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2. A interioridade
Com isso, aparece outro problema: invocar seria chamar algo para dentro, e se se invoca a
Deus, então o próprio Criador é chamado para dentro da criatura. No entanto, o Santo mostra
também que, por ser Deus o Criador, Ele já está presente em todas as coisas, inclusive no
homem:
“Será, talvez, pelo fato de nada do que existe poder existir sem Vós, que todas as
coisas Vos contêm? E assim, se existo, que motivo pode haver para Vos pedir que
venhais a mim já que não existiria se em mim não habitásseis? Não estou no inferno
e, contudo, também Vós lá estais, pois se descer ao inferno, aí estais presente.
Por conseguinte, não existiria, meu Deus, de modo nenhum existiria, se não
estivésseis em mim. Ou antes, existiria eu se não estivesse em Vós “de quem, por
quem e em quem todas as coisas subsistem?” Assim é, Senhor, assim é. Para onde
Vos hei de chamar, se existo em Vós? Ou donde podereis vir até mim? Para que lugar,
fora do céu e da terra, me retirarei a fim de que venha depois a mim o meu Deus que
disse: “encho o céu e a terra?”
Na realidade, acontece que Deus está no homem porque este subsiste em Deus, sendo o
Criador o seu fundamento, e não o contrário. Ele está presente em tudo, mas antes tudo está em
Deus, já que Ele é anterior e é a razão de ser de tudo. Desta forma, pode-se concluir que o
caminho de procura não se dá pelo âmbito da exterioridade.
Agostinho mostra que se essa presença de Deus no mundo é real e profunda, uma
dificuldade é gerada na questão da invocação e também na do afastamento entre Ele e o homem,
porque se o Criador está presente em tudo que criou, inclusive no ser humano, como este pôde
se afastar de Dele? Este questionamento mostra que, se isso, de fato, aconteceu, não o foi em
um sentido absoluto: há a rebeldia e o afastamento do homem em relação a Deus, além do fato
de ele não reconhecer sua dependência do Criador, mas não em sentido absoluto. Dizer isso
seria dizer que a criatura não é mais criatura, porque passaria a ser fundamento de si mesma.
O afastamento de Deus seria, então, apenas de ordem moral, e não ontológica, o que daria
origem às feridas na natureza humana. A partir disto, entende-se que, apesar do pecado, o
vínculo ontológico entre os dois ainda se mantém, pois mesmo o homem tendo se afastado de
Deus, Este nunca se afastou do ser humano, já que Ele está presente em tudo. E, se é assim, a
própria noção de invocação deve mudar: não mais seria invocar a Deus de fora para dentro, em
um sentido corporalista, mas este ato consistiria em chamá-Lo a partir de dentro. A invocação,
portanto, precisa acontecer no âmbito da interioridade, mas o Santo só descobre os critérios
para isto quando entra em contato com princípios da tradição platônica.
3. Desfecho
A inquietude no homem é sanada somente por Deus, porque a Verdade e o Bem que ele
almeja é o próprio Criador: a posse de Deus é a Beatitude do ser humano. Pode-se dizer que
esta questão também perpassa toda a obra de Agostinho. No entanto, como ele, de fato, pensou
e demonstra a Beatitude, no sentido filosófico? Na próxima exposição, portanto, esta
problemática será analisada, sendo levada em consideração principalmente a sua obra A vida
feliz, que foi um de seus primeiros diálogos filosóficos.
Sub tuum praesídium confúgimus,
Sancta Dei Génetrix.
Nostras deprecatiónes ne despícias in necessitátibus,
sed a perículis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriósa et benedícta.
Ámen