Você está na página 1de 26
Junieducar educagéo sem disténcia Material para impressao ) PENITENCIARIA EM QUESTAO: NOT. TA i E BARROS at www.unieducar.org.br o i 2 i i i é i a = A EDUCACGAO PENITENCIARIA EM QUESTAO: NOTAS PARA UMA METODOLOGIA ANA MARIA DE BARROS Doutora em Ciéncia Politica, Professora de Metodologia do Ensino de Histéria e de Geografia. Membro do Observatério dos Movimentos Sociais e pesquisadora no Sistema Penitencidrio. Agradecemos a colaboracéo do Prof? Arnaldo Dantas, professor da PJPS, FAVIP e FABEJA. RESUMO O presente artigo tem 0 objetivo de contribuir para a ampliagdo do debate em torno da Educagdo Penitencidria o seu foco é a defesa de uma metodologia especifica para o trabalho docente dentro da realidade prisional brasileira. Busca desvelar especificidades do mundo da priséo, da cultura do cércere e das limitagdes impostas pelo Estado para o trabalho do educador. Apresenta o protagonismo da experiéncia da Penitencidria de Caruaru que enxerga a Educacéio como ferramenta primordial para a superagéo das violagdes de direitos no interior da prisao. ABSTRACT This paper aims to contribute to the expansion of the debate on the Education Penitentiary its focus is the defense of a particular methodology for teaching within the Brazilian prison reality. Search unveiling specifics of the world's prison, the prison culture and the limitations imposed by the State to the work of the educator. Shows the role of the experience of the Penitentiary of Caruaru that sees education as the primary tool to overcome the violations of rights within the prison. PALAVRAS - CHAVES Educacao Penitenciaria - Priséo - Direitos Humanos - Formacéo do Professor I - CONSIDERAGOES INICIAIS © Sistema Penitenciério Brasileiro apresenta diferenciadas dificuldades de cumprimento das exigéncias de ressocializaco dos prisioneiros. Problemas de superlotac&o, violacao de direitos: desde o acesso ao Judicidrio & tortura séo constantemente denunciados pelos organismos nacionais e internacionais em seus relatérios, através de organizagdes de relevante papel na luta pelos direitos humano Human Rights Watch, Anistia Internacional, MNDH, Justica Global, entre outros. © aumento da criminalidade violenta no pais, os crescentes problemas sociais expdem cada vez mais as populacdes mais pobres as variadas situagdes que as aproximam do universo da criminalidade. Nesse cenério, caético, as prisdes passam por um amplo processo de rejei¢&o e incémodo social, aliada as dificuldades enfrentadas pelo Estado Brasileiro no controle social. Os setores mais conservadores da politica brasileira enxergam no endurecimento das penas, no aumento do encarceramento a solugio para o problema da violéncia. A realidade do Sistema Penitenciario é incémoda, marcada de violagées, corrupgéo e dominio do crime, condigdes que comprometem o Estado democratico de direito. E contraditério que desde 1985 termos destruido a ditadura militar e com a Constituigd0 Federal de 1988 deixamos clara a rejeigéo as formas que humilham e degradam a vida, reduzindo a condic&o humana das pessoas. A rejeicéio das discriminagdes, dos atos violentos, das penas cruéis € degradantes, expressos no artigo 5° da Constituicéo Federal. Apesar do texto constitucional avangado, convivermos com atrocidades em nossa priséo. Art. 5°, XLVIIT - A pena seré cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e 0 sexo do apenado; XLIX - € assegurado aos presos 0 respeito a integridade fisica e moral; LXIII - 0 preso sera informado dos seus direitos, entre os quais 0 de permanecer calado, sendo-Ihe assegurada a assisténcia da familia e de advogado; Art. 69, Sao direitos sociais a educacéo, a satide, o trabalho, a moradia, o lazer, a seguranca, a previdéncia social, a protecdo & maternidade e a infancia, a assisténcla aos desamparados, na mesma forma desta constituiga0. © artigo 5° e 6° da Constituigéo Federal do Brasil de 1988 apontam direitos necessarios @ vivéncia cidada, nele incluindo os direitos dos prisioneiros. No entanto, estes direitos so negligenciados, sua violagdo no suscita a comogao social, na medida em que, os prisioneiros néo despertam a generosidade ou a sensibilidade do cidad&o comum, ao contrério despertam medo rejeigdo. Demonstraremos alguns caminhos percorridos pela PJPS em Caruaru' para superar as dificuldades de educar na prisdo, mesmo com as limitagées do carcere, na superagdo da vigilancia e da disciplina, na construgéo de uma alternativa que aproxima educadores, administragio e sociedade civil em uma acéo protagonista que tem superado os esterestipos sobre a educagdo no cércere na construgio de uma metodologia prépria que leva em consideracdo a leitura do mundo do prisioneiro e do professor que >. Penitencidria Juiz Placido de Souza, necessita de ferramentas teéricas e empiricas para atuar no mundo da priséo. II - PRISAO E A RESSOCIALIZAGAO DE DETENTOS NO BRASIL 0 estudo da prisdo no Brasil nos obriga a perceber que nao nos enquadramos em um modelo de sociedade disciplinar, como o define Foucault para a realidade européia. A sociedade brasileira, de acordo com (HOLANDA, 1988, p, 56) em seu desenvolvimento histérico, da passagem da colénia ao Império, ou do Império & Republica, nado passou por um corte profundo que limitasse 0 dominio das relagées da esfera privada sobre a esfera piiblica. Muitos hébitos e costumes licenciosos esto presentes na nossa vida social. Sendo assim, o famoso Yeitinho brasileiro’ banaliza a corrupgéo dos agentes do Estado ou da populacdo civil, como também demonstra a dificuldade em cumprir os rituais, respeitar a burocracia, a hierarquia, constituindo-se em elementos da nossa vida cotidiana