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Fluxo externo

21 e 23 de Novembro de 2017

Resumo
Notas de aula ministradas na UFABC nos dias 21 e 23 de Novembro do ano de 2017 - terceiro qua-
drimestre. Nessas duas aulas abordamos conceitos que envolvem os coeficientes de arraste e sustentação.
Esses coeficientes não são obtidos a partir de leis físicas mas sim definidos a partir de expressões para a
respectivas forças que levam os mesmos nomes e subsequentemente medidos para diferentes formas geo-
métricas e número de Reynolds. O primeiro tópico tratado é o arraste, e como o seu entendimento pode
levar a melhoramentos no aproveitamento de potência de motores ou na otimização de construções, por
exemplo. Em seguida é apresentado o coeficiente de sustentação, que tem um papel muito importante
no estudo da aerodinâmica, uma vez que este é o coeficiente responsável pelos cálculos envolvendo tanto
a decolagem como sustentação do voo de aeronaves. Alguns exemplos resolvidos e comentários sobre
situações cotidianas aparecem no texto. Esse material de forma alguma pretende ser formal e tem o teor
apenas de apresentar os assuntos com base em conhecimentos já adquiridos pelos estudantes.

Aula 1
Introdução
Trataremos de situações onde um corpo está imerso em um fluido, e desejamos estudar os fenômenos decor-
rentes do movimento relativo entre o corpo e o fluido (campo de velocidades). De fato há equivalência caso
o corpo esteja em repouso e o fluxo seja devido ao campo de velocidades do fluido, ou o fluido esteja em
“repouso” (~v = 0) e o corpo rígido em movimento.
Aqui nos interessamos pela resultante das forças no corpo ao invés da distribuição. Assim temos basica-
mente duas componentes relevantes para o nosso estudo que é a componente tangencial - aquela que segue as
linhas de fluxo externo -, e a componente normal - pressão sobre o corpo atingido, a combinação das compo-
nentes tangencial e normal são responsáveis pelas forças de arrasto e sustentação. Essas forças são bastante
frequêntes no dia a dia, sendo responsáveis pela frenagem de automóveis, derrubar árvores, arrebentar cabos
de transmissão elétrica e encanamentos (arrasto); sustentação de aeronaves, aerodinâmica de automóveis -
aérofólio -, vibração e emição de som e até transporte de glóbulos vermelhos no sangue (sustentação).
Em situações reais tanto o campo de velocidade como a geometria dos corpos envolvidos são muito
complexas para que os sistemas possam ser resolvidos analiticamente, de forma que a obtenção de informações
é feita principalmente através da extração dos coeficientes medidos experimentalmente em laboratórios e
simulações numéricas. A modelagem para eficiência das asas de um avião, por exemplo, são feitas tem túneis
de vento em laboratórios enormes, frente a mudanças abruptas no campo de velocidades e gradientes de
temperatura e pressão encontradas nos voos que as aeronaves enfrentam diariamente.
A chamada velocidade de fluxo livre é o módulo do campo de velocidades do fluido em regiões distantes
do corpo, isto é, em regiões onde a presença do corpo não afeta o campo de velocidades, e será denotada por
V . Na superfície do corpo essa velocidade é identicamente nula, enquanto que no “infinito” assume o valor
máximo, V . Nestas notas assumimos que a velocidade é uniforme, mas lembramos que em situações reais,
como já mencionadas, o valor está sujeito a mudanças abruptas por diversos fatores.
Talvez o fator mais importante nos fenômenos tanto de arraste como de suspensão é a geometria do corpo.
Dependendo da situação podemos aproximar a geometria como sendo 2D, como é o caso para fios pendendo
ou canos - em geral quando o efeito das bordas pode ser desprezado na região de interesse. Caso ainda exista
simetria rotacional dizemos que a simetria é axial, assim além da dependência ao longo do comprimento do
corpo temos dependência na direção radial (seção de choque muda conforme mudamos de posição ao longo

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do eixo de simetria). E finalmente caso nenhum dos dois casos seja satisfeito então o corpo deve ser tratado
no regime tridimensional, que é o caso para praticamente todas as situações reais.
Como sabemos um fluido pode ser compressível ou incompressível, aqui abordaremos apenas fluidos
incompressíveis, visto que o outro caso só é relevante para um regime de altas velocidades - lembre-se que
estamos considerando um campo de velocidades uniforme!
Por fim mencionamos que há dois regimes diferentes de abordagem. Notamos que dependendo da geome-
tria do objeto em questão o fluido pode escoar no entorno do objeto (tal como numa asa de avião) ou pode
esbarrar, como acontece com construções, por exemplo.

