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A Gata Mascarada

Volume 2

Juliana Duarte
2013
Para Luiggi, meu bolinho
Sumário

Capítulo 1_______________________________________________7

Capítulo 2______________________________________________53

Capítulo 3_____________________________________________138

Capítulo 4_____________________________________________185
A Gata Mascarada - Volume 2

Capítulo 1

Ofélia Alvarenga Castelo, 18 anos, fazendo sua estreia universitária!


Sinceramente, eu nunca me imaginei numa universidade. Meus pais já
tinham largado de mão a minha educação há muito tempo e apenas
torciam para que eu fosse capaz de concluir o ensino médio. Isso porque
eu vinha sendo uma péssima aluna ao longo do segundo e do terceiro
ano. Ora, eu precisava fazer coisas importantes como pegar rapazes,
jogar Hello Kitty Online e comprar sapatos. Eu não podia perder meu
precioso tempo estudando!
Felizmente, graças ao meu amorzinho, fui aprovada na prova de
recuperação de matemática. Resolvi me inscrever no vestibular só
porque o Demian insistiu muito. Ele não somente me obrigou a estudar
como também sentou-se comigo todas as tardes para repassar as
matérias.
Parecia até piada que eu tinha sido aprovada. Quando vi meu nome
na lista, fiz questão de checar em várias outras listas para verificar se não
havia algum engano.
Minha mãe chorou! Minha irmã também não acreditou. Fizemos uma
grande festa para celebrar.
– Essa universidade é tão ruim assim? Como eles foram capazes de
me aprovar?
– Eles te aprovaram porque não te conhecem pessoalmente –
comentou Demian – eles nem imaginam que logo você vai arranjar uma
forma de ser expulsa.
– Já te aviso que se eu for expulsa vou te levar junto – garanti –
porque você vai liderar a sociedade secreta comigo. Você também será
responsável por toda a bagunça que eu fizer nela.
– Eu sou um estudante de teologia. Sou um membro da Flolan e o
pessoal da universidade não se envolve com o que faço lá fora. Mas criar
uma sociedade secreta aqui dentro é outra história. Por aqui eu já sou
membro da CCU.
– Que diabos é esse cu?

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– Comunidade Cristã Universitária – ele respondeu, me olhando feio


– eu sou muito ativo nela. Inclusive faço parte da organização de
atividades. Não quero adquirir má reputação por liderar uma sociedade
secreta universitária de ocultismo!
– Seus colegas te chamam de Gnóstico. Eles já sabem que você é
meio esquisito e não gira bem da cabeça.
– Obrigado, Ofélia.
– De nada. Estou aqui para isso.
Estávamos na primeira semana de aula. Logo no primeiro dia eu já
havia feito uma amiga inseparável: a fantástica Poliana!
Assim que a vi entrar na sala, reparei que ela estava usando um
prendedor de cabelo de coelhinho que era simplesmente um mimo. Eu
abri minha boca e não fechei mais, tamanho foi meu deslumbre.
Eu coloquei-me diante dela e repousei a mão em seu ombro.
– Querida, suas chiquinhas são um arrasoooo!
Ela abriu um largo sorriso.
– Eu sei! – ela comentou, com alegria – Olha só, tenho uma presilha
de lacinho azul também.
Eu quase morri quando vi aquela gracinha.
– Seu senso de moda é perfeito! Eu sou sua maior fã! Por favor,
ensine-me como ser maravilhosa como você!
– Aprenda com a mestra, coração.
Ela falava com uma voz esganiçada e irritante, subindo e descendo o
tom, que só patys sabem fazer. O curso de pedagogia estava repleto de
patricinhas super estilosas, modernas e bem vestidas. Eu sabia que tinha
escolhido o curso certo! Os poucos alunos rapazes pareciam estar com
muito medo de todas aquelas garotas cintilantes.
Essa foi a emocionante história de como eu e Poly nos tornamos
super amigas chiquérrimas! E o melhor de tudo: a Alice também
estudava por lá, no curso de nutrição. Nos intervalos de aulas ou na hora
do almoço, nós três nos reuníamos para colocar as fofocas em dia.
– Meu Deus, essa sua bolsa da Louis Vuitton é tão esplendorosa! –
exclamei – A minha bolsa já tá totalmente passada! Perto de você, eu sou
uma fifi!
– Que fofys o seu esmalte, Poly – elogiou Alice, com um sorriso
encantador, pegando nas mãos dela – amei as estrelinhas.

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– Eu sei, meu esmalte é tudo! – riu Poliana – Mas o seu cabelo supera,
Lili. Tão perfeitinho. Já te disseram que você parece a Amélie Poulain?
– Eu também adoro o cabelo dela, dá vontade de arrancar e comer –
falei – e esse teu colarzinho de sorvete então! Menina, me deixa
experimentar teus óculos escuros! Tô com coceira no cu de tanta
vontade de prová-lo!
– Eu acho que meu sorvetinho cabe certinho no seu cu! – disse
Poliana, e nós três sorrimos como princesas – Falando nisso, vamos pra
night hoje, pra pegar gatinhoooos?
– Não posso, eu tenho namorado – informei, com muito orgulho – o
Alfredo ainda anda te perseguindo, Alice?
– O Alfredo é muito doce, Ofélia. Não fale dele dessa forma. Ele me
ligou algumas vezes, mas eu deixei claro que não podemos voltar.
– Quem é Alfredo? – perguntou Poliana, empolgada – É seu ex?
– Ele é meu ex também – contei – e ele não é tão doce quanto você
pensa, Alice. Ele foi meio estúpido comigo uma vez.
Poliana enlouqueceu quando soube que eu e Alice havíamos
namorado a mesma pessoa. Ela queria saber de todas as fofocas.
– Ele é quente na cama? Qual o tamanho do pau dele? – perguntou
Poliana – Se ele estiver sobrando, eu pego! Assim nós três
compartilharemos o mesmo ex! Delícia, né?
– Você quer namorá-lo já pensando em terminar? – perguntou Alice.
– Ele é só um nerd, Poly – alertei – daqueles que se escondem
embaixo da saia da mamãe. Ele gosta de engenharia. Ou seja, é um cara
entediante.
– Que pena – disse Poliana – pelo menos ele vai ter dinheiro. Vou
ver se consigo agarrar alguém da medicina ou do Direito por aqui.
– Eu tô namorando um pobre – comentei, monotonamente – e ele
vai continuar pobre, porque tá fazendo teologia.
– Por favor, não me diga que ele está pagando para fazer esse curso –
disse Poliana – porque nem se me pagassem eu estudaria essa merda. Ele
é pobre e faz teologia. O que esse cara tem de bom, então? O cacete dele
é grande?
– Mais ou menos – falei – pelo menos é maior que o do Alfredo. Se
bem que da última vez que transei com o Alf ele tinha uns 14 ou 15.
Alice, como tava o tamanho quando você comeu ele?

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Alguém tocou no meu ombro. Quando virei para trás, eu levei um


susto. Era Demian.
“Ele ouviu o que eu disse. Com certeza. Caralho”.
Ele não me fitava com bons olhos.
– Eu estava te procurando para almoçarmos juntos – ele falou – mas
pelo jeito você já tem companhia.
– Não comemos ainda – eu disse – quer juntar-se a nós?
– Não quero interromper a conversa.
– Você já interrompeu. Senta aí.
Mas ele não quis. Resolvi apresentá-lo para Poliana, que ainda não o
conhecia. Demian estava usando roupas meio velhas, que deviam ser até
de brechó. Eu tinha certeza que ela iria reparar nisso.
– Esse é Demian, meu chuchuzinho.
Ele queria sair logo de lá. Resolvi acompanhá-lo. Avisei para as duas
que iria almoçar com ele e saí.
Por um momento, nós apenas caminhamos juntos sem dizer nada.
Eu não tinha certeza se ele havia escutado alguma coisa.
– O que você vai querer comer, Mimi?
– Antes disso, podemos conversar?
Eu fiz que sim. Nós nos sentamos num banco ali perto. Ele apenas
juntou as duas mãos, mexendo os dedos, sem dizer nada.
– Eu acho que você queria ter continuado com elas – ele comentou,
de repente – a conversa sobre o tamanho do pau do seu ex-namorado
parecia muito interessante.
– Desculpe – falei, me sentindo uma imbecil – eu não tenho mais o
mínimo interesse naquele idiota. Você precisa entender que numa
conversa com uma menina popular como Poliana eu preciso dizer coisas
legais e confiantes, para ela me achar cool. Eu juro que o seu caralho foi
o melhor que já comi na minha vida. E digo isso de buceta e coração
abertos, pois olha que já comi muitos...
– Por que você diz coisas tão infelizes para tornar a situação pior? Eu
sei que você ama meu pau. Você não para de tocar nele, quando
dormimos juntos você prefere encostar a cabeça na minha virilha do que
no meu ombro. Você é tarada por sexo e é só isso que você quer, e não
um namorado.

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Eu abafei o riso quando ele falou onde eu encostava a cabeça quando


dormíamos juntos. Ele não gostou por eu ter rido numa conversa séria
como aquela, pois ele estava brabo.
– Perdoe-me, por favor! Eu falei sem querer. Eu te amo muito, meu
docinho! Eu quero seu cacete, mas também quero o resto do corpo!
Adoro seus beijinhos e a forma com que você me abraça! Só que você
me olha de forma tão assustadora às vezes...
Eu segurei no braço dele e fitei-o com uma expressão meiga. Ele
continuava sério.
– Aquela sua amiga, a Alice, ela é muito charmosa e gentil. Acho que
vou largar você e ficar com ela.
Eu levei um susto quando ele disse isso. Quando Demian viu minha
expressão de choque, ele sorriu.
– Eu estava brincando, sua bobinha.
– Mas você acha ela bonita sim – afirmei, insegura.
– Só que ela não é você. Eu estou apaixonado pela Ofélia. Onde está
a Ofélia segura de si que eu conheço? Não me diga que se sentiu
ameaçada pelo que eu disse?
– Não me abandona, seu tonto! Promete que não me abandona?
– Só se você também não me abandonar, sua tonta.
Ele já estava acostumado a me ver falando besteira. Acho que só por
isso ele me perdoou tão rápido. E com aquele susto que ele me deu
ficamos quites.
– Onde vamos almoçar?
– Num lugar barato.
– Ah, corta essa – falei – você quer ir no restaurante universitário?
– Pode ser. Mas...
Ele ficou quieto de novo.
– Fala logo, amorzinho! Meu estômago tá roncando mais que uma
britadeira, então não enrola.
– É que eu também não tenho dinheiro pro restaurante universitário...
– Foi por isso que você foi me chamar? – perguntei – Você não
queria minha companhia. Queria que eu te pagasse o almoço.
– Desse jeito você me ofende. Faz quatro dias que não almoçamos
juntos, pois você prefere comer com as suas amigas. Eu não faço falta
para você?

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– Você não estava com saudade de mim. Estava pensando nos quatro
dias que ficou sem almoçar. Em que você gastou o dinheiro do seu
estágio, afinal?
– É fácil para você colocar as coisas dessa forma. Seus pais te dão
tudo o que você precisa. Você teve um grande azar em me arranjar como
namorado. Além de ter que implorar para fazer sexo comigo, eu só te
dou gastos.
– Então você ouviu aquilo...
Eu baixei os olhos. Não sei porque falei daquela forma. Não me
importava que ele não tivesse dinheiro. Eu não ligava para tamanho de
pênis também, pois eu já tinha transado com caras que tinham paus dos
mais diferentes tamanhos e simplesmente concluí que o que mais
influenciava para meu prazer não era tamanho e sim o desempenho do
cara na cama. E se eu comesse um homem que eu amasse, só podia ser a
melhor foda do mundo.
Eu o peguei pela mão.
– Vamos almoçar.
Fomos para o restaurante universitário. Demian repetiu duas vezes.
Ele devia estar mesmo com fome. Eu fiquei com uma peninha danada
dele. E ele ficava tão bonitinho comendo!
– Mimi, como é que tá tua grana até o fim do mês?
– Falta uma semana para eu receber o dinheiro do meu estágio. Eu
sobrevivo até lá.
Eu tirei uma nota de cinquenta reais da carteira e passei para ele.
– Eu não aceito.
– Por mim!
– Nem pensar.
Ele era teimoso. E orgulhoso. Tive que guardar o dinheiro. Eu me
lembraria de convidá-lo para almoçar mais vezes na semana seguinte.
– Dorme lá em casa nesse fim de semana?
– Por quê? Você quer sexo? Ou quer fazer isso para alimentar o seu
namorado pobre?
– Eu quero ficar com você.
– Não estou com vontade de transar nesse fim de semana.
– Por que não?

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– Preciso ter um motivo? – ele perguntou – Você acha que estou com
algum problema quando não sinto vontade de transar com você o tempo
todo?
– Mimi, só de olhar para você minha vagina já fica lubrificada. Se eu
pudesse, eu trepava contigo a cada vez que te vejo. Por mim eu te jogaria
no chão agora e te possuiria. Você não me acha atraente o bastante?
– Você é linda.
– Então você precisa fazer um tratamento. Eu acho que você tem
resistência a liberar todo o seu desejo sexual por causa dos abusos que
sofreu na infância.
– Isso mesmo, Ofélia, grite para que a universidade inteira fique
sabendo.
Eu não havia me dado conta que estava falando tão alto.
– Bom, a Alice já sabe... – confessei.
– E logo aquela sua nova amiga escandalosa vai saber também. Você
conta isso para todo mundo, como se gostasse de me humilhar.
Joguei na cara dele os papéis com as anotações que fiz sobre a
sociedade secreta.
– A minha amiga escandalosa também vai ser membro.
– Eu só permito se eu for o líder. Quero ter o poder de expulsar essa
garota sem saber sua opinião a respeito.
– Tá bom, seja o líder, já que ama tanto assim o poder! Se você me
amasse mais do que ama seu precioso poder, iria me deixar ser a líder
por cavalheirismo. Foi isso que teu Deus te ensinou, a buscar o poder
antes do amor? Ele é onipotente, é por isso que você acha Jesus mais
atraente que eu?
– Por que você sempre precisa colocar Deus no meio?
– É a barba! Eu tenho certeza. Mas eu sei que a onipotência também
dá um charme a mais.
– A nossa Ordem se chamará Trono da Majestade Divina – ele
informou, ignorando-me.
– Não, eu não quero seu amante envolvido no nome da Ordem. Se
for assim, ela irá se chamar Adoradores do Majestoso Gregório.
De todos os meus ex-namorados, ex-ficantes e de todos os caras por
quem já me apaixonei, escutar o nome do Gregório era o que mais fazia
Demian ficar puto da vida.

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Eu era morta de paixão por Demian. Só de olhar para ele ou de


pensar no meu gostosão eu já sentia um arrepio. Aquilo era amor
genuíno, verdadeiro, vívido. Eu queria ficar com ele para sempre.
Mas por Gregório eu sentia outra categoria de sentimento. Realmente,
era quase como se ele fosse um Deus inatingível para mim. Eu sabia que
jamais teria nenhuma chance com ele.
– Tá bom, vamos deixar o seu nome então – resolvi, para não deixá-
lo ainda mais aborrecido.
– Ótimo.
– Mentira, até parece que vou querer essa bosta. Vamos tentar um
nome mais parecido com títulos de sociedades secretas de universidades.
Tem que ser algo meio glamouroso e dramático. Pode ter o nome de
algum animal, letras gregas, sei lá! Já que estamos no Brasil, pode ser a
Ordem da Arara-azul, da Onça-pintada, do Mico-leão-dourado...
– É uma sociedade secreta de ocultismo. Não precisamos chamar de
Tamanduá-bandeira ou de Lobo-guará. Aliás, por que só nomes de
animais em extinção?
– Porque é secreto, hã? Sacou? Eles não podem nos matar.
– Eles quem? Você não está levando isso a sério. Você quer montar
um grupinho só para brincar e fofocar. Isso não é um jogo de videogame.
– Animais têm a ver com xamanismo, oras. Já sei! Vamos usar o
nome científico para ficar mais foda.
– Agora você quer um nome em latim? Por que não em tupi para
ficar mais brasileiro?
– Cala a boca. Vai ser melhor do que o seu Trono da Majestade do
Capeta.
Tirei meu laptop da bolsa para consultar.
– O nome científico da Ararinha-azul é Cyanopsitta spixii. Em inglês é
Spix‟s Macaw. Qual deles fica mais legal? Diz aqui que “arara” vem do
tupi “a‟rara”.
– Eu acho que não faz nenhum sentido você usar uma ave brasileira
com nome em inglês.
– Então o nome dessa porra vai ser Arara-azul e acabou! Olha só,
achei uma pra você: Arara-de-saint-croix.
– Pare de consultar apenas a Wikipedia. Busque uma fonte mais
confiável.

