Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
4. Casamento
Sobre o casamento de Olga com Armando Borges: “Casava por hábito de sociedade,
um pouco por curiosidade e para alargar o campo de sua vida e aguçar a
sensibilidade. Lembrou-se disso tudo rapidamente e respondeu sem convicção ao
padrinho: —Gosto.” (p.66)
5. Racismo: “Aborrecia-se com o rival, por dois fatos: primeiro: pelo sujeito ser
preto; e segundo: por causa das suas teorias.” (69) - ver nota.
NOTAS PESSOAIS
Diálogo sobre a autoridade: Olga, Armando e Quaresma:
“—Eu não posso compreender esse tom divino com que os senhores falam da
autoridade. Não se governa mais em nome de Deus, por que então esse respeito,
essa veneração de que querem cercar os governantes?
O doutor, que ouvira toda a frase, não pôde deixar de objetar:
—Mas é preciso, indispensável... Nós sabemos bem que eles são homens como nós,
mas, se não for assim tudo vai por água abaixo.
Quaresma acrescentou:
—É em virtude das próprias necessidades internas e externas da nossa sociedade
que ela existe... Nas formigas, nas abelhas...
—Admito. Mas há revoltas entre as abelhas e formigas, e a autoridade se mantém lá
à custa de assassínios, exações e violências?
—Não se sabe... Quem sabe? Talvez... fez evasivamente Quaresma.
O doutor não teve dúvidas e foi logo dizendo:
—Que temos nós com as abelhas? Então nós, os homens, o pináculo da escala
zoológica, iremos buscar normas de vida entre insetos?
—Não é isso, meu caro doutor; buscamos nos exemplos deles a certeza da
generalidade do fenômeno, da sua imanência, por assim dizer, disse Quaresma com
doçura.
Ele não tinha acabado a explicação e já Olga refletia:
—Ainda se essa tal autoridade trouxesse felicidade — vá; mas não; de que vale?
—Há de trazer, afirmou categoricamente Quaresma. A questão é consolidá-la.” (p.
137-38).
A loucura e a multiplicidade do eu: “Em vários tempos e lugares, a loucura foi
considerada sagrada, e deve haver razão nisso no sentimento que se apodera de nós
quando, ao vermos um louco desarrazoar, pensamos logo que já não é ele quem ala,
é alguém, é alguém que vê por ele, interpreta as coisas por ele, está atrás dele,
invisível!...” (p. 74).
O que é estar louco? “No fim, porém, quando se examinavam bem, na sala das
visitas, aquelas faces transtornadas, aqueles ares aparvalhados, alguns idiotas e sem
expressão, outros como alheados e mergulhados em um sonho íntimo sem fim, e via-
se também a excitação de uns, mais viva em face à atonia de outros, é que se sentia
bem o horror da loucura, o angustioso mistério que ela encerra, feito não sei de que
inexplicável fuga do espírito daquilo que se supõe o real, para se apossar e viver das
aparências das coisas ou de outras aparências das mesmas.”
Olga, obre a liberdade de defender um amigo:
—Vais sair?
Ela, afogueada pela ânsia desesperada de salvar Quaresma, disse com certa
vivacidade:
—Vou.
Armando ficou admirado de vê-la falar daquele modo. Voltou-se um instante para
Ricardo, quis interrogá-lo, mas logo, dirigindo-se à mulher, perguntou com autoridade:
—Onde vais?
A mulher não lhe respondeu logo e, por sua vez, o doutor interrogou o trovador:
—Que faz o senhor aqui?
Coração dos Outros não teve ânimo de responder; adivinhava uma cena violenta que
ele teria querido evitar; mas Olga adiantou-se:
—Vai acompanhar-me ao Itamarati, para salvar da morte meu padrinho. Já sabe?
O marido pareceu acalmar-se. Acreditou que, com meios suasórios, poderia evitar
que a mulher desse passo tão perigoso para os seus interesses e ambições. Falou
docemente:
—Fazes mal.
—Por quê? perguntou ela com calor.
—Vais comprometer-me. Sabes que...
Ela não lhe respondeu logo e mirou-o um instante com os seus grandes olhos cheios
de escárnio; mirou-o um, dois minutos; depois, riu-se um pouco e disse:
—É isto! "Eu", porque "eu", porque "eu", é só "eu" para aqui, "eu" para ali... Não
pensas noutra coisa... A vida é feita para ti, todos só devem viver para ti... Muito
engraçado! De forma que eu (agora digo "eu" também) não tenho direito de me
sacrificar, de provar a minha amizade, de ter na minha vida um traço superior? É
interessante! Não sou nada, nada! Sou alguma coisa como um móvel, um adorno,
não tenho relações, não tenho amizades, não tenho caráter? Ora!...
Ela falava, ora vagarosa e irônica, ora rapidamente e apaixonada; e o marido tinha
diante de suas palavras um grande espanto, Ele vivera sempre tão longe dela que
não a julgara nunca capaz de tais assomos. Então aquela menina? Então aquele
bibelot? Quem lhe teria ensinado tais coisas? Quis desarmá-la com uma ironia e disse
risonho:
—Estás no teatro?
Ela lhe respondeu logo:
—Se é só no teatro que há grandes coisas, estou.
E acrescentou com força:
—É o que te digo: vou e vou, porque devo, porque quero, porque é do meu direito.
Apanhou a sombrinha, concertou o véu e saiu solene, firme, alta e nobre. O marido
não sabia o que fazer. Ficou assombrado e assombrado e silencioso viu-a sair pela
porta fora. (p. 181)