que se reproduzem nas prisdes. A arquitetura das nossas prisdes facilita o contato entre os prisioneiros que conseguem formar organizacées paralelas ao Estado. As pris6es retinem criminosos dos mais variados delitos na mesma territorialidade, criminosos comuns, guardas e policiais corruptos, facilitando motins, fugas e rebelides. A grande maioria das instituigées prisionais brasileiras reproduzem uma estrutura pela qual as celas sao dispostas em “galerias”. Longos corredores com celas lado a lado, isolados por grades de acesso. Este modelo impede a vigilancia _e terminou sendo funcional & criagao ilegal das prisdes coletivas (...) por decorréncia, estes espacos tornaram-se “dreas de dominio” dos presos e & comum que os agentes penitenciarios ai nao entrem, salvo com a protecao de pelotdes da policia de choque (ROLIM, 2004, p.6). A arquitetura prisional, de grandes construgdes e fortalezas, mostra-se incapaz de conter as tenses e manter os detentos obedientes e mecanicamente centrados nas tarefas de trabalho e estudo nas unidades prisionais. Segundo (RAMALHO, 2002, p.57) ao contrério, grandes prises, a exemplo do extinto Complexo do Carandiru, possibilitaram a formag&o de organizacdes criminosas, a exemplo do PCC, em S&o Paulo, ou do Comando Vermelho, no Rio de Janeiro. Varios projetos mostraram-se inadequados-espacos diminutos, com pouca aeracéo, ou excessivamente quentes ou frios, destituides de locais para instalagdo de oficinas ou salas de aulas, corredores especialmente longos, condigdes de seguranca incompativeis com a populacao custodiada, dentre varios outros aspectos. E indispensdvel ultrapassar a idéia de “cofre ou da gaiola”, cujo grande mérito seria supostamente aprisionar pessoas - nem isso conseguem - conter os presos, evitando que fujam (RAMALHO, 2002, p.59). © ambiente prisional no Brasil ndo é o da submissdo. A violéncia € a linguagem que mais oferece visibilidade ao prisioneiro, que garante espago na midia. Sd0 comuns assassinates entre os detentos, e as mortes usadas como forma de pressionar o Estado para atender as reivindicagdes’. De Acordo com relatérios das organizacdes de direitos humanos parcela importante da populacéio prisional segue cometendo crimes, com poder de organizacgo e continua administrando seus negécios ilegais por meio de telefones celulares, familiares e advogados. A priséo brasileira esté abarrotada de jovens, a ascensdo ao mundo do crime possibilita acesso 4 sociedade de consumo. Ao portarem armas de alto calibre e exercerem poder em suas comunidades, ou nas prisées, experimentam a sensac&o de poder e ° Relatérios anuais de organizagdes como @ Anistia Internacional, Comisso Interamerieana de Direitos ‘Humanos, Human Rights Watch, Justica Global entre outros, apontam as condigoes de insalubridade das prisoes brasileiras, como tambem, as mais diversas praticas de violagGes em cadeias publica, delegacias, enitencifrias e presiios. de reconhecimento social, Estabelecem novas relacdes de poder, sob a linguagem do medo e da violéncia, 0 que significa uma alternativa as avessas da auséncia do Estado. Cresce a oposicao das alternativas a prisdo; em nosso medo, sentimo-nos impotentes. O sentimento de horror e panico vai se ampliando em relag&o a este novo modelo de marginal, 0 que vai levando inuimeros setores da sociedade (esquerda e direita) a conceber formas mais duras de punicdo para os infratores que vao se tornando incémodos dentro da sociedade (BAUMAN, 1998, p. 57). Em relagSo a esta questéo é pertinente a reflexao de Luciano Oliveira. © décil mendigo de antigamente que nao se revoltava porque “conhecia o seu lugar” esté sendo substituido por um miseraével que nao integra a paisagem pacificamente (...) A demanda por repressao, policiamento, ordem, antigamente um apanagio do senso comum e do pensamento de direita, comeca também a ser verbalizada_— pelos _setores tradicionalmente mais sensiveis & resolucdo da questao social do que a correc&o dos seus efeitos perversos (OLIVEIRA, 1996, p.109-116). Nesse artigo, Oliveira demonstra como essa nova criminalidade € ao mesmo tempo invisivel, vulnerdvel aos processos mais brutais de controle social, e em relac&o a ela estamos perdendo a capacidade de indignag&o com 0 seu assassinato ou com o desaparecimento de pessoas ligadas ao mundo do crime. Temos medo deles, e sua auséncia do cenério, onde nos encontramos, dé-nos certo conforto®. Para Luciano Oliveira estamos nos tornando neonazistas, por medo, por n&o mais acreditar que exista solucéo democratica para o controle desta criminalidade. O desemprego, a violéncia e a exclusdo social tém aumentado o numero de pessoas presas em nosso pais. E estes prisioneiros séo > - Questio trabalhada por Bauman chamando os miseraveis de “os estranhos da era do consumo: do Estado do bem-estar & prisdo”. partes desta massa indesejada e incémoda que assusta e pée medo em todo mundo, no sem motives. Assim, a penalidade neoliberal se transforma em discurso predominante. Essa massa vulneravel que no atrai mais politicas publicas poderia ser eliminada, afastada da sociedade sem grandes preocupagées. Tal politica também nos atinge. A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um “estado mais” policial e penitenciério e “menos estado” econémico e social que é a prépria causa da escalada da inseguranca objetiva e subjetiva em todos os paises, tanto no primeiro mundo como do segundo mundo (WAQUANT, 2001, p.25). Sua anélise demonstra as dificuldades que enfrentaremos no debate de uma légica menos policial e mais cidad& neste momento em que as politicas de cidadania nas prisées so inviabilizadas*. Com referéncia a realidade da pris&o brasileira