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– Você acha que vou até a biblioteca consultar uma enciclopédia? Ah,
vai cagar, meu filho.
– O que foi que você disse?
– Nada, nada. Olha só, já decidi qual vai ser o nome da nossa
sociedade secreta!
– Que bom que você já decidiu algo que nem eu, que sou o líder, sei
ainda.
– Será: Arara–azul-de-lear. É uma ave baiana, viu? Bem brasileiro,
para termos muito orgulho. O seu Deus não é brasileiro. Prefiro Tupã.
– OK. A abreviatura será...
– Arale! A protagonista de Dr. Slump!
– Eu não sei o que é isso e nem quero saber. Será a OAAL.
– Gostei – falei – soa como “uau”! Que bonito, ela também é
conhecida como Arara Índigo!
– Vamos ficar aqui o dia inteiro falando sobre araras ou sobre as
atividades da Ordem?
– Mas como você é chato, hein, cara! Pra mim tanto faz o que vamos
fazer nesse cacete. Decida você. A parte mais divertida era bolar um
nome, agora já passou. Vou mandar fazer uns mantos com capuz em
tom azul escuro e com as iniciais do nome da Ordem costuradas na
manga. Enquanto isso, você decide as partes monótonas.
– As “partes monótonas” a que você se refere é o mais importante.
– Apenas me faça o favor de não preencher todas as nossas
atividades com leituras da Bíblia. Isso você já faz lá no cu.
– CCU – corrigiu Demian, me fitando de canto.
– Ai que bonitinho! Aqui tem uma foto de araras comendo! E araras
se beijando! Antes eu achava gatinhos os mais lindos, mas agora essas
araras estão me encantando!
– Elas não estão se beijando. Quer parar com essas besteiras e me
ajudar?
– Faça como o Gregório, monte umas apostilas estúpidas com
tópicos aleatórios e leia o que elas dizem enquanto dormimos.
– Que surpresa você chamar as atividades dele de estúpidas. Não era
você que estava louca para ler aquele grimório de nível avançado que ele
escreveu? Eu particularmente duvido que aquilo seja “avançado”.

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– Então faça melhor. Você já escreve vários artigos para o site


restrito da Flolan. É só escrever material exclusivo para a OAAL e
mandar encadernar. Chame isso de grimório e foda-se.
– Não é assim que se monta uma Ordem.
– Eu bolei o nome, vou mandar fazer os mantos e chamar membros.
Então pelo menos escreva!
– Eu ficarei encarregado da única parte relevante – concluiu Demian
– começarei a escrever hoje à noite e te envio por e-mail. Qual é o seu
novo e-mail mesmo?
– gatinhamiaumiau@zipmail.com.br.
– Ninguém mais usa zipmail. Por que você escolheu esse cliente?
– Porque no logo tem uma carinha feliz amarelinha.
– É por isso que nunca sei o que se passa na sua cabeça. Os seus
motivos são muito complexos para que minha refinada lógica seja capaz
de apreendê-los.
– Use sua refinada lógica para escrever nossos grimórios. E é melhor
que eles sejam mais legais que os do Gregório.
– “Mais legal” significa ter seus bonequinhos coloridos?
– Desenhe araras e símbolos legais. Vamos evocar algum Deus
indígena das araras!
– Pensando bem, não vou mais aceitar sugestões suas. Eu faço tudo
sozinho. Farei uma capa discreta e material discreto.
– Tá bom, “senhor discreto”. Só não vire a noite escrevendo, para
estar acordado para a reunião da Flolan amanhã.
– Haverá um convidado especial. Aquele membro do Rio chamado
Hugo Bernardes.
Eu fiquei maravilhada.
– O Bode de Pimenta? Aquele que faz as piadas no fórum e escreve
aqueles textos hilários e inteligentes?
– Exato. Também quero conversar com ele.
Cheguei bem cedo no dia seguinte. Nem li os textos que Demian me
enviou. Eu estava mais preocupada em saudar o recém-chegado, a quem
cumprimentei com muita alegria.
Todos estavam entusiasmados. Ele tinha uma barbicha de bode, que
nem o apelido! Era careca, usava óculos e tinha o sorriso mais simpático
do mundo!

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– Então você é a garota dos poderes sobrenaturais! – exclamou Hugo


com seu sorriso cheio de dentes, como um ratinho – Já não li um texto
seu? Qual o seu nick no fórum da Flolan?
– Gata Mascarada – informei – mas antigamente eu postava como
Gatinha Bubbaloo. Eu li todos os seus textos!
– Obrigado. Você é bem criativa.
– Ora, nem chego a seus pés.
O Demian ficou brabo por me ver puxando o saco do Hugo durante
o dia inteiro. Eu havia relido alguns textos do Hugo durante a
madrugada para ter mais papo na reunião, e deixei de lado os textos do
Mimi...
Gregório e Ângela também respeitavam bastante o Hugo. Mas foi
com o Fábio que ele mais puxou papo. Os dois ficaram conversando a
tarde inteira, por isso Demian nem teve tempo para perturbar Fábio e
ficou emburrado com isso também.
– Criancinha – sussurrei para Demian, sentando-me no chão ao lado
dele – por que não senta no sofá, pelo menos?
– Não estou a fim.
– Veja só, encontrei esse manto azul para vender na internet. Que
acha?
Mostrei a imagem.
– Está muito cintilante – observou Demian – procure um tom de
azul mais discreto. Não somos um circo. Vale mais a pena comprar um
tecido simples, azul escuro, e mandar costurar as iniciais nas mangas,
como você inicialmente pensou. Também podemos ter um anel ou
pingente com o símbolo da Ordem. Eu irei criar os símbolos, então
aguarde antes de mandar fazer.
– Peça para o Hugo escrever algo para a OAAL. Ele é expert em
montar textos altamente fodas.
– Essa é a minha Ordem. Não quero você babando nos textos dele.
– Você é muito ciumento, sabia? Eu vou pedir pelo menos um
poema para ele, que contenha os termos “magia” e “arara”.
Demian deu um riso de zombaria.
– Grande coisa! “Oh, uau, o Bode de Pimenta escreveu um poema
sobre araras para mim” – ele imitou, fazendo falsete – Por favor, Ofélia.
– Você nunca escreve nada para mim – me queixei.

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– Quer um poema sobre araras? Eu faço agora mesmo.


Ele fez um rascunho no caderno em alguns segundos e me entregou.
O poema era assim:

A minha gatinha chamada Ofélia


Lá no quintal avistou uma arara
Amiga índigo a qual amara
Noutra vida em que fora uma camélia

– Que poema bobo e fofinho, meu quindim! – dei um beijinho nele –


Ai, tô apaixonada! Mesmo que você não seja tão maduro quanto o
Gregório ou o Hugo, você é tão inteligente quanto eles.
– Eu já tenho 20 anos. Você não pode mais me chamar de criança.
– Verdade, daqui a pouco você já vai virar um homem!
– Eu já sou um homem! – exclamou Demian, ofendido.
– Tá bom, bebê. Eu sei que você vai escrever grimórios bem
maduros e “discretos” pra nós, meu lindinho maduro e discreto!
Apertei as bochechas dele. Demian também era fã dos textos de
Hugo e nunca admitia que Gregório também escrevesse bem. Naquele
dia ele estava a fim de encher o saco de todo mundo. Pelo menos eu
ganhei um poema! Era essa a vantagem de ser a namorada do membro
mala: ele te incomodava menos que os demais. E eu tinha o privilégio de
perturbá-lo mais que todos.
– No cenário atual do ocultismo falta um pouco mais de ousadia –
comentava Hugo – algumas vezes uma boa piada pode ser o tempero
ideal dessa poção mágica repleta de sapos e lagartixas. Outras vezes pode
explodir tudo e ser um desastre. O importante será ter remexido um
pouco as coisas.
– Perdão, mas isso que o senhor acabou de dizer está completamente
errado – comentou Demian – mexer por mexer é apenas inútil e
estúpido. Você precisa conhecer bem a poção para saber os ingredientes
corretos para torná-la melhor.
– Qual o seu nome no fórum, garoto? – perguntou Hugo, com
curiosidade.
Demian não gostou de ser chamado de garoto.
– Vejamos... Mensageiro do Verbo.

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– Pois então, meu caro Vejamos Mensageiro doVerbo...


– É só “Mensageiro do Verbo” – corrigiu Demian, com bastante
seriedade.
– Você acha que é preciso tornar-se um Deus antes de começar a
criar?
– Não – respondeu Demian, prontamente – você não precisa
conhecer perfeitamente a poção para ousar alterá-la.
– É exatamente esse o meu ponto – observou Hugo – do contrário,
eu poderia argumentar que o senhor Vejamos tem pouca idade para
fundar sociedades secretas ou escrever grimórios. Você precisa viver
para saber o que é a vida? Talvez, um pouco. Há partes em que ela se
repete. Há acontecimentos parecidos em muitas partes. Com um bom
cálculo entre similaridades você já pode fazer a conexão.
– Você quer agitar as coisas por aqui – concluiu Demian, irritado –
mas na minha opinião só está atrapalhando.
– Fico muito satisfeito de saber a sua opinião. Principalmente porque
foi você que recomendou dois dos meus textos para o occultforum.org.
– Eu mandei para “The Troll Pit”.
Demian estava ficando sem argumentos. Eu adorava quando isso
acontecia, porque ele geralmente se gabava de ser capaz de vencer
qualquer discussão. A verdade era que ele nem discordava realmente do
que Hugo falou. Só queria arrumar um motivo para bater boca com ele.
Quando terminou a reunião e quase todos já tinham ido embora,
Demian deu um soco na parede. Eu me assustei quando isso aconteceu.
Sempre que Demian expressava o menor traço de fúria, eu sentia medo.
Exatamente porque ele costumava se manter calmo e sério na maior
parte do tempo, então aquilo era meio assustador.
– Eu quero ter 30, 40, 50 anos, de uma vez! Para que as pessoas
levem a sério o que eu digo e não me tratem feito palhaço. Até você
zomba de mim por isso. E olha que é dois anos mais nova que eu!
– Agora eu já sou maior de idade, meu querido – informei – eu estou
me sentindo, tipo, a rainha do universo.
– Você foi admitida na Flolan antes. Eu tive que aguardar completar
18 para poder entrar. Esse mundo é injusto, vil e horrível.
– Por que Deus criou um mundo assim tão ruim? – perguntei, para
encurralá-lo.

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Juliana Duarte

– Para que assim as pessoas valorizem quando surge alguém tão bom
como eu na vida delas, em vez de tirar sarro como você faz.
– Adoro as suas respostas tendenciosas.
– E hoje leia meus textos! Você é a vice-líder. Isso é o mínimo que se
espera.
Subitamente, Laura passou por onde estávamos e deu um forte
abraço em Demian.
Ela me pegou de surpresa, e a Demian também. Ele ficou confuso,
sem saber como reagir.
– Ei, Laura... me largue, sim?
Ele conhecia Laura há mais tempo do que eu. Ela era a garota
estranha que via seres mágicos nas cortinas e gostava de usar roupas
curtas para tentar seduzir o Fábio.
Mas ela apenas continuava a abraçá-lo com força. Eu já ia reclamar,
quando vi lágrimas nos olhos dela.
– O Fábio é um idiota! – ela exclamou.
– Bem, disso já sabíamos – comentou Demian – qual é a novidade
mesmo?
– Eu quero matar alguém! – gritou Laura, em meio às lágrimas.
– Ofélia, convide-a para dormir na sua casa.
– Para ela me matar? – perguntei.
– Fábio dispensou-a, machucou-a, mandou-lhe uma maldição ou
qualquer coisa do gênero – disse Demian – então acho melhor você
consolá-la com suas super técnicas femininas que aprendeu com suas
amigas patys.
– Fábio matou Lalipobino.
– Ofélia, Fábio matou o duende dos sentimentos nobres. É melhor
você lidar com isso.
Eu não estava entendendo nada, mas aceitei a sugestão de Demian e
convidei Laura para ir até minha casa naquela noite.
– Eu irei. Você é uma grande amiga, garota dos poderes sobrenaturais.
Vou arrumar minha mala e de noite apareço na sua casa. Depois te ligo
para combinarmos ou te envio uma mensagem astral...
E ela foi embora. Como só estávamos eu e Demian na sede,
aproximei-me e coloquei a mão no meio das pernas dele.
– Você teve uma ereção com ela. Seu filho da puta...!

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– Calma, Ofélia – falou Demian, na defensiva – a culpa não foi minha.


Ela me abraçou de um jeito que...
– De que jeito? Quero detalhes!
– Ela pressionou os seios contra meu peito. E como os seios dela são
maiores que os seus, eu os senti bem mais quando ela me abraçou do
que quando você me abraça. Além do mais, você é baixinha. Ela é mais
alta. Foi mais intenso.
Eu nunca imaginei que ia me sentir tão mal por ouvir aquilo.
– Meus peitos não são pequenos...
– Eles são bonitinhos.
– Não fale no diminutivo! – reclamei, aborrecida.
– Então agora você também se aborrece por falarmos de tamanhos?
– ele desafiou-me.
– E, sim, eu sou baixinha, seu grosso. Isso não me torna menos sexy.
Por que você tem ereção com ela e comigo não?
– Mas... eu sempre me excito quando você chega perto.
– Mentira. Eu preciso me jogar em cima de você e te massagear pra
você expressar alguma reação...
Eu senti que lágrimas queriam sair dos meus olhos “Puta merda, não
vou deixar”. E virei o rosto.
Mas ele viu. Eu abracei-o para disfarçar.
– Eu não acredito que você está chorando – falou Demian – acho
que é a primeira vez que te vejo chorar por amor a mim.
– Eu quase me afoguei uma vez por amor a você, seu imbecil.
– Não, mas dessa vez é diferente. Acho que é a primeira vez que vejo
seu lado doce. Você ficou com ciúme de verdade.
– Mimi, faz quase um mês que não fazemos sexo. Por favor, vamos
transar, tô com saudades. Te desejo muito.
– Não adianta disfarçar – falou Demian, triunfante – você só me quer
perto, né?
Ele passou a mão no meu rosto. Mais lágrimas caíam.
– Eu te odeio tanto – falei – por que você faz com que eu me sinta
assim?
– Porque eu sou muito, muito mau. Por isso eu preciso tanto de
Deus. Para que Ele me salve da minha própria maldade. E para que faça
a Fifi parar de chorar.

21
Juliana Duarte

– Fifi! Adoro quando você me chama assim.


