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DOSSIÊ
E OS DESAFIOS DO SÉCULO XXI
INTRODUÇÃO
Ainda que tenham suas raízes no pensa- e anglo-saxões, como formadora das classes
mento anti-imperialista das primeiras décadas dominantes da região e articuladora de seus
do século XX, que Ruy Mauro Marini (cf. Ma- processos de desenvolvimento mediante uma
rini, 1994) chama de sua primeira floração, as divisão internacional do trabalho monopólica,
teorias da dependência surgem, de forma mais competitiva e hierarquizada, que atravessou os
elaborada, na segunda metade dos anos 1960, Estados, estando na origem de sua constituição
expressando os impasses do nacional-desen- moderna e nacional.
volvimentismo e a crise do desenvolvimento Elas descartaram o caráter feudal das
dependente e associado na América Latina. economias latino-americanas e afirmaram a
Tais teorias dirigem suas críticas às dis- subordinação de suas formas semisservis, ser-
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792018000300001 445
A TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA E OS DESAFIOS ...
história, ciência política, antropologia, filoso- que Cardoso e José Serra, de outro (Cf. Cardo-
fia, geografia e teologia (cf. Marini, 1994; Mar- so; Serra, 1978: Kay, 1989; Marini, 1978, 1992;
tins, 2015; Santos, 2000). Santos, 2000). Todavia esses enfoques críticos
Ao longo dos anos, dividiram-se em à teoria marxista da dependência foram colo-
duas grandes correntes: uma versão crítica à cados em questão, nos anos 1980, pela crise
dependência, com forte inspiração marxista, da dívida externa, a recessão e o abandono dos
que busca a transição a uma formação social programas desenvolvimentistas, e, nos anos
socialista, e cujos mais destacados autores são 1990, pela ofensiva neoliberal, que impôs a re-
Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos e gressão e a perda de direitos sociais por meio
Vânia Bambirra (Bambirra, 1974, 1978; Mari- das reformas do Estado, trabalhistas e previ-
ni, 1973, 1974, 1976, 1978; cf. Santos, 1968, denciárias.
1971, 1972, 1978a, 1978b, 1991, 2000); e outra A internalização do Consenso de Wa-
que propõe a dependência como o tipo ideal shington restringiu a autonomia do pensa-
histórico-estrutural de desenvolvimento das mento latino-americano e implementou uma
sociedades latino-americanas, reivindicando agenda de políticas públicas na contramão das
certa margem interna de negociação com o demandas sociais que ganhavam força com a
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Carlos Eduardo Martins, Luiz Filgueiras
onda de redemocratização do Cone Sul: apro- a crise e a debilidade das democracias no capi-
fundou-se a financeirização; expandiram-se talismo dependente e a potência analítica dos
a dívida pública, a desindustrialização, o de- conceitos de fascismo ou de Estados de Con-
semprego e a desigualdade; liquidou-se grande trainsurgência e de 4º poder para explicá-las;
parte das empresas estatais; e se fortaleceram e as alternativas ao capitalismo dependente na
mecanismos autocráticos de decisão em detri- América Latina e sua vinculação à construção
mento do controle público. A teoria weberiana de um novo eixo de poder geopolítico regional
da dependência teve protagonismo intelectual e mundial (cf. Martins, 2015, 2017).
discreto nesse período. Entre as razões para Embora a atual ofensiva neoconserva-
isso, além da mudança dos marcos gerais de dora dificulte o alcance dessa nova floração
integração à economia mundial, a adoção do da Teoria Marxista da Dependência, não tem
padrão neoliberal pelo governo FHC gerou re- capacidade de desloca-la definitivamente. Pelo
sultados medíocres em termos de desenvolvi- contrário, em um cenário de radicalização da
mento, limitando o componente interno da te- luta de classes que tende a se aprofundar na
oria, aproximando-a da condição de um apên- América Latina e no Brasil nos próximos anos,
dice do Consenso de Washington (cf. Martins, a TMD poderá vir a cumprir um papel desta-
2011, 2015). cado. Neste dossiê, apresentamos seis artigos
A crise das experiências neoliberais na que tratam alguns dos temas centrais que vêm
América Latina, que se iniciou em 1994, com a sendo destacados pela revisão crítico-analíti-
irrupção do movimento zapatista em Chiapas, ca que se constitui com a ampliação da teoria
levou a uma nova ascensão dos movimentos marxista da dependência.
