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AS RELAÇÕES ENTRE ARTE E CIDADE

NUMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO ARTÍSTICA


CONTEXTUALIZADA

Paula Petreca (CLAC/SBC)

Resumo: Este artigo relatará as ações levadas a cabo pela equipe do Centro
Livre de Artes Cênicas (CLAC) durante o processo de implantação do projeto
na cidade de São Bernardo do Campo. Serão discutidas hipóteses de uma
formação transdisciplinar nas áreas da dança e do teatro, ser capaz de
orientar a construção de um conhecimento em artes intimamente relacionado
ao local onde este se produz. Apresentaremos modos como a inter-relação
entre os projetos didáticos do Centro Livre e a vida real da cidade é capaz de
transformar pontos de vistas dos estudantes/formandos, dimensionando
como a dinâmica de um equipamento cultural pode habilitar a construção de
vínculos entre arte e a vida do município.

Palavras-chave: Centro Livre de Artes Cênicas, contextualização pedagógica,


ação cultural, intervenção urbana.

THE RELATIONSHIPS BETWEN ART AND URBAN CONTEXT IN


AN ARTISTIC FORMATION PROPOSAL

Abstract: This article will describe the actions taken by the team of the Free
Center of Performing Arts (CLAC) during the process of implementation of the
project in the city of São Bernardo do Campo. Hypotheses in a
multidisciplinary training in dance and theater will be discussed, focusing its
ability to guide the construction of knowledge in arts closely related to where
this occurs. This paper will also make observations about how the real life of
the city and the pedagogic project of this institution have been establishing
connections, in order of make some scale to the impact of this action.

Keywords: Free Center of Performing Arts (CLAC), pedagogic


contextualization, cultural action and urban intervention.

Quando se pensa a criação de um curso de dança, livre de


enquadramentos formais de uma instituição de ensino, o que essa liberdade
autoriza a construir? Quando se pensa a criação de um curso de dança
segundo uma perspectiva transdisciplinar, o que essa abertura amplia
enquanto construção de saber? Quando se pensa a criação de um curso de
dança, para além do vínculo com o contexto histórico dessa arte, que
relações com o local onde este curso está sendo criado são também
consideradas?
Antes que responder estas perguntas, o que este artigo pretende é
abrir uma reflexão sobre instâncias relacionadas a concepção de um modo
ensino e aprendizagem de dança, propondo a hipótese de que o modo como
um projeto pedagógico (ou até mesmo um curso) se estrutura deve se
relacionar sempre com as particularidades do local onde acontece.
Tal tarefa prescinde de uma cartilha ou de uma orientação prévia para
seu modo de se constituir. A contextualização de uma prática na relação
íntima com o local onde está prática se dá só ocorre com o estabelecimento
de vínculos, ao longo do tempo, que imbrincam as relações entre corpos e
ambiente de modo que ambos possam existir se afetando mutuamente. A
pertinência da implantação de um projeto pedagógico e artístico em um
contexto local com características próprias e “apetites” singulares só pode ter
longevidade se estas características e “apetites” forem ouvidos, garantindo
que a comunicação entre o dentro (as diretrizes do projeto) e o fora (as
particularidades do local onde o projeto se realiza) seja constante.

“O processo de codificação dos pensamentos tem aptidão para


acionar o cruzamento de estruturas de ocorrência coerentes. O que
garante a coerência do cruzamento é uma homologia de
probabilidades nas transições espaço-temporais, homologia que criaria
as condições para que a informação do fora possa ser percebida e ser
levada para dentro do corpo. Muitos têm discutido essa mesma
questão, a do contato entre dentro e fora. O semioticista Thomas
Sebeok (1991) salienta que o contexto onde tudo isso acontece é
muito importante e que o “onde” tudo ocorre nunca é passivo. Assim, o
ambiente no qual toda mensagem é emitida, transmitida e admite
influências sob a sua interpretação, nunca é estático, mas uma
espécie de contexto-sensitivo. Para quem estuda as manifestacões
contemporâneas de dança, teatro e performance como processos de
comunicação, isso é facilmente reconhecível. Já há alguns anos o
“onde” deixou de ser apenas o lugar em que o artista se apresenta,
transformando-se em um parceiro ativo dos produtos cênicos. Ao invés
de lugar, o onde tornou-se uma espécie de ambiente contextual.“
(KATZ & GREINER: 2010, 05.)

