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POBRE JARDIM

Fausto Prado Olyntho


POESIA E PROSA COLIGIDA POR TARQUINIO JOSÉ BARBOZA DE OLIVEIRA

Fausto Prado Olyntho


POBRE JARDIM

PREFÁCIO

Quando nasci, em 3 de março de 1938, tio Fausto já estava morto. Eu estava em


formação na barriga da irmã Glaucia quando ele faleceu em 5 de junho de 1937, dois
meses depois do casamento de Glaucia com meu pai em 2 de abril de 1937.

Não só poetas românticos morriam tuberculosos. Outros poetas do modernismo


brasileiro morreram tísicos. Manuel Bandeira sobreviveu, tocando um tango argentino,
até seus oitenta anos. O poeta da Vila, Noel, faleceu em 1936. Tinha nascido um ano
antes de Fausto. Muito mais boêmio.

A penicilina, aparecida no Brasil em 1942/1943, não salvaria Fausto. Seria inútil. Só a


estreptomicina que, na mesma década, não salvou George Orwell, poderia salvar
Fausto. Assim mesmo com efeitos colaterais e sem certezas, tal como os
quimioterápicos de hoje.

Todos os primos, sobrinhos e sobrinhos netos de Fausto da mesma geração, ainda


vivos, hoje com mais de sessenta e cinco anos, acostumaram-se a ouvir falar de
Fausto. A irmã Glaucia preservou suas ultimas cartas. Essa edição da obra completa de
Fausto adiciona poemas do irmão Waldemar, apelidado Coquinho, dez anos mais
velho, falecido também tuberculoso, em 1931.

Fausto e o irmão Mario escreveram a lápis uma carta ao pai Tarquínio Cobra Olyntho,
diretamente das trincheiras de Guaxupé, durante a inglória revolta paulista de 1932.
Mario foi o único dos quatro irmãos poupado pela tuberculose.

O sobrinho Tarquínio Barboza de Oliveira, quatro anos mais moço, preservou a obra de
Fausto e Waldemar. Esse Pobre Jardim surge após oitenta anos.

Olavo Cabral Ramos Filho


Leblon, Rio de Janeiro
29 de agosto de 2017.

1
Apresentação
Apresentá-lo a quem?

Às pessoas que o conheceram, privaram de seu convívio, estimaram? Aqueles


conterrâneos que liam n’ A Gazeta do Rio Pardo, semanalmente, os seus poemas ou as
suas crônicas em versos? Ou em A Colmeia? Ou no jornalzinho bissexto O Ponto,
constante impontual a renascer cada três meses?

Fausto Prado Olyntho nasceu e viveu em São José do Rio Pardo. Também na capital,
em São Paulo. Desapareceu, consumido pela tuberculose, na idade em que a
tuberculose costumava ceifar os jovens de talento: nos seus vinte e cinco anos1.

Seus maiores amigos foram Mário e Gláucia, irmãos que lhe deram assistência,
admiração e carinho nas horas mais difíceis da doença e da despedida. Mário,
desenhista, amante de esportes que o salvaram, cedo foi absorvido pelo trabalho em
São José e depois em São Paulo. Ambos estudaram com o mestre francês Louis
Duchêne, magnifico professor que os vendavais do destino levaram pana as margens
do Rio Pardo. Juntos, na Revolução Paulista de 1932, lutaram na Coluna Romão
Gomes.

Sendo os irmãos mais jovens de minha mãe, eles e Yvette, a caçula, na verdade foram
mais tios para mim - irmãos quase da mesma idade, com quem eu sonhava ser
companheiro nas férias escolares, sobretudo de Gláucia e Fausto, aproximados, nós,
pelas afinidades literárias. E, bem antes, pelo reino fantástico dos brinquedos no
quintal da casa de meu avô materno - ídolo de toda gente por sua dedicação, digna e
superior a todos os semelhantes, aos quais serviu como farmacêutico de todos e
médico dos pobres.

Nosso modelo mais direto, entretanto, terá sido Tio Coquinho, isto é, meu padrinho
Waldemar Cobra Olyntho, o mais velho de nossa geração, que a morte levou também
aos vinte e sete anos, creio2. Ledor insaciável, formara excelente biblioteca.
Inteligência privilegiada, desenhava bem e anotava inúmeros cadernos com notas de
leitura e composições próprias. De seus poemas, restam muito poucos. De sua figura,
como a de todos os meus tios, guardo a lembrança da simpatia e beleza viril. Mas,
sobretudo o talento.

Fausto, desde cedo, teve menos saúde que os mais velhos, Compensava-se da
fragilidade física, treinando este sobrinho-irmão em fugas para nadar no Rio Pardo, em
aulas de box que testávamos em lutas com a molecada da rua, alternando peraltagem
com discussões sobre arte e poetas. Amou intensa e perdidamente a Lourença,

1
Fausto nasceu em 05/12/1911 e morreu em 05/06/1937. Tinha 4 anos a mais do que Tarquínio
Neto, com quem conviveu na infância e juventude. Ver apêndices ao final (NE)
2
Waldemar nasceu em 08/07/1901 e faleceu em 06/02/1932, viveu portanto até seus 30 anos. (NE)

2
mocinha toscana tirada de una tela de Leonardo da Vinci. Tinha a premonição da
morte prematura e a paixão da luz, do sol, das magnificas tardes de São José,

E um sentido de humor que transparece da originalidade de seus tropos, de sua


inventiva e criatividade bem própria.

Sem eles, meus tios maternos, eu não teria tido adolescência. Nem aprendido a
sonhar, nos meses distantes de colégio interno.

Sem eles - e particularmente sem Fausto - minha caixa de lembranças seria


extremamente pobre, tanto quanto é rica a minha velhice hoje de saudades imorre-
douras.

Tarquínio José Barboza de Oliveira3


Ouro Preto, 12 de abril de 1978

Yvette e Gláucia, irmãs do poeta, ladeando a


sobrinha Maria José, em 1927

3
Tarquínio José Barboza de Oliveira foi o primeiro sobrinho homem de Waldemar e Fausto. Filho
da irmão mais velha Antonieta e de José Barboza de Oliveira, Zuza, nasceu em 18/09/1915 em São José
do Rio Pardo e faleceu em 26/12/1980 em sua adorada Ouro Preto, MG. Advogado, administrador de
empresas e historiador, deixou uma dezena de obras históricas escritas. (NE)

3
Saudade
A Fausto de Tarquínio
Fui fazer uma grande viagem pela terra.
Longe... outro mar...
Sem pensar, quase sem querer, fatalidade,
e era toda minha bagagem
uma saudade imensa de Você.

Quando fui no despedir, dizer,


com o coração vazio de alegria,
que estava triste, não queria ir,
Você me disse, Você pedia eu fosse...
Eu fui. Voltei
esquecido da ausência, contente,
lembrado só, tão somente de Você.

Você não me esperou. Por quê?


Foi esquecer da gente, Fugir
da terra quente, boa, nossa, ser
viajor eterno, ao léu, sem a mossa
da saudade. Feliz pelo país do céu...

Nem me disse adeus... Por quê?


Tarquínio José Barboza de Oliveira
Gazeta do Rio Pardo, Agosto, 19374

4
Em 1937 Tarquínio Neto tinha 22 anos e estava estudando direito em São Paulo. Foi surpreendido
com a morte prematura do tio e companheiro literário em São José dos Campos, de tuberculose, como era
de rigor a um poeta. (NE)

4
Poemas de Fausto Prado Olyntho

Fausto Prado Olyntho, 1935

5
Pobre Jardim

Olho para o jardim,

debruçado no peitoril da janela...

Tem um repuxo velho no centro.

Está maltratado. Cheio de mato.

Mas dá tanta flor bonita...

Merecia compensação:

- ser bem tratado.

Gazeta do Rio Pardo (# 997)


São José do Rio Pardo, 04/01/1929
Fausto

6
Certa Vez

Certa vez
te encontrei no jardim,
te olhei muito
dizendo
te querer bem.
Reflitas um tanto,
(Não respondas sem refletir):
-- Se tu pensas...
Eu também. Eu juro
que te quero mesmo bem.
-- Se tu pensas...
Pois eu não. Eu juro que foi brinquedo.

Certa vez...

Gazeta do Rio Pardo (# 997)


São José do Rio Pardo, 04/01/1929
Fausto

7
A minha terra…

A minha terra
tem muita coisa bonita...

Fica no alto duma colina...


Tem um rio tão bonito
que se chama Rio Pardo...
Tem uma ilha tão bonita
(a ilha de São Pedro )
A choupana de Euclides da Cunha...

A minha terra é do tamanho...


do meu coração.
São José!

Gazeta do Rio Pardo (#997)


São José do Rio Pardo 04/01/1929
Fausto

São José do Rio Pardo

8
Escândalo

No jardinzinho humilde
De flores plebeias e anêmicas,
Uma rosa enorme
- como uma mulher de vida fácil –
Dá um escândalo vermelho.

Gazeta do Rio Pardo (#997)


São José do Rio Pardo 04/01/1929
Fausto

Fausto Prado Olyntho

9
Tristeza de não Possuir

Vejo de minha janela,


em pijama, a rua que desperta.
Deve haver nesta rua
muita gente que não dormiu ainda
por causa da sanfona asmática
do meu vizinho.
Toda a noite o homenzinho,
espremendo o instrumento,
arrancou-lhe uns tangos tristes.
A temperatura amena
tinha amavios de ópio.
Mas não pude dormir:
lá vinha um tango e ia-se-me o sono.
Lembrava-me dela,
a minha linda cantora de tangos.
Não possui voz.
É execravelmente loira.
Em compensação, que corpo admirável!
(Esguio e ondulante.
Parece fumaça de cigarro.)
Ainda ontem ela afundou os olhos
nos meus olhos
procurando uma palavra
que eu nunca disse.
Fiquei pensativo,
esperando...
À noite, no cabaré, ela passou
diante de mim
com outro...
Meu vizinho adivinhou minha tragédia:
Reviveu na sanfona asmática
minha linda cantora de tangos...

São José do Rio Pardo, 11/01/1920,


Gazeta do Rio Pardo #999,
Fausto

10
Dona Primavera

Chove... Melancolia... Tédio...


No meu relógio — tic, tac, tic, sem parar.
O ar enregelado acutila. O dia pardacento escorrega, untuoso...
Acendo a lâmpada.
O abajur projeta sobre a mesa um retângulo de luz.
Foi num dia assim que tu chegaste. Subiste a escada a cantar.
Eu chamei-te Dona Primavera. E tu, meu abajur loiro, projetaste na
minha solidão um retângulo de alegria.
Foste, por muito tempo, um canário festivo na gaiola escura de minha
água furtada.
Um dia, na alameda, as cigarras não cantaram mais.
Das árvores pingavam folhas.
No vórtice das ventoinhas havia bailados amarelos.
Partiste. Nunca mais.
A minha vida, desde aí, passou a ser triste como este dia de chuva, como
o dia de chuva que chegaste.

São José, 02/03/1930


Fausto

11
Aquarela

Manhã... Um ventozinho ágil


passa brincando.
O ar cheira a folha verde.
Longe, de um teto de sapé,
o fumo reto espirala, se desfaz...
Ouve a cantiga dos regatos.
Os regatos são a infância dos rios.
Agora, preste atenção: um baile de borboletas.
Esta amarela, cor de topázio, com frisos negros,
parece obra de um miniaturista chinês.
Aquela é azul e branca.
Aquel’outra vermelha. Toda a gama
do arco-íris.
Olhe como bailam.
Musica de Stravinski...
Cenário de luxo eslavo.

São José do Rio Pardo, 08/05/1930


Brasílio Gandaia5
Gazeta do Rio Pardo (#1068)

5
Brasílio Gandaia era um pseudônimo usado por Fausto. Outros pseudônimos: Oscar Fausto,
Quincas Borba e Paulo Riopardo.

12
Vida que Passa
A meus amigos

Docemente desliza a vida...


No meio de um ambiente de carinhos,
meu coração recobra sua inocência
e volta a ser ingênuo
como um menino.
Quem recorda os velhos desenganos,
quando rima o seu canto como eu,
ri de suas penas...
E eu me rio das amarguras
dos meus vinte anos!
Sob o sortilégio do seu olhar
passam as horas tão silenciosas
que nem sequer sentimos a sua fuga célere,
enquanto, entre sorrisos,
construímos castelos de cartas
do futuro.

São José do Rio Pardo, 22/05/1930


Brasílio Gandaia
Gazeta do Rio Pardo (#1070)

13
O Templo de Minha Predileção

Capela da São Juquinha


- Você viu a cidade nascer
à beira do rio de águas pardas
- com a cidade Você cresceu... até vir a ser a Matriz
Sim: Igreja de São José do meu Rio Pardo!

- Seu limiar, um dia de Maio das flores e de Maria,


transpus triunfalmente ao colo,
pela vez primeira, há vinte e poucos anos.
Choramingava, dentro de una alva camisolinha
de cambraia,
de um tocado de renda
e primoroso par de sapatinhos cor-do-céu.

- Era vigário o Padre José,


ensopando minha cabecita, virgem de pensamentos,
evocou o suave instituto do rio Jordão,
sagrando-me com o nome imortalizado
no poema famoso de Goethe...
(Talvez, por isso dei para sonhador...)

- Quando já meninote
aí fiz a comunhão inicial
e arrastei orgulhosamente a minha batina vermelha
de coroinha do Padre Arnold,
ajudando todo o ritual com a maior devoção.
Igreja de São José do meu Rio Pardo!
Onde assisti tantas cerimonias alegres...
e quantas cerimônias tristes.
Aonde voltarei sempre que puder,
para rezar e pedir a Deus, fervorosamente,
a felicidade e a grandeza de minha terra!

