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ANTIGO E NOVO TESTAMENTOS

D ouxjI as S tu A rt ít Ç o r d o n D. F e e
flp ên d ice
J3. lArefA dA exegese leológicA e
a AíiÁlise reAder response
(resposlA do leiíor)

uatro pressuposições teológicas básicas estavam por trás deste manual quando

Q ele foi escrito mais de duas décadas atrás: (1) que junto com o Antigo
Testamento, o Novo Testamento é escritura sagrada, Palavra de Deus dada a seu
povo para que viva em comunhão dentro da comunidade da fé; (2) que Deus falou
sua palavra por meio de autores e textos humanos; (3) que os textos bíblicos em si
refletem um nível detectável de intencionalidade divina e humana; e (4) que a tarefa
da exegese é entender a intenção divino-humana instalada no texto, não como uma
tentativa de controlar o texto mas de forma que a Palavra possa levar seus leitores
ao verdadeiro objetivo do texto: obediência. Embora muito tenha mudado no panorama
filosófico e metodológico nas últimas duas décadas, mudanças refletidas na segunda
e terceira edições deste manual, essas pressuposições teológicas básicas que
fundamentaram este livro ainda estão valendo. Uma virada recente na erudição,
porém , exige especial atenção porque q u estio n a profundam ente todo o
empreendimento que este manual procura encorajar.
Quando comecei meus estudos quatro décadas atrás, o existencialismo era
a filosofia reinante dos eruditos neotestamentários mais influentes, e a “crítica
(análise) da form a” e a “crítica (análise) da redação” — com seus efeitos
atomizantes sobre os textos bíblicos — eram as metodologias reinantes. Quando
o existencialismo pouco a pouco deu lugar ao pós-modernismo, uma nova série de
estratégias textuais, igualmente atomizantes, eu diria, se firmaram.
Um dos métodos mais recentes é a crítica resposta do leitor. A crítica
resposta do leitor não procura entender o mundo p o r trás do texto (pesquisa
histórica, como este manual defende). Nem procura fazer o levantamento do mundo
literário do texto (i.e., dando detalhada atenção à “arquitetura literária” de um
texto, como este m anual encoraja). Antes, a crítica resposta do leitor está
preocupada com o mundo em frente do texto. Isto é, para os praticantes desse
método o “autor”, “contexto histórico” e a idéia de “intencionalidade” são meras
ilusões. A única interação digna de estudo e reflexão é aquela que ocorre entre
texto e leitor; e, no fim, o leitor (e o leitor somente) é responsável pela produção
de “significado” . Assim, o lugar de honra uma vez reservado para o autor, as
circunstâncias históricas ao redor do texto, e a intencionalidade estabelecida no
texto foi agora cedido ao leitor.
Essa perspectiva somente aponta para um aspecto óbvio: que a interpretação
envolve o intérprete. Mas o que ela também implica, filosoficamente se não sempre
na prática, é que a leitura do texto por qualquer pessoa é tão válida quanto a de
qualquer outro, e de novo em forte oposição à estratégia defendida neste manual,
que não há como arbitrar entre leituras concorrentes. A crítica resposta do
leitor, portanto, mesmo encaixando bem em um a visão de mundo que remonta a
Schleiermacher e Kant, está em tensão absoluta com a revelação bíblica — que
foi o verdadeiro Deus que escolheu se revelar para a criação e para a Israel e a
igreja, e entesourar essa revelação nos textos carinhosamente tratados como a
Bíblia cristã. Tal convicção teológica necessariamente envolve o intérprete na
pesquisa histórica e literária. Os leitores devem procurar entender como Deus se
revelou ao povo então e agora, para que possam captar como Deus fala a Palavra
que é de uma vez por todas.
Como, então, deve o intérprete proceder, especialmente aquele que é guiado
por um compromisso teológico com a revelação? Uma resposta é simplesmente
ignorar aqueles métodos cujas convicções filosóficas estão em direta oposição
com aqueles que têm guiado os intérpretes durante séculos. E muitos têm feito e
escolherão fazer isso, e não sem uma boa quantidade de razão. Algumas coisas,
porém, podem ser aprendidas das várias estratégias atualmente empregadas,
mesmo daquelas cuja prática questiona o que tem sido esboçado neste manual.
Assim como o uso judicioso da análise (crítica) da fonte, da forma, da redação e
da tradição aumentaram nosso entendimento dos textos bíblicos, assim também
um uso prudente e crítico da vasta gama de abordagens críticas aos textos proverá
novas percepções na anatomia e vida dos documentos do Novo Testamento.
Destaco dois exemplos.
1. Alguns praticantes da análise retórica são inflexíveis em suas tentativas
de classificar as partes das cartas de Paulo. Tudo deve se encaixar no esquema
de Aristóteles (ou de Quintiliano). De fato, o ato de interpretação quase termina
na classificação. M esmo suspeitando desse procedimento, a análise retórica
nos lembra que textos em sua forma presente são totalidades e devem ser vistos