Coeficientes de arraste e sustentação


Idealmente estudariamos as interações localmente e, através de integração, obteríamos funções que descrevem
as forças de arasto e sustentação. Acontece que há muitos fatores envolvidos na descrição desses fenômenos e,
como já dissemos, somos obrigados a utilizar outros métodos para extrair informações. Assim introduzimos
os chamados coeficientes de arraste e sustentação, que são números adimensionais que nos permitem estimar o
comportamento de cada uma dessas forças. Claro que a expressão para esses coeficientes depende do modelo
e podem ser modificadas de acordo com a situação. Aqui vamos usar apenas o modelo que descreve com boa
aproximação um corpo que se desloca no ar, a expressão é
FA/S
CA/S = 1 2
(1)
2 ρV A

Na expressão (1) A e S subscritos referem-se a arrasto e sustentação, respectivamente, ρ é a densidade do


fluido, V é a velocidade relativa entre o fluido e o corpo e A a área transversal à velocidade.
Note que todas as quantidades da equação (1) são escalares, o que indica que a força deve ser tomada
em módulo. Porém atentamos que as direções da força de arraste e sustentação são diferentes: o arraste tem
sentido oposto ao movimento do corpo enquanto que a sustentação é perpendicular à direção do movimento,
dependendo da orientação e da geometria do corpo pode ser vertical para cima ou para baixo.
Qualquer pessoa que já esteve em uma piscina já presenciou a força de arrasto. Trata-se da força que
torna o movimento mais difícil, seria o análogo ao atrito causado pelo fluido, porém com uma natureza mais
complexa visto que a força exercida é em várias direções. Já a sustentação depende do chamado ângulo de
ataque do corpo com relação ao campo de velocidades. As asas dos aviões, por exemplo, são projetadas para
diminuir o arrasto ao mesmo tempo que aumentam a sustentação.
Em alguns casos os coeficientes não dependem da sessão transversal, mas sim da “área da plataforma”
(especialmente para corpos de pouca espessura e muito largos). Além disso, o número de Reynolds bem
como a rugosidade da superfície podem afetar tais coeficientes. O denominador da equação (1) é chamado
de pressão dinâmica.

Pressão de arraste e atrito de arraste


O arrasto é o resultado da combinação de forças que atuam na direção oposta ao movimento do corpo que se
desloca imerso em um fluido. É conveniente abordar a força de arrasto em duas formas separadas, uma que
é associada ao cisalhamento que acontece na interface entre o corpo e o fluido (atrito de arraste) e outra que
é associada à pressão exercida pelo fluido sobre o corpo (pressão de arrraste). De forma análoga à (1), tanto
os coeficientes como as forças podem ser atribuídos expressões distindas da mesma forma, indexando apenas
mais uma letra subscrita para identificar se o arraste deve-se à pressão ou atrito e, obviamente, a soma dos
dois deve resultar na expressão (1).
O atrito de arraste é a componente do cisalhamento na direção (sentido oposto) do fluxo externo, portanto
depende da orientação do corpo com relação ao fluxo e da magnitude do cisalhamento associado à interface
corpo/fluido (lembre-se que o cisalhamento é um tensor!). A partir dessa observação notamos que o atrito é
identicamente nulo para uma superfície plana perpendicular ao fluxo externo, assim como para uma superfície
plana paralela ao fluxo externo todo o arraste é devido ao atrito. Esse tipo de arraste (atrito) é uma função
altamente dependente da viscosidade do fluido - o que não é nem um pouco estranho -, e aumenta conforme
a viscosidade do fluido aumenta.
O arraste de pressão por sua vez, é proporcional a área frontal (“olhando para o fluido”) e à diferença
de pressão na parte frontal e traseira do corpo. Esse fenômeno é típico de sistemas que tendem a barrar o
fluxo externo - e devido à consideração do parágrafo anterior, é identicamente nula para uma superfície plana