e sua relagdo com a nova razo penal neoliberal, Nilo Batista expés algumas percepgdes sobre esta criminalizacao neoliberal no Brasil, como segue: ‘Sd movimentos paralelos: garantir 0 monopélio da especulacéio e a criminalizagéo da economia informal, que vai passar, claro pela droga, mas pega também a prostituig&o, 0 jogo do bicho, pega flanelinhas, o horror que a assepsia neoliberal do grande irmao tem com relacao as estratégias de sobrevivéncia dos pobres na periferia (...) o Estado do bem-estar tinha um sistema penal que, como todo sistema penal, era uma coisa destrutiva, negativa, porque a pena é 0 pior modelo de decisdo de conflitos. Quando vocé criminaliza um conflito faz uma op¢ao politica. (BATISTA, 2003, p. 29). Apesar de ndo acreditar na capacidade ressocializadora da priséio, admite que o elemento de intervengao do Estado neoliberal é a pena. Sobre a prisio e a socializacdo, continua: Mas, embora seja * - Tendéncia acentuada internacionalmente, apés o atentado terrorista ao Word Trade Center ‘em New York nos E.U.A. em 11 de setembro de 2001. ilusério, isso tem uma virtude, vocé ndo pode se comprazer com o sepultamento do cara em vida, com uma pena de neutralizag&o, vocé tem que buscar uma finalidade (BATISTA, 2003, p. 29). Em relaco aos pobres, crimes hediondos, sem progressao de regime, a idéia é 0 encarceramento, porém para o consumidor: juizados especiais e justica terapéutica para os viciados da classe média. Segundo (WAQUANT, 2001, p.25) o Estado define as dreas pobres das cidades como regiées-problema, como se fossem areas proibidas, com circuitos selvagens, considerados territérios de abandono que devem ser evitados e temidos, representados como locais de vicios, de excesso de crimes e desintegracio social’. III - A PRISAO E OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL A priséo brasileira comega a ocupar espacos nos debates relativos aos direitos humanos no Brasil, sobretudo em funcéo das atrocidades praticadas nas ditaduras do periodo republicano, principalmente na recente ditadura militar. Destacaria a andlise de Luciano Oliveira, que ao relacionar os direitos humanos, e o pensamento de esquerda no Brasil, demonstra como sempre fomos indiferentes aos problemas provocados pelas violagdes dos direitos humanos e como sé passamos a perceber a sua importancia, quando os militantes da esquerda brasileira comecaram a ser vitimados pelos excessos autoritérios ocorrides no periodo da ditadura militar. No prefécio de seu livro, Claude Lefort reforca a importancia das questées levantadas por Luciano Oliveira sobre a relagdo entre a * «Em Caruana o Morro do Bom Jesus ¢ um destes espacos. esquerda brasileira e 0 espaco para o debate sobre os direitos humanos no Brasil: Essa é uma observacéo que me parece essencial para compreender a amplitude da mudanga de perspectiva dos atores da esquerda: o tema da “causa do povo” aliava-se nos militantes marxistas revolucionarios, se nao uma ignorancia, pelo menos a uma indiferenga em relagdo as necessidades e aspiracdes proprias a camadas especificas; “o povo empirico”, nao tinha importancia aos seus olhos (...) A opiniao publica sé se apavorou com a violéncia da represséo quando ela jé nao golpeou somente os comunistas e terroristas, mas se abateu sobre padres, membros das profissdes liberais e cidad&os comuns (LEFORT, apud OLIVEIRA, 1996, p. IIe III). A rejeig&o da tortura e das violagdes de direitos humanos, por parte de setores de classe média que antes apoiaram os governos autoritérios no Brasil, foi importante, pois passaram a recuar de sua posigdo inicial, quando se consolidou a pratica da tortura, atingindo- os diretamente. Esse fendmeno aparece na ditadura de Vargas, mas de maneira marginal, como vimos, pois a grande maioria dos perseguidos pelo regime sao militantes de esquerda provenientes das classes populares. operérios, artesdos, pequenos comerciantes e funcionérios. J4 durante a ditadura militar essa proporcdo se inverte: mais da metade das pessoas presas a partir de 1969 eram estudantes e profissionais com titulo universitario (OLIVEIRA, 1996, p.63). Este tipo de realidade expés a sociedade brasileira, particularmente as suas elites politicas e intelectuais, em um estado de medo e perigo permanentes. E nesse sentido, o tema dos direitos humanos no Brasil passaré a ser identificado com a luta pelos direitos dos prisioneiros politicos do regime militar. Com efeito, a partir do momento em que o movimento renovou seus objetivos, voltando-se para a defese dos direitos dos presos comuns (...) a idéia de direitos humanos comecou a ser desvalorizada pela opiniéo publica, e os seus militantes comecgaram a conviver com a incémoda acusacéo de serem “defensores de bandidos (PERALVA, 2000, p. 74). Outra andlise significativa sobre o periodo é trazida por Angelina Peralva que relata como a violéncia foi absorvida pelas instituigSes policiais, organismos de controle social e que sdo resquicios da transigéo democratica na vida politica brasileira. O quadro legal herdado do regime autoritdrio constituiu obstaculo quase intransponivel a qualquer tentativa de reforma da policia (...) a desorganizacéo das instituigdes responsdveis pela ordem publica no momento do retorno & democracia deveu-se ao imbricamento entre o antigo regime autoritario e o regime nascente, no quadro de uma transig&o longa e dificil (PERALVA, 2000, p. 79). Oliveira (1996) © Peralva(2000) destacam que o vazio da ordem publica teria criado espago para que, de um lado, a criminalidade violenta se desenvolvesse; de outro, os prisioneiros € bandides comuns néo fossem aceitos como sujeitos portadores de direitos humanos. Eles se