta da diferença em magnitude da força
gravitacional através do objecto.

GMT m
U(RT ) = − . (16.63)
RT
A variação da energia potencial é a sua diferença:
   
1 1 r − RT
∆U = U(r) −U(RT ) = −GMT m − = GMT m (16.64)
r RT rRT

Seja z = r − RT e rRT ≈ R2T , válido se z  RT . Obtemos assim


GMT m
∆U = R2T
z
(16.65)
∆U = mgz.

∆U = mgz representa a variação da energia potencial de uma partı́cula que ocorre


quando se eleva a uma altura z acima da superfı́cie terrestre.
306 16 Gravitação

16.2 Movimento planetário

Os primeiros registos históricos de observação astronómica datam da Babilónia,


feitas no ano 2234 a.C. Em 721 a.C. foi observado o primeiro eclipse. Os mapas,
globos (600 a.C.) e o Zodı́aco (547 a.C.) foram inventados por Anaximandro 8 .
Iremos agora apresentar as Leis de Kepler, obtidas pelo grande sábio alemão ao
fim de penosos e laboriosos cálculos realizados ao longo de 18 anos e usando os
dados astronómicos obtidos pelo astrónomo dinamarquês Tycho-Brahé.
Caso I: órbitas circulares
Um corpo de massa m move-se numa trajectória circular de raio ro em torno de
um objecto massivo com massa M (Sol).
A força actuando no planeta é
GMm
F= . (16.66)
ro2

Se a rapidez do planeta é v, então a sua aceleração centrı́peta é


v2
ac = ro
GMm mv2 (16.67)
∴ ro2
= ro

ou seja
GM
v2 = (16.68)
ro
o raio da órbita fixa a rapidez. O perı́odo de uma revolução é:

T = circun f erencia/rapidez
(16.69)
T = 2πr o
v .

Fig. 16.19 Um corpo de massa m move-se em órbita circular em torno de um corpo de massa M.

 2
GM 2πro
∴ = (16.70)
ro T
donde se obtém a
Terceira Lei de Kepler:

4π 2 3
T2 = r . (16.71)
GM o

8 Anaximandro de Mileto (609-610 a.C. - c. 546 a.C.) foi um filósofo pré-Socrático e discı́pulo de
Tales. Foi um geógrafo, matemático, astronomo e polı́tico. Anaximandro defendia a ideia de que o
princı́pio de tudo reside numa substância primordial chamada “apeiron”, infinita e indeterminada.
16.2 Movimento planetário 307

Na realidade as órbitas dos planetas são aproximadamente circulares e esta análise


simples é bastante boa.
órbitas circulares

QuadroNegro 2

Caso II: órbitas elı́pticas


Primeira Lei de Kepler: As órbitas dos planetas são elipses estando o sol num
dos seus pontos focais.
• Sol ⇔ planetas;
• Terra ⇔ satélites.
• M⇔m
• m  M.
Considere um planeta localizado num dos seus pontos de retorno: r p ou ra .

QuadroNegro 3
308 16 Gravitação

Portanto o afélio e o periélio correspondem às distâncias:


q
L2
ra = rmax = − 2E + ( GMm
GMm
)2 + 2ME
q E (16.72)
L2
r p = rmin = − GMm
2E + ( GMm 2
E ) − 2ME

Verifica-se também que o eixo maior


GMm
A = ra + r p = − (16.73)
E
tem um comprimento independente de L. Todas as órbitas com o mesmo eixo maior
têm a mesma energia total. Pode-se mostrar que
s
2EL2
ε = 1+ . (16.74)
m(GMm)2

Exemplo 8: Um objecto é projectado verticalmente para cima com velocidade


inicial vi (Fig. 16.20). Qual é a altitude alcançada pelo objecto? Assuma que a Terra
está em repouso.
A energia é conservada:
Ki +Ui = K f +U f . (16.75)

Fig. 16.20 Um objecto de massa m é lançado para cima da superfı́cie terrestre com uma velocidade
inicial vi e atinge a altitude máxima h (MT > m).

16.2.1 Velocidade de escape

Considere um objecto de massa m no campo gravı́tico de um corpo de grande massa


M. A sua energia total é
E = K +U
(16.76)
= 21 mv2 − GMm
r
Assumindo que o objecto é lançado da superfı́cie de M com raio R com a velocidade
v, tendo no final energia cinética zero em r → ∞, obtém-se rapidamente a velocidade
de escape:
Ei = E f
1 2 − GMm = 0 + 0
2 mv rq (16.77)
2GM
∴v= R

A PLICAÇ ÃO NUM ÉRICA :


16.2 Movimento planetário 309

M = M
R = R (16.78)
v = 618km/s
M = MT
R = RT (16.79)
vT = 11.2km/s.

16.2.2 Movimento Planetário Geral

Os satélites artificias têm uma importância crescente na gestão futura do planeta. As


observações espaciais, complementadas pelas observações no solo, são um instru-
mento inultrapassável no futuro, permitindo saber, por exemplo, onde se encontra
água potável para irrigação e exploração agrı́cola, mapear terras aráveis e prever a
sua productividade, prever erupções vulcânicas e prospecção de recursos minerais.
O movimento planetário e, em geral, o problema do movimento central tem um
papel de grande importância em diferentes tópicos de vária áreas da fı́sica, por ex-
emplo, na difusão de partı́culas, estrutura atómica e navegação no espaço. Este prob-
lema é referido por problema de Kepler ou ainda, o problema dos dois-corpos.
Começaremos por estudar os aspectos mais importantes do movimento de duas
partı́culas sob a acção de um campo central, f (r)→ −u r , onde f (r) é qualquer função


da distância entre as partı́culas e u r é o versor dirigido ao longo das linhas que
passam pelos seus centros.
Nesta secção iremos começar por efectuar uma transformação de coordenadas
apropriada para depois, usando as leis da conservação da energia e do momento
angular, obtermos uma equação do movimento de fácil resolução. Finalmente, apli-
cando ao caso particular do movimento planetário com f (r) ∝ 1/r2 , iremos reen-
contrar as leis de Kepler.
Consideremos assim o problema fundamental a 2-corpos, onde somente 2 partı́culas
interagem uma com a outra.
Duas partı́culas de massa m1 e m2 têm os vectores posições → −r e →
1
−r num dado
2


referencial de inércia. Uma força central actua sobre ambas, denotando-se por F 12
a força de m1 sobre m2 .

− 2→

F 12 = m1 d dtr2 1

− 2→
− (16.80)
F 21 = m2 d dtr2 2
Este problema tem uma resolução mais fácil se substituirmos →
−r e →
1
−r por →
2
−r =

−r − →−r e passando para as coordenadas do CM das 2 partı́culas (Fig. 16.21).
2 1

Fig. 16.21 Par de partı́culas em interacção mútua.


310 16 Gravitação

Sejam:


• R : o vector posição do CM do sistema relativamente a uma origem O.
• →
−r : o vector coordenada relativa das duas partı́culas.


