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A Demografia - “Em sentido amplo abrange a história natural da espécie humana; em sentido

restrito, abrange o conhecimento matemático das populações, dos seus movimentos gerais, do
seu estado físico, intelectual e moral” (Nazareth, 2016, p.43) Esta é a definição de Demografia
proposta por Achille Guillard e sendo sintética, aborda o objetivo da Demografia enquanto
ciência e também a formação de diferentes ramificações lançando nuances de uma Demografia
única mas multidisciplinar. Essa multidisciplinaridade é aliás transversal e indispensável às
diferentes Ciências Sociais.

A população na Europa - A população está sujeita às condições naturais do mundo em que vive,
no entanto, nem só estas afetam a sua existência. A orientação filosófica de cada era tem um
impacto direto na vida das pessoas e pode ditar o rumo de civilizações inteiras. Analisando o
caso da civilização grega, defendiam Platão e Aristóteles uma limitação do número de pessoas,
pelo contrário, o Imperio Romano era apologista de uma atitude populacionista até para poder
formar os exércitos que permitissem pôr em prática o seu projeto de conquistas. Porém, apesar
dessas diferentes perspetivas ambas entraram em declínio não em exclusivo, por pestes, fomes
e guerras mas porque as famílias eram pouco numerosas para que o património não fosse muito
dividido, para além de existir uma quantidade abundante de escravos o que influenciava os
números da população e mascarava situações de mortalidade elevada ou de baixa natalidade
dando a ilusão do conceito que ficaria conhecido como “mundo cheio” ou a ilusão dele. Este foi
o primeiro de três mundos cheios. O ocidente medieval, que se segue ao Império Romano, no
seu inicio fica marcado por alguma desorganização administrativa o que não permite um
crescimento significativo, mas a partir do século VII a melhoria de condições climatéricas
favoráveis, o desenvolvimento da agricultura, um consolidar de estruturas e um território que
começa a ser povoado em continuo, proporcionaram um crescimento da população. Este
crescimento exponencial de tal ordem que se verificou impossível a criação de novas
explorações agrícolas, estávamos na presença do segundo “mundo cheio”. No século XVIII
começou a percorrer-se um caminho para o terceiro “mundo cheio”. Com a industrialização que
permitiu que o casamento acontecesse em idades mais jovens e por isso mais fecundos, com a
evolução progressiva da medicina e o consequente aumento da esperança média de vida
permitiu à população um crescimento sem precedentes e quase sem obstáculos que nem as
duas guerras mundiais conseguiram travar, o crescimento abrandou, mas não parou.

A população no resto do mundo - Fruto do crescimento da população na Europa ocorreu a uma


vaga de emigração em direção à América do Norte no século XIX. Nesta região a população
passou de 5 milhões em 1800 para 90 milhões em 1900 e 325 milhões no final do milénio
(Nazareth, 2016, p93 e 94). Na América Central e do Sul até ao século XVI, o crescimento terá
sido lento e progressivo até ao início da colonização. As populações nativas não estavam imunes
a certos micróbios tendo a varíola levada pelos conquistadores provocado um enorme número
de baixas diminuindo a população para um quarto, provocando o desaparecimento quase total
das civilizações Inca e Azteca. Apenas em meados do seculo XIX se voltariam a atingir valores
populacionais semelhantes aos que se verificavam no ano 1500. Por sua vez o continente
africano, apresenta diferenças entre a região Norte e a Região a sul do Saara. A difusão da
agricultura no Egipto que ocorre por volta do ano 7000 a.C. o que levou a população se
concentrasse nas margens do Nilo, que pelo ano 3000 a.C. seria de um milhão de habitantes. No
entanto no restante continente em lugar à lavoura praticava-se a caça e recoleção de alimentos
existentes na natureza o que favorecia que os grupos populacionais tivessem um cariz nómada,
e, portanto, mais difícil para grávidas e crianças, ocorrendo um crescimento lento da população.
Este continente atravessou igualmente um período de colonização, fator que contribui para que
se manteve-se um baixo crescimento populacional devido ao tráfico de escravos. No século XX
e com o fim do período colonial assiste-se a um aumento populacional em África. No continente
asiático existem dois grandes blocos populacionais, a China e o subcontinente indiano formado
pela Índia, o Paquistão e o Bangladesh. Desde o início da era cristã até aos nossos dias estes dois
blocos revezaram-se como o conjunto populacional mais numeroso da Ásia sendo que hoje é a
China que apresenta uma população mais numerosa. Para além destes, o Japão apresenta
também uma população com um número significativo sendo que essa expressividade é
alcançada no decorrer do século XX; em 1995 o número de habitantes do Japão rondava os 125
milhões.