diferenciavam dos prisioneires politicos, que se encontravam aprisionados por se confrontarem com o regime militar. De acorde com (HULSMAN e CELIS (1993) ha um sentimento de igualdade em relag&o ao preso politico, e a classe média consegue se colocar no lugar daqueles prisioneiros®, mesmo iguais aos presos comuns (como seres humanos) ainda que, do ponto de vista politico sua condigéo apresenta causas qualitativamente distintas. Ainda afirma que parece espantoso, mas, 0 preso politico néo perde @ auto- estima nem a estima dos outros. Ele sofre em todas as dimensées da sua vida, mas permanece um homem que pode olhar de frente. Nao esta diminuido. ©. a Ipreja Catolica, principalmente a CNBB, a OAB neste periodo iniciaram um amplo movimento denunciatorio, sensibilizando os mais variados setores sociais contra a tortura e as violagoes de direitos Humanos. As condigées prisionais tornam as prisées espacos de explosdo dos mais variados conflitos. Pouco se estuda sobre os motins e as rebelides, sabe-se pouco das motivagdes desses eventos. A informagdo que chega é a informagao do Estado. Pouca validade tem a opiniao dos prisioneiros. A rigidez do espaco prisional faz com que a imprensa nao tenha acesso a versdo dos detentos, e 0 que se sabe destes movimentos é 0 que é apresentado pelos programas de televisdo e pela visao oficial. Os relatérios internacionais de instituicdes como: Anistia Internacional, Husman Rights Watch, Justica Global, Comiss&o Interamericana de direitos Humanos, entre outras, ocuparam importantes espacos na politica internacional, denunciando as violagées de direitos humanos no Brasil, associadas a algumas instituicées nacionais. A mais importante organizacao envolvida na fiscalizagéo das condicées carcerarias € a Pastoral Carceraria da Conferéncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Com Padres e€ outros voluntarios por todo pais, a Pastoral Carceraria oferece assisténcia religiosa aos detentos enquanto também fiscaliza as condigées e 0 tratamento aos presos. Representantes da Pastoral Carceréria, por terem ganhado a confianga dos detentos, normalmente atuam como negociadores durante as rebelides (o BRASIL ATRAS DAS GRADES. 0 SISTEMA PENITENCIARIO, 2004, p.2). Esse modelo de criminoso, mais violento, é rejeitado também pelos pobres da area de onde se originam e que sao também perseguidos pela policia, pois morar na periferia, na favela é carregar os simbolos da criminalidade. A realidade leva alguns moradores dessas dreas a aceitar a pratica de justiceiros e de grupos de exterminio. © que torna ainda atual a reflexdo de Foucault: Hoje o delinguente pratica uma criminalidade recusada pela populacéo da qual & recrutado, pois a violéncia da prética repressiva que supostamente a acéo desencadeia, recai sobre esta mesma populagéo (FOUCAULT, 1977, p.245). Esse tipo de representacdo, sobre as areas onde moram as populagées mais pobres, e sobre eles, tem levado as interpretades simplistas justificado o desrespeito aos direitos civis e politicos destas populacées. Atribuir o crime & pobreza, de forma mecénica e simplista, sem levar em conta as mediagées culturais, entre outras, ofende os pobres e ndo explica porque a maioria da populagéo pobre néo comete crimes (SOARES, 2000, p.110). Defender os direitos humanos dos prisioneiros € atribuir-Ihes o estatuto da igualdade e da cidadania, € transformd-los em semelhantes, 0 que néo significa a defesa do seu crime, mas da sua condiggo humana. Celso Lafer se apropria do referencial tedrico arendtiano para demonstrar o lugar dos direitos humanos na atualidade e a pertinéncia do pensamento de Hannah Arendt na analise do problema dos direitos humanos. Com feito, continuam a persistir no mundo contempordneo situagdes_sociais, __politicas e econémicas que contribuem para tornar os homens supérfluos e sem lugar no mundo (...) a ubiguidade da pobreza e da miséria, assim como a ameaca do holocausto nuclear, a coincidéncia entre a explosdo demografica e @ descoberta das técnicas de automacao que podem tornar segmentos da_ populacdéo descartaveis do ponto de vista da produg&o so, inter alia, situagdes que evidenciam a relevancia e a atualidade das —preocupacées_ «de Hannah Arendt.(LAFER, 1998, p. 15-16). Mesmo que o tema dos Direitos Humanos possa se transformar em um estorvo, para aqueles que o relacionam apenas aos direitos dos prisioneiros, devemos registrar a insisténcia dos movimentos ligados & sua luta, 0 que tem forcado a populagdo, mesmo a contragosto, a conviver com a sua presenga, exigindo a observancia dos direitos dos grupos incémodos, entre os quais se enquadram os prisioneiros. Estes grupos saem, cada vez mais, dos espacos denunciatérios € interferem mais diretamente nos problemas sociais. Sobre a importéncia da ac&o dos militantes em direitos humanos é encorajadora e instigante a observacao de Oliveira: O militante constata que apesar, de sua acéo, as violagdes continuam ocorrendo; mas pode ser que muitas outras tenham deixado de ocorrer exatamente porque a sua acao existe! (...) se hoje essas ages 30 percebidas como violagées de Direitos Humanos, é porque a nocao de direitos humanos, hoje existe. Existe Porque existem movimentos que a sustentam. Nos sabemos como é 0 mundo em que vivemos. Ha nele muito sofrimento, muita violéncia, muita injustica e crueldade. Como também ha 0 combate a tudo isso, em nome justamente dos direitos humanos. E se o combate nao existisse?