− −r +m →
→ −
R = m1 m 1 2 r2
1 +m2

−r = →
−r − → −r (16.81)
2 1

Podemos reescrevê-las sob a forma


−r = →
→ − m2 →
R − −r
1
− mM1 →
−r = →
→ (16.82)
R + −r
2 M


− →

onde M = m1 + m2 e F 12 = − F 21 , de acordo com a lei da acção-reacção.
Combinando as equações anteriores obtém-se


d2 R
M = 0, (16.83)
dt 2
donde obtemos →

dR →

= V c = Const. (16.84)
dt


Na ausência de forças externas, o movimento do CM descrito por R (t) é uniforme e
é independente do tipo de interação entre as partı́culas, tendo como simples solução

− → − →
− →
− → −
R = R o + V t. As constantes R o e V dependem das condições iniciais e da escolha
do sistema de coordenadas. Esta é uma primeira vantagem da transformação feita.
Podemos ainda obter
d2→
−r →

m1 m2 2 = M F 21 . (16.85)
dt
Definindo a massa reduzida µ = mm11+m m2
2
do sistema de 2-partı́culas, podemos escr-
ever a Eq. 16.85 na forma abreviada

d2→
−r →

µ = F 21 . (16.86)
dt 2
Vemos assim que o problema a dois corpos ficou reduzido ao problema bem
mais simples do problema a um corpo! Podemos fazer a seguinte interpretação da
Eq. 16.86: a coordenada relativa → −r (t) do sistema de 2-partı́culas comporta-se como
se se tratasse da coordenada de uma só partı́cula de massa µ em movimento no

− −
campo de forças F 12 (→ r ) que representa a força mútua exercida entre o par de
partı́culas.
A energia cinética total no referencial de inércia O pode ser expresso em termos

− →

de V = d R /dt (velocidade do CM), e → −
v = d→ −r /dt (velocidade relativa das duas
partı́culas).
16.2 Movimento planetário 311

1 1
K = m1 v21 + m2 v22 (16.87)
2 2
e

− →
− d→
−r d →
−r
v21 = d dtr 1 d dtr 1 v22 = dt
2 2
dt .
(16.88)
Usando as Eqs. 16.82 para →
−r e → −r , obtemos
1 2

− →

1 dR dR 1 d→
−r d→
−r
K= 2 M( dt ) · ( dt ) + 2 µ( dt ) · ( dt ) (16.89)
1 1
K = 2 MV 2 + 2 µv2

A energia cinética total no referencial O é a soma da energia cinética de uma


partı́cula hipotética de massa M = m1 + m2 movendo-se com velocidade Vc mais
a energia cinética de uma partı́cula de massa µ movendo-se com velocidade relativa
v.
O momento linear no referencial O é

− → −p = M →

P = −p 1 + → 2 V. (16.90)

e, por sua vez, o momento linear “relativo” do par de partı́culas é

µ→
−v = m1Mm2 (→

v 2 −→
−v 1)
1 →
− →
− (16.91)
= M (m1 p 2 − m2 p 1 )

Se o sistema de 2 partı́culas estiver isolado (sem que haja forças externas actuantes),
então conclui-se que


P = Const. (16.92)


e, em particular, no referencial do CM, o momento total é nulo, P = 0.

16.2.3 Propriedades Gerais do Movimento Planetário geral

16.2.3.1 Momento angular

Consideremos duas partı́culas pontuais m1 e m2 , sujeitas a forças do tipo central e


suponhamos que não existem torques actuando sobre elas. O momento angular de


m1 e m2 em torno do seu CM, L c , é dado por:

− →
− →

L c = l 1 + l 2 = m1 [→
−r 0 × →
1

v 01 ] + m2 [→
−r 0 × →
2

v 02 ] = Const.

− →
− (16.93)
= µ[ r × v ],

onde →−
v 01 = d →
−r 0 /dt e →
1

v 02 = d →
−r 0 /dt. Usando o vector posição de m e m relativos
2 1 2
ao referencial do CM, temos:

−r 0 = m2 → −
1 m +m r
−r 0 = − 1 m1 2 →
→ − (16.94)
2 m1 +m2 r .
312 16 Gravitação

Obtém-se então sucessivamente



− m2 →
L c = mm11+m 2
[−r × →
− m2 →
v 01 ] − mm11+m 2
[−r × →

v 02 ]
= µ→ −r × (→
−v 01 − →−v 02 )

− →
− (16.95)
= µ[ r × v ]
→−
| L c |= µr2 ω = const.

Este resultado significa que o módulo do momento angular do par de partı́culas


referido ao CM é equivalente ao de uma partı́cula de massa µ.

16.2.3.2 Energia total




Assumindo que a força de interacção F exercida entre as duas partı́culas é do tipo
central e igual ao gradiente de uma função potencial U(r), a energia total do sistema
é uma constante do movimento:
1 1
Ec = MV 2 + µv2 +U(r) = const. (16.96)
2 2

Fig. 16.22 Momento angular de duas partı́culas no referencial do CM.

16.2.4 Movimento planetário-sistema de 2 partı́culas

O estudo do movimento planetário ou dum sistema de duas partı́culas é tipicamente


o problema relativo aos seguintes sistemas:
• Sol + planeta;
• Planeta + Lua;
• Terra + satélite artificial.
Podemos escolher o referencial do CM adequadamente, da tal forma que:

− →

R = 0 ⇒ V = 0. (16.97)

Podemos começar por escrever as seguintes equações:

M = m1 + m2 ;
µ = m1Mm2 ;

−r = → −r − →−r ;
2 1 (16.98)

−r = − µ → −
1 m1 r ;

−r = µ → −
2 m2 r .
16.2 Movimento planetário 313

A energia total do sistema de 2 partı́culas no referencial do CM é dada por

E = K +U (a)
(16.99)
= 12 µv2 +U(r) (b).

Nas Eqs. 16.99(a)-(b) considerou-se que o CM do sistema tem velocidade nula, isto


é, V = 0, uma escolha apropriada a fim de simplificar a álgebra.
Agora repare: a velocidade tem componentes radiais e azimutais, a saber

−v = vr →

u r + vφ →

u φ. (16.100)
 
vφ = vt = rω = r dφ ;
 dt  (16.101)

L = µr2 ω = µr2 dt .

Fig. 16.23 (a) Duas partı́culas orbitam em torno do seu CM comum localizado no ponto O; (b)
A situação em (a) é descrita em termos de uma partı́cula hipotética de massa µ. O vector r é a
coordenada relativa das partı́culas.

Em consequência, a energia apresenta uma dependência das duas coordenadas,


r e θ , facto que torna a visualização do movimento difı́cil. Porém, se tivermos em
conta que:
1 L2
µ(rφ̇ )2 = , (16.102)
2 2µr2
podemos reescrever a equação da energia na forma:

E = 12 µ(v2r + v2φ ) +U(r) (a)


1 2 L2 Gm1 m2 (16.103)
∴E = 2 µvr + 2µr2 − r (b).