– E eu adoro quando você me chama de Mimi.
– Mentira! Você sempre odiou.
– Até parece. Eu amo todos os seus mimos e as suas frescuras. Só
não gosto quando você fala de outros caras. Agora que aconteceu essa
situação com a Laura, espero que pare para refletir como me sinto.
– Eu não falaria de outros caras se você me satisfizesse na cama. Eu
sou puro desejo! E você é meu desejo puro.
Eu dei-lhe um beijo na boca. Empurrei-o contra a parede e continuei
a beijá-lo, com cada vez mais intensidade, passando a mão no peito dele
e nas costas. Quando coloquei a mão entre as pernas dele de novo, fiquei
muito contente ao reparar que ele havia se excitado comigo.
– Oba! – eu dei um sorriso – A coisa que eu mais adoro nesse mundo
é o seu pau duro pela Fifi!
– Que bom. Eu também adoro meu pau duro.
– Seu narcisista! Você devia dizer que adora meus mamilos duros e
minha buceta molhada!
– Fifi, eu adoro, hã... isso tudo que você disse.
– Você gosta disso mais do que de Deus?
– Desculpe, Ofélia, mas não posso responder a essa pergunta, senão
vou para o inferno.
– Nhawn! – miei, contente.
– Bem, o Senhor disse “Crescei e multiplicai-vos”, então, de certa
forma...
– Tá bom, Mimi, agora cala a boca. Vem dormir lá em casa hoje pra
satisfazer a Fifi de forma completa.
– Não posso.
– Por quê?
– Porque a Laura vai dormir na sua casa hoje.
– Bah, que merda! Aquela puta! Não quero nem saber. Vou mandá-la
para o sofá.
– Você precisa ser educada com suas visitas.
Não teve jeito. Tivemos que deixar a trepada para a outra noite.
Laura foi à minha casa e xingou Fábio durante a madrugada inteira,
entre choros e ataques de fúria. Depois, ela conversou com algumas
criaturas imaginárias e dormiu.

22
A Gata Mascarada - Volume 2

Eu senti simpatia por ela. Laura era uma garota esquisita e solitária.
Embora fosse bonita, os caras acabavam se afastando dela por causa dos
“amigos imaginários das cortinas”. Acho que ela pensou que numa
Ordem de ocultismo isso iria mudar. Mas pessoas são pessoas em
qualquer lugar.
No dia seguinte, recepcionei Poliana na sede improvisada da OAAL
na universidade, que era uma sala sem uso. Demian ainda não tinha
chegado.
– Menina, eu me assustei tanto quando teu menino chegou bem na
hora em que estávamos fofocando sobre ele! – comentou Poliana – Será
que ele escutou?
– Ele ouviu tudo – garanti – mas já estamos bem. Garota, esse teu
boné tá show! Tu foi pra night?
– Nem. Tive que ficar tomando conta da pentelha da minha sobrinha.
Ofi, qual é o babado dessa sociedade secreta? Tem vestido de baile?
– Tem mantos. Se quiser, pode me ajudar a preparar, me dando umas
dicas de moda.
Dessa vez Poliana se empolgou e começou a desenhar diferentes
modelos de mantos num caderno. Nem notamos quando dois novatos
entraram na sala.
– Com licença, vocês são da OAAL?
Quem perguntou isso foi um gordinho barbudo que parecia ser
muito bonzinho.
– Sim, eu sou a vice. Esse é nossa consultora de moda. O mestre tá
atrasado.
– Meu nome é Sérgio. Essa é Bibiane, minha irmã.
– Oizinho!
Os dois pareciam muito diferentes. Ele era calmo. Ela já parecia ser
mais agitada e feliz.
Permanecemos por longos minutos desenhando os mantos e pedindo
sugestões. Quando notei que Demian não chegaria tão cedo e que o
celular dele estava desligado, resolvi começar a reunião sozinha.
– Bem, o mestre me deixou uma apostila. Vou ler. Eu não sei direito
o que nossa Ordem faz, para ser sincera. Temos como símbolo a arara-
azul-de-lear. Aparentemente usaremos um manto índigo com detalhes
em amarelo, e um anel. Ele escreveu esse texto sobre simbologia.

23
Juliana Duarte

– Nós já fizemos parte de um grupo de ocultismo antes – informou


Sérgio – fiquei empolgado quando soube que havia um grupo por aqui
também. Quero ajudar no que eu puder.
– Excelente! Pelo que entendi iremos começar com algumas palestras,
meditações e métodos divinatórios. Tenho um tarô e runas aqui. É o
básico. Só depois que iremos iniciar rituais elaborados.
– Até lá já teremos os mantos – garantiu Poliana – vou mandar fazer
essa semana. Podem me passar as medidas de vocês?
– Esperem, ainda não sabemos se vamos ficar – observou Bibiane –
podemos participar hoje e assistir?
Dei de ombros.
– Vocês que sabem. É uma sociedade secreta, mas foda-se. Há, há,
há!
Eu conduzi aquela reunião de forma péssima. Como eu não sabia o
que fazer, li quase a apostila inteira para eles. Aqueles textos tinham um
ar extremamente arrogante, como se Demian soubesse as grandes
verdades do universo e as estivesse compartilhando com os pobres
ignorantes que éramos nós.
Depois disso, brincamos um pouco com o tarô, enquanto eu lia algo
de outro livro de ocultismo que eu trouxe lá de casa, sobre divindades de
diferentes povos. Cara, eu não sabia o que fazer naquela merda. Sérgio
parecia ser mais experiente, então ele devia estar imaginando que éramos
apenas uns iniciantes babacas metidos.
Mas, surpreendentemente, ele gostou. Não sei o que ele gostou
naquilo, para ser sincera, pois nem eu gostei. Perto da minha reunião mal
feita, os debates que o Gregório conduzia pareciam geniais.
– Eu gostei muito desse texto, de verdade – disse Sérgio – estou
ansioso para conhecer a pessoa que escreveu isso. Quando será o
próximo encontro?
Ótimo, Demian ia se achar o cara mais altamente foda do mundo
quando eu contasse aquilo para ele. Eu achei o texto do Demian meio
idiota, porque ele apenas repetiu as mesmas coisas com palavras bonitas.
Se Sérgio já tinha se impressionado com aquilo, ia gostar mais ainda
quando lesse os textos bons de Demian.
– Acessa esse site aqui.

24
A Gata Mascarada - Volume 2

Passei um site para ele, no qual Demian tinha escrito uns textos. Eu
disse que os dois seriam muito bem-vindos no nosso próximo encontro.
Poliana já estava entusiasmada e suspeitei que eu não precisaria mais
me preocupar com a encomenda dos mantos e anéis. Eu só entraria com
a grana e ela cuidaria de tudo. Ela mesma se dispôs a financiar uma parte,
porque se fosse para ser membro daquele “grupo de sei lá quê”, segundo
ela, só valeria a pena se estivéssemos bem vestidos.
Quando a reunião acabou, liguei para Demian.
– Finalmente atendeu! Onde você se meteu? Perdeu a primeira
reunião da sua Ordem!
– Eu estava resolvendo umas coisas. Mas já estou com as malas
prontas pra passar o fim de semana na sua casa.
– Esquece. Te perdoo. Te amo. Tô indo aí.
E desliguei imediatamente. Eu nem sabia onde ele estava, mas fui até
o prédio da teologia. Demian estava lá me esperando encostado nas
malas, com um sorriso no rosto. Eu adorava quando ele tirava aquela
expressão ranzinza da cara e abria um sorrisinho!
– Que lindo, tá todo engomadinho!
– Eu não estou “engomadinho”. De onde você tira essas palavras
vergonhosas?
– Do meu rabo! Ai, brincadeira, coração. Tá tão feliz assim porque
viu a Fifi chegar? Deixa eu ver o que você carrega tanto nessa sua
mochila pesada.
– Você adora mexer na minha mochila.
– É sexy tocar nas coisas que você toca. Já que nem sempre você me
deixa pegar onde eu quero, assim me sinto mais próxima de você.
De repente, uma garota linda de cabelos castanhos e ondulados se
aproximou. Eu já ia elogiar a bela blusa de flores que ela usava quando
ela se dirigiu a Demian, com uma das vozes mais meigas que já escutei
nos lábios de alguém.
– Muito obrigada pelo seu caderno, Demian. Me ajudou muito. Quer
estudar junto comigo na segunda-feira outra vez?
– Claro, será um prazer. Quando você quiser.
Ele sorriu. Ela também.
A garota baixou os olhos e colocou uma mecha dos cabelos por trás
da orelha.

25
Juliana Duarte

– Tenho que ir. Tchau.


– Até mais, Daniele.
Não me senti mais disposta a elogiar a blusa dela. Quando ela foi
embora, eu apenas fitei Demian.
– “Quando você quiser” – repeti – Ela é uma aluna nova da teologia?
– Sim, ela está com dificuldade em hebraico e emprestei meu caderno.
– Muito atencioso. Mas não precisa ser gentil demais, ouviu? Eu não
posso competir com aquela beleza. Se você se aproximar demais dela,
vou perdê-lo. Você quer que isso aconteça?
– Não vai acontecer. Eu gosto de você.
– Ora, mas ela gosta de você. Se eu estivesse no seu lugar, com uma
namorada pé no saco que nem eu, e aparecesse um anjinho como ela na
minha vida, não pensaria duas vezes e chutaria a mim mesma.
– Ainda bem que você não está no meu lugar.
– É, ainda bem. Nesse fim de semana lá em casa, eu vou te dar um
trato tão bom que nem mesmo Deus ou anjos serão mais uma tentação
para você. Na sua cabeça e no seu coração – nesse instante coloquei a
mão no pau dele – restará somente esse demônio debaixo do meu
vestido.
– Ofélia! – ele tirou a minha mão – Estamos num local público. Você
não pode colocar a mão dentro da minha calça cada vez que me vê. Ou
você queria checar de novo se me excitei com a Daniele? Isso é uma
tremenda injustiça, sabia? Eu não tenho como checar precisamente se
você se excita ou não quando um cara se aproxima.
– Vamos resolver isso e ir para um lugar privado lá no meu quarto.
Assim, ambos poderemos checar com precisão se o outro está com tesão.
Pegamos um ônibus. Eu estava inquieta. No banco do ônibus fiquei
agarrando o Demian.
– Calma, já vamos chegar lá, minha gatinha...
Eu me agarrei nele e não soltei mais, para que meu leão não fugisse!
Quando chegamos no meu quarto, tranquei a porta e joguei-o na cama.
Arranquei a minha roupa e a dele desesperadamente.
– Eu vou mastigar esse teu caralho com tanta força que vou arrancar!
– falei, entre suspiros, enquanto o agarrava e o beijava.
Aquela foda foi tudo! O céu, o inferno, o purgatório, o Éden...
subindo e descendo com elegância.

26
A Gata Mascarada - Volume 2

Eu esgotei Demian até ele não aguentar mais nem falar. Ele enterrou
a cara no travesseiro e só queria dormir, de tão cansado que ficou.
– Mimiiiiii, não dorme! Quero brincar mais, eu querooo!
Fiquei dando cutucões nele. Ele apenas grunhia alguma coisa,
dizendo para que eu o deixasse descansar.
– Grrrr! Você só tem vigor pra rezar e se mortificar em nome de
Deus, né, seu fanático religioso! Espaço para a Ofélia não tem?
– Fanático religioso? Que absurdo. Eu pratico minha religião
normalmente como qualquer outra pessoa.
– Sei. Você só tem cinco Bíblias dentro da sua mochila, cada uma
num idioma diferente. Todas elas totalmente sublinhadas! Ah, se você
sublinhasse todo o corpo da Fifi com essa sua língua. Em vez de discutir
e falar tanta bobagem, podia usar a língua para algo que preste.
Mas ele não estava ouvindo mais. Tinha dormido.
No sábado acordamos só à tarde. Tentei lambê-lo em lugares
divertidos para ver se assim ele despertava.
– Ofélia! Meu corpo não é seu para que você faça o que bem
entender. Ou melhor, ele é seu enquanto estou acordado. É rude você
mexer em mim enquanto durmo.
– Tá bom, senhor certinho. E que tal mexer em mim de vez em
quando? Você raramente faz isso. Você é tão tímido assim? Não é
possível que não tenha vontade de me tocar!
– Eu tenho vontade, mas preciso ser educado com uma dama.
– Ah, corta essa! Você vai ser educado me fodendo forte! A sua falta
de interesse e a sua frigidez são desrespeitos maiores do que se você
vivesse com a mão em mim!
– O que você quer que eu faça?
Peguei as mãos dele e coloquei-as nos meus seios.
– Tá, agora faz o que quiser – eu disse.
Ele mexeu as mãos, mas com cuidado excessivo. Eu achei tão fofo!
Tive que dar um beijinho nele.
– Fofinho!
– Fifi, eu tô com fome...
– Fofo, fofo, fofo! O mais fofo do mundo!! Fica aí que eu vou
cozinhar algo pro meu amor!
– O que você vai fazer?

27
Juliana Duarte

– Miojo. Mas vou acrescentar carne e verduras. Pode ser?


– Pode.
Só que eu estava tão empolgada pensando no meu Demian quente e
nu na minha cama, que derrubei a panela com o miojo no chão. Por
pouco não me queimei.
Voltei para o quarto.
– Mimi, eu derrubei tudo no chão sem querer. Vou começar tudo de
novo, tá, amorzinho?
– Tá...
Voltei para a cozinha. Dessa vez resolvi preparar logo dois miojos,
porque eu também estava com fome.
Levei a comida para o quarto, com muita felicidade. Foi muito
bonitinho ver o Mimi comendo. Eu achava aquele o espetáculo mais
fascinante do universo. Principalmente quando ele ficava com macarrão
pendurado na boca! Aproveitei para comer o resto e dar-lhe um beijinho!
– Você não consegue parar de me beijar nem quando estamos
comendo.
– Na verdade eu não queria comer o miojo e sim te comer. Então
como os dois ao mesmo tempo!
– Você sempre fica em cima nas transas, né? Mas tem uma posição
que eu queria muito tentar...
– Qual? – perguntei, fascinada ao vê-lo falando sobre sexo – Eu topo
qualquer coisa! Caindo da janela, de cabeça pra baixo, no cemitério...
– Eu queria... hã, que história é essa de cemitério?
– Esquece. Continue!
– Eu queria que você ficasse de quatro. Pode ser?
– Mas... é tão fácil! Por que não me pediu antes?
– Sei lá, achei que você preferia sempre estar em cima.
– Meu filho, eu não sou fresca. Eu quero sexo. Não importa em que
tamanho, sabor, cor ou forma. Eu sou o gênio sexual da lâmpada.
Qualquer fantasia sua eu atendo!
Depois do nosso almoço – ou lanche – transamos do jeito que ele
queria. Eu fiquei animada! Queria ouvir mais desejos dele.
– Você sempre faz oral em mim. Dessa vez eu queria fazer oral em
você – ele decidiu.

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A Gata Mascarada - Volume 2

– É verdade, acho que posso contar nos dedos as vezes que você fez
oral em mim – observei.
Enquanto ele fazia, eu comecei a gemer e a miar.
– Ofélia, será que você pode gemer daquele jeito de novo?
– Hm? De qual jeito?
– Aquele miado com a voz aguda.
“Awwwn, como o Demian é meigo!” Era tão maravilhoso saber o
que ele gostava!
Com aquele pedido, eu me emocionei e miei até não poder mais. Foi
muito divertido!
– Calma, para! Senão você vai me finalizar cedo demais.
– Eu quero te finalizar mil vezes, de todos os jeitos.
Naquele dia eu adquiri várias cartas na manga. Agora eu já sabia o que
excitava o Demian. Eu poderia obter o que eu queria de um jeito bem
mais simples.
Depois daquela transa, mostrei a ele várias fantasias à venda na
internet. Pedi para que ele escolhesse uma.
– Qual você prefere? Colegial, enfermeira, empregada, coelhinha...
– Coelhinha – ele falou, sem pestanejar.
– Por causa da Playboy, né, seu tarado?
– Pare de me chamar assim, eu não sou tarado. Só estou tentando ser
porque você insiste muito...
– Ai, Demian, foi só uma brincadeirinha. Eu não falei por mal. Não é
pra se ofender quando te chamo de tarado. Eu quero que você seja! É
um elogio!
– Eu não gosto de ter desejo demais pra não perder o controle.
Assim como perco o controle às vezes quando fico furioso...
– Que bobagem. Uma vida sob controle não tem graça nenhuma.
De repente, Demian me deu um abraço forte e me beijou. Ele me
deu um beijo muito profundo e enterrou o caralho com vontade. Ele fez
isso sem se segurar.
Eu adorei! Ele fazia movimentos vigorosos. De onde ele tirou tanta
energia? Foi do miojo? Há, há...
Ele se empolgou mesmo. Fazia com cada vez mais intensidade. Eu
era pequenininha, mas eu não era frágil! Na cama eu era uma fera! Então
pra mim quanto mais forte, melhor.

