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CDD: 371.

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A EDUCAÇÃO E AS TRANSFORMAÇÕES DA SOCIEDADE

EDUCATION AND THE TRANSFORMATIONS OF SOCIETY

Márcia Derbli Schafranski1

1
Autor para contato: Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, Campus Central,
Departamento de Educação, Ponta Grossa, PR, Brasil; (42) 3222-0308;
e-mail: silvia@interponta.com.br

Recebido para publicação em 24/03/2004


Aceito para publicação em 06/04/2005

RESUMO

O artigo aborda as relações recíprocas entre educação e sociedade, carac-


terizando os paradigmas que têm dado sustentação às práticas pedagógicas vigentes
nas instituições de ensino. Analisa as exigências e desafios a serem enfrentados
pela educação e por suas instituições na sociedade contemporânea, onde, em
conformidade com os avanços das forças produtivas, o conhecimento passa a
constituir-se ponto estratégico para o desenvolvimento econômico e social. As
reflexões desenvolvidas, apontam para a necessidade de que sejam repensados
criticamente o papel social da educação e as finalidades da escola na sociedade
globalizada, tendo em vista a emancipação dos indivíduos e a democratização da
sociedade.

Palavras-chave: educação, sociedade, concepções paradigmáticas

ABSTRACT

This article discusses the reciprocal relations between education and society
which characterize the paradigms underpinning current pedagogical practices in
educational institutions. It analyzes the demands and challenges to be faced by
education and its institutions in contemporary society, in which, in accordance with
the advances of productive forces, knowledge is becoming a strategic point for
economic and social development. The reflections developed point to the need for a
critical rethinking of the social role of education and the purposes of the school in a
globalized society, with a view on the emancipation and democratization of society.

Key words: education, society, paradigmatic concepts

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1. As concepções paradigmáticas e a tido de dar suporte ideológico a esse sistema, consti-
educação tuindo-se ao mesmo tempo num elemento produtivo,
pela qualificação de recursos humanos para o capital,
A educação é, por suas origem, seus objetivos e embora algumas vezes essas funções sejam percebi-
funções um fenômeno social, estando relacionada ao das e provoquem reações.
contexto político, econômico, científico e cultural de Conforme Frigotto (1999, p. 26):
uma sociedade historicamente determinada.
Conforme Álvaro Vieira Pinto (1989, p.29), “a Na perspectiva das classes dominantes, histori-
educação é o processo pelo qual a sociedade forma camente, a educação dos diferentes grupos soci-
seus membros à sua imagem e em função de seus inte- ais de trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-
resses”. De tal conceito, pode-se deduzir que, não obs- los técnica, social e ideologicamente para o tra-
balho. Trata-se de subordinar a função social da
tante a educação ser um processo constante na histó-
educação de forma controlada para responder às
ria de todas as sociedades, ela não é a mesma em to-
demandas do capital.
dos os tempos e em todos os lugares, e se acha vincu-
lada ao projeto de homem e de sociedade que se quer
Entende-se, pois, que para que os desafios que
ver emergir através do processo educativo.
atualmente se apresentam à educação e às instituições
Dermeval Saviani (1991, p.55) afirma que:
formais de ensino sejam devidamente equacionados,
faz-se necessário uma breve retrospectiva histórica, si-
O estudo das raízes históricas da educação con-
tuando e analisando os paradigmas vigentes na socie-
temporânea nos mostra a estreita relação entre a
mesma e a consciência que o homem tem de si dade, tomando como ponto de partida as transforma-
mesmo, consciência esta que se modifica de épo- ções que caracterizam a Idade Contemporânea.
ca para época, de lugar para lugar, de acordo com A segunda metade do século XVIII é assinalada
um modelo ideal de homem e de sociedade. pelas revoluções burguesas que trazem como conse-
qüência o fim do Absolutismo e a consolidação do ca-
A educação é, portanto, um processo social que pitalismo industrial. O século XIX, por sua vez, vem
se enquadra numa concepção determinada de mundo, marcar o triunfo do liberalismo europeu, vinculado ao
a qual determina os fins a serem atingidos pelo ato e- direito natural e também o triunfo do cientificismo, que
ducativo, em consonância com as idéias dominantes se impondo de forma totalitária, nega as formas de
numa dada sociedade. O fenômeno educativo não pode conhecimento que não estejam de acordo com seus
ser, pois, entendido de maneira fragmentada, ou como princípios epistemológicos e com suas regras metodoló-
uma abstração válida para qualquer tempo e lugar, mas gicas.
sim, como uma prática social, situada historicamente, O cientificismo, tomando por base as idéias de
numa realidade total, que envolve aspectos valorativos, Newton e Descartes, estrutura-se segundo uma ótica
culturais, políticos e econômicos, que permeiam a vida mecanicista, que explica o universo a partir da lineari-
total do homem concreto a que a educação diz respei- dade determinista dos fenômenos e reconhece uma só
to. natureza material, que engloba e explica tanto o mun-
Assim sendo, tanto a teoria quanto as práticas do dos valores como o mundo dos fatos. De acordo
educacionais desenvolvem-se, predominantemente, com tal modelo de análise, conhecer significa quantifi-
segundo os paradigmas dominantes num dado momen- car, dividir e classificar, devendo o pesquisador ser neu-
to histórico, o que leva a educação a funcionar essen- tro, imparcial, analisando seu objeto de estudo segun-
cialmente como elemento reprodutor das condições do critérios de máxima objetividade.
científicas, políticas, econômicas e culturais de deter- Destaca-se neste processo a contribuição de
minada sociedade. Descartes (1596-1650), cuja obra “Discurso do mé-
Tomando por referência o desenvolvimento e as todo”, apregoa os seguintes princípios: nenhum fenô-
rearticulações do capitalismo em períodos diversos, meno deve ser acolhido como verdade, sem que se
percebe-se que a educação tem sido utilizada no sen- demonstrem evidências concretas; cada conceito deve

