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História: Debates e Tendências

ISSN: 1517-2856
felipeabal@upf.br
Universidade de Passo Fundo
Brasil

Neumann, Rosane Marcia


Imigração e identidade étnica: a construção do “ser alemão” no Sul do Brasil
História: Debates e Tendências, vol. 14, núm. 1, enero-junio, 2014, pp. 94-107
Universidade de Passo Fundo
Passo Fundo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=552456387007

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Imigração e identidade étnica: a construção do “ser
alemão” no Sul do Brasil
Immigration and ethnic identity: the construction of “being German” in southern Brazil
La inmigración y la identidad étnica: la construcción de “ser alemán” en el sur de Brasil
Rosane Marcia Neumann*

alemã de Neu-Württemberg, na Primei-


Resumo ra República, situada no município de
O artigo trata da heterogeneidade pre- Cruz Alta, região Noroeste do Rio Gran-
sente no grupo étnico denominado no de do Sul.
Brasil de alemães no Brasil. A formação
de identidade étnica é sempre relacio- Palavras-chave: Imigração alemã. Rela-
nal, pois envolve a construção e a afir- ções étnicas. Colônia Neu-Württemberg.
mação de um nós diante de um outro. Os
imigrantes vindos em diferentes épocas
e regiões da Alemanha, carregando suas
peculiaridades, constituíram no Brasil
Introdução
sua identidade enquanto grupo étnico
Os movimentos migratórios colocam
alemão, contrapondo-se aos outros. In-
em contato diferentes grupos étnicos em
ternamente, porém, sobressaem as frag-
uma relação de alteridade, tanto frente a ou-
mentações, revelando um grupo étnico
heterogêneo, caráter acentuado mais tros imigrantes, quanto aos nacionais. Outro
ainda em relação aos teuto-brasileiros. aspecto a considerar são as próprias diferen-
Busca-se elementos para entender como
essas identidades étnicas são fluidas e
acionadas nas relações cotidianas para *
Doutora em História/PUCRS. Professora do
Programa de Pós-Graduação em História da
se auto afirmar e diferenciar entre si, Universidade de Passo Fundo/UPF. Pesquisa-
criando tensões e rupturas. Delimita-se dora do Núcleo de Estudos de História de Imi-
gração (NEHI) do CNPq.
como lócus para o estudo empírico da
colônia privada e de colonização étnica Recebido em 04/07/2013 Aprovado em 20/07/2013
http://dx.doi.org/10.5335/hdtv.14n.1.4168

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ças internas, isto é, grupos aparentemente [...] só existe na sociedade que assim o deno-
homogêneos apresentam estratificações, po- mina a partir do momento em que atravessa
suas fronteiras e pisa seu território; o imi-
dendo ser econômicas, de origem ou sociais,
grante “nasce” nesse dia para a sociedade
diferenças essas que emergem nas relações que assim o designa (Sayad, 1998, p. 16).
cotidianas. Lesser (2013) chama atenção que
Para Pierre Bourdieu,
é comum que os estudos acadêmicos bus-
carem por conflitos étnicos ou por relações [...] o imigrante é atopos, sem lugar, des-
locado, inclassificável. [...]. Nem cidadão
harmônicas, em que esses/essas não exis-
nem estrangeiro, nem totalmente do lado
tem, ou não são percebidos como tais pe- do Mesmo, nem totalmente do lado do
los elementos envolvidos. Ao tratar de tais Outro, o “imigrante” situa-se nesse lugar
questões, é preciso estar atentar à diferença “bastardo” [...], a fronteira entre o ser e o
entre os discursos dos grupos e suas ações, não-ser social (In: SAYAD, 1998, p. 11).
visto serem instâncias diferentes, pois nem No local de chegada, os imigrantes
sempre o discurso e a prática convergem. buscam (re)construir suas identidades indi-
As identidades acionadas são flexíveis, ou, viduais e de grupos étnicos. A formação de
conforme define o autor, são um “fenômeno identidade é sempre relacional, pois envolve
situacional”, em que os indivíduos/grupos a construção e a afirmação de um nós diante
valem-se de múltiplas identidades, definin- de um outro, ou seja, a alteridade se dá em
do seu pertencimento conforme os interes- relação a um outro. Desse modo,
ses em jogo. [...] não apenas crio contraste em relação a
Objetiva-se perceber empiricamente um outro; crio um outro contrastivo. Crio
como o pertencimento étnico é negociado contraste numa relação em que me vejo
no cotidiano dos imigrantes alemães e de sendo visto por um outro que está se ven-
do sendo visto por mim (DAWSEY, 2005,
seus descentes, na relação interna do grupo
p. 233-234).
e frente aos nacionais, descritos como “bra-
sileiros” na Primeira República, tendo como Quando um indivíduo ou um grupo
espaço a colônia étnica alemã e particular afirma-se como tal, o faz como meio de di-
Neu-Württemberg, situada no Noroeste do ferenciação em relação a um indivíduo ou a
Rio Grande do Sul. um grupo com que se defronta.
Para os imigrantes alemães no Sul
Nós e os outros do Brasil, o brasileiro representava o outro,
frente ao qual construíram a sua identidade
A e/imigração, para Sayad, é um fato enquanto grupo étnico. Todavia, interna-
social completo, pois há o emigrante, aquele mente, prevaleciam as diferenças entre os
que saiu de sua própria sociedade, e há o próprios grupos de imigrantes, oriundos de
imigrante, aquele que chegou a uma terra de regiões distintas da Alemanha e de territó-
estranhos, e ambos são a mesma e única pes- rios ocupados pelos alemães em diferentes
soa. O imigrante épocas, e em fluxo contínuo por mais de um
século, carregando as marcas de sua origem.