Por considerar fundamental acolher o “onde” como este espaço ativo


na produção de um projeto pedagógico, apresentamos a seguir alguns fatos
sobre a cidade de São Bernardo do Campo e no seguimento as diretrizes que
orientam a construção do pensamento pedagógico em dança no Centro Livre
de Artes Cênicas de São Bernardo do Campo, apontando um estudo de caso
no sentido de se pensar a criação de uma formação artística de forma
contextualizada.

A Dança em São Bernardo do Campo

Se voltarmos o olhar para o contexto da Dança em São Bernardo,


haveremos que passar impreterivelmente pelo panorama da formação em
Dança que existe na cidade. A produção artística profissional escassa, e o
grande número de praticantes de Dança enquanto atividade em cursos livres,
parece apontar um potencial de desenvolvimento para a produção nessa
linguagem, neste local.
Por um lado há de se notar à existência de um histórico de mais de 20
anos de Oficinas Culturais, enquanto iniciativa pautada pelo serviço público.
Com relação a este trabalho, o que se pode observar é que o longo período
de tempo de serviço não implica diretamente no estabelecimento de uma
regularidade (e nem sequer de uma continuidade) no exercício desta prática.
Nestas duas décadas de serviço as abordagens para o ensino de Dança tem
variado mais em função de uma demanda trazida pelo público, que flutuante
nestas atividades, também não verticaliza um interesse artístico claro,
passando então a se relacionar com a Dança com um interesse sazonal,
pautado tanto por interesses de comum senso pela linguagem, quanto por
tendências midiáticas que abordam a Dança como veículo de expressão.

Por outro lado, na iniciativa privada há grupos e academias com mais


de 30 anos de atuação, cujo trabalho tem formado uma porcentagem
reduzida, porém, considerável de estudantes que seguem para o
desenvolvimento profissional, seja atuando em companhias de ballet clássico
(nacionais e estrangeiras), ou também integrando corpos-de-bailes
comerciais de espetáculos e shows. Há ainda uma parcela destes formandos
que se dirige a função pedagógica, tornando-se professores e/ou diretores de
novas academias de Dança. Um número ainda muito restrito destes
estudantes segue para um aprofundamento em ensino superior relacionado à
área, e também são poucos destes formados que de fato se profissionalizam
legalmente e/ou que passam a exercer uma atividade mais voltada à criação
autoral em modos independentes de sustentação do seu fazer. Uma amostra
factual de tal situação pode se verificar no cadastro nacional de dança da
Funarte, onde apenas cinco artistas, desta cidade de um milhão de
habitantes, estão cadastrados.

Aproximando-se então desse ambiente o que parece saltar às vistas é


que o olhar para a Dança expresso tanto pelo discurso do cidadão comum
como também por agentes do poder público parece sempre situar a atividade
da Dança sempre na perspectiva do lazer, da atividade física, da
sociabilidade, do entretenimento. Conceber a Dança enquanto um fazer, um
trabalho, e um fazer e um trabalho artístico é algo ainda muito distante. Não
há profissionalização.

A concepção de Dança é da natureza dos estilos, das modalidades:


clássico, moderno, contemporâneo, tango, hip hop, são como pacotes de
bolacha numa gondola de supermercado, e tudo é consumido da mesma
maneira, já que não interessa o modo mas sim a variedade, a lista farta de
saberes fazer, onde esse fazer é mais um reproduzir do que um realizar...
Essa lógica para concebe a Dança parece ressoar o desatualizado historial
tecnicista e industrial da região, focado na segmentação de áreas do
conhecimento de modo a objetiva-las enquanto competências, tornadas
mercadorias enquanto mão de obra de uma linha de produção.

Não há criadores em atuação na cidade, não há produção na cidade.


