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Hila ch ince bs una reise picloqueldi'Srous eee ose litres, derdocortnidade a ingortne vere dou oro quedo onde ‘stuturl de ios omens Frndo em mite dacosta norcstede Andros do Nori omais fossil ones viv aes gies geografias pedo bistros pera compar um gendepoano, gua cono sfnau (Ocovio a, sites comuniam pormeo ds homens even que tes osoiban’ tema dssepoanadéarecusodo gensarertindigenaBracéo de ura ‘detidade ena acai do cue core rifle en fleorsuropes, amitlogiode Nov Mund no corebe a posible deredune uno shgio incioimans dul oune idoidade parle, Tenos ein um doko rdrico een perp dese, ‘ue onperac do apenas naidclogi, mes fonbn ne ogarzogio socal de populares nas (como cso dos ‘ido rca), Pormeioda and de eloos tbo tres atempo eno expococome ‘om ilcmb oeteda por Theat ‘acoso boslraem meadesde sda 1, profincoica de Vrecochano Pers oucshitis de ince eile na América de Nate aver remains Fens cucos do dusts americana Esterase deur bere peroocuto’—ofesneiconente iver dna scedade, qetenic ‘elu oko guna nage expecta simesma. sos formas opasasdeconceber arelociocoma cedade eséora bose do|desjenonrclorial ene Veo e CLAUDE LEVE-STRAUSS HISTORIA DE LINCE Tent [BEATRIZ PERRONE-MOISES onttice ‘Conyiht © 1991 by Lie Pon | ‘Til agit: Hitote dete ‘xan de Dail Gad Bly A monograph ofthe Felker ay of ea, Lana, Pao Jo or, 183, (Go! Bibionen do Mesns Nasal ite Netra) Prparato Mar Coole Ice eit: rs Cara de rand Revi: ‘Ane Mo Barone (bre punta com apo Mini de Catre de pene facts m= “Todor o dios do tro esevdon 8 "Rea Tap 22 “Tasfoce: 1 6822 | "aw (ln e553 Sed awe prius fuere: mune resonlta senet quite, seque dedicat it, ‘gemelle Castor, et gemelle Cesioris Cato, WV: Dedicatio phase, 25.7 INDICE Preficio 1. Uma gravider intempestiva 2, Coiote pai filho 3. As ladeas de dents 4, Um mito para volta no tempo 5. A sentenga fatidica . 6, Vista &s Cabras das Montanhas Segunda parte CLAREANDO 7. A erianga raptada pelo Mocho 8, Omamentos, ferimentos . 9, 0 fitho da Raiz 10, Gimeos: sales, urs0s, lobos 11, Meteorologia familar 12, Ormamentos, alimentos 13, Da Tua ao sol 14, A mulher do cdo ” 20 38 ° 38 o 37 us 1 28 1 2148 15, 16. a 1B B. ‘Tercera parte DO LADO DO VENTO ‘Accaptura do vento Mitosindgenas, contos franceses ‘Uhtimo retorno do desaninhador de pissaros Relendo Montaigne... ‘A ideolopa bipartida dos amet Notes Bibliografia Lista das lusiragées Indice remissivo rindlos 1st 2 166 116 190 219 241 243 PREFACIO ‘A imagem do tabuleio de xadrer no inicio deste Livro se apre- fenta ao mesmo tempo como um esclarecimento © uma descupa, Desealpa pla possvel sensaplo de ser infruifera a leitura de capi- ‘los incais, nos quas, antes de comesaro date, fi preciso con- sagrarcertas pdginas Aquilo que em xadrez se denomina aberturs, ‘gue, em dez ou quinze jogadas, as vezes repeteo inicio de outras partidas jd conesides, Do mesmo modo, um lito que possusal- {um famiiaridade com meus outros livros sobre a mitlogia ame- rindia poded juloar que os primeiroscaptuls deste patinam. E que fu também tenho de reds ibuir minhas peas, a elementos dos mi- tos por melo dos quais vai se iniciar uma nova pati, ‘Contra quem jogamos? E o que convém eslarcer.Pois jd se poderiahestar quanto & propria naureza do jogo. Assemelha-se ‘0 xadtez ou nfo se deve, antes, compari-lo a um jogo de pacién- ‘ia, no qual nos sujltamos a certs limitagbes observamos certas rearas para colocar em ordem um niimero fnito de elementos — fs carlua — cua distribuigdo iniial ora alntiria? Mae 0 jogo de Cartas & pasvo e a distrbuiglo aleatéria do principio decor da inicatva do jogador, que comesou por embaralhar as carts. ( analisia dos mits est dante de uma stato totalmente ou- tra, Nt 6 ele o autor da desordem que Ihe eae reduzir. Nao ape- has esta desordem nada deve & sua intervene e a precede, como ‘mesmo equi que Ihe parece ser uma desordem ndo o € realmente: antes, ordem diferente, que obedece a limitapSeserepras dstntas ‘aquelas por meio das quais o analista vai operar. Para ele, os mi- tos sho adverséios. Trate-se de saber qual das duasestratégias — a deles ou a dele — val vence. Joga-se contra 0 mito; e no se deve crer que 0 mito, que verm ‘ands de muito long no tempo ou no espago, pode apenas nos pro- porcionsr ums patida perempta. Os mitos nfo consttuem partidas Jogadase acabadas. So incansives, entabulam uma nova partida ‘cada vez queso contados ou lids. Mas, como no xedrez, a me- sida que a partida avanca a estretégia inicialmente impenetrivel de um dos adversris se evela. No final, quando ele s6 pode excolher entre um mimero limitado de jogadss, 0 jogador prestes a veneer pode até prever uma estratégia entio transparent e obrigdla a ‘moldar-se pela su. ‘Mas afinal para que, dirto alguns, esforcar-se em peroeber, an lis, desemar uma estratésia que os mitosrepetem sem renovar ‘nd dezenas,talvez centenas, de milénos, quando, para explcat 0 ‘mundo, o pensamento racional, o método e as téenics centificat suplantaram-nos defntivamente? O mito jé nfo perdeu a partida 1nd muito tempo? Isso nfo é garantido, ou pelo menos no mais Pi pode-seduvidar de que uma distancia intransponivelsepare as {formas do pensamento mitico e os paradoxos famosos que, sem 3- peranas dese fazerem compreender de outro modo, of mestres da cifncia contemporinea propdem aos ignorantes que somos: “0 g to” de Schrodinger, o “amigo” de Wigner, ou 0 epdlogos que se Inet pra cles so nos alan opardano EPR (are Falando assim ndo cei estar ionizando o pensamento cent ‘co, no quel reside, a meu ver, a grandeza do Ocident, Pareee-me apenas que, se nas sociedades sem escrita os conhesimentos posit- ‘os estavatn muito aquém dos poderes da imaginagio ¢ cabia 20s mites preencher ese espaco, nossa prépria sociedade se encontra ‘na stuapo inversa mas que, por razbes opostas sem dvida, leva ‘40 mesmo resultado, Entre n6s, os conbecimentos posivostransbor- ‘dam de tal forma os poderes da imaginaplo que esa, incapaz de ccompreender o mundo eu exiténcia Ihe revelada, tem como tnioo ‘eoursovoltarse para 0 mit. Em outraspaavras, entreo especaita ‘que ange pelo cdleulo uma realidad inimaginivel eo pblico évi- do de caparalgo dessa realidad cua evidnla matemicadesmente todos os dads ds intigdo sensivel, 0 pensamento mitico volte @ ‘serum interesso,tnico meio para os isieos de se comunicar com 08 noscos, ‘Somes informados de que eétron palpita 7 miles de bilhdes de vezes por segundo, que pode ser 20 mesmo tempo onda ¢ cor psculo, exisir simultaneamente aqui e alhures, que as combina 10 es quimicas transcorrem num tempo mensurdel, o qual, em rel {Ho a um sepundo, equvale & proporcio entre est e 32 milhdes de ‘anos, que, no outro extreme da escalaeésmica, nosso universo tem ‘um dlmetro comhecido de uma dezena de bilhtes de anos uz, que nossa galxiae suas vrinhas se desiocam a uma velocdade de 600 km por segundo, atraidas por corpos portadores de nomes fabulo- 08 como Grande Atrator, Grande Parede, que se supée pesados © Sulflelente pars produzr tal efeito (mas cujaordem de grandeza con- trariaria toda as dias correntes quanto a0 modo como o universo se formou). Tai afirmagdes ttm um sentido para oespecalisa, que ‘fo sente@necessidade de traduzir suas férmules em linguager co- ‘ium, O leigo minimamente capa de honestidade intelectual con- {essard que essas slo, para ee, palavrasocas, que nfo correspon ddem a nada de conereto nem de que se possa ao menos fazer uma fia, ‘Assim, os eventos que os specialists imayinam para auxiia- nos a eruzr o abismo que se ciow entre aexperidncia macroseépica ce verdades inacessves ao leigo — big-bang, universo em expansdo etc. — possuem todo o carder dos mites. A ponto de, como mos- {rei em relago aos mitos, 0 pansamentolangado numa dessascons- trugbes gerarimediatamenteo seu inverso, E 0 caso da nogio de ‘um univers fadado, segundo os cleus, ase dlatarinfntamente, (ou a se contair até desaparecer. ‘Durante alguns séculos, a cifncia foi domineda pela idéia de ‘um tempo reversivel, de um universo imutével em que 0 passedo {©0 futuro eram idénticos de direito. $6 restava hstria para set- ir de refigo a0 pensamento mitico. E eis qu: ficamos sabendo, imeiramente pela teoria da evolugto e depois pela nova cosmolo- Bla, que o universo ea vida também estio na hstéria; que tveram tum comega e estfo entregues ao devt. Ao mesmo tempo, surgem ‘problemas to imensos que ese saber incontestvel nos faz duvidar {e que possamos alaum dia compreender o que hava antes, 0 que hhaveré depois on como as coisas realmente occrreram. Parece £0 dif admits que milhare de aconterimentos,:odossameate in provives, tenham, em algo como 7 milhdes de anos, garantido @ passagem de um mundo desprovido de toda e qualquer vidas um ‘mundo de RNA inicialmente, em seguida um mundo de DNA, que ‘mesmo espeiaistas ilusres +80 obrigndos a forjar mitos. Os pri smeiros germes de vida, dizem, teriam chegado & Terra a bordo de ‘uma nave espacial enviada de um planeta distatee dig por se- 1s j4 muito superiors a nds em termos de céncia ede tdonica hi a 3,8 bilhoes de anos (aos quai se adleionariam os anos-uz necessé- ros para viegem.... Do mesmo modo, os fendmenos que ocortem na escala quntica, tal como se busca descrev-1s com as palavras da linguagem comum, ferem muito mais o senso comum do que as ‘mais extravagantes invengbesmiticas. Como esereve um fsico con- ‘empordneo, o mundo da mecinica quintica nfo difere apenas quan- titatva, mas também qualitativamente, do mundo ds vida cotilans: “A linguagem comum no tem palavras para ele [..J. O mundo {quintico nfo é menos ral do que o mundo elisico masa reaida- <ée da experitncia comum no mundo céssco€ apenas uma pequens parte do que é (Rohrlch: 1253, 1255), Para.o homem, volta a ext, poranto, wm mundo sobrena- tural. Os efleulos ¢experizcias dos fscoscertamente demonstramn sua realdade. Mas esas experignciass6 adquirem sentido quando ‘ranscrtas em linguagem matemétic Aor olhos dos leigos (ot se 5 de quate toda a humanidade), esse mundo sobrenatural apresenta ‘as mesmas propriedades que o dos mitos: tudo acontece de um mo- do diferente do que no mundo comum e, fegtentemente, ao inver- 0. Para © homem comum — todos nds — esse mundo permanece inaingivel, excero pelo vis de velhos modos de pensar que 0 ere cialsa consent em restaurar para o nosso uso (eas vez, infliz- ‘mente, para o seu prépric). Do modo mais inesperad, €0 dilogo com a ciéncla que torna 0 pensamento mitico novamente atual. ‘Véviosleitores que pareiam terse interessado por livros co- smo La voie des masques (A via das mascara] e La patie jalouse [A oleira ciumenta} queixaram-se a mim de que eram difieis. Eu ‘admitria tal critic em relagdo as Mythologiques, mas, dirgida 8 ‘ses dois livros (este que public hoje é na mesma linha), surpre- endeume, pts eu os stuava a mei caminho entre 0 conto de fadas 0 romance polcal, generos aos quas nfo se aribul