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O que se tinha, então, era uma espécie de um modo frequente uma organização mui-
colcha de retalhos em que uma diversidade to complexa das relações sociais e compor-
enorme de trajetórias se entrecruzava, mo- tamentais (1998, p. 195-196).
vidas pelo estímulo da emigração, da bus-
ca de terra própria ou de liberdade em face Por fim, Barth registra que as
dos constrangimentos políticos, sociais ou [...] situações de contato social entre pes-
religiosos do “velho mundo” (WOORT- soas de culturas diferentes também estão
MANN, 2000, p. 210). implicadas na manutenção da fronteira
étnica: grupos étnicos persistem como uni-
Em meio à pluralidade, construíram
dades significativas apenas se implicarem
como identidade comum o “ser alemão”. marcadas diferenças no comportamento,
Bairon Sant’anna afirma que a sustentação isto é, diferenças culturais persistentes
desse imaginário estava na “presença de (1998, p. 214).
uma ausência”, ou seja, “a presença da pá-
tria-mãe no imaginário teuto-brasileiro na
forma de pequenas narrativas metafóricas
Relações étnicas no cotidiano da colônia
já que no campo simbólico ela está ausente”
Embora os imigrantes alemães fossem
(1993/1994, p. 21-22). Aqui, a rememoração
originários do território da Alemanha, a di-
tornar-se-ia o sustentáculo da memória co-
ferenciação sobressaía-se entre uma leva e a
letiva, cuja referência a qualquer objeto ale-
seguinte sobressaía, provocando conflitos e
mão remetia à pátria de origem, ou seja, nun-
um distanciamento cultural a ser transposto.
ca se fora tão apegado às tradições culturais
Assim, aqueles que já residiam no Brasil há
do que na diáspora – nunca se havia sido tão
várias gerações, que se identificavam como
alemão quanto no Brasil. Todavia, em terras
colonos ou teuto-brasileiros, eram vistos como
brasileiras, esses grupos étnicos apresenta-
aculturados e atrasados por aqueles recém che-
vam formas de organização novas e adap-
gado da Europa. A própria construção de
tadas ao “aqui e agora”, compartilhando
uma identidade teuto-brasileira é complexa,
de uma identidade, bem como de interesses
pois, segundo Rambo, esse indivíduo consi-
econômicos e políticos (CUNHA, 1987).
derava-se como
Para Barth, a pertença étnica é, ao mes-
[...] teuto, porque vivia de acordo com os
mo tempo, uma questão de origem, bem
costumes, os hábitos, os valores e falava
como de identidade corrente. Acresce, ain- a língua de seus antepassados. Brasileiro,
da, que o grupo étnico seleciona, dentro das porque nascera em território brasileiro,
suas características, as que são relevantes como brasileiro fora registrado e como
para a sua identificação e diferenciação em brasileiro se assumiu e agia (1999, p. 185).
relação ao outro. Para Bairon Sant’anna,
Se um grupo conserva sua identidade [...] é possível compreender que a consci-
quando os membros interagem com ou- ência tomada pelo teuto-brasileiro de si,
tros, isso implica critérios para determinar torna seu ser cultural uma grande dene-
a pertença e meios para tornar manifestas gação. Ao identificar-se como teuto, dene-
a pertença e a exclusão [...], a fronteira ét- ga o brasileiro e, ao dizer-se “brasileiro”
nica canaliza a vida social – ela acarreta de denega o teuto. Sua “dupla identidade”

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aprofunda-se numa enorme crise com seu mente com/para imigrantes alemães, onde
universo simbólico (1993/1994, p. 29). pudessem ser e permanecer alemães, man-
A partir das relações, muitas vezes tendo sua cultura de origem. Na prática, os
conflituosas e ásperas entre os alemães natos imigrantes eram minoria, e no povoamento
e os descendentes, formavam-se alguns es- da colônia Neu-Württemberg (hoje, Panam-
tereótipos, difundidos tanto no imaginário bi e Condor), colônia modelo da Coloniza-
popular quanto na imprensa. dora Meyer, situada no município de Cruz
Alta, fundada em 1898, predominavam os
Comparado ao alemão, o teuto-brasileiro é
um trabalhador capaz e cioso de seu valor, migrantes internos, provenientes da antiga
com um intelecto pouco ágil e com visão li- zona colonial do estado, com descendentes
mitada, dotado de pouco altruísmo, “cabe- de alemães de segunda, terceira ou mais ge-
ça-dura” e muito conservador, a quem fre-
rações. O agrupamento dessas populações
quentemente a forma interessa mais que o
conteúdo, de maneira que quase se poderia em um mesmo espaço originou um mosaico
dizer que ele cuida da escola mais por um cultural múltiplo, em que a categoria alemães
instinto atávico do que movido por uma reunia suabos, pomeranos, vestfalianos,
necessidade interna. Uma grande qualida- além de austríacos, húngaros, teuto-russos,
de é a sua forte inclinação familiar associa-
da com uma bem desenvolvida consciência
teuto-brasileiros, cada qual com seus costu-
racial. [O alemão] é intelectualmente mais mes e suas tradições. Logo, era necessário
vivaz e polivalente e mais aberto a novas construir uma identidade de neuwürttember-
ideias, de onde deriva que não raras vezes ger, dentro dos parâmetros de alemães no
ele se ache ainda mais inteligente do que
exterior ou migrantes internos, negociando
na realidade é e fique presunçoso. O ponto
de vista do outro lhe parece sempre ultra- costumes e valores do lugar de partida e de
passado e ele – uma pessoa moderna e sem chegada, retomando, ou mesmo inventan-
valores religiosos – o trata com superior do, uma tradição cultural comum (HOBS-
condescendência. O amor à terra ainda lhe
BAWN; RANGER, 1997), ou a própria reger-
é estranho, os laços familiares não neces-
sariamente sagrados (Kaiserlich Deutsches manização daqueles já assimilados.
Konsulat apud. MEYER, [on-line]). O elemento nacional não foi contempla-
do pelo empreendimento, sendo retirado gra-
As relações intrincadas entre imigran-
dualmente, conforme a aquisição de novas
tes alemães, teuto-brasileiros e nacionais
glebas de terras. Porém, as relações entre o
figuravam na pauta de discussões da ad-
grupo étnico alemão e os nacionais (proprietá-
ministração da Empresa de Colonização
rios de terras, autoridades, caboclos), domici-
Dr. Herrmann Meyer, um empreendimento
liados nas cercanias da colônia, não implicou
particular, de propriedade do alemão Dr.
maiores problemas, conforme o discurso da
Herrmann Meyer1, com sede em Leipzig/
Colonizadora Meyer, limitando-se à presta-
Alemanha, a qual instalou seu complexo co-
ção de serviços à empresa e troca de saberes.
lonial no Noroeste do Rio Grande do Sul, em
Por exemplo, aconselhava-se o imigrante a
1897, atuando na região até 1932. O projeto
contratar serviços de um caboclo para a derru-
de colonização tinha como objetivo inicial a
bada das matas e a construção da casa, tendo
formação de uma colônia étnica, essencial-