29
Juliana Duarte

OK, mas o Demian exagerou um pouquinho. Eu estava acostumada


a ficar em cima. Ele me machucou um pouco, nada demais. Coisa básica
do sexo. Pra ter prazer tem que ter um pouco de dor.
– Mimi, chega. Para um pouquinho.
– Olha, Ofélia, eu quero continuar. Posso?
– Tá, ué.
Ele continuou por mais uns minutos. Depois eu cansei e tirei ele.
Demian não gostou. Ele ficou brabo.
– Por que está me rejeitando? Não foi você que pediu para eu ir com
tudo? Está tirando com minha cara? Você me excitou pra depois sair, era
isso? Pra me humilhar?
– Nossa, que drama. Que tal a gente se vestir e falar um pouco sobre
os planos pra Ordem?
– Eu vou me masturbar no banheiro e já volto, já que você não
colabora!
Ele falou isso com irritação e se trancou no banheiro. Quando ele
saiu, eu disse:
– Já tive que me virar com masturbação milhões de vezes por causa
de suas recusas. Por que tá brabinho só porque te tirei uma vez?
– Eu não tô “brabinho”. Para com essas palavrinhas!
– Me mostra a nova apostila que você preparou.
– Eu não preparei ainda, estou sem tempo!
– Um dia quero te ver se masturbando. Será uma delícia ver você se
tocando.
– Não vou prometer isso. É meio pessoal.
– Fresco.
– Respeite meu espaço, OK?
– Cara, tem um novo membro que virou teu fã – informei –
aparentemente...
– Temos novos membros?
– Provavelmente não vão ficar por muito tempo depois da reunião de
merda que eu fiz. O lado bom foi o seu texto. Depois só jogamos tarô.
Pôquer é mais interessante e você ainda ganha uma graninha.
– E ainda queria ser a mestra? Eu não quero que a nossa sociedade
secreta seja como qualquer outra. Não quero montar um grupo de

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A Gata Mascarada - Volume 2

ocultismo somente para ler grimórios velhos, repetir as mesmas fórmulas


e jogar tarô.
– Então você concorda com o Hugo que é preciso mais ousadia.
– Me deixe em paz, está bem?
– Precisamos adquirir alguns utensílios mágicos para a Ordem.
– De que adianta se você ainda não sabe nossa proposta? Você só
está preocupada com a parte “estética”. E a filosofia vai para onde?
– Eu teria uma boa resposta para essa. Mas não vou dizer, em
respeito a vossa majestade.
– Eu aprecio a sua sábia decisão. Antes de partirmos direto para a
magia cerimonial seria interessante esclarecer as questões básicas de
sempre: que é a magia, para que serve, o que são dimensões, como
trabalhar com as conexões intra e extracorpóreas...
– Esse papo é um tédio. Eu sempre usei meus poderes sem precisar
disso.
– Seu caso é uma exceção. Você é uma aberração.
– Ah, uau. Eu sou? Isso é sexy? É de comer?
– Eu estou preparando a porra do material! Primeiro esperem ficar
pronto, depois conversamos. Enquanto isso, passaremos o básico da
teoria e exercícios simples.
– Nossa, você falando palavrão? E eu achando que “pau” já estava
muito mal educado para seu vocabulário nobre.
– Você está profanando minha pureza.
– Ainda bem! Se você for puro demais, vou te devolver pro céu.
Ao longo dos meses seguintes, Demian empenhou-se em escrever
seu maldito material “comportado e discreto”. Resolvi ajudá-lo um
pouco. Escrevi algumas coisinhas também, embora ele sempre criticasse
o que eu fazia.
– Está bom, mas o que escrevo é melhor. Deixa que eu faço tudo
sozinho mesmo.
– É isso o que eu chamo de trabalhar em equipe – observei – Qual é
o propósito de ter uma Ordem se você quer monopolizar tudo? Só para
provar que é foda? Ah, é mesmo, você não é foda. Foda é só Deus, né?
– Esse termo é inapropriado para expressar a grandiosidade do
Senhor.
– Por que é um Senhor e não uma Senhora?

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Juliana Duarte

– Porque a Bíblia diz.


– Essa é a resposta que eu mais odeio. Demian, você é ocultista! Não
tem uma explicação melhorzinha?
– Você procura defeitos em detalhes e em exceções. Deus é
grandioso e consegue enxergar aquilo que não vemos.
– Blá, blá, blá. Você fala isso porque queria ser padre. Freiras não
podem celebrar missa e são privadas de fazer muitas coisas. Isso
somente porque “não há referências na Bíblia de mulheres sacerdotisas”.
Ah, vá à merda.
– Ofélia, eu compreendo sua frustração. Eu admiro o cristianismo,
mas é claro que ele não é perfeito, porque mesmo a Bíblia sendo as
palavras de Deus foi escrita por mãos humanas. Perfeito é só Deus. Os
desígnios do Senhor são desconhecidos.
– Eu detesto essa conversa.
– Então respeite quem gosta.
– Religiões alimentam muitos preconceitos!
– E eu repito: nada é perfeito. O capitalismo também não é ideal,
nosso sistema de ensino não é tão bom, as soluções da ciência não são as
melhores possíveis. E a maior parte disso acontece porque o ser humano
tem defeitos! Então quando ele cria uma religião, um sistema político,
um jogo, uma dança, um instrumento musical, nada disso chega perto de
Deus. É uma tentativa do homem de querer ser Deus. Não precisamos
ser tão arrogantes.
– O senhor arrogante me dizendo para não ter arrogância? É,
Demian, o ser humano não é perfeito: ele é hipócrita, mentiroso,
contraditório. Eu e você estamos aqui para provar isso. E não venha me
dizer que é melhor que eu, ou que seus textos são superiores, pois todos
são iguais diante de Deus. Ou pelo menos deveria ser, né? Se seu Deus
não tivesse preconceito com mulheres, com homossexuais, com os
maus... é só mandar todo mundo para o inferno! Se não fosse esse
“pequeno” detalhe, se todos fossem realmente iguais diante de Deus,
juro que eu seria uma boa cristã. Enquanto existir alguém a ser mandado
pro inferno, todos são iguais no meu rabo! Sim, no meu cu todos os
paus são iguais, grandes e pequenos. Eu respeito todos eles, pois todos
me dão prazer.

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A Gata Mascarada - Volume 2

– Você está distorcendo tudo. Eu não gosto de preconceitos também.


Se eu fosse preconceituoso, não aceitaria namorá-la e ouvir todas essas
coisas. Eu respeito seu ponto de vista, então respeite o meu. Quando
duas visões são conflitantes, vamos apenas tentar viver em paz. Você
não é contra religiões. Você é contra preconceitos, isso é tudo.
Preconceitos não são propriedade das religiões. Ter uma religião ou não
ter gera vantagens e desvantagens. Se você acredita que não compensa,
não tenha uma religião. Para mim ela funciona, pois me dá uma
esperança, me deixa mais calmo, me dá um sentido. Pode ser que em
situações de morte, por exemplo, eu consiga lidar melhor do que você,
por eu acreditar em Deus e numa continuidade da existência. Em
compensação, você terá a oportunidade de jogar videogame aos
domingos enquanto estou na missa fortalecendo minha fé. É como tocar
um instrumento: quem não treina pode fazer outras coisas nas horas
vagas, mas não ganha a habilidade de tocar.
– Agora é você que está criando um raciocínio maluco para defender
a sua ideia. E, por incrível que pareça, você me convenceu. Eu comecei a
estudar o ocultismo para entender o que eram os meus poderes. Senão
eu seria uma garota burra qualquer preocupada com bolsas. Em vez
disso, agora sou uma garota inteligente qualquer preocupada com bolsas.
– Eu não vejo problemas que você se preocupe com bolsas, mas por
que você quer comprar aquela de dois mil reais só porque viu sua amiga
com uma?
– Porque dá status.
– E o que você vai fazer com tanto status?
– Enfiar no cu!
– Ainda bem que você sabe. Você tem falado muito em enfiar coisas
no ânus ultimamente. Será que isso tudo não é um pedido indireto para
que eu faça anal em você? Faz tempo que você não pede. Ou será que
dessa vez é a Deusa do Sexo que está com vergonha de dizer?
– Fica quieto. Primeiro falamos de Deus, depois de bolsas e depois de
cu? Sobre o desfile de bolsas, é um jogo de mulheres. Homens também
têm seus jogos. Eu, por exemplo, não vejo graça nenhuma em assistir
jogos de futebol em que vejo uma bola correndo pra lá e pra cá. O que
eu ganho com isso? Alguns aceitam pagar caro para assistir ao jogo do
seu time em outro estado ou país. Com esse dinheiro compro muitas

33
Juliana Duarte

bolsas. E eles voltam pra casa sem nada, o jogo nem tinha nada a ver
com eles. Como vê, existem jogos para todos.
– Agora é você quem está sendo preconceituosa em separar jogos por
sexo. Por que, Ofélia? Você é religiosa?
– Ah, vai tomar no cu!
– No cu outra vez? Pois saiba que eu detesto futebol. Está satisfeita?
– Eu só vou ficar satisfeita quando você enfiar esse caralho duro no
meu rabo.
– Ah, agora você se entregou.
– Mas só se eu puder mexer no seu também.
– Nem pensar. Isso não vai acontecer.
– Por quê? Só porque sou mulher tenho direito de receber? Você é
preconceituoso, Mimi?
– A que ponto essa conversa chegou, hã... quer saber de uma coisa?
Eu vou preparar a próxima apostila.
– Ih, você tá é fugindo!
Nas semanas seguintes, Demian escreveu feito louco. Mal tínhamos
tempo para trepar.
Minha alegria só voltou em junho, quando ficou pertinho do Dia dos
Namorados!
– Vamos prometer um ao outro que no Dia dos Namorados iremos
realizar todas as nossas fantasias sexuais. Não vai sobrar nenhuma para a
imaginação. Eu quero ver você se masturbando na minha frente!
– Eu quero que você...
A partir daí, ele sussurrou no meu ouvido.
– Eu vou arrumar uma cruz bem grande. Eu quero que você
introduza na vagina. Eu sempre fantasiei como ficaria a parte maior da
estaca dentro do corpo feminino.
Quando Demian me confessou isso, eu abri a boca e não fechei mais.
Eu simplesmente fiquei olhando para ele sem acreditar no que tinha
ouvido.
– Eu terei que fazer muitas penitências depois disso, o Senhor que
me perdoe – completou Demian – mas é minha maior fantasia.
Eu comecei a rir. Não conseguia mais parar. Demian corou. Eu ri
ainda mais dele por isso.
– Ofélia... vai pro inferno.

34
A Gata Mascarada - Volume 2

Ele levantou-se. Ia embora. Mas eu o puxei pela camisa.


– Você confiou muito em mim para me contar isso, não é? Você
pensa em coisas religiosas quando se masturba?
– Eu penso. Sempre.
Demian cobriu o rosto com a mão quando disse isso.
– Você pensa na Virgem Maria?
– Eu imagino que eu estou violentando a Santíssima Mãe de Deus.
Dessa vez eu não ri.
– Demian... eu não sou religiosa, mas, porra. Isso é muito forte!
– Quando eu era criança e meu pai fazia aquelas coisas, eu
amaldiçoava Deus. Na minha mente, Deus me odiava por fazer com que
uma criança sofresse aquela desgraça. Então, para me vingar de Deus, eu
me imaginava violentando a mãe Dele. Somente mais tarde que fui
compreender que não era culpa de Deus, mas era tarde demais. Por mais
que eu tente me livrar dessas minhas fantasias horríveis, elas sempre me
levam mais rapidamente ao orgasmo.
– O que você imagina quando estamos transando? – perguntei, com
um pouco de receio para ouvir a resposta.
– Eu imagino que você é a Virgem. Por isso eu sempre tive medo do
meu desejo. Não importa que seja só na imaginação. Eu me sinto
horrível. Dói na minha alma.
– Demian, tá tudo bem – tentei consolá-lo – as pessoas têm as
fantasias mais malucas, confie em mim.
Mas Demian ajoelhou-se e juntou as mãos para rezar. Parecia que ia
chorar a qualquer momento.
– A culpa não é sua – disse Demian – no seminário eu também não
conseguia me livrar desses pensamentos. Isso é pecado.
Eu o abracei.
– Demian, eu vou te ensinar algo sobre Deus. Ele quer que as
pessoas sejam felizes. Não importa se você usa imagens religiosas pra ter
prazer. Sexo não é errado. “Crescei e multiplicai-vos”, não é mesmo?
Deus não é contra o prazer. Ele só fica triste quando pessoas machucam
outras. Ele está triste agora com você se machucando e se punindo por
toda essa culpa. Ele quer te ver feliz, Mimi.
– Então por que Ele me fez sofrer tanto na infância?

35
Juliana Duarte

– Não foi Deus quem te fez sofrer, você sabe disso. Foi a ignorância
humana. Você é inteligente e gentil. E está me fazendo feliz por estar ao
meu lado, me dando prazer. Então te juro que o que quer que você
pense enquanto faz sexo não vai te mandar pro inferno. Porque quando
estou contigo eu fico no céu.
Demian me abraçou.
– Eu nunca esperaria escutar um sermão tão sábio vindo de uma
ateísta.
– E eu nunca esperaria encontrar um religioso tão tolerante e
inteligente.
– Temos muito que aprender um com o outro. Acho que foi por isso
que Deus nos colocou juntos.
– Não sei se foi por isso que ele nos colocou juntos ou se ele sequer
existe – observei – mas você existe e eu te amo, por mais esquisito que
você seja.
– Que se façam minhas as suas palavras.
– Até a primeira parte?
Mas ele não respondeu essa pergunta.
– Teremos outras coisas divertidas além do sexo para fazer no Dia
dos Namorados! – acrescentei – Podemos sair juntos num encontro.
Comer coisas gostosas.
Eu confesso que minhas concepções sobre o Demian se
transformaram drasticamente após aquelas revelações. Eu nunca o
imaginei nessa situação delicada. Ele lutava contra algo mais forte dentro
dele a cada instante.
Mas eu não queria fazê-lo se sentir mal. Por isso, preferi não tocar no
assunto. Ao mesmo tempo, eu me perguntava quais outros segredos ele
guardava. Demian parecia um poço de mistérios. E não eram aqueles
tipos de mistérios que te dá prazer de desvendar. É o tipo de coisa que te
faz sentir uma sensação horrível ao ser descoberta. A história dele era
assustadora, mas era melhor que ele não soubesse disso. Eu queria tirar
todo aquele peso das costas dele.
Perto daquilo, a tara do Alfredo com scatsex parecia quase simpática.
Acho que só me chocou mais por eu saber que Demian era muito
dedicado à religião, mas... merda, eu não podia deixar transparecer que
aquilo havia me impressionado.

36
A Gata Mascarada - Volume 2

Demian foi para a missa do Corpus Christi. Eu soube que haveria um


encontro da Flolan para um ritual mais ou menos no mesmo horário.
Mas somente um número seleto de membros seria convidado.
Eu não fui convidada. Eu era um membro relativamente novo afinal,
comparando com aqueles que já faziam parte da Ordem há uns dez anos.
Mas eu desejei visitar o local mesmo assim, porque fiquei curiosa.
Eu me comportei. Nem mesmo olhei. Mas no final do ritual, quando
eles já estavam indo embora, vi pessoas que eu não conhecia.
Gregório, Ângela e Fábio estavam lá. Eu identifiquei somente esses.
Havia outros dois desconhecidos.
Preferi que eles não me vissem. Eu não queria ser xingada por estar
me metendo num ritual de grau avançado.
Fiquei lá sentada debaixo da árvore. Somente quando pensei que
todos tinham saído, eu me movi.
– Boa tarde.
Eu levei um susto quando alguém se dirigiu a mim. Era um dos
membros que eu não conhecia. Ele ainda estava com o rosto pintado do
ritual.
– Você é um membro da Flolan de outro estado? – perguntei.
– Sou apenas um convidado.
Ele tinha um sotaque diferente. Achei bonito a forma com que ele
pronunciava as palavras.
– Sou membro – comentei, orgulhosa – na verdade eu não deveria
estar aqui. Foi um ritual secreto para os veteranos, certo?
– Gregório não explicou?
– Não para mim.
– Então nada falo.
Aquilo me incomodou um pouco. Enquanto isso, ele removia a
pintura do rosto. Eu não achava justo que um desconhecido participasse
de um ritual importante como aquele. Mas Gregório devia saber o que
estava fazendo.
– Gregório aprecia o segredo. Aquele homem vive por isso.
– Você o conhece há muito tempo? – perguntei, interessada.
– Acredito que atualmente sou um dos segredos dele.
Fazia sentido. Eu tinha ouvido falar que a Flolan dos velhos tempos
era uma sociedade muito mais aberta, que aceitava membros diversos.