(OLIVEIRA, 1996(2), p25). Iv - A EDUCAGAO” PENITENCIARIA E A RESSOCIALIZAGAO DO DETENTO © campo da pesquisa educacional, principalmente no que se refere ao ensino de EJA, depois da contribuiggo de Paulo Freire vem se constituindo em um campo fértil de produg&o cientifica nos cursos de mestrado e doutorado em educacéo. Quando nos deparamos com educacao penitencidria, encontramos poucos estudos e a maioria deles dedicado a formacdo de professores para as unidades prisionais, sem muita profundidade sobre as especificidades da realidade brasileira. Nao € abordada em profundidade a singularidade que envolve e educacio penitenciéria, nem se respondem questdes basicas sobre esse fenémeno educative. Em que consiste esta educag&o, numa especialidade diferente das outras? Quais as competéncias, habilidades ou conhecimentos exigidos_ dos profissionais de educagdo que atuam nas unidades prisionais? De acordo com algumas posicdes comuns nos encontros pedagégicos, na opinigo de educadores que falam de educacdo penitenciéria sem ter entrado em uma prisdo, basta-se aplicar 0 método Paulo Freire e os resultados virdo como num passe de magica. Expressam convicgo de que um método que funciona bem junto a um tipo de comunidade popular, possa sem adaptacées ser aplicado @ realidade prisional. Posig&o que contraria o pensamento de FREIRE (1984) que propée a leitura em profundidade da realidade, mas oferece pistas para o trabalho com educac&o popular, e que pode ser aplicado a pris&o, mas nao na viséo simplista e superficial proposta por quem desconhece os meandros do carcere. O que diz, por exemplo, o método Paulo Freire sobre gerenciamento de crises, rebelides ou motins? E nesse sentido que necessita de adaptagdes. Um professor que chega do ensino formal ou de EJA sem uma preparac&o prévia para atuar no Sistema Penitenciério leva tempo para se adequar aquela realidade, sem muitas vezes conseguir interagir com a comunidade carceréria, por néo ter uma formacdo especifica para aquela realidade. Imaginem o que passa pela cabeca de um educador que nunca entrou em uma prisdo, e que pela primeira vez encontra a sua turma formada de traficantes, homicidas, estelionatdrios, estupradores, ladrdes, entre outros tipos penais? O recorte que une estes individuos € a violacéo da norma penal, soltos péem medo em uma comunidade inteira, imagine-os reunidos em uma sala de aula? Alguns detentos aproveitam a fragilidade e o despreparo de alguns professores para relatar seus curriculos de crimes, assustando os ouvintes com suas caminhadas ilegais. Um primeiro encontro pode deixar abalado o educador por ficar sozinho em uma sala com 30 ou 40 alunos/delinquentes, subordinados a autoridade docente. A presséio psicolégica, © medo, o stress e 0 sentimento de profunda soliddo e o sentimento de isolamento influenciarao a vida e 0 trabalho que sera desenvolvido por esse educador. Medo e solidéo podem ser os principais companheiros do dia-adia. E inegavel o quanto as indicagées de Paulo Freire nos ajudam a construir um projeto pedagdgico especifico para as unidades prisionais, necessariamente é sempre um ponto de partida. No entanto, devemos lembrar que em obras essenciais para a compreensao de seu pensamento, FREIRE (1997) argumenta sobre a importancia da liberdade, do desvelamento do universo vocabular dos estudantes, da suscitagdo de seu pensamento critico para a busca das transformagées da sociedade. Comecando pela vida de cada um, para posteriormente a vida coletiva. Em educacéo como pratica de liberdade, aponta o didlogo no cotidiano escolar como uma ponte que articula e estabelece 0 vinculo do educador e do educando. Em Pedagogia do Oprimido (1984) somos levados a compreender 0 quanto um modelo tradicional de educacéo para os excluidos promove a exclusdo e a seletividade do sistema de ensino. Somos assim colocados diante da necessidade de propor e criar um novo caminho que proporcione aos educadores e educandos uma relagdo pedagégica baseada no respeito ao conhecimento trazido pelo aluno, na sua valorizagéo como pessoa, na ascensio da sua dignidade, baseada em um processo amorosamente construido, no qual o professor é mediador. Ainda em obras como Pedagogia da Autonomia (2002) e Pedagogia da Esperanca (2001), Paulo Freire ressalta os valores que desencadeiam a auto-estima de alunos e professores, como: “o direito de ser mais", a autonomia do trabalho docente frente o processo de burocratizac&o da vida escolar, que mutila a criatividade nas relacdes de aprendizagens. Se todos esses argumentos nos ajudam a pensar uma contribuig&o para a educacao penitenciaria, onde estaria a sua contradicao? A pedagogia freiriana parte da critica & pedagogia tradicional, caracterizada pela passividade, transmissao de contetides, memorizacéo, verbalismo, etc. Advoga- se uma pedagogia ativa, centrada na iniciativa dos alunos, no didlogo (relacéo dialégica), na troca dos conhecimentos (...) se empenhou em colocar essa concepcéo pedagégica a servico dos interesses populares. Seu alvo inicial foi a Educagéo de Adultos (SAVIANI, 2008, p.69). Os documentos oficiais construidos para 0 Sistema Penitenciario levam em conta superficialmente os dados de violacées de direitos e exclusdo social do detento, fazem dele um desconhecido para a maioria das pessoas (homens e mulheres) que atuarao no Sistema Penitenciario. Acredita-se que basta o professor ir & priséo dar a sua aula e j4 esta contribuindo com 0 processo de ressocializagdo. A escola dentro de uma priséo tem suas especificidade Segue uma regra determinada pelas normas de seguranga, os guardas dificultam © contato entre presos e educadores, a superlotagéo das unidades prisionais transforma-se em um desafio de sobrevivéncia para o profissional que pretenda circular nos espagos e cantos da prisdo para conhecer de perto o modo de vida dos seus alunos, jé que a guarda n&o poderé garantir sua