holisticamente, e que as epístolas do Novo Testamento são documentos que, em
geral, estão tentando persuadir ou dissuadir (mesmo quando também têm outras
agendas). Portanto, parte do processo exegético é estar consciente dos tipos de
retórica que são empregados no processo de tentar persuadir.
2. O mesmo pode ser dito da apropriação da narratologia para ler muitas
partes do Novo Testamento. Aqueles que estão nos ensinando, quando todo o
restante do nosso trabalho é feito, para ler os evangelhos, Atos e Apocalipse como
totalidades, e especialmente a ler Lucas-Atos como uma história, estão ajudando
na tarefa exegética imensamente. Eu fui tanto influenciado por esses ventos de
mudança que meu mais recente livro para leigos (How to read the Bible Book by
Book [Como ler a Bíblia livro por livro], com Douglas Stuart [Grand Rapids:
Zondervan, Publishing House, 2002]) foi escrito precisamente para ajudar o leitor
não só a ver cada livro bíblico como um todo mas também a ver como cada um se
encaixa na metanarrativa do todo da Escritura.
Mas no fim do dia, uma dependência exclusiva da crítica resposta do
leitor exige um grande pagamento do intérprete. Dizer que os textos bíblicos
funcionam como qualquer outro tipo de literatura é um a coisa, mas começar
com a pressuposição que os textos bíblicos somente operam como qualquer
outro texto deixa de lado algo central para a tarefa da exegese teológica. Se
aqueles de nós que fazem teologia na base das pressuposições teológicas deste
manual estão fechados em um sistema de crença, isso também acontece com o
crítico que pratica a crítica resposta do leitor, trata-se simplesmente de um
conjunto diferente de pressuposições — que começa com um eu questionando e
não com um Deus falando.
Ao mesmo tempo, e mesmo se se admitir que o método em si é inadequado
para a revelação, a metodologia sofre filosoficamente de séria autocontradição,
produzida pelo fato de que os praticantes da crítica resposta do leitor escrevem
livros e artigos. Primeiro, é bastante claro que seus próprios “textos” tanto
pressupõem um autor como têm uma inegável intencionaüdade em si. Em questão
está a contradição inerente a tal empreendimento: que eles escrevem livros
tentando persuadir a outros quanto ao acerto de seu empreendimento, que em
essência não permite que outros autores possam ter semelhante intencionaüdade.
Ou seja, a crítica resposta do leitor praticada com o pura teoria não perm ite a
nenhum texto ter “significado” no sentido assum ido neste m anual; todavia, os
autores desses livros e artigos têm tal visão de “significado” como a própria
razão para seu empreendim ento literário. Além disso, por que deveria tal crítico
escrever artigos ou livros dando a resposta de um leitor (deles mesmos) ao texto
quando os sustentáculos filosóficos do empreendim ento dizem que cada leitor é
um a lei para si mesmo? Assim, finalmente, a regra de ouro poderia bem servir
como um bom ponto de partida para todos os autores: “Faça a outros (e a seus
textos) como você gostaria que outros fizessem a você (e seus textos).”
M inha preocupação última, no entanto, é que se o “significado” está
somente com o leitor, não no texto ou com o (irreconhecível) autor do texto,
então a partir dessa perspectiva a possibilidade de a comunidade cristã ouvir a
Palavra de Deus por meio de seus textos sagrados é totalm ente negada. Mas o
que esse novo criticism o deve fazer para o exegeta (que crê em autores e tenta
levar as Escrituras a sério) é acentuar a realidade que não há tal coisa como
exegese “objetiva” . O exegeta é um leitor, e como tal trazemos tudo do que nós
som os p a ra a le itu ra do tex to , ap lican d o p re ssu p o siç õ e s co n h e cid a s e
desconhecidas de todos os tipos — teológicas, sociológicas e culturais. Mas
antes que deixar essa realidade ser causa de desespero e, portanto, desistir da
tarefa completamente, ela deve nos levar em duas direções: (1) nos fazer trabalhar
muito mais para identificar aquelas pressuposições e assim estar abertos para
mudar de opinião sobre textos regularmente e (2) levar-nos muito mais a assumir
uma postura de hum ildade diante do texto, antes que de opressiva e autoritária
apropriação (domínio?) do texto.
No fim, nossas pressuposições devem tanto nos encorajar — Deus falou e
continua a falar por meio dessas palavras para atrair as pessoas a si mesmo e
edificar seu povo em meio a todos os ventos de mudança — e nos humilhar, por
lembrar-nos de que quando todo o nosso trabalho como exegetas estiver feito, Deus
ainda tem a última palavra e devemos nos curvar diante dele em humilde obediência.
Para mais leitura sobre a crítica resposta do leitor, pode-se consultar o
simpático mas ponderadamente crítico panorama de Kevin J. Vanhoozer em Green,
Hearing, p. 301-28. Um mais profundo e até mais simpático panorama pode ser
achado em:
A d a m , A . K. M. W hatls Postmodem Biblical Criticism? Guides to Biblical
Scholarship (Minneapolis: Fortress Press, 1995).

