DOSSIÊ / Tecnologias emergentes

AS RECOMPENSAS
E OS RISCOS
Em entrevista, o "guru da era da informação", James Martin, analisa os
avanços tecnológicos, projeta seu impacto positivo sobre os negócios
e alerta sobre os perigos que representam para a civilização

A
s credenciais do consultor de empresas James Martin são indiscutíveis. Para
começar, ele publicou 101 livros prestigiados, entre os quais The Wired Society (ed.
Prentice-Hall), pelo qual recebeu uma indicação para o Prêmio Pulitzer. Nesse
livro, lançado em 1977, expunha previsões sobre os avanços tecnológicos, que se
concretizaram nas décadas seguintes, na maioria. Martin é considerado uma das quatro
pessoas que mais influenciaram o mundo da computação pela revista ComputerWorld e tanto
a mídia européia como a norte-americana o saúdam como "o" guru da era da informação.
Nesta entrevista, Martin confirma que o ritmo de transformação tecnológica se
acelerará ainda mais e comenta que as mudanças realmente significativas são as que ainda
estão na etapa de pesquisa, como a nanotecnologia e as modificações genéticas. Ele cita
também a computação GRID, a tecnologia para a evolução automática, a robótica
inteligente e as células de combustível, entre outros desenvolvimentos. O especialista,
porém, faz um alerta: precisamos aprender como controlar a tecnologia ou seremos
destruídos por ela.

Quais motivos o levaram a fundar o James Martin Institute for Science and Civilization?
O século 21 apresenta alguns perigos e oportunidades extremos, que estudo
profundamente no novo livro que estou preparando. Tal assunto exige uma pesquisa ampla,
uma coleta de dados minuciosa. Talvez esses perigos e oportunidades constituam o tema
mais importante a ser estudado hoje, uma vez que as conseqüências de uma análise
equivocada seriam desastrosas.
Além disso, a sociedade precisa de uma escola para cuidar da civilização, não apenas de
escolas para administrar empresas.

O sr. se destacou por indicar acertadamente tendências, em especial no campo da tecnologia.

Como explica as previsões de que a tecnologia nos traria mais tempo para o lazer? Hoje todos
trabalhamos bem mais do que no passado…
Muitas coisas sobre o futuro são incertas. No entanto, em minha opinião, estudos
futuristas responsáveis são projeções lógicas baseadas naquilo que já conhecemos. A
compreensão do futuro é uma questão de lógica, de história, de ciência, e de compreender
organizações complexas.
A demografia, por exemplo, não é algo incerto. E é possível prever muitas coisas sobre
tecnologia por causa do extenso intervalo de tempo que existe entre as pesquisas em

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"Algumas das laboratório e a aplicação em campo. Por exemplo, quando escrevi The Wired Society, em
meados da década de 1970, ainda não existiam os computadores pessoais e a internet era
macrotendências pouco mais do que uma idéia sobre como interconectar os computadores de grande porte.
Cerca de 25 anos depois, o livro foi louvado como uma previsão incrivelmente precisa de um
de hoje criarão mundo que utilizava a internet em larga escala.
oportunidades Existem outras tendências previsíveis, algumas até com grau elevado de precisão. No
livro, eu as chamo de macrotendências -trata-se de tendências já em andamento que
de negócio acarretam conseqüências substanciais e parecem inevitáveis ou muito difíceis de ser
espetaculares modificadas. Um exemplo de macrotendência é a globalização das novas mídias.
Vale dizer que algumas das macrotendências de hoje criarão oportunidades de negócio
amanhã” espetaculares amanhã.

Nos últimos anos, ocorreram tantos avanços tecnológicos que é difícil acompanhá-los. Quais
são os mais significativos?
Eu certamente incluiria a internet, as fibras ópticas, a comunicação business-to-business
em tempo real, os microssensores, a tecnologia wireless, o data mining [análise automatizada
de dados com o objetivo de encontrar padrões e tendências], as técnicas de imagens para
diagnósticos médicos e o mapeamento genético.
Talvez as mudanças mais significativas, no entanto, sejam as que ainda estão na etapa de
pesquisa: a nanotecnologia, a medicina relacionada aos genes, as modificações genéticas, o
GRID, os remédios psicotrópicos com objetivos predefinidos, a tecnologia para a evolução
automatizada, a robótica inteligente, as células de combustível, a energia nuclear de quarta
geração e os nanotubos de carbono.

Em sua opinião, o ritmo da mudança tecnológica está se estabilizando?