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ser divido em quantas parcelas seja necessário, para Dentre as características do positivismo, apon-
que seja devidamente analisado; é necessário partir dos tadas por Lück (1994), podem-se citar: o universo en-
conceitos mais simples para os mais complexos, no tendido como um sistema mecânico, composto de uni-
sentido de conduzir, o conhecimento degrau a degrau, dades materiais elementares, sendo a realidade regu-
buscando enumerações tão completas e revisões tão lar, estável e permanente, dotada de existência pró-
gerais, que levem à certeza de que nada foi omitido. pria; a verdade, apresentada como absoluta, objetiva,
Juntamente com o pensamento de Descartes, as existindo independentemente do sujeito cognoscente.
idéias de Isaac Newton foram significativas para a A ciência, por sua vez, é considerada como isenta de
estruturação da ciência moderna. Em sua obra “Prin- valores, os quais são absolutos e existentes na nature-
cípios matemáticos da filosofia natural”, propõe uma za.
complexa sistematização matemática da concepção No século XIX, o pensamento positivista sofre
mecanicista da natureza, representando o universo e o também a influência do desenvolvimento da Biologia e
ser humano como uma máquina, que podem ser divi- dos trabalhos de Darwin sobre a evolução das espéci-
didos e compreendidos a partir da razão. Tal visão do es e passa a apoiar-se na analogia orgânica da socie-
mundo máquina, que implica no raciocínio lógico-de- dade, considerando que ela, à semelhança dos orga-
dutivo passa, a impor-se como a única forma legítima nismos, evoluiria de formas mais simples às mais com-
de fazer ciência, com base no modelo explicativo me- plexas, através de transformações graduais e constan-
cânico –causal. tes. Este processo de mudança, ou progresso, seria
Behrens (2000) afirma que este modo reducio- comum a todos, sendo que as sociedades primitivas
nista e atomístico de análise dos fatos passa a ser a se transformariam em modernas, atingindo o modelo
única forma legítima de fazer ciência, constituindo, não de progresso, ou seja, a sociedade industrial do Oci-
apenas uma nova teoria, mas a própria visão da reali- dente.
dade. Émile Dürkheim (1858-1917), sociólogo adep-
Conforme Capra (1996, p.25) : to do paradigma positivista, elaborou sua obra num
momento de constantes crises econômicas que causa-
O paradigma que está agora retrocedendo domi- vam o desemprego e a miséria dos trabalhadores, oca-
nou a nossa cultura por várias centenas de anos, sionando o acirramento da luta de classes. Possuindo
durante os quais modelou nossa moderna socie- uma visão otimista da sociedade industrial, discordava
dade ocidental e influenciou significativamente o das idéias socialistas de que a crise das sociedades
restante do mundo. Esse paradigma consiste em
européias se devia aos fatores de ordem econômica,
várias idéias e valores entrincheirados, entre os
atribuindo-a a fatores de ordem moral. Afirmava ainda
quais a visão de universo como um sistema me-
cânico composto de blocos de construção elemen- que a divisão do trabalho social propiciaria um aumen-
tares, a visão de corpo humano como uma máqui- to da solidariedade entre os indivíduos, não apenas no
na, a visão da vida em sociedade como uma luta âmbito econômico, mas principalmente no que con-
competitiva pela existência, e a crença no pro- cerne ao aumento da produtividade, o que geraria re-
gresso material ilimitado, a ser obtido pelo inter- lações de cooperação entre os homens.
médio do crescimento econômico e tecnológico. Nas sociedades anteriores ao capitalismo, ou
seja, nas sociedades tribais e feudais, a divisão do tra-
No século XIX, inaugura-se a individualização balho social era pouco desenvolvida, não havendo
das ciências sociais, e o modelo cientificista é estendi- grande número de especializações. Na sociedade feu-
do às mesmas, revelando-se, através do positivismo dal, a produção de bens de consumo era realizada pelo
de Augusto Comte, que busca estudar os fenômenos trabalho artesanal, o que implicava em que uma só pes-
sociais, utilizando o mesmo método aplicado às ciên- soa fosse capaz de produzir aquilo de que necessitava,
cias naturais. Os pensadores modernos acreditavam sem depender dos outros. Nestas sociedades, as pes-
que, graças à ciência, poderiam ser criadas condições soas estariam unidas por laços de semelhança na reli-
mais adequadas de existência , não só biológica, mas gião, na tradição ou no sentimento, o que Dürkheim
também política e social. caracterizou como solidariedade mecânica. A divi-