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em vista que conheciam as madeiras e as téc- o segmento mais fraco migrava para outro
nicas pertinentes, “porque o novo imigrante lugar, fato que criava também sérios obstá-
culos para o desenvolvimento econômico
entende pouco ainda desse trabalho e pode
(In: RAMBO; RABUSKE, 2004, p. 58).
estragar muito” (MEYER, 1906, p. 4).
Projetos de colonização étnica, como Inspecionar e observar, comparativa-
proposto por Meyer, em pleno início da Pri- mente, a formação e o desenvolvimento de
meira República, foram bem recebidos pela uma colônia étnica e de uma colônia mista
ala germanista no estado, enquanto criti- na região do Planalto Rio-grandense, res-
cavam a formação de colônias mistas, pela pectivamente, Neu-Württemberg e Ijuí, foi o
sua despreocupação com questões étnicas e objetivo do representante do consulado da
confessionais, comprometendo o desenvol- Alemanha em Porto Alegre, de sobrenome
vimento como um todo. Dentre os maiores Reinhardt, produzindo como documento
críticos, estavam os jesuítas católicos, envol- conclusivo um Relatório datado de 20 de
vidos diretamente na assistência religiosa julho de 1921. Como aspectos relevantes,
da zona colonial alemã e italiana e ligados destacou como primeiro ponto: Ijuí, enquan-
ao Bauernverein2, os quais defendiam, aber- to colônia pública recebeu ajuda oficial, os
tamente, a colonização confessional e étnica, lotes foram ocupados sistematicamente, e
tendo como seus expoentes os padres jesuí- um ramal da linha férrea foi prolongado até
tas Theodor Amstad, João Evangelista Rick e a sede da colônia, além de servir, estrategi-
Max von Lassberg. De acordo com Amstad, camente, como um marco adiantado para
impedir o avanço argentino. Do outro lado,
[...] a mistura étnica e confessional se cons-
titui num dos grandes males das atuais Neu-Württemberg somente obteve apoio
colonizações do governo [republicano]. passivo do governo, sendo todo o trabalho
Em não poucos casos, põe-se em prática realizado pelo diretor da colônia e algumas
uma ação planejada nesse sentido, visan- parcerias com o Intendente de Cruz Alta; e,
do, como se diz, a estimular a formação
de “um tipo brasileiro uniforme”. Como a linha férrea passava a uma longa distância
consequência desse sistema, os elementos da sede da colônia. Segundo ponto: as duas
melhores e mais bem dotados abandonam colônias progrediram, mas Neu-Württem-
as “colônias misturadas” e vão fixar-se em berg permaneceu alemã na sua configuração
colônias de associações nas quais se prati-
externa, assim como o caráter de seus habi-
ca a colonização étnica e confessionalmen-
te identificada (Cem anos de germanidade..., tantes; já Ijuí, primeiro sob a administração
1999, p. 51). do Dr. Augusto Pestana, seguido por Antô-
nio Soares de Barros, havia transformado-se
Na avaliação do padre jesuíta Balduí-
em um “centro colonial internacional”, onde
no Rambo,
o elemento nacional (Lusobrasilianertum) foi
[...] não demorou para ficar claro que era
colocado ao lado dos imigrantes (alemães,
preciso separar não só por confissões como
também por nacionalidades. As colônias poloneses, italianos, russos e suecos) para
mistas de alemães, italianos e poloneses acelerar a sua assimilação. Assim sendo,
não logravam organizar uma vida comuni-
tária como era de desejar. Em muitos casos