Duas excelentes introduções à nova crítica literária também incluem seções


sobre a crítica resposta do leitor:
L Tremper. Literary A pproaches to B iblical Criticism .
o n g m a n n iii,

Foundations of C ontem porary Interpretation 3 (G rand Rapids:


Zondervan, Publishing House,, 1987).
P o w e l l , M. A. What Is Narrative Criticism ? Guides to Biblical Scholarship
(Minneapolis: Fortress Press, 1990).

Uma crítica mais abrangente que se move na direção apontada aqui é:


W i l k i n s o n , Loren. “Hermeneutics and the Postmodem Reaction agains
‘Truth’, ” in The A ct o f Bible Reading, ed. Elmer Dyck (Downers
Grove, 111.: InterVarsity Press, 1996), p. 114-47.
IODOS OS SI MIS MUS I VS. R V Í I O R » I 1)1 M MS 1 S I I DANTIS DA BIUI IA que
acreditam já satier o que significa fazer a exegese de um texto bíblico devem
ler esta obra. O trabalho aqui desenvolvido por Stuart e I;ee faz dela uma
ferramenta indispensável para quem deseja fazer uma exegese séria e
responsável do texto sagrado.

() ponto forte desta obra está no método que os autores adotam para a
exegese bíblica, demonstrando passo a passo o que deve ser feito. Esses
passos incluem a análise lexical, histórica, teológica, bem como a análise
crítica do texto e de seu gênero literário. Tudo isso leva o exegeta a fazer um
estudo mais amplo e profundo do texto, deixando de lado aquilo que se
convencionou chamar de “exegese”, ou seja, uma análise costumeira e
muitas vezes superficial do texto bíblico.

Além de ensinar ao leitor a fazer uma exegese passo a passo, os autores


também fornecem uma lista relevante com outras obras de referência e
materiais que o ajudarão a colocar cm prática os passos ensinados.

Ao adotar os passos aqui descritos para fazer a exegese do texto sagrado, é


possível aprender, cm poucos meses, muito mais sobre as passagens
selecionadas do que se aprenderia em anos de exegese superficial. Portanto,
este livro não só ajudará o leitor a fazer uma exegese bíblica mais responsável
e profunda, como também o capacitará a fazer uma crítica de qualquer
exegese superficial, que falhe em tratar o texto bíblico com a atenção e o
cuidado devidos.

Numa época em que a pregação e o ensino da Palavra têm sido tão


empobrecidos, reduzindo-se a textos-chave, lugares comuns e análises
superficiais do texto bíblico, os autores vêm demonstrar e insistir em um
desafio: a possibilidade de se resgatar a verdadeira exegese, uma exegese que
leva em conta a necessidade de se fazer uma análise séria e profunda da
Palavra de Deus.

I'. c n iã o , vam os a p re n d e r passo a passo c o m o fazei u m a v erd ad eira exegese?

VIDA NOVA

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