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são do trabalho social, típica das sociedades capitalis- dução do conhecimento, onde a ênfase se encontra na
tas, vem a gerar um outro tipo de solidariedade, a so- memorização dos conteúdos e no produto do proces-
lidariedade orgânica, superior à solidariedade me- so pedagógico.
cânica, quando as pessoas se unem a partir da depen- Referindo-se ao paradigma positivista, Lück
dência que têm umas das outras, para realizar uma ati- (op.cit.) afirma que ele submete o conhecimento a um
vidade social. tratamento metodológico analítico, linear e atomizador,
As novas formas de conceber e de interpretar a que mediante o raciocínio lógico-formal, o distancia
ciência e a sociedade repercutem sobre a educação da realidade da qual emerge, proporcionando infor-
que segundo o enfoque positivista, deve ser entendida mações isoladas que passam a valer por si só, o que
como instrumento de inserção, de integração dos indi- contribui para incapacitar o homem a compreender o
víduos à vida social, visando à manutenção, à continui- mundo, a sua realidade, e a posicionar-se diante de
dade, enfim, à perpetuação da sociedade. seus problemas vitais e sociais. Esta estratégia descui-
Dürkheim (1978, p.41) define a educação como da-se também do processo de apropriação crítica e
sendo: inteligente do conhecimento, e mais ainda, de sua pro-
dução, uma vez que o ensino encontra-se essencial-
A ação exercida pelas gerações adultas sobre as mente centrado na reprodução do conhecimento já
gerações que não se encontram ainda prepara- produzido. O aluno é considerado apenas em sua di-
das para a vida social; tem como objeto suscitar e mensão cognitiva, em total rejeição a expressões do
desenvolver na criança, certo número de estados domínio afetivo e psicomotor, associados à atividade,
físicos, intelectuais e morais, reclamados pela so- donde passa a ter um elevado caráter de passividade.
ciedade política em seu conjunto e pelo meio es- “Conseqüentemente, o ensino deixa de formar cida-
pecial a que a criança particularmente se destine. dãos capazes de participar do processo de novas idéi-
as e conceitos, fundamentais para o exercício da cida-
Destacam-se, assim, as funções uniformizadora dania crítica e participação na sociedade moderna, on-
e diferenciadora da educação que, por um lado, visa de tanto se valoriza o conhecimento” (p.40-41).
integrar os indivíduos ao contexto da sociedade, trans- Behrens (op. cit.) considera que o paradigma
mitindo valores e desenvolvendo atitudes comuns a positivista ao ensejar a racionalidade, a objetividade, a
todos e de outro lado, visa diferenciá-los, responden- separatividade, a decomposição do todo, em partes
do à divisão social do trabalho. fragmentadas, trouxe como resultado uma formação
A pedagogia dürkheniana define o processo e- acadêmica reducionista, verificando-se ainda o agra-
ducacional, como sendo o meio pelo qual os sistemas vante de propiciar uma formação sectária, competitiva
se constituem, se mantêm e se perpetuam, destacan- e individualista que, em nome da técnica e do capital,
do-se fundamentalmente os processos de conserva- muito perdeu, no sentido de formar pessoas responsá-
ção e de continuidade, bem como os de ordem e de veis, sensíveis e que venham a buscar o sentido da vida,
equilíbrio dos sistemas, enfatizando a autoridade do do destino humano e de uma sociedade igualitária.
professor, que como líder instituído, tem o direito legí- Conforme Valente (1999) a educação é um ser-
timo de exercer seu poder sobre os alunos, visando viço e, como tal, sofre as influências e se adapta às
integrá-los à ordem social estabelecida. concepções paradigmáticas, vigentes na sociedade nos
A concepção positivista exerceu grande influên- diferentes momentos históricos. Considerando-se que
cia na consolidação dos paradigmas educacionais atu- a educação guarda relações com o contexto em que
ais, vinculando a organização do conhecimento aca- se insere, também as transformações nos sistemas de
dêmico à observância de seus princípios, o que pode produção repercutem sobre ela, sendo que os traba-
ser claramente observado na lógica de organização, lhadores devem desenvolver formas de ação que se
vigente nos currículos e nas práticas pedagógicas em encontrem em consonância com os ditames do estágio
sala de aula. em que a economia se encontra.
A visão fragmentada da educação tem contribu- Assim, no momento histórico em que predomi-
ído para que o ensino tenha, por centralidade, a repro- nou o paradigma da produção em massa, o processo

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de desqualificação e atomização de tarefas, ocorrido poucas pessoas, cabendo aos professores propiciar
no âmbito da produção e da distribuição, foi também atividades de memorização de dados, tendo como pre-
estendido aos sistemas educacionais, sendo que o ob- ocupação fundamental, serem obedecidos. Os alunos,
jetivo fundamental da educação consistiria em “empur- por sua vez, envolvem-se com as estratégias para de-
rar” a informação para o aluno, sendo ele visto como corar dados e conceitos sem significação, importan-
um “produto que está sendo montado”. Na escola, a do-se apenas com as notas escolares, ou seja, o resul-
estrutura de controle do processo de produção, com- tado extrínseco de suas atividades.
posta por diretores e por supervisores, tem por obje- Conforme Santomé (1998), os conteúdos cul-
tivo verificar se o “planejamento da produção” está turais que formam o currículo escolar, com excessiva
sendo cumprido, através do currículo, de métodos e freqüência, apresentam-se descontextualizados, distan-
de disciplinas, considerando-se que a racionalidade do tes do mundo experencial dos alunos. Trabalham-se
processo seria capaz de produzir alunos capacitados. as disciplinas escolares de forma isolada, que não pro-
Os conteúdos complexos apresentam-se frag- picia a construção e a compreensão de nexos que per-
mentados, categorizados, hierarquizados, devendo o mitem a sua estruturação com base na realidade.
professor cumprir as normas e certificar-se de que eles Percebe-se, portanto, que não educamos de for-
estejam sendo passados de forma precisa, objetiva, ma inocente, ou seja, o currículo não se restringe a
equânime. Os trabalhadores e os estudantes vêem ne- uma seqüência lógica de conteúdos, de metodologias,
gadas suas possibilidades de poderem intervir nos pro- de técnicas e de instrumentos de avaliação, mas veicu-
cessos produtivos e educacionais de que participam, la conteúdos e modos de proceder relacionados a uma
sendo também, os professores e os alunos impedidos determinada visão de mundo.
de participar dos processos de reflexão crítica sobre a A educação baseada no paradigma fordista tem
realidade, reduzindo-se a educação institucionalizada sido constantemente criticada, uma vez que o ato de
exclusivamente a tarefas de custódia das gerações aprender/ensinar tornou-se uma questão meramente
mais jovens. As análises críticas sobre o currículo, evi- técnica. A tecnocracia instalada no interior das esco-
denciadas por diversos autores, podendo-se citar, den- las, utilizando-se do discurso da racionalidade e da efi-
tre eles Apple (1989) e Santomé (1998), vieram a de- ciência separou o “saber” do “fazer”, desperdiçando o
monstrar que as habilidades exigidas dos estudantes, potencial mais nobre do homem, que é a sua capaci-
estão prioritariamente relacionadas com o sistema de dade de pensar e de criar. Além disso, este paradigma
poder, sendo a obediência e a submissão à autoridade mostrou-se ineficiente, colocando no mercado, um pro-
as categorias fundamentais da aprendizagem nas salas fissional incapaz de agir e de sobreviver face às exi-
de aula. gências da sociedade emergente.
Desta forma, o saber científico, que pretendia
Qualquer um que esteja familiarizado com a pes- libertar o conhecimento do dogmatismo, possibilitan-
quisa recente a respeito da escola e da desigual- do aos indivíduos e à sociedade um progresso cada
dade está sem dúvida também familiarizado com vez maior, acabou por transformar-se em:
o rápido crescimento da evidência de como as
escolas atuam como agente de reprodução eco- Razão instrumental, que por meio do controle ló-
nômica e cultural de uma sociedade iníqüa. Não gico-tecnológico implantou a tecnocracia, que
há também nenhuma dúvida de que existe um passa a gerir todas as esferas da vida humana,
currículo oculto nas escolas, um currículo que ta- além de que o poder da ciência e da técnica pas-
citamente tenta ensinar aos estudantes normas e sa a ser controlado e utilizado por grupos huma-
valores que estão relacionados com o trabalhar nos na defesa de seu interesses particulares.
nesta sociedade iníqua. (Apple, 1989, p.112). (Severino, 1993, p.184).

