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ESTUDO CRÍTICO SOBRE “TERMOS TUPIS NO PORTUGUÊS DO BRASIL”,

Dr. Juan Francisco Recalde. In Revista do Arquivo Municipal,

Departamento de Cultura vol. XLII, ano 1938 p. 39-77

Obs. As páginas 42, 43, 70 e 71 estavam faltando, por isso foram copiadas da Internet
(As páginas 42 e 43 estavam faltando, por isso foram copiadas da Internet)
42 REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL .

dade continúa até hoje no sentimento dos autores platenses e


amazonenses, seus descendentes.

Os paulistas podem fazer justiça á ambas as famílias


que voltaram a reconhecer-se sobre o seu solo.

O ensino da lingua deve apresentar três etapas, das


quais as duas primeiras serão dedicadas ao guarani e ao tupi,
para depois encetar-se a terceira etapa, a da 《Língua Geral》

O Visconde de Porto Seguro introduziu uma


modificação no título do Vocabulario de Montoya da lingua
guaraní, juntando a frase «o más bien tupi», dando assim
inicio á confusão.

Stradelli diz que ao ÑE'ENGATU' corresponde o nome


de 《Língua Geral》. Diz-se 《lingua brasilica》tanto da
《lingua》 《mais falada na costa do Brasil》, quanto da
amazonense. Lingua paraguaia será então a lingua guarani.

Para dar um exemplo das semelhanças e diferenças


entre o tupi e o guarani direi que, pouco mais ou menos, são
as que ocorrem entre os português e o espanhol.

A terceira língua ocuparia a posição da «lingua galega»


correspondente á « Lingua Geral».

O estudo comparado da familia linguistica permitirá a


recoleção das raizes ancestrais e a confecção completa do
vocabulario das linguas ainda vivas ... RESUMO ORTOGRÁFICO,
TUPÍ-GUARANÍ Empregamos a ortografia fonética, dando um
único valor a cada letra, procurando utilizar aquelas que têm
valor idén
ESTUDO CRÍTICO SOBRE «TERMOS TUPIS» 43 .

tico em português e espanhol e regeitar aquelas que têm


valor diferenciado. Nosso intuito fói especialmente unificar o
modo de escrever dos brasileiros e paraguaios, principais
cultores da língua, com possibilidades de identica
representação grafica do tupi e do guarani nas suas
peculiaridades respectivas. A grafia etmologica foi
considerada todas as vezes que a simples grafia fonetica
pudesse produzir equivocos. A acentuação empregada
corresponde a uma convenção de forma mais semelhante
possível á acentuação atual do português e do espanhol. A
norma seguida permite a brasileiros e paraguaios ler
corretamente no original sem conhecimento previo de
algumas particularidades convencionais que, uma vez
conhecidas, lhes permitirá ler com perfeição.

VOGAIS:

As vogais correntes são: a, e, i, o, u (como em português e


espanhol) Vogais nasais são: ã , é , I , õ , ú (como em
português: maçã) Vogal gutural especial : i (i com acento
grave francês) som especial.

Vogais naso-guturais: ang, eng, ing, ong, ung, ìn; fonemas


especiais.

Vogais guturais: ag, eg, ig, og, ug, (Vão desaparecendo)


Exemplos: AYU ' APE NE RENDAPE , ( ayú ápe ne rendápe )
venho aqui em teu lugar. MARANDE'PA R. EYU' ; MARã'PA
REYU': com quê motivo vens; para que vens?

PiTU ' ( respiração ) ; PiTữ ( obscuridão , noite ) ; PiTã '


( vermelho ) PiTA ' ( calcanhar ) ; PORā ' ( lindo , em guaraní ) ;
PORAN ' ( lindo , em tupi ) . No guaraní a tendencia é para a
fusão , numa só emissão de voz, da A - N ( ã ) , e no tupí a
tendencia é de manter a separação que obriga a escrever as
duas letras: AN .
(As páginas 70 e 71 estavam faltando, então foram da Internet).
70 REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL .

expor , mostrar , pôr á mostra . E ' a mesma voz incluida em MA'ê'


(olhar); NOHé' ( tirar, botar fora); Sê' (sair). MOKA'ê', significa pelos
seus constituintes : fazer sair seco, enxugar (ao fogo). A crosta seca
das feridas em via de cicatrização tambem recebe o nome de KA'ê' ,
uma vez que a parte humida desaparece e aparece, sai, a crosta seca.
Nada encontramos que corresponda á «grelha». A lógica ensina que
«assadouro» é derivado de assar ; que a voz primitiva deverá indicar
a ação e depois a voz derivada o instrumento da ação.