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Neu-Württemberg é um piece de résistance Os anuários e jornais também contri-
do Deutschtum [germanidade] nesse Es- buíram para a construção de uma imagem
tado; ali o espírito alemão se manifesta
coerente e positiva da colônia Neu-Würt-
muito vigoroso, e tem tamanha força, que
podemos falar de uma regermanização da temberg, olhando-a de fora e colocando-a em
população de origem alemã, que fala um circulação para diferentes públicos-leitores.
alemão legítimo, sem preencher por ter- Em linhas gerais, reafirmavam o discurso
mos abrasileirados. Essa regermanização
oficial da Colonizadora Meyer, comprovando,
mostra-se claramente junto àqueles que
remigraram das colônias velhas de Santa com depoimentos de seus editores, com fo-
Cruz, Teutônia, São Leopoldo, etc., onde tografias, artigos e notícias, que Neu-Würt-
em grande medida haviam se tornado temberg era e permanecia uma autêntica
brasileiros e se juntaram à colônia, onde, colônia alemã-modelo. Reforçaram tratar-
sob a influência dos Neu-Württemberger,
novamente se emanciparam. No seu atu-
-se de uma colônia privada para agriculto-
al estado, a colônia é a obra singular de res e, secundariamente, para artesãos, mas
um homem, o diretor Hermann Faulhaber3 somente aqueles que realmente estavam
e de sua esposa. Primeiro, ele foi pastor, dispostos a se sujeitar a esse modo de vida
mas conscientemente abandonou seu ofí-
deveriam (e)migrar. Não se tratava de uma
cio religioso; esse distinto suabo, desde o
princípio, assumiu seu trabalho aqui não propaganda suntuosa, como aquela do sécu-
como comerciante, mas como colonizador lo XIX, a qual representava o Brasil e suas
em sentido cultural, com sua grande inte- colônias como uma terra de possibilidades
gridade, habilidade e praticidade, ele foi
ilimitadas. Essas publicações colaboraram,
um dos primeiros – sim, eu não hesito em
dizer – o primeiro e distinguido propagan- ainda, para tornar conhecidos o Noroeste do
dista do Deutschtum neste Estado e talvez estado e as suas colônias, indicando-as como
em todo sul do Brasil; mesmo sendo mui- mais uma opção para a realocação de exce-
to culto, permaneceu um homem simples, dentes populacionais.
atuando como fator de cultura sob a exten-
Outro tipo de evento que merecia
sa área colonial de Neu-Württemberg, bem
como além de seus limites. O melhor e o destaque e delinea a projeção desse núcleo
mais simpático nele é que ele mesmo nem colonial era a visita de autoridades alemãs,
sabe disso. Como mostra a experiência, como em 1913, do Barão de Lindequist, ex-
aqueles que se fixam nos centros urbanos
-ministro das colônias da Alemanha na Áfri-
aceitam mais rapidamente o caráter luso-
-brasileiro. Contudo, Faulhaber esforça-se ca, que chegou acompanhado pelo Dr. José
para preservar a cultura alemã na sua al- Watzl, funcionário do Ministério da Agri-
deia. Até agora, ele foi bem sucedido (grifo cultura do Brasil, destacado pelo governo
no original).4 brasileiro, o qual permaneceu na colônia por
Reinhardt concluiu seu relatório três dias. Na companhia do diretor da Colo-
apontando a Serra como “o lugar onde nizadora Meyer, visitou vários colonos, “com
o Deutschtum se mantinha e avançava, os quais palestrou amistosamente, colhendo
mais do que em outros lugares. Um lugar em toda a parte informações, tendo, daquilo
alemão”. Essa era a imagem da colônia vista que viu e ouviu, recebido as mais agradáveis
por alguém de fora.5 impressões possíveis”.6 Em seu discurso de

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saudação ao Barão, Minoly Gomes Amorim7 dente Municipal Cel. Firmino Paula Filho,
expressou sua expectativa futura em relação fez as melhores referências aos alemães,
a essa visita, ressaltando a contribuição dos [...] colaboradores do progresso do nosso
alemães para o desenvolvimento da colônia país, estreitamente ligados aos brasileiros
e a ausência de conflitos étnicos: na obra do engrandecimento e prosperida-
de da nossa nacionalidade, não existindo,
[...] o alto testemunho, a observação in- entre uns e outros, rivalidades de raça, re-
suspeita daquilo que somos, do modo que ligião ou mal entendido patriotismo, mas
aqui vivem e da consideração e justo pres- sim união completa, sendo a única luta
tígio de que entre nós gozam os compatrio- existente a do trabalho, mas o trabalho que
tas de S. Excia. dignifica o homem, a pátria e a família.9
Muito tem se escrito e muito tem sido dito,
Financeiramente, a Colonizadora Meyer
cá e lá, referentemente às cousas desta ter-
ra; mas a palavra de S. Excia, estamos cer- foi um fracasso, visto que os investimentos
tos, será a expressão fiel da própria obser- ultrapassaram em muito os lucros auferidos.
vação, do que viu e ouviu nos longos dias Por essa razão, todo esforço foi canalizado
passados na modesta convivência dos nos-
para o trabalho cultural que, segundo Meyer,
sos bons colonos alemães, nas clareiras das
nossas imensas matas virgens e na roça, [...] se, daqui a alguns anos, pudermos
onde verdeja o milharal. abandonar Neu-Württemberg à sua pró-
pria sorte, sentiremos a imensa satisfação
Esta colônia é bem uma prova do que são
de termos realizado, lá, um bom trabalho
as demais colônias alemãs deste Estado:
cultural e de havermos criado uma co-
prósperas e felizes, parece que em todas
lônia modelar no país. E, por ser colônia
elas sorri a harmonia doce e sossegada da
pequena, maior será seu valor intrínseco
vida e do trabalho.
(MEYER apud FAUSEL, 1949, p. 30).10
A civilização, que da vossa grandiosa Ale-
manha tem, continuamente, se deslocado Atendendo aos propósitos de Meyer, a
para o nosso país, vai, pouco a pouco, pene- colônia deveria permanecer alemã e, por ex-
trando em todas as roças, através dos pam- tensão, os imigrantes precisavam acatar a es-
pas, além das serranias, e em toda a parte sas prerrogativas.11 Em 1903, diante da insis-
confraternizam-se alemães e brasileiros...8
tência do administrador Horst Hoffmann de
Em 21 de maio de 1914, a colônia Neu- atrair poloneses para a colônia, Meyer asse-
-Württemberg recebeu a visita de dois repre- gurou: “meu propósito não é colocar outras
sentantes da Alemanha: o Cônsul Freiherr nacionalidades em Neu-Württemberg, só
von Stein e o Propost Braunschweig. Após alemães. Além disso, conheço os poloneses
recepção, discursos e apresentação de alu- como maus colonos – ou só o lado ruim do
nos, realizaram várias excursões pelo interior colono”.12 Em nível de gerência da Coloniza-
da colônia, visitando os principais estabeleci- dora Meyer, havia como ordem enviar, sem-
mentos industriais e escolares. Os visitantes pre que possível, as famílias alemão-polone-
teriam classificado a colônia como modelar, sas para a colônia Xingu, de propriedade da
elogiando a administração de Faulhaber. Ao empresa, situada no município de Palmeira
cumprimentar os visitantes, Minoly Gomes das Missões.13
Amorim, representando na ocasião o Inten-

