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COLEÇÃO OUTRAS — PALAVRAS

VOLUME 2

Inventar outros
espaços, criar
subjetividades
libertárias
MARGARETH RAGO

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COLEÇÃO OUTRAS — PALAVRAS
VOLUME 2
Inventar outros
espaços, criar
subjetividades
libertárias
MARGARETH RAGO
MUITAS “TURAS”

Em visita recente à Escola da Cidade, o arquiteto Paulo


Mendes da Rocha lembrou aos presentes que a arquitetura
é um saber solicitante. Seu discurso evocava fortemente
uma fórmula feliz encontrada há certo tempo por Bernard
Tschumi para exprimir semelhante ideia por meio de
um jogo de palavras. “A arquitetura”, dissera Tschumi,
“não a vejo como conhecimento da forma, mas sim como
forma de conhecimento” 1. Uma forma de conhecimento
do mundo que, por sua natureza, exige o recurso
permanente a saberes e domínios que ingenuamente
podemos tratar como “extra arquitetônicos” mas que, na
verdade, não o são. O saber solicitante ao qual se refere
Paulo é esse espinhoso terreno no qual se concentram
as mais delicadas sínteses. São sínteses tênues, mas
inevitáveis para o exercício de uma profissão cujo escopo
é na verdade o manejo do cotidiano ele mesmo, em suas
formas mais complexas, isto é, coletivas e imaginárias.
Essa ideia, por contemporânea que seja, representa
a afirmação pura e simples de alguns fundamentos
filosóficos e epistemológicos mais do que antigos,
ancestrais. Vitrúvio já tratava dessas solicitações ao

1. Tschumi, Bernard [2008]. "L'architecture n'est pas una connaissance de la


forme mais une forme de connaissance". in: Lengereau, Éric [org]. Architecture
et construction des savoirs. Paris: Éditions Recherches, 2008, p. 212.
lembrar seus leitores – com o dedo vertical da norma
culta – que a “ciência do arquiteto é ornada de vários
saberes e muitas disciplinas” 2. Muito embora ancorasse
o argumento numa apologia da razão prática – que a
alta modernidade tratou de complicar –, Vitrúvio
enunciou e inseriu tais disciplinas num conjunto coerente
de deveres formativos e cognitivos aos quais nos
mantemos ligados. Isto é, parafraseando e tencionando
o romano, sabe-se que o arquiteto de hoje deve buscar
e construir-se em uma quase infinidade de perspectivas
prestando inclusive atenção a chamados que não têm
relação evidente de utilidade com a prática projetual,
mas revelam-se capazes de lhe garantir a decantação de
uma consciência armada, aberta e alerta, permitindo-lhe
interpretar forças enigmáticas e intrigantes tanto da
natureza quanto da cultura. São saberes que permitem
honrar o conselho vivo de Drummond aos jovens, num
momento em que o mundo parecia debruçado sobre o
abismo da tecnologia embestada: “Inventem olhos novos
ou novas maneiras de olhar para merecerem o espetáculo
novo de que estão participando” 3. Como inventar esses
olhos sem a franca disposição de reconhecer as limitações

2. Vitrúvio [c. I a.C]. Tratado de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes,


2007, p. 61.
3. Drummond de Andrade, Carlos [1944]. "Prefácio para 'Confissões de
Minas'". in: Drummond de Andrade, Carlos. Obra completa em um volume.
Rio de Janeiro: Aguilar, 1964, p. 506.
do estudo disciplinar ou departamentalizado?
São questões desse tipo que esta iniciativa editorial
procura enfrentar, ou no mínimo tangenciar. As “outras
palavras” às quais nos referimos são as múltiplas palavras
que sempre tiveram espaço na Escola da Cidade, desde
a sua fundação, preocupada que é esta Escola com a
sólida e ampla formação humanista de seus estudantes,
professores e colaboradores. Noutras palavras, são
também as outras “turas” de que fala Cortázar, na alta
intensidade de seu fraseado dançante, no jogo tramado
de seus cacos significativos:
A nossa verdade possível tem de ser invenção, ou
seja, literatura, pintura, escultura, agricultura,
piscicultura, todas as turas deste mundo. Os valores,
turas, a santidade, uma tura, a sociedade, uma tura,
o amor, pura tura, a beleza, tura das turas4.
Juntar essas pontas é uma utopia? Esperamos que
essas “turas” e leituras multipliquem-se no tempo, nas
mãos e no pensamento de nossos leitores. Por isso,
trazemos a público esses livros, essas reflexões recolhidas.

JOSÉ GUILHERME PEREIRA LEITE


Professor da Escola da Cidade
Coordenador do Seminário de Cultura
e Realidade Contemporânea

4. Cortázar, Julio [1963]. O jogo da amarelinha. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1999, p. 443.
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SUMÁRIO

8 Conceitos
20 História
47 Tempo livre em tempos pós-modernos
53 Territórios livres aí estão para ficar,
ou a cidade que queremos
62 Referências bibliográficas
65 Sobre a autora
AOS QUE SONHAM E ACREDITAM...

NAS CIVILIZAÇÕES SEM


BARCO, OS SONHOS SE
ESGOTAM; A ESPIONAGEM
SUBSTITUI A AVENTURA
E A POLÍCIA, OS
CORSÁRIOS.

Michel Foucault

foto/página anterior: BAU / Martha Levy


X Seminário Internacional, março de 2015.

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CONCEITOS

Quando refletimos sobre o tema central deste importante


evento, o X Seminário Internacional “Tempo Livre na
Cidade”, organizado pela Escola da Cidade, em São
Paulo, entre 23 e 27 de março de 2015, duas questões
destacam-se de imediato: a primeira diz respeito à
inversão de sentidos na concepção do tempo livre, tal
como se interpreta na Modernidade, e o ócio, como
pensavam os antigos gregos e romanos. Essa inversão
decorre da transformação do tempo em mercadoria,
desde os inícios do capitalismo, quando também se
opera a oposição entre tempo de trabalho e tempo de
lazer, ou entre “tempo útil” e ociosidade.
Essas interpretações modernas nos distanciam
radicalmente da Antiguidade Clássica, quando o ócio
era considerado fundamental para a construção da vida
bela e de subjetividades livres, tanto quanto para o
exercício da política. Nesse universo, o trabalho era
desvalorizado como expressão da sujeição do homem à
premência da vida, à esfera biológica e ao reino
da necessidade.
A segunda dessas questões refere-se à crítica que
Michel Foucault endereça à representação moderna do
espaço, apresentando sua noção de heterotopias, ou
outros espaços, espaços diferentes, tal como desenvolve
na palestra “Des espaces autres”, realizada a convite do

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Círculo de Estudos Arquitetônicos, em Paris, no dia
14 de março de 1967, mas que só nos chega algumas
décadas depois (FOUCAULT, 2014).
Em relação à noção de “tempo livre”, vale considerar
sua historicidade, entendendo a maneira como os antigos
percebiam o ócio, considerado necessário e fundamental
para o “cuidado de si”, para a elaboração de si como
indivíduo livre e para a formação do cidadão apto a
participar da polis. Para os gregos, como se sabe, o
político deveria ser um homem livre e temperante, que
sabia cuidar de si e, portanto, estaria em condições de
cuidar do outro e da cidade. Nesse mundo, mostra
Hannah Arendt (1958,1981), o trabalho era desqualificado
por remeter à esfera pré-política do privado, na qual o
homem seria compelido pelas carências da vida, estando
submetido ao nível biológico da luta pela sobrevivência,
próprio dos escravos e dos animais, e não do cidadão.
Assim, Sêneca criticava o excesso de labor, de “ocupações
inúteis” e afirmava que um homem ocupado “não pode
fazer nada bem”, menos ainda viver, como explica a
filósofa Salma Tannus Muchail (2011: 78). Sem tempo
de ócio, não seria possível transformar-se a si mesmo
eticamente, produzir uma vida bela e equilibrada e
praticar a liberdade, como se desejava. Sem ócio, não
poderia haver criação, apenas repetição monótona do
mesmo, submissão à esfera da necessidade.
Na Modernidade, porém, as exigências do

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desenvolvimento capitalista pedem uma outra
representação do tempo, como algo que não pode ser
gasto e que deve ser aproveitado ao máximo. Diz Edward
P. Thompson, no belo e erudito artigo “Tempo, disciplina
e capitalismo industrial” (1998), que a mudança no
imaginário do tempo levou séculos para se efetuar.
Assim, entre os séculos XIII e o XVI, o tempo da
natureza que regia a vida cotidiana é substituído, pouco
a pouco, pelo tempo do mercado, na medida em que os
comerciantes começam a ter algum tipo de controle
sobre o tempo do trabalho dos artesãos, ao encomendarem
a produção de mercadorias que seriam negociadas no
mercado. Logo, o canto do galo ou o nascer e o por do
sol deixam de anunciar o tempo das colheitas, da pesca
e das festas. São substituídos pelo sino da igreja e, em
seguida, pelo relógio que se localizará na praça central
das cidades medievais. Com o tempo, este passa para a
sala das casas dos nobres e poderosos, até chegar ao
pulso de todos nós, deslocando-se finalmente para os
tão indispensáveis celulares.
Nessa lógica, vida e trabalho se separam radicalmente
e o tempo livre passa a ser percebido como momento
potencialmente ameaçador, já que o indivíduo poderia
perder-se em seus pensamentos, desviar-se do rumo
correto na “oficina do diabo”, como diziam nossos avós
e bisavós, para referirem-se ao tempo livre, ou ainda,
ser levado por outros ventos para regiões não controláveis

