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1 CÁLCULOS DE VELOCIDADE

Vocês sabem que em físico­química tudo é desculpa para fazer conta. Eu sempre faço a mesma
piada que, se alguém espirrar na sala, podemos calcular o espirro. Com cinética química não é
diferente. Tudo é conta. A teoria que vimos até agora serve para entendermos o que vai acontecer
nas contas. Não adianta nada se matar de fazer contas se você não souber o que está calculando.
Então se ficou algo sem ser entendido, tire as dúvidas lá no mural e não deixe elas se acumularem.

VELOCIDADE DE UMA REAÇÃO

Para entendermos as contas de velocidade, primeiro vamos ver um exemplo de números em uma
reação:

A + 2B −−→ 3C + D
0s 4 mol/L 5 mol/L 0 0
5s 2,50 mol/L 2 mol/L 4,50 mol/L 1,50 mol/L
10 s 2,19 mol/L 1,38 mol/L 5,43 mol/L 1,81 mol/L
15 s 2,03 mol/L 1,06 mol/L 5,91 mol/L 1,97 mol/L
20 s 1,94 mol/L 0,88 mol/L 6,18 mol/L 2,06 mol/L
25 s 1,88 mol/L 0,76 mol/L 6,36 mol/L 2,12 mol/L
30 s 1,83 mol/L 0,66 mol/L 6,51 mol/L 2,17 mol/L

Olhe com muita atenção esta tabela, porque há muita coisa que os números nos contam. A
tabela nos mostra como a concentração de cada uma das substâncias da reação (A, B, C, D)
estão variando com o tempo. Em 0 s, é o momento exato que misturamos A e B. Como a reação
ainda não começou, isso explica porque C e D possuem concentração zero. Eles ainda não foram
formados. A partir daí, à medida em que o tempo passa, a concentração de todo mundo começa
a mudar.
Primeira coisa que quero que notem: as concentrações de A e B estão diminuindo, enquanto
as de C e D estão aumentando. Isso não é nenhuma surpresa: a concentração dos reagentes
diminui, enquanto a concentração dos produtos aumenta com o tempo. É fácil de saber o
porquê. Reagentes estão sendo consumidos na reação. Eles “desaparecem”, porque viram outra
coisa. Eles se transformam nos produtos. Se eles vão sumindo, a concentração deles vai caindo
também. Por outro lado, os produtos “aparecem”, porque os reagentes se transformam neles.
Como eles estão aparecendo, a concentração vai aumentando.

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Segunda coisa: perceba que as concentrações mudam cada vez menos à medida em que o
tempo passa. Com apenas 5 segundos de reação, houve uma grande perda dos dois reagentes
(A caiu quase a metade e B perdeu mais da metade). Nestes mesmos 5 segundos, formou­se
já a maior parte dos produtos C e D. De 5 para 10 segundos houve uma mudança menor nas
concentrações de todo mundo. De 10 para 15 segundos mudou ainda menos. De 15 para frente,
parece estar mudando bem devagar. A reação está ficando cada vez mais lenta à medida em
que o tempo passa. Isso acontece com todas as reações químicas. Elas começam rápido e vão
depois indo cada vez mais devagar até um ponto que param ou parecem parar. Por que será que
isso acontece? Comente lá no mural a sua opinião. A resposta dou semana que vem.
Terceiro: as concentrações estão medidas em mol/L. Lembrem­se que mol/L e molar são a
mesma coisa. Ou seja, as concentrações são molaridades. Espero que vocês ainda saibam como
calcular uma molaridade, porque todas as concentrações que usaremos no estudo da cinética
serão medidas em molaridades.
Mas como será que a tabela acima fica em um gráfico? Na horizontal vamos colocar o tempo
em segundos. Assim, quanto mais para a direita no gráfico, mais o tempo passa. Na vertical,
vamos colocar a molaridade em mol/l. Quanto mais para cima no gráfico, maior a concentração.
Quanto mais baixo no gráfico, menos concentrado.