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Entretanto, a relação entre os indiví- lônia, porém, a administração da empresa
duos do grupo étnico alemão, vista de den- deveria estar atenta aos rumos assumidos
tro, era complexa. Em 1899, ao efetuar um pela entidade e por seus dirigentes e, se ne-
empréstimo a um imigrante alemão para cessário, intervir.
retornar à Alemanha e buscar a sua família, Um ano depois, já se esboçava uma
o administrador da Colonizadora Meyer jus- dissidência dentro do Bauernverein, que,
tificou o fato alegando que enquanto viveu conforme o relatório do pastor Hermann
ao “modo alemão”, acabou por se endividar, Faulhaber, era perceptível há mais tempo.
mas, que já havia se ajustado ao modo de Formaram-se, então, dois grupos: o pri-
vida da colônia – ao contrário de seu irmão, meiro, composto pelos velhos colonos, os
que não servia para ser colono.14 Por sua vez, quais não demonstravam muito interes-
o pastor Hermann Faulhaber, imigrante de se pela entidade, participavam pouco das
Württemberg, ao assumir o pastorado na reuniões,quase não se manifestavam e eram
colônia em 1902, considerou-a em completo vistos como mais reservados; o segundo gru-
desleixo religioso e educacional. Suas pri- po, era integrado pelos Deutschländer ou imi-
meiras medidas confluíram para resgatar as grantes da Europa e por aqueles provenientes
raízes da cultura alemã, objetivando nivelar de cidades brasileiras maiores, que partici-
culturalmente os teuto-brasileiros aos imi- pavam de todas as reuniões, manifestavam-
grantes recém-chegados. -se e tinham ideias de cooperativismo em
Essas questões étnicas perpassavam o vista, descritos como mais progressistas. Gra-
cotidiano das famílias, atingindo, por vezes, dualmente, esse segundo grupo assumiu a
as próprias instituições das quais participa- liderança, fazendo prevalecer as suas aspi-
vam. Em 1º de março de 1903, realizou-se a rações. Em 11 de setembro de 1904, o grupo
primeira assembleia dos colonos da colônia da situação/colonos, composto por Rogge,
Neu-Württemberg, com o propósito de fun- Restel, Hegner e Baumgart, foi derrotado na
dar um Bauernverein. Já em 15 de março de eleição da nova direção, recebendo apenas
1903, houve uma segunda assembleia, cons- um terço dos votos. Dos sessenta agriculto-
tituindo oficialmente o Bauernverein, com 35 res então membros da entidade, apenas dois
sócios, elegendo a primeira diretoria e uma terços estavam presentes, predominando o
comissão para a elaboração dos estatutos. A grupo da oposição/Deutschländer. Assim
entidade deveria preocupar-se com as ques- foi fundada a Produktions-und Bezugsge-
tões dos agricultores, desempenhar uma nossenschaft [Cooperativa de Produção e
função cooperativista de interesse dos colo- Compras da Associação de Agricultores de
nos e filiar o núcleo de Neu-Württemberg Neu-Württemberg], subordinada ao Bauer-
à Associação Rio-Grandense de Agricultores, nverein e que aceitava apenas os sócios des-
o Riograndenser Bauernverein. A fundação se. É evidente que no grupo dos Deutschlän-
dessa associação e os seus princípios foram der havia alguns colonos, e, no dos colonos,
bem vistos por Herrmann Meyer, pois con- alguns imigrantes, como von Braun. Mas, de
tribuiriam para o desenvolvimento da co- modo geral, a divisão era clara, como tam-

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bém ficava evidente que as ideias de coope- ram com todo tipo de teoria de agricultura
rativismo predominavam entre os imigran- para cá, e devido à quebra do arado e de
outros experimentos, não plantaram nada
tes, que acabaram fundando a cooperativa,
ao longo deste ano que eles aqui se encon-
a qual tinha como objetivo principal com- tram; e apesar disso, se sentem homens
prar os produtos dos colonos, no caso o ta- importantes e regularmente vem a cavalo,
baco, e vender-lhes os produtos necessários com rostos sérios, para o Stadtplatz para
comprar pão, fazer contato com os demais
ao seu consumo.15
e saber dos últimos acontecimentos! Ao ver
Nesse mesmo contexto, observando as suas figuras, muitas vezes lembro dos
a configuração populacional da colônia de rapazes que brincam de “Urwälder”! To-
Neu-Württemberg e o comportamento dos davia, são pessoas simpáticas e eu gosto de
imigrantes nesse meio, o pastor Hermann vê-los na casa pastoral. Recentemente veio
um eletrotécnico de Berlin com grande fa-
Faulhaber anotou, em inícios de 1903: mília, e era até então diretor de uma grande
Quase metade dos nossos camponeses são fábrica, e então perdeu toda sua fortuna, e
“velhos colonos” [alte Kolonisten], acostu- procura aqui agora sua salvação. Um au-
mados à vida e ao trabalho na floresta, a têntico berlinense: “agora eu venho, agora
maioria já nascidos no Brasil ou imigrados tudo vai mudar aqui! Até agora não tinha
bem jovens. Eles vieram em sua maioria ninguém aqui ainda que pudesse fazer algo
da antiga zona colonial da região leste do por essas pessoas. Isso vai mudar. E uma
estado, em busca de terras baratas e lugar festa de Natal bem diferente nós teremos
para ter os seus filhos. Eles têm como ca- da próxima vez, não mais demoradas velas
racterística ser individualistas, indepen- de cera, mas sim lâmpadas elétricas. Isso
dentes e autoconsciente, mais do que nos- vai impressionar as pessoas! Elas vão arre-
sos camponeses lá [na Alemanha]. Eles são galar os olhos com isso!” Agora ele está lá
independentes, pelo menos em relação ao no meio da floresta e provavelmente está
Estado, à Igreja, ao jornal, ao partido polí- trabalhando na sua plantação. E na colônia
tico, apesar de toda sua simplicidade são tudo está como antes... Outros, após ter en-
reis livres em sua terra. Aproximadamen- terrado as ilusões que trouxeram, logo se
te ¼ de nossos colonos são compostos de encontram bem aqui, como um Stuttgarter
pessoas, que como artesãos (Handwerker) com família, até então empacotador em
imigraram há anos, e em Porto Alegre ou uma livraria; um marceneiro de Brettach;
outro lugar qualquer, exerciam o seu ofí- um eletrotécnico de Stuttgart com esposa,
cio, mas em decorrência da depressão eco- um Siebenbürger com família camponesa
nômica dos últimos anos, foram forçados a veio recentemente. Também não quero es-
tornarem-se colonos: funileiro, serralheiro, quecer daqueles que, após uma curta esta-
sapateiro, marceneiro, ourives. Eles não da, partiram novamente, porque a vida na
sabem trabalhar tão bem como os velhos floresta, uma vez experimentada, era bem
colonos, mas são bem ágeis. Até onde a diferente daquela que eles haviam imagi-
situação permite, eles exercem paralelo ao nado. Trabalho e não pombas assadas vo-
seu trabalho agrícola o seu ofício. E só os ando, pequeno camponês e nenhuma sal-
alemães recém-chegados (Deutschländer) vação! [...]. O destino desses que vem para
imigraram há pouco. Entre eles, há vários a colônia e em breve já jogam o machado e
tipos humanos misturados. Eu lembro de a enxada para o lado é, na maioria, difícil
dois jovens instruídos, agricultores de lá e triste! Muitos passam a beber cachaça, e
[Alemanha], solteiros, os quais estão mo- acabam morrendo na beira de alguma es-
rando juntos em uma tenda de cigano. Vie- trada. Por isso, nunca é demais insistir: só