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orientada paralelamente ao fluxo externo. O arraste de pressão se torna significativo quando a velocidade
do fluido é muito alta, o que ocasiona pontos e regiões de separação do fluido do corpo, induzindo regiões
onde a pressão é extremamente baixa. Neste caso o arraste de pressão se deve principalmente à diferença de
pressão entre a área frontal e traseira do corpo.
Uma quantidade de extrema importância para a mecânica dos fluidos em geral é o número de Reynolds,
Re. Como essa quantidade é inversamente proporcional à viscosidade do fluido, quando o número de Reynolds
é muito alto o atrito de arraste torna-se desprezível enquanto que o mesmo ocorre para a pressão de arraste
quando o número de Reynolds é baixo. Também podemos notar através do caso da superfície plana imersa
num fluido que o atrito de arraste tem uma relação muito forte com a área da superfície - considere um
aerofólio, por exemplo -, assim um corpo com uma área de superfície muito grande percebe um maior atrito
de arraste.

Redução de atrito de arraste através de contorno do fluxo externo


Como mencionamos anteriormente há basicamente duas situações que geram arraste (e suspensão) que são
quando o fluxo externo contorna o corpo, e quanto do fluido impede a passagem do fluido, i.e. barra o fluxo.
Intuitivamente podemos perceber que se projetamos um objeto de forma a fazer com que o fluxo externo
seja mais propenso a contornar o corpo, o arraste será reduzido. De fato, isso acontece quando o objeto em
questão é bem projetado, visto que o contorno do fluxo externo causa efeitos diferentes no que se refere à
pressão e atrito de arraste. Por um lado temos a redução da pressão de atrito, uma vez que a tendência do
fluido contornar o corpo faz com que os pontos de separação diminuiam, por outro lado o atrito de arraste
aumenta, pois geralmente se atinge o contorno do fluxo através do aumento da área de contato entre o fluido
e a superfície do corpo.
Projetar corpos para evitar o arraste usando esse mecanismo de contorno do fluxo externo só é útil quando
a maior parte do arraste é devido a pressão de arraste, ou quando número de Reynolds é alto , para usar um
parâmetro do fluido. Neste caso a separação do fluido do corpo e a criação de regiões de baixa pressão são
uma possibilidade real. Quando o número de Reynolds é baixo esse tipo de deformação tente a aumentar o
arraste percebido pelo corpo.

Separação do fluxo externo do corpo


Dependendo do formato do objeto que se desloca através do fluxo externo pode ocorrer o que se chama de
separação do fluxo externo. Basicamente são regiões onde as linhas de fluxo são fechadas, criando regiões
separadas do fluxo externo. Usualmente nessas regiões a pressão é mais baixa que na região de fluxo livre e,
consequentemente, há um aumento na pressão de arraste.

Figura 1: Região separada do fluxo livre.

Esse fenômeno, apesar de mais comum, não é exclusivo quando o corpo barra o fluxo do fluido. Há casos
em que mesmo quando o corpo é projetado para que o fluxo externo contorne-o, há criação dessas regiões. Um
exemplo disso é quando o ângulo de ataque das asas de um avião excedem um certo valor crítico, ocasionando
grande pressão de arrasto e levando a desestabilização e perca de altitude.
Uma consequência desse fenômeno é a formação de vótices na região onde se concentra a separação do
fluxo. A região com esses vórtices costuma produzir vibração e por consequência regiões do corpo que
são próximas aos vórtices podem entrar em ressonância com a região do fluido externa separada do fluxo

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livre. Esse efeito é altamente indesejável, principalenten quando são projetadas pontes e peças externas de
aeronaves.

Coeficientes de arraste de objetos comuns


Como já observado, podemos descrever os efeitos de arraste usando o número de Reynolds. Apresentamos
abaixo uma tabela com diversos coeficientes de arraste para diferentes tipos de objetos. Notamos também
que quando o número de Reynolds é baixo, Re < 1, o formato do objeto não tem muita relevancia, visto
que o corpo fica envolto pelo fluido. A região de interesse, Re × CA é entre Re ∼ 101 até Re ∼ 104 , acima
desse valor o coeficiente CA é praticamente constante. Para o número Re muito maior do que 1 a orientação
do corpo com relação ao campo de velocidades e redução de “quinas” é o mais relevante para diminuição do
coeficiente de arraste - como pode ser visto na tabela. Um cubo, por exemplo, tem o seu coeficiente diminuido
de 2.2 para 1.2 simplesmente arredondando-se os seus cantos.
Há uma grande quantidade de tabelas para diversos objetos que são comumente usados no dia a dia.
Geralmente essas tabelas vêm acompanhadas por parâmetros numéricos sobre os quais os valores foram
extraídos, visto que esses coeficientes são medidos em laboratórios sob condições extremamente controladas.
Uma forma de descrever objetos mais complicados é através da composição de formas simples. Apesar de ser
uma simplificação, uma vez que efeitos das bordas em geral não são levados em consideração nesses casos,
fornecem uma aproximação útil. Abaixo apresentamos os coeficientes de arraste para diversos objetos em
duas e três dimensões (Condições de temperatura e pressão não são levadas em consideração).