37
Juliana Duarte

Conforme a demanda por vagas aumentou, tornou-se uma sociedade


secreta muito mais discreta.
Como já havia muitos membros veteranos, Gregório fazia diversos
rituais exclusivos com os membros de grau mais alto. Aquilo não ocorria
no começo, quando as atividades estavam abertas para todos.
– Existe uma Ordem interna da Flolan? – perguntei.
– Como eu disse, não sou um membro. Não estou inteirado a
respeito dessas estruturas internas e hierarquias.
– Você não gosta de segredos?
– Segredos são fascinantes, de uma forma que somente eles podem
ser. É sábio quando você utiliza a mística do segredo aplicando-a a um
mistério que envolve algo maior que o próprio segredo, e também mais
elevado do que você mesmo.
“Agora eu não entendi nada”. Eu estava perdendo o rumo da
conversa. A resposta dele foi elaborada, provavelmente porque minha
pergunta foi complexa.
Será que ele se referia ao segredo das sociedades secretas ou ao
segredo da própria natureza? Eu sentia que aquela pintura corporal que
ele usava não era uma tentativa de compreender os grandes enigmas, mas
de também fazer-se mistério.
– Esse disfarce ritualístico é uma transformação em segredo?
– De fato, uma celebração – concordou ele – daquilo que jamais
saberemos. Não buscamos desvendar tudo. Algumas vezes apenas ser
parte daquilo que não pode ser conhecido é o bastante.
– Então o Mago não é aquele que desvenda o mistério. É aquele que
se transforma no próprio mistério.
– Se eu confirmar que você está correta, estragaremos o enigma.
Preciso confessar que você está certa, mas também está errada. Ao
mesmo tempo, você não está certa e nem errada. Suas palavras são
aquilo que você vê em mim. Se eu remover a minha máscara, você
consegue enxergar algo diferente ou igual?
Fitei o rosto dele sem a tinta. Ele vestia uma camisa negra e tinha
longos cabelos negros. Era difícil dizer se o verdadeiro eu dele era o
rosto com tinta ou sem tinta. Ele me parecia assustador das duas formas.
– Eu acho que você é uma sombra – decidi – eu não sei quem você é,
mas me parece ser alguém que aparece e desaparece.

38
A Gata Mascarada - Volume 2

– Nosso encontro hoje foi uma mística. E não menos fantástico que
isso.
Ele segurou alguns gravetos e folhas na mão e largou-os no ar.
– Passará e se integrará à natureza. Já devo partir.
Conversar com ele era como parar no tempo. Por que teve que ser
tão breve?
Quando ele passou próximo a mim para ir embora... eu senti uma
sensação incrível. Não foi nada parecido com algo que eu já tivesse
sentido antes.
Lembro que da primeira vez que fitei Demian eu senti um enorme
medo dele. Ele possuía energias extremamente pesadas ao seu redor. Eu
tive certeza absoluta disso desde aquele instante. Somente ao conhecê-lo
melhor eu passava a entender o que significava tudo aquilo.
No caso daquela pessoa, eu também sentia um pouco de medo, mas
era um sentimento diferente. A energia dele não era densa. Era profunda.
A energia de alguém que já havia tocado muitas dimensões do
mensurável e do imensurável.
– Senhor... você é um Deus?
Aquela pergunta simplesmente aflorou dos meus lábios, como se
fosse natural.
– Não, ainda bem. A senhorita é uma Deusa?
– Eu sou a Deusa do Desejo. Porque meu desejo não tem fim.
– É uma grande honra conhecer uma Deusa – ele disse isso
sinceramente – é uma responsabilidade que eu não desejo carregar. Eu
sou um dragão.
– Você me contou seu segredo! – exclamei, impressionada.
– Você confiou em mim para contar o seu, então foi natural que eu
revelasse.
Que conversa deliciosa!
Ele fez uma leve reverência.
– Deusa do Desejo, esse dragão deverá voar de volta à sua dimensão
original. Irei recordar-me desse encontro.
Dessa vez ele foi embora de verdade.
Sentei-me na grama outra vez. O que havia sido aquilo? Uma
conversa exótica como aquela precisa de duas pessoas igualmente
excêntricas para mantê-la.

39
Juliana Duarte

– Eu sou uma Deusa... a Deusa do Desejo.


Eu descobri isso naquele dia. Foi tão fantástico! Colocar aquilo em
palavras para uma pessoa como ele fez aquela sentença se tornar
verdadeira.
Então eu havia me tornado uma Deusa. Ou melhor: ele havia me
tornado, de uma maneira muito inteligente e intrigante. Ele devolveu
meu elogio. Mas por que ele preferia ser um dragão?
Um dragão tem um poder próximo ao de uma poderosa divindade,
mas ele é livre. Ele vive com sua própria presença e força. Não precisa
governar mundos ou criá-los. Apenas cruzar os céus e a terra com
nobreza e elegância.
Onde mesmo que eu já havia lido algo parecido? Na biblioteca da
Flolan. Num livro chamado... “As Marcas da Presença”. Seu autor era
Dragão de Sal.
Subitamente, desejei reler esse livro. Levantei-me e dirigi-me até a
sede.
Quando cheguei lá, a única presente era Ângela.
– Oi, Ofélia.
– Oi, mestra.
Bem, ela já havia sido minha mestra uma vez. Consultei nossa estante
de livros.
– Desejo retirar esse.
– Por que esse? – ela perguntou – E por que hoje?
– Eu acho que hoje conheci um dragão.
– Que dragão? – ela perguntou, desconfiada.
– É um segredo.
– Você foi espiar o nosso ritual?
– Não, claro que não!
Resolvi sair logo de lá com o livro antes que Ângela descobrisse
alguma coisa e me desse sermão.
Quando voltei para casa, eu ainda sentia aquela sensação mágica.
Mergulhei completamente na leitura daquele exemplar.
No dia seguinte, fui assistir às minhas aulas com a cabeça nas nuvens.
Na hora do almoço, encontrei-me com Demian. Eu estava almoçando
menos vezes com Alice e Poliana para que ele não reclamasse que eu
estava formando um complô de fofocas.

40
A Gata Mascarada - Volume 2

– Demian, eu tenho uma notícia maravilhosa para você.


– E o que seria?
– É sobre bolsas.
– Então essa deve ser uma notícia maravilhosa para você e não para
mim.
– Eu descobri que a Louis Vuitton se preocupa com sustentabilidade
e filantropia.
– Quem é essa pessoa?
– É uma grife! Você está por fora das tendências, bobinho!
– E o que isso me interessa?
– Eles se preocupam com a biodiversidade e a preservação ambiental
no preparo dos produtos, comprometendo-se com processos de
reciclagem, valorização da água, arquitetura com luzes naturais e
alternativas de transportes pela água e por bicicleta, tudo isso tendo em
vista reduzir impactos ambientais. Eles também têm uma parceria com a
SOS Children’s Village, que ajuda crianças órfãs e abandonadas, auxiliam
a Cruz Vermelha, se associaram a “The Climate Project” para
conscientizações de mudanças climáticas, além de ajudaram muitos
outros projetos de caridade como a “Naked Heart” na Rússia, a
“OrphanAid” na África, a “Mandela Rhodes Foundation” na África do
Sul, além de outros diversos projetos de incentivo às artes. Veja só, eles
também auxiliam a ONG “Spectaculu” no Rio de Janeiro! Eles doam
uma porcentagem enorme da venda de bolsas para caridade. Veja só a
lista!
Passei para ele uma lista que tirei da internet.
– As pessoas ignorantes criticam as “pessoas fúteis que gastam com
bolsas de grife”, mas não é bem assim – prossegui – também é possível
fazer um mundo melhor dentro do sistema capitalista. Tudo o que as
pessoas precisam é se informar e conhecer o que há por trás de cada
marca que utilizam. Agora estou ainda mais confiante para gastar mil ou
dois mil reais numa dessas bolsas, pois além de eu achá-las realmente
lindas, sei que estarei contribuindo para pessoas que precisam.
– Então por que você não compra uma bolsa de cem reais e doa os
outros mil e novecentos para instituições de caridade?
– Bom, hoje eu doei 20 dólares para uma dessas instituições, com
uma coisa que comprei na internet – informei.

41
Juliana Duarte

– Está bem, eu não vou te criticar – decidiu Demian – o dinheiro é


seu. Ou melhor, dos seus pais... eu só acho meio contraditório que você
esteja preocupada com filantropia e com essas bolsas caríssimas e depois
se queixa quando tem que pagar um almoço para mim.
– Eu nunca reclamei de ter que pagar nada pra você! Eu adoro poder
ajudá-lo, porque eu te amo. Eu só reclamei daquela vez por você ter me
chamado só para pagar e nem estivesse a fim de me ver.
– Eu prefiro passar fome a ter que depender de outras pessoas
pagando coisas para mim. Digo isso tanto por orgulho como também
porque não quero ser um incômodo.
– Você não é um incômodo e nunca será. Que coisa!
– Sabe, é mais fácil doar um monte de dinheiro para desconhecidos
do que ajudar as pessoas que estão perto de nós. Pense nisso, Ofélia.
– Assim você me faz parecer um monstro. Eu quero ajudar as
pessoas, mas também não posso ter meus pequenos caprichos sem ter
alguém me condenando e me julgando?
– Eu quero acreditar que você é uma pessoa inteligente. Eu confio
nas suas escolhas. E quero te ver feliz. Isso é o suficiente?
– Sim, Mimi.
Peguei na mão dele. Quando terminamos de almoçar, nos sentamos
num banco. Encostei a cabeça no ombro dele.
– Soninho... quanto tempo falta pro encontro da OAAL?
– Uma hora – respondeu Demian – ainda temos tempo.
– Como foi a sua missa ontem?
– Que pergunta estranha vindo de você. Eu vou a missas o tempo
todo e você nunca quis saber o que faço lá.
– Imagino que você reze. Você pede para que Deus me proteja?
– É claro. Sempre.
– Desista. Eu vou pro inferno. Você vem comigo? Ou prefere Deus?
– Lá vem você de novo... e suas aulas, como estão?
– Vagamente interessantes. Tá melhor que o colégio, pelo menos.
Acho que eu aguento.
– Bom saber.
– Ah, Mimi, você nem sabe! Ontem conheci um dragão!
– Quem? O Dragão de Sal, mestre do Gregório?
Eu fiquei boquiaberta quando escutei isso.

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A Gata Mascarada - Volume 2

– Ele é o mestre do mestre? O autor daquelas apostilas de magia


draconiana e magia natural da nossa biblioteca?
– Foi o que eu disse. Eu não conheço bem a história, mas parece que
ele veio para cá depois de dez anos, para participar de um ritual
importante. Você o conheceu pessoalmente?
– Eu acho que sim! – falei, confusa – sabia que eu sou a Deusa do
Desejo?
– Eu sempre soube.
Demian me deu um beijo na boca. Fiquei tão feliz com aquele beijo
que fiquei com uma carinha de quem tava nas nuvens. Eu não conseguia
parar de sorrir.
– Mimi me beijou!! Isso foi tão bom, tão bom!
Eu sorria fascinada e comemorava. Dessa vez fui eu que o agarrei
com vontade. Devolvi o beijinho.
Eu descobri que não importava quantas vezes nos beijássemos: seria
sempre tão mágico e extraordinário como se fosse a primeira vez. Eu
ficava em paz, meu coração acelerava, de prazer e alegria!
Ele me abraçou. Passou as mãos no meu peito, por cima da blusa.
Epa! Demian, fazendo aquilo em público? Uau!
Enquanto passava a mão em mim, ele respirava rápido. Ele começou
a colocar a mão por dentro da minha blusa.
– Mimi, tem gente passando – eu sussurrei pra ele, em meio a risos.
– Até parece que você se importa – ele sorriu também. E depois
sussurrou no meu ouvido – eu quero te possuir agora mesmo. Vamos lá
pro meu quarto na Casa do Estudante.
– Waaa!! – eu adorei ouvir aquilo!
Amei a ideia! E, só para provocá-lo, comecei a miar pertinho do
ouvido dele, do jeito que ele gostava.
– Ah, não, para. Senão vou gozar aqui mesmo.
– Eu adoooro ver o meu namorado certinho falando essas
palavrinhas ousadas!
Eu e Demian demos as mãos e corremos até a Casa do Estudante. As
pessoas ao redor jamais imaginariam porque eu e ele estávamos com
tanta pressa...
– Obaaa, Fifi tá feliz! Vou comer meu Mimi!

43
Juliana Duarte

Assim que chegamos no apartamento, ele trancou a porta e começou


a tirar a minha roupa. Eu também arrancava as roupas dele enquanto nos
beijávamos, de pé, encostados na porta. Os dois suspirando forte e
repletos de desejo.
Ele me segurou no colo para me levar até a cama. Primeira vez que
ele fazia isso. Ele estava particularmente tão sensual naquele dia!
Aquela foi uma transa bem desesperada, molhada e repleta de beijos.
Eu e ele tremíamos de desejo na hora de colocar a camisinha. Era como
se corrêssemos contra o tempo, não vendo a hora de devorar um ao
outro imediatamente.
Demos batidas vigorosas da cama contra a parede. Eu gemia com
vontade. Fiquei mais do que satisfeita ao ver o Demian gemendo um
pouco também. Eu sempre era bem escandalosa nas minhas
manifestações de prazer. Queria deixá-lo completamente à vontade para
expressar o prazer dele, pois aquilo elevava minha libido ao extremo.
– Faz aquela carinha de novo! – pedi.
Eu adorava uma expressão que ele fazia que mostrava um prazer com
um pouquinho de dor. Mas teve uma hora que eu tive que perguntar:
– Mimi, você tá sentindo dor?
Porque eu fiquei com uma peninha!
– Um pouquinho... mas não é nada de mais. Pode deixar.
– Se toca um pouco pra eu ver?
– Só no Dia dos Namorados.
– Aliás, que horas são?
– Duas e cinco...
– Ah, merda! Vamos chegar atrasados na reunião. Foda-se, né?
– É.
Nos beijamos mais um pouco. Dois minutos depois, acabamos
levantando. Nos vestimos às pressas. Colocamos os nossos mantos azuis
com inscrições da OAAL.
Saímos do apartamento em disparada. No caminho, as pessoas
olhavam para trás e apontavam para os dois encapuzados que pareciam
disputar uma maratona.
Quando chegamos na sala, já havia mais uns oito encapuzados nos
aguardando. O “mestre” desculpou-se polidamente pelo atraso, com sua
expressão séria. Eu sentei-me e abafei o riso.