São Paulo – 1936


Oscar

14
Noturno nº I

O sol vestiu seu pijama rubro-


poente...
vai dormir desassossegadamente
doze horas compridas,
sonhando com as estrelas,
do cabaré Noite de Madame Lua.
Toda a noite vai ouvir
o apito dos grilos guarda-noturnos
alarmados
com decaídas gatas
que nos telhados
brigam com gatos gigolôs.
Ouvir serenatas de sapos
na festa veneziana do alagado
com lanternas-vagalumes.
Dona Coruja recita uma prece
na sessão espirita
onde o Senhor Morcego
mediuniza atrapalhado
com o espírito de um gambá.
Um galo - despertador barato -
acorda Dona Aurora que se levanta,
acende o fogo
e põe o leite do Dia pra ferver.

Brasílio Gandaia
em Julho de 1929

15
Fascinação

Ela olhou-me... Depois passou. Foi andando... Era um tango que se fez mulher.
e eu fiquei, na tarde triste, naquele trecho de rua deserta a cismar...
Aqueles olhos, onde vira aqueles olhos?
Olhos cor dos ambientes mortuários, olhos de luto entre o crepe das olheiras,
num rosto cor de vicio.
A boca—uma ara ofertando-se a um holocausto de amor.
O corpo, todo em surdina, langoroso, coleante...
Onde vira essa mulher?
Talvez num pesadelo, talvez num delírio, através esmeralda de um cálice de
absinto. Dela devia evolar-se um perfume causticante e emoliente, mole como
um unguento e alvo como o luar...

São José, julho/1929


Paulo Riopardo

Desenho de Waldemar Prado Olynt ho (?)

16
Evocação

Entro. Silêncio. O "boudoir" em treva.


No ar, disperso, um perfume.
O teu perfume...
Toco o comutador. Solta, a luz se expande por sob o abajur cor de rosa.
Olho o espelho. O seu cristal ainda guarda o calor de tua presença.
No divã, vestígios de teu corpo.
E as almofadas? Estas dizem as formas impecáveis dos teus seios.
As plumas, vários frascos, os "batons”, o "rouge", o pó-de-arroz... Olho
tudo e evoco.
Fecho os olhos e te reconstituo através de minha saudade. Gozo então
uma estranha volúpia: a macia volúpia do teu contato imaterial...

São José do Rio Pardo, xx/08/1929


Brasílio Gandaia
Gazeta do Rio Pardo (#1027)

17
Você

Hoje Você está linda.


Até parece,
com esse vestido amarelo,
um ipê florido.

Você está muito alegre.


Seu sorriso revela indícios de primavera.
Você toda... todinha... está formando
um quadro vivo de pinceladas berrantes.

Mas quando vejo Você assim


nessa claridade forte,
Você não me parece mais um ipê, não.
Parece mais, muito mais...
Parece a felicidade.

São José do Rio Pardo, xx/08/1929


Brasílio Gandaia
Gazeta do Rio
Pardo (#1034)

Yvette Prado Olyntho, irmã do poeta

18
Recordação

Lembras-te?
Uma sombra mole caía das árvores,
havia música de águas
e um cheiro bom de folhas amassadas
quando eu colhi teu beijo,
como um fruto...

São José do Rio Pardo, 11/1929


Brasílio Gandaia
Gazeta do Rio Pardo (#1041)

19
Presságio

Quando eu morrer,
quero, meu bem amado,
que sobre minha sepultura
mandes plantar uma roseira.

Na primavera, ela dará uma rosa vermelha.


Colhe-a então, e aspira seu perfume,
porque, ao aspirá-lo,
lembrarás a minha boca
e pensarás que suas pétalas são meus lábios.

São José do Rio Pardo, 11/1929


Brasílio Gandaia
Gazeta do Rio Pardo (#1041)

20
Para teu Álbum

Toda vez que te vejo


assim tão pequenina...
oh! que provação louca.

Cuidado! que inda dou um beijo,


minha linda menina,
bem no til da tua boca!

Gazeta do Rio Pardo


Novembro 1931

21
Outono
ao Leandro

Outono...
Silêncio...
A paisagem convalesce...
Uma folha
-- a última --,
como uma lágrima,
se desprende de um galho
e cai....

Oscar Fausto
Gazeta do Rio Pardo

22
Poeminha Evocativo

A Lourença Bertero

O pó-de-arroz da garoa
a Paulicéia empoa.
Fantasiada de artista
modernista,
Dona Saudade pinta na tela viva
de minha evocativa.

Pitoresco quadrinho surge daí.


Entitula-se “A cidade onde nasci”
Nele, como de um farol Invisível,
a luz do sol
ilumina
o casario colorido trepado na colina.
A torre da igreja-matriz, bem no alto
cutuca o céu azul cobalto...
A seus pés, cintila o rio de aguas
pardas...
Ao longe, corcoveiam montanhas
esverdeadas,
"cadê a conterrânea, simples e sincera, Fausto, Lourença Bertero e Geni
que lá me espera?”
(Deve estar numa torcida, até jogo,
para que certo dia chegue logo...)

São Paulo
Paulo Riopardo
A Gazeta do Rio Pardo

23
Ilusões

Antigamente, minha vida era doce,


doce como mel...
(cada Ilusão era como se fosse
um barquinho de papel.)

Hoje, minha vida e amarga,


amarga como fel...
(Naufragaram com toda a carga
meus barquinhos de papel.)

São Paulo
Paulo Riopardo

Fausto Prado Olyntho

24
Por Causa de um Tango Triste

(ao Triste Vida )

Ontem, aquela hora da noite,


à meia luz daquele bar,
na intimidade de amigos
e ao redor de uma vitrola a cantar
(a sofrer um tango triste)
palestrava-se de amor...
Quando, na minha imaginação, põe-se a bailar
alguém que, àquela hora, devia estar
a dormir e a sonhar.
Aquele tango contagia-me de saudades...
Corro para casa quase sem querer.
Deito-me, e custo a adormecer.
Sonhava com Você quando desperto
a soluçar...
- Nos meus ouvidos, aquele tango triste,
sempre triste...
a cantar... e a sofrer.

Quincas Borba

25
Moeda de Ouro

Não sei quanto tempo estive


em tua esquina,
na rua da Vida,
imobilizado, braços estendidos,
mendigando a esmola do Amor.

Nem sei...

Naquele burburinho todo,


no fundo do chapéu roto de minhas ilusões
- o meu coração -
só pingavam moedas de cobre e níquel.

Vai que certo dia,


sem eu menos esperar,
surpreendo entre outras
a moeda de ouro ambicionada.

Você! Meu Amor!


Lourinha como aquela moeda de ouro,
com a qual pude comprar depois,
na Loja das Raridades,
a Felicidade!

Quincas Borba

26
Chuva de Pedra (1)

A chuva de pedra veio


e despiu a roupa verde,
pintadinha de amarelo
e de vermelho,
dos cafezais.

Depois foi-se embora...

E os cafezais ficaram nuzinhos


debaixo do céu cobalto,
tremendo de frio
e ‘quentando’ sol!

Oscar Fausto

27
Diagnóstico
Ao Dr. Waldemar B. Pessoa

“Mãos frias, coração quente”,


repete-o toda a gente.
Mas, meu Deus! e eu que as tenho
tão quentes,
as mãos em febre, amor no coração?...
- Estarão ambos doentes?

Oscar Fausto

Fausto Prado Olyntho

28
A Visita

Foi outro dia.


Eu estava em casa, tristonho,
triste intimidade,
quando ouvi bater à porta.

- Ó! Que surpresa! Boa tarde,


Dona Felicidade...
- Boa tarde!
- Como tem passado? Vamos entrar.
Faz tanto tempo que não vem ...
- Obrigada. Estou apenas de passagem.
- Entre um pouquinho só. Quem sabe...
- Então, só um pouquinho!

Dona Felicidade faz umas visitas raras,


curtas. Entrou e a casa irradiou alegria.
Fulguração de momentos.
- Bom... Está na hora...
- Assim? Tão cedo assim?
- Sabe... Tenho pressa. Sou uma e são tantos...
- Mas tão pouco? E depressa?
- Outro dia eu volto.
Despediu-se. E não voltou...
Oscar Fausto

29
Felicidade
à Gazeta

Penso nas coisas que morreram:


a Saudade vem e para à minha porta.
A minha porta é franca e sempre aberta.
Entre as coisas que passam e que passaram
(alegrias, mágoas, tristezas...)
suponho que a felicidade passasse.
É tão difícil reconhecê-la!...

Ao pressenti-la, ao adivinhá-la, já é tarde:


ela passou... Está longe...

As alamedas estão cobertas de garoa,


A gente a vê esfumar-se na garoa,
confundir-se, desaparecer...

E fica-se à janela, pensativo,


a olhar as alamedas,
cobertas de garoa...

Gazeta do Rio Pardo


São José do Rio Pardo

Áurea, irmã de Fausto, falecida aos 3


anos de idade

30
Manhã

Senhor sol acordou cedinho.


Pulou da cama em pijama lilás-aurora,
escancarou as venezianas azuis
e se debruçou na janela do firmamento
para espiar, lá fora, o lindo dia nascente.

Senhor Galo do terreiro


saudou-o com um corococó bom-dia marcial
e ele que cultiva bons hábitos
entrou na fatiota nova
e, todo satisfação,
saiu para seu costumeiro passeio matinal,
de braço dado, com a linda senhora dona Manhã de Cristal.

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

31
Perfil de um Gato

Não perpetua linhagens, sem tradições


(quero dizer: não tem raça.)
Talvez tenha nascido no desvão
d’algum telhado, ou no recôncavo d’algum forno.
Dorso mosqueado.
Cara e peito brancos. Pelo luzidio.
Gordo e dorminhoco.
É, até mesmo, caçador por diletantismo.
Briguento, por necessidade. A defesa de seu reino.
Mas quem?
Apenas um gato, e nada mais.
Meu? Não. De quem?
De ninguém. Gato não tem dono...

Oscar Fausto

32
Luar

Eu vi, na madrugada
pálida,
brancuras alvas ao luar.
A lua (Salomé fria e solitária)
dançava na amplidão dos céus
a dança dos sete véus...
Seus meneios e flutuações
projetavam na face da terra
iluminada
sombras enormes de assustar!

Eu vi, na madrugada
pálida,
brancuras alvas ao luar...

Oscar Fausto

33
Quadro

Tarde.
Uma aragem suave
sopra e baloiça levemente
a folhagem das mangueiras.

Andorinhas chilreantes
riscam rápidas como setas
o azul anil do céu
- onde certa nuvem transviada
muito branca e solitária
move-se lentamente...

No quintal do vizinho
crianças brincam
em alegre algazarra
de gritos e risos.

E nas partes altas


das paredes multicores,
das árvores verdes,
dos telhados vermelhos,
das casas adjacentes,
o sol-poente se despede do dia
com um longo beijo de luz.

Gazeta do Rio Pardo


São José do Rio Pardo
Oscar Fausto

34
Noite de São João

Espio o céu coalhado de estrelas


(e de balões que se confundem nelas...)

E penso: em nossa vida também existe um balão


original, mas que faz vagarosa ascensão...
e que (não pertencendo a incréus)
ruma direitinho para Deus.

É todo vermelho e tem forma de um coração


- o nosso coração.
Como tal, o seu destino é igual
ao dos outros balões. Exatamente igual.

E, com ele, até sumir, queimar, morrer, vão:


nosso ideal... nosso amor... nossa ilusão...

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

35
São Pedro

São Pedro:
Porteiro do céu
- desse céu tão desejado,
para o qual, não sei, se estou destinado...
Quando meu dia chegar,
São Pedro! banque o camarada!
finge que ressona...
e deixe-me entrar
de carona...

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

36
Balada da Saudade

A chuva lá-fora
chora
pingos d’água...

O dia está triste,


triste,
com saudades do sol.

Eu, aqui dentro,


choro
pingos de lágrimas.

Estou triste,
triste,
com saudades de alguém...

Oscar Fausto

Norival e Waldemar, irmãos de Fausto, em frente ao ranchinho de


Euclydes da Cunha, em São José do Rio Pardo.

37
Veneração
À Honório de Sylos

"A duas braças dos cafezais de São José do Rio Pardo,


o ranchinho de Euclides da Cunha", abrigado aos
maternais carinhos de uma paineira frondosa,
tem por berço - um berço de verdura - o jardinzinho
pitoresco e poético; nele, dorme e sonha... embalado
pela cantiga dolente do rio encachoeirado.

A dois passos, à direita – oh! que ponte majestosa!


E à esquerda, apontando para o céu, muito hirto,
há um bloco tosco de granito
com a efigie em bronze do escritor de gênio árdego.
A inscrição é aquela famosa auto definição lapidar:
- "Misto de celta, de tapuia e grego."

Todos os anos, no dia que lhe assinala a morte


(feriado municipal), a cidade desce da colina
e vem para a beira do rio. Ali, quebrando o porte,
qual fosse um templo, religiosamente se inclina
para, solenemente, testemunhar,
numa saudosa e sincera oração,
a homenagem grata e patriótica da sua profunda
veneração!

A GAZETA
São Paulo - Oscar Fausto

38
Santo Antônio

Santo Antônio!
Fabricante de noivos
sob encomenda,
sob medida,
fabricai um pra mim
que de um me sinto carecida...

Que seja assim - assim:


nem muito bonito,
nem muito simpático...
(por causa da concorrência!)