A perspectiva de uma profissão parece surgir apenas no local justamente
daquele formando de um oficina ou academia que segue ele mesmo para
uma função de ensino, revelando interesse por dar aulas. Isto é algo mesmo
comum na região, esse fenômeno em que indivíduos que fazem oficinas
atrás de oficinas, ou que se formam em curso de ballet (e por ali terem se
destacado nesse percurso inicial de formação) já seguem para dar aula, sem
a mínima reflexão sobre isso. A separação então entre a pedagogia e a
criação artística é abissal, já que na maioria das vezes esse profissional que
atua na formação jamais desenvolveu um percurso artístico, nem sequer
vislumbra a ideia de pesquisa, de investigação. Seu oficio é calcado na
perspectiva mais técnica e positivista da replicação de mecanismos. Dar uma
aula se converte em seguir aquela receita de aula na qual ele foi formado,
não há uma relação com poética, com criação. Vale a regra do 5, 6, 7 e 8.

Deste modo, se mostra instigante perceber como uma equipe


pedagógica de Dança pode se relacionar com este cenário...

- Que possibilidades de estabelecimento de estratégias para o


acompanhamento do individuo que prática alguma dessas
"modalidades de dança" podem ser desenvolvidas visando
potencializar sua intenção de se tornar professor e/ou professional?

- De que modo se pode fomentar na população de alunos - cidadãos já


atingidos por um modo de trabalho que se pretende arejado em
relação as alternativas existentes na região – um tipo de interesse
realmente genuíno em relação à linguagem da Dança?

- Como o diálogo entre os alunos e a comunidade artística (grupos e


academias) pode se dinamizar, visando abrir um espaço de discussão
sobre este fazer na cidade?

- E de que modo esta ação comunicativa pode se expandir para uma


conversa com toda uma região (especialmente nos contextos de Santo
André, São Caetano e Diadema, onde também há ações investidas
pelo poder público relacionadas especificamente ao campo da
Dança)???

Algumas considerações iniciais

A exposição deste contexto radicaliza suas observações, justamente


porque problematiza os dados e informações levantadas no sentido de
mapear um campo de urgências que possa orientar um plano de ações
capazes de abrirem a consciência e a reflexão para a necessidade de uma
ação efetiva no campo da Dança neste local.

Por outro lado, ainda que não haja um setor organizado e profissional,
ainda que não haja cenários onde uma programação contínua de espetáculos
fidelize a sustentação de um hábito de relação com a linguagem, e por
consequência a possível ação de longo prazo formadora de público, é pouco
sensível afirmar que não há Dança na região.

“... Poderia até parecer incoerente dizer que a dança precisa ser
ensinada na escola se já faz parte do dia-a-dia de uma grande parte
da população. No entanto, novamente, salientamos que não é essa
concepção de dança que se pensa para a escola, mas, sim, de como,
pela aproximação e observação da dança e pela reflexão sobre ela,
podemos pensar sobre nós mesmos. O que interessa como conteúdo
da dança escolar são os elementos da linguagem criativa por meio do
movimento.” (STRAZZACAPPA: 2001, 47)

Olhando então para o diagnostico como um todo, a existência de


muitos estudantes e praticantes de danca que observam este fazer segundo
uma formatação mais tradicional, ligada aos modos de ensino e produção
mais acadêmicos, e a designação de particularidade determinadas antes por
modalidades e segmentos do que por caracterísiticas de estilo ou discursos
estéticos, com que premissas se pode trabalhar???

O Pensamento em Dança em Construção no Centro Livre de Artes


Cênicas

Os cursos de dança que começam a ser oferecidos pelo Centro Livre


de Artes Cênicos (CLAC) a partir de 2012 são voltados à formação do
intérprete-criador em dança, por isso não há um enfoque em estilos de dança
mas sim na formação técnico-criativa na linguagem. Desta maneira os
conteúdos abordados seguem os princípios da criação contemporânea, nos
quais se enfatizam o conhecimento do corpo e do movimento de maneiras
bastante específicas, visando propiciar ao estudante instrumental técnico e
poético para dar vazão aos seus desejos de criar enquanto artista. É nessa
inquietação pessoal que se abre a possibilidade de trabalho em qualquer
estilo de dança, conforme o interesse de cada pessoa, seu vocabulário
pessoal de movimento, suas preferências estéticas. Os materiais de
exploração vão sendo estruturados em conjunto por professores e estudantes
das turmas, de forma que as aulas se desenvolvem de modo participativo,
isto é, com a colaboração direta dos participantes.