nenhuma di- ficuldade espesifca, Refletindo acerca disso, perguntei:me so incdmodo dos keto res nfo provira principalmente dos nomes de tibos que pontilkam ‘texto ¢ que, por nao representarem nada para ees, dar-Ihes-amn ‘a mesma impressio que se tropeyassem em palaras ef hebraico ov hints num texto francés. Mas épreiso que ex fornegatais nomes, pols sto necessérios para aqueles dente or meus colegas que sede. dicam aos mesmos estudes. O letor nfo emericanista pode se ex- ‘mir de ies dara mesma atenpdo. Bastaré que note a passagem de R um povo para outro, de uma familia lingitin para sus viinha ‘Os nomes tomados em si mesmos raramente poisuem um interesse Intinseco. Em geral, resultam de um acaso histrico ou de uma convengio. ‘As veres esses nomes slo 0s que os povos dio a si mesmos, co ‘mo Sanpoil (apesar da sonoridade francesa), Kalspl,Lillot te Alguns,difceis de pronuncar,cansaram até os espeialistas, que, fem ver de repetr pagina apdspigina nome ais eomo Nilakyapamux ‘ou Utamatamus, preferiram chamar os povos cue se designam as sim de “Indios do rio Thompson” (do nome de wm negosiante do inicio do sfeulo x1x) ou, resumidamente, “ndios Thompson”, spe cificando, quando neceséro, “de montante” “de jusante™. Um sufio (anglcizado em -ish,-mish que significa “gente” se encontra ‘emnomes cuj sentido éno mais desconecido, como Salish (graf inglesa, pronunca-s "Sdlish”"), nome que se dio os Fathead e que {io extendido como termo genérico a todos os poros da mesma fami- lia lingtistca, ou Skitswis, verdadeiro nome éos Coeur-’Alene. Pode-sereconhcer o mesmo sufixo nos ome que possem ou = cnberam de seus vizinhos a maioria dos grupos da repo de Puget Sound, tis como Skokomish (uma subdivsdo dos Twana), “gente do rio”, e Skyomish, “gente de montant ‘Outtos nomes,francses ou ingests, so ov traduzem alcunhas, como Téte Plate ou Flathead (nfo que sia anatamiafosse anormal, ‘mas porque ndo deformavam o ern alongande-o como virios po- ‘vos vizinhos), Blackfoot (pela cor de seus mocassins), Pendle, [Nex-Percé etc. Aos indios chamados também pelos angl6fonos, em francs, de Coeur Alene, *atibuiaseaerengade que um coragto pPequeno e pontudo é sinal de durera; marca de coragem, talvez,rei- Vindicada pelos proprios indos, ou acusagdo por cles diiida, di- 2am, contra nogociantee com quem lidavam. Bat iio exemplo ‘mostra bem o carder anedético que possuem muitas vees 05 no- ‘mes de teibos. Nada disso deve obnubilar 0 essirto do letor. ste ivro, que nfo & grande, tem uma histéia bastante long. Procede de das questes que me cologuei com véris anos de in- terval, sem lis perceber sua relagdo, Desde 1944 eu me indagava (©) Or nbs de vigem ane, ht ome Cowra Aline e Nex Pert ‘oso maior or sem age zd, sme apo torn ers fungi, Indu de nou ngs.) B acerca da natureza das organizapBes duaisas na América do Sul (Gnfra: 21255). Napoca, estava esrevendo Les structures élémen- fairs de fa parenté (As esruturas elementares do parentesco],¢ 0s ‘dados comparativs aos quaisrecorra (cap. VD) sugeriam que aso ssnizagdes dualistas em outras repides do mundo levanariam pro- blemas do mesmo tipo. Artigos publicados em 1956 e 1960 (Ls 3, «ap. Vit 9, cap. ¥) e minhas eonferénias dos anos 19579, na Beole ‘des Hautes Etudes (1 12: 262-7), marcam as estapas dessa relexto, ‘Mais tarde, o empreender L’homme mu, depare-me com una Aificldade que inicialmente supus propria, no Noroeste da Amécica ‘do Norte, da mitologa dos povos que compdem a fama lingisica sali, O problema pareiatfo especial que de incio me conformel ‘em deid-o de lado. Aludia ale, contudo, vtas vezes (vero indice Femissvo de Z’homtme nu sob as entradas Vent (vento] e Brouillard Inevoero)), prometendo & mim mesmo volta & isso um dia, Em 1968-9, suspendi meu programa de ensino para esbocar as grandes linhas esse problema, na forma de wm intermezzo (eu dca inter [idi) num de meus cursos no Coltge de France (1812: 7883). Na- aquela ocasido, tomaria consiénca de que os dois problemas — 0 do dualsmo sul-americano eo que scolocava na mitlogia do vento do nevociro numa parte restita da América do Norte — eram um 6, eque o segundo constiula uma experincia que ilustravaeveri- ficava num caso partiular a solugdo que eu tinha proposto para 0 primeiro. ‘Sempre na mesma linha, ereio que hoje épossvel remontar as Fontes Mlosbticaeéca do dualismo ameriadio, Bese inspira, pare ‘me, numa abertura para o outro que se manifesiou com toda a cla reza quando dos primeiros contatos com os brancos,embora estes {ossem animados de dsposicdes bem contréris. Reconhecer isso, «quando nos preparamos para comemorar 0 que, em vez de desco. bert, eu chamaria de lavasio do Novo Mundo, a destrulglo desses povos e de seus valores, é realizar um ato de contri e piedade. ‘Sintese de reflexdesdispersas ao longo dos anos, a redagto dest livo fot aborioss. Agradero especialmente a Eva Kempinski que, antes eenquanto datilografava o manuseito, indicou-me uma sie de eros ou de inconseqincias no palimpsesto complicado que eu The havia entregado, e no qual tantas verses sucestvas se inham embaralhado que et ndo conseguia mais me reler. “ Primeira parte DO LADO DO NEVOEIRO 1 UMA GRAVIDEZ INTEMPESTIVA Sobre 0 mapa esquemétio, em forma de abulelro de xadrez, em que s deslocario as pecas,escolheremos, para avangaro pri- miro pelo, uma casa de baixo, quase no meic.Escolhaarbitréra em seu prineipio mas que pode ser justifieada em parte, De fato, osindios Nez-Percé, que ocupam essa casaecuja lingua ¢aparenta- da as de seus vizinos Sabaptin, contam duas versbes muito dife- rentes do mito que diseutiremos ao longo de fodo ete lvzo: uma versio reduzda e até, pode-se dizer, minima, e uma outa, desenvol- vida a ponto dete desdobrar em duas histrias que, embora imbri- cadas, cumprem fungdes etiolégicas dstints, Presents na mesma ppopulacso, esses dois estados do mito, um cntraido eo outro dila- fado, permitem apreender de um tniso golpe de vista o motivo de ‘base comum a todas as verses — que podemio: quaifear de cons- ante —e, assim, avallat a extensdo eas propriedades do campo Semintico no seio do qual o mito se desdabr. ‘Comesaremos pela versio curt, Aantigtmente, numa adeia de ersturas animals, vvia Gato Se- vagem (outro nome do Lince) Hl era velho, sirnento, e se cogava ‘constantemente com sus bengal. De vez em quando, uma jovem «que viva na mesma cabana pepava a bengala para se cogar. Gato Selvagem tentava, em vio, dssuadi-la disso. Um belo dia, a mara fe vin grévida; dew & luz um menino. Coiote, outro habitante da Aldi, fou indignado. Convenceu toda a poplagio ai vver nov- t0o lugar e abandonar & sua prépria sorte o valho Gato Selvagem, sua mulher € filho de ambos. Gato Selvagem, de cabera cobert, 1 saa da cabanas faltava comida Finalmente, OatoSelvagem te- ve pena da jovem. Pediusthe que cavasse um Wuraco nas redonde- 14s, enchendo-o de 4gua aquecida com pedras quentes. Bankow-se ” = ove feel on won auardonten ere] | bere ura eae a 2. *Tabuleir de 2adre”. Bm ina, eases ceupadas pelos povos, (que no pertencem fom lings sash nessa gua ¢em seguida mergulhou na égua friade um cbrrego. To- ‘das as cascas que lhe cobriam o corpo calram. Ele apareseu como ‘um belo jovem epartiu& caca, Desde esse da, a abundénca einou ‘Aproximadamente um mis depots, Pega, outro abitante da al deia, quis saber 0 que tinha acontecido com 0: inflizes. No local 4a antiga aldeia, vin uma crianga comendo um pedago de gordura, FFaminto, Pega roubou a comida da criange, que se psa chorar ‘A mie convidou Pega para comer, deu-iheaiéprovisoes e Ihe pro- Os voltar com familia, contanto que guardasse osegredo, Desde ‘que Gato Selvagem descobrira a eabera, um denzo never invaira ‘nova aldela, tornando a capa impossive,ereinava a ome. Assim, todos se espantaram com a festa da familia de Pega, que teve de confessar. Por ordem de Coiote, todos rtornarem a aldca abando- ‘nada. Gaio Selvagem acolhen afavelmente seus antigos compante ros, deretou que ndo haveria mais neverzoe tomouse 0 chefe ds aldea.! ‘© antagonismo entre ince ¢ Coot, impliito nesa verso, apa rece em primeico plano em outra. Essa nfo nica diferengs entre as duas verses. A herina da verso que acabamos deresumi tem ‘maus modos. A da versio desenvolvda é uma jovem modest ben- feducada; em vez de viver na mesma eabana que um velho doente ce repugnant, vivena cabana reservada para as mogas. Cera noite, fla sai para urinar,Lince a v@ e urina no mesme local. Ela engravi- da sem compreender por qué. Tem um filho que chora sem pore. ‘Acham que € porgué sents falta do pai Coiote manda cada um dos ‘homens da aldeia pear beb& no colo. Sua intengio acalmar a cianga colocando sub-repiciameate um pedaso de miolo em sua ‘boca e se fazer assim reconhecer como seu pal. Ngo funciona, Os ‘homens falham um ap6s 0 outro. Lince, de consiéncia psad, ‘mantém-se prudentementeafastedo, Obrigam-no a tena ea rian 8 se acalma imediatamente Coiote, que deteta Line, exige outro teste: um concurso de «aga sob seu comando. Aproveita sua fungdo para tapacear, ma- tando sua caca antes escondendo-a numa devereoca. Mas, quan- ddo amanheee, Lice arranca um fio do bigode, enfia-o na tetra © ‘cal um denso nevoeiro. Ninguém v8 mais nada e Coote procura em ‘io seu esconderijo. O tempo sé clareia depois que Lince mata set primeico animal e raz cara ‘A mulher era uma ave Viteonidea. Coiot,cheio de rancor, ins- familia dela contra Lince. As aves atacam Lince eo colocam ti » para ferver. Presentindo este destino Fatal, ele tnha pedo & mie Ther que recohesse um fragmento, por menor que fose, de seu cor- po. Novamentetransformada em ave, empoleirada numa drvore, cla espera até que Colote eos outros habitants tenham deixado a cone {Go crime, Encontra um minisculo pedaco de oss, embrula-o cu ‘dadosamentee constr uma cabana para abrigar-e com se fh. ‘Dia apds dia, ela ouve fracosruidos que saem da pele de cerv0 ra qual tinha colocado o osto, Finalmente Line surge de dentro ‘ela, com o corpo quebrado ecoberto de feridas. Banhos de vapor fo curam, Nesse momento, Coiote fica sabendo das novidades. En- Contra Lince na aldela abendonada, decara-seinocente,acusa Ur- ‘0 deser o eulpado, induz Lince a vingar-se e Ihe promete aux. ince aceite; Caiote vai casa de Urs, diihe conselhos péfidos, faz com que seus cinco fihos eaiem numa emboseada. Lince os ma- com uma inca fecha, fabricada com um fio de su bigode, que atravessa os cinco corpo. "Ao peteeber que seu mito Coote o traira, Urs vai ao seu en ‘ealyoeo fer, Colotese transforma nam velho repugnante,carcomido por parasites, acompanhado de um cio coberto de feridas, ambos {ao horrivels que ninguém ousa se aproximar dels. Urso aparece e ‘fo reconhece Coiote, que incita a atravessar uma pessrel inse- {gura. A passatela desaba e Urso se afoga no ro que corre por baixo, ‘Coiote seu compadre Rapota cozinham-no num forno de terra. A ‘mulher de Uso, tendo perdido o marido eos