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Percebam que as curvas azul e vermelha despencam no gráfico. Se elas descem, estão per­
dendo concentração. São linhas representando os reagentes. Afinal, sabemos que os reagentes
perdem concentração. Já as curvas amarelas e verde sobem no gráfico. Subir é aumentar a con­
centração. São as linhas representando os produtos, pois a molaridade aumenta para os produtos.
Mas que cor é que composto? Azul e vermelho são os reagentes, mas será que azul é A e
vermelho é B ou o contrário? Há duas dicas: primeiro olhe em 0 segundo na tabela: A começa
em 4 mol/L e B começa em 5 mol/L. Agora olhe bem no cantinho esquerdo do gráfico. O canto
esquerdo é onde está 0 segundo. Veja que a linha azul começa descendo do 5 e a linha vermelha
começa descendo do 4. Então azul é B e vermelha é A. Qual seria a segunda dica? Você percebeu
que a curva azul está despencando bem mais rápido que a curva vermelha? Agora olhe para a
estequiometria da reação 1 A reage com 2 B. Então a curva representando B precisa cair duas
vezes mais rápido que a curva A.
Se você entendeu, vai também saber diferenciar a curva amarela da curva verde. O amarelo
dispara subindo bem mais rápido que o verde. Isso porque são formados 3 C enquanto se forma
apenas 1 D (olhe estequiometria de novo). Então a curva amarela representa C e a curva verde
representa D.
Outra coisa que você pode perceber do gráfico. Enquanto C (amarelo) e D (verde) estão
aumentando, eles parecem que não vão aumentar para sempre. As duas curvas parecem estar
atingindo um topo acima do qual não sobem mais. A mesma coisa ocorre com os reagentes
A (vermelho) e B (azul). As duas curvas não vão descendo para sempre. Elas parecem estar
nivelando. O nivelamento tanto dos produtos quanto dos reagentes indica que as concentrações
estão mudando cada vez mais devagar com o tempo, algo que já havíamos percebido na tabela.
Finalmente, se você é bem atento, deve notar que na horizontal escrevemos “t (s)” que é o
tempo em segundos, mas na vertical colocamos “[ ] (mol/L)”. O que são aqueles colchetes?
No estudo da cinética, colchetes representam a molaridade. Assim, quando escrevemos [NH3 ],
estamos falando da molaridade da amônia; [H2 SO4 ] é a molaridade do ácido sulfúrico; [leite da
mamadeira da Clara] é a molaridade do leite da mamadeira da Clara.

CALCULANDO A VELOCIDADE DA REAÇÃO

A velocidade da reação é calculada através de duas fórmulas. Só vamos ver uma delas hoje.

∆[ ] molaridade depois − molaridade antes


vmédia = = (1.1)
∆t tempo final = tempo inicial
A unidade de medida da velocidade é mol/(L s), mas também podemos usar outras unidades
de tempo (como mol/(L min), mol/(L h) ou até mesmo mol/(L dia). Algumas vezes, você pode
ver escrito molL−1 s−1 ao invés de mol/(L s), mas é a mesma coisa.

Exemplo 1.1
Usando a tabela do começo desta lição calcule a velocidade média de B entre 5 s e 20 s.
Solução:
Se olharmos na tabela, para 5 s, temos [B] (molaridade de B) igual a 2 mol/L. Para 20 s, [B] =
0,88 mol/L. Portanto,

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∆[B] 0,88 − 2 −1,12


vmédia, B = = = = −0,075 mol/(L s)
∆t 20 − 5 15
Por que fizemos 0,88−2 ao invés de 2−0,88? Porque sempre precisamos diminuir na ordem:
molaridade depois menos molaridade antes. A molaridade depois é a molaridade em 20 se­
gundos (ou seja, 0,88 mol/L). A molaridade antes é a molaridade em 5 segundos (2 mol/L).

Note que a velocidade média calculada para B no exemplo acima é negativa. Ela tinha que ser
negativa. Uma coisa sempre precisa ser lembrada neste conteúdo, senão dá muita caca:

A VELOCIDADE DOS REAGENTES É SEMPRE NEGATIVA E A VELOCIDADE


DOS PRODUTOS É SEMPRE POSITIVA

Algumas vezes, a velocidade negativa é chamada de velocidade de consumo, enquanto a


velocidade positiva é chamada de velocidade de formação (ou velocidade de produção). Desta
forma, se dissermos que a velocidade de consumo é de 16 mol/(L s), isso é a mesma coisa que
dizer que a velocidade é de −16 mol/(L s). Ou seja, as palavras “de consumo” substituem o sinal
negativo. Mas quando estivermos calculando coisas, não esqueçam de colocar o sinal negativo
em velocidades dos reagentes para não errarem nos cálculos. Um sinalzinho de menos faz uma
grande diferença nas contas.