No que diz respeito a proposta curricular, é premissa no trabalho do


CLAC å orientação para o trabalho artístico transdisciplinar, voltado
especificamente a interface entre a Dança e o Teatro. O pensamento
transdisciplinar não implica simplesmente que as várias disciplinas cooperem
entre si, mas implica que há um entendimento que organiza e ultrapassa
estas disciplinas, percorrendo um campo mais vasto do conhecimento. É
distinto, portanto, do pensamento da interdisciplinaridade, que se trata de
referências entre as várias disciplinas, mas sem necessariamente integrá-las
em um pensamento organizador. Para que haja transdisciplinaridade, é
necessário que haja o denominado “pensamento complexo” (MORIN, 1998:
163-165), que implica a delimitação de um ponto de vista metadisciplinar e
não de um ponto de vista único.

Portanto, a concepção de um programa curricular de formação de


artistas-cênicos a partir deste pressuposto nos conduz a projetar um curso de
formação em Teatro e Dança, a partir das hipóteses de colaboração entre
estas áreas de modo cooperativo, sem que uma linguagem se instale a
sombra da outra, e sem o recorrer imediato às articulações mais óbvias entre
estes saberes (como seria por exemplo lançar mão do trabalho de corpo
propiciado pela dança para incremento da atividade de teatro ou valer-se do
pensamento de dramaturgia e encenação do teatro para formular soluções
cênicas para materiais de dança). O interesse manifestado por nosso
programa de curso se alia à pesquisa de linguagem, abrindo questões sobre
as hipóteses de acionamentos poéticos procedentes dos encontros entre
saberes da Dança e do Teatro, formularem dimensões de apreensão estética
e não voltados a uma perspectiva instrumental apenas.

A consideração da transdisciplinaridade no vértice da formação de um


artista propõe também uma revisão ética diante do posicionamento deste
futuro artista na sociedade, uma vez que passa a admitir que a
especialização numa determinada linguagem não exclui este artista de uma
experiência integral na arte, trazendo ao cerne uma conduta poética (na
dimensão léxica mais original do termo: poiética – isto é, criativa, afeta ao
âmbito do fazer), em lugar da usual prática especificizada como garantia de
eficiência máxima, mas muitas vezes partindo de pressupostos generalizados
e que desconsideram as particularidades contextuais e a necessidade de
flexibilização de modos e de criação de alternativas.

Quando o ambiente pedagógico se organiza sobre os pilares móveis


da liberdade, da experimentação e da aproximação do individuo consigo
próprio, com o outro e com o mundo o que se potencia é que o trabalho
artístico seja um trabalho fundamentalmente humano, iniciado na pessoa e
realizado em comunhão de pessoas. Este senso de implicação coletivo que
se trabalha desde as práticas corporais adotadas, até as metodologias de
exploração e criação trazidas tem o compromisso de possibilitar que o artista
em formação no CLAC vá ficando cada vez mais atento às suas escolhas e
as possibilidades de adaptação de suas ações para um agenciamento mais
coeso em relação ao contexto no qual se insere.

Neste sentido, o projeto artístico-pedagógico que se começa a


idealizar prevê condições de formação de um campo fértil ao
desenvolvimento de um artista propositor, autor de seus projetos e gestor de
suas motivações/inquietações de modo engajado, ativo social e
culturalmente, relacionado ao lugar onde cria e produz, de modo que sua
criação faz sentido neste espaço e aí gera, portanto, dimensões de
pertencimento e condições de sustentabilidade ao longo do tempo.

Mais do que oferecer subsídios para conhecimento da linguagem, e


desenvolvimento do fazer, os cursos do CLAC tem por característica a
componente experiencial, isto é, a aplicação prática imediata dos conteúdos
e conceitos trabalhados em aula na constituição de experimentos criativos.

A prática constante da organização do conhecimento em exercícios


cênicos/performativos, bem como a tonificação da capacidade comunicativa
dos participantes por esta ênfase no confronto com formatos de organização
de seus desejos/ideias num modo de apresentação, busca habilitar os
formandos do CLAC a criarem e produzirem suas próprias obras, integrando-
os ao cenário cultural do município e da região.

