um analisando de 15 anos, com uma voz um tanto desolada, inicia sua sessão dizendo: “Pôxa, até agora não houve nenhum atentado terro- rista no mundo”. Imediatamente me reporto à minha filha de 13 anos, que me pergunta na véspera! Por que as pessoas esperam que no dia do aniversário (macabro) se repetirá o mesmo ato? Frente a essas questões me in- troduzo neste tema tão sinistro e tão real. Com esses termos Sinistro e Real, já estamos falando do traba- lho de Freud Das Unheimliche Maria Eliana de Mello (1919) e do real conceito formulado Barbosa Helsinger por Lacan desde o início de sua obra, e que ganha peso no seu final. Unheimliche é, na frase de Schelling que Freud vai defini-la: tudo aquilo que, devendo permanecer oculto, acabou se manifestando. A partir daí, desdobram-se dois grupos de representações distintas mas não antagônicas. Por um lado, Heimlich re- mete ao que é familiar e confortável; por outro, ao que está escondido e dissimulado. Qual é a lógica de tudo isso? O que era agradável deixa de sê-lo, con- vertendo-se no avesso, numa transformação irrevogável. Um corte cinde o tempo, estabelecendo um antes e um depois. A partir daqui, o que era en- tranha torna-se estranho e se perde para sempre. Unheimliche, aquilo que era preciso apagar, é reativado por um fato externo, para ser projetado além da subjetividade e percebido como alheio. O pensamento de Freud grifa a castração como eixo e divisor de águas. O egocentrismo primitivo é relocado ao ostracismo e substituído por um sistema de prescrições e re- gras. Porém, quando se perderem essas fronteiras, fica-se sujeito ao arbí- trio de um gozo aterrador. Ao se desvanecerem os limites entre a fantasia e a realidade, ou quando o inacreditável aparece como real, o terror vem à tona. Por isso, buscamos tentar domesticar o Unheimliche – tentativa cada vez mais difícil de êxito nos dias atuais. É próprio do processo secundário estabelecer relações causais que permitam atribuir algum significado ao sem-sentido. Em última instância, o que não tem nome, nem forma, o que é alheio ao eu, não se suporta por muito tempo, resultando inevitável preci- pitar um sentido para um sossego (cada vez mais fugaz) do imaginário. Estamos vivendo sob a égide da cultura do terror e do medo, e isso significa: Eros está ameaçado de ser dominado por Tanatos. Se na primeira tópica Freud enfatizava a não representação da morte no inconsciente, na segunda, embora não abandone sua primeira formulação, sustenta que a dimensão visível da pulsão de morte aparece através dos efeitos da pulsão de destruição, inscrita na barbárie de nossa cultura superegóica. Com a segunda tópica, inaugurada com o texto Além do princípio do prazer, algumas formulações do Das Unheimliche serão retomadas. É o caso da repetição elevada à categoria de automatismo inconsciente, cuja Maria Eliana de Mello Barbosa Helsinger incidência se percebe como sinistra. Muda o esquema das pulsões pela promoção da teoria das instâncias formalizando o eu; seu desdobramento lógico será o conceito de supereu, a consciência moral que comanda o gozo. A morte é colocada na posição antitética de Eros, como síntese do acontecer psíquico. Finalmente, podemos denominar tudo o que se relacio- na com o sinistro ao seu papel de amo absoluto. Neste século que assistimos a tão rápidos e numerosos progressos, paradoxalmente convivemos cada vez mais com a nossa “Doença da Mor- te”, como nos diz Marguerite Duras no seu belíssimo livro. Depois dos campos de concentração nazistas, passando pela bomba de Hiroshima, culminando no ataque ao World Trade Center e no terror nosso de cada dia, coloca-se a dúvida se nós, nossa família, nossos amigos voltarão vivos para as suas casas. O mundo virou uma grande casa