filos, viverdescondi- daa partir de entio O género Vireonieo, prio do Nove Mundo, conta com uma. “via de especies no hemsfrio boreal, algumas sedentrias, outras| mmigretsrias. Sto pequenas aves inseivors, lentas ¢ pouco descon- fiadas, de coloragao varldvel mas sempre disereta. A Pega da outra versio por rua vez, uma ave apitala e que em virias ocasies. Como vimos, demonstra uma expecal falta de reserva. ‘Nas dus versdes, Line aparece como senhor do nevoeiro, criando-o¢ dispersando-o a seu bel-prazer.E éum outro ginero de rnevoeiro — benéfico ao invés de malficoe quente ao invés de rio TTo banho de vapor, que cura Lince e Ihe dé juventude e beleza. [A segunda versio asrescenta a ese par de termos o forno de terra, tava no solo eaquecio com peas ardentes (como 0 banbo, subs- tituindo a estufa, que também aparece nessa versio). Nevocir, e- tufaeforno de terra formam, portanto, um tridngulo em que o ne voeiro corresponde, na orders da naturera,& estufa © a0 forno de terra na ordem da cultura Fa (© proprio texto deixa claro que a segunda versio no introduz ‘9 motive do forno de terra de modo fortito: mato antes de matd- Jo, Coiotee Raposa combinam cozinhar o urso desse modo. Me- Tor ainda: Lewis e Clark, que bem no inicio de séeulo x1x foram ‘os primeros visitantes brancas dos Nez-Perct,contam que era cos- fume entre esses Indios cozinharursos sobre um ito de pedratsr- dentes. Camadas de extnee de galos de pinto eram colocadas fem alternincia, com uma camada de galhos de pinheiro molhados ‘com daua por cima de tude, finslmente, uma camada de terra de tans dee cetimetros. O cozimentolevava por vel de tr horas © deixava a carne mais macia do que setvese sido assada ou fervida, mas com gosto de resina.? ‘Um mito nez-pereé conta que Ratio-do-bantado cavou um for- no de tera para covinhar came de uso.* A mesa téeica culndria foi reqistrada entre os Kikta, de lingua sabaprin, num mito em- prestado de seus virinbos Cowlitz em que um valho chamado Co- “inha-sobre-Pedras-Quentesjogasuessivamentetréswrsas na brasa diz a cada uma delas “Assim serd doravante, Cozihar-te-emos Sobre pedras aquecidas no fogo"”? ‘A.ulizagdo obrigatéra de galos de pinheir, que davam A.car- ne “um sabor particular, dsagradvl para a mor parte dos bran- cos" coloea um problems que dexo provisorismente de Indo (ct infra: 11158) ‘Outrasdivergtacas entre as duas verses devem ainda ser ass naladas, Por que, numa versio, ince ea herofna vivem na mesma cabana e, na. outra, em cabanas enre as quals o costume preserve uma rsida separacio? Por que a heroine & num caso modestaere- eatada , no outro, 0 oposto Gi que, vem dar oxvidos as censuras 4e Lince, toma-the a bengala para se cops)? A nurradora da sequn- 4a verso fornece indrstamente resposta, ex-sindo a moral do mito: “Auela que €considerada superior edifel de obterem cass- ‘mento, aque acha que vale mais do que as outrasmulheres,acabard tendo por marido um homem pobre «som belezs"."E de fato,nes- saversfo, ince ressuscitae fica curado, mas vltaa ser como ea 1no inicio, pobre e flo; ,além disso, desaparece 20s dois tergos da intrga. 0 interesse se volta ento para seu amigo Coiote, que cole- ciona sucess; no final, vence indvidualmente curso, emboraesse animal sea em geral eagado de forma coletivs,razHo pela qual ua Carne era consumida em comum.* E Cofote, portanto, que desem- pena o papel de her6i, &diferenea da primeira versio, em que o ‘easamento descombinado com Lince acaba sendo vanajoso para 8 a heroina: fisicamente, 4 que Lince se transforma num belo rapaz: cconomicamente, pos torma-e grande casador;e socialments, por ‘gue acabard sendo chefe de sua aldei ‘Osmeiosempregados por esta versio se situam mais do lado da cultura: a bengala, meio da fecundagio, © chapéu ov aba de vest- rmenta, meios do nevoeiro, sto objetos manufaturados que se op8em, ha segunda vero, durin, meio da fecundagio eo fio de bigode, melo do nevosro, ambos produtos orgncos. E, se a segunda vet ‘0 constr um sistema triangular com onevociro aestufa©0for- no de tera, consti igualmenteoutra com a urina o flo de bigede fineado no solo eo fio de bigodeairado como uma fecha. Essa 0p0- sgdo entre eo vertical e exo horizontal éreforeada pelo fato de que, tm sua segunda tiliago, o fio de bigode expeta de uma vez os cin co ursiahos: meio horizontal de uma cagasuperiatva, ao passo que fo fineado vericalmente uscitaonevocio, ao qual omitoatribul 8 fungdo expla de tornar a caca impossve. 'A relago entre chapéu ¢ 0 nevoszo merece atengo especial. la reaparece no outro extemo dessa rego do Noroese, onde crcu- lam (tlver se devese dizer estagnam)tantos motivo mitologicos ‘comin a suas diversas populabes,Os Tlingit do Alasca¢ os Tsim- Shien da Colimbia Brténia atsTbuem ao demiurgo um irmo, que provera 0 nevoero quando tra o chapéu e 0 coloce ao contro ‘a piroga® Seus vzinos Kwakiulacreditam que os gémeos si ca- pases de incorporar o nevosira metendoo dentro do chapéu eaper- fando-o contra o peto.” Ora, no pensamento dos indios da Amé- rica ¢ ceramentealhures,o chapéu cumpre a fungi de mediador fntte alto eo aio, o cfu ea terra, o mundo exterior eo corpo. ‘Desempenha o papel de intermedirio entre eses plo; reine-os 08 ‘separa-os, denendendo do caso. © mesmo ocorre, como esrevi Ot- trora, com o papel do nevoelro,alternadamentedisjuntivo ou con- juntiv entre alto e bao, oéu¢ tera: “termo mediador que junta txtremos e 08 torna indiceraivels, ou se Interpde entre eles de mo- {do que eles nlo podem se aproximar”."? Ou sea, expresso em “c- ‘yede Agua’, um pape déntco aquele que outros mitos, que = ex- pressam em "lave de fog0”, atribuem a0 fog0 doméstic: or sue presen, 0 fogo de csi eva uma disune toa ee une Dba ea terra preserva ohomam do mundo padre qe he cabera eo sl realmente deaparcete, Mas sa presnga 6 também intr posto que equvalea caer que afesta sco de uma conju to- fal da qual rsltaria wm mando quimado.® 2 | Na reo da América do None que aqui mcs interes patcu- lament, prevalece a conepedo de um mundo em quatro andares. ‘Onevodroocupa o andar nediatamente seis do nos.” Ainda segundo of indios Thompron, na oigem o mundo erestreeraquen- tere vemos era muito so." Segundo os Test, era plano € ‘quent, sem Agus, nem chuva, neve, vento ou never. Pasava-se fome. Esa situa durou até quando os anil asearam a ab6 tad celeste eHberaam achive e a neve Not tempos mio, ‘lem os Coeur Altne,o cima no cra igual ao de hoje! veoeo, ‘vente seco, sem chuva nem neve Tamim no havi neve se tnd os Kunal” "Anda que nfo concordem quanto &exstteca do vito, exes laos evocam um tmpo em que onevorr ea desconecio: © ‘evoero que outfos mitospersonifcam sob o ome de “Home. ‘Nevoriro" grande eapador¥ Todas exes eens parece dar 80 evotro un contayao postive. Podem-c cot virios mits em ‘eo nevose,confundindo océu eaters, pete que um deter. Ihinad protagnita escape de seus prsepudores (nderados em home rt Ms Maaco Maan» Mas Magn Mor, Mg .)- ‘Aslendas clas tibet oo necro a eam mbighdade ora ‘indo, ora impedindo 0 caso a outro mundo.” ‘As duas verses da histria de Lince que nos ocuparam até 0 momento provém dos Nez Pere, habitantes do Indo oriental da érea lingtistica sahapsin. O que acontece do outro lado? Lé os Kiktat confinam com os Cowlitz, representantes da grande fami lingis- tica salish, que se estende, para o Norte, pela costa eparao interior da Colimbia Britiniea. Os dois povos contam a hstria de Lince ‘quase nos mesmos termos e se afastam das lgdesnee-pecod em dois ‘Pontos principais. Em primeiro ugar Linee chamado aqui de Gato Selvagem), fio, coberto de vermese cascas de frida, fecunda a f- Tha do ehefe euspindo do ato dentro da'boca da mora, que ento tum canto ritual. A seguir, e mais importante, e ele recor, como alhures, 20 bano de vapor para se curar e até conseguir juventude ebeleza, nada indica que sea o senor do nevoeto: afome que ras- sa na aldeia de seus persegudores se mantém imotivada.®” ‘De lingua sash como os Cowlitz, os Coeu-’Aléne, vizinhos setentrionas dos Nez-Pereé,contam que Lince engravidou filha {do chefe por um ato de pensamento, ov entfo outra versio) que ‘ tomou por esposa sem o consentimento do pui dela. © melo de 23 {eeundagio comporal (casas de ferda, urna, saliva) desaparecepor- tanto, A extufa também desaparee, pois, nas versBes coeur-d'al- nn, Lince espezinhado, reduzido ao pélo, sepultado pelos aldedes ‘sts se massagela ese embeleza, Neste momento do relato aparece ‘um outro motivo, ao qual, como veremos, a outras vers6essalish dedicam um haar importante: a mulher desijltadamente interrompe f tratamento auto-administrado por Line, seu rosto fie franzido conserva uma fea residual Falta também o motivo do nevoeiro o mito ndo expics a fo- sme quereina na aldea. Contudo, por um eto frequentemente cons- {atado quando se atravesca uma fronteiralingbistica, © motivo no falta simplesmente, ele se inverts. A filha do chefe consents em aco- there alimentar seu pal arrependido, mas exige em contrapertida ‘que ce the dé a capa azul de Péssaro Azal” segundo uma versto, ‘colar belo e azul” desse mesmo pisaro segundo outrs.* O pis saro cm questio, chamado de Melro Azul no Canadé, ¢ um Turdi- deo do gener Siala que, dizem os Salish da costa, canta quando hove — 2 mas talver para anunciar a volta do bom tempo? Pois fesse capa ou colar, bela e azul como o cfu sem muvens,nBo esté ‘muito longe daquela de que falam certosmitos dos Salish costeiros (capa que tora “glorioro e resplandecente o sol de meio-aia") Se ess aproximagio é lict, dela resulta que a capa azul do mito coeurdaléne eo nevoeito dos mitos nezpereé esto em relacbo de fimetria e que, pelos meios complementares do nevoeiro dssipado ‘ou do céu claro obtido oe mitos sempre acabam com a volta ao bom tempo (infra: 151-4), "A diferenga entre as duas férmulasconcorda perfeitamente com o testemunho de Tel, que afrma ndo ter encontrado entre os Coeur {Alene nenhum trago de rena sobre a orgem da luz e da escur- ‘fo, nem sobre a das nuvens ¢ do nevoiro* © mesmo autor sere fit, no entanto, te compreendido que, segundo ees sndios, © ‘mundo estavaoutrore mergulhado ne escurido e os homens se mo- ‘iam is ceeas; e, como ele passa em seguida para a origem do sol da lua, poder-seia concuit que © pensamento indigena correla ‘ona a escuridao (notuma) e 0 nevociro (diumo) de um lado, a Tua e 0501 do outro, hipdtese qu a seqincia das transformagées rmiticas confirma. "A estuf, mas no 0 nevorzo, reaparece a noroeste dos Coeur ‘a’Alene, entre 0s Sanpol. Elescontam que Lince,velho, fio, co- berto de feridas purulentas, vivia solado. Um dia ele surpreendou 2 filha do chefe — que reeusava todos os pretendentes — detada 2» J "Z Povos da repo de Puget Sound e do baxo Columbia ccadormecida numa pequena cabana semi-nterrads. Cusptlhe na boca som o resultado conhecido. Magoado ¢ferido pelos habitan- {es da aldia, Line fechou-te numa estufa, mas sua mulher pentrou- ‘cada demas, "Seu corp tha se tornado sedos0, delicudoe belo {As ferdastinham desaparecido, Mas 0 rosto continuavafranzido fem torno dos olhos.” Linc prendeu todos os animais e uma grande fome se abateu sobre alela dos agressores. Um deles, Comvo, fo fazer um reco- ‘hecimento no acampamento de Lince, co flho brincava com uma bola de gordurs, Corvotentou tira dele. Surado pela miedo me- nino, perdeu no choque uma parte do itestino grosso. A mulher ‘egoure,encheu-a de pordurae frtou-a. Corvo recuperou 0s sen ‘dos ea mulher Ine ofereceu esse chourio; ele quase morreu quan- dd, de volta & sua aldeia, sus filhos comesaram a comé-l.