O pensamento contemporâneo em Dança, por não se referir a um


estilo ou técnica em específico, mas por se tratar de um modo diferenciado
de agir nesta linguagem, ainda confunde muitas pessoas por não se
enquadrar aos mecanismos fixos de circunscrição de conhecimentos em
categorias estáveis.

O Vínculo Artístico-Pedagógico: As relações entre


programação/difusão e atividades de pesquisa/formação

A escassa exposição midiática de obras com este pensamento na


cidade de São Bernardo do Campo, e a divulgação ainda estrita de
informações a respeito das formulações que regem estes novos modos de
fazer dança, contribuem para um desconhecimento generalizado da opinião
pública em relação a este fazer. Mas observando esse panorama mais geral
no contexto local do município, algumas variáveis se revelam como
qualificadores importantes para a relação entre dança (não só
contemporânea) e cidade, nesse local.

Apesar da tradição de oficinas culturais já contribuir com a difusão da


linguagem da dança no munícipio a mais de vinte anos, as linguagens
populares apresentam frequentemente maior apelo diante do público que as
formas de dança cênica. No setor privado verifica-se também que o grande
número de academias (de balé e dança-de-salão, principalmente) preenchem
um espaço muitas vezes mais voltado ao entretenimento e às atividades
ocupacionais e físicas do que propriamente à formação artística (e
pedagógica). No que se refere à programação artística e cultural, a circulação
de espetáculos de dança no munícipio tem desenvolvimento ainda tímido,
contando com pautas esporádicas e pouca quantidade de produções autorais
nesta linguagem produzidas por artistas da região.

Diante deste cenário, a implantação do projeto do CLAC parece vir ao


encontro do preenchimento de uma série de lacunas afetas ao campo da
Dança, tais quais a criação de um ambiente de formação de profissionais
(quer com pretensões ao fazer artístico e/ou pedagógico), de um espaço para
apresentações regulares e circulação de trabalhos, de um local para o
trânsito e encontro de públicos e artistas, partilhando a construção de um
conhecimento cultural e contribuindo para que este fazer artístico ganhe
familiarização com a vida dos munícipes.

De modo mais localizado, o que os primeiros meses no CLAC


mostraram foi que uma talvez inicial falta de familiaridade com a linguagem
não anula a curiosidade e o interesse pela mesma. Para um grupo não
pequeno de alunos, o encontro com a Dança no CLAC foi uma experiência
inaugural, e portanto, desconhecida no princípio. Mas o que o trabalho em
aulas foi mostrando, é que o contato com experiências corporais extra-
cotidianas mobilizou um universo de novidades. Abrindo assim uma demanda
enorme por referencias e ampliação de conhecimentos sobre o “assunto”
Dança nestes alunos. Esse cenário, mostrando-se como campo fértil à
disseminação do conhecimento, despertou uma motivação especial pela
articulação entre o projeto pedagógico e a pauta de programação do CLAC,
tendo a premissa da contextualização regendo essa aliança.

Essa facilitação do acesso entretanto, não significou imediatamente


que um trabalho de formação de público fosse dispensado.

Nesse sentido, a criação de espaços de encontro, convívio e troca,


entre alunos das turmas de formação e população geral interessada passou a
ser proposto com o intuito de fomentar a criação de vínculos, com o espaço,
concebendo-o em sua função pública.

Pensar o projeto artístico-pedagógico do CLAC como a criação de um


ambiente cultural ativa também uma dimensão mais abrangente da ação
cultural no âmbito do percurso de formação do artista, e como já explicado
anteriormente, possibilita que o artista que se forma nesse espaço adquira
uma consciência expandida sobre seu fazer, engajando-se mais ativamente
na produção de um contexto/comunidade artística local.