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pessoas que são acostumadas a pesados che (1969), na qual o papel da família, como
trabalhos braçais e têm alguma experiên- célula de organização e sobrevivência, foi
cia, como nossos pequenos camponeses, ou
transferindo-se para a Picada ou Linha e
um ofício, podem, depois de superadas as
dificuldades iniciais, conquistar aqui uma para a Colônia, em um processo doloroso,
existência satisfatória. Outros só com raras mas necessário. Para Tramontini, esse mun-
exceções (FAULHABER apud FAULHA- do colonial que se estruturava precisava dar
BERSTIFTUNG, 1933, p. 14-15).
conta de sua organização interna enquanto
Percebe-se, no relato, a emergência das grupo, e externa, frente à sociedade brasi-
identidades regionais do local de origem leira, para superar problemas e adversida-
e as representações construídas em torno des, bem como conquistar seu espaço. Esse
delas, acionadas quando essas populações autor entende os conflitos “como parte da
eram colocadas em contato. Assim, ao redu- dinâmica de implementação do projeto de
zir a escala de análise, a diferença torna-se colonização, de inserção dos imigrantes na
visível, embora, para o meio externo, cons- sociedade brasileira, e como situação de or-
truíram sua identidade étnica enquanto ale- ganização do próprio grupo social, no qual
mães, dando a ideia de tratar-se de um gru- a etnicidade assume clara afirmação social e
po homogêneo. Essas fricções entre colonos política” (2004, p. 117). Ainda conforme ele,
teuto-brasileiros e imigrantes alemães torna- para o início do século XIX, é preferível o
ram-se salientes na década de 1920, quando emprego do termo
a colônia Neu-Württemberg recebeu um [...] “organização social” com base étnica à
grupo de mais de 600 imigrantes alemães, ‘identidade étnica’, uma vez que o grupo
em sua maioria suabos e urbanos, atingidos imigrante ainda não erigira uma fala, um
discurso ou imagem sobre si próprio, ou
direta ou indiretamente pela I Guerra Mun-
atribuíra legitimidades aos seus “represen-
dial, muitos dos quais profissionais liberais tantes” (TRAMONTINI, 2004, p. 119).
e técnicos. Conforme os discursos locais, os
Nas colônias novas, percebe-se as fric-
imigrantes viam-se culturalmente superio-
ções entre teuto-brasileiros, já com um dis-
res, dedicando-se à fundação de indústrias.
curso étnico definido, e imigrantes alemães,
Já os colonos, descreviam os imigrantes
complexificando as relações.
como arrogantes e ignorantes, por desco-
Portanto, os imigrantes alemães cons-
nhecer a forma de derrubar a mata e de pra-
troem em solo brasileiro sua identidade e
ticar a agricultura, cometendo inúmeros
seu discurso étnico para relacionarem-se
erros e causando prejuízos. No vocabulário
com os outros, representando um grupo ét-
cotidiano da colônia, os termos Kolonist (co-
nico homogêneo, mas, internamente, preser-
lono) e Deutschländer delimitam, claramente,
vam múltiplas identidades, ligadas ao local
as identidades de dois grupos em oposição,
de origem, à cultura, à situação socioeconô-
embora tratassem do mesmo grupo étnico
mica, política, religiosa, tudo isso praticado
(cf. NEUMANN, 2009).
por alemães natos ou descendentes... A pro-
A organização social da colônia é de-
dução historiográfica dedica-se, em primei-
finida como “solidariedade étnica” por Ro-

