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WINFIELD, R. D. The challenge of political right.

Bulletin oft he Hegel Society of Great Britain,


n. 65, 2012, p. 57-67.

Hegel consegue ultrapassar os dilemas de Aristóteles e Rousseau na tentativa de pensar o


autogoverno e o significado da universalidade na política. Uma diferença marcante é que
Hegel não pensa a categoria do universal como parte da lógica da essência, categorias como
aparência e essência ou forma e matéria. Universalidade, particularidade e individualidade são
“self-determined determinacies”, determinações que determinam a si próprias. Por isso sua
discussão sobre autodeterminação em PR (§§5-7) gira em torno dessas três categorias. A
universalidade diferencia a si mesma e a particularidade é uma das autodeterminações do
universal. Universalidade e autodeterminação são agora pensáveis sem que a particularidade
ou pluralidade de indivíduos livres se perca.

Isso é exemplificado nas seções sobre propriedade e direitos morais em PR, nas quais Hegel
mostra como os indivíduos se determinam a si próprios através de suas interações com outros
agentes. Através dessa reciprocidade a liberdade se realiza nas estruturas do direito e os
indivíduos determinam o que querem e que agência exercitam. Hegel mostra a diferença entre
o indivíduo atomizado, cujo escolha não determina sua faculdade de escolha ou as opções que
tinha, e indivíduos que reciprocamente reconhecem suas vontades e, com isso, acionam sua
vontade para que algo seja sua propriedade e se determinam como proprietários. – 59 – Da
mesma maneira, quando assumem responsabilidade pelo que fizeram com intenção e pelas
consequências que pretendiam, eles determinam não apenas sua esfera de responsabilidade
moral, mas também determinam a si próprios como agentes morais.

De modo análogo, o indivíduo se determina como cidadão autônomo na medida em que


participa da interação política e codetermina as operações das instituições de autogoverno.
Não são indivíduos imitando uns aos outros, mas cidadãos diferenciados construindo uma
decisão política plural e diferenciada de um Estado emancipado. A discordância entre as
decisões políticas não impede que outros exerçam suas oportunidades políticas correlatas, em
razão da reciprocidade de direitos e deveres. O que os cidadãos querem (“will”) através da sua
ação política é a determinação de toda a ordem do corpo político que preside as demais
esferas (direitos abstratos, moralidade, sociedade civil, família) de tal forma que essas esferas
não impeçam a liberdade política. Há uma diferença de níveis entre a universalidade da ação
política e a particularidade dos assuntos da família ou da atividade na sociedade civil. Ainda
que esses dois últimos espaços não estejam ocupados com o bem-estar puramente individual,
o escopo do bem-estar ali construído é ainda particular, se comparado com o Estado. Essas
três esferas funcionam ao mesmo tempo, mas não, idealmente, interferem umas nas outras,
pois suas preocupações são distintas.

Isso só funciona se dois corolários são respeitados: a ação política dos cidadãos visa fins
universais, quando atuam na esfera política, e não cedem a “mitologias” que impedem o
engajamento político verdadeiramente universal; as instituições civis e domésticas não devem
impedir a liberdade políticas dos cidadãos, o que inclui impor interesses particulares ao Estado.
– 60

Hegel falha, porém, em conceber o espaço doméstico, a sociedade civil e o Estado de forma
consiste com seus conceitos de universalidade e autodeterminação. Isso porque sua descrição
desses espaços é contaminada por distinções naturais e vestígios pré-modernos de tradições
do seu tempo. Por exemplo, a família é marca por uma diferença natural entre homens e
mulheres que afeta e determina seus papéis. Assim, toda relação da sociedade civil com o
Estado está marcada, ainda que Hegel não o explicite, por essa diferença. Na sociedade civil,
alguns de seus estamentos são marcados ainda por critérios de nascimento (como os nobres)
ao invés da autodeterminação da sociedade civil. Esses estamentos formam ainda corporações
seguindo modelo das guildas feudais, restringindo a atividade de comércio. Há uma tensão
entre esses grupos e os fins da própria sociedade civil, pois não são grupos de interesse.
Parece também haver uma confusão entre os fins particulares compartilhados numa
corporação com a universalidade da ação política.

Essa deformação é levada para dentro do Estado, pois o Legislativo – 61 – é marcado por esses
mesmos estamentos e suas determinações naturais contrárias à liberdade da sociedade civil.
Isso abre espaço para as facções e grupos que subvertem a autonomia da ação parlamentar. A
definição do monarca por questões naturais de nascimento também repete esse erro e priva
os cidadãos do seu direito de codeterminar o poder do governo.

Na prática, esse modelo não salva o governo dos interesses particulares, pois esses grupos irão
perseguir interesses particulares. A solução é um sistema de partidos organizados em torno de
programas políticos ao invés de interesses. Esses programas, propriamente ditos, são
universais não medida em que expressam visões políticas diferenciadas de como realizar a
totalidade da liberdade. – 62 – Isso evita as amarras dos interesses particulares, mas também
da identificação imediata entre cidadão e Estado. A noção de programa político faz com que os
legisladores representem, ou ao menos pretendam representar, o bem comum. Isso apenas é
possível se os legisladores não estão submetidos a recursos como um mandato imperativo ou
possibilidade de revogação de seus mandatos. Essas medidas repetem o erro de Rousseau de
confundir o caráter reflexivo do autogoverno com a identidade imediata entre a vontade de
cada cidadão e a do Estado. – 63

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