Assim, nas instituições de ensino verifica-se uma Neste processo, o ato de aprender e de ensinar
distorção semelhante à do mundo produtivo, sendo as transforma-se em questão meramente técnica, redu-
diretrizes educacionais e curriculares, elaboradas por zindo a competência docente ao domínio dos meios

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que permitam aos alunos dominar conhecimentos pre- supostos de novas teorias. Embora recebendo dife-
viamente elaborados, dosados e limitados. Os profes- rentes denominações, tais como Holístico, Sistêmico,
sores, por sua vez, transformam-se em meros execu- Emergente, importa destacar que, “o ponto de encon-
tores de estratégias pré-determinadas, perdendo de tro entre os autores que contribuem com seus estudos
vista a dimensão política do processo educativo, dei- sobre o paradigma inovador, é a visão de totalidade e
xando de lado as discussões sobre o “para que ensi- o desafio de buscar a superação da reprodução para a
nar”, ou seja, a serviço de quem está a educação. produção do conhecimento”. (Behrens, 2000, p.58).
Em decorrência das concepções paradigmáticas Ao discorrer sobre a superação do paradigma
vigentes, que tomam por referência os critérios de ob- da modernidade, Santos (1987) identifica alguns pon-
jetividade e de separação entre sujeito e objeto, mui- tos relevantes a serem observados, que podem ser ex-
tas das concepções sobre a educação divulgaram a pressos por quatro teses fundamentais. A primeira de-
idéia de que ela é um processo neutro, e que o conhe- las refere-se a uma tendência em direção ao caráter
cimento tem sempre um valor positivo, sendo que a holístico do conhecimento, donde já não se justificam
própria comunidade científica passou a aceitar esta as tradicionais distinções entre natureza e cultura, na-
idéia, relacionada ao moderno conceito de ciência, que tural e artificial, vivo e inanimado, mente e matéria,
desvincula o campo pedagógico do campo epistemo- observador e observado, subjetivo e objetivo, coletivo
lógico e político. e individual. Destaca-se a tendência à superação da
A dimensão política da educação foi sendo, aos distinção entre ciências naturais e ciências sociais, e a
poucos, resgatada pelas escolas, a partir das teorias influência das segundas sobre as primeiras. “É como
reprodutivistas, dominantes nos anos 70, podendo-se se o dito de Dürkheim se tivesse invertido e ao invés
citar entre os autores que as defendem, Althusser, de serem os fenômenos sociais estudados como se
Bourdieu e Passeron, Establet e Baudelot e pelas te- fossem fenômenos naturais, serem os fenômenos natu-
orias progressistas, representadas pelas idéias de Snyders, rais estudados como se fossem fenômenos sociais”.
Gramsci, Manacorda, Paulo Freire, dentre outros, que (Santos, op. cit. p. 42).
vislumbraram o potencial transformador da educação, Assim, as ciências sociais apresentam-se cada
considerando as relações dialéticas que ela estabelece vez mais como possíveis agentes catalisadores desta
com a sociedade necessária fusão, introduzindo neste processo os con-
As análises efetuadas por Bourdieu (1983) per- ceitos de historicidade, de liberdade, de autodetermi-
mitem demonstrar que a ciência não está livre de inte- nação e de consciência, colocando no centro do pro-
resses, sendo o campo científico um espaço de lutas cesso de conhecimento a pessoa, considerada como
concorrenciais, que objetiva o monopólio da autorida- sujeito e autor do mundo.
de científica, entendida como a capacidade de falar e A segunda tese refere-se à superação da exces-
agir legitimamente. Destaca também o caráter ideoló- siva parcelização e disciplinação do saber, oriundos
gico da educação, como “aparelho de distribuição dos do paradigma dominante, o qual gerou visíveis efeitos
indivíduos por classes que cria, mantém e reproduz negativos no campo das ciências. Através de uma abor-
socialmente qualificações especializadas que têm um dagem temática, transdisciplinar, os conhecimentos dei-
certo grau de relevância para o modo de produção”. xam de ser fragmentados em partes isoladas, progre-
Outrossim, os avanços, oriundos da própria ci- dindo uns ao encontro dos outros. Desta forma, as te-
ência, dentre elas as contribuições da Física Quântica, orias e os conceitos, nascidos de projetos desenvolvi-
da Matemática, somados aos avanços da Microfísica, dos localmente, podem analogamente ser aplicados fora
da Química e da Biologia, nos últimos vinte anos, trou- de seu contexto de origem.
xeram modificações no campo da análise dos fenôme- Como terceira tese, Santos propõe a superação
nos, demonstrando a tendência crescente de supera- da visão do conhecimento objetivo e rigoroso, preten-