Oscar Fausto

casamento da irmã Yvette com A. Rehder em 17/06/1939

39
Confidência

A mulher que eu amo...


tem cabelos de sol,
olhos azuis cor-do-céu
e um semblante de luar.

É boa como a terra,


graciosa como as estrelas
dentro de seu vestido verde-mar...

Assinzinha mesmo: tão linda quanto a ilusão!


A mulher que eu amo...

Sol, céu, luar,


terra, estrelas, mar... ilusão!
É toda um mundo a vibrar
dentro do meu coração...

Oscar Fausto

Luiza Amarante e Fausto Prado Olyntho.

40
Entre Você e Deus

Você é a única habitante


do teu mundo interior.
A minha preocupação constante
neste mundo exterior.

Por Você tenho sofrido


e muito ainda hei de sofrer.
Vivo magro, vivo abatido,
tenho até medo de morrer.

Porventura será Você culpada


de minha alma viver inquieta?
de todos martírios meus?

Não. Esteja Você descansada,


que o maior responsável é Deus
que me deu esta alma de poeta!

Oscar Fausto

41
Presente de Rajá

Hoje fui a um bazar


e comprei um atraente presente
para Você.
Adivinhe o que e por quê?!

É um elefantezinho de tromba para o ar,


quase igual
aos de verdade
até na cor natural!
O seu defeito é de ser feito
de porcelana alemã...

Você sabia que um elefantezinho assim


(esse animal-simpatia),
em casa, enfeita e traz felicidade
(enquanto eu não lha possa dar...)?

Por isto mesmo é que estou contente


com o atraente presente
que, com indizível prazer, vou fazer
a Você, já,
neste instante.

Presente à altura!
Em miniatura:
esplêndido presente de rajá’!

Oscar Fausto

42
Garimpeiro de Sol
À José Honório de Syllos

O dia,
qual ambicioso garimpeiro,
acorda cedinho,
mune-se de peneiras de nuvens
e se põe a batear ouro
no riacho muito azul do céu.

E vai bateando, bateando...

De repente,
um sorriso ilumina-lhe a face.
É de satisfação.
Porque as peneiras
estão rendendo, rendendo,
e já começam a fulgurar
repletas de pepitas de sol!

Oscar Fausto

43
Inconsciência

- Meu bem, como vai a Mamãe?


- A Mamãe está boa. Hoje chegou o Vovô,
chegou a Titia... A Mamãe me deu um
abraço, me deu um beijo... Ficou tão
Alegre que começou a chorar. O Vovô
que viu a Titia, que viu também,
começaram a chorar atoa...

Gazeta de Rio Pardo


Oscar Fausto

Josefina Amélia Xavier de Toledo Prado, mãe do


poeta, aos 16 anos, noiva.

44
Infantilidade

O menino foi com a mãe ver a vizinha que morreu.


Depois, quando voltou, os outros irmãozlnhos
perguntaram:
-“Antoninho, o que foi que Você viu lá
na casa de siá Maria?”
-“Uma porção de gente chorando. A siá Maria deitada,
dormindo no meio de quatro velas acesas, todinha
vestida de roxo, com um sapato novinho...”

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

45
Baile à Fantasia
a Eduardo Ribeiro

Carnaval!
O Relâmpago (um pierrô indiscreto)
diz certa piada
a que o Trovão (barrigudo polichinelo)
solta retumbante gargalhada!...
Vai estourar a fclia.
Depois de animada batalha de confeti
e de lança-perfume,
em que toma parte saliente
Dona Chuva (fantasiada de colombina)
Surge de repente o Sol (romântico arlequim)
e atira a serpentina do arco-íris
- que faz meio círculo na sala azul do céu,
bizarramente estilizada,
e vai cair dependurada
no lindo forro decorado de nuvens.
Nisto, passa um jazz: bando de papagaios
cantando um samba lá do morro...

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

46
Aquecendo Meu Amor

Fíto-a, caprichosa e compenetrada,


as agulhas de metal sempre a trançar...
Enternecido, quedo-me a obsevar...

Agora, ela fez uma breve, breve parada,


e os seus lindos olhos em mim pousou.
Recomeça. O novelo de lã diminuindo...

Um lindo pulôver cinza vai surgindo


de sua infinita paciência de fazer tricô!

Oscar Fausto

47
Chuva de Pedra (2)

As nuvens fecharam a carranca.


Súbito, a chuva-de-pedra despencou
e despiu a roupa verde
pintadinha de amarelo
do cafezal,..

Feito isto, foi-se embora,

E os cafeeiros ficaram nuzinhos –


debaixo de um céu de cobalto
risonho, redondo e irônico –
tremendo de frio, tremendo...
e ‘quentando’ sol,
coitadinhos!

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

48
Poemeto de um Dia de Chuva

Por trás dos vidros embaciados


da janela
contemplo lá fora o dia côr-de-cinza...

Chove.
Uma chuvinha lenta,
fina,
e fria como uma lousa...

As árvores estão úmidas,


encorujadas.
A alegria desertou da natureza!
Tudo está diferente.
Tudo está tristonho...
- parece até o Dia da Tristeza!

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

49
Psicologia
a Manuel Vieira

Amor ?
Sonho que viveu
no coração,
que morre como nasceu:
- ilusão...

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

Fausto Prado Olyntho.

50
Tragédia

O sol namorou a Terra


o dia inteirinho...
Foi quando chegou a Tarde
louca de ciúmes
e apunhalou o Sol...
- que morreu todo ensanguentado
no poente...

Oscar Fausto

51
Tarde Molhada

A chuva veio correndo de vestido cinzento.


Correndo e pulando os morros
- monstros verde azulados
deitados lá longe,
de barriga para o ar...
Depois levou um tombo
e caiu ruidosamente
em cima da cidade inteirinha.
Nas ruas, gente pra-lá, pra-cá
apressada,
escondendo aqui, ali, acolá...
com medo de se molhar.

E a chuva choveu uma chuvarada!

Daí um pouquinho,
quando ela sossegou,
as enxurradas cantaram,
nas pedras das sarjetas,
a tristonha balada
da tarde toda molhada...

Gazeta de Rio Pardo


Oscar Fausto

52
Diurno

O sol, como um rapaz muito louro


de luminosa cabeleira ouro,
surgiu na esquina da rua Aurora
e veio vindo, avenida Dia afora,
namorar a menina Terra,
que mora bem no meio do quarteirão.
(Era na primavera.)

Quando passou por ela,


linda! Toda de verde na janela,
ficou zenitentemente radiante
e foi olhando pra-trás...

Depois, já na outra esquina adiante,


se corou todo vermelhinho,
jogou um longo beijo de luz
teatral! quente!...
e se sumiu na rua do Poente...

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

53
Bando de Periquitos

À Gláucia

Dia Luminoso.
O céu é um espelho de cristal azul.
0 Sol - um reflexo de ouro.
A terra - u’a mulher vaidosa
que mira e se remira nesse espelho...

Daí a pouquinho
um bando de periquitos passa...
e faz um risoo verde
no cristal do espelho!

- Esperança.

Fausto

Gláucia Prado Olyntho em 1937.

54
Amável Coincidência

Não atino por que amável coincidência


que, sempre, ao passar por
aquela ruazinha,
me surpreende certo vulto,
muito lindo e muito lírico,
poetizando certo retângulo de janela
qual estranho vaso de flores...

Depois vou andando,


distanciando...
E o lindo
vulto se resumindo...

Puro engano meu!


Pois em verdade não se resume não.
Vai sim, e cada vez mais, crescendo...
Resplandece
como um sol nascente
dentro do meu coração!

Oscar Fausto

55
Arrufos

Impossível continuarmos assim.


nessa eterna discussão.
Eu a afirmar que sim,
Você a teimar que não.

Ou Você se convence, querida,


que, na sua figurinha de diaba,
se resume toda a minha vida,
ou eu... não faço nada!

Oscar Fausto

56
Noturno nº 2
Noite de luar.
Late o cão do vizinho,
bobinho!
Está na certa querendo dar
uma impossível dentada em dona Lua.
Assobiando um tango dolente
alguém,
alguém zé-ninguém,
passa na rua.

Lá fora tudo azul iluminado!


Apenas uma leve aragem
saci-perereira na folhagem
do arvoredo no jardinzinho calado.

Aqui dentro, no quarto,


na cama espichado,
leio quase enlevado
versos de Ribeiro Couto.

Desvio os olhos dos versos


e olho um momento,
já sonolento, a
lâmpada luminosa
repleta de mariposas
silenciosas.

Dlem... dlem... o sino da matriz pancada


Doze horas!
Ouço o tique-taque, reticências sonoras,
que vem do relógio da varanda sossegada

O cão do vizinho não late mais:


cansou de querer pegar Dona Lua e adormeceu.
Silêncio. Calma...
Apago a luz.
Agora o mesmo vou fazer eu.
Gazeta do Rio Pardo
Oscar Fausto

57
Civilisação
a Valêncio Bulcão.

Quando o caboclo rasgou a mata-virgem verde,


a estrada surgiu vermelha
como um rastro de sangue
escorrendo da terra.

E pela primeira vez os veículos


cruzaram a mata verde
pela estrada vermelha.
O barulho dos motores despertou os animais.

E uma onça pintada


veio pra beira da estrada
ver que bichos desconhecidos eram aqueles
que possuíam voz tão estranha.

Noite.
E a onça pintada
ficou encantada
com aqueles olhos luzentes
- os faróis -
de um daqueles bichos desconhecidos
que possuíam voz tão estranha
- o automóvel.

E assim foi que a onça pintada


foi apresentada
à CIVILIZAÇÃO.

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

58
Pingue-Pongue

Ao Dr. Joaquim Aurélio Cardozo

Pingue... pongue... pingue... pongue...


A bolinha branca de celuloide salta a rede
pra - cá, pra - lá
pra - lá, pra – cá.
Bate na raquete: pingue!
Bate na mesa: pongue!
Pingue... pongue... pingue... pongue...
E quando bate pingue
e não bate pongue
o jogo pára!
Depois recomeça!
Pingue... pongue... pingue... pongue...

(O nosso amor é como o jogo do pingue-pongue.


Quando o meu coração bate: pingue
e o seu não responde: pongue!
- pára.
Pra depois recomeçar!
Pingue... pongue... pingue... pongue...)

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

59
Primavera

O Vento brinca nas folhas da mangueira


que estão verdes de alegria
sob a luz tépida do sol.
Nas pontas dos galhos,
as flores jades prometem frutos
que serão belos e suaves
na canícula do verão.

Meus olhos tristes,


ao contemplar esse brinquedo,
se enternecem.
Quem me dera o regresso de minha primavera
para, numa exuberância vegetal,
verdejar, florescer, frutificar...

Gazeta do Rio Pardo


Oscar Fausto

60
Outono

Silêncio...
A paisagem convalesce.
Uma folha
(a última),
como uma lágrima,
se desprende de um galho
e cai....

Oscar Fausto
Gazeta do Rio Pardo

Ponte sobre o Rio Pardo.

61
Futuro Passado

Os brinquedos de crianças...
A meiga menina de tranças...
(Danças e contradanças)
O par de alianças!

Tempestades e bonanças...

A mocidade vive de esperanças,


e a velhice de lembranças...

Oscar Fausto

62
Teia de Aranha

Aranha que tece, tece,


que nasce e vive para tecer
e que tece, tece
até morrer...

E, assim, iniciei esta canção:


nesta vida cheia de espinhos,
tu pareces uma aranha caprichosa
envolvendo meu coração,
com arte maravilhosa,
na teia dos teus carinhos...

Oscar Fausto

63
Poema das Bandeiras
(presente-passado-futuro)

a Guilherme de Almeida

Bandeiras.
São Paulo, dilatador de fronteiras,
que nada teme.
Onde avultou Fernão Dias Pais Leme!

Bandeira tricolor!
- preto - branco - vermelho
escantilhado com a silhueta do Brasil,
Com justo orgulho
São Paulo - Terra de abnegação e de civismo,
onde avulta a Epopeia de 9 de Julho!

Bandeira tricolor!
preto - branco – vermelho,
onde há de avultar
(porque São Paulo se vinga),
escantilhada a silhueta sul americana,
a República de São Paulo de Plratininga!

Oscar Fausto

Batalhão Romão Gomes

64
Cemitério das Saudades

Não Pensem que é um livro de versos. Não.


Nem suponham romance de Ardel6 ou Delly.
Deus me livre!
Chamo assim, liricamente, uma caixa de pinho
do Paraná.
Um día a vi na vitrine de um bazar
entre um Juca Pato7 e uma Santa Terezinha.
Achei-lhe um aspecto de sarcófago. Gostei.
Trouxe-a para a gaveta desta mesa
que fica para o lado do poente
e onde assistem, além do mobiliário trivial
de um quarto de rapaz,
um nu de Almeida Junior, um São Francisco,
e um bonzo8 jovial e nédio.
Dias andados, houve a primeira Inumação:
o cadáver de uma flor. Depois, um lenço
de seda vermelha, u’a medalha,
u’a mascarilha negra, uma liga cor de rosa...
E, há sais meses, um frasco de perfume.
Tantos defuntos, só num cemitério.
Dai seu nome: Cemitério das Saudades...

São José do Rio Pardo


Fausto
Gazeta do Rio Pardo

6
Ardell Wray (1907-1983) – roteirista americana de filmes de terror nos anos 20-30. (NE, fonte
Wikipedia)
7
Juca Pato é um personagem do caricaturista Benedito Carneiro Bastos Barreto (1896-1947) muito
conhecido em São Paulo nos anos 30-40. (NE)
8
Bonzo – sacerdote budista.