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ra linha, às relações interétnicas estabeleci- Resumen
das entre os imigrantes alemães e os outros,
representados pelo elemento nacional. To- El articulo trata de la heterogeneidad
davia, o estudo sobre a fragmentação inter- presente en el grupo étnico denominado
na no que se define como grupo étnico alemão, de alemanes en Brasil. La formación de la
ainda está por ser realizado, mapeando as identidad étnica es siempre relacional,
relações entre as minorias presentes entre os pues envuelve la construcción y afirmaci-
ón de un nosotros delante de uno otro. Los
imigrantes de origem alemã quando coloca-
inmigrantes venidos en distintas épocas
dos em contato com o exterior, e desses para
y regiones de Alemania, trayendo sus
com os teuto-brasileiros.
peculiaridades, constituyeron en el Brasil
su identidad como grupo étnico alemán,
Abstract en contradicción a los otros. Internamen-
te, todavía, sobresalen las fragmentacio-
The present article deals with the hete- nes, revelando un grupo étnico hetero-
rogeneity in the ethnic group called the géneo, característica aún más acentuada
Germans in Brazil. The formation of eth- en relación a los “teuto-brasileiros”. En
nic identity is always relational, because este texto, se busca elementos para en-
it involves the construction and affir- tender como estas identidades étnicas
mation of us in front of another. Immi- son fluidas y accionadas en las relaciones
grants in different times and regions of cotidianas, para la auto afirmación y di-
Germany, carrying their peculiarities, in ferenciación interna, criando tensiones
Brazil constituted his identity as a Ger- y rupturas. El locus delimitado para el
man ethnic group, opposing each other. estudio empírico es la colonia privada y
Internally, however, stand the fragmen- de colonización étnica alemana de Neu-
tations, revealing a heterogeneous ethnic -Württemberg, en la Primera República,
group, even more marked character in ubicada el municipio de Cruz Alta, regi-
relation to the German-Brazilians. We ón noroeste de Rio Grande do Sul.
seek to understand how these elements
to ethnic identities are fluid and driven Palabras clave: Inmigración alemana.
in everyday relationships, to affirm and Relaciones étnicas. Colônia Neu-Würt-
differentiate themselves from each other, temberg.
creating tensions and ruptures. Is deli-
mited as a locus for the empirical study
the private ethnic German colony and
Notas
colonization of Neu-Württemberg, in the 1
Heinrich August Herrmann Meyer nasceu em 11
First Republic, located in Cruz Alta, the de janeiro de 1871, em Hildburghausen, no estado
northwest region of Rio Grande do Sul. da Turíngia, Alemanha. Na sua formação acadê-
mica, estudou geografia e etnologia nas univer-
sidades de Strassburg, Berlin e Jena. Obteve seu
Keywords: German immigration. Ethnic título de Doutor [Doktor der Philosophie] em 1895,
relation. Colony Neu-Württemberg. na Universidade de Jena, ao defender a tese Bogen
und Pfeil in Central-Brasilien. Ethnographische Studie
[Arco e Flecha no Brasil-Central. Um estudo etnográfi-

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co]. Seu objeto de estudo – a cultura indígena do dora Meyer para assumir a assistência religiosa e
Brasil central – e sua abordagem o aproximou dos educacional na colônia Neu-Württemberg e Xin-
pesquisadores americanistas. Para aprofundar gu. Contudo, em 1908, Faulhaber abandonou o
seus conhecimentos e coletar material empírico, pastorado e assumiu a administração da Coloni-
Meyer organizou duas expedições à região das zadora, cargo no qual permaneceu até 1926, quan-
nascentes do rio Xingu, no estado do Mato Gros- do de seu falecimento. Paralelamente, exerceu a
so. A primeira expedição, de fevereiro de 1896 a administração da rede escolar particular local. Já
janeiro de 1897 e, a segunda expedição, de janeiro Marie Faulhaber foi atuante tanto na escola quan-
de 1899 a novembro de 1899. A terceira e última to na igreja, mas sem jamais ser remunerada para
viagem ao Brasil foi por conta de seu projeto de tais funções (cf. NEUMANN, 2009).
colonização, acompanhado de sua esposa, Else 4
No documento não consta o prenome de Rei-
Meyer, entre 10 de setembro de 1900 e 10 de janei- nhardt, nem fica explícita a sua função no con-
ro de 1901. Herrmann Meyer era sócio proprietá- sulado (Relatório de Reinhardt, fl. 3-4. Deutsches
rio do Instituto Bibliográfico de Leipzig, Alemanha Konsulat in Porto Alegre à Deutsche Gesandtschaft,
e investiu no sul do Brasil por meio de sua Empre- no Rio de Janeiro e ao Auswärtiges Amt, Berlin,
sa de Colonização Dr. Herrmann Meyer, em um pro- Porto Alegre, 20/7/1921. R- 79001 a 05. Das Po-
jeto de colonização, adquirindo para isso terras litische Archiv des Auswärtigen Amts. Berlin,
de particulares, revendendo-as, posteriormente, Alemanha). Tradução livre da autora.
no formato de lote colonial (25 ha). Fundou em 5
Os diretores da colônia Neu-Württemberg e a
Palmeira das Missões as colônias Xingu [Novo direção da Colonizadora Meyer tinham como pre-
Xingu] (1897), Erval Seco (1899) e posse Boi Preto ocupação manter seu perfil enquanto colônia ale-
(1899); em Cruz Alta, a colônia Neu-Württemberg mã, mas sem se aproximar das discussões pan-
[Panambi] (1898), e a posse Castilhos (1903), em germanistas, ou buscar qualquer vínculo político
Júlio de Castilhos. Meyer faleceu em 17 de março com a Alemanha.
de 1932, em Leipzig (Cf. NEUMANN, 2009). 6
Discurso manuscrito de Minoly Gomes Amorim,
2
O Bauernverein – Associação dos Agricultores – foi 1913. Álbum de recortes de jornais de Minoly
fundado no II Katholikentag (2º Congresso Ca- Gomes Amorim, 1906-1923. MAHP– Museu e Ar-
tólico) realizado em Feliz (RS), em 1900, e seus quivo Histórico Professor Hermann Wegermann,
objetivos direcionavam-se, principalmente, aos Panambi).
problemas econômicos e técnicos dos agriculto- 7
Em fevereiro de 1906, a municipalidade de Cruz
res. Uma das principais ideias defendidas pela Alta instalou na colônia uma escola pública, no-
associação era o cooperativismo. Seu idealiza- meando como professor o Capitão Minoly Gomes
dor foi o padre jesuíta Theodor Amstad. Pelos Amorim, filho da elite estancieira cruzaltense. Em
os estatutos, essa associação foi pensada como uma carreira ascendente, em 1913 foi nomeado
uma organização interétnica e interconfessio- como subdelegado de Neu-Württemberg, e tam-
nal. As pretensões, portanto, não se limitavam, bém foi o primeiro subintendente da colônia, no-
apenas, à solução dos problemas dos teuto- meado para tal cargo em 11 de abril de 1916. Uma
-brasileiros católicos. Tratava-se de um projeto vez eleito para o Conselho Municipal, renunciou
de promoção humana que não deveria excluir ao cargo da subintendência e da subdelegacia. En-
nenhuma das vertentes étnicas ou religiosas tre 1907 e 1922, vários artigos de sua autoria foram
presentes no estado. O Bauernverein fundou a publicados na imprensa republicana de Cruz Alta,
colônia Serro Azul (Cerro Largo), em 1902. Já reunidos pelo autor em formato de Álbum de recor-
em 1912, na assembleia dos católicos em Ve- tes. Acrescenta-se a eles, ainda, uma série de dis-
nâncio Aires, houve uma divisão, e foi fundada cursos pronunciados em saudação a autoridades e
a Volksverein für die Deutschen Katholiken in Rio visitantes em geral na colônia e, posteriormente, no
Grande do Sul (Sociedade União Popular para os Conselho Municipal (álbum de recortes de jornais
Católicos Alemães do Rio Grande do Sul), tam- de Minoly Gomes de Amorim, 1906-1923. MAHP).
bém idealizada pelo padre Theodor Amstad SJ., 8
Discurso manuscrito de Minoly Gomes Amorim,
logo, de caráter confessional, enquanto os pro- 1913. Álbum de recortes de jornais de Minoly Go-
testantes continuaram com o Bauernverein, sob a mes Amorim, 1906-1923. MAHP.
designação de Liga Colonial (cf. RAMBO, 1992; 9
Nota de Minoly Gomes Amorim no jornal Cruz
SCHALLENBERGER, 2001). Alta, 4/6/1914. Álbum de recortes de jornais de
3
Em 1902, o pastor protestante Herrmann Fau- Minoly Gomes Amorim, 1906-1923. MAHP. Cabe
lhaber e sua esposa Marie Faulhaber, professora, retomar a afirmação de Lesser (2013), de que o
foram contratados na Alemanha pela Coloniza- discurso e a ação são distintos. Aqui, a contribui-

