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br • 10/07/2020

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Uma investigação do Facebook comprova o que uma


reportagem publicada por Crusoé há nove meses
mostrava: o gabinete do presidente da República está
ligado a uma azeitada rede de difamação e fake news
por LUIZ VASSALLO
O Facebook revelou que a usina do ódio montada na campanha opera a poucos metros do gabinete presidencial

A prova
Uma investigação do Facebook comprova o que uma reportagem publicada por Crusoé
há nove meses mostrava: o gabinete do presidente da República está ligado a uma
azeitada rede de difamação e fake news

10/07/2020 00:30

LUIZ VASSALLO

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nove meses, uma reportagem de capa de Crusoé expôs as entranhas de uma


Há azeitada rede virtual composta por militantes de crachá cuja missão era disseminar
fake news e moer reputações daqueles que ousassem se opor ao governo na internet ou
fora dela. A investigação puxava o fio de um novelo capaz de enredar o presidente Jair
Bolsonaro, seus filhos e parlamentares aliados nesse engenho de ódio, que começou a
funcionar ainda na campanha eleitoral de 201 8, mas continuou a operar depois da posse.
É exatamente o que revela agora um relatório do Facebook baseado em um levantamento
produzido pelo Digital Forensic Research Lab, o DRFLab, ligado ao Atlantic Council, grupo
financiado pela rede social do bilionário Mark Zuckerberg e integrado por pesquisadores
especializados em combate à desinformação nas plataformas virtuais.

Ao remover na quarta-feira, 8, uma rede de 88 contas ligadas a integrantes do gabinete


presidencial, aos filhos do presidente e a aliados que promovia a desinformação e articulava
pesados ataques políticos no ambiente virtual, o Facebook confirmou que a teia de perfis
falsos de apoio a Bolsonaro está de pé pelo menos desde o período eleitoral. E concluiu
que, depois que o presidente ascendeu ao Planalto, em vez de reduzir a intensidade dos
ataques aos alvos preferenciais dos bolsonaristas, a rede ganhou "legitimidade
institucional".

"Bolsonaro já havia sido acusado de manter operações de divulgação de informação, mas


esta é a primeira vez que assessores seus estão diretamente ligados a perfis inautênticos",
atesta o relatório. Ao chegarem a essa conclusão, as investigações do Facebook conferem
materialidade ao que Crusoé antecipou com exclusividade em outubro do ano passado: a
existência de uma inequívoca associação do presidente da República com a quintessência
das falanges que o defendem nas redes.

O assessor especial de Bolsonaro identificado pelo Facebook como braço operacional do


gabinete do ódio no Planalto atende pelo nome de Tércio Arnaud Tomaz. Tutelado por
Carlos Bolsonaro, filho 02 do presidente da República e responsável pela estratégia digital
do governo, Arnaud despacha no terceiro andar do Planalto, a poucos metros do gabinete
presidencial. Seus vencimentos somam 1 3,6 mil reais.

Reprodução

prestígio de Tércio: assessor acompanha Bolsonaro em viagens pelo país


Conforme apurou Crusoé, Arnaud, que já trabalhou com Carlos na Câmara de Vereadores
do Rio de Janeiro, onde ganhava 3 mil reais por mês, chegou a ser nomeado no dia 24 de
abril de 2017 para o próprio gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro, onde bateu
ponto até o dia 6 de dezembro daquele ano, segundo registros do Diário Oficial da União.

Em 2018, ele passou a assessorar informalmente o então candidato à Presidência. Seu


cargo atual denota prestígio entre os servidores comissionados do Planalto: é assessor
especial do principal gabinete da República. Tércio ainda acompanha Bolsonaro em viagens
e goza de influência na primeira-família da República.

Ao assessor especial de Bolsonaro, o Facebook atribui a autoria da página "Bolsonaro


Opressor 2.0", que contava com 1 milhão de seguidores até ser derrubada. A investigação
também associou a ele o perfil do Instagram @bolsonaronewsss, uma página anónima que
chegou a ter 492 mil seguidores e realizava, por exemplo, campanhas de desinformação
sobre o uso da cloroquina no tratamento do coronavírus - expediente tão defendido pelo
presidente. Nesse perfil, em especial, as digitais de Arnaud são cristalinas: o e-mail pessoal
dele aparece no código-fonte.

De acordo com o relatório, a maioria das postagens da lavra do assessor especial foi
publicada durante o horário comercial - o que mostra que elas muito provavelmente foram
idealizadas, produzidas e despachadas durante o expediente dele no Planalto. Ou seja, ao
que tudo indica, atos de improbidade administrativa foram cometidos debaixo do nariz de
Bolsonaro. Literalmente na sala ao lado.

O modus operandi da turma capitaneada por Tércio Arnaud Tomaz é conhecido por quem
tem o mínimo de familiaridade com os linchamentos virtuais promovidos nas redes sociais
desde a era petista no poder. A diferença é que, agora, no governo Bolsonaro, a tática de
destruição de reputações ganhou sofisticação, capilaridade e passou a ser, segundo o
Facebook, institucionalizada.
www.crusoe.com.br- 10/10/2019

EXCLUSIVO

REDE
Mensagens de
WhatsApp revelam como
atua a militância virtual
bolsonarista

COMO SÀO COMBINADOS OS ATAQUES


O FINANCIADOR QUE GUIA A TROPA1
O FOGO AMIGO CONTRA MORO. GUEDES E OS GENERAIS
AS ESTRATÉGIAS PARA INTERFERIR NOS RUMOS DO GOVERNO

por FELIPE MOURA BRASIL

Crusoé antecipou o funcionamento da rede, composta por militantes de crachá

Tércio e sua turma usavam as contas nas redes sociais para lançar petardos contra rivais e
difundir narrativas que, invariavelmente, favoreciam Bolsonaro. Para escapar de punições, o
grupo usava contas duplicadas e falsas, criava personagens fictícios fingindo ser jornalistas
e administrava páginas emulando veículos oficiais de mídia. Também se valia de perfis fakes
que postavam em grupos não necessariamente relacionados à política, como se fossem
pessoas comuns a fustigar opositores de Bolsonaro e enaltecer os "feitos" do
presidente. Um dia após a saída do ex-ministro da Justiça Sergio Moro do governo, a conta
@bolsonaronewsss fez questão de espalhar um meme em que exibia o ex-juiz apunhalando
Bolsonaro pelas costas, sob a legenda "o traidor silencioso". A postagem também forçava
uma ligação entre Moro, o STF e a Rede Globo. Ao longo da semana, o Jornal Nacional
também mostrou que uma das contas clandestinas criadas pelos bolsonaristas foi usada até
mesmo para torpedear a estreia de Sergio Moro como colunista de Crusoé.

Se restar caracterizado que Tércio, um servidor pago com dinheiro público, foi mesmo
escalado por Carlos Bolsonaro - com o consentimento do mandatário do país - para destilar
veneno nas redes sociais contra quem quer que se opusesse aos objetivos muitas vezes
nada republicanos do governo, Bolsonaro encalacra-se de vez. Na tarde de quinta-feira, 9,
Carluxo acusou o golpe. Em seu perfil no Twitter, provavelmente já orientado pelos
bombeiros da crise no Palácio do Planalto, disse que, aos poucos, "vai se retirando" e que
pode ter chegado a hora de um novo "movimento pessoal". O vereador acrescentou que
"ninguém é insubstituível". "Totalmente ciente das consequências e variações. Aos poucos
vou me retirando do que sempre explicitamente defendi. Creio que possa ter chegado o
momento de um novo movimento pessoal. Ninguém é insubstituível e jamais seria pedante
de me colocar nesse patamar", postou.
Reza a Constituição que um presidente não pode ser processado por atos estranhos ao
mandato. Ocorre que, a julgar pelas revelações do Facebook, há fartos indícios de que a
usina do ódio que começou na campanha jamais parou de operar, o que joga o problema
para dentro do mandato de Bolsonaro. Na verdade, a investigação do Facebook teve o
condão de acertar dois flancos de Bolsonaro numa tacada só - e é por isso que ela passou a
apavorar o Planalto bem mais do que o diagnóstico positivo do presidente para Covid-19
anunciado na terça-feira, 7.

Ao revelar que um dos expoentes do ódio atua a poucos passos do gabinete presidencial, o
Facebook colocou Bolsonaro mais próximo ainda do inquérito que corre no Supremo
Tribunal Federal e apura as supostas ameaças a integrantes da corte. Ao mostrar que a
engrenagem funciona desde a campanha, acabou por municiar as ações que tramitam no
Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa Bolsonaro-Hamilton Mourão. Os dois casos se
entrelaçam quase que indissoluvelmente e podem compor a tempestade perfeita contra o
governo, pois o STF já compartilha com o TSE dados extraídos do inquérito, sob a batuta de
Alexandre de Moraes, responsável por levantar o sigilo bancário de empresários
bolsonaristas, supostos patrocinadores das fake news.

A corte eleitoral tem se mostrado hostil a Bolsonaro. A ação que representava o menor risco
contra a chapa presidencial e tinha grandes chances de ser arquivada não só foi mantida
pelos ministros como o caminho para aprofundar as investigações foi pavimentado. Elá
outras bem mais sensíveis, que acusam a chapa de abuso de poder económico e uso
indevido de meios de comunicação na campanha. O argumento das representações que
deram origem aos processos segue exatamente a mesma linha da justificativa usada pelo
Facebook para derrubar as contas ligadas a aliados de Bolsonaro.

Adriano Machado/Crusoé

Carluxo anunciou "um novo movimento pessoal": bateu em retirada


Ao todo, o relatório aponta para a participação direta de cinco assessores e ex-servidores de
gabinetes alinhados ao governo. Além de Tércio Arnaud Tomaz, dois assessores do
deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do presidente, também tiveram seus perfis
derrubados. Um deles, Paulo Eduardo Lopes, o Paulo Chuchu, é tido como um "dos
principais operadores" da rede de milícias digitais. Ele é um dos artífices do partido em
gestação Aliança pelo Brasil, em São Bernardo do Campo, e dono de uma página cujos posts
serviam para atacar rivais e a imprensa. Chuchu foi presidente do diretório municipal do
PSL em São Bernardo durante o período em que Eduardo chefiava a legenda na esfera
estadual.

Perfis associados a Eduardo Guimarães, outro assessor do 03, também foram cancelados.
Ele administrava a página "Bolsofeios", usada para insultar jornalistas, o Supremo e
opositores de Bolsonaro. O elo entre Guimarães e o "Bolsofeios" já havia sido mencionado
na CPMI das Fake News, em curso no Congresso. Antes de trabalhar com o filho do
presidente, Guimarães foi assistente de Bolsonaro durante as eleições de 201 8. Ele atua na
Câmara dos Deputados desde 2006, onde ganha 1 5 mil reais por mês.

Os líderes da falange bolsonarista operavam não só a partir de Brasília e São Bernardo do


Campo, como também do Rio de Janeiro. Na capital fluminense, Anderson Moraes, um
destacado aliado dos Bolsonaro, emprega uma servidora apontada como ponta de lança
das milícias digitais: Vanessa Navarro, assessora com salário de 2 mil reais. Ela é namorada
de Leonardo Rodrigues Barros Neto, ex-assessor da deputada estadual Alana Passos, do
PSL. Ambos haviam sido apresentados ao público na reportagem de Crusoé de 1 1 de
outubro de 2019. Eles administram 13 perfis criados para gerar conteúdo bolsonarista.
Leonardo ainda geria a página "Bolsoneas" e "Jogo Político", que produziam memes e
manchetes com informações falsas e ataques ao Supremo.