65
Retorno

Dentro da manhã, beijada de sol


aquela bananeira do brejo abana como um leque.
Hoje sou um rapaz de escol
com saudades de meu tempo de moleque.

Ah! Se eu pudesse retornar àquele tempo


todo liberdade e repleto de ilusões!...
Não teria sofrido tantos contra-tempos
nem teriam madrugado minhas desilusões.

E que será, então, quando eu já velho


olhar de novo este recanto
olhando depois minhas rugas no espelho?...
Como hei de chorar, chorar... chorar tanto!...

Fausto

66
Crônicas de Fausto Prado Olyntho

Vista Panorâmica de São José do Rio Pardo cerca de 1930

67
Uma carta intima...

Meu caro C.
Penso que estava adormecido. A sua carta teve o efeito de um jato d’água no meu
rosto. Estou agora acordado, sem privação de sentidos...
Do que lhe escrevi não deixei cópia (infelizmente não tenho hábitos comerciais... e,
confesso, já nem lembro do que ficou no papel num momento de lírica expansão...)
Recordo-me da sua carta como de certos sonhos que ficam na cabeça confusamente.
Mas tenho a impressão, entretanto, de que no mínimo, se não fui ridículo, fui
lamentavelmente piegas...
Sou de fato sentimental e, isto, há vinte e quatro anos...
Embora com este defeito, sou também “cavalheiro dos prazeres efêmeros”... O meu
coração é uma grande casa de apartamentos com muitas inquilinas...
Poucas vezes (e por poucos minutos) os apartamentos têm tido uma única inquilina.
E uma destas vezes foi agora... Mas o caso já não existe. Sou contra as exclusividades,
os monopólios, os privilégios. E depois, nas viagens para o amor, ando sempre de
bitola estreita, que é o ’’flirt”...
o-O-o
Olho em torno: estou mesmo acordado...
Releio sua carta. Você não tem razão de pensar que encontrei, nas suas palavras,
segundas intenções.
Estranho (e com motivo) haver Você transmitido a ”única novidade” à míngua de outra
cousa. Enfim, são modos de ver...
De tudo resta... uma saudade longínqua...
Você andou muito bem não contando aquelas (podemos dizer) minhas fraquezas,
evitando assim que caísse sobre a ironia orgulhosa e me fulminasse o desdém vaidoso
e convencido de Gioconda9. Que um dia, num sonho, pensei que fosse minha criatura
predestinada.
O livro da vida: viremos esta página...
Abraços do assinado
H.

Gazeta do Rio Pardo (# 1002)


01/02/1929
Fausto

9
La Gioconda ou Mona Lisa é um famoso quadro de Leonardo da Vinci. (NE)

68
Do meu Diário

O luar está fora de moda.


Tornou-se banal à força de ser cantado, metrificado, vulgarizado por dá cá aquela
palha.
Entretanto, não há nada mais delicioso entre os prazeres inocentes que ouvir, em
noite de luar, um violino ao longe...
Faz dormir e sonhar...
O suave prazer de dormir só é perfeito (está a me dizer esta minha alma atávica de
poeta) ao luar, em noite de verão, num jardim onde haja um lago e a tristeza de um
cisne.
À sua luz discreta e caridosa, uma luz de sonho que nos embala, as coisas familiares
tomam um aspecto indefinido e estranho e os nossos olhos se fecham a custo,
lentamente.
Ainda agora, ali vai Dona Lua. Uma larga face humorística como essas outras que
andam impressas nos cartazes de cerveja, a polvilhar os cirros como faces de pierrôs.
Os gatos da minha vizinha, românticos como a sua dona (que já conta trinta castas
primaveras), andam donjuanescos serenateando pelos telhados.
E a minha gata (uma celerada de olhos esfingéticos) há pouco, aqui mesmo junto ao
terraço, esteve incomparavelmente lírica, a ponto de perder todo sentimento de
decoro.
Não há que ver: é a alma de uma melindrosa que anda exilada nesse corpo de felino.

Gazeta do Rio Pardo (#1004)


15/02/1929
Fausto

69
Boemia

Diziam que o pintor Derius enlouquecera.


Desde que num fim de inverno lhe morrera Mimi, Derius publicou em todo o bairro
que ia pintar a sua própria alma. Daí por diante, em seu atelier, em frente de uma tela,
principiou viver aquela obsessão que não o abandonava um instante.
O tempo fugia e a moléstia parecia agravar-se. Pouco se alimentava. Nada dormia. As
noites passava-as a errar pelo atelier, sombrio, o pensamento fixo na grande obra.
Seu belo rosto de Deus adolescente encovara-se e os olhos, melancólicos e profundos,
tornaram-se mais profundos e melancólicos.
Emagrecia tisicamente.
Deslumbrado, numa inquietude histérica, trabalhava incessantemente na realização
ansiosa de seu magno desejo.
Numa tarde outonal, toda opala, o sol poente, filtrando- se através as cortinas
amarelecidas do atelier, arabescava nas paredes estranhas decorações. O artista,
fraco, abatido, depois de um esforço inaudito, teve uma alegria repentina. Terminara a
sua obra-prima, apoteose de uma vida de angústias.
Vacilante, perplexo diante da tela estupenda, compreendeu que atingira a perfeição.
Nela vivia a sua alma, a sua alucinação — um corpo nu de mulher, o corpo de Mimi,
sinuoso e esgalgo, divino, incomparável...
Naquela tarde outonal, toda opala, Derius abraçou a tela e morreu...

Brasílio Gandaia.
São José, 13/12/1929

70
O Último Don Juan

Conheci-o no remoto ano de 1922, o do centenário, quando, ainda muito jovem, ele
iniciava, nos arraiais daquele bairro, a sua odisseia de cavalheiro dos prazeres
efêmeros.
De porte era franzino, uma compleição delicada de donzela, mas os olhos, uns belos
olhos grandes e oblíquos de guerreiro tártaro e um buço leve e áspero, emprestavam-
lhe ao todo a insolência de um espadachim.
Os dias gastava-os todos a dormir sobre os divãs amplos e acolhedores, entre
almofadões búlgaros, ou, com a lentidão de um sacerdote que celebra um rito solene,
preparava a sua toilette com os requintes mais apurados que os de uma cortesã.
Depois, à noite, quer fosse inverno ou verão, com passos coleantes, taciturnamente,
esgueirava-se na treva.
À luz mortiça dos combustores de gás, se lhe ensejava ocasião, urdia finos madrigais,
frases de uma taciturna alada, como feitas de sonho, leves qual uma renda de Bruges.
Em certas noites, quando a lua alta, branca, tudo enlividecia como o pó de arroz do
luar, ele, o meu amigo D. Juan, acordava nas ruas desertas a sua voz harmoniosa
adulçorando o silêncio e pondo em sobressalto os corações adolescentes.
Recolhia-se, às vezes, exausto, o corpo contundido, a face e os membros lacerados,
após tremendas brigas, onde exercitava toda a potência de seus músculos destros,
realizando proezas dignas de um Scaramuccia10.
Mais de cem corações teve, palpitantes, a seus pés, rendidos pela sua graça, pela sua
elegância brummelesca.
Colhido o amor, displicentemente, abandonava-o como uma flor murchecida, da qual
houvessem haurido todo o aroma.
Pobre amigo, ontem, acompanhei-o à sepultura. Lá ficou no jardim, ao lado do repuxo,
à sombra de uma roseira que, por coincidência, nesse dia vermelhejava toda em rosas.
O meu pobre amigo, o último D. Juan, foi talvez o único gato que em toda a sua
complicada vida de conquistador, nunca fez chorar uma gata.
Brasílio Gandaia
São José, 08/01/1930
GRP 1050

10
Scaramuccia ou Scaramouche - palhaço espadachim da Commedia Dell’Arte. (NE)

71
Noturno que eu vivi

Enquanto lúgubre o vento ulula lá fora na rua erma, para evocar amores d’outrora,
Dona Insônia senta-se á minha cabeceira.
Faz-me acender a lâmpada e um cigarro.
Põe depois nos meus os seus olhos dolentes, e, baixinho, começa a confidência.
Na parede, em ciranda, passam silhuetas de sombra de minhas antigas namoradas.
De uma recordo-me o nome romântico e sonoro, de outra a luminosa cabeleira loura,
um sorriso meigo, uma frase bonita, um suspiro longo...
De algumas... De algumas não me recordo nada...
Todas me olham: e em seus olhos nostálgicos vejo quão bela foi a minha mocidade...

Brasilio Gandaia.
São José, 26/05/1930
GRP 1071

72
Como Ali-Babá

Tal qual n'um sonho eu te vi num lampejo...


Forçava a porta da inspiração quando, a tua lembrança, ela se abriu magicamente
como aquela caverna das «Mil e Uma Noites», deixando-me entrever o tesouro do teu
corpo.
Suavemente a pena correu sobre o papel. Plagiei-te ‘kodakizando’ nas frases a
exuberância das tuas formas.
Ora a linha corria sinuosa num cântico de curvas, ora se alteava em cômoros e
colinas...
Na cabeça, aureolada de cabelos fulvos, de cútis auroreal, os olhos de esmeralda,
profundos, lembram duas Vapabuçús 11misteriosas, tão fascinantes qual a de Fernão
Paes Leme.
A boca, sorridente, vermelhejava rubis emoldurando pérolas...
Aqui dois picos rosicleres; lá, mais abaixo, em tons d’alvorada, azulores tênues
opalizam, empalidecem, roseiam diafanizando a escultura venusina dos teus membros.
A tua imagem, que se me antolha policroma, de um fulgor tropical, sugere-me a
lendária Ophir12.
E eu, cronista sem assunto, alucinado diante tanto esplendor e riqueza, sucumbo,
como Ali-Babá, sob o alfanje de uma afasia exasperante, na ânsia inútil de transcrever-
te integralmente nesta crônica.

Brasílio Gandaia
São José, 03/01/1930
GRP # 1049

11
Lagoa de Vapabuçú ficava no caminho das esmeraldas de Fernão Dias Pais Leme. (NE)
12
Porto bíblico famoso por suas riquezas. (NE)

73
Filme

O cinema repleto.
A plateia regorgita e espera, fazendo toda sorte de comentários, que as luzes se
apaguem.
Namorados juntinhos, xifópagos.
Outros, longe.
Outros, tímidos, acrobatizando olhares.
Ansiedade enorme. Também, tanto reclame! Cartazes, cartazes e cartazes lambuzando
tudo. Programas, muitos programas.
E na rua, num caminhão: bum, bum, bum... num bumbo velho.
Escandaloso, um menino estentora pela trompa amolgada de uma antiga grafonola,
promovida a megafone.
A campainha estrila. Escuridão!
O orifício da cabine se ilumina. Flecha na sala um fio de luz e esparrama-se na tela.
As epígrafes. Os atores.
Ela - cabelos alucinados, olhos crepusculares e a boca... Uma taça de veneno.
Ele - uma alma de criança num corpo de atleta.
Com o clássico bigode, a destilar sarcasmos e atitudes felinas: o Cínico.
Depois; a pantomima vulgar, ianque, muito ianque.
Atenção! Atenção!
A orquestra assurdina um tango...
Ele, o galã, a envolve, dá uma chamada, semicerra os olhos e, num furor de
antropófago, devora-a num beijo.
O beijo.
Ainda o beijo.
Cinco minutos.
o-O-o
- Tire a mão daí, seu atrevido!

Brasílio Gandaia
São José, O7/1929
Gazeta do Rio Pardo (#1O24)

74
Relógio

--”Manuel, sim, o Manuel Salustiano”, disse o garoto.


O povo aglomerado fazia comentários:
--”Mas como foi?”
--”O homem comprou um relógio há, mais ou menos, dois meses. Cento e cinquenta
mil réis ali na nota. Uma beleza. Nunca vi um roskopf13 mais bonito. Grandalhão assim,
desses que a gente não vê mais.”
--“E depois?”
-”Depois, o relógio começou a atrasar. Trouxe-o ao relojoeiro. Um dia de espera, mil e
quinhentos e estava pronto. Mas qual! O diabo agora adiantava. Outro conserto,
outros mil e quinhentos. Seu Salustiano, isto não é nada. Um cabelinho embaraçando.”
Começava a faltar-lhe a paciência. Tinha esperança de ser a última.
-- ”O relógio começou de novo a atrasar?”
-- “Não. Parou. O Salustiano quis dar corda. Foi a conta: a corda arrebentou. Um
homem tão de bem... Quem havia de dizer! Até parece cousa feita. Ficou fulo. Veio à
relojoaria. Não era nada. Entortara a espiral. Três dentes do tambor quebrados. O
cabelo estava amassado. Faltava um rubi... Salustiano tremia que nem vara verde.
Amarelou. Parecia estar sofrendo do fígado. O relojoeiro foi continuando: A coroa
escapou. A mola, a âncora e o eixo quebrados. O martelo dos segundos precisava ser
substituído. A árvore de carga, a bride, também quebradas. O balancier saiu do centro
. O ponteiro dos minutos pegando no mostrador. O mostrador...” ”O Salustiano, louco
varrido, arrancou a trochada e descarregou os dois canos: Pum! Pum! A parede branca
de cal ficou salpicada com a mioleira do relojoeiro.”

São José do Rio Pardo O7/1929


Brasílio Gandaia
Gazeta do Rio Pardo (# 1O26)

13
Georges F. Roskopf (1813-1889) foi um famoso produtor de relógios de bolso na Suiça.

75
Loucura Sentimental
(Para COLMEIA)

Identifiquei o perfume — Caresse d’amour.