Na Eq. 16.103-(b), o primeiro termo representa a energia devido ao movimento ra-


dial no referencial do CM; o segundo termo representa a energia cinética rotacional
em torno do CM; o último termo é a energia potencial gravitacional.
Como se depreende da Eq. 16.99, é útil definirmos uma função a que chamare-
mos energia potencial efectiva:

L2 Gm1 m2
Ve f (r) ≡ 2
− . (16.104)
2µr r

Seja k ≡ Gm1 m2 = GµM = Gµ(m1 + m2 ). Esta pequena mudança de variável


permite-nos reescrever de novo a energia potencial efectiva numa forma mais com-
pacta:
L2 k
Ve f (r) = − . (16.105)
2µr2 r
314 16 Gravitação

A energia mecânica total pode-se agora escrever numa forma simplificada, invol-
vendo unicamente o movimento radial:
1
E = µv2r +Ve f (r). (16.106)
2
Em consequência desta apropriada transformação podemos agora representá-la
graficamente usando a técnica dos diagramas de energia 9 . A Fig. 16.24 mostra
os gráficos de ambas as curvas.

Fig. 16.24 A energia potencial efectiva Ve f (r) no caso do movimento planetário. A energia poten-
cial comum é U(r) = −GµM/r = −k/r.

16.2.4.1 Soluções da equação do movimento

A descrição que acabámos de fazer do problema a 2-corpos não é totalmente ex-


acta porque se os corpos são esferas homogéneas eles interagem uns com os outros
como se fossem partı́culas ideais. Porém, a maioria dos corpos no sistema solar
nem são perfeitamente homogéneos, nem são perfeitamente esféricos. A Lua, por
exemplo, possui concentrações mássicas anómalas 10 . Em particular, debaixo dos
Mare Imbrium, Serenitatis, Crisium e Orientale estão presentes massas anómalas
que alteram a gravidade local, tornando instáveis numa escala de tempo de meses
ou anos as órbitas dos satélites artificiais a baixas altitudes em redor da Lua. As
órbitas sucessivas ficam distorcidas levando ao impacto do satélite na superfı́cie
lunar. Sabemos também que Mercúrio é perturbado ligeiramente por uma pretu-
berância equatorial do Sol. Em última instância, a verdade é que o sistema solar
é um sistema de vários corpos cuja resolução matemática encontra-se em aberto.
Felizmente, como a massa do Sol é muito superior à de qualquer outro planeta, as
perturbações introduzidas nas trajectórias dos corpos celestes por outros planetas
são muito pequenas, fazendo com que a aproximação dos dois corpos seja razoável.
S AT ÉLITE ARTIFICIAL : um satélite é um corpo que se move em queda livre em
torno da Terra. Vd. Fig. 16.25.
Se lançarmos horizontalmente um corpo de uma elevação V , dependendo da ve-
locidade inicial, ele cairá em D, E, F, G, ou, se a velocidade inicial for suficiente-
mente elevada, ele prosseguirá num movimento de queda circular em torno da Terra.
É o que acontece a qualquer satélite (incluindo a Lua).

Fig. 16.25 Um satélite é um corpo em queda livre em torno da Terra.

9 Desenvolvida num fascı́culo anterior


10 Denominadas em inglês “mascoons”.
16.2 Movimento planetário 315

A rotação da Terra provoca um achatamento dos polos e a deformação das su-


perfı́cies equipotenciais que deixam se ser paralelas, como mostra a Fig. 16.26.

Fig. 16.26 Devido à rotação do planeta Terra ocorre uma deformação das superfı́cies equipotenci-
ais.

A determinação do campo gravı́tico é útil para a determinação das altitudes


das montanhas, elevações, em geofı́sica em geral, e na determinação das correntes
oceânicas, fundamental para a previsão do tempo.
Para estudar o campo gravı́tico terrestre os satélites têm que descrever órbitas
de baixa altitude para que os aparelhos de bordo consigam determinar com exac-
tidão as inhomogeneidades. Com o aumento da altitude, essas inhomogeneidades
dissipam-se, e a Terra comporta-se a altitudes elevadas (acima dos 20000 km) como
se fosse um geóide com um campo gravı́tico de simetria esférica (desvanecendo-se
os detalhes), como mostra a Fig. 16.27.

Fig. 16.27 Campo gravı́tico a diversas altitudes. Com a altitude perde-se os detalhes, aparecendo
o campo gravı́tico como perfeitamente homogéneo.

O “geóide” é um modelo fı́sico da forma da Terra. O grande matemático e fı́sico


alemão Carl Friedrich Gauss definiu o geóide como a “figura fı́sica da Terra”, isto é,
uma superfı́cie equipotencial que, em média, coincide com o valor do nı́vel médio
das águas do mar. Vê-se na Fig. 16.27 que a superfı́cie do geóide é mais irregular
do que o elipsóide de revolução com que poderı́amos aproximar a forma do planeta
(tendo em conta o achatamento dos polos). Porém, o geóide é uma superfı́cie mais
suave do que a própria superfı́cie terrestre. Por exemplo, a superfı́cie terrestre varia
entre os +8,850 m (Monte Evereste) e os -11,000 m (Fossa das Marianas), enquanto
que o geóide varia apenas cerca de ±100 m além da superfı́cie do elipsóide de
referência.
O facto do planeta apresentar grandes inhomogeneidades do campo gravı́tico
(assim como qualquer outro corpo cósmico), a órbita de um satélite não será per-
feitamente Kepleriana (do tipo (a), na Fig. 16.29), como seria de esperar (tendo em
conta os cálculos desenvolvidos anteriormente), mas antes será uma órbita do tipo
(c).
Se porventura quisessemos efectivamente descrever a órbita de um satélite com
grande precisão, poderı́amos recorrer ao modelo EGM96 11 que nos dá uma ex-
pressão matemática do potencial gravı́tico terrestre em qualquer ponto (r, λ , φ )
recorrendo a um conjunto de parâmetros que vai até à 360o ordem. A expressão
do potencial no modelo EGM96 tem a forma:

11 Earth Gravity Model 1996.


316 16 Gravitação
!
360 
GMT a n
U(r, λ , φ ) = 1+ ∑ ∑ Pn,m (sin φ )[Cn,m cos mλ + Sn,m sin mλ ] ,
r n=2 r m=0
(16.107)
onde r é o raio geocêntrico (isto é, a distância ao centro da Terra), φ e λ são
a latitude e longitude geocêntricas, respectivamente, tal como são mostradas na
Fig. 16.28; Pn,m são as chamadas funções de Legendre normalizadas de grau n
e ordem m 12 ; Cn,m e Sn,m são os coeficientes (valores numéricos) do modelo
EGM96 13 . Por exemplo: (C20 = −0.484165371736 × 10−3 , S20 = 0.0); (C21 =
−0.186987635955 × 10−9 , S21 = 0.119528012031 × 10−8 ),...

Fig. 16.28 Coordenadas geográficas da esfera.

