Você está na página 1de 4

Resumo – Apostila sobre Max Weber (Morrison) 1.

Max Weber: a dominação


jurídica e a dialética racionalização-desencanto ▲ A racionalização do mundo:

• Percebeu algumas das contradições inerentes ao projeto de racionalização do mundo na era


moderna. Guarda certo pessimismo em relação à euforia do seu tempo e é tido como precursor da
autodúvida que marca a pós-modernidade.
• Identificou que o projeto de iluminação poderia trazer novas sobras: a vida humana seria reduzida a
cálculos formais e a uma jaula de racionalidade.
• A racionalização, e não o capitalismo, é a essência da modernidade. Racionalizou-se a política, a
economia, o direito, etc. Era, pois, um fenômeno onipresente. A máquina ganha força diante de um
espírito humano cada vez menos eminente.
▲ Os elementos da racionalização:
• A racionalização domina por meio do controle e registro de informações, sistematização do valor
num esquema coerente e promove uma existência cotidiana metodológica segundo regras.
“Racionalidade é um padrão de coerência lógica, que leva dos meios aos fins...” Um estar no mundo
cada vez menos dionisíaco ou místico.
• Submissão do particular ao universal. Eliminação de formas de agir ou pensar que não fossem
embasadas racionalmente. Despersonalização do controle administrativo pela burocracia: o
particular e o público sistematicamente separados. “Racionalidade formal: compromisso com o
cálculo e a adm técnica.”
• A racionalidade pré-moderna é substantiva, exige-se apenas coerência com o sistema cultural a que
pertence a ideia. É substituída pela formal e pelo exame crítico e absoluto da razão cética. É preciso
calcular, analisar, reduzir.
▲ Estado-nação, legitimidade e ascensão do capitalismo:
• A racionalidade moderna cresce associada a outros dois fenômenos: a fundação do estadonação e o
fortalecimento do capitalismo.
• “Todo Estado se baseia na força”, contudo, nos tempos de Weber, notou-se uma preocupação em
legitimar o monopólio do uso da força. É o Estado a única fonte legítima do direito de recorrer à
violência, de modo que a política seria a disputa para compartilhar parcelas de poder, ou para
influenciar na distribuição desse poder.
• “O estado moderno se baseia num tipo específico de dominação, mas quando e por que os homens
obedecem e em que justificativas internas e meios se fundamenta tal dominação?” ▲ Formas de
dominação legítima:

• O conceito de Herrschaft: Controle imperativo, dominação. Quando legitimado, confere maior


probabilidade de que um comando com dado conteúdo seja obedecido. A mera submissão a um
comando pode se dar por hábito, legitimidade ou interesse.
• “Uma Herrschaft é uma estrutura de superordenação e subordinação, de líderes e liderados,
governantes e governados; baseia-se numa variedade de motivos e meios de imposição.”

• São três os tipos de dominação. A tradicional, na qual existe a crença na santidade ou legitimidade do
status dos que lideram; é a forma mais comum na história, sustentando imperadores, reis e líderes
tribais. Ex.: Nicolau II (Rússia). A carismática, que subsiste no carisma, capacidade de inspirar
admiração, características excepcionais de um indivíduo ou