Figura 2: Coeficientes de arrasto, CD , para objetos bidimensionais.

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Figura 3: Coeficientes de arrasto, CD , para objetos tridimensionais.

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Figura 4: Coeficientes de arrasto, CD , para objetos tridimensionais com formatos realistas.

Exemplo: Efeito do formato do espelho retrovisor de um carro no consumo de combustivel


Suponha que o espelho retrovisor de um automóvel tem 13cm de diâmetro. Vamos comparar
a diferença no consumo de combustivel de um carro que anda 24000km a uma velocidade média
de 95km/h com um espelho em forma de disco (que bloqueia a passagem do ar) e um espelho em
forma de hemisfério (que induz o contorno do fluido). Suponha que a eficiência do motor é de
30% e que o valor de combustão da gasolina é de 44000kJ/kg.ent˜
Solução:
A densidade do ar e da gasolina são tomadas como sendo 1.2kg/m3 e 800kg/m3 , respectiva-
mente. Os coeficientes de arraste são 1.1 para o espelho em forma de disco e 0.4 para o esplho
em forma de hemisfério.
Para o retrovisor em formato de disco a expressão (1) para a força nos da

FA = 6.10N
então o trabalho (variação da energia) no trajeto do carro é W = FA .24000km = 146400kJ. A
energia consumida nesse trajeto será Ein = W /0.3 = 488000kJ.
A quantia de combustível consumida em litros será

mgas Ein /44000kJ/kg


Q= = 13.9l
ρgas ρgas

O coeficiente de redução é
1.1 − 0.4
q= = 0.636
1.1
então Qq = 8.82l é a quantidade de combustivel consumida usando o espelho em formato de
hemisfério.

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Aula 2
Fluxo no entorno de cilíndros e esferas
Sobre regime laminar e turbulento
Antes de falarmos sobre o fluxo externo ao redor das duas geometrias mencionadas no título da
sessão precisamos falar um pouco sobre a relação entre o número de Rynolds e regimes laminares
e turbulentos. O número de Reynolds é proporcional a velocidade e inversamente proporcional a
viscosidade, i.e. Re ∝ V /ν, assim é um parâmetro que, de certa forma, descreve o fluido a partir
de uma conbinação das suas propriedades. De maneira pouco rigorosa podemos dizer que o regime
de fluxo laminar é caracterizado pelo “bom comportamento” do campo de velocidades do fluido,
enquanto que o regime turbulento apresenta alto grau de desordem no campo de velocidades.
Naturalmente há uma região de transição entre esses dois regimes, que é uma região onde é
possível identificar tanto comportamento laminar como comportamento turbulento. A transição
entre um regime e outro é expressada pelo número de Reyndolds crítico Rec e varia dependendo
do fluido e da geometria do corpo - o parâmetro que leva a proporcionalidade à igualdade na
expressão do número de Reynolds está associado à geometria do corpo e depende exclusivamente
disso.
No regime turbulento a rugosidade da superfície (pequenas deformações no corpo) são rele-
vantes principalmente para aumento ou diminuição do atrito de arrasto porque a rugosidade pode
fazer com que, no regime turbulento, a área de contato entre o corpo e o fluido seja maior. Como
veremos esse é o caso de uma bola de golfe.