Fig. 16.29 Devido à inhomogeneidade do campo gravı́tico terrestre, a órbita de um satélite não é
rigorosamente do tipo Kepleriano (a), mas sim do tipo (c). O caso (b) seria um caso intermédio,
devido à perturbação criada pela rotação da Terra.

Iremos em seguida resolver o problema do movimento planetário, isto é, iremos


obter as soluções das equações definidas anteriormente e verificar quais as órbitas
possı́veis que daı́ resultam. Antes de prosseguirmos, repare que as soluções deste
problema devem ser do tipo:
• r = f (t);
• φ = g(t);
• r = h(φ ) ⇒-trajectória da órbita.
Portanto, temos que resolver o seguinte sistema de equações:
q
2
vr = dr
dt = µ (E −Ve f (r)) (a)
dφ L
dt = µr2 (b) (16.108)
dφ L q 1
∴ dr = µr2 2 (E−V (r))
(c)
µ ef

Para começar, repare que podemos integrar de imediato a Eq. 16.108-(a), obtendo
Z r
dr
t − to = q . (16.109)
ro 2
µ (E −Ve f (r))

12 São funções tabuladas. Por exemplo: P0,0 (x) = 1; P1,−1 (x) = −P1,1 (x)/2; P1,0 = x,..., onde neste
caso x = sin φ .
13 Detalhes deste modelo e os seus coeficientes podem ser obtidos no sı́tio da NASA:

http://cddis.gsfc.nasa.gov/926/egm96/egm96.html
16.2 Movimento planetário 317

Da Eq. 16.108-(b), obtemos facilmente a dependência angular:


Z t
L
φ − φo = dt. (16.110)
to µr2

Dividindo a Eq. 16.108-(b) pela Eq. 16.108-(a), obtém-se

dφ L 1
= 2q . (16.111)
dr µr 2
(E −V (r))
µ e f

Chama-se a r(φ ) a órbita da partı́cula.


Considerando o potencial gravı́tico U(r) = −k/r, a Eq. 16.108-(c) converte-se
em
dr
Z
φ − φo = L p , (16.112)
r 2µEr + 2µkr − L2
2

onde φo é uma constante de integração. Consultando uma Tabela de Integrais 14


verifica-se que a solução é a seguinte:
!
µkr − L2
φ − φo = arcsin p . (16.113)
r µ 2 k2 + 2µEL2

Isto é, p
µkr − L2 = r µ 2 k2 + 2µEL2 sin(φ − φo ). (16.114)
Resolvendo agora em ordem a r obtém-se finalmente
L2
µk
r= q
2
. (16.115)
1− 1 + ( 2EL
µk2
) sin(φ − φo )

Por convenção, toma-se φo = −π/2 e introduz-se os parâmetros:

L 2
ro ≡ µk (a)
q
2EL2
(16.116)
ε ≡ 1 + µk2 (b).

ro representa fisicamente o raio da órbita circular correspondente a um dado valor


de L, µ e k. ε é um parâmetro sem dimensões chamado excentricidade, e que
caracteriza a forma da curva. A Eq. 16.116 pode ser escrita na forma da equação de
uma cónica:
ro
r= , (16.117)
1 − ε cos φ
ou ainda,

14 Por exemplo, Gradshteyn and Ryzhik, Table of Integrals, Series, and Products, Ed. Alan Jeffrey,
Fifth edition (January 1994) ISBN number: 0-12-294755-X.
318 16 Gravitação

ro εp
= 1 − ε cos φ = , (16.118)
r r
que representa uma equação de uma secção cónica; p é o parâmtero focal; ro é o
semi-latus rectum. Como já referimos, ε denota a excentricidade:
s
2EL2
ε = e = 1+ . (16.119)
µk2

Pode-se agora inverter a Eq. 16.119 expressando-a em função da energia:

µG2 M 2 m2
E =− (1 − e2 ). (16.120)
2L2
É conveniente aqui referir a seguinte relação:
rmax − rmin
e= . (16.121)
rmax + rmin
Da análise dos resultados obtidos podemos concluir:
• Quando Ve f < E < 0, o movimento tem lugar entre dois pontos de retorno rmax e
rmin . A órbita é uma elipse tendo ro como ponto focal;
max −rmin
• Quando E → 0, rmax → ∞, e a excentricidade e = rrmax +rmin → 1, isto é, a tra-
jectória descreve uma parábola;
max −rmin
• Quando E > 0, e = rrmax +rmin > 1 e a trajectória é uma hiperbole, onde rmin é a
distância mı́nima de aproximação.

16.2.5 Órbitas caracterı́sticas

Em resumo, consoante o valor da excentricidade obtemos diferentes tipos de tra-


jectórias:
• ε = 0: órbita circular, E = Emin
• ε > 1: órbita hiperbólica, E > 0.
• ε = 1: órbita parabólica, E = 0
• 0 < ε < 1: órbita elı́ptica, E < 0.

Fig. 16.30 Trajectórias possı́veis de um satélite: (a) parábola; (b) elipse; (c) hiperbole.

Recapitulando o que foi explanado anteriormente, temos


1
E = µv2r +Ve f (r), (16.122)
2
16.2 Movimento planetário 319

onde
L2 Gm1 m2
Ve f (r) = 2
− . (16.123)
2µr r
Da soma de ambos os termos resulta um mı́nimo:

lim Ve f (r) = 0. (16.124)


r→∞



Quando L 6= 0, o potencial centrı́fugo repulsivo L2 /2µr2 é o termo dominante para
pequenos valores de r, enquanto que para grandes valores de r é o potencial gravı́tico
Gm1 m2 /r que domina.
A energia cinética associada ao movimento radial é:

K = E −Ve f (r). (16.125)

O movimento fica restringido às regiões onde K > 0 e a natureza do movimento


depende de E (Fig. 16.31).

Fig. 16.31 Gráfico da função energia potencial efectiva no caso do movimento planetário,
mostrando diferentes valores dos raios para duas energias que correspondem à órbita circular e
elı́ptica.

E > 0: Hiperbole r não tem limites para valores elevados, mas deve exceder um


certo valor mı́nimo se L 6= 0. As partı́culas estão separadas por uma barreira
centrı́fuga. (e > 1)
E = 0: Parábola órbita que fica no limite entre curva fechada e aberta. (e = 1).
E < 0: Elipse O movimento é confinado para grandes e pequenos valores de r.
Duas partı́culas formam um sistema fechado. (0 < e < 1).
E = Emin : Cı́rculo r tem um único valor exacto e as partı́culas orbitam em redor
uma da outra a uma distância constante. (e = 0).

Fig. 16.32 Trajectórias orbitais diferentes correspondendo ao mesmo valor do momento angular.

16.2.6 Órbitas circulares

E tem um valor mı́nimo quando vr = 0 e dVe f /dr = 0.