Exemplo 1.2
Usando a tabela no começo deste documento, calcule a velocidade média de todos os com­
postos nos primeiros 25 segundos de reação.
Solução:
Os primeiros 25 segundos é a mesma coisa que dizer entre 0 e 25 s. Para facilitar a vida, vou
copiar de novo a tabela, mas só as duas linhas que interessam (0 s e 25 s).

[A] [B] [C] [D]


0s 4 mol/L 5 mol/L 0 0
25 s 1,88 mol/L 0,76 mol/L 6,36 mol/L 2,12 mol/L

∆[A] 1,88 − 4 −2,12


vmédia, A = = = = −0,0848 mol/(L s)
∆t 25 − 0 25
∆[B] 0,76 − 5 −4,24
vmédia, B = = = = −0,1696 mol/(L s)
∆t 25 − 0 25
∆[C] 6,36 − 0 6,36
vmédia, C = = = = 0,2544 mol/(L s)
∆t 25 − 0 25
∆[D] 2,12 − 0 2,12
vmédia, D = = = = 0,0848 mol/(L s)
∆t 25 − 0 25

Olhem para as respostas do exemplo acima. Notaram algo em comum entre os números? Que
o valor da velocidade de A e de D são iguais é a primeira coisa que é fácil perceber. O sinal é

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diferente, uma é negativa e a outra positiva, mas os valores são iguais. Mas não notaram mais
nada? Olhem de novo. Com calma.
Se olharam e não perceberam, aí vai o spoiler. A velocidade de B é o dobro da velocidade de
A. A velocidade de C é três vezes a velocidade de D. E, não por coincidência, olhem de novo
para a estequiometria da reação.

A + 2 B −−→ 3 C + D
Não é de admirar que A e D tenham a mesma velocidade. Eles estão na proporção 1:1. B tem
o dobro da velocidade deles e existe um 2B na estequiometria. E C tem o triplo da velocidade
deles, aparecendo também um 3C na estequiometria.
Para esta reação, podemos escrever que
vA vB vC vD
= = =
−1 −2 3 1
Nos denominadores (parte debaixo da fração, para quem esqueceu disso), estão os coeficientes
de cada um. 1A, 2B, 3C e 1D. Os coeficientes de A e de B estão negativos porque eles são
reagentes.
E se a reação fosse N2 + 3 H2 −−→ 2 NH3 ? Então as velocidades são relacionadas da seguinte
maneira.
vN2 vH vNH3
= 2 =
−1 −3 2

Exemplo 1.3
Na reação

2 CO + O2 −−→ 2 CO2
sabe­se que, em determinado momento, a velocidade de produção do CO2 é de 2,38 mol/(L s).
Determine a velocidade de consumo do oxigênio neste mesmo momento.
Solução:
A relação entre as velocidades ali é
vO 2 vCO2
=
−1 2
Poderíamos até colocar vCO / − 2 se quiséssemos, mas note que o CO não serve para nada
neste exercício, então nem precisamos nos preocupar com ele.
Trocando valores,
vO 2 2,38
=
−1 2
vO 2
= 1,19
−1
vO2 = 1,19 × (−1)
vO2 = −1,19 mol/(L s)

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Por enquanto é só. Acho que vocês já tem um monte de coisas para pensar e algumas dúvidas
para tirar. Por favor, tirem qualquer dúvida antes da semana que vem, porque, por enquanto,
estamos no modo easy. Não gosto de ser pessimista, mas vai piorar. Se vocês derem um passo
de cada vez, conseguirão calcular tudo que virá pela frente. Mas se ficarem enroscados em algo,
vão tropeçar. Então, pelo amor de São The Flash, padroeiro da velocidade das reações, tirem
as dúvidas, pessoal. Quando vocês ficam quietos no mural, não faço a mínima ideia se estão
entendendo tudo ou se não estão entendendo nada.

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