Tanto a geometria cilíndrica como a geometria circular são casos interessantes para se estudar o efeito de
arrasto, no primeiro caso temos como exemplo encanamentos que estão submersos em rios com correnteza, já
o segundo caso é de interesse principalmente nos esportes. Para os dois casos o número de Reynolds assume
a expressão
VD
Re = (2)
ν
onde D é o diâmetro do cículo que define o cilíndro ou a esfera. Também para ambos os casos o número
crítico é em torno de Re ∼ 105 , tornando-se totalmente turbulento para o valor aproximado de Re ∼ 2 × 106
- a região de transição é subentendida como sendo o intervalo entre o valor crítico e o valor que define o
regime totalmente turbulento.
Na imagem abaixo, figura 5, temos o fluxo no entorno de um cilíndro para Re ∼ 2 × 103 . Note que há
um ponto de estagnação bem na frente do cilindro e por volta de θ ∼ π/2 e θ ∼ 3π/2 ocorre a separação do
fluido do corpo.

Figura 5: Fluxo no entorno de um cilíndro longo (região preta).

No ponto de estagnação a pressão atinge o seu valor máximo, diferentemente da região “atrás” do cilíndro,
onde a pressão é muito baixa, isso induz pressão de atrito. No entanto notamos que a região de separação
e a parte para trás do cilindro é uma região de regime turbulento. Isto porque quando o fluido se separa
do corpo a velocidade associada ao fluxo aumenta e o cisalhamento com a região de velocidade nula induz
movimento desordenado, dando origem a um campo de velocidades turbulento.
Para velocidades de fluxo externo muito baixas Re . 1 o fluido fica completamente envolto no cilindro
(ou esfera), seguindo assim a curvatura do objeto. Já para velocidades mais altas o fluido se separa do objeto
e a região de separação é caracterizada pela formação de vórtices, caracterizada também pela pressão muito

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inferior à pressão no ponto de estagnação. A natureza do fluxo no entorno do objeto induz uma força de
arrasto que pode ser tanto devido ao atrito quanto à pressão. Quando Re < 10 o arrasto é predominantemente
devido ao atrito/cisalhamento, enquanto que para Re > 5000 é devido principalmente à pressão. Na região
entre os doi números ambos os efeitos são significantes. O gráfico abaixo descreve o coeficiente de arrasto em
função de Re.

Figura 6: Coeficiente de arrasto em função do número de Reynolds para uma esfera e um cilíndro, ambos
com rugosidade nula.

Algumas observações sobre o gráfico da figura 6:


• Até aproximadamente Re ∼ 1 não há separação do fluxo externo do corpo, i.e. o corpo está completa-
mente envolto pelo fluido, enquanto que o coeficiente de arrasto decai com o número de Reynolds.
• Em torno de Re ∼ 10 o fluxo começa a separar do corpo formando regiões de pressão mais baixa. A
criação de vórtices começa a partir de Re ∼ 90. Conforme o número de Reynoldscresce até Re ∼ 103
a região onde o fluido se separa do corpo vai aumentando. Neste ponto Re ∼ 103 a força de arraste é
principalmente (95%) devido a pressão. Contudo perceba que nessa região 10 < Re < 103 o coeficiente
de arrasto continua diminuindo. No entando observamos - eq. (1) - que a força de arrasto não diminui
devido apenas à diminuição do coeficiente de arrasto pois essa força também é proporcional ao quadrado
da velocidade, que aumenta com o número de Reynolds.
• Na região 103 < Re < 105 o número de reinolds não varia tanto como na região anterior. Esse
comportamento é típico de corpos que tendem a barrar o fluxo. Nessa região do gráfico é caracteristico
do fluido ser turbulento na região de separação.
• Na região Re ∼ 2 × 102 e Re < 106 há uma queda abrupta no coeficiente de arrasto. Essa queda deve-se
principalmente ao regime ser completamente rubulento a partir dessa região, nesse caso a superfície de
contato do corpo com o fluxo externo aumenta consideravelmente, os pontos de separação ocorrem em
torno de 140◦ frente a 80◦ em regiões onde o fluxo é laminar. (Ângulo contado a partir do ponto de
estagnação).
Exemplo: Cano em um rio com correnteza
Um cano de 2.2cm de diâmetro e 30m de comprimento está completamente imerso em um rio.
A velocidade média da água é 4m/s e a temperatura é 15◦ C.
Solução:
Implicitamente assumimos que : i) A superfície externa do cano não possui rugosidade, tal
que o gráfico na figura 6 descreve o coeficiente de arraste. ii) O fluxo é estático. iii) A direção do
fluxo do rio é normal ao cano. iv) Efeitos turbulentos são desconsiderados.
A 15◦ C a densidade da água é 999.1kg/m3 e a viscosidade dinâmica µ = 1.138 × 10−3 kg/m.s.
O número de Reynolds é
ρV D
Re = = 7.73 × 104
µ

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pelo gráfico da figura 6 isso corresponde a CA = 1. Note também que a área frontal do cilíndro é
A = (30m)(0.022m). Portanto aplicando (1) temos a força de arraste

FA = 5300N

(valor aproximado).
Observe que, em km/h a velocidade do fluxo é 14.4km/h, que é uma velocidade aparentemente
alta para o fluxo de um rio. De toda forma o arrasto provocado pelo rio no cano é equivalente a
um corpo de mais de 500kg sobre o cano.