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A Gata Mascarada - Volume 2

Ao longo dos meses anteriores, Demian tinha preparado alguns


livretos oficiais da Ordem. Eu achava alguns deles um pé no saco,
sinceramente. Um falatório interminável com termos pomposos e escrita
rebuscada. Ele gostava de escrever dessa forma dramática, embora eu
tirasse com a cara dele por isso.
– Pois então, que é a magia, meus caros? – perguntou Demian – É
aquilo que te faz nascer ou o que te mata?
– Ah, meu filho, já estamos aqui há meses e você ainda continua com
esse papo de “o que é a magia”? Vai te foder – comentei.
Um dos privilégios de ser a namorada do mestre: eu tinha o direito de
desmoralizá-lo por mera diversão.
– Já que é tão sábia, talvez você queira nos esclarecer essa questão –
ele desafiou-me.
– Com prazer – concordei – magia é uma trepada ao ar livre gozando
no mato.
– Perdão?
– Ora, se magia não fosse tão bom quanto uma foda bem dada,
jamais seria digna da minha atenção. Qualquer coisa que faço na vida
precisa ser tão perfeita quanto o sexo mais violento e fogoso.
– Obrigado por sua contribuição. Mais alguém?
Algumas vezes o Demian era frio e sem graça. Na frente dos
membros ele adorava se portar como um cara sério e assustador. Há, há...
palhaço. Ai, meu palhacinho sexy!
– Para mim, magia é como uma viagem no tempo – comentou Sérgio
– há uma época em que você se dedica e avança muito em teoria e
prática. Mas logo deve diminuir o ritmo e retroceder, voltando para o
passado. É mais como uma dança entre passado e futuro, entre acelerar e
desacelerar. Até que você atinja uma medida interessante em que seja
capaz de viver o presente sem arrependimentos, sem pressa, mas
também sem parar.
– Belíssima definição – elogiou Demian.
Normalmente ele iria acrescentar: “mas a minha é melhor” e daria um
discurso de uma hora falando sobre Deus. Mas surpreendentemente,
Demian simpatizou muito com Sérgio. Acho que todos gostavam dele.
Ele era um cara inteligente e modesto. Aquelas pessoas interessantes que
não seguem nem o extremo da arrogância e nem o extremo da

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Juliana Duarte

humildade. Ele simplesmente dava sua opinião, valorizava e defendia o


que pensava, mas ficava feliz de escutar os outros. E ele sempre ouvia
cada um com atenção.
Sérgio não fazia diferença entre escutar a opinião do Demian ou de
uma pessoa que não sabia nada de magia e tinha acabado de entrar para a
Ordem. Ele sempre escutava cada um com aquela expressão curiosa de
interesse genuíno. Demian já tinha requisitado para que Sérgio escrevesse
algo para a OAAL, e ele dispôs-se a ajudar.
Honestamente, eu adorava observar a personalidade das diferentes
pessoas ao meu redor. Eu não acreditava que havia uma personalidade
melhor que outra. Algumas eram mais engraçadas, divertidas, agradáveis
ou interessantes. Cada uma tinha seu encanto. Seria chato se houvesse
uma maneira ideal de agir e todos fossem iguaizinhos.
– O objetivo dessa sociedade secreta é unir diversas mentes
pensadoras – anunciou Demian – eu poderia muito bem dedicar-me a
escrever meus artigos e realizar práticas isoladamente. Mas é essa bela
egrégora que torna tudo mais significativo. É mais do que simbólico. É
poder e sabedoria em sua pureza.
– Com licença, Demian. Será que posso dar uma olhada?
Era Alice quem estava na porta.
Ela sabia que eu e Poliana estávamos envolvidas com uma sociedade
secreta. Normalmente não iríamos permitir que alguém simplesmente
entrasse e assistisse. Mas ser amiga da vice-líder tinha seus privilégios...
– Vem, Ali – chamei.
Nem esperei a autorização do Demian. E ela sentou-se ao meu lado.
– Como eu dizia, gostaria de chamar-lhes a atenção para a
importância de estarmos todos reunidos aqui. Esse é um ambiente
universitário. Nosso objetivo não é tão somente aprender, como também
bolar ideias novas. Não há tanto espaço para criar novas definições
durante as aulas, já que elas costumam seguir uma programação mais ou
menos fixa e os professores precisam passar o conteúdo. Nos centros
acadêmicos dos cursos, os alunos estão mais preocupados em manter um
clima de relaxamento e descontração, organizando festas e pequenos
eventos. Tanto as aulas como os centros acadêmicos desempenham
papel importante na vida do estudante. Mas pode haver mais. É para isso
que existem as fraternidades universitárias, clubes e sociedades secretas:

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A Gata Mascarada - Volume 2

para reunir pessoas com interesses semelhantes e incentivá-las a debater,


pensar, desenvolver suas ideias e transformá-las em arte, ciência, filosofia,
magia, ou seja qual for o objetivo desse parto de ideias.
– Nós somos um grupo que incentiva o desenvolvimento da arte e da
filosofia – complementei – afinal, não é a magia uma filosofia e uma
arte?
– Pessoas dos mais variados cursos podem aplicar os princípios da
filosofia oculta às suas áreas de interesse – disse Demian – quanto mais
diversificado for o grupo, mais longe poderemos chegar. Mais iremos
aprender, poderemos enxergar horizontes mais distantes. Em algum
momento, todas as áreas se encaixam. Estar aqui é como montar um
cubo mágico. Quem sabe uma forma geométrica ainda mais complexa.
– E colori-lo, fazê-lo brilhar! – acrescentei, empolgada.
Bibiane entrou na sala carregando um monte de livros pesados.
– Achei um material muito bom na nossa biblioteca. É meio antigo, e
funciona. Consegui um dicionário de tupi-guarani.
– Tupi? Cara... que viagem – observou Poliana, achando graça – o
que mais você tem aí, donzela?
– Tem um livro sobre artistas plásticos brasileiros. Um de sociologia.
E outros materiais que acredito que tenham relação com nossa proposta.
Têm umas listas aqui que podem servir para montar umas tabelas.
– Falando em listas, teremos a cerimônia de iniciação do Igor hoje à
noite. Gostaria de saber quem vem.
Demian pegou um caderno para anotar.
– Já escolhi o meu nome secreto – informou Igor.
– Então mantenha em segredo por enquanto – disse Demian – você
só irá revelá-lo na ocasião da cerimônia. Somente os veteranos poderão
participar.
Demian anotou os nomes dos que confirmaram presença. E depois
disse:
– É muito especial fazer parte de um grupo restrito como esse.
Gostaria que vocês valorizassem essa oportunidade. Pode não parecer
grande coisa, mas poucos hoje em dia têm a coragem e ousadia de dispor
de um tempo que poderia ser dedicado para lazer ou descanso, tendo
como finalidade preparar algo assim. Eu tenho propostas fantásticas em
mente. Mas elas só irão se concretizar se todos acreditarem em nossa

47
Juliana Duarte

união. Será algo que iremos construir juntos. A força do grupo é algo
que precisamos entender. Você pode ser um gênio, mas de nada
adiantará ser um gênio louco e solitário. Você morrerá, suas ideias não
inspirarão ninguém e você terá uma existência infeliz. Nós não somos
indivíduos isolados. Nós somos eternos. Somos imortais! E agora eu
revelo o segredo da imortalidade: é continuar a existir através das ideias
dos outros, que se inspiraram nos seus pensamentos. É ser parte de um
grupo como esse, que dá nascimento às ideias e as eterniza, numa ação
consistente de respiração, palavras e vivência. Em nome da vivência
completa, longa vida à OAAL!
– Longa vida à OAAL! – exclamamos juntos.
Aquele discurso foi inspirador. Estávamos todos empolgados para
criar.
– Olhem ao seu redor! – clamou Demian – Quem arquitetou esse
prédio? Quem construiu essas cadeiras? Quem montou esses livros?
Quem costurou nossas roupas? Quem fundou essa universidade?
Somente através da contribuição de todas essas pessoas e de muitas
outras mais, de nossos pais, professores e mestres, que podemos estar
aqui hoje. E com esse grupo iremos compreender que precisamos uns
dos outros mais do que nunca. O sentido da vida reside em nosso
relacionamento com os outros seres. Tente buscar outros sentidos e
inspirações. Ainda assim, você precisará do oxigênio das plantas para
respirar; consumir vegetais e animais para permanecer vivo. Você não
vive sem os outros. É somente com essa união que a existência se
completa.
– Bravo! – exclamei.
E bati palmas. Os demais bateram palmas também. O Demian já se
achava o máximo naturalmente, mas aquele discurso foi demais. Dessa
vez ele merecia a ovação. Ele até ficou meio sem jeito com os aplausos,
dando um leve sorriso.
– Obrigado por estarem aqui comigo, de verdade – disse Demian –
vocês me fazem sentir muito especial por desejarem ouvir o que tenho a
dizer. E terei o maior prazer de ouvir as ideias de vocês também, para
que possamos trabalhar juntos.

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A Gata Mascarada - Volume 2

No final da reunião, alguns foram cumprimentar o Demian. Alice


decidiu que desejava realizar o teste para entrar em nossa sociedade
secreta.
– O seu discurso foi muito maduro – falei – parabéns. Você consegue
enxergar a diferença entre os discursos que você fazia dois anos atrás e
os de hoje?
– Eu consigo. Antigamente eu achava que só precisava de mim
mesmo. Eu pensava que estava fazendo um favor para a Flolan
honrando-a com minha presença. Agora entendo que a realidade é muito
mais complexa. Eu não posso tentar julgar a complexidade e
potencialidade dos outros baseando-me somente na minha vivência.
– Fiquei surpresa por ter mencionado sobre pais. Você foi muito
forte.
– Eles me maltrataram, mas se não fosse por eles eu não estaria aqui.
E jamais teria te conhecido.
Eu o abracei.
– Por favor, não faça isso – ele disse – não vamos manter essa
conversa. Você não quer me ver mal, certo?
– Certo. Desculpa.
– Sabe, o maior desafio de manter um grupo como esse é superar as
brigas, em nome da importância da nossa união, dos projetos que
estamos desenvolvendo e do potencial para uma vivência mais plena na
companhia de todas essas pessoas. Seja num grupo de estudos, no
colégio, numa família, entre amigos... basta unir pessoas que haverá
probabilidade de brigas. Isso é bastante humano. Precisamos ter a
paciência e a força de vontade para manter a OAAL apesar disso. E por
acaso aquela sua amiga que tem uma personalidade semelhante a da
Eugênia, ou até pior, já está me causando problemas.
– A Poliana nos ajudou a fazer os mantos.
– E só por isso ela pensa que tem o direito de incomodar? Eu
gostaria de conversar com ela em particular. Por favor, chame-a aqui.
E lá fui eu chamar minha colega. Ela aceitou conversar com o
Demian.
Os dois ficaram sozinhos na sala por longos minutos. Poliana saiu de
lá emburrada, me olhando com uma expressão de desdém.

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Juliana Duarte

– Primeiro ele dá aquele discurso comovente sobre a necessidade de


união. E agora ele vem me criticar. Ofélia, é melhor você acalmar o seu
namoradinho. Aposto que ele tá irritadinho por falta de sexo. Da
próxima vez, faça um boquete bem caprichado nele para que ele venha
calminho para a reunião.
Ora, nós até chegamos atrasados na reunião por causa do sexo. Será
que já tinha passado o efeito?
Entrei na sala. Demian estava sério e de braços cruzados.
– Gritou muito com ela?
– Eu não gritei – respondeu Demian, meio ofendido – tentei manter
uma conversa civilizada. Depois ela começou a me acusar por eu não ter
pagado ainda pelo manto.
– Eu paguei a sua parte. Eu avisei para ela. Que galinha!
– Você fica espalhando para pessoas como ela que não tenho grana,
isso ou aquilo, e cedo ou tarde acabam usando isso contra mim. Ela já
foi advertida. Está por um fio. Na próxima ocorrência irei expulsá-la.
Nem que ela leve todos os nossos mantos com ela, não dou a mínima.
Putz. Bem, a Ordem já tinha três meses de existência. Até que estava
demorando para ocorrer uma expulsão, embora algumas brigas já
tivessem rolado. Eu também não via muita chance de Poliana
permanecer. Eu só torcia para que a expulsão dela não estragasse nossa
amizade. Mas claro que, entre ela e meu chuchuzinho, eu pararia de falar
com ela na hora.
Eu estava super ansiosa para o Dia dos Namorados. Quando chegou
mais perto, fui junto com Alice escolher algum presentinho para Demian.
Ela também estava com um namorado novo.
– Ai, amiga, escolher presente pra homem é um sacrifício – comentei
com Alice – para mulher qualquer coisa serve: um brinco, um ursinho,
um perfume, um caderninho... sendo produto de beleza ou qualquer
coisa que tenha bichinhos fofinhos, ela já fica feliz. O que caras gostam?
– Compra uma roupa, sei lá.
– Vou comprar uma cueca sexy escrito: “Macho Man”.
E foi exatamente isso que eu fiz.
Quando Demian abriu seu presente no Dia dos Namorados, ele me
lançou aquele olhar de esguelha, bastante apropriado para a ocasião. Eu

50
A Gata Mascarada - Volume 2

já imaginava que ele ia me olhar daquela forma. Por isso mesmo eu


sempre fazia questão de arranjar presentes divertidos.
– Você não espera que eu use isso, certo?
– Faço questão que você use.
– Eu não vou sair com isso na rua.
– E por acaso mais alguém vai ver além de mim? Se isso acontecer,
eu mato a vadia.
– Você quer que eu use hoje?
– Com certeza.
– Ofélia, eu sinto muito, mas não sobrou grana para o seu presente.
Eu também estou pirando aqui para fazer os textos da Ordem e, ao
mesmo tempo, estudar para a faculdade. Nem tive tempo para escrever
um cartão.
– Como punição, você vai usar o meu presente enquanto trepamos.
Ele não reclamou. E acabou concordando em se masturbar na minha
frente também. Afinal, eu vinha pedindo isso já há algum tempo.
Aquela foi a coisa mais linda que eu já vi na minha vida. Minha
calcinha ficou encharcada enquanto eu contemplava o espetáculo mais
maravilhoso sobre essa terra.
Cara, eu enlouqueci. Eu precisava tocar nele!
Joguei-me nos braços dele.
– Espere, agora é sua vez – avisou Demian.
Afastei a calcinha e coloquei meus dedos. Entreabri os lábios e miei.
Demian não aguentou só ficar olhando por muito tempo.
– Adoro os seus lábios – ele passou os dedos pela minha boca –
todos eles.
Ele tirou minha calcinha. E, pela milésima vez, fizemos amor.
– Quer satisfazer as suas fantasias? – perguntei.
– Não – disse Demian – estou tentando mudar as minhas fantasias
para qualquer outra coisa. E vou precisar da sua ajuda.
– Que tal “Ofélia e morangos”? “Fifi e chocolates”? “Ofi e
chocomorango”?
– Por que sempre há comida no meio?
– Um dia eu quero docinhos no meio da nossa transa. Vamos nos
lambuzar de chocolate. Pode ser hoje? Vou derreter o chocolate, tá?

51
Juliana Duarte

Nem esperei uma resposta e fui preparar. Voltei com uma panela
cheia de calda de chocolate e fui jogando em cima dele.
– Ai, tá quente isso, cuidado! – ele reclamou.
Lambi ele todinho! Ele também me lambeu.
– Chocomimi! Hmmmm! Que delícia!
Nós mudamos a ordem das coisas. Transamos de manhã, porque
estávamos com muita vontade. Tomamos um banho e depois saímos
juntos para um lindo e romântico encontro!
De tarde fomos na sorveteria. E tudo terminou à noite com um lindo
jantar à luz de velas que preparei. É, ocultistas sempre têm muitas velas
sobrando. O jantar não foi grande coisa, mas era comestível. Talvez
estivesse muito doce ou salgado. Ou doce e salgado ao mesmo tempo.
Nem lembro se peguei o vidro de sal ou açúcar.
Mas Demian foi forte e aguentou comer minha gororoba! E ainda
elogiou! Que amor, né?
– Ofélia, você cozinhou isso ou você foi no banheiro e depois
colocou no meu prato?
OK, ele não elogiou.
– Primeiro eu fui no banheiro, depois eu cozinhei – informei.
– Pelo menos matou os germes.
– Eu vou ligar pra pedir uma pizza, tá bom? – decidi, emburrada.
– Ufa, ainda bem. Pensei que ia ter que comer tudo isso para agradá-
la.
– A sobremesa tá boa – garanti – eu sei fazer sobremesas. Eu acho...
Enquanto a pizza não chegava, passei um batom vermelho com
cheirinho de morango para encher o Demian de beijos. E... acho que
fizemos sexo outra vez. Ali mesmo, em cima da mesa. Ops.
Um dia memorável, cheio de carinho, ternura e muito, muito fogo!