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das representações exteriores. Ocupar-se
ininterruptamente passa, portanto, a ser valorizado não
apenas como maneira de tornar-se útil e produtivo, mas
também de proteger crianças, jovens e adultos tanto
quanto a si mesmo contra as ideias subversivas e contra
“outros vícios”, como o alcoolismo, as drogas e a
prostituição, como afirmavam as elites dirigentes. Não
é de estranhar-se que o consumo logo preencha esse
vazio inquietante.
Na conferência em que Foucault expõe sua noção
de “heterotopias”, ou “outros espaços”, várias reflexões
nos surpreendem. Logo de início, ele afirma que vivemos
hoje na “era do espaço”, da simultaneidade, da justaposição,
do lado a lado, desde que a categoria de espaço deixou
de subordinar-se à do tempo, como ocorrera no século
XIX. Século obcecado com a história e o tempo, com a
noção de verdade objetiva e de neutralidade, com o
acúmulo dos documentos, com a preservação da memória,
com a criação de bibliotecas, arquivos, museus e com o
progresso e a evolução da humanidade, o filósofo
compara-o com a atualidade, em que experimentamos
o mundo muito mais “como uma rede que religa pontos
e entrecruza sua trama”, do que como uma grande via
que se desdobraria ao longo dos tempos. Em seguida,
afirma com sua irreverência costumeira: “Talvez se
pudesse dizer que certos conflitos ideológicos que animam
as polêmicas de hoje em dia se desencadeiam entre os

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piedosos descendentes do tempo e os habitantes
encarniçados do espaço” (FOUCAULT, 2013: 414).
Trata-se, então, de pensar também o tempo como
multiplicidades, como coexistência de múltiplas
temporalidades em um mesmo momento, objeto,
situação, relação. Não se trata de pensá-lo como linha,
nem como círculo, mas como “rizoma temporal”, como
“uma rede temporal, que implica uma navegação
multitemporal por um fluxo aberto, um pouco como se
navega hoje por um hipertexto”, sugere Peter Pál Pelbart
(1998), na esteira de Gilles Deleuze (2002). Segundo
este, que propõe o “rizoma” como imagem do pensamento
oposto à árvore, o pensamento rizomático seria aberto
como uma planta que cresce nas paredes, sem início,
meio e fim, possível de conectar-se em qualquer ponto
e fazer rede; ao contrário, o pensamento arborescente,
hierárquico, sedentário, fincado em suas raízes, com o
qual operá(va)mos até então, trabalharia com oposições
binárias: civilizado e bárbaro; racional e louco, normal
e patológico, heterossexual e homossexual, branco e
negro, e assim por diante, reforçando estigmas,
estereótipos e as tantas desigualdades sociais, de gênero
e étnicas.
A noção de heterotopia, como espaço diferente,
permite a Foucault questionar a utopia, evidenciando que
esta remete a um não-lugar (u-topos), a uma região distante
e a um tempo também longínquo que poderá ou não

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acontecer. Para ele, ao invés de nos deslocarmos para um
lugar irreal, para um espaço e tempo imaginários, seria
mais interessante nos voltarmos para o que nos circunda,
estranharmos o que é familiar, percebê-lo diferentemente
e reinventá-lo. “As utopias consolam (...) as heterotopias
inquietam (....). Eis porque as utopias permitem as fábulas
e os discursos (...); as heterotopias contestam, desde a
raiz, toda possibilidade de gramática”, afirma ele (1981:
7). Portanto, a heterotopia constrói uma representação
outra do espaço, permitindo abri-lo, pensá-lo como
multiplicidades e, ao contrário das noções dicotômicas
de tempo e espaço com a qual lidávamos até recentemente,
possibilita pensar os tempos-espaços que se justapõem,
entrecruzam e relacionam-se com as heterocronias.
Nessa proposta de pensar diferentemente as
categorias de tempo e espaço, Foucault mostra,
inspirando-se em Gaston Bachelard, autor de A Poética
do Espaço (1957), que nem o tempo nem o espaço em
que vivemos são vazios, neutros e homogêneos, mas são
carregados de qualidades e habitados por fantasmas: os
espaços de nossos devaneios e paixões podem ser leves,
etéreos, transparentes, obscuros ou pedregosos, móveis
ou fixos, enfim, vivemos em conjuntos de relações que,
segundo ele, definem posicionamentos. Esses
posicionamentos também podem ser de vários tipos: de
passagem, como o trem, de parada provisória, como as
praias, os cinemas e os cafés; de repouso, como a casa,

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o quarto, o leito. Mas também podem ser espaços que
contradizem os existentes, que se contrapõem a todos
os outros, como as utopias e as heterotopias.
Foucault estabelece uma diferença entre a noção de
utopia - não-lugar, tempo e lugar nenhum, que pode
ser a sociedade aperfeiçoada ou seu oposto, e entre a
noção de heterotopias, espaços outros, contra-espaços
ou contraposicionamentos, lugares diferentes em que
vários espaços se justapõem, lugares de contestação dos
espaços existentes. As heterotopias referem-se à
possibilidade de reinventarmos e darmos novos sentidos
aos espaços físicos, geográficos, políticos, afetivos ou
subjetivos, que aprendemos a ver de maneira empobrecida
na Modernidade, perdendo sua multiplicidade. Ao
contrário das utopias, que levam a algum tempo distante
no futuro, as heterotopias dizem respeito ao aqui e agora
e à possibilidade de transformar o mundo exterior e
interior, individual e coletivamente: “Elas são a
contestação de todos os outros espaços.” , afirma o
filósofo (2014: 28).
Em suas explicações, o espelho é citado, de início,
como utopia e heterotopia: no primeiro caso, explica
ele, “é uma utopia, pois é um lugar sem lugar”; o espelho
nos projeta uma imagem irreal, uma sombra, em um
lugar onde não estamos, lá do outro lado do espelho.
No segundo, devolve-nos a nós mesmos,
heterotopicamente, e nos faz perceber ali onde estamos,

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com tudo o que nos circunda, inclusive atrás de nós
mesmos, o que não veríamos sem virar a cabeça e ainda
assim incompletamente.
Foucault refere-se também às “heterotopias do
desvio”, como as clínicas psiquiátricas, casas de repouso,
lugares da ociosidade quando o tempo livre se tornou
lazer, diz ele, para onde são enviados os indesejáveis,
inclusive os velhos. As “heterotopias do tempo”, como
as bibliotecas e museus trazem espaços onde se evidencia
o desejo de acumular todos os tempos e todos os lugares
do mundo. Afinal, aí se buscam a China antiga, ou a
Praça Tahrir, no Egito, a Bolívia dos indígenas, ou a
Guerra de Secessão americana, a história do Brasil
republicano ou da Argentina de Perón, e assim
indefinidamente.
O bordel antigo é definido como “heterotopia da
ilusão”, e Foucault explica pouco. Mas sabemos que o
bordel do passado era um espaço totalmente teatralizado,
com seus muitos espelhos e tapetes vermelhos, onde se
reuniam homens de todas as idades e mulheres vistosas
para o prazer sexual, mas também para uma intensa
sociabilidade da festa, da música, da fruição etílica e
gastronômica, invertendo e negando o espaço
dessexualizado e higiênico do lar, transparente e
silencioso.
Os cemitérios são historicizados nessa explicação
das heterotopias, próximo ao que nos conta Philippe

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Ariès, em sua História da Morte no Ocidente (2003), pois
houve um tempo em que os mortos permaneciam no
centro da cidade, enterrados nos cemitérios ao lado das
igrejas, ou nas próprias paredes das igrejas, no caso dos
reis, bispos e nobres. Isso ocorre até pelo menos o final
do século XVIII europeu, quando passam a ser
transportados para a periferia das cidades, no momento
em que a burguesia ascendente se preocupa mais com
a própria saúde e com o prolongamento da vida e vê nos
corpos dos mortos prenúncios da morte, ameaças da
proliferação dos miasmas, prováveis transmissores das
doenças e da peste. De sagrados, os cadáveres passam
a ser vistos como ameaças mortíferas, não como
fantasmas, espíritos malignos que insistiriam em ficar,
mas como perigo de contágio. Tratava-se, portanto, de
distanciar, isolar e individualizar os corpos, colocados
em caixões individuais, mais ou menos luxuosos, de
acordo com o nível social do falecido. “(...) foi a partir
do século XIX que cada um teve direito à sua pequena
caixa para sua pequena decomposição pessoal (...)”,
afirma Foucault (2013: 420).
Jardins e tapetes também são objetos do olhar
heterotópico do filósofo-historiador. O jardim
tradicional, que tinha sentidos profundos no Oriente,
como espaço sagrado, em que as quatro partes do mundo
viriam repartir-se, de forma retangular, tendo um centro
ainda mais sagrado, com um jato d´água, e onde também

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se encontraria toda a vegetação existente. Já o tapete,
como um pequeno jardim trazido para dentro da casa.
Em suas explicações,

O jardim é um tapete onde o mundo inteiro vem


realizar sua perfeição simbólica, e o tapete é uma
espécie de jardim móvel que pode se deslocar no
espaço. O jardim é a menor parcela do mundo e é
também a totalidade do mundo; tem sido uma
espécie de heterotopia feliz e universalizante desde
os princípios da antiguidade (os nossos modernos
jardins zoológicos partem desta matriz) (2013: 421).

Finalmente, Foucault refere-se ao navio, heterotopia


por excelência, grande instrumento da economia, tanto
quanto enorme reserva da imaginação,

pedaço de espaço flutuante, um lugar sem lugar,


que vive por si mesmo, que é fechado em si e ao
mesmo tempo lançado ao infinito do mar e que,
de porto em porto, de escapada em escapada para
a terra, de bordel em bordel, chegue até as colônias
para procurar o que elas encerram de mais precioso
em seus jardins (2013: 424).