A investigação que levou à derrubada das páginas bolsonaristas faz parte de uma investida
mais ampla do Facebook, que também alcançou contas no Canadá, Equador, Ucrânia e
Estados Unidos. Entre os figurões que tiveram seus perfis confiscados, está o lobista norte-
americano RobertJ. Stone Jr, amigo do presidente Donald Trump condenado por ameaçar
testemunhas nas investigações sobre a interferência russa nas eleições de 2016 - a rede
social o acusa de ser ligado a contas de um grupo supremacista branco que atuou durante o
pleito.
Os impulsionamentos dessas redes no exterior envolveram cifras milionárias em
publicidade. No Brasil, chamou a atenção o fato de a rede bolsonarista ter angariado 2
milhões de seguidores, número bem mais expressivo do que o registrado nos outros países
investigados, com o investimento de módicos 1,5 mil dólares em anúncios. A rede, no
entanto, frisa que, além dos recursos empregados no impulsionamento, toda a operação
destinada a promover o presidente e achincalhar quem se atrevesse a contestá-lo foi
irrigada com dinheiro público - e é exatamente aí que mora o perigo para Jair Bolsonaro.
Diagnosticado com Covid-19, Bolsonaro retomou a propaganda da cloroquina, remédio sem eficácia comprovada

Um governo doente

A doença de Bolsonaro amplia a exposição dos tropeços do Brasil no combate à


pandemia. Mas o problema vai além: em diferentes áreas, o governo está débil e
encontra dificuldades para reagir

10/07/2020 00:30

BãH ANDRÉ SPIGARIOL

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o início da pandemia, Jair Bolsonaro tentava mostrar-se inexpugnável a um vírus


Desdede natureza devastadora, responsável hoje pela contaminação de 1,7 milhão de
brasileiros e pela morte, até agora, de mais de 70 mil. Movido por um incorrigível espírito
negacionista, como quem declarasse guerra à ciência, o presidente adotou como política o
menosprezo aos efeitos da Covid-19, fazendo ouvidos moucos a regras triviais de prevenção
e pouco caso do distanciamento social. Ao colocar a política acima das questões sanitárias,
estimulou aglomerações desnecessárias e chegou a colocar em risco a saúde da população.
No dia a dia do governo, não apenas desestimulava o uso de máscaras como fazia piadas
homofóbicas com quem as utilizava como forma de prevenção de contágio, observando tão
somente a orientação das autoridades sanitárias.

Na terça-feira, 7, a confirmação do diagnóstico positivo de Bolsonaro para o coronavírus fez


com que o mundo voltasse ainda mais os olhos para o desastre em que se transformou o
combate à epidemia no Brasil. Um integrante do primeiro escalão do governo
experimentou, em pleno Palácio do Planalto, a falta de estrutura e o despreparo para lidar
com um problema que assola o planeta há seis meses. Ao receber a notícia de que o chefe
estava infectado, o ministro, que havia tido contato direto com ele, quis se submeter a um
teste, mas ouviu de auxiliares que, se quisesse um diagnóstico rápido, deveria fazer o
exame "no particular" porque o serviço médico palaciano é demorado e burocrático. O
ministro resolveu fazer o teste por conta própria, tirando dinheiro do próprio bolso.

O conselho para fazer o exame "no particular" poderia soar prosaico em condições normais
de temperatura e pressão, mas ante a eclosão de uma pandemia sem precedentes na
história recente do Brasil e do mundo é sintomático da falta de direção - se nem no núcleo
do governo central é possível confiar no encaminhamento rápido e eficaz de um simples
diagnóstico, não é difícil imaginar a situação das dezenas de milhões de brasileiros
dependentes dos serviços públicos de saúde.

Não bastasse a tentativa de transformar o anúncio de que está com Covid-1 9 num
espetáculo político, com ode a um remédio sem eficácia comprovada, embalado por uma
entrevista presencial em que de novo menosprezou cuidados consigo mesmo e com
terceiros, o presidente nem sequer tem cumprido a receita básica como gestor de um país
abalado por múltiplas crises.

No comando da Saúde, uma área crucial do governo em qualquer circunstância, ainda mais
na atual, Bolsonaro mantém um interino, o general de brigada Eduardo Pazuello, há mais de
dois meses. Dois ministros técnicos saíram por se recusarem a admitir tentativas de
intervenção ideológica e anticientífica. Mesmo assim, o presidente ainda se regozija
publicamente do feito. Hoje, no lugar de especialistas, há quase três dezenas de militares no
Ministério da Saúde prestando continência a uma política negacionista só adotada no Brasil
- até o presidente americano, Donald Trump, que Bolsonaro gosta de emular, já abandonou
ideias carentes de sustentação científica praticadas por aqui, como o uso da cloroquina.
Falta bússola também ao Ministério da Educação, às voltas com uma briga de foice entre as
alas militar, a olavista e a fisiológica, encarnada pelo notório Centrão; a pasta do Meio
Ambiente segue sem rumo ao adotar políticas controversas, tendo à frente um ministro que
pode ser afastado por ordem judicial; e o Itamaraty permanece imerso numa guerra
ideológica, que só contribui para compor o quadro do fosso em que está o país.

Adriano Machado/Crusoé

Presidente muda rotina pessoal, mas não a do governo: áreas seguem à deriva

A interlocutores, Bolsonaro tem dito que na Saúde até aceita tirar Pazuello, um especialista
em logística, mas ainda não encontrou um substituto. "Fora o protocolo da cloroquina, não
me lembro de nenhuma política pública relevante para enfrentar a Covid desde maio",
desabafa uma fonte do corpo técnico do ministério, próxima ao gabinete do ministro. A
avaliação interna é que a pasta demora a responder aos eventos da pandemia e não tem
embasamento para tomar decisões.

Nos bastidores do Ministério da Saúde, disputas internas travam um dos principais projetos
do governo, o "Médicos pelo Brasil", que, se estivesse funcionando, poderia reforçar a
atenção básica para o enfrentamento da pandemia. O projeto tem mais de 700 milhões de
reais à disposição no orçamento, mas não saiu do papel.

No final de junho, Pazuello indicou seu braço direito, Élcio Franco, aquele que costuma
aparecer em entrevistas coletivas ostentando um broche de caveira, e a secretária de
Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, como presidente e vice-
presidente, respectivamente, do conselho da Agência para o Desenvolvimento da Atenção
Primária à Saúde, criada especificamente para gerir a nova versão do "Mais Médicos" de
Bolsonaro. Só que a dupla, tão logo foi nomeada, iniciou uma cruzada para destituir três
servidores de carreira da diretoria executiva do órgão.
Em meio à querela interna, importantes decisões da área técnica do programa ficaram
pendentes. Por exemplo, o impasse fez com que a agência estourasse o prazo legal para ter
seu estatuto aprovado. Também não foi assinado até agora o contrato de gestão com o
ministério, necessário para que o Médicos Pelo Brasil seja colocado para funcionar.

Técnicos temem que a disputa política acabe aparelhando o programa, que nasceu baseado
em metas e experiências de sucesso adotadas no Canadá e no Reino Unido. Fontes ouvidas
por Crusoé relatam que o mérito da proposta é a criação de uma carreira médica sem
extrapolar o orçamento que já era destinado ao Mais Médicos.

Adriano Machado/Crusoé

Pazuello pode ser substituído na Saúde: disputas travam projetos relevantes

A pasta ainda convive com problemas de execução orçamentária. Enquanto o país acumula
mais de 70 mil mortos pela Covid-19, o ministro da Saúde interino está sentado em cima de
723,1 milhões de reais, segundo dados do Ministério da Economia. Até agora, a Saúde já
recebeu 39,3 bilhões em razão da pandemia, mas menos de 30% desses recursos foram
efetivamente desembolsados até o momento.

Quando a política fala mais alto, quem paga a conta é a gestão. Na administração Pazuello,
Mayra Pinheiro assumiu o protagonismo no Ministério ao abraçar sem qualquer pudor as
demandas do bolsonarismo. Presença constante em coletivas de imprensa, ela chegou a
dizer que o órgão atendeu a um "clamor" popular quando editou um protocolo de
tratamento para a Covid-19 baseado na hidroxicloroquina. Nos corredores da pasta, ela é
chamada à boca pequena de "Mayra Cloroquina".
A doença do governo, conhecida como "paralisia decisória" na ciência política, não contagiou
apenas o Planalto e a Saúde. O MEC, sem ministro desde que Abraham Weintraub se
demitiu e fugiu do país, há mais de 20 dias, continua patinando. Governos estaduais
reclamam da falta de políticas públicas destinadas principalmente ao ensino básico durante
a pandemia. Até o parecer do Conselho Nacional de Educação que autorizou a equivalência
entre aulas online e aulas presenciais para cumprimento da carga horária letiva demorou
um mês para ser homologado por Weintraub.

O Comité de Emergência do MEC, criado por Weintraub em março, é visto como pouco útil
por gestores da educação básica. A secretária de Educação Básica, Nona Becskehazy,
recentemente bateu boca pelo WhatsApp com secretários estaduais, que se ressentem da
falta de diálogo com Brasília. Ilona chegou a ser cotada para assumir o comando da
Educação, mas a balbúrdia em que se transformaram os casos de Carlos Alberto Decotelli e
do empresário Renato Feder fez o governo colocar um pé no freio.

A exemplo da Saúde, a Educação está acéfala. Indicação da ala militar, Decotelli ostentava
experiência, títulos e interlocução com o setor. O perfil parecia perfeito, mas se revelou uma
estrepitosa fraude. Sucessor natural, o empresário Renato Feder, duas vezes favorito, antes
e depois de Decotelli, achou mais conveniente pular fora. Antes mesmo de ser anunciado,
ele já havia virado alvo dos olavistas, a quem Bolsonaro ainda costuma dar ouvidos - eles
querem ver no posto um dos seus.

Jorge Oliveira pode emplacar um pastor no Ministério da Educação


Durante a semana, fora da agenda oficial, Bolsonaro sondou para a cadeira deixada para
trás por Weintraub o professor Anderson Ribeiro Correia, reitor do Instituto Tecnológico de
Aeronáutica, o ITA. Nos últimos dias, porém, o nome favorito para chefiar a pasta passou a
ser o de Milton Ribeiro, ex-vice-reitor da Universidade Mackenzie em São Paulo. Ele é pastor
da Igreja Presbiteriana de Santos, no litoral paulista, e foi indicado por Jorge Oliveira,
ministro da Secretaria-Geral da Presidência e um dos mais prestigiados conselheiros de
Bolsonaro. Enquanto permanece sem comando, o MEC até tem assinado cheques para
engrossar o orçamento das escolas durante a pandemia, mas apenas 23,6% dos 822,9
milhões de reais destinados à pasta para financiar suas ações em tempos de pandemia
foram de fato gastos até agora. Em média, os ministérios despenderam cerca de 35% dos
recursos emergenciais que receberam - é pouco, e o número mostra a dificuldade do
governo para fazer a máquina andar.

Em outra frente importante, o Itamaraty segue submerso em suas questiúnculas nada


pragmáticas. Pressionado no cargo, o chanceler Ernesto Araújo respirou aliviado depois dos
tapinhas nas costas que recebeu publicamente de Jair Bolsonaro, no almoço de 4 de julho, a
data da independência americana, na residência do embaixador dos Estados Unidos. Araújo
é alvo de um processo de fritura dentro do governo por alas incomodadas com o "bunker
ideológico" montado no seio do Itamaraty. Aliados do ministro ouvidos por Crusoé, porém,
ponderam que o presidente nutre afeição pelo chanceler e sinalizam que ele é capaz de se
ajustar, se for o caso, ao discurso mais ameno do mandatário em sua nova versão "paz e
amor". Nos corredores do Itamaraty, os rumores em torno de uma possível demissão não
cessaram, mas esfriaram nos últimos dias.

Também sob fogo cerrado, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tenta exibir força
após uma série de questionamentos do setor privado à política ambiental do governo
brasileiro. A sua desastrosa declaração sobre "passar a boiada" na legislação ambiental teve
impacto na imagem do Brasil no exterior. Salles, no entanto, tem recebido apoio ostensivo
do ministro da Secretaria-Geral, general Luiz Eduardo Ramos, articulador político do
governo, um dos representantes da ala militar no Palácio do Planalto.