seguranca. Mesmo a sua sala de aula, néo consiste em um espaco de livre atuago docente. A qualquer momento, por razées externas a escola, sua sala pode ser invadida para a retirada de um aluno. Pois, além de aluno ele é prisioneiro, € pode ser chamado @ qualquer momento, por variadas razdes: ir para © castigo (solitdria), para atender a familia em situagéo de urgéncia, chamado do advogado, do assistente social, do atendimento de satide, do trabalho interno, convocacéo da direc ou guarda, entre outros. O professor néo interferiré, o preso esté sob a tutela do Estado, 0 educador no poderd questionar as acdes que séo demandadas sob a sua turma. Frente @ prisdo, 0 professor néo tem autonomia de decidir com o prisioneiro, mas com seu tutor (0 Estado). Sobre a idéia de liberdade, alunos e professores dispdem de pouquissima experiéncia concreta. Os prisioneiros por cumprirem uma pena privativa de liberdade e professores pelo trabalho em ambiente com regras rigidas que n&o sao flexiveis como o trabalho docente. Podendo um erro de interpretagdo das regras e normas facilitar uma fuga, um motim ou uma rebeliéio. Situagéo na qual, profissionais da educac&o podem de alguma forma compartilhar das aces ilicitas, sendo objeto de investigacao que pode resultar na sua prisdo, na perda do emprego, ou mesmo na condic&o de responder a um inquérito administrativo, entre outros constrangimentos. Essa nao 6 uma situagdo costumeiramente vivida pelos educadores em escolas formais e de EJA. Nesse ambiente, no podemos dizer que é facil para 0 educador ter uma visdo ampla da realidade da prisdio se ndo € preparado para ela, com condicdes de fazer um trabalho critico e de cidadania. Em um processo democrético de educag&o, “professor e aluno séo tomados como agentes sociais, em uma prética social que é comum aos alunos e professores”. (SAVIANI, 2008, p.69). Assim, para poder realizar um trabalho pautado numa perspectiva menos tradicional e mais critica, 0 professor devera “detectar que questdes precisam ser resolvidas no ambito da prdtica social, e em conseqiiéncia que conhecimento é necessério dominar”. Através da educagao penitenciaria 0 aluno/detento sera estimulado a se identificar como protagonista, compreender que tempo e espaco na priséio possuem ritmos diferentes da vida livre, mas que é possivel encontrar no desenho das relagdes prisionais, no cotidiano em que sao atores sociais, possibilidades de criar e recriar a sua histéria. Onde a prépria prisdo é 0 Iécus onde a paisagem se materializa na construg&o de uma geografia de exclusdo, mas que a jung&o dos conhecimentos: cientificos, empiricos e populares séo ferramentas que auxiliam na compreensdo das tramas e relagdes sociais que os ajudarao a sobreviver & priséo, construindo uma nova histéria, em que as redes imateriais que os conduzem a buscar novo sentido para as suas vidas so: a educacéo, 0 acesso a justica, a cidadania e a inclusdo social. V - A PENITENCIARIA JUIZ PLACIDO DE SOUZA EM CARUARU E A RESSOCIALIZAGAO DOS DETENTOS ATRAVES DA EDUCAGKO A Penitenciéria Juiz Placido de Souza em Caruaru (PJPS) é uma unidade prisional masculina de regime fechado, com capacidade para 95 (noventa e cinco detentos) e abriga atualmente 850 (oitocentos e cingtienta detentos)’. No entanto, a populacio carceréria é rotativa, dependendo das agdes do poder judiciario, das acées policiais (Civil, Militar e Federal) além do Estado através dos 6rgaos estatais responsaveis pelas prisdes. Atualmente a PJPS é dirigida por uma agente penitencidria de carreira, a nica mulher negra a dirigir uma unidade masculina de regime fechado no Estado de Pernambuco. Mantém sob seu comando: agentes penitencidrios, detentos e profissionais de ressocializagéo. Administra desde 2002 a PIPS através de um amplo trabalho de articulagéo com o governo estadual, municipal e a sociedade local (comércio, industrias, faculdades) para que essas parcerias contribuam para a efetivacdo das oportunidades de educacdo, trabalho, geragdo de renda e acesso a justiga na unidade prisional. Alguns convénios e parcerias so essenciais garantia de direitos dos detentos: * A FAFICA (Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras de Caruaru) atua na extensdo universitéria com um programa de supletivo do ensino fundamental e médio, com aulas aos sdbados, envolvendo alunos na pratica de ensino, projeto de leitura e formacaio de leitores. 0 trabalho com o supletive aos sébados é realizado pela Central de Estagio, onde alunos das licenciaturas complementam a sua carga horaria de estgio curricular. * A ASCES (Associagéo Caruaruense de Ensino Superior) através da Faculdade de Direito de Caruaru atua com um Programa ” ~informagao obtida da diregao da PIPS. de Extensdo Universitaria desde 2001, intitulado: Adoc&o Juridica de Cidadaos Presos, através do qual, estudantes, supervisionados por professores atuam nos processos de réus presos, desde a entrada do réu na priso, até o julgamento no Tribunal do Juri; * A FAVIP (Faculdade do vale do Ipojuca) construiu uma sala de audiéncias, onde o juiz criminal analisa e delibera sobre a vida dos réus da comarca de Caruaru, e os alunos do Curso de Direito podem atuar nos processos e ao mesmo tempo, acumular horas de estagio curricular; * A UFPE que através do Observatério dos Movimentos Sociais se encarrega desde fevereiro de 2009 da capacitagdo dos educadores, auxilia na elaborag&o de projetos sociais e educativos e eventos pedagégicos. As instituigées de ensino superior, vem através do trabalho de ensino, pesquisa e extensdo, contribuindo para a ressocializacéo na PPS, mas também, possibilitando aos seus alunos uma vivéncia direta através do estagio