* ‘A leste dos Cosur-d’Aléne, of Flathead, também ée lingua sa- lish, ignoram @ motivo do nevoeiro. O da estufa s6 aparece entre les sob a forma bastante enfraquecida de cobertores nos quals @ ‘mulher embrula os restos de seu marido ‘para que se snia aqueci- 20”, Segundo a mesma versio, Lince engravida acieatalmente & Iherona debxando cair sobre ela um flo de saliva ‘A presenga ou auréncia do motivo da estfa requerem certas ‘observagdes Vériastribossituadas nas vieinhangas da drea central ‘lish dvinizavam a estufe. Kwilsten, “Estufa”, era o nome do de- Imiurgo dos Sanpoil e dos Okanagon. Ao deixar os ancestrais dos {ndios, disse Ins: “"Nao terei corpo nem eabera esereiprivado da visto. Quem quiser poder construir-me. Deverdrogar-me para ob- {er de mim beleca ou algum outro favor [.-] Eu sou Estufa, para sjudar os humanos”.2” Os Thompson oravam pare Senhor Esta ‘ue, para eles, era também o Vento, uma de suas divindsdes tr- bals# Os Shuswap chamavam o espfrito da estufa de Swals, une palavza que talver sigifique ‘osto aberto” ou “descoberto”. Eire o Lilloet, Quaflus,o espirito das montana, era também © deus da esta? Por outr lado, nfo parece que o banto de vapor ten tido ‘uma grande importincia entre os povos de lingua sls estabeecidos ‘a costae na regido de Puget Sound.§! Os Twana nfo Ihe davam nenhuma importance; era, aseu ver, “uma cura secular, lca, sem implicagdes tamdnices”.* Os Puyallup-Nisqually nfo viam 0 ba- ho de vapor nem como obrigacdo nem como convenitncia social, ‘mas como mera questo de gosto pessoal.” Mais ao norte, os Lil Tet nfo utlzavam aestfa tanto quanto seus vzinhos do interior, % 5. 0 Linc do Canad Lyx canaens9, ‘os Thompion ¢o Shuswap." Ela teria inclusive slo desconhesida pe- Tos Nootka, povo delingua wakashan estabeleido na costa ociden- tala ila Vancouver. Percorrendo a dre lingisticesalish de ls- te para oeste, nota-e, assim, um enfraquecimento progressivo do so da estufa, até seu possivel desaparecimenso mas além. ‘Contudo, no centro da Sea costira, os Snohomish tm uma ‘versio bastante idealizada do mito, e de varios modos. Ela spara {todas as arestas, Lince (aqui chamado de Gato SeWvagem),velho hor ‘vel ecoberto de feridas,engravida a filha do chee com sua saliva, ‘mas involuntariamente e por descuido. Além dso, no momento do teste de reconhocimento do pai, trata de pedi um cobertor de penas para nfo contaminar o bebé quando o toma nos bragos. Quando ‘0s aldedes abandonam o easal,Gralha dena srrateiramente uma brasa, meio de reaender o fogo. O velho Lince quer liar a mu- ther de sua presenga ese afast; com pena, ela parte & sua procura (apes de ele Ihe ter ordenado no fazer nada) eo encontra aps ‘avis as, nama estufa, dentro da qual dle setornoujovem e belo. ‘Como ela é apressada demals, Line conserva uma frida na testa, 2 ‘Bm verde causr a fome na aldea de seus perseguidores (pelo nevoeiro entre 0s Nez-Perct; prendendo os animais entre os San- poi), Lincerealiza uma obra de eragio: transforma a sera da ntga alia em sees humanos de todas as idades e extados que cons- troem casas, escavam pirogn, trangam cests etecem cobertores: a origem das artes da civlizaglo, Depois disso a aldcia dos perse- ‘uidores se desintegra, obrigande-os a retomar & antiga aleia. ‘Finalmente, a versio snohomish se apresenta como o mito de “origem da estufa: “Cato Selvagem decretou que aestfa seria mi to il a seu povo. Todos podiam ver 0 que 0 banho de vapor tinha feito por ele. Assim serd doravante: 0 banho de vapor purificaré ‘as pesoas ees devolved a Forgas”, Conclusio: é preciso respel- ta 03 vehos.™ ‘Considerado em seu conjunt, o campo mitico parece ser, por tanto, paleo de uma dupla osilagfo. Uma diz rexpeto& este, ora ‘mediador sobrenatural que tem Seu lugar no pantedo, ora prética higinicacuja origem lendéria €narrada por uma verso. A outra ‘osellagdo diz respeito & personagem de Lince, cua conotaio varia entre negatva (quando provoca a fome peo nevoeiro que torna 8 ‘aga impossivel; ou, o que ver a dar no mesmo, prendendo todos ‘os animals) epostiva (como criador de uma nova humanidadee das frtes da civlizagdo), Neste ultimo estado, sua personagem quase ‘coincide com a de Lua que, para os Salish da cosa, é 0 her civil Sadr por exceléncia. Veremos mais tarde o intresse dessa aproxi- ‘magi (infra: 131 s.). Em quase todas as verses, ait, Lincepos- ui uma natureza ambigua: velho, fio, doenteno inicio, jovem © belo no final," mas eujo rosto permanece marcado por una fea residual que correspond, apareatemente, a julgamento estico que (0s indiosfazem do proprio animal (os Kutensi chamam 0 Lince de ‘cy "As eens ou fia ebro tas com smemplisro ov nesta fede ma mitre de gra dna po dence previ oi ton Nioteo cnt de un tof par door rine quot ‘tiapeor todo o oor ma cso eds) exo ores dino eaceitan {ical des od ua schon es peoples medina oth” (Sah, She None Coat, Sern ex reas, swf do mio, peo nas {nome dao so nial engi, os dle lai? Eifel ee isi, ‘Sey tt vues eta iz Ge unas de in). ‘Quo nro sue de Svan," wd eto aye sin, cone otra exten dos expo do tar Linen Assen do Nore: Lp can etm inl une pmo Wea «Ly rs geist Bea: {ig ponents prg or norte paren copes a eos versace 28 ‘Cara Curta”).” Outro aspecto da mesma ambighidade:tstemu- hos que vio da Califérnia do Sul até os Atsapaskan do Norte ‘opdem a came do Lince, gerslmente desprezad, a sua pele, conse Gerad @ mals preciosa de todas.** “emotes vag Levande sem cota hibit cramente mae meron! (oy (GE Sl do iad as 0 se, prese pov gue 9 ‘ee de Somes iso aja ga 9 Lp ened ~ 2 COIOTE PAI E FILHO ‘Um mito cenrado na personagem de Lince pode, como vimos, slargar-se para dar lugar uma outra personagem, Coiote, erelatar sua rixas. A dualidade dos protagonistas aparece de modo ainda mais dlaro entre 0s Thompson, a ponto de esses indo s vzesdesdobr em omito em duashistriaschamadasrespectivamente ‘de Lince” do filo do Coiote". Comecemos por examinar omit inter, cujos «pisos numerare, para poder em seguidasitulos mais facimen- te uma das duashistériss, gui consoidadas num dnico reat, 1, Numa aldeia, uma mora jovem e bonita recusava todos 0s pretendentes. Cansada da insstacia dels, certo dia fois refueiar com a irma cagula na casa de sua avé Muflgo americano (Ovisca- nadensis 2. Apds vérios dias de ceminhads, passam perto da cabana de CCoiote, ue provoca um grande fio para que elas entrem em sua casa ara se aquecer. ServerThes um Jantar dlzendo que ¢ gordura, ‘quando na verdade € seu esperma ressecado. A mais vlha descon. fia, joga um pouco da substincia no fog, coastata que erepta © ‘az fumaga em vez de se inflamar; recusa-se a experiment. ca ‘ula cede tentagdo e engravida... As ims retomam sua camiaha- da, Coioteseadiant a ease utlza a mesma artimanha quatro ve- 22s seguidas. Afinal a capula est prestes a dar & luz Coiote anun- ‘ia que mata a eranga se for uma menina cudard dela se for urn ‘menino. A mais velha deixaairme, que e tornou mulher de Coio- te, e segue sonia o sev caminho. carn agen de for ites eras. O soe spices, dar eae ae erp. A ote Siero ‘tea Aa Osea ew Ama do Noi NE) 30 3. Avisada por seus poderes magicos de que a jovern ndo est Jonge, a avé envia Lebre ao seu encontro com algumas provisses, Lebre se esconde atrés de um tronco caido que ertza 0 caminho, ‘no qual a vajantetropesa. Emboscada abaixo dela, Lebre vé sa vulva vermetha e zomba dela. A mosa bate nlee faz um buraco em seu nariz com seu bastdo, dando 20 focinho do anal forma ue possu desde enti. 4. Assim que avis jovem, a avé organiaa uma comida entre (0s diversos animais (entre 0s quais Linc) que povoam a acia: © vencedor a terd por esposa. Quando Colibri etd prestes& veneer, v6 0 ultrapassa; agar a jover e a tranca em casa 5. Linee, que aqul & jovem belo (& diferenca das verses jé ‘esumidas, faz um buraco no telhado, acime aa cama da jovern, Engravida-e cuspindo em seu umbigo, Ele dé i luz um belo meni no, de pat desconhecido, Decide-e que todos cs mechos de aldaia apreseniardo seu arco e suas flechas ao bebé, Este nio se interest ‘nem peas belssmas armas que Colot fabricouespecialmente para ‘ocasio. Lince se mantém afastado, & empurrado para a frente 6, apesar de suas armas serem grosseras, © menizo as celta e assim © reconhece como pai, 6. Futiosos com o fracas, Coiotee os outros aldedes se lane am sobre Line, destiguram-no e psotiam-no, Abendonano con ‘| moga eo bebé. Ela cuda de Lince e cura suas ferides, excelo no Tosto, que fica felo e enrugado.* Antes desarem de aldea, alguns habitants, piedados, tinham {Aeixado um pouco de pexe seco. Mais tarde, o iho de Lince, que Se tornara um grande cagador como pai, agradsceu-hes com pro: vies de gordura, 47. A iema cagula, mulher de Coiote, por wa vez, deu & tuz ‘quatro fihos chamados eolvamente de “0s Tiamd et” anit. as duaschoraramn igrimas grossas, que cairam pelo buraco emolharam o irmio. Isso osurpreende, pois, os tempos miteos, a chuva ainda nfo existia (upra: 23). Ele subiu para consolar as mocas, que lhe pediram para junto com ele. Ele eoncordou, mas por tes vezes seguidas elas ‘no conseguiram mante os olor fechados durante a descida, © que rovocou sua reascensio, O homem, desanimaco, aconselhou-as & iter com sua tia Corga (inglés el designa na América do Norte (0 Cervo wapiti, Cervus canadensis). E recomendou que no paras- sem na camino. ‘A partir desse momento, ¢a nfo ser por pequenos detahes, etornase ao mito thompson que era tema cexral do capitulo an- terior: qutro paradas suestvas na casa de Coit; rm carulagré- vida ("Se for menina”, diz Cojote, “eu a cro; mas se for menino ‘penduro-o muma drvore”); piso da Lebre;chegada casa data; corrida de pretendentes da qual partcipam todos os quadrpedes ‘eaves, exceto Coote, Linge, Lebre eum Cervideo (Odocoleus, 8- ‘écie nfo definid). A tia Corga passa & frente de todos, agarra a Sobrinha e a prende num ceso, pendurado acina de sua cams. ‘A segiéacia é a mesma, a nfo ser pelo fato de Lince,tratado ‘ecurado pela mulher, cagar para sua pequenafumfia mas prender ‘todos 0s animais no alto de uma colina: “Pura, Lobo, todos os melhores cagadores [...] nfo encontravam mais aca, Reinava a fo- sme”. Uma seqitnei final, encontrada entre os Sanpil (supra: 24) recuperada por esta versio, relataa visita ds Corvo eo retorno dos aldedesarrependidos, que Lince prove genetosamente de care: "Ble dew a maior parte da carne eda gordura cules que o tinham tratado bem outrora; para Corvo, Colate os outros ele ndo dew quase nada”! ‘0s Thompson também possuem algumas variants, das quais feteremos apenas os pontos salientes. Numa des, o her encoraja fas irmis ¢virem unir-e a ele no mundo inferior: “bela tera em {que nfo cai chuva nem neve, onde ndo faz nem muito calor nem Inuito fro", Mas es mulheres feam com medo de descer eo her8 apiedado, vlla para junto delas? ‘Uma versio bastante diferente (mas ef. infra: 181) conta que sum herdichamado Teskikik(provavelmente um Chapim, Parws sp.) tinha uma ima que o acompanhava na caps, apesar de sua probi- ‘lo, se langave sobre o animal reotm-abatido para como. Furloso om esse comportamento, cle feru a jovem, que fugiu ese trans- 2» formou em péssaro kegwa, possvelmente a Terambola-dourada (Plvials sp.). © irmao se lamentae, desde eno, o canto do ps ‘suro,fcskik, parece der: “Ob! minha irma eagula!”