Para conter os danos, o vice-presidente Hamilton Mourão vem assumindo aos poucos o
comando da pauta ambiental e tenta convencer o público externo, especialmente o
empresariado estrangeiro, da seriedade das medidas de combate ao desmatamento ilegal
na Amazónia. Em paralelo, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, trabalha para
desvincular o agronegócio de exportação da grilagem de terras. Em carta, um grupo de 40
grandes empresas de diversos setores, incluindo o agronegócio e a mineração, instou o
vice-presidente a endurecer as ações contra o desmatamento e cobrou políticas para o
desenvolvimento sustentável.
No curto prazo, no entanto, interlocutores de governos europeus acham pouco provável
que o "banho de loja" da pauta ambiental consiga desbloquear recursos do Fundo
Amazónia, por exemplo. Isso vai depender dos resultados da intervenção de Mourão,
escalado como paramédico de um governo que, nas mais diversas frentes, só faz agravar o
quadro do país, um paciente que há décadas lida com comorbidades graves e que, quando
mais precisava recuperar seus sinais vitais, foi atingido pelo vírus da confusão.
Witzel, Doria e Ibaneis: eles fecharam na hora certa, mas estão reabrindo na hora errada

Sócios no desastre
Para além da lambança no trato das verbas para reduzir os danos da Covid-1 9, os
governos estaduais erram ao ceder à pressão para flexibilizar o isolamento no
momento mais crítico

10/07/2020 00:30

o FABIO LEITE
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cenas de bares lotados no último fim de semana no Leblon talvez desapareçam em


As breve na imprevisível timeline da epidemia brasileira. Mas as aglomerações de pessoas
sem máscaras no auge da crise, flagradas no bairro da zona sul do Rio e em tantos outros
cantos do país, deixarão sequelas difíceis de apagar. Governantes que decretaram logo no
início medidas rígidas de isolamento social para tentar frear o avanço do coronavírus,
amparados por critérios técnicos e científicos, agora ignoram fatos ou retorcem dados para
justificar uma arriscada reabertura das atividades, como o comércio boémio da capital
fluminense. Cederam a pressões de setores económicos e ao temor do impacto da
quarentena prolongada nas eleições deste ano. As consequências disso já são visíveis no
aumento da demanda por leitos hospitalares e na escalada de mortes por Covid-19 em
diferentes regiões do Brasil.

No Distrito Federal, a guinada retórica e prática não teve disfarce. Pioneiro nas ações de
distanciamento social, adotadas em março, o governador Ibaneis Rocha, do MDB, admitiu
que iniciou a flexibilização da quarentena porque "as pessoas já não aguentam mais" ficar
em casa. "É muito melhor fazer uma abertura coordenada, fiscalizada, com exigências, do
que você viver na ilusão de que vai conseguir trancafiar as pessoas dentro de casa por todo
esse período", disse o emedebista no mês passado. No início de abril, quando o comércio de
Brasília estava fechado, Ibaneis defendia o confinamento como forma de conter a
transmissão da doença e poupar vidas. A expectativa dele era que a curva de contágio
atingisse seu pico no fim daquele mês. Estava enganado. O recorde de mortes no DF se deu
na última terça-feira, 7, justamente o dia da reabertura de academias, restaurantes e salões
de beleza. Em 24 horas, foram registrados 41 óbitos. Após ser contestado na Justiça, o
governador revogou o decreto no dia seguinte e adiou o plano de retomar as aulas nas
escolas em agosto.

Recuos semelhantes também ocorreram no Sul e no Sudeste. Em Porto Alegre, por


exemplo, a prefeitura determinou o fechamento do comércio e da indústria no fim de junho
após o aumento no número de casos e de óbitos pela doença. Já são mais de 800 mortes
em todo o território gaúcho, que parecia ter a situação sob controle. As restrições voltaram
ao patamar de março. Por lá, o relaxamento também havia ocorrido devido ao "cansaço" do
confinamento, sem nenhum respaldo científico, antes mesmo do pico histórico de
internações por doenças respiratórias, que costuma ocorrer na 27a semana epidemiológica,
ou seja, entre 28 de junho e 4 de julho. "Como o isolamento aconteceu muito cedo, agora o
estado enfrenta uma situação de cansaço. A população, as empresas, já não aceitam mais a
paralisação. Agora, o risco é faltar leito de UTI no Rio Grande do Sul nas próximas semanas",
avalia João Gabbardo, que foi secretário-executivo do Ministério da Saúde na gestão do ex-
ministro Luiz Henrique Mandetta.
Demitido do governo Bolsonaro após a queda de Mandetta, Gabbardo assumiu um cargo
no comité de crise do governo do tucanojoão Doria, em São Paulo, no dia do anúncio do
plano de reabertura do estado, em maio. A iniciativa é criticada por especialistas, por ser
considerada prematura e pela fragilidade dos critérios utilizados. No dia 1o de junho, 15 das
18 regiões paulistas, incluindo a capital, puderam liberar o retorno de algumas atividades,
como escritórios e shoppings, ainda que com algumas normas de restrição. O resultado foi
um aumento do número de contaminações, principalmente no interior, que já responde por
70% dos novos casos. Hoje, metade das regiões está na zona vermelha, de alerta máximo,
com liberação apenas das atividades essenciais. Segundo Gabbardo, esse efeito já era
esperado porque a epidemia chegou mais tarde ao interior e não representa risco porque a
capacidade do sistema de saúde é compatível à demanda na atual evolução da doença no
estado.

RicardoJayme/Agif/Folhapress

Movimento em feira tradicional de Brasília: depois do libera-geral, o governo local teve que recuar

Desaceleração do número de casos, achatamento da curva e platô. Todas essas expressões


têm sido repetidas como mantra nas últimas semanas pelas autoridades que estão
empenhadas em flexibilizar a quarentena. Mas para os pesquisadores nenhum dos
principais centros urbanos do país atingiu o conjunto de critérios recomendados pela
Organização Mundial da Saúde antes do início da reabertura. O principal deles é a redução
sustentada, por ao menos três semanas, do número de infecções, internações e mortes. "No
Brasil, todas as medidas de relaxamento foram tomadas sem cumprir as recomendações.
Em vez de seguirmos exemplos como o da Alemanha, preferimos copiar a índia, os Estados
Unidos e o Chile. A consequência disso foi a interiorização da epidemia nos estados", afirma
o professor Domingos Alves, do Laboratório de Inteligência em Saúde da Faculdade de
Medicina da USP.
A redução permanente do número de casos estava na primeira versão do plano de
reabertura de São Paulo, apresentado em março, mas foi retirada por pressão de
empresários e, principalmente, de prefeitos que buscam a reeleição no fim do ano, como o
tucano Bruno Covas. Aliados de Doria dizem que foi o prefeito da capital quem pressionou o
governador a acelerar o processo de flexibilização, com receio de que a exploração política
da crise económica desencadeada pela quarentena afetasse seu desempenho nas urnas.
"Com o Bolsonaro atacando o isolamento de um lado e o prefeito pressionando pela
abertura de outro, Doria ficou com o receio de amargar sozinho o ónus de quem defende
fechar tudo. Por isso, virou esse atropelo", disse um correligionário do governador. Doria já
autorizou o retorno dos jogos do Campeonato Paulista de futebol, sem torcida, para o fim
deste mês. Na capital, os parques serão reabertos semana que vem.

A falta de coordenação central no processo de retomada das atividades nos estados foi
criticada nesta semana pelo ex-ministro Nelson Teich em artigo e entrevistas. Segundo ele,
as ações têm sido adotadas de forma "confusa" e "intempestiva" e "baseadas em uma
estratégia de tentativa e erro, que é ineficiente e não gera aprendizado". A responsabilidade
é do presidente Jair Bolsonaro, que testou positivo para a Covid-19, mas também dos
governadores, que não se articulam entre si.

Pesquisadores já alertam que a disseminação da Covid-19 pelo interior dos estados,


provocada pela abertura das regiões metropolitanas, pode resultar no chamado "efeito
bumerangue", que seria um aumento do fluxo de pacientes em estado grave para se tratar
nas capitais, por falta de estrutura hospitalar nos rincões. Coordenador do comité científico
do Consórcio do Nordeste, o neurocientista Miguel Nicolelis destacou que esse já é um risco
real em todas as capitais nordestinas, principalmente em João Pessoa, Maceió, Salvador e
São Luís, e que o problema deve se reproduzir pelo resto do país. Em São Paulo, por
exemplo, pacientes de Campinas deverão ser transferidos para um hospital de campanha
da capital por falta de leitos exclusivos para Covid-19 na região do interior paulista.
Reprodução/TV Globo

Aglomeração em bar no Leblon, no Rio: como se não houvesse amanhã

Quando a pandemia aportou no Brasil, em fevereiro, o mundo ainda estava tentando


decifrar o comportamento do coronavírus e traçar a melhor forma de contê-lo e o jeito mais
eficaz de retomar a vida normal com segurança. Hoje, há um universo de dados atualizados
praticamente em tempo real, com uma série de exemplos que deram certo e errado.
Membro do Observatório Covid-19 BR, formado por um grupo de pesquisadores de
diferentes áreas que monitoram a evolução da doença no país, a bióloga Tatiana Portella
chama atenção para o fato de que nenhum governante brasileiro está considerando um
critério mundialmente utilizado para decidir pela reabertura das atividades. Trata-se do
número efetivo de reprodução, o RO, que mede o potencial de transmissão do vírus. Se esse
índice é maior do que 1, isso significa que um infectado contagia mais do que uma pessoa e,
obviamente, que o número de casos ainda vai aumentar. "Nós ainda não tivemos nenhuma
grande cidade afetada com esse número abaixo de 1 por tempo prolongado. Isso mostra
que as decisões de abertura têm sido mais políticas, por questões económicas, do que com
base na ciência", afirma.

Segundo um modelo matemático de previsão de casos e mortes desenvolvido por um


grupo de professores da PUC-Rio, apenas quatro estados têm, neste momento, uma taxa de
reprodução abaixo de 1 . A previsão é que o número total de mortes por Covid-1 9 no país
chegue a 83,5 mil no dia 21 de julho. As curvas projetadas são altas tanto para São Paulo
quanto para o Rio, os dois estados mais populosos do país.
Para que a vida pudesse voltar ao normal de forma segura, seria preciso que já houvesse
uma vacina disponível contra a Covid-19, o que só deve ocorrer no primeiro semestre do
ano que vem. Mais do que as contratações de leitos emergenciais e de equipamentos como
respiradores, muitas das quais envolvidas em suspeitas de desvio de dinheiro, como
mostrou Crusoé em diferentes reportagens, o país precisa investir em um amplo programa
de testagem e um rigoroso plano de rastreamento das pessoas que tiveram algum contato
com infectado, como fizeram os países que viraram referência na Europa e na Ásia.

"Como estamos sob pressão económica, vão encontrar qualquer desculpa, algum viés nos
dados, para liberar a reabertura. As consequências daquelas cenas que vimos nas ruas do
Rio de Janeiro no último fim de semana, nós vamos ver daqui a dez dias nas estatísticas.
Aquilo é impensável, é um genocídio", afirma o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-
presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. As agressões
testemunhadas contra os fiscais da pandemia no Rio demonstram que não dá para confiar
no bom senso das pessoas. A falta dele, seja nas ruas, seja em gabinetes, é uma epidemia
para a qual nunca haverá vacina, ao que parece.
Diniz, ao ser preso em fevereiro de 2018: ele ainda não diz tudo, mas já assusta muita gente

Acordo selado
Orlando Diniz, o ex-todo-poderoso da Fecomércio do Rio que despejou milhões de reais
em bancas de advocacia, finalmente vira delator e turbina investigações com potencial
para chegar em figurões do Judiciário

10/07/2020 00:30

FABIO SERAPIAO

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que foi preso em fevereiro de 201 8, em um dos desdobramentos da Lava Jato no


Desde Rio de Janeiro, o ex-presidente da Fecomércio Orlando Diniz tira o sono de gente
importante em lustradas bancas de advocacia. O motivo: para tentar se manter no
comando da entidade no curso de uma disputa de poder com a Confederação Nacional do
Comércio, a CNC, Diniz torrou mais de 180 milhões de reais com renomados advogados.
Agora, o pesadelo virou realidade. Diniz fechou um acordo de colaboração premiada com o
Ministério Público Federal para explicar o motivo dos pagamentos.
Crusoé confirmou a informação sobre o acordo com fontes ligadas às investigações. As
negociações se deram na primeira instância. O ex-todo-poderoso da Fecomércio fluminense
entre os anos 2000 e 2018 tentava um acordo desde sua prisão. Primeiro, quando era
representado pelo advogado paulista Roberto Podval, o esforço se mostrou inútil. As
tratativas não avançaram porque as revelações que ele topava fazer foram consideradas
superficiais. Além disso, Diniz se negava a entregar seus bens.