sociais, à formação de governos nacionais po- Cristóbal Kay situa a teoria marxista da
pulares e de centro-esquerda e a impasses que dependência no âmbito dos aportes latino-a-
recolocaram em destaque a teoria marxista da mericanos à crítica das teorias do desenvolvi-
dependência como uma das fontes de interpre- mento. Destaca, além da teoria da dependência
tação dos processos econômicos, sociais, polí- e sua vertente marxista, as contribuições estru-
ticos e ideológicos em curso tanto na América turalistas e neoestruturalistas, os estudos so-
Latina quanto no mundo contemporâneo. bre o colonialismo interno e a marginalidade,
Essa nova ofensiva da teoria marxista da e os aportes de Mariátegui. Aponta que esses
dependência, que constitui sua terceira flora- enfoques apresentaram novas formas de inter-
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A TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA E OS DESAFIOS ...
ao capitalismo central, reivindicando sua es- _____. Teoría de la dependencia: una anticrítica. México
DF: Era, 1978. 113 p.
pecificidade no capitalismo dependente.
Cardoso, F. H. Autoritarismo e burocratização. São Paulo:
Adrian Sotelo Valencia reivindica a per- Difel, 1975. 240 p.
tinência contemporânea do conceito de subim- _____. As ideias e seu lugar. Petrópolis: Vozes, 1993. 244 p.
perialismo, utilizando-o como chave conceitu- _____. O modelo político brasileiro e outros ensaios. São
Paulo: Difel, 1979. 211 p.
al de interpretação da crise produtiva, finan-
_____. Xadrez internacional & social-democracia. Lisboa:
ceira e política do capitalismo brasileiro, e o Dom Quixote, 2010. 261 p.
inscreve como dimensão analítica indispensá- Cardoso, F. H.; Faletto, E. Dependência e desenvolvimento
na América Latina: ensaio de interpretação sociológica.
vel do trinômio dependência, subimperialis- Petrópolis: Vozes, 1984. 143 p.
mo e imperialismo, na análise do capitalismo Cardoso, F. H.; Serra, J. Las desventuras de la dialéctica de
la dependencia. Revista Mexicana de Sociología, UNAM.
mundial no século XXI. México D.F., n. extraordinario, p. 9-55, 1978.
Luiz Filgueiras interpela o conceito de Kay, C. Latin American and underdevelopment. Londres:
padrão de reprodução do capital a partir da Routledge, 1989. 295 p. (Theories of Development).
assim como os estudos sobre a transição ao _____ . Las raíces del pensamiento latinoamericano
In: Marini, R.M; Millan, M. (Coords.) La teoria social
socialismo, a partir da experiência socialista latinoamericana: losorígenes: tomo I. Mexico D.F.: El
Caballito, 1994. p. 17-35.
no Chile.
_____. El reformismo y la contrarrevolución: estudios sobre
Finalizamos a apresentação deste dos- el Chile. México DF: Era, 1976. 250 p.
siê, dedicando-o à memória de Theotonio dos _____. Subdesarrollo y revolución. 5ª edición. México DF:
Siglo XXI, 1974. 204 p.
Santos, cuja vasta obra constitui um dos mais
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Carlos Eduardo Martins, Luiz Filgueiras
Santos, T. dos La crisis norteamericana y América Latina. _____. El nuevo carácter de la dependencia. Santiago de
Santiago de Chile: Prensa Latinoamericana, 1971. Chile: Ceso, 1968.
_____. Democracia e socialismo no capitalismo dependente. _____. Socialismo o fascismo: el nuevo carácter de la
Petrópolis: Vozes, 1991. 288 p. dependencia y el dilema latinoamericano. México
DF.:Edicol, 1978b. 341 p.
_____. Dependencia y cambio social. Santiago de Chile:
Ceso, 1972. _____. A teoria da dependência: balanço e perspectivas.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. 176 p.
______. Imperialismo y dependencia. México DF: Era,
1978a. 491 p.
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