L2
Ve f (r) = 2µr2
− kr (a)
dV L2
(16.126)
dr =− µr3
+ rk2 = 0 (b).
320 16 Gravitação

Obtém-se daqui o raio da trajectória circular:

L2
ro = , (16.127)
µk

ao qual corresponde a energia mecânica total mı́nima:


2
Emin = Ve f (ro ) = − µk
2L2
(a)
2 (16.128)
U(ro ) = − µk
L2
(b).

A energia minı́ma iguala o valor de Ve f (ro ), quando ṙ = 0 e r = ro . A energia total


é negativa e é exactamente metade da energia potencial gravı́tica:
1 GMm
Emin = − U(ro ) = − , (16.129)
2 ro
e o movimento é circular.
Exemplo 9: Qual é a velocidade inicial perpendicular à linha que une o centro
da Terra ao satélite, e que é necessária transmitir ao satélite de modo a forçá-lo a
descrever uma órbita circular?
Desprezando o atrito o satélite está unicamente sujeito ao campo gravı́tico
terrestre, de modo que a aceleração está dirigida para o centro da Terra (acel.
centrı́peta):
2
mg = mvr (16.130)

∴ v = gr
sendo r a distância do satélite ao centro da Terra e v a velocidade do satélite perpen-
dicular à linha que une o centro da Terra ao satélite.
Como a força gravitacional decresce com o quadrado da distância, também se
verifica:
R2
g = g0 2T (16.131)
r
donde se obtém r
g0
v = RT . (16.132)
r
À superfı́cie da Terra v ≈ 8 km/s (enquanto que a velocidade de escape é 11.27
km/s).
Se quisermos colocar o satélite numa órbita geoestacionária a sua inclinação
relativa ao plano do equador é nula e deverá ser escolhido um r de tal forma que
o satélite permaneça sempre sobre o mesmo ponto da superfı́cie terrestre, isto é, o
satélite deverá ter o mesmo perı́odo que a Terra:

v = gr

q ωr = gr (16.133)
3 g0 R2
TT
2
∴r= 4π 2
≈ 4.22 × 107 m.
16.2 Movimento planetário 321

Usámos para RT o valor médio do raio da Terra, pois que o nosso planeta Terra tem
a forma de um geóide ou esferóide oblato.
Portanto compreendemos agora que os satélites geoestacionários parecem estar
fixos sobre um ponto sobre o equador. As antenas de emissão e recepção podem
estar fixos no solo e são mais económicas. Estes satélites são de grande importância
nas comunicações globais, televisão, previsão do tempo e em comunicações mil-
itares. Uma desvantagem destes satélites reside na altitude elevada a que são
forçados a estar, levando o sinal electromagnético aproximadamente 0.25 segundos
a fazer ida e volta provocando um atraso significativo do sinal. Outra desvantagem
significativa está na dificuldade da recepção do sinal em latitudes superiores a 60o .
Recorre-se então a satélites com órbitas elı́pticas.
Quando o satélite tem uma órbita geosı́ncrona em torno da Terra quer dizer que
ele volta a um ponto fixo na Terra exactamente no mesmo dia e instante a esse ponto
fixo.
Exemplo 10: Mostre que na verdade um satélite em torno da Terra está em queda
para a Terra.
Considere a situação da fig. 16.33. No instante t = 0 o satélite está na posição P1
em órbita circular à velocidade v. No instante posterior t2 está em P2 . Na ausência
de qualquer aceleração o satélite prosseguiria ao longo da tangencial de P1 e cairia
como se fosse um projéctil disparado por um canhão. Em P2 terá caı́do de

(RT − s)2 + v2t 2 = R2T (16.134)

ou
v2t 2 = 2Rt s − s2 (16.135)

Fig. 16.33 Satélite em queda.

Desprezando o último termo, obtemos


 
1 GMT 2
s≈ t , (16.136)
2 R2T

o que representa a distância percorrida pelo satélite na sua queda com aceleração
g = GMT /R2T .

16.2.7 Órbitas elı́pticas

As órbitas elı́pticas correspondem a E < 0, 0 ≤ ε < 1,


ro
r= . (16.137)
1 − ε cos φ
322 16 Gravitação

Podemos usar a Eq. 16.137 para determinar o valor máximo de r que ocorre para
φ = 0, rmax e o valor mı́nimo de r que ocorre para φ = π, rmin . Esses são os pontos
de retorno do movimento e correspondem às seguintes expressões:
ro
rmax = 1−ε , (φ = 0) (a)
ro (16.138)
rmin = 1+ε , (φ = π) (b).

O comprimento do eixo maior é dado por

A = rmin
 + rmax = 2a
1 1
= ro 1+ε + 1−ε (16.139)
2ro
A = 1−ε 2.

Fig. 16.34 (a) Elipse; (b) Geometria para obter as equação geral da cónica; (c) Movimento elı́ptico
de m1 e m2 em torno do sue CM em O. O ponto O é o focus do lado direito da elipse menor e o
focus esquerdo da elipse maior; (d) O movimento correspondente da partı́cula hipotética µ em
torno de O0 .

Table 16.2 Definições


Planetas Terra
rmin = r p perihélio perigeu
rmax = ra afélio apogeu

Note que
rmax 1+ε
rmin = 1−ε
rmax −rmin (16.140)
ε = rmax +rmin .
2L2
2ro µk
A= 1−ε 2
= 2 .
1−(1+ 2EL2 ) (16.141)
µk
k
A= (−E) .

Estes coeficientes aplicam-se às órbitas elı́pticas e verifica-se que o comprimento do


eixo maior é independente de L. As órbitas com o mesmo eixo maior têm a mesma
energia. A excentricidade é dada pela seguinte expressão:
s
2EL2
ε = 1+ . (16.142)
µk2

Apresenta-se na Tabela 16.3 alguns dados planetários relevantes.


16.2 Movimento planetário 323

Table 16.3 Dados planetários dos planetas do sistema solar.


Planeta Diâmetro (Terra=1) Massa (Terra=1) Semieixo maior (U.A.) Perı́odo sideral (Anos) Excentricidade da órbita
Mercúrio 0.3824 0.0553 0.3871 0.24084 0.2056
Vénus 0.9489 0.8150 0.7233 0.61515 0.0068
Terra 1 1 1 1.00004 0.0167
Marte 0.5326 0.1074 1.5237 1.8808 0.0934
Júpiter 11.194 317.89 5.2028 11.862 0.0483
Saturno 9.41 95.17 9.5388 29.456 0.0560
Urano 4.4 14.56 19.1914 84.07 0.0461
Neptuno 3.8 17.24 30.0611 164.81 0.0100
Plutão 1 0.4 0.02 39.5294 248.53 0.2484

16.2.8 Leis de Kepler revisitadas

As leis de Kepler são leis aproximadas. Recordemos as duas primeiras leis:


1 O planeta move-se numa trajectória elı́ptica com o foco na posição do CM do
sistema planeta-Sol (O CM deste sistema está a 450 km do Sol).
2 O vector posição do planeta (medido a partir do CM do sistema planeta-
Sol) varre áreas iguais em intervalos de tempo iguais (dA/dt =constante, vd.
Fig. 16.35).