Stradelli não quiz contradizer os classicos que seguiram o erro


inicial de Lery . Não é possivel ter ele escutado de boca aborigene a
voz MOKAEM' no sentido de grelha de assar. No guarani e tupi a
lógica tem um grande valor. Tudo o que a contraria é suspeito de
falso. Contrario a MOKA'ê' é MBOYi, coser, cosinhar na agua, como
quem diria aguanar. Yi PiRE (YiPiRE') é o cosido, o cosinhado na agua.
CHiRiRi", termo onomatopaico, significa fritar e lembra o rumor
caracteristico da banha fervendo. MBICHi é a comida que sofreu a
ação direta do calor do fogo. Deve ser contração de MBA'E'HESi,
cousa cozer. Outros termos muito usados no Paraguai , em relação a
cosinha são : HESi', cozer. MIMóI fervido na agua. MAIMBE', se diz
dos grãos dourados ao fogo lento em panelas de barro cosido: café,
milho, maní.

Aparece em Montoya o termo «barba cuá», nome do dispositivo


para «chamuscar» as folhas verdes da herva mate ao calor do ar
quente que sai por um buraco da terra , proveniente de uma furna
situada á distancia . O ar quente surge por debaixo de uma ramada
que sustenta as folhas destinadas a serem preparadas. Ora, «barba»
não é guarani. HAVERE' é chamuscar ; KUA', buraco. De HAVERE', os
espanhóis fizeram barba, os indios imitaram o modo de falar
espanhol e Montoya recebeu de volta a encomenda. Parece até uma
irreverencia fazer a correção á obra de Montoya, que reconhecemos
monumental.

Á medida que os estudiosos forem penetrando os detalhes da


lingua, mais evidentes aparecerão os multiplos equivocos que temos
o dever de esclarecer. Como obra de grande fôlego esse minéreo da
lingua guarani exige uma depuração, sem que isso diminua o seu
grande merito. Os estudiosos da lingua no Brasil com o profundo
conhecimento teorico que dela possuem se a conhecessem
praticamente como é falada no Paraguai, seriam insuperaveis.
ESTUDO CRÍTICO SOBRE «TERMOS TUPIS» 71 .

MUCHIRÃO « Muchirão é a reunião de roceiros para auxiliar um


vizinho nalgum trabalho agricola , terminando sempre em festa ,
jantar , dansas e descantes ”.

O A. acha-o semelhante á festa agricola portuguesa da esfolhada.


No Paraguai temos a « tarea » que é o muchirão dos cultivadores de
cana, á hora de tirar o mosto e fabricar a melaça. Temos a «Hierra»,
festa da marcação dos animais nas «estancias» de gado vacum e
cavalar. Entre os amerindios não havia safra; a colheita era feita á
medida das necessidades, todo o ano; o muchirão indigena era para
preparar o terreno virgem afim de receber a semente, destinada ao
consumo do chefe e da coletividade.

Na época das chuvas, que é o inverno dos bosques tropicais da Sul


America, o povo colhe na chacara do muchirão. Esses grupos de
trabalho e de consumo das comunidades guaraní foram
desenvolvidos pelos Jesuitas para a exploração industrial da herva
mate nos montes do rio Paraná, conseguindo suficiente colheita por
quantidade e qualidade capaz de açambarcar o mercado de consumo
e de exportação do porto de Buenos Aires.

Este facto de ordem economica repercutiu desastrosamente


sobre a economia dos europeus estabelecidos no Paraguai,
dedicados á mesma industria como materia de troca para a obtenção
de tecidos, metais, etc. A guerra de interesses entre Jesuítas e
espanhóis dentro do domínio paraguaio, teve seu desfecho com a
destruição das missões do Guairá por parte dos paulistas com o
consentimento e o auxilio dos espanhóis do Paraguai. Certa vez em
que os indios venceram e aprisionaram muitos paulistas, numa
batalha sangrenta presenciada pelos soldados do Governador do
Paraguai, estes exigiram logo a entrega dos prisioneiros que
conduzidos a Assunção, foram festejados, regalados e embarcados,
via Buenos Aires, para São Vicente.

Este aspecto das conquistas paulistas do lado sul, não foi ainda
objeto de pesquisas nos arquivos e talvez seja confirmada a suspeita
que aventamos da aliança secreta entre Assunção e São Paulo para a
destruição do poderio jesuitico, seguida da inevitavel posse territorial.

O estudo modelar que faz o A. para reconduzir POTiRõ' (Montoya)


através das suas numerosas equivalencias até o vernáculo, é digno de
aplausos.

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