Não. O ritmo da mudança aumenta sem parar. A tecnologia pode ser comparada a uma
avalanche que ganha impulso e força conforme desce a encosta da montanha. Cada geração
de tecnologia oferece instrumentos melhores para a criação da etapa seguinte e as gerações se
sucedem em um ritmo cada vez maior. A revolução industrial marcou o início da avalanche,
com movimentos lentos no começo, mas agora ela vem montanha abaixo com uma
intensidade impressionante. E podemos ter certeza de que essa avalanche não diminuirá seu
ritmo daqui em diante.
Pelo contrário: no decorrer deste século a tendência é que a força e a velocidade
aumentem ainda mais. Contribuirão para isso a "inteligência" dos computadores, que se
tornarão capazes de se retroalimentar, e a tecnologia da evolução automática.

Nada pode deter essa mudança?

Só uma catástrofe de proporções indescritíveis seria capaz de deter essa tendência.

Quais os impactos da tecnologia no mundo dos negócios em um futuro próximo?

Os maiores impactos serão a inovação constante, a crescente necessidade de
empreendedorismo e de liberdade para o comércio mundial.
No longo prazo, haverá aumento da produtividade, talvez por volta de 2,5% ao ano nas
nações desenvolvidas, mas com índices bem mais elevados em países como a China e a Índia.
Outra característica será o significativo aumento das importações e exportações da China.
Do ponto de vista do consumidor, as mudanças incluirão mais escolhas, mas não
necessariamente mais felicidade.

Quais as principais pendências envolvendo a tecnologia e o mundo dos negócios?

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Primeiramente, entre 2000 e 2003, muitas empresas suspenderam a inevitável e

importante entrada no e-business. Agora isso precisa ser de fato completado.
Em segundo lugar, vemos o movimento de migração dos empregos (inclusive os de
setores high-tech) dos países desenvolvidos em direção à China, à Índia e a outras nações.
Essa é uma tendência consistente. O terceiro fator envolve a Europa e os Estados
Unidos: hoje tanto a educação como os recursos são inadequados para a educação de nível
mais elevado.

Como a sociedade pode lidar com os efeitos negativos dos avanços tecnológicos?
A sociedade não pode abrir mão da tecnologia no século 21 por causa de seus malefícios
(veja quadro na página 3), porque há ganhos também. O espectro entre os dois extremos
aumenta cada dia e, quanto maior ele é, maior a necessidade de acelerar as melhores
tecnologias e eliminar as piores.
A solução é simples: não faz sentido adotar uma tecnologia apenas porque ela está
disponível, como vem ocorrendo há décadas; é preciso ter sabedoria para reconhecer que
algumas novidades são uma bênção para a humanidade e que outras podem destruí-la.

E quais são essas bênçãos?

Entre as vantagens estão a passagem de uma diversidade cultural restrita para uma
diversidade cultural extrema, a criação de avançadas ferramentas de poder intelectual e o
acesso, por rede de computadores com imensa largura de banda, a uma extraordinária
variedade dessas ferramentas.
Em suma, a abundância de informações e recursos somada às novas tecnologias nos dará
a oportunidade de reavaliar o significado de nossa civilização. Além disso, surgirão
civilizações diferentes em várias partes do planeta.

Por que muitas soluções tecnológicas não conseguem cumprir o que prometem às empresas?
Pelo entusiasmo desmedido; pela implementação inadequada das habilidades; pela
imprecisão nos cálculos de retorno do investimento; pela falta de comunicação correta entre
os líderes empresariais e os responsáveis pelas inovações técnicas; pela incompreensão das
conseqüências de um espectro tão amplo, entre outros motivos.

Isso tende a mudar?

Provavelmente não, mas os executivos mais sensatos estão atentos.

Como será o presidente de empresa no futuro?

A função do presidente terá um nível de exigência cada vez maior, com a progressiva
capacidade de aumentar o valor para o acionista. Quase todos os setores precisam ser
drasticamente repensados. A crescente complexidade do mundo e a atuação globalizada
exigirão um trabalho em equipe cada vez maior, a fim de integrar os vários profissionais.
Os problemas econômicos e sociais mundiais exigirão muito mais atenção. Novas
formas de liderança similares à exercida pelo presidente de empresa serão imprescindíveis
para lidar com eles.

Diante dessa situação, o sr. se considera otimista em relação ao futuro?

O avanço de nosso conhecimento nos capacitará a criar uma grande civilização. Se não
conseguirmos fazer isso, será em decorrência de fatores que poderiam ter sido evitados, como
a cobiça, a falta de educação, os interesses escusos e a má administração. Eu incluiria ainda
outros motivos: o consumismo excessivo e a ganância por lucros, estimulados pelas empresas.

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"A crescente E o que explicaria esses fatores?