Foucault propõe, então, seis princípios que


permitiriam compor não uma “ciência”, diz ele, mas

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uma analítica, uma “descrição sistemática das
heterotopias”: essas estão presentes em todas as culturas;
podem assumir funções diferenciadas ao longo do tempo;
podem justapor em um mesmo espaço vários espaços
incompatíveis entre si no espaço real; no seio de uma
heterotopia existe uma heterocronia, isto é, uma ruptura
com o tempo real; a heterotopia pode abrir-se e fechar,
o que, às vezes, a isola, tornando-a acessível e
impenetrável; finalmente, elas têm uma função em
relação aos outros espaços da sociedade: são tanto espaços
de ilusão quanto espaços de perfeições.
As implicações dessas reflexões para pensar a
constituição da subjetividade são profundas. Uma vez
que a categoria do espaço deixa de ser submetida à
hegemonia do tempo, da razão e do sujeito, como havia
sido até o século XX, novos espaços se abrem para pensar
a subjetividade como espacialidade constituída em redes
de relações de saber-poder, em regimes de verdade, em
modos de subjetivação que são históricos, culturais.
Assim, já não se considera que o sujeito tenha uma
natureza essencial, que nasça com todas as inclinações
contidas em germe em si mesmo, habilidades que apenas
desdobraria ao longo da sua vida. O que significa, então,
que outras formas de ser, outros modos de existir se
tornam possíveis, porque históricos. Nessa maneira de
pensar, a noção de identidade como essência ancorada
no corpo ou na alma do indivíduo - como entendera a

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Medicina, entre outras ciências, desde o século XIX,
levando à famosa teoria do criminologista italiano Cesare
Lombroso, pai da Antropologia Criminal - torna-se
obsoleta e preocupante, pois impossibilita mudanças no
próprio ser. E se o fato de ser patológico, desviante,
anormal é um destino, não há nada a ser feito. Com
essa lógica, o nazismo levou muitos ao extermínio, como
nos mostra a história.

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HISTÓRIA

Os conceitos, reflexões e problematizações aqui


lançados, mesmo que muito brevemente, são fundamentais
para olhar a história deoutro modo, para pensar
diferentemente o passado e, sobretudo, para poder
historicizar o próprio espaço, pensando em suas relações
com o poder e em sua interferência constitutiva na
produção dos corpos e das subjetividades. Nessa direção,
nos anos de 1970, Foucault propunha uma “história dos
espaços” atravessados por relações de poder, questionando
a maneira como era tratado ora como ar ora como solo,
como geografia física, ou como local de residência de
um povo, de uma cultura ou do Estado. Em suas palavras,

Seria preciso fazer uma “história dos espaços” – que


seria ao mesmo tempo uma “história dos poderes”
– que estudasse desde as grandes estratégias da
geopolítica até as pequenas táticas do habitat, da
arquitetura institucional, da sala de aula ou da
organização hospitalar, passando pelas implantações
econômico-políticas. É surpreendente perceber
como o problema dos espaços levou tanto tempo
para aparecer como problema histórico-político (...)
(FOUCAULT, 1979: 212)

Nesse mesmo período, aparecia Vigiar e Punir.

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Nascimento da prisão (1975, 1977), livro em que estuda
a emergência da sociedade disciplinar. Foucault chamou,
então, a atenção para o fato de que a arquitetura, desde
final do século XVIII, passou a responder aos problemas
da população, da saúde, do urbanismo, preocupando-se
com a organização do espaço para fins econômico-
políticos; enquanto antes, estava ligada à necessidade
de manifestar o poder, a divindade, a força. A partir
disso, a “arquitetura da vigilância” nasce com o projeto
da “cidade panóptica”, em oposição à “arquitetura do
espetáculo”, valorizada pelos antigos (1977: 190). Nessa,
a preocupação principal dos arquitetos era a de como
dar visibilidade ao espetáculo de um acontecimento,
como o sacrifício religioso, o teatro, os jogos circenses,
os discursos políticos, ou o corpo do rei, para o maior
número de pessoas. Na Modernidade, o problema se
inverte radicalmente: passa a ser a vigilância de muitos
dado como espetáculo para a vigilância de um, o
que coloca a necessidade de outra distribuição dos
indivíduos no espaço. Outro tipo de sociedade, outras
formas arquitetônicas.
O Panópticon, princípio arquitetônico criado por
Jeremy Bentham e por seu irmão Samuel, pareceu uma
excelente solução, a tal ponto que das prisões se difundiu
para os hospitais, fábricas, escolas, asilos, entre outras
“instituições de sequestro”. Afinal, tratava-se de ter
todos sob controle, desde a distribuição do tempo e a

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localização dos indivíduos no espaço, até a organização
da vida social, de ponta a ponta, no espaço do trabalho
e fora dele. Na descrição de Foucault, que pesquisa esse
documento escrito entre 1789 e 1790, isto é, nos anos
da Revolução Francesa, em que Jeremy Bentham expõe
seu projeto arquitetônico, tendo em vista baratear os
custos da vigilância dos prisioneiros, a disposição seria
como segue:

[...] na periferia uma construção em forma de anel;


no centro, uma torre, esta é vazada de largas janelas
que se abrem sobre a face interna do anel; a
construção periférica é dividida em celas, cada uma
atravessando toda a espessura da construção; elas
têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo
às janelas da torre; outra, que dá para o exterior,
permite que a luz atravesse a cela de lado a lado.
Basta então colocar um vigia na torre central, e em
cada cela trancar um louco, um doente, um
condenado, um operário e um escolar. Pelo efeito
da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-
se exatamente sobre a claridade, as pequenas
silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas,
tantos pequenos teatros, em que cada ator está
sozinho, perfeitamente individualizado e
constantemente visível. O princípio da masmorra
é invertido. (FOUCAULT, 1977: 177).

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Elevação, corte e planta da penitenciária panótica de Jeremy
Bentham, desenhos de Willey Reveley, 1791 (fonte: Jeremy Bentham,
The Works of Jeremy Bentham, published under the Superintendence
of his Executor, John Bowring. 11 vols. Vol. 4. Edinburgh: William
Tait, 1838-1843).

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Das prisões para outras instituições e para o próprio
espaço da cidade, a “arquitetura da vigilância” se
consolida, subentendendo que o indivíduo, suspeito em
potencial, deveria ser vigiado ininterruptamente, sob
pena de cometer atos violentos e ilegais. Formar o
cidadão, nessa lógica que predomina até meados da
década de 1960, significou disciplinar os corpos, produzir
as individualidades, definir os gestos, os gostos e o
próprio desejo do indivíduo. Ao mesmo tempo, a
biopolítica, essa outra modalidade do poder estudada
por Foucault, ocupou-se do controle do corpo-espécie
da população, através da apropriação da vida do coletivo,
da natalidade ao crescimento populacional, da saúde e
da higiene à taxa de mortalidade, entre outras dimensões
vitais, que se tornam objetos da gestão do Estado-nação.
Assim, na cidade do trabalho e da produtividade,
com seus símbolos falocêntricos, onde tanto o tempo
do trabalho como o tempo livre deveriam ser bem
definidos e regulados, onde o lazer se torna um negócio
lucrativo com o turismo, invenção também do século
XIX, o poder se encarregaria de todos os momentos da
vida dos cidadãos, evitando fugas, desvios, escapes
imprevisíveis, encontros inesperados e indesejados,
contestações e revoltas. Pela higienização do espaço
urbano, garantir-se-ia a submissão do indivíduo ao
Estado e ao capital, a produção dos “corpos dóceis”, isto
é, de indivíduos economicamente produtivos e

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Presídio Modelo, inspirado no modelo de Bentham e construído entre
1926-28 na Isla de la Juventud, Cuba.

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politicamente submissos, em todos os momentos da vida
individual e coletiva, privada e pública. Sonho da cidade
perfeita, sem ruídos e sem Dioniso, como revela de
maneira radicalizada a história dos regimes totalitários.
Ao estudar a emergência desse projeto de sociedade
disciplinar em São Paulo, a partir da definição do espaço
urbano de maneira funcional, produtiva, impedindo
fugas e prazeres, entre o final do século XIX e o início
do século XX, não se pode, contudo, deixar de perceber
a resistência dos trabalhadores à moralização dos
costumes, que se impunha na Modernidade (RAGO, 1985,
2014) . Desde sua chegada ao país, os imigrantes europeus,
vários dos quais anarquistas, sindicalistas revolucionários
e socialistas denunciaram, ao lado dos nacionais, o
exercício do poder na organização do espaço urbano e
na vontade de produção de corpos submissos, não apenas
na fábrica, mas na própria cidade, percebendo com muita
clareza as estratégias desse poder molecular, invisível,
que Foucault denominou de “disciplinas”.
Além disso, os libertários ousaram reinventar esses
espaços, propondo a autogestão nas fábricas, a criação
de “escolas modernas” (muito diferentes das escolas
recém-criadas pela República), de centros de atividades
culturais, de teatros operários, a realização de piqueniques
nos parques, respondendo à proposta de construção de
uma cidade heterotópica. Vale observar que os anarquistas
experimentaram as cidades como laboratórios libertários,

‐ 27 ‐
em muitas regiões e momentos históricos, como se
constata com as experiências autogestionárias da
Revolução Espanhola, entre 1936-1939, deixando claras
as diferenças na interpretação dos usos do tempo/espaço
e, em especial, do tempo livre pela população.
Na São Paulo dos inícios do século XX, em processo
de desenvolvimento econômico, de industrialização, de
modernização dos costumes, de urbanização à la
Haussmann, de um lado, os governantes, os médicos,
os advogados e os engenheiros defenderam a construção
da cidade da ordem e do progresso, segmentada,
segregada e iluminada, capaz de vigiar seus habitantes
nas ruas, nas praças e nos becos, capaz de eliminar os
porões onde poderiam amontoar-se e, quem sabe,
revoltar-se. De outro, anarquistas, socialistas, feministas,
críticos do progresso e da disciplinarização em curso
denunciaram o autoritarismo das novas formas de viver
impostas de cima para baixo. A definição espacial da
cidade, como bem perceberam, implicava muito mais
do que uma organização arquitetônica ou geográfica:
significava a definição da localização e segregação dos
diferentes setores sociais, étnicos e de gênero, assim
como a implementação de determinados padrões de
conduta e de relacionamento. O confinamento da
prostituição no Bom Retiro, nos anos quarenta,
exemplifica muito bem essa política.
As elites, assim, revelavam seu projeto utópico da