curricular, nas licenciaturas (Histéria, Letras, Pedagogia, Ciéncias Sociais e Filosofia) ou do Direito a estabelecerem relacdo com a realidade penitencidria, despertando-os para uma boa atuac&o pedagégica no interior da priséo, em ac&o de cidadania e de respeito a dignidade do detento como ser humano. Assim, a educac&o penitencidria tem seu foco na alfabetizagao dos adultos, no desenvolvimento da leitura e da escrita nas turmas de EJA na PJPS. Em Caruaru como na maioria das prisdes brasileiras os detentos possuem baixa escolaridade, predominando uma populagdo carceraria de analfabetos, semi-analfabetos e analfabetos funcionais. A Educag&o Penitenciaria funciona como um instrumento de distensionamento e de controle social na prise. Séo questdes que brotam do cotidiano da acd pedagégica no ambiente prisional e carecem de aprofundamento e estudo, da sociedade e dos pesquisadores em educagdo, raz8o que nos mobiliza a pisar em solo to fértil e desafiador e com grandes possibilidades de vivéncias e aprendizados, mas, aqui lancando algumas luzes na importante relagéio entre educacao e direitos humanos e o papel do professor nas unidades prisionais. Na busca da construgéo de um modelo que considere a priséo como espago de saberes e consiga resignificar numa perspectiva civilizatéria e dialética os saberes dos prisioneiros, dos professores e da vida na prisdo. A PJPS em Caruaru esté localizada no bairro do Vassoural possui uma escola denominada de Escola Gregério Bezerra em homenagem ao ex-militante comunista pernambucano que foi preso politico e sofreu variadas formas de torturas e de violagées de direitos, mas que nunca perdeu a capacidade de sonhar e lutar pelos seus sonhos dentro e fora da prisdo. A escola da PJPS funciona como anexo do Colégio Nicanor Souto Maior, vem apostande na Educacéio de Jovens e Adultos (EJA), como um instrumento de promogao dos direitos humanos dos prisioneiros. Existe uma demanda reprimida que pode ser incluida através da ampliagéo das turmas, da disponibilidade dos professores de assumirem outros horarios na prisdo, razéo pela qual, € de extrema importancia o apoio aos projetos de educac&o penitencidria que merecem maior observancia da sociedade na medida, em que esta educagao retira o prisioneiro do convivio exclusivo com o “mundo do cércere” € ajuda-o no contato com o mundo fora dos muros da priséo, reduzindo o efeito do processo de prisionalizacao (a cultura da cadeia). Atualmente a PJPS tem 850 prisioneiros com capacidade de abrigar apenas 95 homens. Destes 320 estdo matriculados nas turmas de EJA®, atuam 11 (onze) professores e as aulas ocorrem durante a semana, exceto na quinta-feira quando ocorre 0 encontro 5 -Do Ensino Fundamental Ie TI. conjugal (visita intima). Nos sébados, as sales de aulas funcionam com turmas de supletivo do Ensino Médio organizados pela Central de Estagios da FAFICA. O aluno da EJA, independente de ser um prisioneiro ou um cidad&o pobre, sem escolaridade, em uma cadeia, na periferia, ou na zona rural, carrega o estigma de ser “atrasado”, “analfabeto”, “burro”, “velho ou caduco para estudar”. Tais preconceitos arraigados s&o assimilados pelos estudantes, constituindo um dos mais graves entraves enfrentados pelo educador de EJA na prisdo. So alunos com baixa estima e vergonha da sua condic&o. O aluno prisioneiro, além dos tracos comuns ao aluno da EJA, acima descritos, carrega o estigma de “ser menor” como pessoa, reduzindo ainda mais a sua estima, a visdo sobre si mesmo e sobre o seu companheiro de prisdo & negativa. Pois, so bandidos, delingiientes, renegados pela sociedade. O objetivo da educacdo penitencidria € atuar sobre estes estereétipos, demonstrando a estes alunos que sao capazes, que podem romper com o conjunto de estereétipos que os circundam, mas que tal processo depende na crenga de que sao capazes, que so inteligentes, que so maiores que as grades que os aprisionam. No entanto, & necessério formar professores que atuem nessa perspectiva, que consigam descobrir 0 prazer de ensinar na prisao, num processo em que a educacdo resgata vidas. VI - CONSIDERACOS FINAIS © processo de ressocializacdo de prisioneiros se assenta em trés bases: a educagao penitenciéria, 0 trabalho e a religido, sé os pilares que deveriam estar articulados, para agir sobre a conduta do prisioneiro, despertando sua reflexéo sobre seu crime, ¢ sobre os danos sociais produzides pela sua conduta ilicita para a sociedade, além de apontar alternatives de reinsercéo. So muitas as dificuldades de trabalhar com a educagdo penitenciéria. Poderemos listar as principais: A formagéo dos professores, a insuficiéncia de recursos humanos, didaticos, tecnolégicos, auséncia de programas governamentais que destaquem © papel da educagio penitencidria na ressocializagéio do detento, a truculéncia e a brutalidade de agentes penitencidrios, policiais e alguns administradores que enxergam com restrigéo a presenga dos educadores nas prisdes. Além do fato, de que a educacdo na priséo se submete as regras de seguranca: 0 aluno esta sob a tutela do Estado e a autonomia do Educador depende das relacdes que estabelece na priséio, quanto mais submissos mais facilmente séo aceitos. A educacdo penitenciaria além de trabalhar os conhecimentos de uma forma critica com os alunos, trabalha a formag&o dos valores democraticos, os principios por eles violados, o resgate da auto- estima dos alunos/prisioneiros, além de estimular a reflexéo sobre a busca de sentido para as suas vidas. Apesar de todas as caracteristicas que envolvem a educacao penitenciaria, o Estado brasileiro e as universidades nao despertaram ainda para a sua importancia no momento