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ção econômica dos imigrantes alemães e seus des- DAWSEY, J. C. (Org.). Americans, imigrantes
cendentes, vinculada ao trabalho são ressaltados, do velho Sul no Brasil. Piracicaba: Editora UNI-
e o perfil de colônia étnica positivado. Já durante
MEP, 2005.
o Estado Novo (1937-1945), com a campanha de
nacionalização do governo de Getúlio Vargas, a FAULHABERSTIFTUNG. Neu-Württemberg.
colônia foi classificada como um quisto étnico, Eine Siedlung Deutscher in Rio Grande do Sul/
cuja nacionalização era urgente, e os conflitos
Brasilien. Stuttgart (Alemanha): Ausland-und
étnicos, até então velados ou inexistentes, emer-
giram, reforçando as fronteiras entre os nacionais Heimat Verlags A.-G., 1933.
e os alemães, nesse caso, afetando indistintamente FAUSEL, E. Cinqüentenário de Panambi 1899-
os imigrantes alemães e os teuto-brasileiros (cf.
NEUMANN, 2003).
1949. s. l.: s.ed., 1949.
10
Em 14 de maio de 1931, Herrmann Meyer recebeu HOBSBAWN, E; RANGER, T. (Org.). A inven-
a maior comenda de honra do Deutsches Ausland- ção das tradições. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Ter-
-Institut, o Deutscher Ring [anel alemão], em reco-
nhecimento pela fundação de Neu-Württemberg
ra, 1997.
e o trabalho realizado em defesa do Deutschtum LESSER, J. Repensando identidade nacional: no-
no exterior (FAULHABERSTIFTUNG, 1933). vas metodologias para os estudos de imigran-
11
Carta. Leipzig, 29/9/1901. Herrmann Meyer a
Horst Hoffmann, Porto Alegre. Pasta Carta –
tes e etnicidades no Brasil. Oficina ministrada
Herrmann Meyer a Horst Hoffmann, Caixa 42, no II Congresso Internacional de História Re-
MAHP. gional, UPF, 2013.
12
Carta. Leipzig, 2 e 4/3/1903. Herrmann Meyer
a Horst Hoffmann, Porto Alegre. Pasta Carta – MEYER, D. E. E. “Alemão”, “estrangeiro” ou “teuto-
Herrmann Meyer a Horst Hoffmann, Caixa 42, -brasileiro”? Disponível em: <http://www.anped.
MAHP. org.br/0219t.htm>. Acesso em: 18 out. 2001.
13
Relatório 5-7. De 1/3 a 15/4/1903. Porto Alegre,
18/04/1903. Horst Hoffmann a Herrmann Mey- MEYER, H. Ackerbaukolonien. Neu-Württem-
er, Leipzig. Pasta Transcrição Livro Copiativo 44, berg und Xingu in Rio Grande do Sul (Südbra-
Caixa 109, MAHP. silien). Leipzig: Bibligraphischen Institut, 1906.
14
Carta. Cruz Alta, 19/9/1899. Carlos Dhein a
Herrmann Julius Meyer, Caixa 63, MAHP. NEUMANN, R. M. Uma Alemanha em miniatu-
15
Relatório de Hermann Faulhaber. Elsenau, ra: o projeto de imigração e colonização étnico
6/10/1904. Livro Copiativo n. 11, Fl. 251-252, particular da Colonizadora Meyer no noroeste
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