52
A Gata Mascarada - Volume 2

Capítulo 2

– Por que você convidou o Bernardo para a OAAL?


– Porque eu quis.
– Você sabe que eu odeio ele.
– Ele é meu amigo.
– Você acha que eu ligo para seus amigos, Demian?
– E você acha que eu ligo para as suas amigas? Eu permiti que você
trouxesse aquelas garotas histéricas para cá. Então por que não posso
convidar quem eu quero?
– Vou usar meus poderes de vice para vetar essa decisão.
– Não comece, Ofélia. Você sabe bem quem tem mais poder aqui.
Eu quase ri.
– Você declarou-se líder simplesmente do nada. E eu fui tola o
bastante para aceitar sem questionar. Nós começamos isso juntos.
– Eu faço praticamente tudo aqui dentro! – defendeu-se ele – Viro
noites escrevendo textos gigantes, usando o tempo que não tenho. Dou
as palestras. E estou me esforçando bastante para que as coisas deem
certo.
– E quem foi que organizou nosso último ritual? – levantei uma
sobrancelha – eu não sou invisível, meu querido. Eu faria tudo isso que
você faz, e mil vezes melhor. Você só se dá bem porque sua voz
monótona é sexy.
– O quê...?
– Mas também dá um pouco de sono. Se você tivesse voz de homem,
grave como a do Gregório, iria entreter os ouvintes com mais eficácia.
Poderia falar qualquer bobagem e todos iriam se derreter.
– Você não está mais fazendo sentido. Já cansou de me dizer que
ficava entediada nas palestras da Flolan. Eu já te vi cochilar mais de uma
vez enquanto aquele cara falava.
– “Aquele cara” é seu mestre – repreendi-o – trate-o com respeito.

53
Juliana Duarte

– Pois eu sou o seu mestre! – ele retrucou – e talvez eu não queira


mais tê-lo como tutor. Já tenho minha Ordem. Posso muito bem
desaparecer da Flolan.
Eu dei um sorrisinho.
– A Flolan tá bombando, sabia? A quantidade de membros
praticamente dobrou nos últimos meses.
– Como se quantidade fosse sinônimo de qualidade... – Demian
revirou os olhos – já tenho mais de vinte membros na minha Ordem.
Acho um bom número. Se passar de cinquenta ou cem já começa a ficar
desorganizado. A Ordem se torna mais impessoal e os membros não
obtém a devida atenção que merecem.
– Então agora é a “sua Ordem”? – eu fiquei zangada – Meu amor,
nem se você se esforçasse por todo o resto de sua vida universitária
conseguiria reunir cem membros!
– Eu já disse que não me importo com números, você é surda?! –
dessa vez ele elevou a voz – Se você se importa, vá distribuir panfletos
seminua pela universidade, que aposto que irá reunir os cem membros
em um dia!
– Ora, obrigada pelo elogio – ironizei – aposto que eu iria mesmo!
– E no dia seguinte todos eles iam sair. A não ser que você se
despisse.
– Pois eu acho que se você saísse por aí pelado ia conseguir mais
novos membros do que eu! – garanti, com um sorrisinho.
– Eu concordo. O corpo desse homem é escultural.
Quem falou isso foi Bernardo, que entrou na sala vazia da Ordem
naquele instante. Ele estava ouvindo tudo pela porta, se divertindo.
Maldito.
– É nada – falei – ele não tem músculos. Devia fazer academia.
– Eu sei do que falo, mocinha – observou Bernardo – eu divido o
quarto com ele. Já o vi sem camisa mais de uma vez.
– Não fale mal do meu quindim!
– Mas foi você quem falou. E, devo dizer: é um prazer vê-los
discutindo mais uma vez. Podem bater boca quantas vezes quiserem. Eu
vou curtir cada vez mais.
Demian estava perdendo a paciência.

54
A Gata Mascarada - Volume 2

– Acredito que o rumo da discussão desviou-se ligeiramente –


observou Demian – estávamos falando de... de que mesmo?
– Do quanto o Bernardo é um pau no cu e não faz falta na Ordem –
informei, prontamente.
– Você estava falando mal de mim, Demian? – perguntou Bernardo,
fingindo estar ofendido – Assim você parte meu coração. Quem foi que
recitou todos aqueles versículos por longas horas para você copiar,
quando você tinha trabalho para entregar na manhã seguinte? Quem foi
que te comprou uma pizza de madrugada na última terça-feira? Quem
foi que te deu um abraço amigo quando Deus te abandonou? E quem foi
que se abaixou para pegar o sabonete do banheiro enquanto tomávamos
banho?
– Você está inventando! – bufou Demian – Eu não me lembro de
nenhum abraço ou sabonete!
– OK, era brincadeira – confessou Bernardo – mas o trabalho e a
pizza são verdadeiros.
“Ah, era mentira!” pensei, desapontada. E eu que já estava ficando
toda entusiasmada.
– Como vê, eu devo algumas a ele – explicou Demian – então, fiz a
gentileza de aceitá-lo na Ordem.
– Você já aplicou o teste de admissão? – perguntei.
– É óbvio.
– Aposto que pegou leve – fitei-o desconfiada – vou aplicar outro
muito mais difícil!
– Por que você me odeia tanto? – perguntou Bernardo.
– Nenhuma razão em particular – respondi – só não fui com a sua
cara, parceiro.
– Bem, eu também não fui com a sua. Você está com meu homem.
Isso me deixa enciumado.
– Pode babar o quanto quiser, idiota – eu disse – esse cachorrão já
tem dono e está bem atado na coleira!
– Ofélia! – Demian ficou irritadíssimo – Se nem minha namorada me
respeita, como os membros da minha Ordem vão me respeitar?
– Sabe o que você faz com essa sua Ordem? – desafiei-o – Enfia no
cu! E se sobrar espaço, você pode enfiar seu cacete também, Bernardo!

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Juliana Duarte

Nem me importo mais. Depois decepa o caralho e me envia pelo correio.


Porque é só isso que eu quero! Não preciso mais das suas crises de TPM!
E eu saí da sala, enfurecida.
– Espera, aonde vai? – Demian me pegou pelo braço assim que saí
pela porta – Eu não permiti que saísse! A reunião vai começar em dez
minutos.
Eu me desvencilhei do braço dele.
– Eu sei que você consegue tomar conta de tudo sem mim – afirmei
– porque você é um gênio, um santo homem de Deus e tem voz de anjo.
E, adivinhe: eu não.
– Você também seria um gênio se lesse mais – disse Demian – pelo
menos livros de ocultismo. Você não pode falar do que não sabe. E
Deus ainda não chegou a seu coração porque você se fecha para Ele,
para todos, até mesmo para mim. Eu não sei o que se passa na sua
cabeça! Você só quer sexo! E bagunçar tudo! Você estraga cada coisa que
organizo.
Eu não disse nada.
– Qual é o seu problema? – prosseguiu ele, alterado – Você só me
xinga e me deprecia na frente de todos. Isso é divertido? Te faz sentir
poderosa? Mas quando fala do Gregório, ele é o Deus imaculado. Você
nem o conhece! Ele posa de educado, mas tem um passado não muito
respeitável. Eu sei de coisas que você não sabe.
Nesse instante, eu o fitei firmemente.
– O que você sabe? – perguntei, surpresa com a revelação.
– Viu? Quando é sobre ele, você se interessa! Mas você não tem
coragem de se aproximar, porque sabe que não é gostosa como a Ângela.
– O que ela tem que eu não tenho? – desafiei-o.
– Tudo: beleza, maturidade, sabedoria. E, acima de tudo, idade. Você
sabe que aquele cara esnobe não ia querer nada com uma criança. Eu
ouvi falar que desde o ensino médio ele já transava com mulheres muito
mais velhas que ele.
– Ele já pegava todas... desde o colégio? – perguntei, apaixonada.
– Você não o conhece bem mesmo. Ele já transou até com a Sancha.
Eu fiquei boquiaberta.
– Ela é uma mulher genuína: alta, poderosa, sedutora, sua voz
perdidamente sensual. Voz de mulher de verdade – ele acrescentou, só

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A Gata Mascarada - Volume 2

para me devolver o que eu havia dito antes – enquanto você tem voz de
menininha, corpo de menina, cérebro de menina. Apesar de gostar de
sexo, você o faz de forma totalmente infantil.
– E eu pensando que você odiava a Sarrelot.
– Isso não significa que eu não a ache uma diva.
– Ei, sai da frente. Você tá barrando a porta.
Quem disse isso para Demian foi Poliana, que havia acabado de
chegar para a reunião.
– Peça com gentileza que eu saio – disse Demian.
– Eu não – disse Poliana – se não sair, vou embora. Eu nem queria
assistir à sua reunião chata mesmo. Só venho aqui pra ficar fofocando
com a Fifi no meio do seu falatório interminável. E pra olhar pra sua
bunda quando você fica de costas escrevendo no quadro.
Eu desatei a rir. Nós duas rimos juntas.
– Não vai me defender? – perguntou Demian – Antigamente você
rolava no chão e socava garotas que me desrespeitassem ou dessem em
cima de mim.
– Não estou dando em cima – corrigiu Poliana – só estou te zoando.
Você nem tem bunda.
E nós duas continuamos rindo. Demian nos ignorou, entrou na sala
com Bernardo e fechou a porta, proibindo-nos de participar da reunião
daquele dia.
“Achei que eu era a vice. Bem, tanto faz”.
Eu iria sair da sala mesmo assim. Demian só me expulsou para dizer
depois que foi ele que me proibiu, e não eu que saí por vontade própria...
que mané.
Mas o que mais me irritou naquilo tudo foi o sorriso de deboche na
cara de Bernardo. Se ele pensava que iria tomar meu gostosão de mim,
estava muito enganado.
Ele adorava quando discutíamos. Bernardo queria que terminássemos.
Apesar das piadas que fazia, eu sabia que ele desejava Demian de
verdade. E, embora imaginar os dois se pegando fosse um pensamento
sensual, eu não queria perder o Mimi!
Por isso, eu odiava Bernardo. E eu sentia mais ciúmes por causa dele
do que eu provavelmente sentiria por causa de uma garota. Eu não

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Juliana Duarte

queria perder o Demian para um cara! Isso significaria que fui um


completo fracasso para mostrar ao Demian meus encantos femininos!
– Fifi, apenas ignore aqueles dois retardados – sugeriu-me Poliana –
especialmente o seu namoradinho. Ele é claramente perturbado, por
alguma razão.
“Eu sei a razão” pensei, triunfante “Mas se eu contar a você, o Mimi
me esfola viva”.
Começava a chegar mais gente para a reunião. E quanto mais gente
chegava, mais raiva eu sentia.
– Já começou a reunião, vice? – uma moça me perguntou.
Vice! Era a primeira vez que me chamavam de vice. Eu me derreti
toda.
– Sim, pode entrar – falei, toda prestativa, sem explicar o fato de eu
estar lá fora.
Logo, Alice chegou também, com a pergunta de um milhão de
dólares:
– Por que estão aqui fora?
– Fomos expulsas – informou Poliana, com um sorriso desagradável
– pelo “mestre”. Como sempre, irritadinho e se achando foda demais
para nós, meros mortais.
– Cara... aposto que vocês o provocaram – adivinhou Alice.
– Nós? – perguntou Poliana, se fazendo de inocente – Imagina! Eu
sou um anjo. Quem é o demônio aqui é o padre. Acho que ele precisa de
um exorcismo urgentemente.
Alice deu de ombros e caminhou até a porta.
– Ou você está com ele ou conosco – eu avisei.
Alice revirou os olhos e voltou para onde estávamos.
– Que seja – disse Alice – só estou na Ordem por vocês mesmo.
– Vamos parar de falar nessa Ordem idiota – falou Poliana – Ordem
de magia... o Demian é uma criança, por acaso?
– Ei – interrompi-a – a ideia da Ordem foi minha!
– Esqueça essas besteiras – recomendou Poliana – o sentido da vida é
foder para reproduzir a espécie. E para isso você precisa de bolsas e
sapatos. Para pegar homens. Entendeu?
– Acho que sim – concordei.

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A Gata Mascarada - Volume 2

– Então, em vez de perder seu tempo lendo esses livros imbecis e


chamando criaturas do além, dedique-se ao ritual de comprar roupas
para chamar homens!
– Você é muito sábia, Poli – comentei, impressionada.
– Não sou? – ela disse, orgulhosa – e é por isso que agora vamos para
o shopping!
– Tudo bem – concordou Alice – estou com essa tarde livre.
– Espera – eu falei – eu tenho aula de tarde.
– Não faz mal perder uma vez – observou Poliana.
– Mas eu já faltei na semana passada.
– Ai, fala sério, amiga – disse Poliana – virou a santinha do pau oco?
Está andando demais com aquele garoto mal humorado.
– É claro que estou andando com ele – eu disse, como se fosse óbvio
– ele é meu namorado.
– Muita gente na Ordem não acredita quando fica sabendo – falou
Poliana – já que vocês estão sempre batendo boca.
Realmente, aquilo andava excessivo. Principalmente no último mês.
Mas eu não era o tipo de garota que ficava depressiva quando havia
brigas. Eu ia pro shopping gastar. Divertir-me com minhas amigas para
esquecer. E era exatamente o que eu ia fazer.
Eu não queria admitir o quanto havia me afetado as coisas que o
Demian me disse naquele dia. Pensando bem, não foi culpa minha? Se
ele queria convidar o idiota do Bernardo, que convidasse!
“Pense bem, Ofélia. Vocês começaram a discutir muito mais desde
que o Bernardo entrou para a merda da Ordem”.
Foi então que tudo se tornou claro.
“É ele. Bernardo é o problema”. E ele não deixou isso claro desde o
começo? Ele desejava fomentar a intriga entre nós. Ele já estava há umas
duas semanas dividindo o quarto com o Demian. Era coincidência
demais que nossas brigas tivessem começado bem na época em que ele
surgiu.
– Sua namorada é tão feia e boca suja. Não sei como você a suporta.
Ele havia dito aquilo para Demian numa das primeiras vezes que o vi.
Ele devia dizer coisas assim para Demian no dormitório dele também.
Que raivaaaaa! O que eu podia fazer? E se ele estivesse se aproximando
demais dele quando eu não estava olhando?