Teorias e Modelos - Pode-se dizer que no que toca à população existe um pré e um pós
industrialização. No período pré-industrialização existia um fator auto-regulador, o chamado
Modelo do Antigo Regime. Como foi dito anteriormente, no segundo mundo cheio, o espaço
estava de tal forma ocupado que não era possível a criação de novas explorações agrícolas. As
terras ou pertenciam à nobreza e ao clero, ou as que pertenciam aos camponeses eram de
pequena dimensão e por isso difíceis de dividir. Sendo a principal atividade económica a
agricultura e não existindo terrenos disponíveis facilmente se percebe que para os jovens casais
não era fácil estabelecerem-se sendo que sem casa, não havia casamento. Assim um jovem casal
que pretendesse contrair casamento não se podendo estabelecer quer por incapacidade
financeira que por inexistência de terrenos trabalhava no campo ou na cidade, até que uma crise
de mortalidade provocasse a morte dos pais estando assim disponível a herança. Na ausência
de crises de mortalidade os casamentos eram mais tardios e menos fecundos e observava-se
um menor crescimento populacional. No entanto, quando aconteciam crises de mortalidade
essa reserva de celibatários ia substituir os casais de casamentos longos já infecundos que
pereciam nessas crises. Os casamentos davam-se então em idades mais jovens e por isso eram
mais fecundos repondo a população perdida. As oficinas dos artesãos estabeleciam-se em
terrenos de menor dimensão e assim os fogos dos artesãos podiam multiplicar-se mais
rapidamente, assim os casamentos davam-se em idades mais jovens. Este fator associado a um
progresso da medicina e o melhoramento das condições de higiene provocou um aumento da
esperança média de vida e uma diminuição da mortalidade infantil chegando assim ao fim o
modelo demográfico do Antigo Regime.

Olhando agora à teoria da transição demográfica esta, inicialmente formulada para analisar o
panorama demográfico europeu não tardou a espalhar-se aos outros continentes. Esta teoria
assenta em diferentes fases. A primeira fase caracteriza-se pela existência de uma fecundidade
e mortalidade elevadas ocorrendo um crescimento populacional reduzido; A segunda fase
caracteriza-se por se manter uma fecundidade elevada, mas um decréscimo da mortalidade,
provocada por uma melhoria das condições de vida, ocorrendo assim um crescimento da
população; Na terceira fase, continuam a cair os números da mortalidade, ainda que a um ritmo
mais lento do que na fase anterior e assiste-se também a um decréscimo no número de
nascimentos, provocando um abrandamento no crescimento populacional; A quarta fase
traduz-se numa fase de equilíbrio entre natalidade e mortalidade com o crescimento a tender
para zero. A estas quarto fases acresce hoje uma quinta chamada de pós-transição caracterizada
por um número de mortes superior ao número de nascimentos provocando então um
envelhecimento da população. Recorrendo aos diferentes estádios da teoria de transição
demográfica, é possível caracterizar os diferentes países em função do seu crescimento
populacional bem como estabelecer uma relação entre modernização e o crescimento da
população.

A população e os recursos - Thomas-Robert Malthus publica em 1798 o Livro “Ensaio sobre o


Princípio da População” e provocou controvérsia com algumas das teorias que apresenta. Em
1803 publica uma nova edição em que altera o título e o número de páginas aumenta
significativamente, mas mais importante ao invés de apenas expor os problemas relacionados
com excesso de população, este apresenta soluções como “a limitação dos nascimentos através
do casamento tardio e da abstinência sexual até ao casamento” (Nazareth, 2016, p27).
Concordando-se ou não com as ideias de Malthus a verdade é que este teve o mérito de
compilar um conjunto de ideias dispersas e tratar os temas com uma atitude científica.
Resumindo os temas tratados na obra temos os seguintes eixos: “Inquérito sobre os obstáculos
ao crescimento da população; Teoria do Princípio da População e problemas dela derivados;
Solução do Problema; Crítica das falsas soluções” (Nazareth, 2016, p31). Outra das questões
abordadas no livro é a visão de Malthus sobre a população e os meios de subsistência que
segundo o autor apresentam um crescimento diferenciado, assim, a população sem controlo
duplicaria a cada 25 anos enquanto que os meios de subsistência cresceriam de forma
aritmética, a cada 25 anos ocorrendo assim um desequilíbrio entre população e recursos. Outra
das questões tratadas prende-se com os obstáculos ao crescimento da população que seriam
de três tipos: o vício, a miséria e a obrigação moral. Para Malthus a solução estaria no casamento
tardio até ao qual se manteria a castidade e assim os casamentos seriam menos fecundos o que
baixaria o ritmo de crescimento da população.

Também Alfred Sauvey que propõe o conceito de “ótimo da população”, mais tarde
“crescimento ótimo da população” que consistiria num intervalo dentro o qual os números da
população se considerariam como aceitáveis. Este intervalo seria variável em lugar e no tempo
e estaria dependente do desenvolvimento de cada país. Esse crescimento deveria ocorrer entre
valores que “nunca podem por em causa a ordem ambiental social e económica em que se insere
a população” (Nazareth, 2016, p39). Sauvey afirma ainda que a problemática é maior do que
uma relação população-subsistência, mas que tem de abranger os diferentes “elementos da
cadeia alimentar” (Nazareth, 2016, p40). Este autor reflete ainda sobre a impossibilidade de um
crescimento eterno e que inevitavelmente se chegaria a um envelhecimento demográfico.