ção do pensamento newtoniano-cartesiano. dido pelo modelo dominante da ciência, que propõe a
Em decorrência desta nova postura, delineia-se separação entre sujeito/objeto. Esta visão dicotômica
um novo paradigma, que critica a razão produtivista e começou a ser abalada, quando a mecânica quântica
a racionalidade modernas, englobando diferentes pres- veio demonstrar que o ato e o produto do conheci-
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mento são inseparáveis. Deste modo, sujeito e objeto volvimento econômico e social. A partir destas condi-
apresentam-se indissociáveis, pois o objeto é a exten- ções, impõe-se novas solicitações à educação, em con-
são do sujeito, donde todo conhecimento científico é formidade com os significativos avanços das forças
auto-conhecimento. produtivas, que vieram gerar uma nova cultura, cen-
Como quarta tese, ao contrário do que ocorre trada no conhecimento científico e tecnológico, tidos
com a ciência moderna, que desvaloriza o conheci- agora como o mais efetivo fator de produção no mun-
mento vulgar e prático, a ciência pós-moderna deve do capitalista.
reabilitar o senso comum, e dialogar com outras for-
mas de conhecimento, pois nenhuma forma de conhe- Ainda que a Educação constitua um dos temas
cimento é, em si mesma, racional. O senso comum, favoritos das autoridades políticas, nos mais vari-
apesar de seu caráter vulgar e conservador, apresenta ados países, poucas vezes os debates sobre as
características que precisam ser consideradas: ele é questões educacionais conseguem ultrapassar o
âmbito de sua dimensão econômica, limitando-se
prático e pragmático, transparente e evidente; é su-
a uma parafernália de indicadores numéricos de
perficial, interdisciplinar e imetódico, uma vez que a-
diferentes tipos. E enquanto a economia sufoca a
ceita o que existe, tal como existe. É capaz de captar a Filosofia, a escola permanece reduzida a uma
profundidade horizontal das relações entre as pesso- cultura utilitarista no sentido mais mesquinho, de
as, e entre elas e as coisas, apresentando um caráter preparação para exames, cujos resultados expres-
emancipatório. Isto, porém, não significa que a ciência sam algo cada vez mais difícil de interpretar. (Ma-
moderna deva desprezar o conhecimento produzido chado, 2000, p.64).
pela tecnologia, mas, que deve transformar este co-
nhecimento em sabedoria de vida. Assim, do ponto de vista do capitalismo globa-
Lück (1994) considera que reconhecer a com- lizado, educação e conhecimento são as forças motri-
plexidade da realidade implica que se procure entendê- zes e os eixos da transformação produtiva e do desen-
la através de estratégias dinâmicas e flexíveis de orga- volvimento econômico.
nização da diversidade percebida, que levem ao en- Para Gentili (1994) os debates do início da dé-
tendimento das múltiplas interconexões existentes, sem cada de 90 sobre as mudanças na base técnica de pro-
as quais as coisas não fazem sentido. dução, em que as novas tecnologias apresentam-se
Portanto, urge uma revisão dos conceitos e dos como configuradoras da Terceira Revolução Industri-
valores que durante séculos estiveram a nortear a vida al, implicam no plano político ideológico nas teses da
humana, sendo que o novo paradigma educacional de- sociedade pós-industrial, pós-capitalista, sociedade
verá superar visões fragmentadas, tais como corpo/ global sem classes, e outras denominações. No plano
mente; indivíduo/grupo; sujeito/objeto; professor/alu- econômico, este modelo implica um novo tipo de or-
no; normal/anormal, tendo como ponto de partida o ganização industrial, baseada na tecnologia flexível (mi-
entendimento da complexidade e da totalidade do uni- croeletrônica associada à informática, à microbiologia
verso natural, individual e social. e a outras formas de energia), em contraposição à tec-
nologia rígida do sistema taylorista e fordista, e traz
como conseqüência um trabalhador flexível, com uma
nova qualificação humana.
2. As exigências do novo contexto político- Neste contexto, as políticas de inserção da
econômico e a educação educação à lógica do capital são legitimadas por um
discurso baseado na ênfase à modernização educativa,
As dinâmicas da sociedade contemporânea vêm à competitividade, à produtividade, ao desempenho, à
a solicitar que a prática educativa guarde relações com eficiência e à qualidade, que expressam o ideário neo-
as transformações e exigências do contexto atual, em liberal, e sinalizam a efetivação de um novo parâmetro
que a educação e a aquisição de conhecimentos pas- político-pedagógico, tendo por base a pedagogia da
sam a constituir-se pontos estratégicos para o desen- produtividade e da eficiência, vinculados à lógica de