histérico em que vivemos, as prisdes brasileiras se encontram abarrotadas de jovens que se encontram com Estado, muitas vezes, pela primeira vez na prisdo. A escola, por exemplo, muitos sé a freqtientam na priséo. Essa razao por si, j4 deveria despertar uma ampla preocupac&o com a qualidade do ensino e a fungao social da educacdo na priséo, mas também, pelo fato de que a Educac&o Penitencidria é motivo de remiss&o” da pena do prisioneiro. No Estado de Pernambuco, essa remiss&o depende da aprovacéo do detento naquela série em que esté matriculado. Razéo ° - Redugao da pena através do trabalho e do estudo. Ex. Trés dias de estudo, reduz um dia da pena, pela qual a educacéo no cércere necessita de um pensamento pedagégico préprio que pense seus aspectos éticos, politicos e metodolégicos, possibilitando ao educador uma formacdo continuada para que néo se sinta inferiorizado e sem saidas e que o articulem aos debates em educacdo especial, na medida em que a prisdo ainda & um espaco quase desconhecido pela ciéncia da educacao. A experiéncia de Caruaru demonstra que € possivel tracar novos caminhos para a administracéo de uma priséo. Nessa experiéncia, ainda solitéria seus professores, as faculdades locais e a UFPE insistem na construgéo de novos espacos de discussées que promovam a relac&o prisdo-sociedade e que tem resultado na ampliag&o do exercicio da cidadania de prisioneiros e educadores, na garantia do acesso & Justiga e na luta pelo direito a uma Educacéio de qualidade. No entanto, sua escola é apenas um anexo de uma escola formal, que nao se encontra no cotidiano da priséio, nem desenvolve projetos sociais e educativos que atendam as suas necessidades. A escola e os professores da PJPS tem como maior desafio afirmar a necessidade de caminhar com as suas pernas, afirmar sua identidade de escola na prisdo e buscar aliangas de carater técnico - politicas para que se afaste do formalismo prisional e possa protagonizar uma experiéncia de Pedagogia do Carcere. A ressocializacio dos prisioneiros deve constar da agenda politica de um pais que vem avancando nos seus indicadores sociais e de IDH", ampliando a escolarizagdo basica, média e superior. Um pais marcado pelas preocupacdes com obras de infra-estrutura que prepare o pais para que facilite o desenvolvimento econémico, diminuindo as desigualdades regionais através do PAC. Além de programas de erradicacao da pobreza, da fome, com distribuigéo de renda minima. O Brasil é um pais que vem buscando enfrentar a ©. indice de Desenvolvimento Humano. concorréncia do mercado global, criando alternativas energéticas, enxergamos © amadurecimento dos valores democrdticos com a crescente participacéo dos movimentos sociais, ONGS, mecanismos de controle externo do Estado e ndo pode e aceitar a segregacéio sécio-espacial do detento no Sistema Penitenciério e na sociedade brasileira. VII - REFERENCIAS BAUMAN, Zigmunt. Tradugéo: Mauro Gama, Claudia M. Gama; Reviséo Técnica:Luis Carlos Fridman. O Mal-Estar da Pés- Modernidade. Rio de Janeiro: jorge Zahar Editor, 1988. BATISTA, Nilo. Todo Crime é Politico. Revista Caros amigos: Ano VII, N.77, agosto, 2003. ELES NOS TRATAM COMO ANIMAIS. Tortura e Maus - Tratos no Brasil. Relatério da Anistia Internacional: Rio de Janeiro, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessérios & pratica educativa. 62 e. Rio de Janeiro: Coleg&o Leitura, Paz e Terra, 2002. Pedagogia da Esperanca. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. Educagéo Como Pratica de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. Pedagogia do Oprimido. 17 .e. S8 Paulo: Paz e Terra, 1984. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. A Historia da Violéncia nas Prisées. Petrdépolis: Vozes, 1977. HOLANDA, Sérgio Buarque. Raizes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1988. HULSMAN, Louk. CELIS, J.B. Traduc&o. M@ Lucia Karam. As Penas Perdidas. Niterdi: Rio de Janeiro: Luam, 1993. LAFER, Celso. A Reconstrugéo dos Direitos Humanos: Um Didlogo Com 0 Pensamento de Hannah Arendt. S80 Paulo: Companhia das Letras, 1998. © BRASIL ATRAS DAS GRADES. O SISTEMA PENITENCIARIO. Disponivel em: www, hrw,org/portuguese/reports/presos/sistema.htm. Acesso: 05/04/2004. OLIVEIRA, Luciano. Neo-miséria e Neo- nazismo. Uma Revisita & Critica 4 Raz&o Dualista. Politica Hoje, Revista do Mestrado em Ciéncia Politica da UFPE, Recife: Universitaria, V.II, M.4, Jul a Dez de 1995, Ano II, V.III,N.5, Jan a Jun de 1996. Imagens da Democracia. Os Direitos Humanos e 0 Pensamento de Esquerda no Brasil. Recife: Pindorama, 1996, p. II € I. OLIVEIRA, Luciano. A Luta Pelos Direitos Humanos. Uma Nota a Favor do Otimismo. Revista do GAJOP. Seguranca Justica e Cidadania. Recife: GAJOP, 1996 (2). PERALVA, Angelina. Violéncia e Democracia. O Paradoxo Brasileiro. S&o Paulo: Paz e Terra, 2000. RAMALHO, Ricardo. O Mundo do Crime. A Ordem Pelo Avesso. S80 Paulo: IBCCRIM, 2002. ROLIM, Marcos. Priséo e Ideologia. Limites e Possibilidades Para a Reforma Prisional no Brasil. Disponivel em: www,ufsm,br/artigos/execueSo-penal/prisao-ideologia.htm. Acesso: 27 / 02/ 2004. SALLA, Fernando. Rebeliéo nas Prisdes Brasileiras. Servigo Social ¢ Sociedade. N.67, Ano:XXII, Séo Paulo: Cortez, 2000. SOARES, Luis Eduardo. Meu Casaco de General. 500 dias no Front da Seguranca Publica no Rio de Janeiro. Séo Paulo: companhia das Letras, 2000. SAVIANI, D. Escola e Democracia. 40 ed. Polémicas do Nosso Tempo. SP: Autores Associados, 2008. SUSSEKIND, Elisabeth. Aspectos da Politica Prisional no Brasil. Revista CEJ, Brasilia, N.15, set/dez, 2001. WAQUANT, Loic. Os Condenados da Cidade. Rio de Janeiro: Revan / Fase, 2001.

Você também pode gostar