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AULA 13 – INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE SANTO

AGOSTINHO – A INQUIETUDE DO SER HUMANO


Pater noster, qui es in cælis,
sanctificétur nomen tuum;
advéniat regnum tuum; fiat volúntas tua sicut in cælo, et in terra.
Panem nostrum cotidiánum da nobis hódie,
et dimítte nobis débita nostra
sicut et nos dimíttimus debitóribus nostris.
Et ne nos indúcas in tentatiónem,
sed líbera nos a malo.
Ámem

1. A inquietude do ser humano


Segundo Santo Agostinho em suas Confissões, a criatura humana irradia a sua soberba e
seu pecado, mas mesmo assim não cessa de querer louvar a Deus. Há uma clara distância entre
os dois, principalmente do homem em relação ao seu Criador. Aquele enxerga as suas fraquezas
e debilidades, fruto do seu pecado, e sabe que Deus não ouve os orgulhosos, mas ainda assim
não desiste de buscar a Deus, o que parece algo sem fundamento. Por que isso acontece?
A resposta para isso está também no texto das Confissões. Agostinho diz “Vós o incitais a
que se deleite nos vossos louvores” (Confissões, Livro I), o que significa que é Deus quem faz
com que o homem continue buscando a Ele. Desta forma, ao mesmo tempo em que o homem
se afastou de Deus, tem um desejo dentro de si e procura o Absoluto ou o Princípio originário.
E é assim porque, como diz o Santo: “nos criastes para vós e o nosso coração está inquieto
enquanto não repousar em vós” (Confissões, Livro I).
Esta frase é muita citada, mas nem sempre compreendida. Independente disto, é importante
entender o que está pressuposto nela, assim como suas implicações. De fato, como explícito
nela, o homem foi feito por Deus, assim como tudo o que foi criado. Dizer isto significa que o
Criador é a Causa primeira de tudo e tem condições de fazer a passagem do não-ser ao ser. E
não apenas foi feito por Deus, mas, como diz Agostinho, foi feito para Deus. Isto tem um peso
muito intenso, porque dizer isso é salientar que, além de ser a Causa primeira, Ele também é o
fim último do homem. Deus, pois, no ato da Criação criou o ser humano e o criou para Si.
A consequência disto é a necessidade do Criador que está inscrita no ser do homem, e é
por isso que na sequência do texto o Santo escreve que “o nosso coração vive inquieto, enquanto
não repousa em Vós”. Para ele, como já dito, o coração significa o centro do pensar e do querer,
e, desta forma, estão presentes a razão e a vontade: a primeira, no seu exercício, busca a verdade,
e a segunda busca o bem. O ser humano, portanto, tem estas duas realidades em sua natureza
para conhecer a Verdade e para querer a mesma enquanto Bem.
Agostinho diz, como mencionado, “o nosso coração vive inquieto”, isto é, há uma
insatisfação que é própria ao homem. Logo, enquanto ele não conhecer esta Verdade e este
Bem, continua inquieto. No entanto, uma pergunta precisa ser feita: quem é esta Verdade e este
Bem? Evidentemente, do ponto de vista do autor, estes são Deus, que é o Criador e o Princípio
originário do homem.
Agostinho está dizendo que existe uma dimensão de inquietude na natureza humana
intimamente relacionada ao Criador. E, na medida em que o homem foi criado para Ele, mas
ainda não O possui, não tem uma realização plena do seu ser. Por mais que conheça
determinadas verdades em sua vida, nenhuma delas o satisfaz, pois não é a Verdade absoluta,
fundamento último de tudo o que é verdadeiro. E o mesmo acontece com os bens em relação
ao Bem absoluto, que é Deus, princípio e fim de todas as coisas.
No entanto, com a realidade do pecado, esta inquietude que já existia se torna ainda um
pouco mais densa, porque o homem se afastou de Deus. Pressuposto no referencial adâmico e
na leitura que Agostinho faz da narrativa bíblica, o ser humano não buscou conhecer-se. Na
medida em que se afastou do Criador, esqueceu-se pouco a pouco quem Ele é, além de acontecer
o mesmo consigo mesmo. Sendo assim, o “eu” acaba por ficar profundamente ferido, e, por
isso, precisa ser reconstruído, curado e recriado.
Do ponto de vista do autor, todo ser humano é assim, mesmo que não tenha consciência
disso: isso pode aparecer como desejo pelo bem, pela verdade, pelo belo, pela felicidade etc., e
tudo, no fundo, é o desejo pelo Absoluto. É possível observar que todas as pessoas querem ser
felizes, por exemplo, mas quando se pergunta o que é a felicidade, surgem as divergências entre
elas, já que cada uma entende algo diferente sobre o assunto.
O homem, portanto, além de ser imagem e semelhança de Deus, peregrino, pecador e
alguém que quer retornar à Pátria da bem-aventurança, também tem desejo pelo Eterno. Sendo
assim, vendo o abismo entre ele e Deus, precisa enfrentar esses seus problemas, visto que seu
coração continua inquieto. Por conta disto, busca com as coisas do mundo preencher o vazio
deixado, o que se torna mais um problema, porque procura do modo errado e em lugares
errados.
Para não acontecer isto com ele, no início de suas Confissões o Santo pergunta a Deus o
que deve fazer primeiro:

“Concedei, Senhor, que eu perfeitamente saiba, se primeiro Vos deva invocar ou


louvar, se primeiro Vos deva conhecer ou invocar. Mas quem é que Vos invoca se
antes Vos não conhece? Esse, na sua ignorância, corre perigo de invocar a outrem. Ou
porventura, não sois antes invocado para depois serdes conhecido? Mas como
invocarão Aquele em quem não acreditaram? Ou como hão de acreditar, sem que
alguém lhes pregue? Louvarão ao Senhor aqueles que o buscarem. Na verdade os que
O buscam, encontrá-lo-ão e aqueles que O encontram, hão de louvá-Lo.
Que eu Vos procure, Senhor, invocando-Vos; e que Vos invoque, crendo em Vós, pois
nos fostes pregado. Senhor, invoca-Vos a fé que me destes, a fé que me inspirastes
por intermédio da humanidade de vosso Filho e pelo ministério do vosso pregador.”

Santo Agostinho, Confissões, Livro I

Ele propõe possibilidades e vê problemas em todas, até que mostra claramente a


importância da Fé, pois esta já lhe foi apresentada, tendo ele a possibilidade de crer. Surge,
assim, para Agostinho, algo muito importante: ele deve procurar a Deus invocando-O, e O
invocar crendo, ou seja, a partir da Fé abraçada. Desta forma, ele pode louvar e confessar a
grandiosidade de Deus.

2. A interioridade
Com isso, aparece outro problema: invocar seria chamar algo para dentro, e se se invoca a
Deus, então o próprio Criador é chamado para dentro da criatura. No entanto, o Santo mostra
também que, por ser Deus o Criador, Ele já está presente em todas as coisas, inclusive no
homem:

“Será, talvez, pelo fato de nada do que existe poder existir sem Vós, que todas as
coisas Vos contêm? E assim, se existo, que motivo pode haver para Vos pedir que
venhais a mim já que não existiria se em mim não habitásseis? Não estou no inferno
e, contudo, também Vós lá estais, pois se descer ao inferno, aí estais presente.
Por conseguinte, não existiria, meu Deus, de modo nenhum existiria, se não
estivésseis em mim. Ou antes, existiria eu se não estivesse em Vós “de quem, por
quem e em quem todas as coisas subsistem?” Assim é, Senhor, assim é. Para onde
Vos hei de chamar, se existo em Vós? Ou donde podereis vir até mim? Para que lugar,
fora do céu e da terra, me retirarei a fim de que venha depois a mim o meu Deus que
disse: “encho o céu e a terra?”

Santo Agostinho, Confissões, Livro I

Na realidade, acontece que Deus está no homem porque este subsiste em Deus, sendo o
Criador o seu fundamento, e não o contrário. Ele está presente em tudo, mas antes tudo está em
Deus, já que Ele é anterior e é a razão de ser de tudo. Desta forma, pode-se concluir que o
caminho de procura não se dá pelo âmbito da exterioridade.
Agostinho mostra que se essa presença de Deus no mundo é real e profunda, uma
dificuldade é gerada na questão da invocação e também na do afastamento entre Ele e o homem,
porque se o Criador está presente em tudo que criou, inclusive no ser humano, como este pôde
se afastar de Dele? Este questionamento mostra que, se isso, de fato, aconteceu, não o foi em
um sentido absoluto: há a rebeldia e o afastamento do homem em relação a Deus, além do fato
de ele não reconhecer sua dependência do Criador, mas não em sentido absoluto. Dizer isso
seria dizer que a criatura não é mais criatura, porque passaria a ser fundamento de si mesma.
O afastamento de Deus seria, então, apenas de ordem moral, e não ontológica, o que daria
origem às feridas na natureza humana. A partir disto, entende-se que, apesar do pecado, o
vínculo ontológico entre os dois ainda se mantém, pois mesmo o homem tendo se afastado de
Deus, Este nunca se afastou do ser humano, já que Ele está presente em tudo. E, se é assim, a
própria noção de invocação deve mudar: não mais seria invocar a Deus de fora para dentro, em
um sentido corporalista, mas este ato consistiria em chamá-Lo a partir de dentro. A invocação,
portanto, precisa acontecer no âmbito da interioridade, mas o Santo só descobre os critérios
para isto quando entra em contato com princípios da tradição platônica.

3. Desfecho
A inquietude no homem é sanada somente por Deus, porque a Verdade e o Bem que ele
almeja é o próprio Criador: a posse de Deus é a Beatitude do ser humano. Pode-se dizer que
esta questão também perpassa toda a obra de Agostinho. No entanto, como ele, de fato, pensou
e demonstra a Beatitude, no sentido filosófico? Na próxima exposição, portanto, esta
problemática será analisada, sendo levada em consideração principalmente a sua obra A vida
feliz, que foi um de seus primeiros diálogos filosóficos.
Sub tuum praesídium confúgimus,
Sancta Dei Génetrix.
Nostras deprecatiónes ne despícias in necessitátibus,
sed a perículis cunctis libera nos semper,
Virgo gloriósa et benedícta.
Ámen

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