Fig. 16.35 (a) Representação geométrica da Segunda Lei de Kepler; (b) Ilustração da Segunda Lei
de Kepler.

O momento angular conserva-se quando o movimento é sujeito a forças centrais,


como é o caso da força gravitacional.
Considere um trajecto PPd0 . Durante o intervalo de tempo ∆t, o vector posição

−r (t) varre a área ∆ A:

∆ A = 12 r2 ∆ φ
lim∆t→0 ∆∆tA = 12 r2 lim∆t→0 ∆∆tφ (16.143)
dA 1 2 L
dt = 2 r ω = 2µ = const.

A Segunda Lei de Kepler é válida para qualquer tipo de força central.


3 O rácio do quadrado do perı́odo (T 2 ) pelo cubo do semi-eixo maior (a3 ) é aprox-
imadamente o mesmo para todos os planetas.

dt = 2µ
L dA (16.144)
dt = 2µ
R R
L dA
324 16 Gravitação

Para uma revolução completa temos o perı́odo dado por:


2µ 2µ
T= A= πab. (16.145)
L L
Numa órbita elı́ptica verifica-se em particular
p
b = a 1 − ε 2, (16.146)

e
L2
a(1 − ε 2 ) = . (16.147)
µk
Pode-se assim obter a Terceira Lei de Kepler:
4µ 2 2 2 2 2
T2 = L2
π a b = 4µ L2
π 2 a2 a2 (1 − ε 2 )
4µ 2 2 2 π a3
2 2 a3 mM
= L2
L
π 2 a3 µk = 4µGMm = 4π GMm m+M
(16.148)
4π 2 a3
T 2 = G(m+M) .

Exemplo 11: Órbita de um satélite 15 .


Um satélite descreve uma órbita elı́ptica em redor da Terra. Sabe-se que m 
M ⇒ µ ≈ m. Suponha que os dados numéricos são os seguintes:
• RT = 6400 km;
• m = 2000 kg;
• r p = perigeu= 1100 km
• ra = apogeu = 4100 km
a) Calcule o valor do eixo-maior da elipse A.

A = (r p + ra + 2RT ) km
(16.149)
a = 1.8 × 107 km
b) Calcule a energia inicial do satélite antes da descolagem.
GMT m
Ei = − = −mgRT = −12.5 × 1010 J (16.150)
RT
c) Calcule a energia do satélite em órbita.

kGµMT GMT m (mg)R2T


A= =
(−E) = (−E) = (−E)
(−E)
mgR2 3 6 )2 (16.151)
∴E = − A T = − 2×10 ×9.8×(6.4×10
1.8×107
= −4.5 × 1010 J.
d) Calcule a energia (ou o trabalho) requerida para colocar o satélite em órbita,
desprezando o efeito do atrito da atmosfera.

15 Kleppner and Kolenkow, “An introduction to mechanics”, (McGraw-Hill, New York, 1973), p. .
16.2 Movimento planetário 325

W = ∆E
(16.152)
W = E − Ei = 8 × 1010 J.
e) Calcule o momento angular do satélite na sua órbita.
r0
rmin = 1+ε
r0
rmax = 1−ε
rmax −rmin
∴ ε = rmax +rmin (16.153)
rmax −rmin 3×103 1
ε= A = 1.8×104
= 6
2EL2
ε2 = 1 + mk2
⇒L = 1.2 × 1014 kg.m2 /s
f) Calcule a velocidade do satélite no perigeu.

E = 21 mv2 − kr
r p = (1100 + 6400)km = 7.5 × 106 km (16.154)
∴ v p = 7900m/s.
g) O momento angular conserva-se. Porquê? Calcule a velocidade no afélio, va .

La = L p
µr p v p = µra va (16.155)
r v
va = pra p = 5600m/s.
Exemplo 12: O satélite russo Sputnik I, foi lançado pela USSR a 4 de Outubro de
1957 emitindo sinal durante três semanas 16 e descrevendo uma órbita elı́ptica, tinha
um perı́odo de rotação em torno da Terra de T = 96 mn 12 s e uma altitude máxima
de H = 939 km. Este feito tornou a Rússia numa potência espacial e constitui um
marco histórico na conquista do espaço. Use a Terceira Lei de Kepler para determi-
nar a altura de ejecção do satélite (Fig. 16.36). Determine também a velocidade no
perigeu, que corresponde à velocidade de ejecção.
Sabe-se que: q
GM 2
a = 3 4π 2T
(16.156)
∴ a = 6949.85km
onde usámos G = 6.674 × 10−11 m3 .kg−1 .s−2 e MT = 5.96 × 1024 kg.

Fig. 16.36 Elementos da órbita elı́ptica de um satélite artificial da Terra. O centro da Terra O é um
dos focos da elipse, Pe é o perigeu, (ponto mais próximo da Terra), Ap é o apogeu (ponto mais
distante), M é o centro geométrico da elipse, e a é o semi-eixo maior. H e h são as alitudes em Ap
e Pe.

Como vemos na Fig. 16.36, temos a seguinte relação geométrica simples de


grande utilidade:

16 Era esférico com 84 kg de massa e 58 cm de diámetro. A altitude no apogeu era h = 947 km,
a
inclinação i = 65.128o , perı́odo T = 96.17 min.
326 16 Gravitação

h + H = 2a − 2RT
(16.157)
∴ h = 205km
Na realidade foi a 215 km da superfı́cie, mas este exemplo mostra como as leis do
movimento planetário levam-nos a conclusões imutáveis.
A velocidade de ejecção calcula-se por meio da seguinte equação:
q
RT +H
v p = GM a RT +h (16.158)
∴ v p = 7970m/s.

16.3 Fı́sica no sistema de coordenadas em rotação

O movimento rotacional é um movimento acelerado. Um referencial em rotação é


um referencial acelerado onde surgem forças fictı́cias.
Pode-se mostrar que num referencial em rotação verifica-se a seguinte relação
entre a taxa de variação temporal do vector posição →
−r :
   
d→−r d→ −r →
− −
= + [Ω × →r ], (16.159)
dt in dt rot

onde o sı́mbolo × denota o produto externo e onde se assume que → −r possui o


mesmo valor em ambos os referenciais num dado instante. A Eq. 16.159 17 pode
reescrever-se assim:

− →
− −
v in = →

v rot + [ Ω × →
r ]. (16.160)
A Eq. 16.159 é totalmente geral e, em particular, pode ser generalizada para


qualquer vector B (por ex., o vector indução magnética):
   
d→ − d→ − →
− → −
B = B + [ Ω × B ]. (16.161)
dt in dt rot

A aceleração é dada por:



 → −   →−  →
− −
a in = d dtv in = d dtv in + [Ω × → v in ]
in rot

− →
− →
− →
− →
− −
a in = [ dtd (→
−v rot + [ Ω × →−r ])] + [ Ω × →
rot

v rot ] + [ Ω × [ Ω × → r ]] (16.162)
∴→−
a =→ −a + [Ω̇ × → −r ] + 2[→
− →
Ω ×−

− →
v ] + [Ω [Ω × →
− −
r ]]
in rot rot



Da Eq. 16.162 concluı́mos que a força aparente F rot num sistema de coorde-
nadas em rotação é dada por