‐ 28 ‐
cidade disciplinar, capaz de excluir a vagabundagem e
o crime, a circulação dos indesejáveis e “anormais”, a
prostituição e os vícios, as sublevações populares e a
revolta operária. Ruas e avenidas largas, abertas,
iluminadas, ventiladas, habitações populares baratas e
bem divididas para evitar a promiscuidade e o contato
estreito demais entre seus habitantes eram os temas
discutidos e defendidos pelos engenheiros, no “Primeiro
Congresso de Habitação”, reunidos em São Paulo, em
1931. Já os contestadores libertários buscaram reinventar
a cidade lúdica, do ócio, filógina1, dos prazeres, do amor
livre, dos afetos, da interação humana, das trocas
intersubjetivas, da livre circulação das ideias, da
imaginação e da criação: espaços heterotópicos.

o tempo livre em diferentes


tradições do pensamento

Ora, nesses dois projetos, revelam-se diferentes


imaginários, duas concepções de tempo livre e de relação
com o espaço: na referência moderna, prevalece a
oposição vida e trabalho; revertendo radicalmente a
tradição dos antigos, o tempo é pensado como
mercadoria, algo que não se deve gastar ou perder, como

1. Filoginia refere-se ao amor pelas mulheres e pela cultura feminina,


em oposição a misoginia.

‐ 29 ‐
diz a famosa frase “time is money”; o tempo livre representa
um perigo: é associado à ociosidade, à vagabundagem,
ao não-trabalho. Como os pobres não sabem utilizar o
tempo livre, pois são “irracionais”, estão acostumados
a cumprir ordens e a obedecer, e tendem a perder-se na
embriaguez, nos vícios, na frequentação de “casas de
tolerâncias” e bordeis, ou nas rodas dos socialistas e
anarquistas, é melhor organizá-los, governá-los e
direcioná-los, assim como as mulheres e as crianças.
Devem ser produzidos desde os mínimos detalhes de
suas vidas, pois desejam o que não se deve desejar,
orientam-se pelos instintos, pelos sentimentos e pelas
emoções, quando deveriam prender a renunciarem a si
mesmos, deixando de ouvir a voz interior, que “sabe-se
lá de onde vem!”, como dirão também os padres.
Na segunda concepção, ao contrário, rebelde,
contestadora e criativa, os trabalhadores religam-se à
tradição antiga, aos estoicos e aos cínicos. A excessiva
carga de trabalho é vista como exploração capitalista,
denunciada como ultraje, violência e dominação classista.
As formas da disciplinarização, do exercício do poder
pastoral, de condução do rebanho, da produção da
subjetividade e do poder biopolítico sobre a população
são também cotidianamente questionadas em inúmeros
atos de resistência, como o boicote, a sabotagem e a
greve nos espaços produtivos, ou com outras formas de
revoltas fora deles. O tempo livre é reivindicado para

‐ 30 ‐
foto: BAU / Martha Levy
X Seminário Internacional, março de 2015.

‐ 31 ‐
que promovam as reuniões operárias, para as festas e
comemorações, para as atividades culturais ignoradas
pelos dominantes ou para o simples ócio.
O desejo de domesticação dos trabalhadores e de
controle biopolítico da população, com o consequente
investimento na organização social do tempo livre,
transformado em lazer para todos, é levado às últimas
consequências nas experiências totalitárias do fascismo
e do nazismo. Nessa direção, alguns dados históricos
sobre a organização do lazer na Itália fascista e na
Alemanha nazista são reveladores.
Em 1923, é criado o Dopolavoro, organismo imposto
pelo Estado fascista, em seu projeto de embelezamento
das fábricas e erradicação do conflito capital/trabalho,
destinando-se a organizar o lazer dos trabalhadores,
segundo a concepção do engenheiro Mario Giani. Em
1925, as organizações locais do Dopolavoro são agrupadas
num organismo estatal, a Opera Nazionale Dopolavoro
(OND), que passa a ser submetida diretamente ao Partido
Fascista. No programa da OND, incluíam-se serviços
sociais que abrangiam educação, cultura popular,
organização do lazer, assistência social, tendo em vista
garantir a implementação dos métodos tayloristas da
gerência científica (RAGO, 2003: 58).
Entre 1926 e 1935, foram criadas cerca de 3.000
seções do dopolavoro nas indústrias - os dopolavoro
aziendali, evidenciando uma profunda transformação

‐ 32 ‐
na relação entre Estado e empresa, nesse período. O
Estado buscava persuadir os industriais de que em
melhores condições de vida, os operários responderiam
com uma maior produtividade no trabalho e que,
portanto, deveriam ocupar-se da vida cotidiana do
trabalhador, inclusive fora dos muros da fábrica, como
modo de produção da subjetividade e de docilização
dos comportamentos.
O sucesso dos dopolavoro no fascismo italiano é
estrondoso, seu crescimento vertiginoso. Na FIAT, que
introduz amplamente o taylorismo, tendo como modelo
sua concorrente americana FORD, estabelece-se o mais
importante deles. Progressivamente, os dopolavoro
fiduciari, delegados operários nomeados pelos chefes de
serviço para coordenar os programas recreativos da
fábrica, substituíram os antigos delegados de fábrica
eleitos pelo conjunto dos trabalhadores.
O dopolavoro da FIAT, localizado num ostentoso
edifício de dois andares, comportava uma sala espaçosa
para assembleias gerais, salões para reuniões, salas de
jogos repletas de troféus, vestiários masculino e feminino
e trinta duchas. Fornecia aos operários atrativos como
cursos de fotografia, de língua, de estenografia, de
datilografia e de contabilidade, além de cursos de tênis,
um teatro ao ar livre e áreas para jogos infantis.
Organizava cursos de formação profissional para diversas
categorias. Possuía ainda trinta barcos e constituiu um

‐ 33 ‐
ginásio, na Via Marochetti, que incluía esportes
sofisticados o tênis. Para os passeios fora do centro
urbano, a FIAT construiu em 1928, um chalé alpino
perto da estação de esqui de Bardonnechia, onde se
poderiam alojar cerca de 200 pessoas no caso de uma
jornada mais prolongada e 1.000 em excursões diárias.
Com relação às habitações operárias, a FIAT possuía
fábricas localizadas, na sua maioria, em bairros operários,
dispensando-se, portanto, de construí-las.
Está claro que tão grande investimento para
organizar a vida dos trabalhadores tinha como objetivo
declarado a domesticação dos seus corpos e a erradicação
dos conflitos sociais, das greves e de outras formas de
resistência, assim como a eliminação das comissões de
fábrica e dos sindicatos geridos pelos próprios operários.
Essa despolitização também era visada na maneira como
as relações capital/trabalho se reconfiguravam. Assim,
os trabalhadores da indústria eram apresentados no
discurso imperialista do jornal mensal Bianco e Rosso,
distribuído por essa fábrica, como “soldados do front’,
que lutavam pelo fortalecimento da nação proletária e
pela construção do Império italiano.
Esse quadro atingiu as empresas privadas e públicas,
despolitizando o proletariado e submetendo-o
violentamente ao Estado, a partir da construção de uma
relação orgânica entre ambos. Sem deixar brechas, o
tempo de trabalho e o tempo livre se borravam, já que

‐ 34 ‐
a vida mesma do trabalhador e de seus filhos passava
aos cuidados do Estado, que buscava produzir sua
subjetividade nos mínimos detalhes, não apenas por
uma dominação ideológica, como se pensava até algumas
décadas atrás, mas com a condução de suas condutas,
com a fabricação de seus gostos, desejos, interesses, e
de seus próprios corpos.
É na Alemanha, porém, que a glorificação da técnica
e do trabalho através da estetização da produção atinge
o auge. Em 1934, é criado o Departamento da Beleza do
Trabalho2 , fruto do movimento de renovação do mundo
da produção, que procura organizar o tempo livre dos
seus operários e de suas famílias. Até 1939,
aproximadamente 80.000 fábricas foram reformadas e
embelezadas, por dentro e por fora, enquanto se
intensificava vertiginosamente o ritmo da produção. A
indústria alemã adquiriu uma nova imagem pelo
melhoramento aparente das condições de trabalho: uma
melhor ventilação, um sistema mais aperfeiçoado de
iluminação, a construção de refeitórios, lavabos,
sanitários, a pintura das paredes, a reforma dos
uniformes, a criação de parques e jardins floridos
circundando as fábricas deveria criar a ilusão de harmonia
social no espírito do operário e da população em geral.
Para compensar a exploração desenfreada do

2. Veja-se o site:www.usmbooks.com/nazi_beauty_of_labor.html

‐ 35 ‐
trabalho, o Departamento complementava seu projeto
de estetização da fábrica defendendo a ideia da
construção, fora da empresa, de locais comunitários de
repouso e de áreas destinadas ao lazer. Várias campanhas
nacionais de persuasão foram realizadas, visando a
convencer os empresários a reformarem e embelezarem
suas indústrias. Em 1935, o Departamento lança uma
campanha contra o barulho industrial; em seguida
inicia-se a campanha “Boa Iluminação – Bom Trabalho”.
O silêncio permitiria, nessa lógica, criar um ambiente
mais calmo, onde o ritmo da produção se elevaria. Em
1937, é criada outra campanha que visava higienizar a
unidade produtiva - “Homens Limpos em Fábricas
Limpas”, resultando na modernização dos sanitários e
vestiários das indústrias em larga escala. Meses depois,
surgem as campanhas de ventilação e de “Uma
Alimentação Quente na Fábrica”.
A crescente influência do projeto de embelezamento
do mundo da produção refletiu-se também no crescimento
interno da burocracia do Departamento. Composto por
quatro pessoas, em 1933, passa a comportar cinco
divisões, em 1939, cada qual com a sua própria equipe:
I- Administração; II – Projeto de Fábricas Artísticas;
III – Projetos Técnicos; IV – Pesquisa e Inovação; V-
Cidade Bela. Estendido ao espaço urbano, o projeto
propunha o embelezamento das cidades alemãs, como
estratégia de dominação sutil e invisível.