A população mundial hoje - Ao contrário do que se passou nos primeiros dois “mundos cheios”
a população mundial está dividida em dois grandes blocos principais: o dos países desenvolvidos
onde se encontra 20% da população mundial e os países subdesenvolvidos onde vivem os
restantes 80%. Estas duas realidades apresentam características antagónicas entre si apesar de
vivermos num mundo global. Rendimento per capita, mortalidade infantil, envelhecimento da
população, são alguns dos pontos em que estas realidades estão em polos opostos e cuja
convergência decorre de forma lenta. Existem dois mundos diferentes e cada um deles com os
seus próprios problemas. Outras características diferenciam os anteriores “mundos cheios” do
que se presencia hoje, o que se deve ao rápido crescimento da população; passamos de uma
contagem nas unidades de milhão e centenas de milhão para o milhar de milhão nos nossos
dias. Também a unidade de tempo usada para análise, passou a ser em anos ao contrário do que
se usa para analisar os anteriores “mundos cheios” onde a análise era feita em séculos.
A Demografia e o mundo real - William Vogt tinha já no passado demostrado preocupação com
a forma descontrolada que a expansão agrícola e florestal estava a assumir. Hoje não é apenas
na agricultura e florestas que se percebe o desequilíbrio provocado pelo homem no
ecossistema, esse desequilíbrio estende-se aos diferentes recursos do planeta, basta ver que
este ano, a 29 de julho, o planeta atingiu o chamado Overshoot Day, ou seja, o dia em que a
população mundial tinha já consumido os recursos naturais do planeta previsto para 2019 se o
seu uso fosse sustentável. (Diário de Notícias, 2019) Esta relação entre população e recursos
disponíveis não é por isso nem coisa do passado, nem uma mera teoria. Essa relação e este
défice ecológico constante está hoje, a provocar problemas reais à vida no planeta e alterações
nos ecossistemas. A Demografia, como ciência que estuda a população terá um lugar
privilegiado para a análise das causas e consequências dos movimentos e alterações na
população bem como através de projeções apontar eventuais cenários futuros e assim fornecer
a informação necessária ao poder de decisão.

Olhando à situação portuguesa, a Demografia tinha já lançado pistas sobre os um problema


muito concreto e real: o desequilíbrio na distribuição da população portuguesa no território,
que há décadas é uma realidade em Portugal. De acordo com o portal Pordata (2019), em 2018
das 10,2 milhões de pessoas que residiam em Portugal Continental cerca de 4,5 milhões de
pessoas estavam concentradas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Isto tem
consequências ao nível social com o abandono e isolamento de populações idosas no interior,
mas também questões ambientais. Os incêndios florestais que se tem registado em Portugal, e
as consequências trágicas que todos os anos que os incêndios acarretam, não são estranhos a
esse desequilíbrio e abandono do interior. Ainda analisando o caso português e considerando a
teoria de Transição Demográfica podemos afirmar que Portugal se encontra no quinto estádio,
a pós-transição uma vez que de acordo com os dados do portal Pordata (2019), verifica-se que
entre 2009 e 2018 o saldo natural é negativo, ou seja, o número de nascimentos tem-se
verificado inferior ao número de nascimentos e ocorrendo assim um envelhecimento da
população. Também neste ponto se percebe a importância da demografia como fornecedor de
pistas para os centros de decisão atuarem com base em dados científicos.

A relação entre população e recursos não apresentará a mesma dimensão e nível global. Se a
Demografia elaborou a teoria de Transição Demográfica, propondo diferentes fases a natalidade
e a mortalidade, outra teoria poderia traçar-se acerca da relação população-recursos. Em muitos
países subdesenvolvidos, onde a fome é uma realidade, apenas com a intervenção de
organizações de ajuda humanitária é possível satisfazer as necessidades mais básicas como por
exemplo a alimentação, sendo que a questão não reside necessariamente na falta desse recurso,
mas com a dificuldade em fazer com que ele chegue ás pessoas. Já no mundo desenvolvido a
gestão dos recursos é feita a outro nível. Hoje assistimos diariamente ao alerta de gerir o
consumo de água, principalmente no verão, e a gestão de produção, consumos e emissões,
tendo em conta a sobrevivência futura, como por exemplo o uso de plásticos ou emissões
poluentes. Assim, a gestão dos recursos é feita também de forma diferente entre o mundo
desenvolvido e o mundo subdesenvolvido no sentido em que as necessidades e prioridades se
apresentam diferentes nestes dois mundos do mesmo mundo.

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