Agora, sob a tutela da advogada Juliana Bierrenbach, do mesmo escritório que defende
Flávio Bolsonaro no Caso Queiroz, as negociações avançaram, os capítulos da proposta de
delação foram reforçados com mais informações e o acordo foi finalmente fechado. No
material entregue ao MPF, Diniz fala, por exemplo, sobre os pagamentos para escritórios
como o de Roberto Teixeira, compadre do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que
recebeu mais de 68 milhões de reais para a Fecomércio. O escritório de Teixeira e da
advogada carioca Ana Basílio, que recebeu cerca de 13 milhões da Fecomércio, eram os
responsáveis pelo esforço junto ao Judiciário para manter Diniz no comando da entidade
durante o embate com a CNC.

Lucas Tavares/ZimeIPress/Folhapress

Entrevista coletiva da LavaJato do Rio: em breve, novos alvos


Os pagamentos da Fecomércio na gestão Diniz também abasteceram as contas de bancas
de pessoas próximas a ministros de cortes superiores. O escritório de Eduardo Martins,
filho do ministro do ST) e atual corregedor nacional dejustiça, Humberto Martins, recebeu
cerca de 25 milhões de reais. Como já mostrou Crusoé, outro delator, o ex-governador
Sérgio Cabral, afirma que os repasses foram feitos para que Diniz conseguisse uma decisão
favorável no STJ. A mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, também integrava o rol de
advogados com contratos milionários com a federação - ela recebeu cerca de 20 milhões de
reais e é citada no acordo fechado por Orlando Diniz com o MPF.

A delação vai impulsionar investigações já em andamento na Lava Jato do Rio. O avanço da


frente que mira repasses de dinheiro para escritórios de advocacia tem em Diniz o ponto
alto, mas vem se desdobrando desde o acordo de Lelis Teixeira, ex-presidente da
Fetranspor, o poderoso sindicato dos empresários de ônibus do Rio dojaneiro. Como
também mostrou Crusoé, Lelis Teixeira detalhou como bancas foram contratadas para
defender, por meios não muito republicanos, os interesses de empresários comojacob
Barata Filho.

Os procuradores da Lava Jato do Rio seguem há tempos o caminho do dinheiro da


Fecomércio que abasteceu os escritórios. Desde a operação Jabuti, que prendeu Orlando
Diniz há quase dois anos e meio, os investigadores se debruçam sobre as contratações e os
personagens envolvidos para entender o motivo dos gastos milionários. Além de os valores
serem muito superiores à média praticada no mercado, eles encontraram indícios de que os
serviços não foram prestados. Procurado, Orlando Diniz não foi localizado. Juliana
Bierrenbach, a advogada dele, negou as informações sobre a delação. Crusoé, porém, sabe
que o acordo está fechado - para a infelicidade das bancas envolvidas na trama.
Vossa Excelência,

E com muito prazer que compartilhamos com o Senhor uma tremenda oportunidade de
Financiamento de Projetos totalmente Livre de Débitos, por meio de TRANSFERÊNCIA
DIRETA DE DINHEIRO AUTORIZADO (DTCC, na sigla em inglês, também conhecida
como DTC). A fonte é dos chamados "fundos de herança" que estão sendo AUTORIZADOS
pela Reserva Federal dos EUA em NY. Uma quantia de US$ 500 bilhões está disponível
para ser compartilhada por seu governo e um Consórcio de Fundações Internacionais,
liderado por uma fundação europeia localizada nos Países Baixos: a Fundação CFH.
A /mira rr\rwi\r iin cAlirífsHa Ho coi ÿ rsnlc ó tor n rarvanHiHn o KaKiliHaHo Ho nrAroccar

Golpe no Planalto
Prometendo meio trilhão de dólares para o Brasil, um conhecido golpe da internet fez o
gabinete presidencial mobilizar tempo e energia de técnicos para concluir o óbvio: a
história não passava de uma fraude

10/07/2020 00:30

ANDRÉ SPIGARIOL

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é segredo para ninguém que a pandemia abriu um rombo nos cofres públicos. Em
Não meio à crise, o Ministério da Economia teve de envidar esforços para analisar o que
seria uma doação generosa de fundos ao governo brasileiro: 500 bilhões de dólares. A
oferta chegou por meio de várias cartas enviadas para o presidente Jair Bolsonaro. A
história estava toda contada lá. O dinheiro, em poder de fundações internacionais, teria
origem em polpudas heranças esquecidas nos Estados Unidos. O gabinete do presidente
não só acreditou como mandou que técnicos do governo avaliassem a proposta.
Propostas mirabolantes como essa são conhecidas de quase todos que têm uma caixa de e-
mail. Elas chegam de várias partes do mundo e variam de personagens, mas o enredo de
fundo é quase sempre o mesmo: supostos príncipes africanos, xeiques, filhos de
multimilionários e altos executivos de grandes empresas se apresentam oferecendo
verdadeiras fortunas ao destinatário. Alguns dos generosos "doadores" exigem
contrapartidas. Para outros, basta que o destinatário responda dizendo que topa a
empreitada. O dinheiro, por óbvio, jamais vai aparecer na conta dos interessados - tudo não
passa de uma fraude.

No caso da oferta feita ao governo brasileiro, porém, o gabinete pessoal de Jair Bolsonaro
levou a ideia a sério. Mandou que as cartas, em inglês, fossem traduzidas para o português
e as remeteu para a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Uma das cartas, sob o
timbre de uma certa Arcode Europa, dizia que o dinheiro poderia ser usado "para financiar
grandes projetos de capital como infraestrutura rodoviária e ferroviária, coleta e tratamento
de resíduos, produção de eletricidade, construção de hospitais modernos e equipados,
construção de habitações, construção de prédios administrativos, turismo etc". Outras
correspondências, todas integrantes de um mesmo pacote e enviadas por um mesmo
intermediário, aparecem assinadas por representantes de uma tal Chardet Foundation.

Isac Nóbrega/PR

Bolsonaro e Braga Netto, chefe da Casa Civil, receberam as correspondências


Para efetivar a transação, bastaria que o governo brasileiro desse uma tal "garantia
soberana" como contrapartida para a liberação da bolada e topasse bancar uma viagem dos
dirigentes da fundação ao Brasil, para assinar o contrato - com tudo pago, claro, desde os
bilhetes aéreos até um "carro com motorista" e "hotel 4 ou 5 estrelas". A obscura fundação
tem sede no Reino Unido. Ao governo britânico, seu presidente, que se identifica como
Patrick Meyer, declara desde 201 1 que a empresa teria ativos de 1 0 milhões de libras.

Um dos documentos submetidos ao governo detalha o mecanismo a ser adotado para a


remessa do dinheiro ao Brasil. Uma vez expedida a "carta de garantia", a ser depositada no
Banco Central, o banco do operador financeiro dos tais "fundos de herança" seria
comunicado e, então, liberaria a fortuna. O intermediário das propostas é um brasileiro de
nome Alexandre Pereira. Foi ele quem enviou as cartas para o Planalto, apresentando-se
como representante dos investidores estrangeiros. À diferença de muitas correspondências
que aportam diariamente no Planalto, as de Pereira mereceram atenção. Após enviar as
cartas, ele escreveu novamente pedindo pressa na análise da oferta, sob pena de os fundos
serem direcionados para o México.

Do meio trilhão de dólares que o Brasil receberia, uma parcela teria que voltar para uma
das fundações envolvidas e outra caberia ao intermediário. Por mensagem, Pereira disse o
seguinte a Crusoé: "É uma grande oportunidade que o Brasil está recebendo! Estou
buscando captação para um novo tempo para o Brasil". "Não tem taxas, nem pagamentos, é
sem dívidas; como um fundo perdido. Não tem custos!", prosseguiu.

Adriano Machado/Crusoé

Acionada pelo Planalto, a equipe de Guedes teve que levar o assunto a sério
A primeira carta chegou ao Planalto no dia 3 de junho e foi logo encaminhada pelo gabinete
pessoal do presidente da República para o ministério de Paulo Guedes. Entre idas e vindas,
o papelório circulou entre o Planalto e a Economia por um mês inteiro. A equipe económica,
depois de análises feitas por diferentes funcionários, teve que preparar uma "nota técnica"
para concluir o óbvio: não valia a pena embarcar na empreitada porque nada ali parecia
crível.

"A alegação é feita por empresa desconhecida desta secretaria, em linguagem incompatível
com a prática de negócios do setor, sem vinculação a instituição financeira de porte ou
especificação de fontes críveis de recursos, e sem intermediação ou validação por qualquer
entidade com conhecimento e experiência em projetos no Brasil", diz um dos documentos
anexados ao processo, assinado por Breno Zaban, diretor de Controle e Normas da
Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura.

No expediente que pôs fim ao caso, Vitor Lima de Magalhães, especialista da Coordenação-
Geral de Financiamentos Externos do Ministério da Economia, talvez por saber que estava a
fazer uma análise a partir de documentos enviados pelo Planalto, ainda fez um esforço para
não tratar a proposta como coisa de lunáticos ou golpistas: "Tendo em vista as informações
disponíveis é importante verificar as propostas oferecidas e indagar se tais propostas
oferecem retornos desproporcionais aos riscos envolvidos, mecanismos de compliance e
observância das práticas comumente adotadas, conforme advertência emanada por
instituições fiscalizadoras".

No documento, Magalhães cita um alerta do FBI, a polícia federal americana, apontando


fraudes digitais em ofertas de grandes somas de dinheiro por meio de cartas de crédito. Na
sequência, ele propôs ao ministério que desse a história por encerrada. Alexandre Pereira, o
intermediário, não perdeu a esperança: ele diz que ainda espera uma resposta dejair
Bolsonaro.
Fabián Gutiérrez, que foi assassinado em Santa Cruz: de secretário de Cristina a milionário com 36 propriedades

Mais um corpo
O assassinato do ex-secretário pessoal de Cristina Kirchner inaugura mais uma
rumorosa disputa de narrativas e revela uma afoita caça ao tesouro da corrupção
argentina

10/07/2020 02:26

ÍDUDA TEIXEIRA

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corpo do promotor argentino Alberto Nisman, de 51 anos, foi encontrado estendido


O no banheiro de seu apartamento no bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires, em
janeiro de 2015. Ele estava em uma poça de sangue e com uma pistola ao lado. Em menos
de doze horas, Cristina Kirchner, então presidente, insinuou que se tratava de um suicídio.
Autópsias feitas posteriormente revelaram que o tiro foi dado na nuca e que Nisman estava
ajoelhado, o que dificilmente se encaixaria na tese de suicídio. A desconfiança em relação a
Cristina foi inevitável. No dia seguinte, Nisman iria apresentar uma denúncia contra a
presidente no Congresso. Cinco anos depois, o caso continua sem solução.
Na última semana, outro crime deflagrou uma guerra de narrativas na Argentina e gerou
suspeitas sobre a agora vice-presidente do país. No sábado, 4, a polícia encontrou o corpo
de Fabián Gutiérrez, um ex-secretário de Cristina, na cidade de El Calafate, província de
Santa Cruz, na Patagônia argentina. Ele estava parcialmente coberto por terra. A autópsia
revelou que Gutiérrez sofreu cortes no pescoço, golpes na cabeça e morreu asfixiado por
enforcamento. Ele trabalhou como secretário pessoal e motorista de Cristina quando ela foi
primeira-dama e, depois, presidente. Depois de ser preso em 2017, por lavagem de
dinheiro, virou delator na causa que investiga o envio de sacolas cheias de dinheiro para
cofres do casal Néstor e Cristina Kirchner na Patagônia.