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mercado. instituições educativas, são questionadas enquanto a-
Conforme Santomé (1998) durante todo o sé- gentes de formação para o mundo do trabalho e para
culo XX, pôde-se constatar que os sistemas educaci- a vida societária. Verifica-se o redimensionamento do
onais não permaneceram imunes às mudanças nos mo- papel da escola, que já não é considerada o meio mais
dos de produção e de gestão empresariais, sendo que eficiente e ágil de socialização dos conhecimentos téc-
também as soluções propugnadas pelo toyotismo re- nico-científicos e do desenvolvimento de habilidades,
fletem-se sobre a educação, visto que cada modelo de capacidades e de competências sociais, requeridas em
produção e distribuição requer pessoas com determi- um tempo-espaço de acirramento da competição, da
nadas capacidades, conhecimentos, habilidades e va- tecnologização, da globalização do capital e do traba-
lores. Transfere-se então, a liberdade de mercados do lho, em uma sociedade que se constitui, para alguns,
mundo econômico, para o âmbito da educação, sendo cada vez mais como uma sociedade da informação e
que principalmente os países com governos mais con- do conhecimento.
servadores estão a elaborar “padrões de qualidade”, Machado (2000) considera que, no atual dis-
para analisar o sistema educacional e cada vez mais, curso sobre a “qualidade” na educação, a formação
as instituições escolares passam a ser vistas e analisa- do cidadão é freqüentemente confundida com a satis-
das da mesma maneira que as empresas e mercados fação do cliente, ou o projeto educacional, com seu
econômicos. amplo espectro de valores encontra-se reduzido ao
Assim, as novas exigências da sociedade, em estatuto de mero projeto empresarial, sobrelevando-
consonância com os organismos internacionais, vêm se o valor econômico.
gerando, em nível mundial, reformas no âmbito das É fato notório, portanto, que as mudanças do
políticas educacionais, visando tornar os sistemas de sistema de organização social como um todo, têm re-
ensino mais diversificados, mais flexíveis e mais com- cebido críticas quanto às estratégias e aos propósitos
petitivos, numa perspectiva neoconservadora, repre- aos quais se destinam, e que ao mesmo tempo, as mu-
sentada pelo “tecnicismo revistado”, aparentemente danças nos sistemas de ensino não têm sido satisfató-
moderno, que se caracteriza como mais uma tendên- rias no sentido de responder às necessidades de for-
cia que busca atrelar a educação à base econômica da mação integral do homem, estando a manter compro-
sociedade, ao introjetar, na prática educativa, a lógica missos apenas com a transmissão de informações e
do mercado capitalista, cujo fim último reside na cres- de conhecimentos úteis às exigências do mercado para
cente produtividade econômica, em que o homem as- atender os interesses do poder. Como conseqüência
sume uma forma moderna de insumo da produção. desta maneira de enfocar a educação, pode-se obser-
(Costa e Silva, 1996). var que muitas vezes, a formação profissional funda-
Nessa perspectiva, a educação passa a ser vis- menta-se apenas em certas habilidades necessárias à
ta, apenas em seu objetivo imediato de servir ao capi- continuidade do sistema, em detrimento de uma ampla
tal, encontrando-se atrelada ao setor produtivo, que formação científica, cultural e crítica.
em nome da “qualidade total”, está levando as institui- A partir da década de 80, aprofunda-se o de-
ções educativas a uma descaracterização de sua fun- bate acerca da referência aos mecanismos de merca-
ção primordial, ou seja, o comprometimento com a do, como orientadores das políticas educacionais, em
formação integral dos indivíduos que lhes são confia- virtude das transformações que caracterizam o acele-
dos. rado processo de integração e de reestruturação do
Outrossim, a formação dos recursos humanos, capitalismo em nível mundial. Os avanços científicos e
requerida pelo novo modelo econômico está a exigir tecnológicos, as modificações do sistema de produ-
quadros cada vez mais reduzidos de trabalhadores, ção e os novos paradigmas de desenvolvimento eco-
dotados, porém, das habilidades outrora rejeitadas pelo nômico estão, uma vez mais, a afetar a organização do
taylorismo-fordismo: visão de totalidade, sensibilida- trabalho e o perfil dos trabalhadores, o que vem re-
de, espírito crítico, capacidade de trabalhar em grupo, percutir na qualificação profissional e, conseqüentemen-
flexibilidade, dentre outras. te, nos sistemas de ensino e nas escolas. (Libâneo,
Desta forma a educação, e particularmente as 2000).
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Neste processo, merece destaque o fato de que mática). Na educação o foco, além de ensinar, é
principalmente nos países tidos como do Terceiro Mun- ajudar a integrar ensino e vida, conhecimento e
do, suas próprias condições estruturais não possibili- ética, reflexão e ação, a ter uma visão de totalida-
tam a todos o acesso às novas tecnologias de informa- de. Educar é ajudar a integrar todas as dimen-
sões da vida, a encontrar nosso caminho intelec-
ção e de telecomunicação como recursos para ampliar
tual, emocional e profissional que nos realize e
seu universo de informações, e para criar ambientes
que contribua para modificar a sociedade que te-
de aprendizado que enfatizem a construção do conhe- mos.
cimento.
Conforme Perrenoud (1994), o que mais amea- Percebe-se, portanto, que os sistemas escola-
ça a democracia é a tendência para a sociedade dual, res encontram-se repletos de paradoxos e de dilemas,
tanto no que se refere ao emprego, quanto no que se pois, ao mesmo tempo em que são depositadas tantas
refere ao campo do saber e das competências. E afir- expectativas em relação à educação, as políticas que a
ma: ela se aplicam encontram-se mais preocupadas com
interesses reduzidos e tangencialmente educativos. Ao
É um risco quando uma minoria de pessoas bas-
mesmo tempo em que a educação é responsabilizada
tante qualificadas e muito ativas permitem a uma
maioria de desempregados ou de marginais vive- por uma série de problemas de ordem social, moral e
rem fora do circuito econômico. É toda a proble- econômica, ela é também considerada como elemento
mática da divisão do trabalho. De uma certa ma- fundamental para a reestruturação econômica, para a
neira, as tecnologias modernas permitem produ- solução de problemas sociais e culturais emergentes.
zir para todos (com acentuadas desigualdades de (Escudero, 2001).
níveis de vida, com certeza) sem exigir a todos
que trabalhem para a produção, mesmo de ma-
neira indireta. A automatização, a informatização
das tarefas menos qualificadas conduzem-nos para
uma sociedade de peritos, de planificadores e de 3. Repensando as funções da educação
engenheiros, que, a breve prazo, apenas terão
necessidade de uma mão-de-obra relativamente As transformações científicas, políticas, econô-
limitada para fazer funcionar um aparelho de pro- micas, culturais e sociais, que ocorrem em nível mun-
dução largamente automatizado. (p.19). dial, estão a exigir o repensar da educação e das esco-
las, pois os paradigmas que têm dado sustentação às
Assim, as instituições escolares defrontam-se práticas educacionais não têm sido capazes de propi-
com vários desafios, face às mudanças e às exigências ciar um desenvolvimento individual e social equânime,
da sociedade, estando a receber críticas constantes podendo-se verificar o aumento da miséria, da exclu-
quanto aos resultados concretos de suas atividades e à são social, do individualismo, da competitividade, que
eficácia do seu funcionamento, e também no que tange estão a segregar indivíduos, grupos e nações.
às suas relações com as estruturas sociais, levando-se Por outro lado, não se pode negar a função da
em conta essencialmente a possibilidade de demo- educação como fator de desenvolvimento econômico
cratização do conhecimento, do ensino e da própria e social de um país, donde urge o imperativo de ela es-
sociedade. tar atenta às mudanças no contexto e às exigências da
Para Moran (2000, p.12): sociedade do conhecimento, colocando-se lado a lado
com o progresso, acompanhando os avanços científi-
Há uma preocupação com ensino de qualidade
cos e tecnológicos, formando pessoas dinâmicas, cri-
mais do que com educação de qualidade. Ensi-
no e educação são conceitos diferentes. No ensi- ativas, sensíveis, capazes de trabalhar em equipe, e que
no organiza-se uma série de atividades didáticas estejam devidamente habilitadas para enfrentar um
para ajudar os alunos a compreender áreas espe- mundo que vive um processo acelerado de mudanças.
cíficas do conhecimento (ciências, história, mate- Evidencia-se assim, a emergência de:

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Repensar de forma mais dinâmica e com novos -A tensão entre o global e o local: tornar-se cada
enfoques a questão de conhecimentos a traba- vez mais cidadão do mundo sem perder as raízes e
lhar: ninguém mais pode aprender tudo, mesmo buscando participar ativamente da vida do seu país e
de uma área especializada. O mais velho debate das comunidades de base;
que data ainda do século XVI, se a cabeça deve
-A tensão entre o singular e o universal: a mundia-
ser bem cheia ou bem feita, torna-se mais pre-
lização da cultura vai-se realizando de forma progres-
sente do que nunca.”Encher a cabeça tornou-se
inviável, além de inútil”. (Dowbor, 2001, p.32). siva mas ainda parcial, podendo incorrer no risco de
esquecer o caráter único de cada pessoa, sua vocação
Simultaneamente, destaca-se o imperativo da e- para escolher o seu destino e realizar todas as suas
ducação extrapolar as fronteiras mercadológicas de potencialidades, mantendo a riqueza das suas tradi-
uma sociedade globalizada, o que exige que ela não ções e da sua própria cultura ameaçada;
abdique de suas responsabilidades de reflexão, estan- -A tensão entre tradição e modernidade, que
do atenta ao seu sentido ético de compromisso prioritá- deve envolver o adaptar-se sem se negar a si mesmo,
rio com a humanização das pessoas e com a condução construir a sua autonomia em dialética com a liberdade
democrática dos destinos da sociedade. e a evolução do outro, dominar o progresso científico
Escudero (2001) considera que na sociedade e prestar particular atenção ao desafio das novas tec-
da informação tem-se que resgatar o sentido da edu- nologias da informação;
cação como um direito moral e como e uma necessi- -A tensão entre as soluções a curto e a longo
dade social, e não apenas, como um espaço de cria- prazo, tensão essa alimentada atualmente pelo domí-
ção das habilidades e das competências exigidas pelos nio do efêmero e do instantâneo, num contexto em que
novos tempos. o excesso de informações leva à busca de soluções
Neste processo de reconstrução da educação, rápidas, quando muitos dos problemas enfrentados ne-
Blázques (2001) afirma, que se evidencia a necessida- cessitam de estratégias pacientes, passando pela con-
de de investigar e debater os novos compromissos dos centração e negociação das reformas a executar. As
docentes, cujas tarefas se tornam cada vez mais com- políticas educativas enquadram-se nas categorias nas
plexas e difíceis, considerando-se que a educação não quais esta estratégia deve ser utilizada.
pode renunciar a que todos os cidadãos, independen- -A tensão entre a indispensável competição e o
temente de sua procedência social e cultural, possam cuidado com a igualdade de oportunidades. Hoje, a
utilizar essas informações, manejá-las e utilizá-las em pressão da competição faz com que muitos responsá-
seu proveito. veis esqueçam a missão de dar a cada ser humano os
meios de poder realizar as suas oportunidades;
Quando pensamos a sociedade do século XXI, -A tensão entre o extraordinário desenvolvimen-
vemos que o que caracteriza esta nova sociedade to dos conhecimentos e as capacidades de assimila-
é o conhecimento, o que vai exigir que as pessoas ção pelo homem, sendo necessário preservar os ele-
sejam mais capacitadas e preparadas para o exer- mentos essenciais de uma educação básica que ensine
cício de uma profissão. Encontramos ainda que o a viver melhor, através do conhecimento, da experiên-
foco desta sociedade será a subjetividade, a ação cia e da construção de uma cultura pessoal;
social e a vida cotidiana o que exigirá novas cren-
-A tensão entre o espiritual e o material, pois,
ças, epistemologias e parâmetros. A ênfase na
subjetividade será, portanto, o novo paradigma muitas vezes, mesmo sem perceber o mundo tem sede
deste século e valorizará o homem na sua inteire- de ideais, ou de valores. Compete à educação, a tare-
za, na sua totalidade, o que se refletirá em novos fa de despertar em todos essas condições, segundo as
valores e idéias, entre eles, os valores humanos. tradições e convicções de cada um, respeitando intei-
(Kullok, 2000, p.21). ramente o pluralismo.
Afirmam ainda os citados autores que não se
Nesse sentido, Delors et al. (2000) apontam as pode subestimar o papel fundamental dos intelectuais
principais tensões que necessitam ser ultrapassadas: e da inovação, a passagem para uma sociedade cogniti-