Rugosidade
Já mencionamos que a rugosidade tem implicações severas quando o regime do fluxo é turbulento. Para corpos
com geometria cilíndrica e esférica a rugosidade pode funcionar como um bom mecanismo para redução de
arraste pois pode efetivamente diminuir a região de separação entre o fluido e a região separada, diminuindo
assim a pressão de arraste. É preciso notar, no entanto, que essa consideração só é válida para um intervalo
do número de Reynolds, como podemos ver na figura 7:

Figura 7: Coeficiente de arraste em função do número de Reynolds.  é o parâmetro de rugosidade.

Observe como para Re = 2 × 105 o coeficiente de arraste cai de 0.5 para 0.1 quando a rugosidade relativa,
/D é 0.00015 para uma esfera. Esse é um exemplo drástico desse fenômeno, mas que ilustra bem que,
quando se tem em mente uma certa faixa do número de Reynolds a rugosidade pode ser desejável.

Sustentação
A força de sustentação é definida como a força que atua sobre o objeto na direção perpendicular ao fluxo e
tem sua expressão dada por (1), neste caso A é a chamada área de plataforma do objeto, que nada mais é do
que a área como vista por um observador perpendicular (“de cima”) do objeto. O objetivo desta sessão é a
compreensão de fenômenos associados a asa e aérofólios projetados para aumentar a sustentação ao mesmo
tempo que diminuem o arraste, mas cabe notar que a sustentação nem sempre precisa ser no sentido contra
a gravidade. Um caso em que é desejável que a sustentação tenha direção vertical para baixo é para carros
de corrida pois, neste caso, a sustentação aumenta a aderência do carro, dando assim mais controle para o
piloto.

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Figura 8: Área de plataforma. Chord (c) e Span (b) são termos referem-se a largura e comprimento, respec-
tivamente.

Objetos projetados para produzir o efeito de sustentação em geral são contornados pelo fluido, assim o
efeito de cisalhamento é praticamente nulo, de forma que esse efeito é comumente negligenciado, atribuindo-se
a sustentação inteiramente à diferença de pressão. De acordo com a equação de Bernoulli a pressão é maior
tanto quanto maior for a velocidade do fluido, portanto uma asa deve ser assimétrica permitindo que o fluido
contorne-a com velocidades diferentes para causar maior sustentação. Se isso é verdade então integrando
a distribuição de pressões sobre a área de plataforma deveriamos encontrar a força de sustentação, porém
observe na figura 9 o resultado de algumas simulações:

Figura 9: Três arranjos de asa diferentes. Note que apenas na terceira descrição há força de sustentação.

A imagem (b) na figura 9 indica que a sustentação é nula, apesar da assimetria na asa. Isso se deve ao
formato em “U” que a linha de fluxo diretamente abaixo da asa deveria fazer, o que é impossível. De fato a
descrição correta e a imagem que melhor descreve o fluxo é a imagem (c). A explicação de Bernoulli não é
suficiente para explicar, pois acontece que não podemos usar o teorema de Bernoulli para duas linhas de fluxo
diferentes - a sua equação vale para pontos diferentes na mesma linha de fluxo -, além disso pontos localizados
paralelamente na região de fluxo livre antes de encontrarem a asa não permanecem necessariamente paralelos
quando as linhas de fluxo seguem contornos diferentes ao redor da asa. Contudo a explicação da diferença de
pressão está correta. Além disso, perceba que parte do fluido é direcionada para baixo devido ao formato da
asa (observa a direção das linhas de flluxo na figura 9c), assim, aplicando a terceira lei de Newton percebemos
que deverá existir uma força vertical para cima, que é a sustentação.
Podemos compreender a sustentação também através da circulação induzida pelo contorno diferente na
parte superior e inferior da asa, criando assim um vortice no sentido horário na asa, o que aumenta a
velocidade do fluxo diretamente acima da asa e diminui a velocidade diretamente abaixo dela. Isso produz
um vórtice com circulação contraria atrás da asa e o efeito geral é de fluxo contínuo contornando a asa, i.e.
figura 9c.

