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São Paulo, sábado, 14 de junho de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Dúvidas nas liminares dadas e


cassadas
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O exercício simultâneo de duas profissões tão distintas como


são as de jornalista e de advogado cria-me problemas muitas
vezes intransponíveis. É sempre difícil, por exemplo,
explicar ao leitor não ligado ao mundo jurídico como é
possível a sucessão de decisões contraditórias em liminares
concedidas e cassadas (lembram-se da transmissão do
futebol pela Globo e pelo SBT?) com poucas horas de
diferença num Judiciário proverbialmente lento e até
lentíssimo em muitos casos.
Para o operário do Direito, é preocupante saber que essa
espécie de samba do crioulo doido da Justiça contribui para
desprestigiar o papel do Poder Judiciário. Ele quer saber, em
segundo lugar, se há meio de impedir o fenômeno e, antes
disso, se é bom tentar impedi-lo.
Nessa matéria o trabalhador jurídico e a sociedade ficam em
campos diferentes. Aquele, afeiçoado às questões
processuais, encara os despachos liminares contraditórios
com relativa naturalidade, em particular nos períodos de
férias forenses, que retornarão em julho. São magistrados
substitutos e substituídos, cada um deles livre e independente
para manifestar seu próprio entendimento. A naturalidade
dos profissionais da área existe porque sabem que se trata de
resoluções de urgência, distintas da solução de mérito, que
virá com o conhecimento integral do processo, em que a
completa avaliação das disputas será possível.
A opinião dos juristas é absolutamente minoritária pelo
número deles em face do conjunto de toda a sociedade, por
serem complicadas as explicações necessárias, tornando
quase impossível chegar a um terreno comum. A confusão é
maior nas disputas mais escandalosas, atingidas pela
divulgação instantânea e nem sempre suficientemente
esclarecedora. Contribui para a confusão o fato reconhecido
de que o exercente do jornalismo raramente está treinado
para compreender os meandros tortuosos da arte processual.
As liminares são transitórias, aplicáveis quando o juiz
considere que, se aguardada a decisão final, sempre
demorada, será inútil ante os prejuízos causados.
A sucessão de liminares pró e contra cada um dos
disputantes evidentemente não prestigia o Judiciário pelas
incertezas criadas na massa do povo. Subsiste na consciência
popular uma dúvida séria sobre quais seriam as verdadeiras
causas do vai-e-vem da Justiça. Serão jurídicas? Serão
políticas? Quais as influências dominantes? Haveria outro
caminho? Sem falar que há liminares e cassações que nem os
profissionais jurídicos entendem.
Contribui para tornar mais fechado o cipoal da Justiça saber
que as liminares envolvem urgentes interesses contrapostos,
que o juiz tem de decidir, mesmo que a lei seja mal escrita ou
omissa. A solução salomônica de cortar em dois o objeto da
disputa é geralmente inviável. O dever de decidir se impõe,
porquanto a palavra final sempre cabe à magistratura na
forma da lei. Assim é por fidelidade ao preceito
constitucional de que nenhuma lesão ou ameaça a direito
pode ser excluída da apreciação pelo Poder Judiciário (artigo
5º, inciso XXXV).
A atualização do "salomonismo" jurídico levaria, quando
fosse permitida, a resolver logo o mérito das disputas e
outorgar rapidamente o direito a quem o juiz o reconhecesse,
depois de todas as provas serem bem sopesadas sob a luz da
lei bem aplicada, ultrapassando as liminares. Isso é quase
impossível. A decisão final, de mérito, com a apreciação
integral dos direitos envolvidos, é coisa para anos a fio. Não
nos iludamos, pois a ciranda continuará.

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