™.” ‘Mais divergent ainda, uma terceca versio coloca em cena dois fnmos. Um deles cert dia desaparecen, no alegre mundo subttr ‘eo das formigas, onde se joga bola o dia todo. O outro irmo con- ‘equ chegar até le, pelo buraco dalareira. Pasaram a viverunidor e feizs, no mundo das formigas.* (0s Okanagon, vzinhos dos Thompson lest, comeeam como ‘ites oreato, mas prossequem de modo diferente, Depois de as duasirmis espionarem o herbie roubatem suas ‘conchas (equi pata enfeltar suas bonecas), ee, indignado, convence os paisa abandonar as transgressoras (esa verso contém uma fa- mila completa). Resta apenas o eo, que arranba o chao perto de uma peda. As mozaslevantam-n, avistam os pais no mundo infe- rior, choram e suplicam; a mie se apieda e pede ao filbo que Va ‘busca. Ele ent votar para baixo com uma maga sob cada brag, ‘as elas ndo conseguem manter os lhos fechados como deveriam, ‘cle fracassa ts vezesseguidas. Entio cle aconselha as ims ier viver coma av6 erecomenda que nfo acitem a comida rangosa gue porventura les for oferecida no caminho, As mogas partem, che- ‘gam 2 um rio, chamam um passante. Ee diz que sua piroga ext ‘quebradaeinccs um vau rio absixo.* Eas chesam ao acampamento 4o desconhecido, que Ihes serve um prato de gordura, da qual s6 ‘acapulaprova, "Se for menino”, exlama imedatamente o homem, ““poupé-lowemos; mas, se for menina, aogda- emos!” Por estas palavras, a mais vlna percebe que a ir esd grévida, Ela pula qua: two ou cinco vezes e manda airma imitél, tomande o cuidado de ‘air exatomente sobre ax sues pegadas. Tsia nfo eousegue, © da 8 Juz um menino. Fica com seu sedutore o bebé, ‘A mais velha segue viagem, passa a noite numa cabana onde ‘enconira gordura deixada por Lebte, que Line tins enviado a0 seu encontro, Mas ela consome apenas as suas préprias proses. Le bre, escondido debaixo de um tronco caldo, evista 0 Sex0 da jovern ‘quando ela transpde otronco; ele d su vulva branea (emo ver melha como supra: 31). Amozao golpea no nariz com um bast, () See oomesigis “Aaa on tae “Give Otago ona as soem, gue deenpenha o meso poe a ere Rn ca 5 pis tesa apr de penance dai sa, 0 Bla chega casa da avd, que esté rachanco lena, ¢ senta-se, sem sernotada, sobre o toro. A velha percebe ru presenga porque os golpes de machado nfo ressoam do mesmo modo. Ela pega a ne- taeamantém enclausorada, mas segredo€ logo descoberto ¢to- dos os jovens da aldeia querem casur-se com ea, Um dia, estando ‘2.avé ausente, Lince 0 esperto, sobe no tethato e rina ao longo do vigamento. Uma gota cai na boca da jovem adormecida. Logo tla dé luz um menino, Os aldedes, de esprite mais aberto que os das outras versOes, reinem-se para fstearo aconicimento. O be- 18 passa de mio em mo. Mocho o rouba, lev-o embora ¢era-o sem que ninguém se opona, pois era uma pessonagem poderose, Aue todos temiam. ( menino crese ese torna bom cacador. Um dia conseguem abordé-lo econvenct-o a retornar para junto dos seus. Mocho par- ‘wh sua procura, mas os fugitives, que tinham atravessado um rio por um tronco, pediram aos earunchos para rcé-lo. Otronco que- bra, Mocho cai na égua, os caranguejos se langam sobre ele oimo- billzam. Ele morre afogado. (0s fugitivs, exultantes, chegam perto deum lago, Faz muito calor. 0 jover —- que, lembremos, 0 filho de Linc cuja histria, aqui contada, corresponde simetricamente & do filho de Coiote — fica com voniade de banar-e se afasta da margem, apesar dos sviss da mie, Chamam-no de volta, ele finge nto ouvir, se enfin ha gua ereaparecetransformado em Mergulhdo (Gavia sp.) A este dos Okanagon, os Kutenal que constituem um folado lingistco,* possuem versOes bastante diversas, Resumo-s ‘Gamo mandava suas irmas Gama e Coreat®jogar na égua as partes crtlagnosas da caga que taza: I, elas se transformavam fm conchas dentais. Um dia, as mogas roubaram-nas. Seu irmfo feocontros habitantes da aldela,iritads, resoheram emigrar para ‘9 mundo inferior, sem permitir que as infratoras os acompanhas- fem. Eas entfo patiram sem rumo, atravesaram um rio monta- das em pernas de pau, acctaram a hospitalidage de Melro-d"égua, (Devos ua finde exc gu conga cmprede, eto ‘ti La oder macys ipa xii 9) pec em ges intnados 4 eta te eda "Sapa" om me "Kater (ro, que paso depers, sept a ees pesteces Po, 17,» ‘Hern: Poke, 198 p30, em gue ome feted lense ("Ess ers sho npr, Empreacos por eomodiade, por fat de resi inno eye do peer Odeo, ue cons cm Gass, abs ‘enor: qu © Cs a le engravidou Corga, a capula, dando-The sangue cozido para co- ‘mer. Corsa, a quem a ima tinha ordenado que andasie sobre suas egadas, ropezou e deu 8 luz um menino. Gama mandoua de vol ta casa de Melro-d'dgua e Corea enfiousthe a eabega na gua para vingarse. ‘Gama seque viagem sozinha. Encontra Lebre, que te recurs 8 Jevésa aba casa da av6 Ra enquant ela nfo concordar em cham&- Jo de esposo. RA esconde a neta, que Lince engravida sub-repticia- ‘mente (uma outra versio conta de que modo: Linceenfia quatro élos seus no solo onde & mora costuma urinar). Gama dé luz um ‘menino. Os rs so abandonados. ince traz bastante carne deco- ‘20 passo que os aldeses, em sua nova moradia,passam fome; eno eles retornam. © menino ¢ passado de mao em méo, Sapo ¢eMocho raptam-no, Gama os prsegue,recuperao filo, xconde se com ele numa drvore e manda seu edo, que é um usso prizay, {0 encalgo dos raptores. Mais tarde Gama e Lince tém um outro tho (gtmeos, segundo ums versio). Ot dais meninos tomnar-se-i0 © sol ea lu que, sepundo uma versio, Corvo e Colotetentam en- amar, mas — sendo fri demais ou qventes demas, ents demais ou ripidos demais — sem suceso.® ‘Com 05 Coeur-dAléne,vizinhos merdionais dos Kutenal, re {omamos & drea lingisticasalish, que tinhamos temporariamente deixado. Essesindios fazem da histéria de Lincee da histria das ladras de dentais dois relatos soparados. No votarl as suas ver ses do primero mito, jé esumidas (upra: 23); lembrarei apenas {que © motivo do nevosiro e da fome rsultante nels da lugar 20 4s origem ou da volta do bom tempo. A versdo coeur-aléne das lndras de dentais, por sua vez, assemetha-se, por um lado, & dos Ki- tens (modo de produrdo dat conchas), por outro & dos Okane. ‘gon (transformapio do heréi em péssaro). Ele, (© chefe da aldeia das Aguiasexigia de todas as familias 0s os- s0s dos animals consumidos. Mandava suas duas filha (Aguias co- ‘mo ele) fazer um buraco no gelo que cabria o rio e jopar nele os ‘sso, sem olhar para eles. Intrigada com um rudo “my n,m", tums delas desobedecen e viu no fundo da dgua os os: transfor” ‘mados em dentais. Contou im. As duasconstuiram em seredo ‘uma cabana a floresta, onde empibaram ss conchas, Todos 0 das clas enfiavam as conchas em cordes de fibra vegetal, que ums das lnm exigin em grandes quantidades de todas as casas, dizendo agit fem nome do pa, 0 chefe. Desconfiado, o pi comeyou a espiond- Jas, Quando desvendou # artimanh, convocou toda & populagto: 2 "No é para o meu bem, mas pelo vosso, que pedi que me troures- sem os osos.E, agora, minhas propras filha roubaram-nos". Por sue ordem, todos abandonaram as trnsgressaras, Quando, &noi- te, ela voltaram de seu econderijo, nao encontrar ninguém, todas as casas tinham sido destrutdas e aldelaestava abandonads. Ps tiram sem rumo, chegaram & beira de um rio que s dividia em dois braces, chamaram um passane (provavelment um Melro-'égua, ‘como na verso kutena). Ele disse que ndo tinhs piroga eindicou- Tes um vau, [Na casa do passante, as duas mogas recsbem sopa de sangue cozido. A mais velha finge comer, mas dspeia a sopa através de ‘uma conche dental que tinh colada no queixa, come um pequeno ‘uni. eagula, menos prudent, sente difieldade em acompanhar ‘rma apés a refeigi. Blas dscatem e voltam para trés. Um pas- Sante as convida a entrar em sua piroga, mas nfo se preocupa em satracar. A mais velha nfo quer se mothar, empurra o desconheci- do, ele cai na dgua e se afoga. Entio ela deinaa rm e segue com {odas as conchas que tinbam trazido. "la encontra Frango-d’ Agua e Ihe di uma dental (data forma do bico dessa ave). Frango-d’Agua adverte a tropa que 0 acompa- na de que uma estrangeira esté por perio. O eke promete a moss ‘a quem a quise. Frango-d’ Agua dé um jito para que o escolhido, apesat de sua timider, ea seu net, Pica-Pau-de-Cabeca-Vermelha, ‘A moga dé uz um menino, mimado por tod, As quatroIrmas- CCaniosis aproveitam para rapt, "Munlda de uma proviso de dentas, a joven me parte em bus- ca4do fiho. © Estorninho Ihe dé informagbes, recebe em recom- pense um colar de Pésaro Azul. Omenino,jéadulto, nha se tor- ‘ado grande cagador. A mie o encontra no baaho de vapor, se faz reconhecer €0 convence a deixar suas raporas. As Irmas-Canlbals costumam cerca acagaetornar-seinvisveis, envolvendo-se em fu- ‘maga. O her as engana, deixando um manequim em seu lugar, © Toge com a mi. Juntos, eles atravessam um ro sobre cinto da mulher estc do. Convidadas a seguios, as Canbais se afozam quando ea, ra- idament, reira a pasarela, As quatro irmis se transformam em ‘Andorinhas: Nao mais canibais, proslama a mulher, “mas pés- saros que vivem &beirad'égua. Quando uma pessoe se aproximat, vyoeés nlo voario”. Com sede, ela manda o ftho pegat 4gua, mas le demora ese diverteno banho. Impaciente ame resolve separar- se dele: a ‘Vox seré Mergthto-Capador em igls Hel-Diver na América do "Nore, ome popular de todos os mergulhoe-acadore,epeamene domeryuhdo-de-ara esse persona ‘gem masculna, tena julgado mais ebmodo livers dea assim que nasce. Infelizmente, a outraversfo, em que a sentenga permancce Jmotivads, nfo fornece elementos em favor desc interpresaao. ‘Além disso, quando se compara a primeira versio thompson, que pertence a grupo das ladras de dena, com &deseusvizinhos Oks- nnagon, constata-se que nesta ima £0 filo de Lince nfo o de Cojoté quem ocupa a diantera do alco.” A interpretagio avana- da para a dvergéncia entre as duas VersOes no pode, portanto,co- ‘mo requerahipétse, dar