‐ 36 ‐
Culto ao corpo, esporte e camaradagem, exercícios
de ginástica no intervalo do almoço, clubes desportivos
das fábricas, férias e excursões foram incentivados e
promovidos pelo Departamento da Beleza do Trabalho.
Em agosto de 1938, foi lançado um “apelo esportivo”
nacional, visando encorajar a prática do atletismo em
todas as fábricas alemãs. Já então, cerca de 10.000
empresas possuíam seus clubes desportivos e promoviam
campeonatos interempresariais.
A Beleza do Trabalho visava não apenas a estetizar
o espaço fabril, mas conseguir a adesão da classe operária,
que deveria tornar-se cada vez mais despolitizada e
docilizada, num momento em que se intensificava a
produção com o “Plano dos Quatro Anos” e a “economia
e guerra em tempo de paz”. Assim, era fundamental
impedir toda forma de articulação e conscientização
dos trabalhadores apelando-se para o mito da fábrica
racionalizada e desproletarizada. Habilmente, Hitler
apresentava o Departamento da Beleza do Trabalho como
o “socialismo em ação”, podendo criticar inclusive os
marxistas de que exploravam as agruras e feiuras das
condições de trabalho para seus próprios interesses,
deixando de lado as “reais” necessidades do povo
trabalhador.
Na arquitetura, passa-se do estilo monumental ao
da funcionalidade. A partir de 1936, o estilo monumental
das construções públicas do Estado nazista foi substituído

‐ 37 ‐
pela busca da racionalidade e de funcionalidade
arquitetônica na produção. Em 1938, criou-se o
Departamento de Arquitetura, que estabeleceu uma nítida
distinção entre os dois estilos: o monumental e o
majestoso que marcava os edifícios do setor público,
manifestando a força e o poder do Estado nacional-
socialista e o industrial, baseado na funcionalidade e na
regularidade das construções. Os arquitetos modernistas
foram amplamente empregados por indústrias como a
Volkswagen, apoiados pelo Departamento, para remodelar
as unidades produtivas. Aos pintores, eram encomendados
afrescos para as casas comunitárias, que deveriam retratar
temas bucólicos para a recreação do espírito.
Contudo, nem tudo funcionou como os poderosos
desejavam. Vários programas fracassaram, na Itália e
na Alemanha, pois não envolveram completamente os
operários e tiveram de ser abolidos. Humilhados pela
negação de suas potencialidades, subjugados por uma
excessiva carga de trabalho, os trabalhadores buscaram
suas próprias saídas.

da espacialidade à produção da subjetividade

No Brasil, do lado dos trabalhadores libertários, em


grande parte imigrantes europeus, ao lado dos migrantes
nacionais, pode-se dizer que a tradição antiga permeia
a percepção do tempo livre e da oposição em relação ao

‐ 38 ‐
tempo do trabalho, nas primeiras décadas do século
XX. Como já observamos, na Antiguidade clássica, o
ócio era associado ao sentido da vida, à criação, ao desejo
de construir uma vida bela e temperante e de formar
um cidadão capaz de participar ativamente da polis,
porque dono de si mesmo, capaz de autogerir-se e de
cuidar do outro. Ser cidadão significava ser livre,
temperante, racional, alguém que sabia cuidar de si,
trabalhar-se, esculpir-se num sentido ético e, portanto,
seria capaz de governar o outro e a cidade. Epiteto,
Sêneca, Epicuro são referências para anarquistas e
socialistas, enquanto as mulheres repensam o espaço a
partir de outras necessidades, domésticas, familiares e
subjetivas. O cuidado de si, as linhas de fuga, as
desterritorializações, o amor livre, a emancipação
feminina, o divórcio, a pedagogia libertária, a autogestão
nas unidades produtivas, a cidade repleta de árvores
frutíferas espalhadas nas ruas e praças para proveito da
população são temas que compõem todo um projeto de
vida libertária, que se funda no século XIX europeu e
que, em seguida, emigra para as Américas e para outras
partes do mundo.
Os anarquistas propuseram não apenas outra forma
de organização social da produção, mas imaginaram
uma cidade que não marginalizasse e excluísse seus
habitantes, que comportasse as diferenças e as
multiplicidades, como dizemos hoje, que possibilitasse

‐ 39 ‐
novas formas de encontro e de sociabilidade, e que
permitisse a expansão da imaginação criadora: cidade
heterotópica. Vale recorrer a alguns documentos de
época, como o jornal libertário A Plebe, que em 21 de
julho de 1923 questionava a construção de “casas para
operários”, defendida pelos patrões:

Por que casas de operários? Então operário não é


gente? Então há um modelo único, um padrão
especial, uma técnica de encomenda para as casas
destinadas aos trabalhadores? Há falta de casas?
Então façam moradias, construam o maior número
delas, grandes e pequenas, caras e baratas, para todos
os gostos e para todas as posses e não bairros especiais,
monótonos e uniformes, onde o operariado fica
isolado, bloqueado, segregado da convivência das
outras classes da sociedade (APUD RAGO, 2014: 260).

Dois outros documentos, encontrados no Arquivo


Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de
Campinas - UNICAMP, também trazem informações
reveladoras, ao evidenciarem essas duas visões
diferenciadas da relação com o tempo e o espaço e com
a organização da vida social pela configuração do espaço
urbano, tendo em vista também a produção da
subjetividade. No primeiro, o industrial e médico Jorge
Street, idealizador e proprietário da Vila Operária

‐ 40 ‐
“Maria Zélia”, no Belenzinho, em São Paulo, revela a
noção de que o espaço cria hábitos, molda
comportamentos, produz desejos e gestos, organiza
o comportamento do indivíduo e define o tempo e as
sociabilidades desejadas. Disciplina, biopoder,
biopolítica. Satisfeito com a instalação de sua Vila, ao
redor de sua fábrica de tecidos, em 1916, o industrial
explicitava seus sonhos:

Em redor da fábrica mandei construir casas para


moradia dos trabalhadores, com toda a comodidade
e conforto da vida social atual […] depois um grande
parque com coreto para concertos, salão para
representações e baile; escola de canto coral e
música, um campo de football; uma grande igreja
com batistério; um grande armazém com tudo o
que o operário possa ter necessidade para sua vida,
[…] uma sala de cirurgia-modelo e uma grande
farmácia […] uma escola para os filhos de operários
e creches para lactantes […]. Quis dar ao operário
[…] a possibilidade de não precisar sair do âmbito da
pequena cidade que fiz construir à margem do rio, nem
para a mais elementar necessidade da vida […].
Consegui, assim, proporcionando, também, aos
operários, distração gratuita dentro do
estabelecimento, evitar que frequentem bares,
botequins e outros lugares de vício, afastando-os

‐ 41 ‐
especialmente do álcool e do jogo. A vila deve instaurar
um espaço de conforto, satisfação e moralidade, de
onde o trabalhador não precisa sair nem mesmo
para divertir-se.

Da arquitetura à subjetividade, o vínculo está bem


claro em seu discurso, mas também está na ironia
anarquista, como aparece no artigo publicado no jornal
libertário A Plebe, em 17 de julho de 1920, com o título
de “O benemérito dr. Street”:

Como operário do dr. Street (que Deus no-lo


conserve por muitos anos), venho lembrar-te alguns
benefícios que ele nos tem feito. (...) Imaginas tu o
que seria de nós, se não tivéssemos por patrão o dr.
Street e por conselheiro o padre Bastos, em uma
cidade como esta, com uma raça de anarquistas que
quanto mais o Virgílio3 os expulsa mais aparecem!
[…] E o que dizer das escolas? Só os gastos enormes
que ele faz só para ver os nossos filhos instruídos!
Sim, instruídos, não te estejas a rir. Tenho lá na
escola uma rapariga há coisa de um ano, e queria
que tu visses como está instruída! Já sabe a santa
doutrina que é um gosto vê-la dizer o padre-nosso,
a ave-maria, o credo; até estou em dizer que era

3. Virgílio do Nascimento, delegado de polícia de São Paulo.

‐ 42 ‐
capaz de dizer missa. Cantar, então, não te digo
nada; é hino à Virgem, ao Epitácio4 , ao Street, ao
Bandeira de Mello5 […] Agora vê tu que se o nosso
caro patrão não gastasse os seus ricos cobres, eu
tinha que pagar por aí uns 5.000 réis por mês, e a
rapariga só saberia a, b, c, que a França é na Europa,
e a terra gira sobre si mesma, coisas estas sem
importância comparadas com um padre-nosso e
um hino de louvor ao dr. Street. Até era capaz, a
pequena, de já ser anarquista!

Os libertários imaginavam uma vida social em que


serviços como “lavar roupas, cozinhar, costurar etc.”
seriam realizados por empresas públicas, como afirmava
Lucas Mascolo, em artigo publica no jornal operário A
Terra Livre, em 6 de novembro de 1910: “Criar-se-hão
grandes lavanderias, grandes cozinhas aperfeiçoadíssimas,
grandes ateliês de costura, […]”, aproveitando as
facilidades da mecanização industrial. A preocupação
estética alia-se à satisfação das necessidades sociais:
“Todas as ruas poderiam ser arborizadas com laranjeiras,
limoeiros, pessegueiros e outras árvores que além de
um perfume delicioso produzem os mais saborosos
frutos. Haveria frutas de sobra para todos […]” (A Terra

4. Epitácio Pessoa, presidente da República entre 1918 e 1922


5. Everardo Toledo Bandeira de Mello, delegado de polícia de São Paulo.

‐ 43 ‐
Livre, 6/11/1910.) Ainda com relação ao aproveitamento
das inovações tecnológicas, como também defendiam
Fourier e Proudhon:

As construções das casas podem ser feitas por


sistemas muito simplificados, por meio de formas,
aparelhos mecânicos, automáticos etc., abreviando
o tempo […]. Podem-se transformar em energia
motora, em luz, em capacidade de trabalho — as
correntes dos rios, o vento dos ares, a luz do sol, o
petróleo, o carvão das minas e tantos e tantos outros
minerais, e tirar de tudo isto, grande proveito para
todos. (A TERRA LIVRE, 6/11/1910.)