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Figura 10: Circulação e formação de vórtices devido ao fluxo externo contornando uma asa ou aerofólio.

Quando são projetados, tem-se em mente o aumento da sustentação enquanto que se diminui o arraste. Isso
é atingido controlando-se o ângulo de ataque do aerofólio com relação à direção do vento, abaixo apresentamos
um gráfico da razão dos coeficientes de sustentação e arraste versus o ângulo de ataque.

Figura 11: Razão dos coeficientes de sustentação e arraste pelo ângulo de ataque α.

Durante uma decolagem, por exemplo, não apenas o ângulo da asa como todo o avião é inclinado para
ganho na força de sustentação.Outra forma de aumentar o coeficiente de sustentação é o uso de flapas, que
aumentam o Chord (c.f. figura 8). Quando são usadas flapas há um aumento no coeficiente de arraste
junto com o ganho no coeficiente de sustentação, assim esses mecanismos são usados apenas durante pouso
e decolagem de aeronaves para maior eficiência no uso de combustível.

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Figura 12: Efeito do uso de flapas: Imagem da esquerda mostra como o coeficiente de sustentação aumenta
com e sem flapas com relação ao ângulo de ataque; a figura da direita mostra que conforme ganhamos em
sustentação, aumentamos também o coeficiente de arraste.

O efeito das flapas pode aumentar o coeficiente de sustentação de 1.5 para até 3.5, mas note que o
coeficiente de arraste sobe de 0.06 para 0.3 - um aumento de cinco vezes no coeficiente de arraste para pouco
mais do dobro na sustentação. Por esse motivo que flapas são usadas apenas em situações criticas, pois a
potência das turbinas deve ser muito mais elevada quando esses dispositivos estão sendo usados.
A velocidade de voo mínima pode ser obtida a partir da equação (1) exigindo-se que a força de sustentação
seja igual a força peso da aeronave e que CS = CS,max , i.e. o coeficiente de sustentação seja o maior possível,
assim se W = maeronave g é a força peso da aeronave então
 1/2
2W
Vmin = (3)
ρCS,max A

Perceba que o produto Cs A é a única coisa que podemos controlar, assim para minimizar a velocidade de
decolagem temos de maximizar esse produto. A expressão acima descreve a velocidade, não apenas durante a
decolagem mas durante qualquer período do voo, e para que uma aeronave não caia ou perca altitude deve-se
sempre prestar atenção na densidade ρ do ar, nesse caso específico a densidade é uma função inversamente
proporcional a temperatura. Isso acaba sendo importante para aeroportos cuja altitude é muito superior ao
nível do mar.

Asas com comprimento finito e arraste induzido


A análise que apresentamos até aqui é válida no regime distante das bortas de um aerofólio. Quando
observamos o comportamento de um aerofólio finito, isto é, o efeito que as bordas provoca no fluxo livre,
temos a formação de vórtices nas pontas, como nas imagens abaixo

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a) b)

c)

Figura 13: a) Asa vista de cima sobre um fluxo constante; b) avião durante a decolagem deixa um vórtice
criado na ponta das asas devido ao efeito da sustentação; c) ilustração do efeito numa aeronave vista em 3d.

Esse fenômeno é uma consequência da força de sustentação, pouco podendo ser feito para evitar a ocor-
rência da formação desses vórtices. Isso se deve à diferença de pressão que existe entre a parte superior e
inferior da asa, juntamente com o fato de que o fluxo contorna a asa e, nas bordas, a continuidade do fluxo
somada à diferença de pressão nas regiões faz com que se crie a região de vorticidade indicada na figura 13.
Quando isso acontece há uma força na direção do fluxo e a essa força da-se o nome arrasto induzido.
Uma curiosidade: a formação em “V” dos pássaros em voos de longas distâncias é devido a esse fenômeno,
utilizando esses vórtices os pássaros conseguem reduzir para até 1/3 a energia que seria gasta para voar
separadamente. Em voos militares também é comum a prática dessa formação de voo para reduzir o consumo
de combustível. No caso dos pássaros há uma correlação no movimento das asas que é utlizada para tirar o
proveito desses vórtices. Recentemente um estudo verificou que no caso de apenas 2 ou 3 pássaros voando
um imediatamente atrás do outro ao invés da formação em V percebe-se que o movimento é exatamente o
oposto do pássaro diretamente a frente, visando a eliminação desse vórtice.
Para reduzir o arrasto induzido é comum que sejam utilizadas asas com algumas curvas nas terminações.