No dia em que o corpo foi encontrado, deputados opositores publicaram um comunicado


dizendo que se tratava de um crime "da maior gravidade institucional". Também solicitaram
que familiares da vice-presidente fossem afastados do processo. Cristina é tia da promotora
do caso, Natalia Mercado. O presidente Alberto Fernández retrucou as acusações da
oposição, dizendo que envolver Cristina na morte era uma canalhice. O advogado da mãe
de Gutiérrez disse prontamente que a morte nada tinha a ver com a vice-presidente.

Reprodução/redes sociais

Cristina Kirchner: a promotora do caso é sobrinha da vice-presidente


Como delator, em 2018, Gutiérrez afirmou que ele e os secretários apelidaram a chefe de
"louca" e "égua", porque "ninguém queria trabalhar com ela". Disse ainda que alguns
funcionários acompanhavam o casal presidencial em voos frequentes para a Patagônia,
carregando sacolas, algumas com cadeado. Ao chegar às casas dos Kirchner, em El Calafate
e Rio Gallegos, os assistentes tinham de se afastar do imóvel por uma hora. "Em El Calafate,
existia um lugar descendo a escada onde havia uma porta branca fechada. Sempre
dizíamos que ali era onde eles guardavam as sacolas. Era o único lugar da casa a que eu não
tinha acesso", contou. Na casa de Rio Gallegos, segundo ele, o procedimento se repetia.

Histórias como essa, de sacolas de dinheiro voando para a província de Santa Cruz,
despertaram a cobiça de criminosos locais nos últimos anos. Esses caçadores de tesouro
passaram a sonhar não apenas com a fortuna escondida dos Kirchner, como também dos
empreiteiros e secretários próximos à Casa Rosada. Em 2016, Roberto Néstor, também ex-
secretário de Cristina, foi sequestrado por criminosos que pediam o dinheiro da corrupção,
que estaria guardado em um galpão. Três dias depois, outro ex-secretário de Cristina,
Daniel Álvarez, teve a casa de seus pais assaltada por três ladrões armados.

As propriedades do empreiteiro Lázaro Báez, acusado de ter lavado 60 milhões de dólares,


são as que mais mexem com a imaginação dos ladrões. Em agosto de 2016, quatro homens
entraram em um sítio do milionári ligado a Cristina. Deram várias marretadas nas paredes.
A incursão restou infrutífera. Em um prédio da Austral Construções, de Báez, os ladrões
chegaram com uma clava gigante e abriram um buraco entre os tijolos.

Reprodução

Facundo Zaeta, um dos quatro criminosos: a vítima foi torturada


Com o avanço da investigação, a hipótese de que o assassinato teve motivo económico, e
não político, tem avançado. Em primeiro lugar, Gutiérrez já tinha contado na Justiça tudo o
que sabia, ao contrário de Nisman, que ainda tinha uma denúncia por fazer. "O assassinato
de Gutiérrez não muda em nada o processo sobre corrupção na Justiça", diz o cientista
político argentino Guillermo Rodriguez.

O amadorismo dos criminosos, todos entre 19 e 23 anos, também afasta a possibilidade de


que eles sejam mercenários pagos para realizar o serviço. Quatro jovens foram detidos na
operação policial. Um deles morava na casa em que o corpo foi encontrado e confessou o
crime. Foram encontrados com eles uma televisão, um aparelho de som e outros objetos
roubados da casa de Gutiérrez. Os advogados dos detidos afirmam que eles não foram
movidos pela política, e sim pela intenção de praticar roubo.

O fato de o ex-secretário de Cristina ter sido torturado, contudo, pode indicar que os
criminosos estavam em busca de algo mais. Facundo e Agustin Zaeta, dois irmãos que
participaram do crime, são netos de um escrivão que realizou operações imobiliárias para
os Kirchner. "Mesmo que o crime não tenha uma motivação política, é claro que não se
pode tirar a política da história. Gutiérrez não teria se tornado milionário se não tivesse sido
funcionário dos Kirchner", diz o advogado argentino Luis Maria Palma, presidente da
Associação Internacional para a Administração de Tribunais. Na causa em que foi acusado
de lavagem de dinheiro, Gutiérrez teve 900 milhões de pesos embargados, o equivalente a
67 milhões de reais. AJustiça identificou que ele tinha 36 propriedades, 35 carros de luxo e
três embarcações.
"A partir de certo momento, toda a polícia do Rio já sabia que o Adriano (da Nóbrega) era uma laranja podre"

Interferência perigosa
O ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel, que inspirou o personagem principal de Tropa
de Elite, explica o risco que as milícias representam para a política -- e conta o que sabe
sobre Adriano da Nóbrega

10/07/2020 00:30

ÿ LUIZ VASSALLO

ÿ OUVIR NOTÍCIA

ex-capitão Rodrigo Pimentel ganhou fama a partir de um personagem inspirado em


O sua rotina no Bope, as forças especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Coautor do
livro Elite da Tropa, que inspirou a sequência de filmes Tropa de Elite, Pimentel serviu de
espelho para o Capitão Nascimento, o militar durão e incorruptível que entrava em favelas
para combater o crime.
Os filmes expuseram o domínio do tráfico nos bolsões de pobreza da capital fluminense e
jogaram luz sobre as milícias, um fenómeno até então pouco conhecido pela maioria dos
brasileiros. Um deles tratou, especificamente, das conexões entre milicianos e o mundo da
política - algo que a realidade cuidou de expor em cores fortes, tempos depois.

Aos 49 anos, Pimentel segue acompanhando de perto a cena do crime organizado no Rio,
seja como consultor de segurança, seja como roteirista de novas produções, como
Intervenção, filme que estreia em setembro e mostra o fracasso das Unidades de Polícia
Pacificadora, as UPPs, o projeto dos sonhos do enrolado Sérgio Cabral. Nesta entrevista a
Crusoé, o ex-capitão traça um panorama dos novos negócios das facções cariocas, explica
como elas têm tentado se infiltrar nas instituições e fala de sua relação com Adriano da
Nóbrega, seu ex-companheiro de farda que virou chefe de milícia e foi morto em fevereiro,
em confronto com a polícia na Bahia. Eis os principais trechos da conversa:

O sr. acaba de concluir um filme que gira em torno de um batalhão de Unidade de Polícia
Pacificadora. Por que essa política fracassou?
Num primeiro momento, isso parecia muito legal, e eu comprei a ideia. Confesso que virei
um entusiasta até ingénuo das UPPs. Em um segundo momento, percebi que o projeto não
era sustentável. O comandante da PM disse que não tinha mais condição de abrir nenhuma
UPP, não tinha mais efetivo na corporação, ela havia contratado 10 mil homens só para esse
projeto. E o governador ( Sérgio Cabral) queria que abrissem mais UPPs. Já era uma
enganação. Não tinha mais efetivo, não tinha mais recursos humanos, não tinha mais
viatura, não havia mais pagamento nem armamento, mas o governador precisava continuar
inaugurando mais unidades porque a eleição estava próxima. Em algum momento, o
governo começou a priorizar as UPPs em relação ao policiamento normal nas ruas, a
radiopatrulha. O carioca começou a ver as ruas sem policiais. Houve, assim, uma redução
do número de enfrentamento nas favelas, mas um aumento absurdo do número de roubos
de rua. A cidade ficou totalmente desequilibrada. Em um terceiro momento, o Comando
Vermelho percebeu que as UPPs estavam fragilizadas, o efetivo estava reduzido, e resolveu
estabelecer de novo o tráfico nos becos, nas vielas. Então, recomeçaram os enfrentamentos.
Num quarto momento, você percebe que as favelas pacificadas, com UPPs, já apresentavam
um número de enfrentamentos maior do que antes do processo de pacificação.
E qual é a solução? As operações de enfrenta mento?
Operações policial como essas que a PM desenvolve por volta das 7 horas da manhã na
favela da Maré normalmente envolvem 200 policiais, helicópteros blindados, e
normalmente provocam o fechamento de todas as escolas municipais e estaduais, num raio
de três quilómetros, dois quilómetros. Resultado na favela: 7 mil alunos sem aula, 7 mil
crianças vão voltar para casa sem merenda, a mãe não vai poder trabalhar, o pai vai ter que
tomar conta da criança, vai ter bala perdida, vai ter pânico, e a PM, no final dessa operação,
se tiver muita sorte, vai apreender um quilo de cocaína, um quilo de maconha, um fuzil e 2
mil dólares. Vai fazer aquela apresentação, vai jogar na estatística de apreensão de fuzis e
pistolas. O que determina o nível de operacionalidade dos batalhões é quanto mais você
apreender, mais profissional você foi. Mas para tirar um quilo de maconha da rua, um fuzil,
você provocou uma situação na qual 7 mil alunos ficaram sem aula, provocou medo, bala
perdida. Será que essa conta vale a pena? Isso não fecha.

O governador do Rio, Wilson Witzel, se elegeu anunciando que criminosos com fuzis
levariam "tiro na cabecinha". Como o sr. enxerga essa política?
É grotesco, totalmente inapropriado um governador de estado em qualquer situação falar
em "tiro na cabecinha", ou então falar em entrevista: "Não saia de casa, você vai morrer".
Não pode, porque, sem querer, ele acaba por legitimar ações policiais inadequadas. O
policial que está na ponta se sente autorizado, acha que tem um mandato na mão. Ele sabe
que o governador foi eleito com 60% dos votos, sabe que 60% da população está apoiando
esse discurso, então lá na ponta isso vai refletir em um policial que acha que pode fazer
qualquer coisa. É perigoso demais. Por outro lado, eu entendo o aumento da letalidade
policial. Se você realiza mais operações, apreende mais fuzis, recupera mais cargas
roubadas, captura mais traficantes com mandado de prisão em aberto, isso vai resultar em
mais confrontos e mais mortes. Jornalistas dizem que a Polícia Militar está matando mais.
Ora, se ela estivesse matando mais, e estivesse apreendendo menos cocaína, menos
maconha, menos fuzis, prendendo menos bandidos, eu até concordaria que a polícia está
mais violenta, mas se está matando mais, e todos os níveis de operacionalidade estão
aumentando, é porque a polícia está trabalhando mais.

O Comando Vermelho mudou seu negócio principal?


A maior fonte de renda do Comando Vermelho hoje em várias comunidades é a venda de
cigarro contrabandeado do Paraguai. E o roubo de carga hoje, em algumas favelas, não é a
principal atividade. É a única atividade. Em alguns lugares, o Comando Vermelho
abandonou a venda de cocaína e a venda de maconha somente para roubar carga e vender
carga roubada. A carga roubada, quando é levada para dentro da favela, é distribuída muito
rapidamente para os comerciantes ou o próprio Comando Vermelho abre o baú e vende
essa carga. Esse é um delito de baixo potencial ofensivo, que é a receptação. Então, se a PM
prender um comerciante vendendo carga roubada, esse comerciante vai responder em
liberdade. O tráfico entende que vender cocaína dá dois anos de cadeia, mas vender carga
roubada não dá nada. É muito mais vantajoso para o Comando Vermelho abandonar
lentamente a venda de cocaína e investir cada vez mais no roubo de carga. Por causa disso,
a carga formal começa a sofrer até um processo de inflação, em função da logística mais
cara. O carioca paga mais caro por meio quilo de macarrão do que o paulista. O nosso meio
quilo de macarrão tem embutido o valor da escolta, do seguro, num processo provocado
pelo aumento dos roubos de carga. Roubam de tudo: carne, frutas, gilete, xampu, sabonete.
Realizam operações de roubo diárias e vendem a mercadoria na área que dominam. O baú
esvazia em questão de minutos. Na favela, é possível ver o bandido vendendo lasanha,
presunto, nuggets, com preço lá embaixo. E o morador compra.

Divulgação

"Surgiram coisas esquisitíssimas, como milícias daquelas antigas, formadas por policiais, se
aliando às milícias novas, dos bandidos"

E as milícias, qual é o papel que elas têm hoje no Rio?