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va, os processos endógenos que permitem a acumula- Médicas, 1989.
ção de saberes, as novas descobertas, que são aplica- 2. BEHRENS, M.A Projetos de aprendizagem colaborativa num
das em vários domínios da atividade humana, mas, que, paradigma emergente. In: MORAN, J.M.; BEHRENS, M.A;
não se pode desconhecer as limitações e fracassos que MASSETO, M. Novas tecnologias e mediação pedagógica.
podem acompanhar tais processos, quando não res- Campinas, SP: Papirus, 2000, p.72-96.
peitam os limites da ética e da dignidade humana. 3. BLÁZQUEZ, F. La sociedade de la información y de la
Os desafios educacionais da pós-modernidade comunicación. Reflexiones desde la educación. In: BLÁZQUEZ,
F. (coord.). La sociedad de la información y la comunicación:
consistem em preparar os indivíduos para a transitori-
reflexiones desde la educación. Mérida, Espanha: Junta de
edade de todos os aspectos da vida, donde surge a Extremadura, 2001, p.17-30.
necessidade da atualização constante e da emancipa-
4. BOURDIEU, P. (1983). O campo científico. In: Ortiz, R. (org.).
ção dos homens, como sujeitos históricos. E isto signi-
Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
fica afirmar que compete à educação, compreender os
desafios de uma sociedade cada vez mais informacional 5. CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica
dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix,1996.
e globalizada, perscrutando as direções futuras e dia-
logando com uma realidade cada vez mais carregada 6. COSTA, C.; SILVA, I. Neoliberalismo, cidadania e qualidade
de símbolos. em educação. Revista de Educação AEC 25 (100), 1996, p.105-
119.
Conforme Pereira (2000,p.178):
7. DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório
A tecnologia do mundo atual e futuro, por mais para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação
para o século XXI. 4. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC:
que seja englobante, é e será, sempre, meio, ins-
UNESCO, 2000.
trumento, estratégia, decorrência. Cabe à educa-
ção a função de posicionar os indivíduos como 8. DOWBOR, L. Tecnologias do conhecimento: os desafios da
sujeitos diante dela, submetendo a ciência e a educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
tecnologia às determinações objetivas do ser hu- 9. DÜRKHEIM, E. Educação e sociologia. 11 ed. São Paulo:
mano. Melhoramentos, 1978.
10. ESCUDERO, J.M. La educación y la sociedad de la
Assim sendo, torna-se pertinente a colocação información: cuestiones de contexto y bases para un diálogo
de Ribas (2000) de que não se pode voltar as costas necesario. In: BLÁZQUEZ, F. (coord). La sociedad de la
aos avanços da ciência e da tecnologia, apenas por información y la comunicación: reflexiones desde la educación.
identificá-los com os interesses dominantes na socie- Mérida: Junta de Extremadura, 2001, p.33-59.
dade. A educação tem um papel social a cumprir e as 11. FRIGOTTO, G. Educação e a crise do capitalismo real.
escolas, agências encarregadas pela educação formal 3.ed. São Paulo: Cortez,1999.
necessitam refletir sobre a sua finalidade, repensar sua 12. GENTILI, P. Poder econômico, ideología y educación.
função, adequando-se às demandas do atual momen- Buenos Aires, Monõ y Davila/FLACSO, 1994.
to histórico, tendo em vista preparar sujeitos que, em- 13. KULLOK, M. G. B. As exigências da formação do professor
bora convivendo com os valores econômicos domi- na atualidade. Maceió: Edufal, 2000.
nantes, tenham condições de percebê-los e redimensio- 14. LIBÂNEO, J.C. Organização e gestão da escola: teoria e
ná-los segundo as reais proporções e repercussões. prática. Goiânia: Ed. do autor, 2000.
Cumpre, pois, à educação, a tarefa de buscar 15. LÜCK, H. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos
desenvolver-se como uma prática dinâmica e reflexi- teórico-metodológicos. Petrópolis: Vozes,1994.
va, que, ultrapassando as visões reducionistas, possi-
16. MACHADO, N.J. Educação: projetos e valores. São Paulo:
bilite a seus usuários a consciência da realidade huma- Escrituras Editoras, 2000. (Coleção Ensaios Transversais).
na e social mediante uma perspectiva globalizadora.
17. MORAN, J.M. Ensino e aprendizagem inovadores com
tecnologias audiovisuais e telemáticas. In: MORAN, J.M;
BEHRENS, M.A.A.; MASSETO, M. Novas tecnologias e
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21. RIBAS, M.H. Construindo a competência. São Paulo: Olho conhecimento. Campinas, SP: UNICAMP/NIED, 1999.

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