Document shared on www.docsity.com


Downloaded by: nandomaio (fernandofavoritos@gmail.com)
de seus ideais. Costuma ser a mais instável. Ex.: Mussolini. A jurídico-racional, sustentada na ideia de
racionalidade, na crença da legalidade dos preceitos normativos produzidos e no direito dos que
foram delegados legalmente para comandar.
• A modernidade assiste ao fortalecimento da dominação jurídico-racional, quebrando a hegemonia
observada historicamente das outras duas formas, mais ligadas a elementos místicos, tradicionais ou
religiosos.
• Segundo Weber, para que a dominação racional funcione, alguns fatores devem ser assegurados,
como: 1- Haver código jurídico imposto ou acordado aceito por razões de conveniência ou por valor
de racionalidade; 2- Um sistema abstrato, generalizante e coerente de normas que se aplicam aos
casos particulares; 3- A autoridade é exercida por um funcionário público, com responsabilidades e
poderes definidos e submetido também a letra impessoal da lei; 4- Quem se submete à autoridade
só o faz por ser membro do grupo, devendo obedecer à lei, não à pessoa que ordena; 5- A
obediência é devida à ordem impessoal representada pelo funcionário, e não pela pessoa do
funcionário em si; o poder está na função, não no ocupante dela.
• A boa aplicação da estrutura jurídico-racional numa sociedade deveria resultar numa previsibilidade
e coerência das decisões judiciais, que se assemelhariam a cálculos. “O direito formalista é
previsível”. Contudo, essa aparente coerência e equidade na aplicação da norma formal e calculista é
distorcida por questões econômicas, sendo a norma aplicada desigualmente em função da posição
de poder ou status da pessoa.
▲ O problema da legitimidade na modernidade – a razão de ser da filosofia do direito?
• Todas as organizações sociais precisam ser legitimadas. Sobretudo na modernidade, que reclama
maior racionalidade e mais conhecimento para o mundo. A questão é: como legitimar a absurda
desigualdade entre os homens na era moderna?
• A resposta para tal questão desconsidera as justificativas clichês da “desigualdade natural” e do
“processo histórico contínuo” e chega a uma tese mais realista: a desigualdade provém das
diferentes posições de classe, acesso ao poder e status distintos. Tudo isso se concebe ao passo em
que a razão insurgente subverte e tenta substituir a legitimidade do passado.
• O que demonstra legitimidade de uma ordem é o caráter obrigatório de certas atividades sociais.
Ainda que o costume, a convenção e o uso geral também originem comportamentos regulares, esses
não se confundem com a ordem legítima, porquanto não há obrigatoriedade do comportamento.
Além disso, a ordem deve ser vista pelo ordenado como algo não apenas obrigatório, mas também
exemplar.
▲ A metodologia do entendimento sociológico:
• Constata-se a impossibilidade da obtenção de conhecimento como pretendia Comte (Positivista),
com sujeito apartado do objeto, inerte, sem influências mútuas. A sociologia seria, portanto, um
“entendimento interpretativo da ação social”, com uma explicação causal do curso de ação e
consequências dos fenômenos socialmente verificáveis. O significado de uma ação social nunca será
encontrado em si mesmo, mas através de um processo de interpretação que reservará, por menor
que seja, certo grau de subjetividade. É um mundo de subjetividades interpretando condutas
subjetivas. Para além do subjetivismo particular, é possível analisar a existência de regularidades no
real, que seria a produção da sociologia. O que Weber questiona é: a produção do conhecimento
pode nos conduzir a um mundo melhor?
▲ O desencanto é o destino de uma modernidade comprometida com a liberdade guiada pelo
conhecimento:
• Há uma crença generalizada na modernidade de que o conhecimento iluminaria a existência
humana, tornando-a mais plena e livre de uma racionalidade substantiva opressora, como a que

Document shared on www.docsity.com


Downloaded by: nandomaio (fernandofavoritos@gmail.com)
preponderou durante o medievo. Todavia, não se percebeu que novas sombras foram criadas.
Weber percebe os novos problemas já ao verificar a contradição entre a prosperidade do mundo
fabril para a burguesia e a crescente miséria do operário assalariado.
• “O homem moderno ficaria preso numa jaula cercada por barras de racionalidade”. Porque é
impossível demonstrar qualquer significado substantivo no direito natural; a racionalização do
mundo ia impondo rotinas determinadas por papéis e funções; nossa busca por conhecimento nos
levará a uma espiral de cálculos sobre cálculos, numa armadilha da necessidade racional. A solução
revela-se um novo problema: seremos escravos da racionalidade.
▲ Weber sobre o destino da ideologia do direito natural:
• O direito natural constrói uma sinonímia entre razão e natureza, de modo que “o que deve ser é
igual ao que é”. Porém, pensadores como Hume e Kant, na visão weberiana de modernidade,
estabeleceram critérios de classificação e separação dos tipos de conhecimento, colocando inclusive
a história como narrativa determinista – o “foi” determinará necessariamente o “será”. Weber
discorda, alegando que não se pode extrair uma teleologia do processo histórico. Não se poderia
extrair conhecimento científico também dos juízos de valor humanos. Um valor, diz Weber, não pode
ser cientificamente verificado. Assim, até o direito é uma forma específica de dominação humana.
• Max Weber destaca, neste contexto, que o positivismo jurídico avançou bastante, retirando
credibilidade do direito natural e da sua tentativa de dar certa dignidade metafísica à normatividade
social. O direito, agora positivado, perde seu valor sagrado, sendo então mero objeto de conciliação
de interesses conflitantes. A legalidade, ferramenta do poder moderno, cria doutrinas jurídicas
imbuídas em verdade, dogmáticas. Portanto, o direito cria seu próprio universo de sentido e
necessidade, bastando em si. Esta perda de dignidade metafísica, presente num direito natural cada
vez mais fraco, aliada ao ganho de legalidade e poder, garante à norma maior capacidade de coagir e
de ser obedecida, ao passo que aumenta o ceticismo quanto a sua validade material.
▲ A disciplina moderna e as rotinas da vida cotidiana:
• Diante de um projeto moderno que retira gradualmente o sentido, a finalidade e o sabor da vida; e
considerando o cenário caótico que se aproximava, de rotinas burocráticas e funcionalistas guiadas
pelo papel do homem numa estrutura econômica, o que poderia garantir aos indivíduos uma
existência dotada de sentido? Weber responde que a única felicidade e sentido possíveis numa
existência racionalista moderna seriam encontrados em espaços “irracionais”. Assim, encontraríamos
conforto na arte, no amor, na amizade, enfim, num cultivo de uma vida privada restrita, um espaço
de fuga da racionalização aprisionante.
• O conceito de “disciplinamento” em Weber também demonstra seu desencanto com a modernidade.
O pensador acreditava que o mosteiro e o exército foram a manjedoura da disciplina, que exige
adesão à norma e vigília interna constante, separando alma e carne, ao passo que subordina a paixão
à vontade. A ética protestante transferiu esse espírito disciplinador para a sociedade capitalista,
segundo Weber. Nós estávamos cada vez mais distantes de nossas identidades e mais próximos de
uma sociedade de conformismo.
▲ O paradoxo da modernidade:
• A modernidade propõe uma racionalização holística da vida humana, contudo, a razão moderna não
pode nos conduzir ao sentido da existência, tampouco valorar significativamente as ações do
cotidiano dos homens. Assim, há uma terrível brecha no projeto moderno: ele sufoca o espaço
necessário ao homem de ser deus, criando seu próprio significado e vivendo em seu mundo de
signos, considerado irracional pelas luzes da razão. A busca do verdadeiro conhecimento,
empreendida pelo iluminismo, asfixiou todas as outras formas de fundamentação possíveis. Isso se
torna um problema quando descobrimos que mesmo a razão iluminista tem limites, não podendo