Algumas pétalas rubras sobre o tapete rustido,
a um canto, amarrotados, uns papeis.
O taxi corria.
Entrevia-se ao longe a silhueta nova-iorquina da cidade esfuminhada na garoa. Tomei
os papeis. O mesmo perfume. Desamarrotei-os. Eram folhas de um tom fanado de rosa
murcha com monograma gótico em azul.
Fui lendo.

Meu canalha,
Quando acordares, não me verás mais junto de ti. Agora mesmo, exausto,
adormeceste. Como dormes serenamente. No teu rosto, onde, entreaberta, a tua boca
sugere uma flor sanguínea, há vestígios de um sorriso remoto.
Talvez sonhes, talvez revejas em sonho a tua última aventura de pirata elegante — um
novo triunfo a assinalar nos teus armoriais de cavaleiro dos prazeres efêmeros.
Tu, meu estroina, meu volúvel rebuscador de inédito, já sofres a nostalgia dessas
carnações morenas que eu detesto, desses olhos negros que eu abomino, já não
dissimulas o tédio ante a minha beleza frágil de «fausse-maigre», ante esta minha
cabeça alucinada, a qual dizias uma pira de fulvas labaredas.
Conquistar uma mulher, a mais afetuosa, tatear-lhe a carne e haurir-lhe o capitoso
perfume, para, em seguida, a esquecer saciado, corresponde, na tua lógica impassível
de mundano — fumar um abdula e, depois pousar no cinzeiro a ponta inútil.
Meu amor foi para ti um gozo doido e fugaz — uma fumaça, uma espiral de fumo que
deleitou teu paladar...
E agora o que resta?
Um carvão apagado e cinzento... Por isso, deixo-te. Fujo para não mais suportar teus
carinhos artificiais, a camuflagem dos teus delírios, a farsa grotesca do teu amor.
Terás saudades? Terás remorsos? Não sei. Mas se um dia, por extravagância visitares a
estela sem inscrição sob a qual repousarei, uma multidão de reminiscências te
occorrerá ao cérebro. Uma «chispada» de auto, numa noite cálida, sob a carícia do
luar; o cabaré, em certa madrugada, o champanhe a espumejar na taça e um tango
milonga, num bandoneon em surdina, melancolizando...

Tu mayor placer és gozar


La desdicha de una mujer...

Depois aquele vestido, criação Lanvin, cor de folha morta — lembra-te? — e, sobre
tudo, o meu perfume predileto, desvario de um mago da «rue de la Paix», que

76
aspiravas desesperadamente numa volúpia de intoxicado, como se fosse o subtil
veneno branco...
Nos dias vazios, às tardes, quando, filtrada pelos stores cor de tabaco, a luz tiver a
perplexa suavidade de um amanhecer idílico, sozinho, em tete-à-tete com o silêncio,
sentirás por certo o pungir vago de um desejo, de alguma cousa, de alguém que não
verás jamais...
Disse um poeta — não se evapora o que fica de alguém, porque na alma é que fica...
Deixo-te e deixo de mim na tua vida a imagem...
Adeus meu cínico, meu algoz, meu amor...
Mimi

Finalizei a leitura. O taxi estacara na Esplanada. A cidade acordava em luz nos colares
das luas eléctricas. Antes de partir perguntei ao chofer quem antes de mim, ocupara o
carro.
— Um rapaz todo de luto, alto e pálido. Sobraçava um buquê de cravos vermelhos.
Levei-o ao Cemitério da Consolação.

Fausto Prado Olyntho

Primeiro exemplar da revista Colmeia


onde este crônica foi publicada.

77
Almoço de Poetas
(Teatrinho. Interiorano à moda de Júlio Dantas)

CENÁRIO

Salão pequeno. Meia dúzia de mesas quadradas com toalhas brancas. A um canto
almoça em silêncio respeitável família. Do outro lado um médico, entre garfadas,
discute futebol com o rapazola. Dois estrangeiros discutem tintas e máquinas. Acolá
um rapaz, de olhos compridos e bigodes a Adolphe Menjou, conversa com um moreno
de testa ampla, roupas claras, e pronúncia acentuada de nordestino. Apressado corre
o garçom estabanado, moreno de rosto redondo, poucos dentes e pouca prosa,
entrega uma garrafinha a uma senhorita elegante e sisuda. Há outras senhoritas pela
sala. Mas este caso é de rapazes, os três sentados juntos, morenos: o que parece mais
moço, de bigodinho bem cuidado, olhar doce e voz pausada, Basílio Gandaia, poeta
vindo de terras longínquas; outro sorridente tem sardas no rosto, João Pinheiro; o
terceiro, de vasta cabeleira revolta, gesticulação abundante, voz forte e
desembaraçada, Paulo Tatuí. João Pinheiro, crítico, é inteligente e conquistador. Tatuí
sem predicados.
B. - Feliz coincidência,
reunidos nós três em torno à mesa
repetiremos com certeza,
sem presumir imprudência,
a Ceia dos Cardiais...

J. - Você quer? É justo,


mas que ninguém veja.
Ó! Maneco! traz...

T. - ...uma cerveja.

B. - Uma cerveja ?! Êh, colega,


a um vinho o Pinheiro não se nega... -

T. - Vinho... Esse bálsamo sublime


que toda a felicidade resume
e a noss’alma vigor imprime
Quando nos sobe o tapume...

J. (levantando-se) - Vinho, o vinho... Sim, Maneco.


Pois é toda minha vida.
Por ele, peco.

78
B. - O vinho é sonho... Como
Disse a Colombina.

T. - (falando ao tenente): O vinho é ovo pequeno


De galinha...
Nisto, o Maneco perde a linha
e vai de costas ao chão,
entornando na mocinha
a panela de feijão.
Depois do desastre e correrias
naturais, reapruma-se, limpa,
desculpa-se das más vias.
Volta o silêncio à trinca.

B. (em tom confidencial):


Nenhum de nós tem o coração deserto.
Porque não mostrá-lo agora aberto...
Contando nossos amores com franqueza?

T. – Ó! Maneco! Salta a sobremesa.

J. (para Tatuí):
Não interrompa o Gandaia.
(Sonhando):
É tão bom falar de rabo de saia...
(Zangado):
Até Você tem também uma estória,
Aposto! ...

T. (pensando):
Talvez, mas não ousaria contar...
E desta conversa eu não gosto!

J.- Não gosta? Pois há de ouvir.


(Ao garçom):
Vamos. Repete o presunto.

B. - Voltando outra vez ao assunto.

79
E para trazer mais calor,
Começo falando sobre o amor...

T. (murmurando):
Desta vez vou pro beleléu.
Só aguento por amor ao pitéu...

J. – Sim! Sim! Descreva-o em minúcia.

B. - Para amar é preciso ter argúcia.


O amor definhado morreria
Se não houvesse a poesia...
Amar é para todos. Saber amar. ,
No entanto...

T. - Não gosto de tolice quando janto!

B. - Saber amar não é para pateta.


Saber amar exige ser poeta,
Mais ama quem mais verseja...

T. - Mais verseja, quanto mais cerveja...

Berros, João Pinheiro intervém


e acalma os ânimos.

B. - Ela é loira como são loiros os trigais,


É meiga como o canto de madrigais,
É linda, linda como a rosa...

T. — Nunca vi tamanha prosa...

B. - Foi num domingo de manhã.


Fazia frio. O casaquinho de lã,
Para aumentar meu desgosto,
Cobria-lhe parte do rosto.
Segui-a. Passos apressados,
Olhares de mil cuidados.
Primeiro encontro. Cinema marcado.

80
Ela - a olhar a fita. Eu, pro lado...
Nada! Nem ao menos namorado
Fui. Mas vem o baile. A dança.
Quem enlaça não se cansa...
E cochichei-lhe ao ouvido
O meu verso mais querido.
Era assim: "O elefante que te dei.
Juro! não o roubei..."
(Como terminava? Não me lembro nada!...)
Mas com o verso, ficou enamorada.
Depois, nunca mais nela pensei,
Nem ela se lembrou de mim,
Pois eu - como todo mundo - sei
Que o amor tem sempre um fim...

J. - Eu também tive o meu amor...,

T. (ao estrangeiro da outra mesa)


Como vai a máquina? É a vapor?

J. - Não me atrapalhe a memória:


Estou contando a minha estória,
a história daquele amor ardente
que nos consumia o coração, ó, gente:
a minha tão querida pequena
era uma menina puxada a morena.
Morava perto de casa,
lá no bairro da Agua Rasa.
Moreninha linda. Feiticeira.
Nem dava confiança à família inteira.
Adversário mesmo, só o irmão
que nada entende de coração.
Mas logo cedeu comovido
quando ela tentou um tiro no ouvido.
Naturalmente, pratiquei valentias:
Esbofeteei o pai, a mãe e as tias!
Ao irmão, com auxílio amigo,
Esmaguei como a um figo.
Só então o amor entrou em plenitude

81
- o mais feliz de minha juventude!
Porém, levado ao paroxismo,
Não resisti a um galicismo
Imperdoável em normalista
- que inda agora me contrista
E violenta a cerebral entranha.
Acabamos na Central. Sorte estranha...
E nunca mais a vi.
Cochila o Tatui. João Pinheiro
e Basílio o sacodem e indagam
em coro:
- Em que pensa, Tatuí?

T. - Nas besteiras que ouvi.

Tumulto. Restabelecido
o silêncio, volta Tatuí.

T. - Lembro-me. Eu me lembro. Era rapaz.


Estava na escola e naquele instante;
com o pedantismo natural do estudante,
quis conhecer meu coração de quanto era capaz.
Mergulhei na aventura certo da vitória,
sonhando atingir os paramos da glória,
e derrotado fui... Derrotado.
Juro! Cada vez mais apaixonado...
Pelo chope claro e pelo escuro.

J. — Ê o mais forte amor que vi...

B. - De nós, o único que inda ama...


Reconheço reverente...
É o Tatuí.

82
Chegada

O trem ia correndo dentro da tarde tépida de outubro. Ia correndo e desenrolando


panoramicamente, o maravilhoso novelo fita lamê do Rio Pardo emoldurando colinas
verdes. Ondulantes. Pinceladas policrômicas, pintalgavam, manchando daqui e de lá,
todo aquele verde simétrico, e igualzinho.
A locomotiva possante silvou um longo silvo estrídulo anunciando, numa curva, a
chegada. E entrou, cansada, a resfolegar com-pa-ssa-da-men-te. Lá adiante, com o
dístico suspenso: SÃO JOSÉ DO RIO PARDO,
A estaçãozlnha bonita, surgiu, esperando. O trem foi resfolegando. Chegando. E parou
de repente, com o entrechocar metálico dos engates. Desembarquei. A gare em
movimento. Gente apressada. Fisionomias indecisas. Assaltos carregados. Depois
tomei a praça ampla; repleta de autos de aluguel e fui subindo a ladeira Íngreme. Um
lindo dia fulgurante. Um céu todo azul turquesa, e um sol de ouro derramando luz. A
cidade, as casas, as árvores, os muros, tudo como enorme cartaz vivo em festa de
cores!
o-O-o
Por isso mesmo, que São José do Rio Pardo desperta em todos que chegam uma suave
emoção de cidade-riso, de cidade-simpatia, na alegria espontânea da sua claridade, na
graça nacional da sua paisagem.
o-O-o
Já em casa, burguesmente refestelado na cadeira de balanço, tomei uma xícara de café
bem gostoso.
o-O-o
E assim foi que eu vi, retentlvei, e depois escrevi, esta deliciosa impressão de chegada!
Oscar Fausto

São José do Rio Pardo – estação de trem

83
Descendo a Ladeira

Descendo a ladeira, uma porção de gente alegre, de roupa nova de ver Deus. Depois, a
avenida pitoresca fazendo uma curva graciosa. A gente ia andando, descia uma escada,
fazia uma visitazinha àquele mimo de brasilidade, precioso como uma joia, hoje
resguardado num abrigo, mas ainda a evocar a gênese d’Os Sertões.
Um momento contemplava o rio correntoso, de águas borbulhantes. Mas adiante
atravessava uma pontezinha simples. Em seguida entrava na ponte-pensil. Era uma
sensação de ponta a ponta. Dados os últimos balouços agradáveis, a gente pisava na
ilha de São Pedro, todinha vestida de árvores. Dava uma volta, ia-se sentar nas pedras,
ouvir as águas...
Que encanto! Regressava depois satisfeito, revendo tudo aquilo, tão bonito...
Chegando em casa, refastelava-se na cadeira de balanço, orgulhoso... Desfrutara o dia
de ouvir missa gostosamente. Agora já não é assim. Todo aquele nosso patrimônio de
belezas vai caindo no esquecimento.
Porquê ? Havia lá um pavilhão para festas e o fogo queimou. A ponte-pensil, dos
balouços agradáveis, o rio roubou. Vai caindo no esquecimento, é verdade, mas não do
povo que tem saudades, muitas saudades...