Proudhon não estabelecera detalhadamente sua


concepção acerca da cidade do futuro, ao contrário de
Fourier. Este pensava numa solução coletiva de habitação,
à imagem do falanstério, enquanto o outro optava pela
solução individual da “casinha feita a meu modo, onde
moro sozinho, no centro de um pequeno murado de um
décimo de hectare onde eu teria água, sombra, grama
e silêncio”, no interior da comuna (apud RAGO, 2014:
263). Já Kropotkin era absolutamente contrário à ideia
da uniformização das casas, das roupas, do modo de
viver e do agrupamento dos indivíduos no falanstério.
Segundo ele, “a primeira condição de sucesso para uma
comuna prosperar seria, pois, abandonar a ideia de um

‐ 44 ‐
falanstério e morar em casinhas independentes […]”
(CHOAY, 1979: 153).
É claro que para os anarquistas a ideia da
descentralização política e econômica se faria sentir na
própria estruturação da comuna, que borraria as
fronteiras entre campo e cidade, assim como entre
trabalho manual e intelectual. A reconstrução racional
e funcional dessa cidade utópica asseguraria a qualidade
da higiene pública e privada, o conforto dos habitantes
e permitiria criar amplas áreas de lazer. A automatização
das fábricas e de outros serviços liberaria o homem da
sujeição à atividade única do trabalho pela sobrevivência:

Se as máquinas pertencessem a todos vós, aos


homens todos, se estivessem à disposição dos
trabalhadores, vós as faríeis trabalhar para vantagem
geral, em vista das necessidades coletivas […].
E elas seriam um enorme benefício, uma fonte
abundante de bem-estar e alegria […] (A TERRA LIVRE,
22/5/1910).

Os libertários tinham claro, portanto, que a criação


de contra-espaços, de espaços heterotópicos seria
fundamental para produzir indivíduos que não fossem
“corpos dóceis” e obedientes, como quiseram o
Cristianismo e o capital. Não conheciam esses conceitos
recentes, mas sabiam muito bem o que queriam e o que

‐ 45 ‐
rejeitavam, tendo claros seus limites do intolerável.
Herdeiros dos cínicos, dos estoicos e dos epicuristas,
projetaram um mundo em que as relações sociais seriam
prazerosas, lúdicas, expressões dos desejos e afetos livres,
mundo esse em que se formariam subjetividades éticas,
libertárias – “um homem novo”, como se costumava
dizer até algumas décadas atrás. Vincularam espaço e
subjetividade a partir de outras referências, não visando
a disciplinar os corpos e a sujeitar a todos pela configuração
de um espaço urbano segmentado e hierárquico, mas
tendo em vista criar condições para os encontros, para
novas formas de sociabilidade e para a produção de
subjetividades éticas, conectadas consigo mesmas, nesses
contextos materiais, sociais e simbólicos.

‐ 46 ‐
TEMPO LIVRE EM TEMPOS
PÓS-MODERNOS

Voltando-nos para a nossa atualidade, a “sociedade de


controle”, como define Gilles Deleuze (1992), outras
modalidades do poder entram em cena. No mundo que
nasce após o maio de 68, os impactos da contracultura
e de outros movimentos contestatórios do final dos anos
sessenta, a sociedade disciplinar cede espaço para novas
formas da dominação: o poder já não visa sedentarizar,
esquadrinhar, fixar, domesticar. No capitalismo da
sobre-produção, o controle é a nova modalidade de
poder, em que a fábrica cede espaço para a empresa
como modelo organizacional:

a fábrica constituía os indivíduos em um só corpo,


para a dupla vantagem do patronato que vigiava
cada elemento na massa, e dos sindicatos que
mobilizam uma massa de resistência; mas a empresa
introduz o tempo todo uma rivalidade inexpiável
como sã emulação, excelente motivação que
contrapõe os indivíduos entre si e atravessa cada
um, dividindo-o em si mesmo (DELEUZE, 1992: 221).

Nessa nova configuração capitalista, o “corpo dócil”


é substituído pelo “homem flexível”, ondulatório e
constantemente endividado, capaz de navegar em

‐ 47 ‐
múltiplas redes e espaços simultaneamente. O surf torna-
se o esporte que melhor expressa a nova realidade.
Inovador, esse indivíduo deve tornar-se o “empresário
de si mesmo”, fazendo seu capital render, dando lucro
continuamente e pensando-se a si mesmo, à sua família,
ao seu casamento e às suas relações como empresa, a
partir de uma racionalidade econômica, segundo a teoria
do “capital humano” elaborada por economistas
neoliberais como Theodore Schultz, Gary Becker e o
austríaco Friedrich Hayek, professores na Universidade
de Chicago, na década de 1950 (FOUCAULT, 2008: 304).
Nesse regime que substitui a identidade pela senha,
os indivíduos devem ser capazes de autoadministrarem-
se, assumindo todos os riscos, sob pena de serem
considerados perdedores ou fracassados. Máquina-
competência, o trabalhador não é um mero consumidor,
mas produtor, e produtor de sua própria satisfação no
ato de consumir (2008: 311). Nesse novo mundo, em
que se generaliza a forma empresa, portanto, o modelo
investimento-custo-lucro se estende como referência
para as relações sociais, tornando-se “um modelo de
existência, uma forma de relação do indivíduo consigo
mesmo, com seu círculo, com o futuro”, como aponta
Foucault (2008: 332).
A reorganização produtiva do trabalho desfaz as
demarcações tempo livre/tempo do trabalho e, hoje,
trabalhamos em qualquer tempo e espaço, desde que a

‐ 48 ‐
internet esteja conectada. A exploração do trabalho se
radicaliza na ordem tecnoempresarial, desmantelando e
desorganizando as associações operárias, centrais e
sindicatos, promovendo a terceirização, enquanto o lazer
se expande, levando milhares de turistas em excursões
bem programadas, em tours realizados em cruzeiros
gigantescos, que atravessam os mares como “fantasmas
assombrando ruínas, sem nenhuma presença corpórea”,
diz o ativista Hakim Bay, “consumindo diferenças e
exotismo”.6 Segundo ele:

O verdadeiro espaço do turista não é a locação do


exótico, mas sim o lugar-sem-lugar (literalmente a
“utopia”) do espaço mediano, espaço limiar, entre-
espaço - o espaço da própria viagem, a abstração
industrial do aeroporto, ou a dimensão maquinal
do avião ou ônibus (IDEM).

A busca da felicidade contínua e do prazer hedonista


marcam comportamentos que tendem a um individualismo
narcísico, do indivíduo voltado exclusivamente sobre si
mesmo, incomunicável, para quem o ego é seu bem mais
precioso, como analisam vários autores - o que está
novamente às antípodas do pensamento greco-romano
da Antiguidade clássica. Para Richard Sennett, autor de

6.revistacarbono.com/artigos/08-hakimbey-michaelhughes/

‐ 49 ‐
O declínio do homem público (1989), no momento em que
a esfera privada se sobrepõe à esfera pública, no momento
em que os indivíduos vão buscar os parques, as ruas, os
passeios não para se encontrarem mas para ficarem
sozinhos consigo mesmos, prevalece a “tirania da
intimidade”; então, o mundo público é destruído e o
“homem público” tende a desaparecer substituído pelo
observador passivo, retraído e silencioso.
Procurando entender a profunda descrença do
indivíduo contemporâneo no mundo público - fenômeno
que atribui às profundas transformações urbanas e
econômicas vividas desde a Revolução Industrial e ao
longo do século XIX, com o surgimento das multidões
-, assim como o grande investimento no privado e na
subjetividade, este sociólogo observa que a maior
transparência na arquitetura contemporânea, a
“arquitetura da visibilidade”, não levou a uma eliminação
das barreiras sociais; ao contrário, reforçou as distâncias
psíquicas entre os indivíduos. Se a esfera pública é vista
como ameaçadora e devoradora, é preciso que as pessoas
se protejam de mil maneiras, especialmente refugiando-
se num espaço interno, psicológico, afetivo, que se
amplia cada vez mais, com o desejo de privacidade e de
intimidade. E nesse mundo em que se tenta evitar o
choque e neutralizar o inesperado o mais rapidamente
possível, a sexualidade deixa de ser pensada em termos
relacionais, para ser vivida como problema íntimo, como

‐ 50 ‐
relação consigo mesmo.
Assim sendo, é de se perguntar para onde
caminhamos, se para uma maior aproximação e
entendimento entre as pessoas, na medida em que antigas
barreiras sociais, sexuais e geracionais diminuem, em
que somos mais esclarecidos em relação às diferenças
de gênero e de classe, em que desconstruímos várias
oposições binárias e em que criticamos a falsa “democracia
racial” no Brasil; ou o individualismo crescente nos leva,
cada vez mais, a buscar refúgio seguro em nosso próprio
ego, destruindo as possibilidades do encontro, inclusive
na esfera amorosa e sexual? É de se notar que, apesar
de toda a engenharia tecnológica que facilita a
comunicação e a interação social entre os indivíduos,
grupos e povos, apesar de todo o desenvolvimento da
psicologia e da psicanálise que nos mune com incríveis
arsenais de entendimento e cura das crises existenciais
e conjugais, apesar de todas as discussões que temos
tido em relação à necessidade de abertura para a diferença
e para as diversidades sexuais e culturais, apesar de tudo
e infelizmente, não temos vivido num mundo mais
amoroso e solidário, nem mais aconchegante. Chama
a atenção, aliás, o crescimento da intolerância e da
violência em vários níveis, do racismo à defesa de
instâncias pessoais.
Essas transformações são reforçadas pelos próprios
equipamentos modernos do conforto. Na leitura dos

‐ 51 ‐
psicólogos Pinheiro e Soares, a proliferação dos shopping
centers, como locais preferidos da circulação e do lazer
de massa, apenas reforça essa busca do prazer imediato
que se compraz com o consumo. Segundo eles,

O desenvolvimento de novos espaços e tempos para


o lazer vai se caracterizando pelo desperdício da
vida em práticas cada vez mais estimuladas pelo
consumo e pela força capaz de manter aquecida a
escala produtiva. Ou seja, é em atividades assim que
o homem alimenta o “tempo livre” para com isso
voltar ao trabalho, perpetuando, deste modo, a lógica
capitalista de produção (PINHEIRO; SOARES, 2009).