mal-assombrada, onde o real não pára de nos aterrorizar. O Real é o nome que Lacan dá ao Outro do Simbó- lico. O Simbólico é o que permite fazer sentido. O Real é o não-sentido, o non-sense. A lei do Simbólico é a dialética. É a lei do deslocamento. O Real é o contrário, é aquilo que não se desloca, está sempre no mesmo lugar como definição. O Real é absoluto, e o Simbólico é relativo. Lacan nos ensina: a fantasia é Real; é em nome disso que o sujeito imagina sempre a mesma coisa. Mas as coisas mudaram muito nestes novos tempos: O Pai era outrora o nome da causa das neuroses. A função ocupada até recentemente pelo pai declinou-se, ou melhor, pluralizou-se. O objeto da pulsão já não se circuns- creve tão facilmente sob os semblantes do parceiro heterossexual, da famí- lia e da criança. Já não são só os psicóticos os que não simbolizam a castra- ção por meio do Nome do Pai. A exclusão do Nome do Pai generalizou-se. No mundo pós-moderno, estamos muito mais expostos à deriva da pulsão cujo imperativo categórico é: goza! Se, na primeira clínica de Lacan com Freud, a primazia era a interpre- tação do sintoma porque este era fruto do recalcado, vamos encontrar na segunda uma nova vertente. Foi o próprio Freud quem reconheceu que ha- via algo de não analisável na compulsão à repetição e na inacessibilidade narcísica. E foi nesse resíduo que escapa à interpretação que Lacan conceitualizou um saber no Real. A contemporaneidade exibe os efeitos mais radicais do discurso da ciência, discurso esse que exclui o sujeito. Essa exclusão implica uma exposição direta aos efeitos da exclusão de sentido, do sujeito e do mito. O avanço do esvaziamento da função paterna nos confronta com for- mas de angústias automáticas de afetação direta pelo real do gozo. Os novos Nomes do Pai – Osama, Sadam Hussein, Bush, Beira-Mar, Uê e tantos outros anônimos – nos jogaram para aquilo que Arnaldo Jabor, no seu artigo “Um urubu pousou na sorte do Mundo” (19/8/03), define como a sorte dos eventos aleatórios. O inconsciente bárbaro, nos diz ele, está de novo entre nós. Há períodos históricos em que parecemos precisar da morte. Surge uma fome de irracionalismo como uma libertação animal dos freios da civilização. Por isso, o lugar ocupado pelo psicanalista hoje precisa estar à altura dessas novas exigências. O analista deve ser menos o intérprete do incons- ciente, e muito mais aquele que presentifica o Real. Em outras palavras, ele há que apontar o fracasso da satisfação da pulsão e não se deixar fascinar por aquilo que nos aterroriza.
O texto Psicanálise diante do Terror aborda o Sinistro (Unheimliche) em
Freud e o Real em Lacan. Trabalha o terror relacionado às questões que a pós- modernidade nos tem impactado: estamos muito mais expostos à deriva da pulsão cujo imperativo categórico é o gozo.
The Psychoanalysis Before the Terror
The text Psychoanalysis before the terror approaches the Accident (Unheimliche) in Freud and the Real in Lacan. It works on the terror associated to Maria Eliana de Mello Barbosa Helsinger issues that the post-modernity has impacted on us: we are much more exposed to the drift of the pulse, whose categorical imperative is the joy.
El psicoanálisis Delante del Terror
El texto Psicoanálisis delante del Terror aborda lo Siniestro (Unheimliche) en Freud y lo Real en Lacan. Trabaja el terror relacionado a las cuestiones que la postmodernidad nos ha impactado: estamos mucho más expuestos a la deriva de la pulsión cuyo imperativo categórico es el gozo.
Sinistro; Real; Pulsão de morte; Superego; Gozo; Nome do pai.
Accident; Real; Death pulse; Superego; Joy; Name of the father.
Siniestro; Real; Pulsion de muerte; Superyo; Goce; Nombre del padre.
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