Fausto
GRP # 1042

84
Sem título

Não pude disfarçar o fervor e a satisfação íntima quando, outro dia, em companhia de
alguns amigos, tive o prazer de contemplar, ali na vitrine da Casa Braghetta, o quadro
dos jovens rio-pardenses que concluem o curso do primeiro Grupo Escolar.
Aqueles rapazinhos e aquelas moçoilas, bem postos, de olhos alegres, fizeram-me
pensar com otimismo no Brasil futuro, num tempo em que, por obra do professor
primário, os brasileiros que colonizam nossas fazendas e que habitam nos sertões
distantes já não serão simples criaturas embrutecidas e escravizadas pela ignorância.
Nessa idade pragmática, que eu antevejo não muito distante, os retóricos, os
revolucionários, os idealistas utópicos, estarão recolhidos aos museus, animais raros,
espécies de uma fauna extinta como o megatherium e o mastodonte.
Teremos uma instrução profissional mais difundida e, quiçá, os membros de certa
classe muito numerosa entre nós não carecerão mais de comissões de técnicos para
ensiná-los princípios rudimentares de uma profissão que, apesar de se criarem nela,
até hoje não a sabem exercer com eficiência.
Justo é, pois, que rendamos homenagem ao nosso professorado, mormente aos
professores rurais que, para levar o alfabeto aos humildes caboclinhos, abdicam todo o
conforto dos centros civilizados e arrostam, entre mil dificuldades, a hostilidade de
pais estúpidos e, não raras vezes, de patrões egoístas.
Cabe perfeitamente repetirmos aqui uma frase de Bilac no «Professor Primário»:
«Na sua cadeira de educador, o mestre recebe a visita de um Deus: é a Pátria que se
instala no seu espirito.»

Fausto, GRP # 1043

85
Manhã Azulíssima

Naquela manhã azulíssima, um sol muito louro penetrava impetuosamente pelas


janelas da igreja. Um silêncio chocho inundava o templo. Passos rascantes de quando
em quando acordavam sua calma macia, anulando-se depois. Bancos arranhados,
místicos, perfilavam se religiosamente como seminaristas, ocupados aqui e ali.
Um toque de sineta, enérgico, estridulou... O padre, paramentado, deixou a sacristia,
galgou os degraus do altar.
Todos se ajoelharam.
...Toda aquela gente se levantou. Foi saindo demoradamente, impregnando o
ambiente dum rumor arenoso de arrastar de passos preguiçosos. A nave pouco a
pouco ficou deserta. Havia terminado a missa e Amadeu Amaral recebido gratas
homenagens. Naquele momento lembrei-me de um verso de Alberto de Oliveira:
—Oh! A saudade, poeta, é uma ressurreição!

Fausto
GRP #1044

86
A Cronicazinha que trouxe uma grande Verdade

Estou aqui procurando rabiscar para «Gazeta», em cujas colunas sou sempre bem
acolhido, uma cronicazinha que sabia interessante. Mas não me aparece ideia alguma,
que mereça este epíteto, e muito menos razão, para ir sem mais nem menos macular a
brancura do papel.
Já rebusquei o cérebro, onde, somente, achei pensamentos vagos, o que vale por dizer
que nada achei. Hoje, está-me faltando aquilo a que chamam — veia.
A caneta e a pena associadas em mútuo bom humor, obedecem docilmente a mão,
que por sua vez, presta obediência à cabeça, que não me quer obedecer
nenhumamente. O tinteiro ali adiante, espera, oferecendo com uma espontaneidade
admirável, a tinta azul que nele contém. E’ inútil tentar. Não sai nada mesmo...
Esperem um pouquinho ! Está bailando uma ideia qualquer... parece que vai chegar.
Está-se esboçando. Concretizando... Pronto ! Agora já sei o que é. Um pensamento
bom me passou pela cabeça. Um conselho útil. Nasceu bem lá no fundo. Talvez, na
alma. E tão verdadeiro, (já refleti,) que vou difundi-lo. Não sou egoísta, e, não ficarei
com ele só para mim, não.
Vou contar. Foi assim, primeiro surgiu uma vozinha, remota perguntando:
Você quer saber de um remédio infalível para ser-se feliz?
Naturalmente que quero, sim?
Não pense nunca na felicidade.
E foi-se embora.

Oscar Fausto

87
Fisionomia da Cidade

Como as crianças as cidades novas não tem fisionomia.


A princípio são os traços vulgares próprios a todas vilas — uma centena de casinhas
brancas em torno de um campanário. Depois estendem se as ruas, rasgam-se as
praças, a vila entra a jactar-se do seu progresso e a exigir foros de cidade. Não há
estética, não, há gosto. Predomina o útil.
Uma cidade é sempre alguma coisa mais do que alinhamento de ruas e renques de
casas.
Uma cidade é uma alma: síntese de milhares de almas que nela amaram e sofreram.
Ela só forma lentamente, em pormenores imperceptíveis, registando as horas de
sofrimento que padece, as horas alegres que rejubila e que ficarão, para poetizá-la,
enchê-la do vago encanto das velhas cidades, impressas na sua face.
A nossa cidade é assim: não tem pompas arquitetônicas, nem gosto artístico: ainda
balbucia, mas já tem alma.
Alguém houve por bem agraciá-la com o lisonjeiro epíteto «princesa dos olhos
encantados». E’ muita bondade. Quando muito ela é uma moçoila republicana e tão
republicana, que não há em suas ruas e praças um nome que nos lembra o antigo
regime. A rua Ananias Barbosa lembra-nos sempre o movimento revolucionário de 13
de Novembro, que precedeu de três dias a proclamação da república.
A praça principal da cidade é a 15 de Novembro. Depois temos nas ruas todos os
fundadores da República: Marechal Deodoro, Floriano Peixoto, Benjamin Constant,
Silva Jardim, etc.
Essa é a sua fisionomia capital, sendo, entretanto, a beleza dos seus jardins o que mais
a caracteriza e distingue. Os vastos gramados lembram aristocráticos parques ingleses,
menos artificiais, cheios de luz sob um céu de turquesa, exuberantes deste verde, que
só se encontra na paisagem tropical.
Quem não sentiu ainda o encantamento do rio Pardo, águas soluçantes que passam
laceradas nas rochas?
Aí ao pé dessas águas marulhosas, quantas evocações!
A casinha humilde, mimo de brasilidade, antigamente aconchegada ao tronco vetusto,
e hoje resguardada num abrigo, parece que nos fala, n’um tom carinhoso, da alma
torturada de Euclydes da Cunha.
Não é só nos aspectos naturais e urbanos que se acentua a fisionomia da cidade. O
povo teima ainda em dar-lhe um cunho especial, todo seu.
Pergunte a um rio-pardense onde fica a rua João Theodoro. Ninguém sabe. Pergunte
pela rua do Buracão e todos dirão. A rua Silva Jardim é a patusca rua das Flores,
seresteira, ex-amiga da pancadaria e da polícia. A rua Américo de Campos, atualmente
João Pessoa, é dita dos «Calabreses».
Eis, imperfeita indecisa, a fisionomia da cidade. Talvez, na transição dos tempos, essa
fisionomia se conclua. Talvez desapareça, dando logo às aspirações moderadas, ou
talvez n’um futuro não muito remoto, venha a ser de fato a «princesa dos olhos
encantados»...

88
E que os Santos digam — Amém!

Oscar Fausto

Vista Panorâmica de São José do Rio Pardo cerca de 1930

89
Cinema

Olhos pregados na tela dinamizada,


os espectadores procuram adivinhar o desnovelar do filme.
Um filme de amor
Depois de um punhado de peripécias,
na sala escura, semblantes transmutam-se repentinamente.
Corre um frêmito na sombra.
Os estrelos beijam-se magistralmente
Fim.
A sala clareia. E a multidão
vai saindo sussurrante. Satisfeita,
Persiste nela a última sensação.
Ninguém disfarça um arzinho de contentamento
como ela, ter sido tão deliciosa.
Principalmente, os namorados...
que precipitaram o seu desfecho.
Os estrelos, lá da tela, apenas...
— plagiaram os namorados!...

Oscar Fausto

IDEAL – Jornal onde foi publicada a crônica “Cinema”

90
Poesias de Waldemar Prado Olyntho14

Waldemar Prado Olyntho

14
Waldemar (1901-1932) era 10 anos mais velho do que Fausto. Morreu de tuberculose em São
José dos Campos aos 31 anos de idade. Como poeta, prezava a forma e a rima. Muito mais conservador
do que o ebuliente Fausto. (NE)

91
Soneto Banal

Olho da janela. Em baixo a calçada


Alva, branca brilha ao sol do meio dia...
Solidão. Anda na rua erma e calada
aguda crise de monotonia...

A brisa sopra suave, embalsamada,


Frufulam sedas... leve e fugidia
a tua silhueta vem numa rajada
de perfumes, de cores, de alegria.

Minúscula, irreal, aos poucos cresces,


Avultas, vens e passas displicente,
para na sombra esvanecer depois.

Indiferente vais, sem que te apresses,


eu volto para dentro indiferente,
como se nada houvesse entre nos dois.

São José do Rio Pardo 1930


Waldemar Prado Olyntho

Waldemar Prado Olyntho

92
Num Álbum
à Gláucia

Estive a tirar os espinhos


das rosas que colhi hoje,
e agora, diante delas,
penso que tem sido esta
a minha tarefa
em toda a vida....

São José do Rio Pardo 07/08/1930


Waldemar Prado Olyntho

93
Bonecas Vivas

Quando com seu chapéu verde, sapatos verdes,


vestido verde, toda verde, primavera,
a vejo, pela rua, misteriosa e esquiva,
faço a mim mesmo a confissão sincera:
gosto muito dessa boneca viva
e feiticeira que, numa fuga imprevista,
fugiu ao certo de uma tela futurista...
***
Vi-a uma vez. Lembrei-me ao vê-la d’uma
artista de cinema, Sua imagem
ficou-me n’alma como uma paisagem
n’agua vítrea de um lago...

E um sorriso, misterioso e vago,


daquela boca em flor ainda perfuma
a suave lembrança, a lembrança suavíssima
da expressão melancólica
dos seus grandes olhos verdes, cheios de magia,
que recordam paisagens refletidas n’água.

Walther Barion15

15
Walther Barion é um pseudônimo de Waldemar Prado Olyntho. (NE)

94
Modo de Dizer
À Srta. Feliceta Angerame

Não quero o verso nobre, de alto estilo,


tom épico de tuba clangorosa.
Prefiro, ao de esmeralda e de berilo,
o verso solto e simples como prosa.

Quero gravar na estrofe que burilo


a diáfana emoção, doce, radiosa,
- o sonho vago de um viver tranquilo
entre beijos e pétalas de rosa.

Quero simples narrar lance por lance


uns amores que tive de brinquedo
com proporções estranhas de romance.

Os teus beijos são a trama deste enredo


de amor... Destes amores sem alcance
que nascem rindo e que terminam cedo...

1930
Waldemar Prado Olyntho

Waldemar Prado Olyntho na Ilha de São Pedro, SJRP.

95
Do Meu Quarto

Do meu quarto,
onde convalesço
estendo o olhar vadio pela janela...

Lá fora, luz
um céu sem mácula
e -- ó suave emoção! –
sobre o muro, numa roseira folhuda,
uma rosa pálida.

Essa flor,
talvez doente,
talvez, como eu, convalescente,
sugere-me por um momento
a presença de u’a mulher multo melga
que entrasse no meu quarto
sorrindo...

São José dos Campos


Inverno, 1931
Waldemar Prado Olyntho

96
Finados

Já tanto amei! Já sofri tanto!


Olhos meus, porque estais molhados?
Porque choro ao ouvir-te o canto,
sino que dobras a finados?

Pobres amores sem destino,


soltos ao vento, dizimados!
Inda vos choro... e como um sino
meu coração dobra a finados.

São José dos Campos, 1931


Waldemar Prado Olyntho

97
I

Há um moinho que braceja ao vento


uma nesga de céu indefinido
o campo verdoengo onde lento
um velho boi rumina distraído.

Pelo caminho louro e poeirento


caminha, loira, vinho no vestido,
uma campônia de olhar cismarento
como um longo crepúsculo dolorido.

A paisagem é de Holanda. O contemplá-la


recorda-me os teus olhos, violeta
triste como uma alameda solitária

Só falta a exaltação de tua fala


teu andar vago e sutil de borboleta
para termos aquarela extraordinária.

Goyen, Jan van - Windmill by a River

98
IV

É mister que te adore, ó minha amada,


que perene, de joelhos, a todo instante,
da negra noite à límpida alvorada
te celebre e à divina graça cante.

Tu és doce, franzina e delicada


como uma haste de vime vacilante,
a doçura do Éden embalsamante
tens suspensa na boca suplicante.

Chega-te a mim. A tua mão nervosa


depões na minha e teu lábio toca
-- como um botão que desabrocha em rosa --

da luz meridiana de um sorriso


que eu quero, ao ver-te assim, na tua boca
gozas as sensações do paraíso.

Waldemar Olyntho

99
APÊNDICES

100
CRONOLOGIA DE TARQUÍNIO COBRA OLYNTHO
Notas de Tarquínio José Barboza de Oliveira

07/11/1870 - nascimento em Pouso Alegre, MG, o segundo de 8 irmãos filhos do Dr.