Quando alguém diz para mim que a milícia explora tudo, eu sempre falo: "Calma aí, o tráfico
também explora tudo". O mais curioso é que de uns cinco ou quatro anos para cá, muitas
favelas do Comando Vermelho não queriam mais pagar royalties para pertencer à
organização. Estava muito caro pagar 7 ou 8 mil reais por semana para manter a sigla
Comando Vermelho, para a área não ser invadida pela facção rival, para ter proteção se
tiver uma guerra. Então, em muitas favelas o traficante local levantou a mão e falou: a partir
de agora nós somos milícias. Isso foge um pouco daquela ideia de que milicianos são ex-
policiais. A milícia padrão é a da zona oeste, formada por policiais expulsos e ex-militares
das Forças Armadas com envolvimento político. Essa, de fato, é a milícia padrão, a que
gerou a cultura miliciana no Rio. Mas há uma milícia alternativa surgindo, que vem do
traficante que não quer pagar para pertencer a facção nenhuma, que já tem contato para
comprar cocaína, que atua com roubo de carga. Ele vira miliciano e vai continuar
defendendo seu território. E aí surgiram coisas esquisitíssimas, como milícias daquelas
antigas, formadas por policiais, se aliando às milícias novas, dos bandidos. Esse é o
panorama do Rio de Janeiro hoje. Na minha época, você olhava para o mapa no Bope e
enxergava as facções. Hoje em dia, não dá mais para fazer isso, porque é muito volátil. Os
grupos mudam, fazem aliança com a força rival.

As milícias têm galgado espaços relevantes na política do Rio?


O líder do PMDB no Rio durante décadas foi o Jorge Picciani. Ele acolheu o pedido do
Marcelo Freixo e abriu a CPI das Milícias (em 2008). Naquele momento, se não tivesse uma
CPI, em duas ou três eleições não teria mais vaga no Rio para deputado que não fosse
miliciano. Todas as pessoas que estavam ganhando as eleições no maior reduto de voto,
que é a zona oeste, tinham que ter ali algum tipo de sinergia com grupos armados. Hoje, em
2020, se o Picciani não tivesse tido a coragem de fazer a CPI, e olha que eu não gosto dele,
na eleição seguinte nós teríamos mais nove deputados milicianos e na outra mais 15. Aí me
perguntam o que é pior, se o Comando Vermelho ou a milícia. É uma pergunta errada,
porque os dois são uma merda. Mas se tiver que escolher um pior é aquele que consegue
colocar o seu representante numa casa legislativa. Nunca percebemos na Alerj pessoas
tentando legislar a favor do tráfico. A milícia, ao contrário do Comando Vermelho, conseguiu
colocar vários representantes lá. Em algum momento, já não era mais possível colocar o pé
nas comunidades de milicianos para pedir voto. A milícia proibia.

E o que essas quadrilhas já conseguiram com a infiltração na política?


Na questão fundiária, eles conseguem fazer muita coisa. Conseguem, por exemplo, na
Câmara Municipal, regulamentar invasões e ocupações de terra naquelas áreas que
interessam a eles. Fazem regulamentação de espaço para ocupação, vendem terreno. Toda
milícia vende terreno, realiza obra. Na Muzema, onde caiu aquele prédio, a milícia pode ter
atuado junto à região administrativa para evitar a fiscalização, poder ter atuado na
nomeação da região administrativa local, pode ter atuado na indicação de subprefeitos, até
mesmo na regularização fundiária do terreno. A milícia já fez isso em Jacarepaguá. Já
regularizou terreno em encosta.

Há certa simpatia de setores da sociedade por esses grupos?


Quando a gente foi filmar Tropa de Elite /, numa favela de milícia, em Jacarepaguá, os
moradores falavam assim: "Olha, você tem que mostrar para os cariocas que a milícia é uma
coisa muito boa". Faziam isso porque antes a única referência que eles tinham era o tráfico.
É evidente que ao comparar a milícia ao tráfico, que torturava moradores, acabavam
achando a milícia menos invasiva, menos perigosa. Mas depois de um momento a milícia
começa a se comportar de forma igual. A milícia dessa favela, se estivesse passando numa
rua e sentisse cheiro de maconha, invadia as casas para procurar o morador fumando
maconha dentro de casa e o morador era espancado. Apanhava. Para alguns moradores
conservadores, isso era maravilhoso. Mas a milícia passava logo a cobrar uma taxa de 15
reais, de 20 reais do morador — e se ele não estivesse com sua taxa paga, tomava até o que
tinha na geladeira. Já teve morador que falou comigo que o miliciano abriu a geladeira dele
e falou: "Você não tem dinheiro para pagar a taxa e tem dinheiro para comprar queijo, é?
Vou levar teu queijo". O miliciano não levou o queijo para comer. Ele jogou fora. Isso porque
o morador não tinha depositado ou entregue os 20 reais. A milícia achava um absurdo que
o morador não quisesse pagar a taxa de proteção. Essas injustiças começaram a vir à tona.
Quando filmamos Tropa de Elite 2, a Rede Globo exibia uma novela sobre uma favela de
milícias, em que o miliciano era representado pelo Antonio Fagundes. Ele era o cara gente
boa, estava sempre desarmado, ajudando todo mundo. Era um miliciano caricato. No
imaginário do brasileiro, milícia era aquilo. O que fez o entendimento do brasileiro mudar
sobre milícias foi o Tropa 2. Eu fui a um debate em Manaus e havia um desembargador na
mesa que falava: "Olha, a solução para o Rio de Janeiro são as milícias". A visão dele era a da
novela.

Divulgação

"Vários colegas policiais tiveram um grande susto ao descobrir que a família do Adriano trabalhava no
gabinete do Flávio (Bolsonaro)"
A cena final de Tropa de Elite 2 mostra políticos ligados às milícias chegando em Brasília.
Isso virou realidade?
Eu sinceramente até hoje não consigo entender a relação, apesar de conhecer o Flávio
(Bolsonaro) pessoalmente. Até ajudei o Flávio na campanha para senador, pedi voto. Não
consegui perguntar para o Flávio por que ele deu espaço para a família do Adriano (o
miliciano Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro, acusado de chefiar o Escritório do
Crime) no gabinete dele. Mas acho que ele responderia que é relação do Queiroz, que o
Queiroz indicou e tal. O Adriano não era miliciano quando saiu da Polícia Militar. Ele se
tornou miliciano bem depois, em 2014, 2015. Até então, era ligado ao jogo do bicho, caça-
níqueis e escolas de samba. Não enxergo como verdade que a milícia tenha chegado ao
Planalto. Eu acho horrível que o Adriano, envolvido com vários homicídios no Rio dejaneiro,
tenha recebido vaga no gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro, mas acho que isso
não conecta a família à milícia. Sinceramente, espero que isso seja esclarecido. Vários
colegas policiais tiveram um grande susto ao descobrir que a família do Adriano trabalhava
no gabinete do Flávio. Isso é totalmente incompatível com a trajetória dele na Assembleia. O
Flávio era bem relacionado com delegados, representava os interesses da classe, ia nos
quartéis, nas delegacias.

Por que homenagear o Capitão Adriano?


Quando o Flávio o conheceu, o Adriano era um oficial corajoso, correto, não tinha
envolvimento com nada de errado. Havia relatos no batalhão de que o Flávio gostava de
atirar e que o Adriano se apresentou para ajudá-lo na aula. Era um policial do Bope. Não há
nada de errado em conhecer um policial do Bope. Depois que foi preso, o Adriano me ligou
várias vezes. Disse que era inocente. Eu, como muitas pessoas, acreditava. Ele insistia para
mim que era honesto. O comandante do Adriano também acreditou. A partir de certo
momento, toda a polícia do Rio já sabia que o Adriano era uma laranja podre. A partir daí,
acho inexplicável o gabinete do Flávio continuar com contato e relações com o Adriano. O
Adriano de 2008 para cá era um bicho solto, um bandidão. E a família estava amparada,
recebendo verba do gabinete e possivelmente repassando essa verba para o Adriano.

Quando foi a última vez que o sr. esteve com o Capitão Adriano?
A última vez que vi o Adriano foi em 201 3. Eu estava na Ilha do Governador. Estava em um
restaurante aguardando um garçom e entra o Adriano, acompanhado de umas dez pessoas,
pelo menos. E eu logo percebi que eram bandidos. Todo mundo mal encarado, camisa
larga, pistola escondida na cintura. Eles estavam fazendo a segurança do Adriano. Aí ele veio
até mim, me cumprimentou. Ele gostava de mim. Eu não perguntei o que ele estava
fazendo, mas ele disse que estava tomando conta das kombis e vans da Ilha do Governador.
Acontece que elas pertenciam a um traficante famoso. Se ele estava tomando conta delas,
era porque tinha tomado as kombis e as vans dos traficantes. E para tomar isso do
traficante tem que ter muita disposição. Tem que chegar com uma equipe de pessoas
valentes e dispostas a morrer. Aquilo me chamou atenção. Ali eu sabia que ele estava em
uma parada muito errada.

Àquela altura, será que o hoje senador Flávio Bolsonaro já não sabia de tudo isso?
Como é que o Flávio e o Queiroz não sabiam disso? Ou o Queiroz não sabia, ou então o
Flávio deixava mesmo o Queiroz pilotar o gabinete. Até hoje não sei se a ligação do Queiroz
com o Flávio é maior com o Flávio ou maior com o pai. Se você perguntar se o Queiroz é um
homem do Flávio ou do Jair, eu apostaria que é homem do Jair.
Guedes irado
10/07/2020 02:26
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apoio implícito do governo à ofensiva da Procuradoria-Geral da República contra as


equipes da Lavajato e da Greenfield tem um fiador importante. Há tempos Paulo
Guedes se esforça para apontar, em conversas de bastidores, o que classifica como
excessos dos procuradores, especialmente os da operação que apura desvio nos fundos de
pensão. A ira é explicada pelo fato de o ministro ter sido incluído entre os alvos da
investigação, ainda no período pré-eleitoral, em razão de negócios feitos pela gestora de
fundos da qual ele era sócio com Funcef, Petros e Postalis. Uma vez no posto, o ministro
amplificou os ataques. Ele repete que os procuradores abusam do poder que têm e agem
politicamente para prejudicá-lo e, assim, causar danos também ao governo. Como Crusoé
mostrou nesta semana, o ministro tem até o fim deste mês para prestar depoimento sobre
o caso.
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Adriano Machado/Crusoé
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Paulo Guedes: torpedos contra a Greenfield nos bastidores
Medo de Wassef
10/07/2020 02:26
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Kufa, advogada de Jair Bolsonaro, foi orientada a evitar os embates com Frederick
Karina
Wassef, que também se apresenta como defensor do presidente. Desde o início do
governo os dois travam uma guerra surda. Logo após a prisão de Fabrício Queiroz, quando
chegou a divulgar uma nota pública tentando dissociar Wassef da figura de Bolsonaro, Kufa
passou a evitar o enfrentamento. A interlocutores, ela disse ter sido aconselhada a não
brigar com o advogado porque ele é uma "pessoa perigosa".

Adriano Machado/Crusoé

Karina Kufa teme retaliação de Wassef


Favas contadas
10/07/2020 02:26
ÿ OUVIR NOTÍCIA

decisão do presidente do ST), João Otávio de Noronha, de colocar Fabrício Queiroz em


A prisão domiciliar era dada como certa nos bastidores da corte. Bem antes da canetada,
colegas de toga do ministro já apostavam que ele provavelmente relaxaria a ordem de
prisão assinada pelo juiz Flávio Itabaiana. Ministros diziam estranhar a opção de Noronha
por permanecer no plantão judiciário durante todo o recesso de julho - normalmente, a
escala é dividida com um segundo plantonista, mas ele fez questão de ficar durante todo o
período. A relação de Noronha com Jair Bolsonaro, que já falou publicamente do "amor à
primeira vista" ao conhecer o ministro, segue de vento em popa.