conta igualmente da divergtnca entre uma dessasversbese as dos Okanagon, ‘Nilo teemos mais sorte com o mito de Auk. A sentenga apa- ace apenas em uma das duas versbes em que ame € uma prosttu- ‘a (nas outras verses ela ¢apresentada como mulher casada; ou eu ‘extado no € precisade), Assim, nfo se pode exalt nada da condi- ‘o socal da mae, em que reside, no entanto, a diferena principal centre as verbs, “Tentemos tarparo campo de niguso. Avent, que ‘marci de fatidia, nfo ¢ prépria dos mitos até aqui considerados, -Encontra-se em mitos provenientes da mesma regio da América do "Norte que explicam claramente seus motvos ee dio outros em- pregos. Ora é um pai que a pronuncia, temendo que sua mulher d& ‘luz um menino que, mals tard, teré uma razio especial para odi- Jo, Ou endo, entre matrilieares, € um to materno que teme que © sobrinho, vindo a tornarse um rival, queira substiut-o junto & ‘ua mulher ou trar sua autoridade. O motive apresenta uma dif- ‘Ho continua no Oeste da América do Norte, desde os Esquimés até ‘0 Shoshone, pasando pelos Tlingit, 08 Tsimshian, 03 Kutenai, 0s 6 ‘Sehaptin ¢ 05 Chinook." Encontra-se igualmente a lese, entre os Troquests os Algonkin ‘Uma versio chinook remetediretamente as ladras de denta ‘Um chefe matava todos os filhos homens es6 poupava as menin ‘Una de suas mulheres teve um fiho e consegui slvé-lo vestindo-0 ‘com roupas femininas. Entegou-o & sua me, que foi vier longe ‘om o neto, Todas as vezes que ele tomava um banho no lago (co ‘mo costumavs fazer) a 4gua se enchia de dents. A av6 guardava 1s conchas em segredo e, para poder enfi-as, ia de casa em ca pedir fibra de tenddes (comparar supra: 42) Esse comportamento de pedinteirrtou os habitanes da aldela. jovem herd reuniu-os © distribuiu entre eles a preciosas conchas. O Péssaro-Trovlo Ihe tinba dado poderesmagicos. Ele se tomou im grande chefe, no Iie sar do pai. (© fato deo mito apresenaro her6l como ancestral de uma tr bo athapaskan, outrora vizinha dos Chinook, orna-se ainda mais interessante na medida em que as conchas denis so de provenign- cia stentrional eeram os Athapaskan, nese caso 0s Chileotin, que as forneciam aos Salish do interior (supra: 45). O mito chinook po- era ser, portant, um eco do mito das ladras de dentas,repereu- tido ao longe no Sul. Chamelalhures a stenglo para o sncretismo as tradigdes dos Chinook. Organizadores das grandes feiras do bai- ‘x0 Colimbia, nels recebiam tribos afta viviam num ambiente ‘cosmopolita que impregna sua mitologi.? Felts todas essas observagdes,fca-etentado a derroger, des- ta vez, 2 regra fundamental da andlise estratural, segundo @ qual ‘ada detalhe, por mals insigniicante que sea, preenche uma fun- ‘fo. Colocada na boca do deceptor, a sentenga fatidica seria ape- ns wa alusio, evocando no modo humoristico mitos mareados Por uma grandeza trigica em que personagens temivels —ogros ou hefes rule — a prosuncam ou etm cnecutn? Nesas caso, seria atribuida a Coiote por ironia ‘Sem excuir totalmente essa hipéces, Inclino-me a crer que, «em nossos mitos, a sentenga tem uma sinilcagdo precisa, Para de ‘monsté-lo, comesare por introduzir algo que parece bem serum estado da mesma transformacio, De fato, um mito proveniete dos Kutenai habitantes do piemonte das Rochosas, apresent, apestr ds dstncia, uma semelnanga admirvel com o ato sul-americano de Auk, ‘Yaukekam, her civilizador dos Kutenai, nfo & senhor dos te Souros dos brancos como Auk3. Mas desempenta um papel andlo- a 40, J que 60 inventor e disribuidor de elementos essencias da cul- ‘ura indigena: hates das fechas, penas de emplumagem, pontas de silex,cordas de tends... Toda esas cosas eram entio animades, ‘Yaulekam fez delas objctos tecnicos etransformou os seres que at personificavam nos animals de hoje, Seu nascimeato, como ode Au ‘i, teve um cardtersobrenatural que inquietou parentesproximos (principalmente um tio paterno cheio de més intends). Nos dois mitos, a avé protegeu oneto. Adulto, Yaukekam tornovse um po- ‘deroso feitceiro que semeava o terror & sua volta, Mataram-no © Jogaram seu corpo na agua (pela mesma razio, portant, que fez ‘com que 0s parents de Auk o qusimassem nun foguelra); como ‘Auk, ele ressusctou, mas tornou-se um grande chefs entre o seus (20 passo que Auké, que também se torou um grande chee, 0 fez Tonge dos seus, j4 que assimilado a um branceh ‘Quando a mie de Yaukekam mandou-o, ainda pequeno, vver coma avd, esta dormia. Aodesperar, prceben po dverssindicios ue uma cranga tinhaentrado em sus esa, o quea deixou perplexa: ‘Nao se sabe se 6 meu nto ou minha neta”. Para drimir a dvida, Os ado lado dois bringuedos, um pecueno steve um cestinho;de- pols deitou-se novamente e dormiu. A partir da esolha fia pela ‘ting, enquanto ela dormia, trou a devida conelusio." Enpiséio estranho (pareceria mais natural que a velhaficase sperando a volte a erianga, como faz em outs ios) edifel de justficar a nto sex que nelereconhecamos una transformagso 4a senteneafatiica, bem na linha daquelas que jé notamos. Um ser ainda nfo nasido, ou j nastido mas ainda ro visto, tem uma ‘xstincia apenas vista, que mantém seu sexo indeterminado, Quar- da uma dupla natureza; apenas sua passage paras existécia ata permit afestar essa ambigiidade. Gémeo de simeimo, por assim dizer, serd preciso que ele nasea ou se moste pare adguiris uma individualidade, ‘Um mito sali (como os que contém a sentong falda, mas ‘ste provém da costa) conta que Gaio Azul, 0 deeeptor, sepazou gi eos siameses. “Se le no tvesse se intrometide”, conclu o mito, "os gémeos sempre nasceriam colades um no outo.” Por outro. 4, um mito da Califérnia apresenta uma cranga nascida postuma- ‘mente, cortada em dois, a pedido seu, no sentido vertical, 0 que a transforma num par de gemeos." A’ sentenca fatidca e a prova ‘concebida pela av6 nto separam dois seres que constitulam um $6, ‘mas dseriminam 9 sexo de um eer nico que, em se estado incl, continha virtualmente os doi. 6 ‘Um grande ciclo mitlogic reistrado desde 0 Atlntio até 0 Pacifico, que os mitégrafos americanos dsignam pelo nome-cSdigo Lodge boy and thrown-away, em por herdis gees eu nasimento card de cieunstancias que fazem prever que tro temperamen- tos opostos. Este mito esté préximo daquele dos Tupinambé: nos dois um ogro mata uma mulher grividae trade seu corpo stmeos (Gupra: 52). Na vulgstanorte-americana, ele deixa um na cabana ‘Joga 0 outro no riacho, onde é achado. Criados juntos, 08 dis rmeninos viverdo diversas aventuras no decorrer das quais — como ‘aconteee com os filhos mens de Maia-Ata no mito tupinambs — sua diferenga original continuaré a se manifesta. Da imagem de gtmeos vstualmenteidfatices «que, vindo aexis- tir, demonstram sua dlsparidade, passa-sefacilmente para uma 0U- ‘ra imagem: a de uma crianga em que os dos sexos se confunder, até que o naseimento (ou oreconhecimento) permits decidir erevele ‘qual ds dois sees, para os quai estio reservados destinos opostos, la serd, Entre os Kutenai, eujo mito de Yaukekam éinsepardvel do mito das ladras de dental, o herd cultural e sea amigo Colote, 0 longo de suas aventura, tentam 0 papel de sol, que ot animais {querem rir, So recusados porque Yaukekam, que irradia uma luz vermelha,ndo é quenteo bastante, ¢ Coiote pela razdo inverst. Na verso kuteni das adras de dentais, como vimos, apenas os fihos simeos de Lince consegurdo desempenkaro papel de gol la, pa- ‘ra satisfapo gral (supra: 42), Reencontramos, por ese vis, a mi- tologia dos Tupi, em que os sémeosdivinos personificam os dois stro, ‘Leén Cadogan colheu no Paragusi no original, traduzive pu- ‘cou uma Génese doe indios Mb Guarani em que se encontram perfeitamente reconheciveis elementos daquela que foi calhida qua- too séulos antes por Theve, entre os Tupinamb. Em seu comen- ‘trio, Cadogan faz uma observapio muito pertinente.Sedefinirmos (0s gmeos no sentido estito, de eriangas geradas por um mesmo pie cuja mie dé & luz praticamente ao mesmo tempo, nao conse- ‘uitemos compreender o lugar eminente que os Tupi-Guaranlevé- "os outros povos sulamericanosreservam para 0s gémeos em sua mitologia. Na verdade os Mby,e 08 Tupi em geral, consideravam 1maléfices os nascimentos de gémeos ematavani-nos assim que nas. 6 Se nem sempre iam tio long, quase todos os povos da América do Sul temiam os nascimentos de gémeot, com excepdo dos antigos pperuanos ede alguns grupos stuados naesfera das alias cvilizagoes ‘ndinas (Aymara, Mojo). Os Inca setiam em relaglo aos gémieos uma espécic de horror sagrado, que atngia a venragio."* Naque- las que se convencionou charmar de baxas cultura da florestatopi- cal, o mais freqdente era matar um dos g2meos;amenina se ossem ‘de sexos diferentes, ou enti 0 “primogénito” ou 0 “capula” dos dois. Nese sentido, poder-se-ia dizer que a senteneafatidica expr me em diacronia 0 que destino divers reservado aos gémeos de sexos diferentes realza na sineronia. Compreeade-e asim que 0 ito tupinambé eo mito je, inversos um do outro (supra: 60), 10- corram, o primeito, a0 motivo dos gémeos desigualse, 0 outro, & sentenga fatidica. ‘A razio geralmenteapresentada par justiear a morte de um dos gémeos era que uma mulher s6 pode procrir'um filho por vez ‘ado ser que outro homem,além de seu maride, a tvesse engravi- dado. Teoria iustada pelos mitor, como vimor, embora neninum delespreconize a morte de um dos gémeos, sendo ambos chamada 4 desempenhar um papel esencial na ordenacéo do mundo. ‘Mas, como sublinha Cadogan, esses pemeot nfo slo realmente smeos. Na Genese dos Mbyé-Guarani, um filhe nico, futuro sol, {da si mesmo, com seu poder divin, um irmée cagula que stor” naré a lua." A Génese tupinambé encarresa pls distintos de en- tendtar gEmeos que s6 parecem slo devdo as crcunsténcis que envolvem seu nascimento, mas 0 sHo ainda menos na medida em ‘que os antgos Tupi atribuiam ao pai um papel exusivo na concep- ‘0. E quando, finalmente, 0s mitos colocam en cena gimeos de ‘erie, logo tram de separé-os atribuindo-tes talents ecaré- {er opostos: um e agressvo, 0 outro pacilico; um fort, o outro fra- 0; um inteigente edi 0 outro estipid, desjitado ou tonto. Qual é, de fato, a inspira profunda desss mitas? Nossa es ‘quema da pagina 550 esclareve. les representama organizasto pro tressiva do mundo eda sociedade na forma de uma série de bipart- (es, mas sem que entre as partes resultantes em cada etapa surja Jamais uma verdadeira igueldade, De algum mado, uma ¢ sempre superior & outra, Dessedesequifrio dinimico depende o bom faa- cionamento do sistema, que, sem sso, estariaconsantemente amea- ‘ado de cair num estado de ingzca, © que tas mitos proclamam lmplictamente € que os pélos entre os quais se oreanizam os fen8- “ menos naturais ea vida em sociedade — oft e terra, fogo ¢ gua, alto e bao, perto€ longe, Indios e nfo-indos, conterraneose es ‘rangetos et. — nunca podero ser gfmeos, Oexprito se empenba ‘em juntélos em pares, sem conseguir