A predominância das mitologias sobre a ciência. A ciência nos induz ao erro porque se
complexidade concentra apenas no que pode ser medido.
Outra explicação é que o Ocidente ainda permanece preso a seu passado. Uma sociedade
do mundo e rica pode parecer-se com o "admirável mundo novo" do escritor Aldous Huxley, ou seja,
a atuação pode ser uma sociedade formada por imbecis lesados pelas drogas e adeptos da política
"compre até morrer" e pautada por uma televisão de péssima qualidade. Mas também pode
globalizada ser uma sociedade educada para apreciar os melhores prazeres da civilização.
exigirão um A tarefa do século 21 consiste em desenvolver nossa capacidade de sobrevivência,
eliminando os fatores que podem destruir o ser humano. São muitas as ações necessárias para
trabalho em isso, mas também temos muitos meios a nossa disposição para empreender essa tarefa.
No entanto, é preciso ter consciência de que precisamos agir logo: quanto mais
equipe cada esperarmos, maior será o risco.
vez maior”
A entrevista foi concedida a Des Dearlove, colaborador do
jornal Financial Times e da revista Business Strategy Review.

Saiba mais sobre Martin

J ames Martin é um verdadeiro ícone da tecnologia.

Autoridade mundial nos múltiplos usos comerciais e
sociais dos computadores, ele é, ao mesmo tempo, um
empreendedor que sabe muito bem utilizá-la e um de seus
mais rigorosos analistas.
Pelo lado empreendedor, Martin é fundador e chairman
emérito da Headstrong, firma de consultoria que surgiu em
1981 em Londres, Reino Unido, e se espalhou por todo o
hemisfério norte, incluindo a Ásia. Especializada na criação
de valor a partir de tecnologias digitais, a firma tem uma
impressionante carteira de clientes, entre os quais AT&T,
IBM, Honeywell e Xerox, e é reconhecida por estar na
vanguarda de projetos ultracomplexos de produtos, serviços
e planejamento estratégico. Ficou famosa também pela
consultoria prestada ao governo inglês na reestruturação do
setor de telecomunicações e na transformação do modelo
de negócio da empresa de correios.
Ainda pelo lado empreendedor, Martin é o "pai" científico
dos CASE (sigla em inglês de sistemas de engenharia
assistidos por computador), conjunto de ferramentas que
ajudam a automatizar o desenvolvimento de software. Os
protótipos originais dos CASE da Texas Instruments e da
Knowledge Ware foram construídos em sua própria casa,
sob sua orientação direta. Também foi assessor científico de
software do departamento de defesa dos Estados Unidos.
Pelo lado analista e crítico, Martin recentemente
inaugurou o James Martin Institute for Science and
Civilization, na Oxford University, em Oxford, Reino Unido,
com uma doação pessoal de US$ 35 milhões. O objetivo do
instituto é formular propostas de como a ciência pode
contribuir para a civilização. Em seu próximo livro, deverá
tratar da intensificação dos problemas do planeta e das
ações que podem atenuá-los. Seu título provisório é The
Meaning of 21st Century: Humanity's Greatest Challenge.

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Os riscos das tecnologias emergentes
J ames Martin é um dos pioneiros no que se refere a dizer
que os avanços tecnológicos nem sempre são
positivos. Eis alguns malefícios da tecnologia lista dos por ele,
que podem também representar novas oportunidades de
negócio:
A sabedoria está se tornando cada vez mais rara,
exatamente quando ela é mais necessária. As pessoas mais
brilhantes serão cada vez mais impelidas a ter
conhecimentos mais profundos e específicos.
O baixo custo das armas de destruição em massa
(sobretudo as biológicas) tem viabilizado sua produção por
cidadãos ou grupos.
A necessidade de montar uma infra-estrutura de
combate ao terrorismo no Ocidente com a conseqüente
redefinição do conceito de privacidade.
A imensa disparidade entre os países mais e menos
capacitados e a crescente divisão entre as pessoas mais e
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menos habilitadas em cada país.
O aumento de crianças com transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade.
Maior aceitação da violência pela sociedade.
O crescente uso de remédios mais sofisticados por
crianças, com conseqüências desconhecidas.
A essa lista de Martin podem-se acrescentar os
potenciais prejuízos causados pela nanotecnologia,
conforme apontados pelo professor Henrique Rattner, do
Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de
São Paulo:
A invisibilidade de aparatos nanotecnológicos
devida à escala nanométrica e sua capacidade de
locomoção através de barreiras como a pele humana e
células, além do poder de auto-replicação aventado por
alguns cientistas, têm sérias implicações para a
população.