Adolpho Augusto Olyntho e de Da. Emiliana Adelina Meyer Cobra.
1877-1881 - Itajubá, Colégio Delly e colégio Caraça em Humanidades com o irmão mais
velho Emiliano Cobra Ollyntho.
1882-1886 - Preparatórios no Rio para a Faculdade de Medicina.
1889 – primeiro ano de medicina no Rio de Janeiro. Membro do batalhão de
estudantes na proclamação da República.
1890 - segundo ano de medicina no Rio de Janeiro.
1891-1892 - Ouro Preto, MG: cursa, com o irmão Emiliano, a Escola de Farmácia (3º e
4º anos). Formou-se em 1892 com láurea em Botânica.
1893 - São José do Rio Pardo: fundou a farmácia Tarquínio.
18/05/1893 - casamento com Josefina Xavier do Prado, em Alfenas, MG.
30/05/1893 - São José do Rio Pardo, SP - Tarquínio Cobra Olyntho e D. Josefina se
instalam na rua Saldanha Marinho, fundando a Farmácia Tarquínio
19/03/1894 - nascimento da primeira filha, Antonieta.
09/04/1896 - nascimento da segunda filha, Maria.
30/04/1896 – O pai, Adolfo Augusto Olyntho, do Tribunal da Relação de Minas, é
nomeado para o Supemo Tribunal Federal e muda-se para o Rio de
janeiro.
30/04/1897 - nascimento da terceira filha, Noêmia.
12/08/1898 – falecimento de seu pai, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr.
Adolpho Augusto Olyntho, no Rio de Janeiro.
16/04/1899 - nascimento da quarta filha, Adolfina
1900 - eleito vereador de São José do Rio Pardo e fundou a primeira Sta. Casa de
Misericórdia de São José do Rio Pardo.
08/07/1901 - nascimento do quinto filho, Waldemar.
08/10/1903 - nascimento do sexto filho, Norival; Tarquínio adoeceu de febre amarela.
27/08/1904 - nascimento da sétima filha, Áurea.
25/03/1907 - falecimento da filha Áurea aos 3 anos de idade.
02/07/1908 - nascimento do oitavo filho, Mário.
05/12/1911 - nascimento do nono filho, Fausto.
18/05/1913 - nascimento da décima filha, Gláucia, musa dos irmãos poetas.
30/09/1913 - casamento de Antonieta com José Barboza de Oliveira (Zuza).
1914 - eleito vereador de São José do Rio Pardo. Eclosão da 1º Guerra Mundial.
05/08/1914 - nascimento da primeira neta Eugênia Maria (Geni), filha de Antonieta e
Zuza.
18/09/1915 - nascimento do primeiro neto, Tarquínio José, filho de Antonieta e Zuza
07/12/1915 - casamento de Noêmia com o médico Pedro Paulo Autran Dourado
30/01/1916 - falecimento do genro Pedro Paulo Autran Dourado, marido de Noêmia.
07/03/1916 - nascimento da décima primeira e última filha: Yvette.
1918 - Epidemia de gripe espanhola em São José do Rio Pardo. Tarquínio lidera a
mobilização e fez de sua residência um pronto socorro. Recebe Emílio
Ribas.

101
18/09/1918 – Segundo casamento de Noêmia com Manuel Carlos de Siqueira,
advogado de Mocóca.
1920 - colaborou na fundação da Escola Normal de Casa Branca.
1920 – 1923 - eleito juiz de paz.
março/1922 – Mário começa a trabalhar no Banco Francês-Italiano local. Os filhos
Valdemar e Norival deixam a casa paterna para trabalhar
respectivamente nas firmas "William Simonsen" e "Brasil Warrant"
28/06/1922 - casamento da filha Maria com Antônio Ribeiro Nogueira (Nhô Ribeiro).
06/05/1922 - falecimento de Da. Emiliana Meyer Cobra no Rio de Janeiro, mãe de
Tarquínio.
1924 – 1927 - reeleito juiz de paz.
05/07/1924 - O engº José Barboza de Oliveira (Zuza) era chefe da 9ª Residência
ferroviária com sede em Santo Anastácio. Após a tomada de Santo
Anastácio, pelas tropas legalistas, o engº Barboza de Oliveira, que se
manteve em seu posto no cumprimento do dever, é preso e transferido
para São Paulo com toda a família.
05/07/1925 - Norival, solteiro, adoeceu e morreu de tuberculose em São José do Rio
Pardo.
08/12/1927 - casamento de Adolfina com Jorge Augusto de Andrade Junqueira.
01/03/1928 - Fundação do 2º Grupo Escolar hoje chamado "Tarquínio Cobra Olyntho".
março/1930 - Mário começa a trabalhar no Banespa, em São Paulo. Ditadura Vargas.
24/08/1931 - falecimento da esposa, Josefina Prado Cobra, em São José do Rio Pardo.
06/02/1932 - falecimento do filho solteiro Waldemar Prado Olyntho de tuberculose
em São José dos Campos.
09/07/1932 – Mário e Fausto se alistam no Batalhão Romão Gomes para lutar contra a
ditadura Vargas por São Paulo.
11/05/1933 - falecimento de Tarquínio Cobra Olyntho às 11 h.
março/1937 - Mário transferido para a contabilidade da 4ª agência Banespa, em Avaré.
abril de 1937 – casamento de Gláucia Prado Olyntho com Olavo Cabral Ramos
05/06/1937 - falecimento do poeta boêmio Fausto Prado Olyntho, solteiro, em São
José do Rio Pardo, de tuberculose.
03/03/1938 – nascimento de Olavo, filho mais velho de Gláucia e Olavo.
1940 – Mário Prado Olyntho se casa com Inah César de Castro em Avaré.
24/10/1941 - falecimento de José Barboza de Oliveira (Zuza) marido de Antonieta em
São Paulo.
1947 – falecimento de Inah, primeira esposa de Mário Prado Olyntho, deixando-lhe
dois filhos: Luiz Antônio de Castro Olyntho e Marco Antônio.
21/03/1950 - Mário Prado Olyntho é transferido para São Paulo, subchefe da
Inspetoria do Banespa.
23/12/1961 - falecimento de Adolfina Prado Olyntho.
29/09/1971 - falecimento de Antonieta Prado Olyntho no Rio de Janeiro.
26/12/1980 – falecimento de Tarquínio José Barboza de Oliveira (Tarquininho) em
Ouro Preto, de câncer.
03/08/2002 – falecimento de Gláucia Prado Olyntho Ramos, no Rio de Janeiro.

102
Obituário de Tarquínio Cobra Olyntho
Resenha 25/05/1933

Atingindo a idade de 64 anos, chegou para o distinto cidadão Tarquínio Cobra Olyntho,
às 11 horas, do dia 11 a noite que não tem aurora na terra. Conquanto esperado, o
desenlace fatal causou geral consternação a sua família, a seus inúmeros amigos e à
população, que o veneravam como um benemérito.
Durante 40 anos decorreu a sua existência a nesta cidade, onde exerceu a atividade de
farmacêutico e clínico da pobreza, devotando-se como sacerdócio a obras de caridade,
fazendo o bem indiferentemente a todos, com um sentimento de fraternidade, que
muito o enobrecia e o fazia distinto na sociedade.
O seu amor pela humanidade e uma dedicação em aliviar as dores alheias granjearam-
lhe grande estima e veneração, colocando-o como figura marcante entre os
filantropos, e dando-lhe notável destaque em nosso mundo político.
Apesar de nos divergirmos, mesmo afastados de sua direção e de seu pensamento
político, jamais, porem deixámos de tributar-lhe justiça, reconhecendo a sua
inteligência, seus préstimos, sua caridade e elegância moral no seio de sua estimada
família.

Notas Biográficas
Nasceu o pranteado cidadão em Pouso Alegre, a 13 de Novembro de 1869 16. Filho
legítimo do ilustre magistrado, ulteriormente ministro do Supremo Tribunal Federal,
Dr. Adolfo Augusto Olyntho e Exma. Sra. D. Emiliana Adelina Meyer Cobra Olyntho, já
falecidos, a principio formou a intenção de conquistar o titulo científico de médico,
matriculando-se na Academia de Medicina do Rio de Janeiro, frequentando os dois
primeiros anos do curso de Farmácia.
Patriota cheio de civismo que encheu seu coração e seu espírito tomou parte na
revolução da armada, incorporando-se no batalhão Acadêmico, que tantos louros
conquistou.
Da Academia de Medicina transferiu-se para a Escola de Farmácia onde se diplomou,
distinguiu-se nos estudos de Botânica e foi um dos quatro únicos baixareis em Ciências
Naturais que tiveram tal titulo.
Logo depois, em 1893 abriu o seu estabelecimento farmacêutico nesta cidade,
casando-se com d. Josefina Prado, virtuosa esposa e mãe de família, falecida há perto
de dois anos.
Aliando a sua ação de homem probo e trabalhador aos nobres atos de caridade, foi o
médico da pobreza que lastima o seu desaparecimento e lhe consagra saudades.
Arrebatado para o turbilhão da política, competiu-lhe posições de destaque e prestigio
popular. Em 1900, um acordo político entre os dois partidos que disputavam as
posições municipais, foi eleito vereador, servindo em diversas comissões da Câmara.
Surgindo partido municipal em 1914, ocupou de novamente uma cadeira na Câmara
Municipal ocupado durante mais de um ano o lugar de Secretário e exercendo o cargo
de Inspetor Escolar.

16
Na verdade, Tarquínio nasceu aos 07/11/1870

103
Eleito 1° Juiz de Paz para o triênio de 1920 a 1923, foi reeleito para o triénio de 1924-
1927, cumprindo-lhe o ministério de Juiz do Casamento Civil, em que se manteve em
perfeita linha ética.
As diversas funções públicas, que exerceu, e o seu devotamento à caridade, atraíram
lhe muitas amizades e dedicações. Não abandonou os estudos científicos e reuniu os
seus estudos de Botânica, dando publicidade das observações clínicas feitas sobre as
plantas terapêuticas da Flora indígena, em pequenos artigos, em uma das folhas desta
cidade, sendo para desejar a continuação de publicidade.
Dirigindo-lhe das colunas da nossa modesta folha o adeus de saudade, apresentando
aos seus filhos e mais pessoas de sua família sentidas condolências.

Adolpho Augusto Emiliana Adelaide Delfina Xavier de


Olyntho Meyer Cobra Tristão Luiz do Prado Toledo do Prado

Tarquínio Cobra Olyntho Josefina Xavier de Toledo do Prado

104
Ele Abominaria essa filosofia que pôs o lucro no lugar do
homem

No dia 7 de novembro a Escola Estadual de 1º Grau Tarquínio Cobra Olyntho


comemorou o 115.o aniversário de nascimento do patrono da Escola com uma festa
que contou com a participação de professores, alunos, convidados, e do bispo D.
Thomaz Vaquero. A oradora foi a professora Maria José Pereira Martins de Andrade
Junqueira que impressionou a plateia com um pronunciamento sobre o
comportamento de Tarquínio Cobra Olyntho.
A íntegra do discurso é a seguinte:

Coube a mim, Professora da Casa, falar sobre Tarquínio Cobra Olyntho, nesse dia a ele
dedicado.
A tarefa, a princípio, se me apresentou um tanto difícil. Na posição de esposa de um de
seus netos, tive receio de ser mais subjetiva do que o momento poderia permitir.
Entretanto, a vida de nosso patrono fala por si. Sua biografia relata fatos incontes-
táveis, realizações cujas consequências sentimos até hoje à nossa volta. Então percebi
que, por mais que o coração quisesse interferir, exagerando na expressão dos
sentimentos, um homem não se torna menos ou mais herói porque seus descendentes
assim o desejam. As realizações de um homem são fatos objetivos. Os fatos revestidos
de subjetividade são anulados pelo tempo. E a obra de Tarquínio Cobra Olyntho não
foi anulada pelo tempo: ele semeou o Bem e o Bem frutifica sempre.
É, sobretudo, aos jovens que esta fala se dirige. Eles indagam: quem foi esse homem
que dá nome a nossa escola. Quem é esse homem que vive no coração da cidade e na
saudade do povo?
Para responder, é preciso retroceder no tempo, virar as densas páginas da história de
Tarquínio Cobra Olyntho e voltar até 1869, quando ele nasceu em Pouso Alegre, MG.
Por motivos de saúde, instalou-se em São José do Rio Pardo; aqui constituiu numerosa
família. De seus muitos filhos, vivem Mário Prado Olyntho, residente em São Paulo e
Gláucia Olyntho Ramos, no Rio. Dos outros filhos, falecidos, alguns deles repousando
em nossa cidade, quero fazer especial menção a Adolphina Prado Olyntho, a doce avó
de nossos filhos e saudosa genitora de Dona Heloísa Olyntho Junqueira Dias,
Professora neste estabelecimento.
É sabido que Tarquínio Cobra Olyntho teve por toda sua vida uma farmácia que existe
até hoje, nesta rua que acaba justamente no prédio de nossa escola. Ele foi, portanto
farmacêutico. O que tem um farmacêutico a ver com Educação a ponto de dar nome a
uma instituição escolar? Qual a relação?
Consta nos anais da cidade que Tarquínio Cobra Olyntho foi político atuante, ocupando
por duas legislaturas a cadeira de vereador cargo que considerou com a máxima
dignidade e com a mesma responsabilidade com que aviava as receitas em seu la-
boratório. E um político, o que tem a ver com Educação? — poderão perguntar alguns
de nossos alunos.
O fato é que o nome de Tarquínio Cobra Olyntho está indelevelmente ligado à obra da
Educação em nossa cidade.