Document shared on www.docsity.com


Downloaded by: nandomaio (fernandofavoritos@gmail.com)
explicar a totalidade. Desse modo, a vida ganha um teor meramente calculista. Uma série de
problemas a serem desvendados, nada além.
▲ O paradoxo do racionalismo:
• Como visto anteriormente, a modernidade assemelha-se a Ícaro. Sonha em voar até o céu, isto é,
conhecer holisticamente a existência, contudo, não percebe a cera que derrete em suas asas.
Morrison retoma aqui uma das crenças centrais dos modernos, a de que uma sociedade plenamente
racional resultaria num reino de paz e justiça. Por mais que o período em questão tenha trazido
avanços, sua megalomania fundava-se num mito: o mito de que poderíamos conhecer tudo. É dito
que Weber é um pensador ambíguo, posto que descreve o fenômeno da racionalização do mundo ao
tempo em que afirma que este processo não adiantará muito, enquanto se apoiar em edifícios
frágeis. Além disso, as previsões de Weber, nos dizeres de Morrison, referiam-se àquilo que só
percebemos após o holocausto nazista e os gulags stalinistas, isto é: “o temor pelo destino da
individualidade numa sociedade dominada pelo cálculo, pelo consumo de massa e pela padronização
generalizada”.
• Porém, Weber também deixou certa ponta de esperança, contida em forças “irracionais”, como o
carisma. A autoridade carismática opõe-se fortemente à jurídico-racional, e, em menor grau, à
burocrática e à tradicional. O carisma não admite estruturas organizacionais, cargos, pilares formais,
nada. É autônomo, limitando a si mesmo. Depende do reconhecimento à pessoa e às ideias do líder
por seus subordinados, sendo, por esta razão, naturalmente instável. O carisma poderia ser um
contrapeso a um mundo cada vez mais burocrático e racional. Weber, em relação a este tema, é
bastante ambíguo, a força carismática é tida como demolidora e imprevisível.
▲ A criação de uma ciência do direito
• O positivismo jurídico, valorizado pela modernidade, domina através da formalização e
racionalização, impondo uma norma criada pela vontade humana, um produto irracional de nossa
subjetividade. Assim, a análise jurídica moderna leva em conta os objetivos e as intenções do agente.
A tendência moderna à formalização do direito revela uma preocupação em criar uma realidade
jurídica inteligível e controlável, a despeito do elemento subjetivo na norma. Também é importante
questionar acerca do destino do direito: sua face meramente técnica, vazia de conteúdo,
predominaria? Não. O direito possui uma certa flexibilidade, que o permite criar sua própria
realidade ou ressignificar realidades antes pertencentes ao direito natural, como percebemos
contemporaneamente.
▲ A abertura da verdade do direito e da criatividade do direito:
• O direito moderno é paradoxal. Em virtude de sua perda de sacralidade e vazio material, pode
abrigar qualquer norma em si. É puramente forma e racionalidade num processo legal. Assim, o
direito moderno torna-se adequado aos movimentos de classificação e representação, demarcação
de limites e avaliação social. A classificação reflete e nomeia entidades do mundo enquanto reflete
uma racionalidade (insurgente), que se impõe a nós. A classificação permite, segundo Morrison, a
igualdade e desigualdade, por inserir e retirar seres de determinada categoria. Ao mesmo tempo, a
formalização pode reduzir, ajustando o processo de abertura social a uma ou poucas qualidades ou
categorias essenciais. Por meio dessas técnicas, o direito constrói sua vida, sua dinâmica e uma nova
“verdade” social.

Document shared on www.docsity.com


Downloaded by: nandomaio (fernandofavoritos@gmail.com)

Você também pode gostar