17 (Repare que o intervalo de tempo é o mesmo em ambos os referenciais, não é suposto ocorrer

efeitos relativistas.
16.3 Fı́sica no sistema de coordenadas em rotação 327


−a rot = →−
a in − [Ω̇ × →−r ] − 2[→− →
Ω ×−

− →
− −
v rot ] − [ Ω × [ Ω × →
r ]]

− →
− → →
− →
− −
F rot = m a rot = m a in − m([Ω̇ × r ] + 2[ Ω × v rot ] + [ Ω × [ Ω × →

− →
− →
− − r ]])

− →
− → −
F rot = F + F f ict

− →
− − →
− →
− −
F f ict = −2m[ Ω × → v rot ] − m[ Ω × [ Ω × → r ]] − m[Ω̇ × →
−r ].
(16.163)
O primeiro termo à direita da força fictı́cia é chamado força de Coriolis, o segundo
termo, apontando para fora do eixo de rotação é chamado de força centrı́fuga.
Finalmente, o último termo é chamado força de Euler.
Essas forças são em geral consideradas fictı́cias porque não resultam de ver-
dadeiras interacções fı́sicas 18 , são o resultado de relações puramente cinemáticas.
Exemplo 13: Uma pequena esfera desliza sem atrito numa haste rı́gida em
rotação em torno de um eixo com momento angular constante ω.
a) Determine a força exercida pela haste na esfera (Fig. 16.37).

− −
Repare que a força de Coriolis resulta do produto extermo [ Ω × → v rot ], onde

−v rot é a velocidade da esfera no referencial em rotação. A força de Coriolis, emb-
ora fictı́cia, realiza trabalho no referencial em rotação (portanto, acelerado), agindo
perpendicularmente à haste, donde resulta o aparecimento de uma “pressão de con-

− →

tacto” N , com a direcção oposta a F Cor . Repare também que na vertical estão
aplicadas o peso da esfera e a respectiva normal, mas como a resultante é nula, não
nos interessa neste problema. A força centrı́fuga é exercida radialmente para fora do
eixo de rotação.

Fig. 16.37 (a) - Força de Coriolis num referencial em rotação; (b) - queda de uma massa m de uma
torre de altura h = 50 m situada no equador.

Temos assim
mar = mr̈ = Fcent
N − FCor = 0
(16.164)
Fcent = mω 2 r
∴ mr̈ − mω 2 r = 0
A última Eq. 16.164 é a equação do oscilador harmónico, cuja solução é

r = Aeωt + Beωt . (16.165)

A e B são constantes de integração que podem ser determinadas com as condições


iniciais r(t = 0) = r0 e v(t = 0) = v0 .
b) Calcule a expressão da força de Coriolis.

N = FCor = 2mω ṙ
(16.166)
FCor = 2mω 2 (Aeωt − Beωt ).

18 A força centrı́fuga aumenta com a distância do eixo de rotação enquanto que as forças de

interacção decrescem com a distância.


328 16 Gravitação

Como r(t = 0) = r0 = A + B e ṙ(t = 0) = ω(A − B), obtém-se

A = 12 (r0 + vω0 )
(16.167)
B = 12 (r0 − vω0 )

Exemplo 14: Defleção de massas em queda livre. Calcule a defleção a que está
submetida uma massa m quando cai de uma torre de 50 metros de altura no equador.
Veja a Fig. 16.37-(b).
a) Calcule as componentes da velocidade e da força no referencial da Terra (em
rotação em relação às estrelas).
As forças da gravitação e centrı́fuga são radiais, e a força de Coriolis assenta
no plano equatorial, como se depreende aplicando a regra-da-mão-direita. Podemos
usar a expressão

−v rot = ṙ→

u r + rθ̇ →

uθ (16.168)
para representar a velocidade da massa m no referencial em rotação da Terra. Em
seguida, obtém-se as componentes fr e Fθ e a equação do movimento radial:

QuadroNegro 4

O movimento de queda de m faz-se à superfı́cie da Terra e, portanto r ≈ RT . A


equação do movimento reduz-se a:

r̈ = −g + Ω 2 RT
= −g0 (16.169)
0
g ≡ g − Ω 2 RT

onde designa-se por g0 a constante “efectiva” de aceleração da gravidade 19 .


19O lançamento de foguetões é mais vantajoso no equador, aproveitando a velocidade rotacional de
Terra que tem o valor máximo de 460 m/s (no equador), devendo ser feita para Este. Os Estados
Unidos escolheram Cape Canaveral (28o de latitude Norte), e a Europa lança o Ariane desde a
Guiana Francesa (5o de latitude Norte).
16.3 Fı́sica no sistema de coordenadas em rotação 329

QuadroNegro 5

Exemplo 15: O Pêndulo de Foucault.


Uma célebre experiência de pensamento de Newton mostra o efeito absoluto da
força centrı́fuga. Se fizermos rodar um balde com água em torno do seu eixo, a
superfı́cie livre do lı́quido adquire uma forma parabolóde. O que aconteceria se o
balde estivesse parado e em seu lugar rodassem todos os astros do universo? New-
ton concluiu que nada aconteceria à superfı́cie livre do lı́quido, mostrando assim o
carácter absoluto da força centrı́fuga.
Em 1852, Léon Foucault suspendeu um pêndulo no tecto do Panteão em Paris
dando uma dramática prova da rotação da Terra.
330 16 Gravitação

Para um observador sobre a superfı́cie terrestre existem duas forças fictı́cias a ter
em conta: a força centrı́fuga e a força de Coriolis. Num plano horizontal do lugar,
a força de Coriolis é dada por 2mvΩ sin λ (procure ver porquê), onde λ é a latitude
do lugar, e Ω sin λ é a componente vertical da velocidade angular da Terra.
a) Obtenha as equações do movimento da massa m suspensa num fio de compri-
mento l.
Designemos o deslocamento em relação à vertical por r. A força restauradora é
mgr/l. As componentes da velocidade de m, radial e transversa, são ṙ e rθ̇ . As suas
acelerações são: ar = r̈ − rθ̇ 2 e aθ = rθ̈ + 2ṙθ̇ . Daqui podemos escrever de imediato
as eqs. do movimento:

m(r̈ − rθ̇ 2 ) = −mg rl


(16.170)
m(rθ̈ + 2ṙθ̇ ) = −2mṙΩ sin λ

b) Considere que θ̇ + Ω sin λ = 0. Determine o perı́odo T das oscilações do


pêndulo.
Inserindo esta condição na Eq. 16.170-(b), obtém-se θ̈ = 0. Substituindo-a na
Eq. 16.170-(a) resulta em
r̈ + ω 2 r = 0
(16.171)
ω = gl + Ω 2 sin2 λ .
2