105
Efetivamente, ele dá nome a uma escola não porque, em certa época, tenha ocupado
o cargo de Inspetor Escolar. Não porque, ao lado de outros políticos da região, tenha
contribuído para a instalação da Escola Normal em Casa Branca, escola esta, até hoje,
monumento da vizinha cidade, motivo de justo orgulho para os casa-branquenses. Dá
nome a uma escola não porque, ao lado de Elisário Dias e de outros rio-pardenses
incansáveis, tenha trabalhado para a instalação da Santa Casa, local. Tarquínio Cobra
Olyntho dá nome a uma escola não porque, estudioso inveterado, teria publicado
trabalhos sobre Botânica, fruto de suas pesquisas como ex-aluno de Medicina e
afeiçoado à farmacologia. Dá nome a uma escola, não porque, republicano lúcido, se
tenha alinhado com aqueles que desejaram a Democracia como o regime político que
melhor se coaduna com o homem, em todos os tempos e em todos os lugares.
Tarquínio Cobra Olyntho dá nome a uma escola pelo somatório de todas as ações de
sua frutuosa vida. Porque foi um lutador. Vamos encontrá-lo em todos os movimentos
reivindicatórios que se fizeram em nossa, região. Era um liberal. Tinha a visão de um
verdadeiro humanista. O HOMEM era seu objetivo, sua meta, seu farol. Nunca ele
perdeu de vista este fim — o bem do ser humano. Este princípio o norteou por toda a
sua vida. No desempenho de suas atribuições como farmacêutico, vamos encontrá-lo
socorrendo a pobreza de São José do Rio Pardo, a ponto de comprometer a própria
situação econômica. Ficou na memória do povo pelo seu espírito caridoso, tendo
morrido pobre, apesar de uma vida inteira de trabalho. Podemos imaginar a estatura
deste homem e sua perplexidade diante do poderoso traste dos laboratórios
internacionais, insensíveis à população doente, indiferentes face ao HOMEM, visando
ao lucro, tão somente ao lucro. Ele, na sua ótica humanitária, na, firmeza de seu
caráter, na determinação de seus atos, abominaria essa filosofia que pôs o lucro no
lugar do HOMEM.
É por isso Senhores, que a vida de Tarquínio Cobra Olyntho é oferecida a nossos
alunos, corno modelo de conduta. Pesa sua atuação como profissional. Pesa sua
atuação como político. Pesa, sobretudo, sua existência como humanista, na inteira
acepção do termo, o que mostra que Tarquínio Cobra Olyntho ultrapassou seu tempo,
projetando-se neste final de século e milênio, quando se fala tanto de direitos
humanos e nunca o HOMEM foi tão aviltado.

07/11/1984
Maria José Pereira Martins de Andrade

106
Descendentes de Tarquínio Cobra Olyntho
04/08/2017 Page 1
1. Tarquínio Cobra Olyntho (b.11/07/1870;d.11/05/1933)
sp: Josefina Amélia Xavier do Prado (b.17/01/1875;m.18/05/1893;d.24/08/1931)
2. Antonieta Prado Olyntho (Nieta) (b.19/03/1894;d.29/09/1971ou72)
sp: eng. José Barboza de Oliveira (Zuza) (b.30/09/1886;m.30/09/1913;d.24/10/1941)
3. Eugênia Maria Barbosa de Oliveira (Geny) (b.05/08/1914;d.24/06/2002)
sp: Jacyntho Coelho Branco (b.05/04/1915;m.03/05/1944;d.27/09/1975)
3. Bel. Tarquínio José Barboza de Oliveira (b.18/09/1915;d.26/12/1980)
sp: Margarida Maria Barbosa de Oliveira (b.23/09/1915;m.15/07/1941;d.28/07/2003)
3. Lucy Maria Barbosa de Oliveira (b.17/11/1917;d.Abt 03/05/1980)
sp: Bel. Mário Arantes de Moraes (b.09/12/1916;m.30/12/1939;d.18/11/1975)
3. Roberto José Barboza de Oliveira (b.19/09/1919;d.08/09/2013)
sp: Maria Lúcia Martins (m.12/07/1947;d.22/07/2010)
3. Maria José Barbosa de Oliveira (<) (b.22/12/1921;d.03/07/2010)
3. Otávio José Barbosa de Oliveira (b.24/10/1923;d.15/03/1981)
sp: Maria de Lourdes Fuim (b.10/04/1927;m.abt//1945)
sp: Maria do Socorro .... (m.//1952)
sp: Neide
3. Helena Maria Barbosa de Oliveira (b.06/10/1925;d.14/04/2011)
sp: Álvaro Portinho de Sá Freire (b.02/03/1909;m.15/10/1948;d.08/09/1998)
2. Maria Prado Olyntho (b.09/04/1896)
sp: Antônio Ribeiro Nogueira (Nhô Ribeiro) (m.28/06/1922;d.//1961)
3. Antonio Ribeiro Nogueira
3. Pedro Ribeiro Nogueira
3. Maria Rosa Ribeiro Nogueira
sp: José Osório de Oliveira Azevedo
2. Noêmia Prado Olyntho (b.30/04/1897)
sp: Pedro Paulo Autran Dourado (m.07/12/1915;d.30/01/1916)
3. Pedro Paulo Autran Dourado Filho (b.//1916;d.//1916)
sp: Manuel Carlos de Siqueira (m.18/09/1918)
3. José Carlos Siqueira (b.22/03/1922)
sp: Neil
3. Maria de Lourdes Siqueira (b.02/12/1923)
sp: Juiz de Direito Silvio da Costa Lima
3. Zélia Maria Siqueira (b.02/11/1924)
sp: Carlos
3. Luiz Carlos Siqueira (b.14/12/1927)
sp: Neusa Horta Siqueira
3. Maria Tereza Siqueira
sp: Vicente Verrone
2. Adolfina Prado Olyntho (b.16/04/1899;d.23/12/1961)
sp: Jorge Augusto de Andrade Junqueira (m.12/08/1927;d.//1961)
3. Norival Augusto Junqueira (b.25/11/1928)
3. Mário Roberto Junqueira (b.//1929)
3. Maria Josephina Olyntho Junqueira Dias (b.//1931)
sp: Vicente Dias
3. José Geraldo Olyntho Junqueira (b.05/09/1932)
3. Heloisa Olyntho Junqueira Dias
2. Waldemar Cobra Olyntho (<) (b.08/07/1901;d.06/02/1932)

107
Descendentes de Tarquínio Cobra Olyntho
04/08/2017 Page 2
2. Norival Cobra Olyntho (<) (b.08/10/1903;d.05/07/1925)
2. Áurea Prado Olyntho (<) (b.27/08/1904;d.25/03/1907)
2. Mario Prado Olyntho (b.02/07/1908;d.14/05/1997)
sp: Inah César de Castro (m.c 1940;d.29/11/1946)
3. Luiz Antonio de Castro Olyntho (b.14/10/1941)
sp: Maria Aparecida Sampaio Góes Olyntho (b.14/06/1948)
3. Marco Antonio Castro Olyntho
sp: Maria José Vieira Olyntho
sp: Gilda Martins
3. Celso Martins Olyntho
sp: Stella Nessenian Olyntho
2. Fausto Prado Olyntho (<) (b.05/12/1911;d.05/06/1937)
2. Gláucia Prado Olyntho (b.18/05/1913;d.03/08/2002)
sp: Olavo Cabral Ramos (m./04/1937)
3. eng. Olavo Cabral Ramos Filho (b.03/03/1938)
sp: Margarida (d.10/07/2015)
3. Roberto Luís Olinto Ramos (b.23/11/1952)
sp: Silvana Selmi Dei Gontijo
sp: Cláudia Zonenstein
sp: Amélia Aben-Athar (c.sefaradita)
2. Yvette Prado Olyntho (b.07/03/1916;d.17/06/1954)
sp: Arquibaldo Redher (m.17/06/1939)
3. Paulo Eduardo Olyntho Redher
sp: UNKNOWN
3. Luiz Sérgio Olyntho Redher
3. Jaime Olyntho Redher
3. Tarquínio Olyntho Redher
3. Maria Luiza Olyntho Redher

108
Tarquínio Cobra Olyntho e Josephina Xavier de Toledo do Prado
Tarquínio Cobra Olyntho Josephina Xavier de Toledo do Prado
1870-1933 1875-1931
Casou-se em 1893

109
Antonieta Maria Noêmia Adolfina Waldemar Norival Áurea Mário Fausto Gláucia Yvette
1894-1972 1896-xxxx 1897-xxxx 1899-1961 1901-1932 1903-1925 1904-1907 1908-1997 1911-1937 1913-2002 1916-1955

~191~ ~1922~ ~1915~ ~1927~ ~1940~ ~1937~ ~1939~

Inah de Castro Olavo Arquibaldo


José (Zuza) Antonio Ribeiro P.P. Autran Jorge Augusto
(1º esposa) Cabral Redher
B.deO. Nogueira Dourado Andrade
2 filhos Ramos xxxx-1939
1886-1941 Xxxx-1961 xxxx-1916 Junqueira
2 filhos Sem filhos
7 filhos 1 filho Xxxx-1961
Correspondência de Fausto
1. Cartão Postal de Fausto, em Pratinha, para seu cunhado, José Barboza de
Oliveira (Zuza), em Laranjal, durante a Revolução Constitucionalista de 1932.

110
2. Carta de Fausto e Mário ao pai da trincheira, em Guaxupé

111
112
Sumário
Apresentação .................................................................................................................... 1
Saudade ............................................................................................................................ 4
Poemas de Fausto Prado Olyntho .................................................................................... 5
Pobre Jardim ..................................................................................................................... 6
Certa Vez........................................................................................................................... 7
A minha terra… ................................................................................................................. 8
Escândalo .......................................................................................................................... 9
Tristeza de não Possuir ................................................................................................... 10
Dona Primavera .............................................................................................................. 11
Aquarela.......................................................................................................................... 12
Vida que Passa ................................................................................................................ 13
O Templo de Minha Predileção ...................................................................................... 14
Noturno nº I .................................................................................................................... 15
Fascinação ...................................................................................................................... 16
Evocação ......................................................................................................................... 17
Você ................................................................................................................................ 18
Recordação ..................................................................................................................... 19
Presságio ......................................................................................................................... 20
Para teu Álbum ............................................................................................................... 21
Outono ............................................................................................................................ 22
Poeminha Evocativo ....................................................................................................... 23
Ilusões ............................................................................................................................. 24
Por Causa de um Tango Triste ........................................................................................ 25
Moeda de Ouro .............................................................................................................. 26
Chuva de Pedra (1) ......................................................................................................... 27
Diagnóstico ..................................................................................................................... 28
A Visita ............................................................................................................................ 29
Felicidade ........................................................................................................................ 30

113
Manhã ............................................................................................................................. 31
Perfil de um Gato ............................................................................................................ 32
Luar ................................................................................................................................. 33
Quadro ............................................................................................................................ 34
Noite de São João ........................................................................................................... 35
São Pedro ........................................................................................................................ 36
Balada da Saudade ......................................................................................................... 37
Veneração ....................................................................................................................... 38
Santo Antônio ................................................................................................................. 39
Confidência ..................................................................................................................... 40
Entre Você e Deus .......................................................................................................... 41
Presente de Rajá ............................................................................................................. 42
Garimpeiro de Sol ........................................................................................................... 43
Inconsciência .................................................................................................................. 44
Infantilidade.................................................................................................................... 45
Baile à Fantasia ............................................................................................................... 46
Aquecendo Meu Amor ................................................................................................... 47
Chuva de Pedra (2) ......................................................................................................... 48
Poemeto de um Dia de Chuva ........................................................................................ 49
Psicologia ........................................................................................................................ 50
Tragédia .......................................................................................................................... 51
Tarde Molhada ............................................................................................................... 52
Diurno ............................................................................................................................. 53
Bando de Periquitos ....................................................................................................... 54
Amável Coincidência....................................................................................................... 55
Arrufos ............................................................................................................................ 56
Noturno nº 2 ................................................................................................................... 57
Civilisação ....................................................................................................................... 58
Pingue-Pongue................................................................................................................ 59
Primavera........................................................................................................................ 60
Outono ............................................................................................................................ 61
Futuro Passado ............................................................................................................... 62

114
Teia de Aranha ................................................................................................................ 63
Poema das Bandeiras ..................................................................................................... 64
Cemitério das Saudades ................................................................................................. 65
Retorno ........................................................................................................................... 66
Crônicas de Fausto Prado Olyntho ................................................................................. 67
Uma carta intima... ......................................................................................................... 68
Do meu Diário ................................................................................................................. 69
Boemia ............................................................................................................................ 70
O Último Don Juan .......................................................................................................... 71
Noturno que eu vivi ........................................................................................................ 72
Como Ali-Babá ................................................................................................................ 73
Filme ............................................................................................................................... 74
Relógio ............................................................................................................................ 75
Loucura Sentimental....................................................................................................... 76
Almoço de Poetas ........................................................................................................... 78
Chegada .......................................................................................................................... 83
Descendo a Ladeira......................................................................................................... 84
Sem título........................................................................................................................ 85
Manhã Azulíssima ........................................................................................................... 86
A Cronicazinha que trouxe uma grande Verdade .......................................................... 87
Fisionomia da Cidade...................................................................................................... 88
Cinema ............................................................................................................................ 90
Poesias de Waldemar Prado Olyntho ............................................................................. 91
Soneto Banal ................................................................................................................... 92
Num Álbum ..................................................................................................................... 93
Bonecas Vivas ................................................................................................................. 94
Modo de Dizer ................................................................................................................ 95
Do Meu Quarto ............................................................................................................... 96
Finados............................................................................................................................ 97
I ....................................................................................................................................... 98
IV ..................................................................................................................................... 99
APÊNDICES .................................................................................................................... 100

115
CRONOLOGIA DE TARQUÍNIO COBRA OLYNTHO Notas de Tarquínio José Barboza de
Oliveira .......................................................................................................................... 101
Obituário de Tarquínio Cobra Olyntho Resenha 25/05/1933 ...................................... 103
Ele Abominaria essa filosofia que pôs o lucro no lugar do homem ............................. 105
Correspondência de Fausto .......................................................................................... 110

116

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