estabelecer uma paridade en- tre les, Pois slo essa distncias diferenciais em série, tais como concebdas pelo pensamento mitco, que colocam em movimento a :mdquina do univers Isso vale até nos detalhes. Uma versio contemporanea da G2- nese rup,colhida em 1912 no Sul do Brasil conta que um dos g8- ‘mes, 4vido demas para mamar, eformou o selo da mie. Desde ‘entio as mulheres tém o peito assimétrico: nem os seios podem. Ser gémeos! Na América do Norte, a versio nez-percé da hiséxia 4e Linc (supra: 2) pretende explicar a origem dos casamentosdes- combinados, aqueles cujos cénjuge, fisice ou socilmente desem- parelhados, ndo slo gimeos. [Nas bipartigbes em série que o mito enumera, a dos indos & ‘brancos merece wma atengio especial. Pols €notével que apenas melo seulo ap6s a chegada dos primeirosbrancos ao Brasil a mitologia indigena jo tives intesrado no lugar apropriado, numa Génese fem que, no entanto, tudo provém das operagbes do demiurgo. ‘HA mais, Métraux notava, com razio, acerca de um mita dos {ndios Toba Plaga, habitantes do Chaco (cujo herd chamado Asin cotresponde estritamente a0 herd dos Je, Auk) ‘Nese mo, os Plaga expicam a dferenga entre a cultura dos nds © dos brancos. Um mito similar srguem vrs ibs inigeas aps 8 conquistacapresenta um prandeinterese, porque no se pode at ‘uiraenpréstinos dros as semeliangas entre cas vit verses * ‘Se os mits indigenas de origem repousam na armasio que tente revelar, 0 problema colocado por Métraux so esclarece. Os mitos, dia ed, ordenam os seres eas coisas por meio de uma série de bi. partgbes, Idealmente gemeas em cada etapa, as partes se revelam Sempre desguas. Ora, nenhum deseqlliblo podia parecer mas pro- fundo aos indios do que aquele entre eles e os brancos. Mas cles Aispunham de um modelo dicatémico que permitatraspor em blo- ‘co ese oposigio e suas seqielas para um sistema de pensamento no ‘qual seu Tugarestva, de certo modo, reservado. De modo que, as- sim que era introdusida, a oposilo se punka a funciona. Os gémeos ocupam um lugar eminente na mitologia amerindi, ‘Tratese, no entanto, de mera apartacia, pois a razHo desuaimpor- 6 tfncia edo papel que os mitos thes eservam est justamente no fato {deo serem gmeot. Ou eno seus temperametos,incompatives, ‘ontradizem sua suposta condigao. A sontenga feidica, de onde par~ iu esta dscuss4o,remete,afna,&afirmagdo implicit de que toda ‘unidade contém uma dualidade ¢ qu, quando esta se atvaliza, nfo Jmportao que se quera ou o quest faa, no pode haver verdadei- ra gualdade entre as duas metades. 6 VISITA AS CABRAS-DAS-MONTANHAS ‘A aprosimacdo entre mitos norte e su-americanos permitu-nos reabrir 0 debate acetea do lugar consagrado aos gémens nos mitos os dos hemistrios. Ela nos encorajaiqualmente a tentar uma dessas experncias que tim um valor erucal para a andlise dos mits. Par- tindo de um conjunto de transformagOes cuj exsitncia demons- ‘ramos na Amirica do Su, seré posivl descobrir na América do [Norte wm mito que verifiqueIé também a existénca de um tal con- junto de transformagées? ‘A histéria das ledras de dentaisepresenta anslogiasnotévels com um mito sub-amercano proveniente dos Bororo.Indexado Mi, tem Le cre le cuit, ese mito trata da origem dos adornos, assim como 6 outro. Coloea em cena una mulher indiseeta que expiona ‘sims enquanto eles inventam adorn, prfurando conchas com ‘uma pedra pontiaguda encontrada no fundo da agua. O mito dea claro que essa atvidade tem umm eardter ritual e que os emis l- ‘vam uma vida alegre em casas de penss que evocam uma morada celeste, Lembremos que o her6i nort-americano espionado pelas Jims também se dedica a uma aividade ritual. Ele encontra no fun- 4o da dgua conchas que ndo precisa pecfurar, jé que as dentas so tubos naturalmente abertos. TEm ambos os casos, ou os imdos se separam de suas fami- lias: no mito bororo,jogando-se num foguelra da qual, uma vez (queimados, se elevam ao ofu transformados em passaros; no mito norte-americano, descend para um mundo inferior em que oherdi leva uma vida alegre e aonde suas irmis, ue o motham com suas lgrimas (a égua, conseqiéncia da separapio, substitu o fog0 ea: ‘quanto meio dessa separaso), nfo poderio ir para fcar junto dele. 6 [Em Le ens et le cut (pp. 92-8; demonstagio recapitulada em ‘Du miel aux cendres, pp. 14-20), etabels 1. que esse mit, cua armagio se basia na dsjunpo dermis €lrmas e ainda dos maridos destas: — A Ona transforma um grupo de mitos Gindesados My My Mj) presen- tesem povos vzinhos dos Bororo,reatvos for gem da carne, mais precieamente da carne considerada melhor e que constitu oalimen- to principal, a de porcos-do-mato; 72. que, se, para uma armacto idéntica @ mensagem se inverte ‘quando se passa de M,, € My, pars Ma, almento => adornos), a ra- 24a sto & que os dls primelros mitos provém detribos patrilinea- 18, €0 outto, dos Bororo, cujo modo de des:endéncia se inflete ‘no seatido matrilinear. De fato, parents em linha direta num case tornam-s¢ ans no outro: em regime matrilinear, 0 pal 6m afim do filho, como 0 & ‘mae no repime patiinea. A andise dos mits verifia que, para ‘uma mensagem invariant, produz-se uma clivegem, em fungto do ‘modo de descendéncia, entre irmios ou entre sénjuges. Em com pensegio, para uma armagio invariant, 6a mensagem ques invet te, Um mito indexado M,., proveniente dos Kayapé-Kubenkran- ken, que sio marllocas, confirmava a regra nese caso especitic: ‘mito mantéon intacta e mensagem de M,, (rigem da care) mas {as custas de ume inversio da armagko (Le cru tl eit, pp. 96-7: [57 0-4] > [50 “ 4] ‘Tendo isto em mente, podemos avancar una hipétese,subme- tida a duas condigdes: te 0 mito norte-americazo das adras de den- tais © 0 mito bororo My, ambos relativos & origem dos adornos, ‘So homblogos, ese o mito bororo transforma um mito de um po- vo vizinho acerca da origem da carne, deve esr na América do "Norte, bem perto do mito da origem das dents, um mito sobre a origem da carne que see Seu homélogo,contanto que ororra uma inversio de armagio: ® dor een de [a - 4] > gene me 8 # a} ‘Veremos que esse mito exste com todas as caractersticas re- queridas pela hipStese entre ot mesmot povos que nos forneceram ‘histéra de Lines ea das ladras de dentais. Contudo, sem o proce- dimentohipotético deduivo que scabamos de realizar, teria sido di- file talvez até impossivel peceber que tal mito, € os outros que acabam de ser mencionados, constituem estados de uma mesma transformagdo. Apenas a importénca, maior do que alhures, atz- ‘ulda aos grandes Ungulados, Cervor ou Miuflbesupra; 30, 34-5), fos quais devemos agora acestentar as Cabrasdas-Montanhas- Rochosas (Oreamnos americanus), podeia t8-lo sugerido. ‘Como os poreosdo-mato na América do Sul, esas cabras eam Jmportantes na slimentagto e eram objeto de numerosascreneas. "Muito esperta,dificeis de cagar, mas allmento de primeira, disiam 0s Kutenai! Os Thompson do planaltoe os Salish da costa obser- ‘vevam os mesmos ris para a caga & cabrae ao urs0.? Os Squa- mish, Salish de eostacujo mito examinaremes, consderavam que 1 caga as cabras era perigosa eexigia dons especial, tant fsicos ‘como sobrenauras, dos cacadorese de seus ees. pele, muito apre- ciada, servia para as pretagdes matrimoniais:o pretendentepresen- tava com ela os pais da prometda. Simbolos de riqueza, a8 capa tecidas em péio de cabra 6 eram usadas nas grandes ocasioes.°To- das essasindicacbes concordam com 0 tertemunho dos especial tas: as cabrasvivem acima do limite das drvores em zonas rochosas inacesiveis para todos 0s outros animais de porte compardvel 20 Talvex 0s indos Shuswap, na maioria ou em parte, desprezas- sem a came de cabra a ndo ser quando io tinham mais nada para comer.’ Entretanto, seus mitos também postizam esa cage en ‘bora apresentem, ei relasdo 20s de seus vizinhos, certs anoma- Tins, as quai voltarei ints: 74. Ela justifcam ques Tes dedique um lugar especial num conjunto de verses de resto bastante homo- fneas que j é hora de apreseter, Vejamos, por exemplo, uma ‘versio thompson proveniente do grupo Utamat, do curs inferior do Fraser ‘Aatigameate, as Cabras eram sees da mesa natureza que os homens, e assum a forma animel ow humnara quando queriam, (5 indiossebiam disso, e por essa razéo continuam observando ri tos especiis quando matam uma cabra, um urs ow um grizely, que também possuem esea dupa naturera Certo dia, um homem que tina duas mulhes, uma over ‘ea outa grivida, foi cagar. Pesegulu cabras,perdeu-as de vista ‘ficou espantado ao encontrar duas joven, que afirmaram nao ter ‘isto cabra alum (pois eram elas mesmas). Convidaram 0 homem a segullas, tomaram-no capaz de escalar uma parede abrupta (un tando de saliva as plantas dos pés dele) eflatam-no entrar numa caveena abaixo do topo. Li vivia muita gente, Ele se casou com as (duns Joven, sans epelsam. 36 temosrelagées semua du- ‘ante um perfodo muito curto, uma determinade estagdo do ano” Seus sogros mandava-no cigar e todas as veaes ele devia matar ‘uma sini cabra, que Servia de alimento para todos os habitantes. Isso durou visio meses. © homem acabou descoflando que as ca- bras que matavaerem na verdade seus cunhades, dos quais apenas “part cabra” mori, enquanto a “parte humana’ refornava para ‘asa a0 ancitecer. Para certifiearse, cortou 0 fecinho de uma car ‘bra morta, Um de seus eushados voltou com o narz sangrando. ‘Chega eno aestago do cio, anuncada pla piracema de uma ‘expécie de salto (em inglés dog salmon: Onchorynchus keta), que m dura de meados de agosto até 0 final de novembro. O cio das ca- bras ocorre em novembro;? mas o mito se pasta nae montanhas, aque os slmses 56 atingem no final da vagem. Entorpecido pela pe. Jagem grossa com que o cobriram, oher6i no consegue artcipar do cio. Suas mulheres Ihe dao uma pelagem levee ele consegue co- pular com todas as fémeas. (Os meses passam; uma das mulheres dé & luz um menino que, ainda pequeno, pede pare viitar seus avés humanos. O het se Oe a caminho com a mulher, o filo e um de seus cunhados cha- ‘mado Kemis(“cabra de dois anos”). Leva lavas cheias de gordu- ae comide. ‘© homem tna se ausenado por quate dois anos e todos 0 con- sideravam moro. No inicio inv, ele faz resonheser pelos sus. Festejam com a gordura ea care, que se multiplicam magicamen- te. Para a mulher-Cabra seu irmio oferecem sua comida habitual: Juma sopa de musgos pretae branca. Mas 0 joyem Komis se en- ‘panturra,inchae tem uma atuaedo ridiuls no jogo de bola. Rem ele, humiham-no,peidam em sua cara, Quando Komnis scab de spodera-e da bolaefoge para a montanha, Pereguem-n0 ee provoca um vento glacial, que mata os perseguidores. As Ca- ‘bras repreendem Komis, que concorda em rssuscitar suas vitimas, sas peida na cara delas para vingar-e, Finalmente, ele volta par junto das Cabras com a em. O herd e su fia fcam na lds." sce mito se assemelha espantosamente, por sua construsdo, 05 mitos sul-americanos que também tratam da origem da carne ‘ou, mais precisamente da origem da caga& melhor das carnes. NEO ‘somente esa cara era antizamente humana ou igual aos humanos, ‘como os mits ¢identificam a cunhados, ela de parentesco na {qual insste uma outra versio thompson. Antes de enviar 0 herdi Se volta para junto dos sour, ar Cabraeprometers Ine que forma ‘um grande eapador, capax de atravesar os mals profundos pre sipteioscontanto que observe algumas regras ‘Quando matarescabas, tata seus corps com reset, pois ko pe 6, Nao mates as Fea, els fram fs esposat dat fos [Nib mates os fihoes, que podem ser tua progetura Tre apenet os tes cunhados, os mathos. Nio tenbas emoros guano os mate "es, pois ees no mortem, volam para cass care es pl (eprte Cabra) te partencem; seu verdadero ou (e parte humana) contin ‘vendo como anes, quando a care ea pele de nba 0 recbearn? © fato de a armagdo ser, nas duas versbes, do tipo 2 fies claro no modo como se conclu a primera versdo: a mulher © seu irmio voltam para junto das Cabras, homem e seu ftho fi- am com of bumanos, Sob uma forma ui pouco diferent, o epi- Sao final da segunda versdo vai no mesmo setido:o herbi, que volta sozinho para junto dos seus, vai carar e quer matar uma fé- rea eo filnote, que slo na verdade sua mulhe-Cabra © seu filo. Ela o repreende, fazendo-o respitar as regras. Entdo ele mats um macho e, de volte & aldeia, diz que a femea excapou."” ‘Um terceira verso substitu as Cabras por Cervideos © uma, versio okanagon nfo distingue claramente as familias! 