Figura 14: Terminações curvadas nas asas de um avião de pequeno porte para minimizar o arraste induzido.

Exemplo: Decolagem e voo de cruseiro de um avião comercial


Suponha um avião com massa 70000kg e área de plataforma da asa de 150m3 . A velocidade
de cruseiro do avião - quando o avião atingiu a altitude de voo determinada e está estável -
é de 558km/h, sua altitude nesta situação é 12000m e a densidade do ar é 0.312kg/m3 . Para
decolagem e aterrisagem o avião usa 2 flapas enquanto que para o voo de cruseiro elas ficam

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retraídas. Suponha que os coeficientes e ângulo de ataque das asas são descritos de acordo com
os gráficos da figura 12 e que a densidade do ar no solo é 1.20kg/m3 . Determinar:
a) A velocidade mínima de decolagem com e sem flapas sabendo que a lei de segurança na
aviação exige que essa velocidade seja de, no mínimo, 1.2 vezes maior do que a velocidade calcu-
lada.
b) O ângulo de ataque em condições de cruseiro.
c) Assumindo a eficiência de 30% das turbinas calcule a quantidade de energia necessária para
superar a força de arraste.
Solução:
O coeficiente de sustentação máximo com flapas é 3.48 e sem flapas 1.52. Usamos g =
9.81m/s2 .
a) O peso da aeronave é W = mg, ou seja W = 686, 700N. Pela equação (3) a velocidade
mínima será
s
2 (686, 700)
Vcf = = 70.9m/s
(1.2) (1.52) (150)
s
2 (686, 700)
Vsf = = 46.8m/s
(1.2) (3.48) (150)

onde cf e sf indicam com flapas e sem flapas. Multiplicando por 1.2 e convertendo para km/h
(1m/s=3.6km/h) temos

Vcf = 306km/h
Vsf = 202km/h

ou seja, com as flapas o avião decola com pouco mais de 100km/h a menos, numa pista de
decolagem menor, portanto.
b) Em condições de cruseiro a força de sustentação deverá ser igual à força peso, assim apli-
cando a formula (1) para o coeficiente de sustentação e a velocidade de cruseiro dada no problema
encontramos
CS = 1.22
de acordo com o gráfico da esquerda da figura 9 isso corresponde a α ∼ 10◦ .
c) O gráfico da direita na figura 9 mostra que para CS = 1.22 temos CA = 0.03, portanto a
força de arrasto de acordo com (1) é
FA = 16.9kN
Como a potência é P = F v, na velocidade de cruseiro (em unidades do SI) temos

P = 2620kW

dividindo por 0.3 já que essa é a eficiência do motor encontramos que P = 8733kW de potência
devem ser produzidos pelas turbinas do avião para superar apenas a forca de arrasto nas asas.

Comentários e referências
Esse texto foi redigido como forma de preparação das aulas, assim é muito provável que algumas palavras
estejam repetitivas, bem como erros de ortografia e concordância devem aparecer diversas vezes, espero que
isso não atrapalhe o entendimento. Algumas referências usadas usadas para elaboração:
• Çengel, Yunus A. Mecânica dos Fluidos: fundamentos e aplicações, 2007. — O capítulo 10 desse
livro foi o texto base, de onde foi tirada boa parte da estrutura do texto, os exemplos resolvidos e a
maioria das imagens.

• Fox, Robert W. Introdução à mecânica dos fluidos, oitava edição. — Texto auxiliar para tradução
de termos técnicos e discussão complementar. Contém exemplos diferentes dos apresentados aqui mas
a apresentação segue a mesma linha. A conteúdo dessas notas está no capítulo 9, sessões 7 e 8.

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• Skybrary(Clique na palavra para ser redirecionado para o link no navegador) — Contém discussão um
pouco mais técnica sobre os assuntos.
• NASA(Clique na palavra para ser redirecionado para o link no navegador) — Contém a imagem inferior
da figura 13 e uma breve discussão sobre arrasto induzido.

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