Adriano Machado/Crusoé

Noronha, o "amor à primeira vista" de Bolsonaro


Aras & Toffoli & Moraes
10/07/2020 02:26
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e o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal vivem às turras, o mesmo não se


pode dizer da relação de Augusto Aras, amigo do peito do presidente Jair Bolsonaro,
com a corte. O procurador-geral da República tem se esforçado para manter uma relação
estreita com ministros como Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Para citar um exemplo:
enquanto sua antecessora, Raquel Dodge, pediu o arquivamento do polémico inquérito do
fim do mundo, Aras, em sentido oposto, tem até proposto novas linhas de investigação para
Moraes. Para além da simpatia, há, digamos, um certo alinhamento de ideias. Nesta quinta-
feira, 9, Toffoli ordenou que a Lava lato compartilhe sua base de dados com a PGR.
exatamente como Aras queria.
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BV-

Rosinei Coutinho/SCO/STF

Toffoli: desejo de Aras atendido


Conexão Luxemburgo
10/07/2020 02:26
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bancários de uma conta controlada pela filha do senador José Serra na Suíça
Extratos
mostram volumosas transações suspeitas no mesmo período em que ela recebeu
supostas propinas destinadas ao tucano em 2006, quando ele foi candidato a governador
de São Paulo. Além de compras de ações das empresas de alimentos Heinz e de bebidas
Inbev, destacadas pelos procuradores da Lavajato paulista, a conta de Verônica transferiu,
em euros e dólares, o equivalente a 7,5 milhões de reais em valores atuais para dois bancos
com sede em Luxemburgo, famoso paraíso fiscal na Europa. Batizada como Firenze, a conta
de Verônica foi aberta em 2005 no banco Arner, na cidade suíça de Lugano, em nome da
Dormunt International Inc, uma offshore aberta pela filha de Serra em 2003 no Panamá. A
acusação ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o senador na semana passada
sustenta que foi nessa conta que ele recebeu 936 mil euros repassados pela Odebrecht.
Nesta semana, Crusoé revelou que os extratos bancários mostram que ao menos três
transferências atribuídas pelos investigadores à empreiteira aparecem em documentos do
banco relacionadas à Alstom. multinacional francesa que comandou o cartel de trens em
governos tucanos de São Paulo a partir da década de 1 990, acusada de subornar agentes
públicos e políticos.

Bruno Poletti/Folhapress

Verônica Serra transferiu dinheiro para o conhecido paraíso fiscal europeu


Chama a polícia
10/07/2020 02:26
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Policiais federais que foram cumprir o mandado de busca e apreensão na casa dejosé
Serra em São Paulo, nas primeiras horas da última sexta-feira, 3, só puderam entrar no
imóvel depois da chegada da Polícia Militar. O tucano não estava e a mulher dele acionou a
PM porque pensou que os agentes da PF que batiam à sua porta fossem bandidos. Foi
quase meia hora de espera até que Mônica Serra, bastante assustada, permitisse a entrada
dos policiais.

Serra: polícia para ter certeza de que era a polícia


DIOGO
MAINARDI
NA ILHA DO DESESPERO
O desmoronamento de Bolsonaro QVV
10/07/2020 02:26 \A
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popularidade de Jair Bolsonaro desmoronou depois do afastamento de Sergio Moro. O


melhor indicador desse desmoronamento circula no mercado financeiro. É o tracking
da XP, que avalia diariamente o governo. Sergio Moro demitiu-se em 24 de abril. O efeito no
tracking foi imediato. No dia seguinte à sua entrevista coletiva, a linha vermelha — que
corresponde àqueles que consideram o governo ruim ou péssimo — disparou de 33% para
44%, enquanto a linha amarela, dos apoiadores do bolsonarismo, caiu de 33% para 27%. No
total, uma perda de 17 pontos, que se mantiveram praticamente iguais até agora, seis
semanas mais tarde (na última quarta-feira, os números eram 41 % e 25%). Não há o que
discutir. O efeito Moro é matemático, sem margem de erro.

XP/Behup: Avaliação do governo de Jair Bolsonaro

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No mercado financeiro, circulam também outras tabelas que podem dar uma sobrevida a
Jair Bolsonaro. Elas se referem à retomada do consumo, em meio à calamidade da Covid-19.
As vendas de produtos de uso pessoal e doméstico, por exemplo, deram um salto em V:

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As vendas de móveis e eletrodomésticos tiveram um resultado semelhante:

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Já há gente muito boa projetando uma queda do PIB neste ano de apenas 4%. Por esse
motivo, o mercado financeiro torce para que o vírus não mate imediatamente o governo
doente de Jair Bolsonaro. Sabe como é: os investidores, assim como os colunistas da Folha
de 5.Paulo, são consequencialistas.

Jair Bolsonaro sabotou a quarentena e conduziu alegremente dezenas de milhares de


pessoas para a cova, contrapondo a vida à economia. Agora ele se agarra à economia para
manter-se vivo politicamente. O Brasil é incapaz de fazer a vida e a economia caminharem
juntas, com algum sentido moral. Somos um laboratório do mais puro inconsequencialismo
MARIO
SABINO
Você, eu e a baleia sem cauda
10/07/2020 02:26
ÿ OUVIR NOTÍCIA

meu cãozinho Napoléon, exemplo de máquina de amar produzida por meio de


O cruzamentos genéticos ao longo de séculos, está há quase quatro meses no
hotelzinho onde costuma ficar quando viajo. Isolado que estou, não conseguiria cuidar dele,
em meio a afazeres domésticos e profissionais, e passeá-lo como se deve (pertenço ao
grupo de maior risco). Ele está mais feliz lá do que comigo. Quando vai para o hotelzinho,
Napoléon tira férias de mim, o que eu também faria se pudesse.

Não sou particularmente entusiasta de animais de estimação. Prefiro os selvagens, como


leões e elefantes. Talvez um dia faça um safári, mas os documentários do Animal Planet\á
satisfazem o meu gosto por esses bichos. Fascina-me ver leões caçando em grupo, embora
sempre torça pelos búfalos desgarrados e gazelas distraídas, naquela tendência cultural de
ficar do lado dos mais fracos nas lutas. Leões são expressão de uma tragédia, no sentido
grego. O Destino os condenou ao topo da cadeia alimentar animal, o que significa cumprir
apenas o papel de carrascos. Para mim, há algo de triste e catártico nisso. Em oposição, eu
me amarro em elefantes — africanos, em especial -, por serem naturalmente os seres mais
gentis e solidários da Terra. Talvez sejam os primeiros em inteligência emocional. É preciso
irritá-los muito para que reajam a provocações. Tanto que há coisa de 25 anos, mais ou
menos, chamou atenção o fato de elefantes jovens estarem se comportando de maneira
violenta na África, como se organizados em gangue. Consta que os mais velhos lhes deram
uma puxada de orelha — ou de tromba, melhor dizendo. Ser elefante não admite bancar o
personagem de West Side Story. Hoje, os rebeldes de então devem estar ensinando a lição
aos garotos da manada. Várias pessoas têm fotos dos filhos como fundo de tela do
computador. Eu tenho um elefante, com uma girafa ao fundo. É bem mais tranquilizador.

Nesta semana, contudo, o que me comoveu mesmo foi uma baleia que recebeu o nome de
Codamozza ("cauda cortada", em italiano), como informa o jornal La Repubblica, que
publicou um vídeo protagonizado por ela. Codamozza foi avistada pela primeira vez em
1 996, quando ainda conservava uma parte da cauda; no final de 201 9, foi-se o resto.
Provavelmente, hélices de motores de barcos a aleijaram duas vezes. Codamozza não tem
sorte, definitivamente, mas lhe sobra força de vontade. Sem cauda, essa baleia notável
desenvolveu um jeito próprio de se locomover. Para nadar, ela realiza um movimento
ondulatório com as costas e vai adiante graças apenas às barbatanas. É uma baleia que
nada no estilo borboleta, portanto. É uma baleia que nada tem de literária, o reverso de
Moby Dick.

O fato de não ter cauda reduz, obviamente, a sua capacidade de locomoção e busca por
comida, mas Codamozza é capaz de cobrir grandes distâncias pelo Mediterrâneo. Fez há
pouco uma viagem de mil quilómetros, a distância entre a Calábria, na ponta da Bota
italiana, e um santuário de baleias na Ligúria, bem ao norte, na fronteira com a França. Está
sendo monitorada por uma equipe especializada. Com a perda da segunda parte da cauda,
aumentou a preocupação com Codamozza. "Parece muito magra e nada muito próximo à
costa, arriscando-se a sofrer outros acidentes", disse o veterinário Sandro Mazzariol ao La
Repubblica. A esperança é que consiga alimentar-se melhor no santuário.

A história de Codamozza seria tocante em qualquer momento, mas adquire mais pungência
agora que todos estamos como baleias sem caudas, tentando nos mover de alguma forma
nesta quarentena interminável, em viagens interiores, inclusive. Seremos capazes de nos
adaptar no curto prazo a um nado borboleta, para prosseguir vivendo como antes, ou de
modo parecido? A vida só é projetável no curto prazo, nossa única certeza, com o perdão da
platitude. É preciso, assim, que sejamos capazes.

Codamozza que estou, obrigo-me a voltar aos muitos leões do meu cotidiano, esperando a
solidariedade dos poucos elefantes que nele existem e um dia rever Napoléon.
CARLOS FERNANDO
LIMA DOS SANTOS
O problema do Brasil
10/07/2020 02:26
ÿ OUVIR NOTÍCIA

o problema do Brasil! Tantos anos de subdesenvolvimento, de uma forma


Descoberto
de fazer política baseada em uso de dinheiro ilícito, em rachadinhas, obras
superfaturadas e outras formas de corrupção são culpa do mensalão e da Lava Jato. O Brasil
idílico de antes dessas operações, aquele Brasil de Collors e Sarneys, Lulas e Lalaus, Aécios,
Renans ejeffersons precisa voltar. Todos unidos contra essas excrecências que tentam
criminalizar a política. Sabe quanto custa manter um partido, comprar apoios e disseminar
fake news? Destruamos Sergio Moro antes que se torne presidente! Calemos Deltan
Dallagnol para que não surjam outros como ele! Acabemos com investigações e tudo se
resolverá!

Só que não!

Mesmo sendo isso um completo absurdo, no último mês temos visto uma reação contra a
Operação Lava Jato vinda de diversos aliados de ocasião e oportunistas. Essa "Santa Aliança"
com o objetivo de denegrir o trabalho investigativo da polícia e do Ministério Público reuniu
figuras aparentemente díspares, passando pelos criminalistas de sempre e pelos políticos já
bem conhecidos, mas também pelo próprio governo Bolsonaro e pelo procurador-geral da
República, Augusto Aras. Cada um por seus motivos inconfessáveis, mas todos irmanados
em salvar o status quo.

A esperança desses setores de que as manchetes distorcidas sobre mensagens apócrifas e


de origem criminosa, a chamada "Vaza Jato", pudessem ser o suficiente para manchar a
operação não se concretizou. Bem ao contrário, pois, na verdade, poucas autoridades
sobreviveriam a revelações de cinco anos de mensagens trocadas como foi o que
aconteceu. O que se viu foi que as supostas discussões internas da força-tarefa eram
institucionais e buscavam sempre o interesse público em investigar e punir corruptos.
Como as maledicências da "Vaza Jato" não funcionaram, o mecanismo corrupto teve que
buscar alternativas para voltar a atacar a operação. A saída de Sergio Moro do governo,
expondo a série de atitudes questionáveis do presidente da República, foi a oportunidade
de ouro para que essas forças rapidamente se aproximassem.

A partir daí observou-se a realização de uma enxurrada de ataques ordenados, seja por
meio do famoso "gabinete do ódio", instaurado em Brasília e que é alvo de investigação do
STF, ou por meio de posicionamentos um tanto quanto questionáveis de autoridades, com
um objetivo definido: manchar a imagem da Lava Jato e, consequentemente, abortar
qualquer possibilidade da candidatura do ex-juiz para a Presidência. É este o momento em
que estamos. Uma união de petistas, bolsonaristas e do Centrão, com todos os apaniguados
distribuídos por instituições e órgãos públicos, para reescrever essa história e colocar a
culpa nos investigadores, acusadores e juiz.

Este panorama faz entender as recentes polémicas entre as forças-tarefas da Lava Jato e o
gabinete do procurador-geral da República, Augusto Aras, advogado militante que dava
pareceres no Ministério Público Federal, uma excrescência do velho Ministério Público
subordinado aos interesses do Poder Executivo. O PGR, em desvio de finalidade evidente,
promove uma devassa interna na esperança de agradar a Bolsonaro, que o guindou para
um cargo tão importante e sensível, com poderes, inclusive, para (não) o investigar.