O estabelecimento de atividades de programação de maneira


constante e continuada tem contribuído para essa dinamização do espaço do
CLAC enquanto Centro Cultural, potenciando a circulação de saberes
artísticos, a articulação de pensamentos estéticos, a criação de debates e a
aproximação do fazer artístico em relação a vida e ao cotidiano. Esta criação
de relações entre as ações de formação junto as turmas e as atividades de
programação/ difusão recebidas no espaço. Deste modo, o projeto global do
CLAC parece ir firmando seu corpo ideológico a partir do desenvolvimento de
ações concretas que propõem a produção de conhecimento desde o campo
experiencial, desde a vivência prática em situações reais de efetuação do
fazer artístico, alargando assim na comunidade atingida (alunos,
frequentadores, artistas programados, população do bairro, profissionais
envolvidos, entre outros) à dimensão das lógicas de relação que permeiam o
trabalho artístico, conectando dinamicamente dimensões do público e do
privado, do macro e do micro, do coletivo e do pessoal, do geral e do
específico.

“...arte é conhecimento, o fazer e fruir artístico abrem o


desdobramento de possibilidades de relação e, assim, de reflexão e
acção. Somos seres relacionais e os laços e afectos que tecemos ao
longo da nossa vida não se restringem ao universo humano, desde o
principio do desenvolvimento embrionário, quando o zigoto se lança no
caminho ao longo do útero materno, já́ entramos em contacto com o
que tantos pensadores/criadores têm identificado como ser o não ser,
o mesmo agregado de células em movimento dá origem ao humano e
ao seu ambiente imediato... o afastamento da experiência quotidiana
dos ofícios, da delicadeza ou brutalidade do trabalho manual, do
cheiro da terra, da construção de um conhecimento experiencial que
implica o corpo em movimento pode ter-nos afastado do ritmo
tremente que caracteriza a vida, a importância do entendimento das
diferenças- semelhanças pode ter-nos afastado da capacidade de
percepcionar a passagem entre universos sem o reforço do estilhaço,
da segmentação, no entanto... não nos impermeabilizou
completamente o sentir...” (NEUPARTH, 2011:15)
A Relação com a Cidade e a Comunidade

Aproximar-se da população através de sua informação ativa a respeito


das atividades oferecidas pelo CLAC, bem como incentivar sua participação
nessas ações através do acesso aos seus interesses revelados, são atitudes
capazes de tornar a comunidade implicada neste projeto.

Mas para que esse vínculo se preencha de sentido, é necessário que


a comunidade e o CLAC estejam próximos, quer quando a população vem ao
espaço participar de atividades ou frequentar programação; quer quando a
equipe de arte-educadores e estudantes do CLAC vai ao encontro desta
comunidade, em ações que se realizam em espaço público e visam a
comunicação com o dia a dia da cidade.

Desde aulas em espaços públicos, até visitas e ações organizadas em


pontos de interesse do município, cabe à equipe pedagógica planejar
atividades que promovam inter-relação entes seus projetos didáticos e a vida
da cidade, levando a prática de pesquisa artística para o cotidiano do
município.

Vislumbram-se neste campo algumas ações em específico, como a

realização do laboratório “Performances do Corpo na Cidade”, realizado em

julho de 2012; a criação de disciplinas eletivas com enfoque de investigação

afinado para a vida cotidiana do munícipio (como a ação das derivas pelo

bairro do Baeta na semana de recepção dos calouros); a realização de aulas

em praças e espaços públicos como parques e calçadões pelas turmas de

Iniciação à Dança; a promoção de uma mostra de Teatro de Rua no Bairro

Assunção; a organização das Jams de Dança no Centro Cultural Antónia

Marçon Bonício; a realização da performance “Chão de Cavalos” (na

reinauguração do Casarão da Família Simonsen) no Parque Chácara

Silvestre; a hipótese da criação de finalização de curso dos alunos da


formação em Teatro e Dança abranger uma pesquisa site-specific; entre

outras formas de interação ativa entre o projeto do Centro Livre e a vida da

cidade.

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Paula Petreca é Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (2008).


Atualmente é responsável pela coordenação de dança do CLAC - Centro Livre de
Artes Cênicas de São Bernardo do Campo (2012). É professora de História da
Dança na Escola de Dança de São Paulo e também professora de técnica na
Licenciatura em Dança da Faculdade Uniesp São Caetano. Integrou coletivos
artísticos, de importância em seus contextos de inserção, como a Cia Luis Louis de
Mímica e Teatro Físico (Brasil - 2006/2008) e o c.e.m - centro em movimento
(Portugal – 2008/2011). Dirige a plataforma de criação Projeto Co desde 2010.
paulapetreca@gmail.com

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