14 encon- ‘ramos mitos em que um povo de Cervos substi um povo de Mu- fides (supra: 34), Fssassubstituigdes se explicam pea crenga,resis- ‘rade entre o Llloet, de que nos tempos mitcos os Cervideos eram to seivagens eliglfos que ndo podiam ser cayados. O povo dos CCervideos,além de todos os gtneros dessa familia, compreendia 0s ‘Mules, 25 Cabrat-das-Montanhas, 0s Cavalos, os Bisdes etc.” [Nada de espantoso, portnto, no fato de a versio thompson com (Cervideossueitar sua caga ds mesmas regras que asda cag is Ca- bras, O herdi matou e depos ressusitou sua mulher cervidea © © filho: “No deves matar’”, libra ea, “sendc teus cunhados”." {Uma versio dos Lille, visinhos imediatos dos Thompson, escare- cx por que as mulheret-Cabras do her6indo poéerdo acompanhé-lo ‘quando ele quiservoltar para junto dos seus com os doi ils que tlas lhe deram: “NAo iremos prender-te”, dizen clas. "Podeslevar {eu ilo, mas nos devemos fear aqul; no podemos seompaulite porate nfo somos iguas ti; os meninossfo do teu sangue, podem ir contigo, mas n6s nfo podemos."* Fica portanto claro que em todos esses mitos a dixjunplo afeia afin: cGnjuges ou cunhados. ‘Finalmente, uma pelavra acerca do epis6do de Komis, no f- nal da primeira verso thompvon resumida acina. Essa personagem barriguda remete a uma oura, que padece de uma protuberdncia cstomacal, que, num mito sais da costa, proveea um denso nevor- ro." Komils provoca um vento gelado e morileroe sola gases in- {estinals depois deter sido ele mesmo atingido por gases da mesma natureza, No resto meteoroléico, 0 vento se opte ao nevociro, B 80 qual correspondem os gases intestinas no registro fioliieo, 34 ‘que o nevosro também fede infra: 91).Os Skykomish, tro povo ‘lish da cosa, possuem uma versio etiolgica do mito das cabras das montanhas que explca por que s eles utlizam nessa eaga uma ‘splice de armadila. Segundo esse mito, a filha do pissaro QE-OS {cspécie nao idetifieada que vive nas montanhas) foi oferecida em casamento ao veneedor de uma corida. © cagula de dezirmaos Ca- bras ganhou, apesar dese barigudo, ¢cedeu a mulher ao mais ve Iho. Os Skagit, vizinhos dos Skykomish, também conhecem o pés- saro Q&-Qée lhe atrbuem um filno que, sob a aparéncia de um co, sedziu a filha de um chefe. Abandonado com a mulher e oflh, crow uma outra humanidade, inventou 0 jogo de taco, enchea at ‘matas de animals de cag eo mar de peitesenquanto ses persegu- dores passavam fome. O primero eo teceiro desses mito prove- sienes dos Salish da cosa remetem, poranto, &histria de Lince, 10 segundo 8s Indras de dentais (com o motivo da corrida de pre- {endentes), verificando assim que, conforme eu posulara, esses mi- tos © o das Cabrasdas-Montanhas pertencem, na Amérqueica do "Norte, & mesma transformaséo. "Note supra: 70) que, em rear is outras verses do mito da capa scabras, as dos Shuswap apresentam anomallas. Uma versEo substitu o Jovem her6i por um velho, que € instruido eager ape- nas as cabras velhas, nunca es joven.” Uma out inverts 0 56- os: & um Bode que visita os indios, case-se com uma humana © @ leva para viver junto dos seus. Els tém um flho; a mulher retorna com o menino para casa. Ela traz, sob forma reduzida, carne epe- les de cabras que, quando chega, ecuperam 0 volume de modo mi- ico. Depois, a mulher ¢ 0 menino, definiivameatetransformador ‘em cabras, partem novamente, dasa vez para sempre." E provavel ‘que esas alteracdes estejam ligadas, ao menos em parte, &situaeao _eogrific dos Shuswap, que habitavam uma regio de planalto,en- ‘ne a cadeiacosteira ea do Colima, onde as cabrasertm raras, se nko inexistente (fig. 8). Os Kwakiutl da ilha de Vancouver e os ‘Tlingit, habtantes da fava coseira do Alasca, enfentam diicul- dads andlogas: para caparcabras, 0s Tlingit, como seus viinhos “Tsimshian,” tinham de se aventurarpelas montanhas, cujos pete 40s temiam. Ore, podem ser observadas, nor mitos dsses povos, lteragdes compardveis (em relago as versbes do interior as encon- trades entre os Shuswap, ” 4. Disribulgdo das Cabras-dasMonanhas ‘na Cohimbia Brin ‘Um mito kwakiutl invert 0 motive da unido(¢ até da promis- cidade) sexual com as eabras: para ter sucesso na cag, herd de- ver — por ordem das cabras — observara abitinéncia sexual du- ante quatro anos, Um dia ele cede As investdas de sua companhe- 1a per seu poder edesaparece no interior, transformado em uso arieely "A vets tngit conta em que circunsinciasum cagador tomou- ‘eum grande xami. As pessoas da aldeia cagavam demais e no fa- ‘iam cazo do tos, Para puni-los, os Mufldes (que aqui substtuem fs Cabra) capturaram um dos indios.Ensinaran-no rata om res- ws alto os despojos dos animals mortos, sem enflar as cabeyas na ponta ‘deum bastdo,tratamento eservado para as caberas de grea. Em seguidibertaram oindio, que ao volta, seguindoasinstrugdesre ‘ebides, ordenow que ninguém ocase nas peles ds mules que seus compankerostinham chacinado. As peles se encheram de pedagor de care, todos no lugar certo; ot mufldesressuscitaram e retorna- ram de montenhae, Mas eles tinham fcado tanto tempo entre os indlos que, logo fante de chegarem a sua antiga morada no mas alto pico, perderam- see dspersaram-se peas montanhas. Fé porque os Mufloes sl ‘am (ou raptaram) um homem que eles tim barba e outros tragos aque os assemelham a seres humanos. Os Mufloes, em compensaelo,tiham passado seu cheiro ca racterstico para o herd (os Salish do Intetiordizem, antes, que ‘os grandes Ungulados, Cervs ¢Cabras, cam enjoados com of odo es humanos) As verses que, por comodidade, chamed de “anor mals”, se dstinguem, portanto, das outras por uma série de oposi- {8es: herbi jovem ou velho;s6 animais velhos ou jovens cunhados Cabras serio mortos; cdnjuge humano ou eBnjuge eabra; promis. ‘cuidadelieta com as fémeas enimais ou abstinénciaobrigatéria em ‘elagdo ts humanas E, 935 verses thompson, por exemplo, secon. prazem em evocar a metamorfose (‘emporiria, éverdade) de uma ‘humana em animal, ¬dvel que a versio tint expique por que raxio of Mufldes se parecem com humanos. Em Le cru ete cult (pp, 99-100) em Du mie aux cendres (pp. 14-5) moste que era posivelrepresentar de modo simplifcado 0008 Junto que abrange os mitosj8 de origem da clinia eos da origem da carne. A Once, eunhado tomador de mulher (casou-se com ume ‘nia, que mostra boa Yontade em relagio aa hero (epresetando ‘expécie humana) cedendo-Ihe o fogo doméstico e oalimento coz- do, corrspondem simetrcamente 0s cunhados doadores de mulhe- res, que demonstram ma vontade, negando,regeteando ou cedendo ingoletemente comida ao herd. Fssescunhados sfotransformados ‘em porcosdo-mato, em ouraspalavras, caraeem péecra, materia prima da eulndra, assim como o fog0 & seu instrumento, ‘AsconsieragGes precedentes atorizam a simplfcar do mesmo ‘mado oconjunto formado pelos mitos norte amerieanos sobre ot- {gem dos adomos sobre origem da care. Consolié-los-emos num esquema: 16 K Od © = A uncecomre pos das smosaava oo bras frm inser nena serhorda senor dos Cra adoros Esse modelo reduaido requer visas observades. 1. Nessa reido da América do Norte, a filiyo, que inh sido necessri levar em conta para interpretar as variagdessul-america- ras, perde muito de sa petingnca. Na verdace, 0s povos de in- ‘pus slish em geral,e especialmente os do interior, de que provém ‘0s mites consideredos, tinham um sistema de fliago iniferencia- 4a, Por isso, a armagio sociol6gicasofre menos constrangimentos; ‘of mitos podem jogar com ela mais vremente, Mas ainda que se {ome menos rigida (e alguma vero 6 aliés, a nfo se idealmente?) ‘a armagio socieldgica nfo correo rsco de desmoronar. Qualquet ‘que seja © modo de filiagdo ou de desoendnce, as distingSes fun- ‘damentais, tae como entre parentese fins, scbsistem., Entre uns ‘outros, os mitos concebem e eventualmente justaptem diversos ‘pos de relagdes para variaro conte das mensagensecontastar sionificagbes. 2. Assim, 0 grupo fhistria de Lince + ladas de dentais] com- porta duasvatiantes, aparentementeantttias. A histéria de Lince fem por herofna uma moya avessa ao casamento: A O; na hsté- +a das ladras de dentais, seu papel ¢ desempenhado por uma my indscreta de quem o pai ou oirmio resolve se separer: A tisjungto, portanto, em ambos os casos, fermalada em Wrinus de llianga ou de proximidade de gra. 3, O modelo é igualmente ambiguo visto do outro lado. O he- i, dzem os ios, tem duasesposas, que troca por duas mulheres CCalbras, as quais posteriormenteo iberam. © motivo da disunglo dos ednjugesadmite, portant, ua lelturas emsentidos contririos, dependendo so herd se afasta de suas mulheres humanas ou & de- Jas afastado por suas mulheres-Cabras. “4. Mais notével sinda & 0 quiasma que, em relagdo aos mitos suhamericanos, se desenvolve de modo siméirico nas extremidades do modelo. A esquerda, as Cabras,cunhados benevotentes como ” {8 Onga dos mitosj, mas doadores de mulheres em vex de tomado- res, slo assimildves aos pocos (os cunhados malevolentes dos mes- ‘mos mito), no sentido de que eles também sfo carne destinada & alimentagao. A direc, os cunhados malevolentes (Coiote 0 decep- tor, Linee causador da fome de seus conterranees) se comportam ‘como os Futures porcos dos mitosé; mas fomadores em vez de doa- dores, como a Onga dos mesmos mitos, todos ganham nesse jogo uma esposa ‘5. Tanto na histéria de Lince como na hstria das laras de

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