Evidentemente toda e qualquer instituição ou órgão, de classe ou servidor público, pode e


deve ser fiscalizado. E não é diferente com o Ministério Público. Os procuradores da
República em sua atividade fim submetem seus pedidos e requerimentos para o Poder
Judiciário, enfrentando inúmeros recursos em quatro instâncias de julgamento: o primeiro
grau, com o juiz da causa; o segundo grau, com os tribunais de apelação; o STJ em questões
de leis federais; e o STF em causas constitucionais. Difícil entender como pode ocorrer
abuso com tantas revisões possíveis.

Já na sua atividade meio, ou seja, administrativa, o Ministério Público subordina-se a


inúmeros controles, sejam disciplinares, tanto por sua corregedoria interna quanto pela
corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público, sejam de prestação de contas,
pelos órgãos de controle internos e externos, inclusive o Tribunal de Contas da União.
Atacar as forças-tarefas da Lava Jato por questões administrativo-financeiras, como
percebemos nas últimas semanas, é completamente inconcebível, uma vez que elas não
possuem qualquer autonomia para realizar despesas.
O que se vê, inclusive vindo do próprio gabinete do PGR, com as andanças da
subprocuradora Lindôra Araújo por Curitiba, é uma absurda falta de competência, ou
simples maledicência, conforme o ponto de vista, pois não só confundiu-se um sistema de
gravação de ramais telefónicos internos com um "Guardião" (um aparelho de
gerenciamento de quebras telefónicas), como não se sabia que foi a própria administração
do MPF que fez a compra, e não a força-tarefa. Se a qualidade das investigações conduzidas
pelo PGR for a mesma, é de se temer pelas denúncias apresentadas nesta gestão.

Ao mesmo tempo, num claro movimento coordenado, vemos manifestações pela


fiscalização da força-tarefa vindas da Ordem dos Advogados do Brasil, entidade que resiste
no Supremo Tribunal Federal em ter suas próprias contas (como outros órgãos de classe)
analisadas pelo Tribunal de Contas da União; e de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos
Deputados, que não abriu nenhum procedimento ético disciplinar contra qualquer
deputado federal envolvido em escândalos.

Todos os interessados nos ataques contra a operação podem distorcer o quanto quiserem a
realidade, mas não há como esconder que nós brasileiros pagamos uma taxa chamada
corrupção, exigida pela classe política como o preço que temos para sermos "bem
governados" por ela, que se imagina uma "aristocracia esclarecida", quando, na verdade,
somos dilapidados por uma oligarquia desqualificada.

E o pior, observa-se ainda que instituições que deveriam ser republicanas são aparelhadas
pelas formas de escolha de seus dirigentes, para que o sistema seja perpetuado, mesmo
que, eventualmente, uma peça ou outra tenha que ser trocada para satisfazer a
necessidade de circo das massas.

A Lava Jato, inclusive, provou isso!

A esperança é que essa clara percepção de como funciona esse "mecanismo" não se
contamine com as mentiras da campanha de Bolsonaro, um arrivista que usou das
investigações para se promover, sem ter, na verdade, qualquer compromisso com a
mudança. O objetivo de todo o rearranjo de forças promovido nos últimos meses, inclusive
com a adesão do presidente, é enfraquecer apurações e investigadores para atingir a
candidatura de Sergio Moro e impedi-lo de chegar à Presidência. Entretanto, tudo que até
agora fizeram foi tornar sua candidatura cada vez mais inevitável e necessária.
M
LEANDRO
NARLOCH
As leis fundamentais da estupidez política
10/07/2020 02:26
ÿ OUVIR NOTÍCIA tu*Cfc@Qot
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estupidez dos políticos brasileiros não é aleatória, não ocorre ao acaso. Segue padrões
A de comportamento que precisamos diagnosticar e descrever. Abaixo estão cinco de
muitos deles; o leitor fique à vontade para sugerir outros nos comentários.

1) Quanto mais sensato um candidato a presidente, menores são suas chances de ganhar a
eleição.

Meu colega Ruy Goiaba escreveu um texto tocante aqui na Crusoé semanas atrás. "Só
queria que meu país parasse, uma vez na vida, de votar em gente que só falta circular por aí
ostentando um luminoso de neon piscante com a palavra BURRO na testa", disse.

É difícil realizar esse desejo porque o brasileiro, se tem alguma ideologia, é a da rejeição
completa à entediante sensatez política. Veja o caso de Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles
ejoão Amoêdo. Não, nenhum deles é um Winston Churchill. Mas pelo menos sabem usar os
talheres, entendem que não se pode gastar mais do que se arrecada. Resultado? Somados
não tiveram 9% dos votos em 201 8.

2) Independente da natureza do problema, parlamentares sempre tentarão resolvê-lo com


avisos obrigatórios a serem fixados na parede.
Quem mora em São Paulo está acostumado com o Mesmo, um indivíduo singular cuja
presença precisamos verificar sempre que entramos num elevador. É o que recomenda o
cartaz exigido por uma lei municipal: "Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo
encontra-se parado neste andar". Os comerciantes paulistas são obrigados a fixar outros
quinze cartazes na parede, todos com recomendações bastante surpreendentes e
desconhecidas: "lave as mãos", "o fumo é prejudicial à saúde", "sonegar é crime", "Procon
Disque 1 51", "gestantes têm preferência".

É assim no Brasil todo. Vereadores e deputados estaduais têm uma visão um tanto mística
dos problemas sociais. Acreditam que basta fixar palavras na parede e (mágica!): o
problema se resolverá.

3) O 'neoliberalismo' será considerado culpado por todos os problemas passados e futuros.

Tragédia da Samarco, epidemia, crise nos aeroportos, violência das favelas: é tudo "culpa do
neoliberalismo", do "desmonte do estado", da "perda de direitos garantidos". A sociologia
para explicar já está empacotada, pronta para se encaixar nos problemas do futuro.

4) Qualquer protesto de rua, por mais sensato que seja, acabará dominado por estúpidos.

Como protestos acontecem na rua, não é possível restringir a entrada de quem tem Ql
baixo e alto potencial de sabotagem. E assim manifestações muito justas, em defesa de
causas nobres e necessárias, caem diante da invasão de energúmenos.

Começa como um protesto contra o machismo. Termina com idiotas enfiando crucifixos
naqueles lugares. Poderia ser um protesto contra o autoritarismo do STF e a judicialização
da política. Vira manifestação de idiotas pedindo intervenção militar. Começa como um
protesto contra o racismo. Termina pedindo a derrubada de estátua do século 17.

5) Todo presidente acredita que ao sobrevoar áreas atingidas resolverá estragos causados
por tragédias.
Não há motivo para se preocupar com enchentes, desabamentos, rompimentos de
barragens ou ciclones no Brasil. Quando isso acontecer, o presidente do momento vai
sobrevoar a área de helicóptero. Posará para o fotógrafo oficial olhando com consternação
a tragédia lá embaixo. E assim os problemas serão solucionados.

Pelo menos é nisso que os últimos presidentes parecem acreditar. Lula sobrevoou
enchentes em Santa Catarina, Alagoas, Pernambuco, Maranhão e Piauí; Bolsonaro só este
ano sobrevoou Minas Gerais e Santa Catarina; Dilma passeou pela serra fluminense,
Mariana, Paraná e Rio Grande do Sul. Michel Temer, em seu curto mandato, sobrevoou
alagamentos no Rio Grande do Sul e Alagoas, e até mesmo as áreas de atuação das tropas
federais do Rio de Janeiro.

Depois dessas visitas tudo foi resolvido, não?


RUY
GOIABA
Pela transformação do '7 a 1day' em feriado
10/07/2020 02:26

I_ I
ÿ OUVIR NOTÍCIA .u*Cfc@Qut

não estou disputando concursos de popularidade e sigo firme no propósito de


Comocontinuar sendo o colunista menos comentado da Crusoé — não dá nem para pensar
em enfrentar a deslealíssima concorrência da dupla Moro & Mainardi; se o ex-ministro
esbarrar o cotovelo no teclado e publicar isso como coluna, vai receber uns mil comentários
— , decidi investir com tudo na impopularidade. Ou não, porque o brasileiro ama um
feriado. E minha proposta é: por que não transformar em feriado nacional o dia do 7 a 1, 8
de julho?

Não seria a primeira vez que uma derrota é "homenageada" com um feriado: aqui em São
Paulo, o 9 de julho é exatamente isso. É o dia da Revolução de 32, aquela que os paulistas
perderam — aliás, o termo "revolução" é usado de maneira bastante elástica para descrever
o acontecimento (vale o mesmo para o 20 de setembro e a Revolução Farroupilha no Rio
Grande do Sul). E nós ainda teríamos a vantagem de juntar uma derrota com outra, o 8 de
julho com o 9 de julho, e ganhar um feriado prolongadaço — principalmente se 8 de julho
cair numa terça ou numa quarta. As batalhas perdidas não terão sido em vão.

Todos os anos, esse feriado do 8 de julho nos lembraria de que os brasileiros somos um
povo que adora tomar decisões erradas: já elegemos Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro e
grande elenco, já achamos que David Luiz, Bernard "Alegria nas Pernas" e Hulk podiam ser
titulares de seleção brasileira e, agora, andamos enchendo bares mesmo com o coronavírus
não dando nenhum sinal de que arrefeceu. (É verdade que nisso, como em muitos outros
casos, não estamos sós: basta ver os protestos nos EUA, país campeão de mortes e casos de
Covid-1 9. Parece haver entre os manifestantes a curiosa noção de que o vírus tem
consciência social e, se a causa for boa, ninguém se contamina.)
Hoje, o 7 a 1 é a metáfora mais sintética que temos à mão para descrever as consequências
de decisões erradas. E é aquilo que mais nos traduz como país. Não é o dia de Tiradentes,
nem o dia do Descobrimento — esse erro de português que já dura 520 anos — , nem o 7 de
Setembro, muito menos o dia desse experimento basicamente falido que é a Proclamação
da República. (E não tomem isso como "defesa da monarquia", ainda mais com esses
cretinos de sobrenome Orléans e Bragança que andam por aí. Eu só seria a favor se o
saudoso Clóvis Bornay fosse entronizado como nosso Rei Sol de língua presa; como ele
infelizmente já morreu, a ideia deixou de fazer sentido.)

Enfim, nada disso nos define mais: o que nos define hoje é esse castigo para a húbris, para
o excesso de marra, que foi aquela goleada vexatória em casa numa semifinal de Copa. O
Brasil fez e faz por merecer. Não apenas sou a favor de substituir por "sete a um foi pouco"
o "ordem e progresso" da bandeira — que nunca fez muito sentido no Bananão, mas hoje é
basicamente uma piada de mau gosto — como defendo que em cerimónias oficiais, em vez
do hino, toquem aquela gravação do Galvão Bueno dizendo "gol da Alemanha!" e "virou
passeio!".

(Admito: há no fundo de tudo isso um restinho de esperança de que o país tome vergonha
na cara algum dia. Mas não deve acontecer. Em vez de Pelé ou Tostão, continuaremos
sendo David Luiz pensando que é o Beckenbauer.)
A GOIABICE DA SEMANA

Você precisa saber da piscina, da margarina, da cloroquina. O recém-covidado Jair


Bolsonaro continua anunciando drogas milagrosas, como já havia feito com o nióbio e com
aquela "pílula do câncer" — no caso da cloroquina, submetendo-se a dois exames cardíacos
por dia (esse é o plano platinum, só para presidentes; o básico, para os demais brasileiros,
inclui apenas a arritmia cardíaca no pacote). Eu jurava que a eleição de 2018 tinha sido para
a Presidência, e não para garoto-propaganda de Atalaia Jurubeba ou Cogumelo do Sol.
Espero que em 2022 a Aracy da Top Therm se candidate, para haver competição à altura.

Reprodução/redes sociais

Vamos falar de coisa boa? Vamos falar deste comprimido milagroso aqui, talquei?"

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