Isto posto, pergunto: teremos perdido o mundo,


com a aceleração do tempo, o aumento impressionante
da carga de trabalho e a transformação do tempo livre
em lazer e este em consumo puro e simples, atrofiando
as relações sociais, empobrecendo a experiência,
curtocircuitando os encontros imprevisíveis, na cidade
que atomiza e inviabiliza a existência de condições de
vida mais tranquilas e saudáveis? Teremos perdido o
ócio, a criatividade e a vida em comum? Se assim for,
o que nos resta fazer?

‐ 52 ‐
TERRITÓRIOS LIVRES AÍ ESTÃO PARA FICAR,
OU A CIDADE QUE QUEREMOS

Essas questões são complexas e demandariam mais


tempo e espaço para serem discutidas e aprofundadas.
Contudo, vale lançar algumas perguntas e ousar algumas
reflexões. Diz Foucault que onde há poder, há resistências
e, poderíamos acrescentar que, hoje, essas lutas também
se diversificaram, multiplicaram e expandiram,
assumindo novas formas, colocando outras exigências.
Analisando o Brasil contemporâneo, o jornalista
argentino Raúl Zibechi (2014: 291) afirma que uma
nova cultura política ganha forma, como se viu nas ruas,
em junho de 2013 e em outras experimentações
vivenciadas nas cidades, desde então. As formas de luta
e organização criadas em meio à Ditadura militar,
quando CUT e Partido dos Trabalhadores se formaram,
tornam-se ultrapassadas frentes às novas necessidades
das lutas sociais. Novas formas organizacionais também
se observam nas manifestações políticas e sociais que
emergem em todo o mundo, de Chiapas, em 1994, à
Praça Taksim, em 2013, de Seattle ao Occupy Wall Street,
em Nova Iorque, passando pelos movimentos de
ocupação da Praça Tahrir, no Egito, aos movimentos
dos “indignados” da Espanha, às manifestações de
protesto na Grécia.
Às novas formas da dominação correspondem novas

‐ 53 ‐
Manifestantes do Occupy Wall Street se reúnem para uma assembléia em
frente a prefeitura de Nova Iorque na manhã seguinte ao desalojamento
feito pela polícia da ocupação do Zuccotti Park, dois meses após seu
início. Novembro de 2011. (foto: Vanessa Zetler)

‐ 54 ‐
formas de ativismo e de protestos, e mais do que isso,
um “desejo de rua” claramente se expressa e se afirma,
como observa Peter Pál Pelbart, referindo-se à cidade de
São Paulo:

(...) e isso vai do Parque Augusta aos 300 blocos


de carnaval de rua em São Paulo, das dezenas de
manifestações do MPL por todos os cantos da
cidade, centro e periferia, até a miríade de iniciativas
individuais e coletivas que não atingem o limiar de
visibilidade midiática, pois são como vagalumes
frente aos holofotes espetaculosos. A constatação
é apenas está: há um desejo de rua crescente e
incontido em nossa cidade, e para além dela!”
(PELBART, 2015B).

Novas políticas, lúdicas, alegres, corporais e


transversais explodem com maior intensidade, a exemplo
da Marcha das Vadias, não só em nosso país. Movimentos
pela diversidade sexual e ecológicos ganham força, entre
outros, questionando os limites da democracia e dos
nossos modos de vida, ousando experimentações
libertárias nos usos do tempo-espaço, na atualidade.
Esses movimentos sociais, lúdicos e irônicos
expandem a noção de público e de cidadania e desafiam
a lógica binária da cultura patriarcal, investindo contra
a cidade fálica, como no caso dos grupos feministas e

‐ 55 ‐
Assembléia um dia antes da reintegração de posse do Parque Augusta.
Foto: Laura Burzywoda, 2015.

‐ 56 ‐
Festival “Desintegração de Posse”, organizado para se manifestar em
contra da reintegração no dia 4. Foto: Laura Burzywoda, 2015.

‐ 57 ‐
gays. Aliás, o crescimento e a expansão dos feminismos
no Brasil, desde os anos de 1970, quando reflorescem
participando da luta contra a Ditadura militar, merecem
algum destaque. Afinal, as mulheres entram em cena
massivamente, ocupando o mercado de trabalho e a esfera
pública, com suas demandas, reivindicações de direitos,
ousadia e coragem. Ousam denunciar os comportamentos
machistas, as piadinhas de mau gosto, a misoginia
reinante, os estereótipos que desqualificam a cultura
feminina e reinventam-se, feminizando a cultura e o
imaginário social, propondo outros modos de existência.
Nessa direção, as mulheres transformam o espaço
urbano, denunciando e subvertendo as formas visíveis
e invisíveis da exclusão, propondo reconfigurações na
cidade e nas formas de vida possíveis. Os espaços públicos
tornam-se menos constrangedores com a presença
feminina e, logo, percebe-se uma grande mudança nos
hábitos e costumes da população. Nos postos de gasolina,
nos restaurantes e bares, nas lojas, bancos, empresas,
nas escolas e universidades, ou nas delegacias, seu
número aumenta consideravelmente, mesmo que, muitas
vezes, não nos postos de comando, pelo menos não na
mesma proporção. Ainda assim, uma mulher é a
presidenta do Brasil e a expressão “mulher pública” já
remete àquela que atua profissionalmente no mundo
público, e não mais à prostituta, antiga “mulher da vida”
ou “mulher alegre”.

‐ 58 ‐
Evidentemente, o crescimento da participação dos
grupos em reivindicações de direitos, dos coletivos que
lutam pelo uso de bicicletas e construção de ciclovias
na cidade, que ocupam parques e praças e que se voltam
contra a gentrificação força a repensar a configuração
do espaço urbano, subordinada aos interesses capitalistas
das grandes empresas e não às necessidades da população,
assim como os usos do tempo livre. Nessa luta pela
transformação da cidade, sem dúvida, evidenciam-se
novos territórios livres, “zonas autônomas”, com a
ocupação de inúmeras áreas, de prédios abandonados a
parques esquecidos, com outras propostas de uso e
ocupação. Não é apenas a cidade filógina que se volta
contra a cidade fálica, mas a cidade dos prazeres, mais
erotizada e alegre, que busca espaço no mundo
higienizado e asséptico do capital. A cidade das artes,
musical e colorida ganha espaço, ao enfrentar a cidade
cinza do trabalho e da racionalidade econômica.
Nesses movimentos, também está em jogo a invenção
ética e libertária da subjetividade, que só se torna possível
a partir de experiências individuais e de formas de
sociabilidade mais inteiras e mais equilibradas, que
possibilitem a expansão dos afetos e desejos. Não se
trata apenas dos “sujeitos de direito” que clamam por
se fazerem ouvir e serem reconhecidos perante o Estado,
mas de novas subjetividades que acenam em busca da
ética e do sentido de suas próprias vidas: da renúncia

‐ 59 ‐
de si e da culpabilização dos desejos, passa-se à afirmação
de existências estetizadas, construindo declarada ou
imperceptivelmente suas artes do viver e suas heterotopias.
Citando Pelbart,

Cabe destampar a imaginação biopolítica para que


a cidade deixe de ser mero Parque Humano, de
controle e seleção, de segregação e domesticação - é
bom que seja também laboratório libertário, catapulta
para formas inauditas de vida (PELBART, 2015a).

Para finalizar, fiquemos com a doçura e


inteligência do poeta Manoel de Barros, em seu
“Retrato do artista quando coisa”:

A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
- eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o

‐ 60 ‐
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

‐ 61 ‐
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro:


Forense Universitária, Salamandra Consultoria Editorial;
Editora da Universidade de São Paulo, 1981

ARIÈS ,Philippe. História da Morte no Ocidente. Rio de


Janeiro: Ediouro, 2003

CHOAY, Françoise. O urbanismo. São Paulo: Perspectiva,


1979

DELEUZE , Gilles. “Post-scriptum sobre as sociedades de


controle”. Conversações, 1972-1990. Trad. Peter Pál
Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1992, pp. 219-226.

____________; GUATTARI , Felix. Mil Platôs. Capitalismo


e Esquizofrenia. Vol. 4. Tradução Suely Rolnik. São Paulo:
Editora 34, 2002.

FOUCAULT, Michel. O corpo utópico. Heterotopias do corpo.


Tradução Salma T. Muchail. São Paulo: n-1 edições, 2014

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Manoel Barros da Motta. Trad. Inês A. D. Barbosa. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2013, pp. 414-424

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Martins Fontes, 2008.