Esta equação é a equação do oscilador harmónico. O perı́odo das oscilações é



T=q (16.172)
g
l + Ω 2 sin2 λ

c) Admita que as condições iniciais são: ṙ(t = 0) = 0, θ (t = 0) = θ0 e θ̇ (t = 0) =


0. Calcule r e θ (t).
A solução geral do oscilador harmónico é do tipo r(t) = A cos(ωt + φ ), onde phi
é a chamada fase inicial. Atendendo a ṙ(t = 0) = 0 (normalmente nas experiências
com o pêndulo, a massa parte sem velocidade inicial).
q
r(t) = A cos gl + Ω 2 sin2 λ
θ̇ = Const = −Ω sin λ (16.173)
θ (t) = θ (t = 0) +Ct
θ (t) = θ0 − Ω sin(λ )t

Concluı́mos que o pêndulo de Foucault irá rodar ao longo do tempo em torno da


vertical do lugar, devido à rotação da Terra. Em particular, vemos que no equador,
λ = 90o e θ (t) = θ (t = 0): o pêndulo não roda.
Exemplo 16: O limite de Roche, ou raio de Roche 20 , é a distância a que um
objecto cósmico, ligado pela sua própria força gravitacional, se desintegrará dev-
ido à acção da força tidal exercida por um segundo corpo e excedendo a força de
auto-atracção do primeiro corpo. No interior do limite de Roche, os materiais even-
20 Édouard Roche, astrónomo francês, foi o primeiro a calcular este limite em 1848.
16.3 Fı́sica no sistema de coordenadas em rotação 331

tualmente dispersos tendem a formar anéis, enquanto que no exterior do limite de


Roche, os materiais tendem a coalescer em partı́culas muito pequenas, em poeira
cósmica.
Assim, consideremos uma massa m0 pertencendo a um primeiro corpo cósmico
(satélite natural ou artificial) de massa m (sendo por hipótese m0  m) com raio r e
densidade mássica ρs . Seja um segundo corpo com massa M, raio R e densidade ρM
situado à distância d do primeiro:

Fg = FT
Gm0 m 0r
r2
= 2GMm
qd 3
∴ d = r 3 2Mm
3 (16.174)
M = ρM 4πR
3
4πr3
m = ρq
m 3
d = R 3 2 ρρMm .

Um satélite natural ou artificial que esteja ligado por forças mais fortes do que
a gravitação naturalmente que pode orbitar dentro do limite de Roche. É o caso
de Metis, lua de Jupiter, e Pan, lua de Saturno, pois são sólidos ligados por forças
de tensão fortes. Um cometa poderia quebrar-se no limite de Roche, no caso de as
ligações entre as suas partes forem fracas 21 .

21 Não parece ser o caso de Apófis, o asteróide que porá eventualmente a vida em perigo no nosso
planeta em 13 de Abril de 2036.
Chapter 17
Lagrangianos

“Para mim, saber que tenho uma só vida para viver num universo que também só tem uma,
oferece um paralelismo poético. A vida é preciosa! Só temos cada dia, cada pessoa que
encontramos, cada experiência - nada mais. Desgosta-me que tanta gente atravesse a vida
alienada, sem perceberem que é a única oportunidade que têm, que não haverá outra”.

- John Archibald Wheeler, célebre fı́sico norte-americano (1911-2008)


“Natura operatur per modos faciliores et expeditiones ” (Nature works by the easiest and
readiest means).

- Pierre de Fermat, numa carta a M. de la Chambre, 1662.

17.1 Introdução à Mecânica Lagrangiana

Maupertius 1 argumentou que o princı́pio da mı́nima acção (foi o primeiro a


enunciá-lo), mostrava a sabedoria do Criador 2 : “A Acção é proporcional ao pro-
duto da massa pela velocidade e pelo espaço. Agora, eis este princı́pio, tão sábio,
tão digno do Ser supremo: logo que ocorre uma variação na Natureza, a quantidade
de Acção empregue para esta variação é sempre a mais pequena possı́vel.”
Faremos em seguida uma breve introdução à mecânica lagrangiana, um conjunto
de métodos introduzidos por Lagrange e Hamilton, posteriores a Maupertuis 3 . As
suas ideias são muito úteis, porque embora não conheçamos com detalhe a ver-
dadeira natureza dos mecanismos fı́sicos dos sistemas que pretendemos estudar, a

1 Pierre Louis Moreau de Maupertuis foi um matemático e astrónomo francês. Nasceu a 7 de Julho

de 1698 em Saint-Malo e morreu em Bâle a 27 de Julho de 1759. Curiosamente era filho de um


corsário.
2 Maupertuis acreditava que a vis viva (o que hoje representa o dobro da energia cinética) deve ser

mı́nima.
3 Estes métodos constituem também uma tentativa de construir uma teoria mecânica alternativa à

de Newton.

333
334 17 Lagrangianos

aplicação dos princı́pios dinâmicos permite-nos obter relações entre as várias pro-
priedades dos corpos. Em particular, a vantagem do método de Lagrange e Hamilton
reside em fazer depender todas as propriedades do sistema fı́sico de uma simples
função, o Lagrangiano do sistema.
Este capı́tulo é uma introdução à mecânica clássica avançada.

17.1.0.1 Coordenadas generalizadas

Para definir no espaço um sistema de N partı́culas pontuais temos que considerar


N vectores posição →−r (x , y , z ) (i = 1, ..., N), isto é, 3N coordenadas. O número
i i i i
de grandezas independentes necessárias para determinar univocamente a posição de
um sistema designa-se de número de graus de liberdade do sistema. No caso que
acabámos de referir são 3N. Na prática, as coordenadas generalizadas são compri-
mentos ou ângulos.
Outros exemplos onde o número de graus de liberdade é igual a n = 1: altura de
uma partı́cula constrangida a mover-se verticalmente, z; ângulo de rotação de um
pêndulo, θ . n = 2: Partı́cula em movimento sobre uma superfı́cie esférica, (θ , ϕ).
n = 5: duas partı́culas ligadas por uma barra rı́gida (são necessários 6 graus de
liberdade no total, 3 graus para cada partı́cula, mas havendo uma ligação, uma das
coordenadas de uma das partı́culas pode experimir-se em função das coordenadas
da outra). n = 6: movimento do corpo rı́gido, porque são necessários 3 graus de
liberdade para descrever o movimento do CM (x, y, z), mais dois graus de liberdade
para descrever o movimento de rotação (θ , ϕ), mais um grau de liberdade para
descrever a rotação em torno deste eixo.
Em geral, o número mı́nimo de graus de liberdade (ou de coordenadas),
n, necessários para descrever o movimento ou a configuração do sistema de N
partı́culas em qualquer instante do tempo, é dado por

n = 3N − m, (17.1)

onde m é o número de constrangimentos do sistema.


As grandezas referidas não têm que ser obrigatoriamente as coordenadas carte-
sianas dos pontos materiais, podendo-se escolher consoante o tipo de problema, as
coordenadas mais ad