______ As palavras e as coisas. Trad. Salma Tannus


Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1981

______“ O olho do poder”. Microfísica do Poder. Org. e


trad. de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979,
pp. 209-228

______Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. Petrópolis:


Vozes, 1977

MUCHAIL , Salma T. Foucault, Mestre do Cuidado. Textos


sobre A hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Edições Loyola,
2011

PELBART, Peter Pál. “Laboratório Libertário”, 2015ª.Acesso


em 03/07/2015. Disponível em: www.parqueaugusta.cc/
ja/laboratoriolibertario/

______ “Parque Augusta, ou um desejo de rua”. 2015b.


Acesso em 04/07/2015. Disponível em:
laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2015/03/03/
parque-augusta-ou-um-desejo-de-rua-por-peter-pal-
pelbart/

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______O tempo não-reconciliado. Imagens do tempo em
Deleuze. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998

PINHEIRO, Kátia; SOARES , Jorge Coelho. “Cidade do lazer,


expectativa de prazer”. Revista Mal-Estar e Subjetividade.
Vol. 9, n. 3, Fortaleza, 2009. Acesso em 03/07/2015.
Disponível em: pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1518-
61482009000300010&script=sci_arttext

RAGO, Margareth; MOREIRA , Eduardo Fernandes Pestana.


O que é taylorismo? (10.ed). São Paulo: Brasiliense, 1998

______Do Cabaré ao Lar. A utopia da cidade disciplinar


e a resistência anarquista no Brasil, 1890-1930. (4ª.ed.)
Rio de janeiro: Paz e Terra, 2014.

SENNETT, Richard. O declínio do homem público. São Paulo:


Companhia das Letras, 1989

THOMPSON , Edward. P. “Tempo, disciplina e capitalismo


industrial”, Costumes em comum. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998

ZIBECHI , Raúl. The New Brazil. Regional imperialism and


the new democracy. Translated by Ramor Ryan. Edinburg,
Oakland, Baltimore: AK Press, 2014.

‐ 64 ‐
SOBRE A AUTORA

MARGARETH RAGO é formada em História (1970) e


Filosofia (1979) pela Universidade de São Paulo. Possui
mestrado (1980-84), doutorado (1985-1990) e livre-
docência (2000) em História na UNICAMP, tendo
publicado como livros estas pesquisas posteriormente.
Desde 2003, é professora titular MS-6 do Departamento
de História da UNICAMP, onde iniciou em 1985.
Entre 1982-1984, lecionou no Universidade Federal
de Uberlândia. Foi professora visitante nos Estados
Unidos duas vezes: no Connecticut College, entre 1995-
1996 e na Columbia University, entre 2010-2011, pelo
Programa Ruth Cardoso com apoio de Fulbright, Capes
e Fapesp. E realizou seminários na Universidade de
Paris 7 em 2003.
Foi diretora do Arquivo Edgar Leuenroth da
UNICAMP em 2000. Coordena junto com as
professoras Dra. Tânia Navarro Swain e Dra. Marie-
France Dépèche a revista digital feminista internacional
LABRYS. É coeditora da Revista Aulas, da Linha de
Pesquisa Gênero, Subjetividades e Cultura Material do
PPGRH da UNICAMP.
É assessora científica da FAPESP, CAPES e
CNPQ , entre outras agências. Publicou O que é
Taylorismo?, com Eduardo F.P. Moreira(1984); Do
Cabaré ao lar. A utopia da cidade disciplinar. Brasil, 1890-

‐ 65 ‐
1930 (Paz e Terra, 1985); Os Prazeres da Noite. Prostituição
e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930
(Paz e Terra, 1991;2008); Narrar o Passado, Repensar a
História, com Aloísio Gimenez (IFCH/UNICAMP,
2000); Entre a História e a Liberdade: Luce Fabbri e o
anarquismo contemporâneo (UNESP, 2002), traduzido
para o espanhol pela Editorial Nordan, 2003 e para o
italiano em 2008; Imagens de Foucault e Deleuze,
ressonâncias nietzschianas, org. com A. Veiga-Neto e L.
Orlandi (DPA, 2002); Foucault, a História e o Anarquismo
(Achiamé, 2004); Figuras de Foucault, org.com Alfredo
Veiga Neto (Autêntica, 2006); Feminismo e Anarquismo
no Brasil. Audácia de Sonhar (Achiamé, 2007); Mujeres
Libres da Espanha: Documentos da Revolução Espanhola,
com Maria Clara P. Biajoli (Achiamé,2008);
Subjetividades antigas e modernas, com Pedro Paulo
Funari (orgs), em 2008; Foucault: para uma vida não-
fascista, com A.Veiga Neto,(orgs), em 2009; A aventura
de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da
subjetividade (Editora da UNICAMP, 2013); Paisagens
e Tramas: o gênero entre a arte e a história, org. com Ana
Carolina Arruda de Toledo Murgel (Intermeios, 2013).
Coordena a coleção Entregêneros da Editora Intermeios,
São Paulo.

‐ 66 ‐
COLEÇÃO OUTRAS PALAVRAS

Viver a cidade, transformar a vida urbana


ANTONIO RISÉRIO

Inventar outros espaços, criar subjetividades libertárias


MARGARETH RAGO

Conciliação, regressão e cidade


TALES AB’SABER

Carolina Maria de Jesus: literatura e cidade em dissenso


FERNANDA R. MIRANDA

Rizoma temporal
PETER PÁL PELBART

Da metrópole à aldeia: um trajeto de Antropologia Urbana


JOSÉ GUILHERME C. MAGNANI

‐ 67 ‐
Este texto foi produzido para o X Seminário Internacional
realizado pela Escola da Cidade em parceria com o Sesc São
Paulo em março de 2015.

autora MARGARETH RAGO


texto de apresentação JOSÉ GUILHERME PEREIRA LEITE
revisão FELIPE CAMPOS
projeto gráfico e diagramação TRÊS DESIGN
desenhos LÍGIA ZILBERSZTEJN
agradecimentos FERNANDA BARBARA, FRANCISCO
FANUCCI, CESAR SHUNDI IWAMIZU, LÍGIA
ZILBERSZTEJN, VANESSA ZETLER, LAURA BURZYWODA,
MARTHA LEVY, BAÚ/ESCOLA DA CIDADE.

COLEÇÃO OUTRAS PALAVRAS


coordenação JOSÉ GUILHERME PEREIRA LEITE E
FABIO VALENTIM

ASSOCIAÇÃO ESCOLA DA CIDADE


FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

Rua General Jardim, 65 - Vila Buarque
01223-011 São Paulo SP

T +55 11 3258 8108
escoladacidade@escoladacidade.edu.br

‐ 68 ‐
ASSOCIAÇÃO ESCOLA DA CIDADE
presidência ALVARO LUÍS PUNTONI, FERNANDO FELIPPE
VIÉGAS E MARTA MOREIRA

CONSELHO ESCOLA
diretoria CRISTIANE MUNIZ E MAIRA RIOS

CONSELHO CIENTÍFICO
diretoria ANÁLIA M. M. DE C. AMORIM E MARIANNA
BOGHOSIAN AL ASSAL

CONSELHO TÉCNICO
diretoria GUILHERME PAOLIELLO E FELIPE NOTO

CONSELHO HUMANIDADES
diretoria CIRO PIRONDI E RAFIC FARAH

CONSELHO SOCIAL / EDITORA


diretoria ANDERSON FABIANO FREITAS

EDITORA ESCOLA DA CIDADE


coordenação FABIO VALENTIM
MARINA RAGO MOREIRA, THAIS ALBUQUERQUE,
ALEXANDRE BASSANI E RICARDO KALIL

NÚCLEO DE DESIGN
coordenação CELSO LONGO E DANIEL TRENCH
DÉBORA FILIPPINI, BEATRIZ OLIVEIRA E GABRIEL DUTRA

MEIOS DIGITAIS E AUDIOVISUAL


coordenação ALEXANDRE BENOIT
coordenação baú CLARISSA MOHANY
FERNANDA TEIXEIRA, LUISA MARINHO E LÚMINA KIKUCHI

‐ 69 ‐
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

RAGO, Margareth.
Inventar outros espaços, criar subjetividades libertárias /
Margareth Rago – São Paulo: ECidade, 2015.
70 p.; Digital. – (Outras palavras; v.2).

ISBN: 978-65-86368-04-8

1. Subjetividade. 2. Heterotopia. 3. Ocupação. 4. Michel Foucault. I.


Título. II. Série.

CDD 307.1

Catalogação elaborada por Edina R. F. Assis.

fontes Adobe Caslon Pro e Glacial Indifference

Primeira edição impressa em março de 2016.


Edição digital distribuída gratuitamente.
São Paulo, maio de 2020.
COLEÇÃO OUTRAS PALAVRAS

As “outras palavras” [...] são as múltiplas palavras


que sempre tiveram espaço na Escola da Cidade,
desde a sua fundação, preocupada que é esta Escola
com a sólida e ampla formação humanista de seus
estudantes, professores e colaboradores. Noutras
palavras, são também as outras “turas” de que fala
Cortázar, na alta intensidade de seu fraseado dan-
çante, no jogo tramado de seus cacos significativos:
“A nossa verdade possível tem de ser invenção, ou
seja, literatura, pintura, escultura, agricultura,
piscicultura, todas as turas deste mundo. Os valores,
turas, a santidade, uma tura, a sociedade, uma tura,
o amor, pura tura, a beleza, tura das turas”. Juntar
essas pontas é uma utopia? Esperamos que essas
“turas” e leituras multipliquem-se no tempo, nas
mãos e no pensamento de nossos leitores. Por isso,
trazemos a público esses livros, essas reflexões
recolhidas.

‐ 73 ‐
MARGARETH RAGO

As heterotopias referem-se à possibilidade de


reinventarmos e darmos novos sentidos aos
espaços físicos, geográficos, políticos, afetivos
ou subjetivos, que aprendemos a ver de maneira
empobrecida na Modernidade, perdendo sua
multiplicidade. Ao contrário das utopias, que
levam a algum tempo distante no futuro, as
heterotopias dizem respeito ao aqui e agora e à
possibilidade de transformar o mundo exterior
e interior, individual e coletivamente

‐ 74 ‐

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