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Juliana Duarte

Engoli em seco. Eu me dividia entre a excitação e a raiva ao pensar


nisso. Mas a raiva era maior, porque eu não o suportava! Arrrrg! Aquele
sorriso torto de imbecil! Tinham tantos caras quentes por aí e ele
escolheu dar em cima bem do meu Mimi?
– Já sei! – exclamei subitamente, enquanto caminhávamos até o
ponto de ônibus – Poli, que tal convidar o Bernardo da próxima vez que
você for paquerar uns carinhas por aí?
– Ah, qual é – reclamou Poliana – se eu for paquerar junto com ele e
um gostoso resolver pegá-lo em vez de me pegar, eu vou ficar uma fera!
Alice só ria das bobagens que falávamos.
– Pensei que você era confiante, Poli – observou Alice.
– Eu vou ficar muito confiante hoje depois que eu comprar minha
bolsa Chanel.
Fiquei maravilhada.
– Vai comprar hoje, Poli? – perguntei, empolgada – Quero entrar
com você na loja!
– Vamos todas juntas – ela confirmou – e voltaremos de táxi, é claro,
porque é mais chique e eu não quero ser roubada.
Eu fiquei morrendo de inveja. Queria comprar uma também, mas...
era cara demais!
“Quer saber? Foda-se”.
Decidi que naquele dia eu compraria uma bolsa.
Poliana foi na loja sem pestanejar. Ela se portava de modo digno de
uma dama. Nem parecia ela! E as moças nos atendiam como se
fôssemos Deusas...
Olhamos tantas bolsas que eu já me sentia tonta. Acho que ficamos
por várias horas lá, até que ela finalmente se decidiu. Afinal, se você
decide investir seis mil reais em alguma coisa, precisa pensar bem...
Eu não esperava que fosse assim tão caro. Eu planejava gastar uns
dois mil reais numa bolsa da Louis Vuitton e não mais que isso numa
Chanel.
– Você gostou dessa, Fifi – falou Poliana, apontando para uma bolsa
que eu não parava de fitar – por que não compra?
Realmente, era a menina dos meus olhos. Eu não conseguia
desgrudar o olhar daquele emblema, que me hipnotizava como uma

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A Gata Mascarada - Volume 2

magia poderosa. Acho que nem mesmo um homem já teve aquele efeito
sobre mim antes. Nem o mais ardente sexo selvagem.
“Vamos lá, sua covarde. Você tem cartão de crédito. É só parcelar”.
Mas outra voz me dizia:
“Mesmo que eu parcele em mil vezes, minha mãe vai me matar”.
Mas o símbolo... me chamava.
“Compre. E seja uma rainha” eu ouvia a bolsa me sussurrar.
Até que eu entrei em transe.
Eu estava numa sala belamente arrumada, lendo confortavelmente
um livro. Até que o agradável aroma de perfumes preenche minhas
narinas.
Desvio os olhos do livro. Há um mar de riquezas diante de mim:
bolsas, perfumes e joias. Os mais caros. Os mais preciosos. Tento
alcançá-los. Até que uma mão segura na minha.
O Demian dos meus devaneios me fita ternamente:
– Fifi... por que isso é tão importante para você?
Eu largo a mão dele. E corro na direção daquele mundo de
maravilhas. Sinto o aroma dos perfumes. Provo as joias. Seguro as bolsas,
encantada.
Demian baixa os olhos:
– Eu gosto de você, mesmo sem bolsas. Eu gostava. Mas você já fez
sua escolha.
– Espere! – eu disse a ele, mas sem largar a bolsa – Por que não
posso ter você e a bolsa?
– Você pode ter a mim e a bolsa, Ofélia – ele disse – mas você não
pode ter a mim e a seu orgulho ao mesmo tempo.
E ele desapareceu.
Eu fiquei divina, cheia de acessórios. Mas por que eu me sentia vazia?
– Mimi, você é orgulhoso também – falei, para mim mesma – isso é
tão injusto. Eu não posso ter meus hobbies sem ser condenada por
você? Por que você se acha melhor que os outros por ter Deus?
Não houve resposta. Não havia ninguém lá. Eu fiquei enfurecida e
bradei:
– Eu estou decidida: do couro de Deus farei uma bolsa. Você a
desejará mais que tudo, Demian. Mas você não a terá. Porque eu a
carregarei sempre comigo. E você só terá Deus se tiver a mim!

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Juliana Duarte

E eu senti o poder. Ri alto. Eu me sentia má. O quão delicioso isso


pode ser?
– OFÉLIA!
Despertei. Poliana e Alice me fitavam com espanto. Algumas
atendentes da loja também estavam assustadas.
– Você estava revirando os olhos – contou Poliana, trêmula – gelada
como um cadáver! Murmurando uns gemidos estranhos. Pensei que você
fosse ter um treco!
Voltei a mim. Meu corpo estava realmente gelado. Era assustador.
Como se eu tivesse morrido de repente, ou algo assim.
– Eu desmaiei?
– Eu não sei o que foi isso! Um espasmo?
Eu estava babando. Limpei minha boca com a mão. Como eu podia
ser tão deselegante assim no meio da grife?
Subitamente, uma pergunta esquisita me ocorreu:
– Todas essas bolsas são feitas de couro?
– Sim, é óbvio – falou Poliana – tem certeza de que está bem?
– Eu estou – garanti – não tem nenhuma de couro sintético?
– Por que você compraria de couro sintético se a original de couro é
mil vezes melhor e mais bonita?
– Porque nós não sabemos a origem desse couro – falei, incerta –
quem sabe eu devesse pesquisar antes...
– Sua fresca – disse Poliana – virou ativista agora? Que patético. O
Demian está te estragando.
– Poli, se a Ofélia prefere couro sintético, qual é o problema? –
perguntou Alice, defendendo-me – há bolsas realmente lindas que não
são feitas de couro. E são mais baratas.
– O objetivo de comprar em grife é exatamente pagar caro e se exibir
– explicou Poliana, suspirando – vocês duas não entendem como o jogo
da moda funciona. Estou desapontada.
Ela pagou pela bolsa e saímos da loja. Mas ela já não estava dando
pulinhos de alegria. Poliana estava meio irritada conosco.
– Não estão felizes por mim? – rosnou Poliana – Agora eu estou
poderosíssima!
– Legal, Poli – comentei, tentando fingir mais entusiasmo do que eu
realmente sentia.

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A Gata Mascarada - Volume 2

Eu estava feliz por ela sim. E aliviada por ter me livrado de pagar
caro naquela bolsa que eu queria, já que arrumei uma desculpa genuína
para não fazê-lo. Eu quase comprei, só para mostrar pra Poli que eu
podia.
Eu achava muito hipócrita da minha parte dar discursos moralistas
sobre o couro. Quem sabe eu até tivesse coisas de couro em casa e nem
soubesse. E, mesmo se eu soubesse, talvez eu não me importasse...
Aquilo mexeu um pouco com a minha cabeça. Mas eu odiava
moralismos.
“Foda-se, não sei nada sobre a indústria do couro pra ficar dando
discursos idiotas”.
Eu não era boazinha e não queria fingir ser. Acabei comprando uma
bolsa mais barata de couro sintético na Fellipe Krein. Foi quatrocentos
reais e devo dizer que fiquei muito satisfeita com minha compra.
– É simpática – disse Poli, com um sorrisinho de zombaria.
“Ela deve estar pensando que tenho um gosto horrível” concluí.
Sinceramente, Poliana estava insuportável ultimamente. O pai dela
havia sido promovido recentemente. E ela já estava torrando toda a
grana.
– Vamos passar as férias em Bariloche – contou ela, toda orgulhosa –
minha mãe disse que posso convidar uma amiga. Ainda estou pensando
quem vai ser.
Ela só tinha dito isso para que nós a paparicássemos muito ao longo
dos próximos meses. Eu normalmente teria feito isso. Mas algo no tom
dela me afastou.
– Ei, que tal pregarmos uma peça no Demian amanhã? – propôs
Poliana.
– Que tipo de peça? – perguntei, desconfiada.
– Primeiro você chega toda queridinha na reunião de amanhã,
pedindo desculpas por tudo. Diga que o ama.
– Hm?
Poliana queria que eu fizesse as pazes com ele? Aquilo estava soando
cada vez mais suspeito.
– E depois você o agarra pra valer!

63
Juliana Duarte

– Legal – falei – na frente de todo mundo? Bem, não me importo.


Mas por que isso seria uma peça? Eu não vou pedir desculpas de
verdade?
“Por que eu estou deixando ela decidir meu relacionamento?” pensei,
me sentindo idiota. Se fosse alguma ideia imbecil, eu não ia fazer.
– Você não entendeu – disse Poliana – você vai chegar meia hora
antes da reunião. Demian sempre chega antes de todos naquela sala.
Dessa vez você irá aguardá-lo lá. Pedir perdão, toda meiga e chorosa.
Depois, vai passar a mão pelo pau dele até que ele tenha uma ereção.
– Por quê? – eu ri.
– Diga a ele: “Ninguém vai chegar agora, vamos nos pegar um
pouquinho” – explicou Poliana – mas eu e Alice estaremos observando
tudo e chegaremos de surpresa. E Demian vai ficar todo sem jeito
tentando esconder o pau duro, há, há!
Do jeito que o Demian era certinho e sempre gostava de posar de
comportado, principalmente no ambiente da Ordem, ele não ia gostar
nada da brincadeira. Ele odiava Poliana.
Eu confesso que amei a ideia e acharia muito engraçado, mas... eu
tinha um pouco de medo das consequências. Aquele devaneio que tive
poderia ser um aviso.
“Demian precisa ter mais senso de humor” concluí.
No dia seguinte, nós três chegamos na porta da sala meia hora antes.
Poliana espiou pela janela.
– Putz, o fanático já está lá! – ela disse – Melhor assim. Entre
somente você. Nós vamos observar pela janela, discretamente. Dê um
sinal quando o caralho dele estiver bem grande e impossível de esconder.
– Ai, meninas, que maldade... – falou Alice – desistam dessa ideia!
– Fica quieta, queridinha – disse Poliana – aposto que você está louca
para ver também.
Eu entrei e fechei a porta por trás de mim.
– Oiê.
Ele não respondeu meu cumprimento.
– Vim te mostrar minha bolsa nova. Viu que bonita?
– Hm – ele resmungou, sem nem olhar.
– Foi bem baratinho. Só quatrocentos.

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A Gata Mascarada - Volume 2

– Você acha que isso é barato? – perguntou Demian, incrédulo –


Então está louca. Eu poderia comprar muita comida pra mim se eu
tivesse essa quantia.
– Não fale como um morto de fome! Te levo hoje pra almoçar.
– Não, obrigado. Ainda estou chateado por ontem.
– Eu que devia estar! – retruquei – Mesmo assim, estou aqui tentando
fazer as pazes, numa boa.
– Você que começou aquela merda ontem.
“Woa! Demian falando palavrão? Então ele está realmente possesso”.
Perguntei-me se era uma boa ideia fazer aquela brincadeira enquanto
o humor dele ainda estivesse tão instável.
Aproximei-me, com cuidado.
– Às vezes a Fifi passa dos limites – falei, com carinho, segurando na
mão dele – me perdoa?
– Você, pedindo perdão? Aí está algo raro – comentou ele, levemente
impressionado – mas se está realmente arrependida, é claro que eu
perdoo. Afinal, sou cristão.
“Como se ateus não perdoassem!” pensei, irritada. Mas era melhor eu
não começar uma nova discussão logo quando as coisas estavam dando
certo.
Normalmente eu não ia admitir que eu estivesse errada tão facilmente.
Mas, como Poliana sugeriu, mantive o jogo.
Sentei no colo dele e dei-lhe um beijinho.
– Brigada. Te amo.
Ele suspirou.
– Eu também te amo, mas... nós precisamos evitar esse tipo de briga.
É desgastante.
– Eu sei. Basta não falar. Vamos apenas se amar.
Eu coloquei a mão por cima do pau dele. Aproximei o rosto do dele
e sussurrei:
– Eu quero esse cacete. Quero muito. Dentro de mim. Agora!
– Depois. A reunião já vai começar.
– Como você é frio – virei o rosto – aposto que nem me ama de
verdade.
– Ah, Ofélia, não se faça de vítima. Isso não funciona comigo.
“Funciona sim” pensei, determinada.

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Juliana Duarte

Fiz uma carinha inocente.


– Por favor, mostra que você me ama – pedi – e que me deseja. Que
não sou apenas uma menininha infantil...
– Desculpe por ter dito aquilo. Eu estava irritado.
– Mestre, eu quero ver esse pau bem duro – falei, com uma voz
meiga, e dei um gemido no ouvido dele.
Continuei com a mão lá. Demian estava respirando rápido.
“Ele gostou de ser chamado de mestre” pensei, triunfante. Eu nunca
imaginei que fosse tão fácil excitar aquele teimoso.
– Ainda temos meia hora – sussurrei – não se preocupe. Pode fazer o
que quiser comigo. Afinal, você é meu mestre...
Uma Ofélia submissa era novidade. Há, há, era só fingimento. Ele
caiu direitinho.
Ele estava usando uma calça de tecido. Perfeito. E ele não tinha nada
perto pra esconder, além das mãos.
Foi então que tive uma ideia extremamente maligna:
“Vou amarrar as mãos dele”.
Tirei minha fita do cabelo e dei diversos nós muito apertados.
Garanti que ele não pudesse remover a fita sozinho. Só poderia ser tirada
com tesoura e por outra pessoa.
– Você confia em mim? – perguntei.
– Confio.
– Já vou tirar – prometi.
De repente, eu que virei a “mestra” daquela pegação, ao amarrá-lo.
Afinal, era assim que eu gostava: eu mandando. Eu dominando.
Submissa o cacete.
Dei-lhe um beijo longo na boca, extremamente molhado, enquanto
eu esfregava minha calcinha por cima da calça dele, por baixo da minha
saia.
Meti a língua naquela boca gostosa e brinquei assim. O pau já estava
no ponto. Fiz um sinal para que Poliana e Alice entrassem na sala.
As duas entraram. Assim que isso aconteceu, saí de cima de Demian
imediatamente.
– Oi, mestre! Chegamos cedo demais? – Poliana deu um sorriso
malicioso – Nossa, o que é isso?! Que putaria é essa, mestre? Não sabia
que você era tão safado!

66
A Gata Mascarada - Volume 2

Demian levou um susto enorme. Levantou-se da cadeira no mesmo


instante. Fez força com as mãos, tentando soltar a minha fita.
– Ofélia, por favor, tire isso...
Ele suplicava como se estivesse desesperado. Eu não me lembrava de
ter visto o Demian assim tão corado.
“Putz, ele tá com vergonha de verdade!”
– Então você curte ser amarrado? – provocou Poliana – No pau
também?
– Cale a boca – disse Demian – me respeite!
– Eu não acho que consigo respeitá-lo com o pau duro e as mãos
amarradas assim...
Demian baixou a cabeça, para evitar o olhar dela. Concentrava-se
completamente em tentar romper os nós.
– Ofélia, depressa com isso! – ele exclamou – Onde está a tesoura?
Eu não conseguia conter o riso. Quando ele olhou para mim, percebi
que os olhos dele estavam marejados. Eu não sabia que ele tinha ficado
tão nervoso. Parei de rir imediatamente.
– Eu... vou procurar uma tesoura – abri minha bolsa.
Subitamente, ele se deu conta da situação.
– Vocês armaram isso – ele fitou a nós três, não mais com
constrangimento, e sim com ódio – planejaram tudo, desde o começo.
Sua expressão mudou completamente. Ele fez muita força com as
mãos, tentando romper a fita sozinho. As mãos e os pulsos já estavam
vermelhos.
– Demian, para! – exclamei.
Mas ele continuou. Seu rosto avermelhado pelo esforço. Até que,
com uma força inesperada, ele rompeu minha fita de cabelo.
Suas mãos e pulsos ficaram não só vermelhos, mas roxos. Eu fiquei
muito assustada.
– Vai reclamar porque estraguei sua fita de cabelo? – ele desafiou-me.
– Não, seu tonto! – exclamei – Você machucou suas mãos! Não
precisava ter feito isso. Tá aqui a tesoura...
Apenas guardei-a de volta na bolsa.
– Sabe o que vocês são? – perguntou Demian – Putas! Por que
fizeram isso? Puta que pariu!
Até Poliana ficou surpresa com os xingamentos.

67
Juliana Duarte

– Eu tentei impedir – disse Alice.


– Não importa, você estava com elas – Demian interrompeu-a – eu
tinha algum respeito por você antes, mas esse respeito acabou. E você,
Poliana, está expulsa. Nunca mais apareça na minha frente.
– Ah, que alívio – ela disse – eu não aguentava mais ficar aqui. E,
para a sua informação, a ideia foi minha.
– Imaginei. Se não fosse sua, teria sido da Ofélia. Tem certeza que
não foi sua?
Eu não disse nada.
– Você sempre fica todo metido e arrogante, mas é tão humano
quanto todos nós – acrescentou Poliana – isso é pra você aprender a não
ser estúpido com a Ofélia, ouviu, cretino?
Demian teve um repentino acesso de fúria. Foi imediatamente até
onde Poliana estava, segurou-a pela blusa e fechou o punho, como se
fosse socá-la.
Poliana protegeu-se instintivamente com as mãos e fechou os olhos.
– Demian! – gritei.
Ele voltou a si, respirando rápido. Não deu o soco.
– Viu só como ele é estúpido? – disse Poliana.
– Poli, não provoca...! – tentou Alice.
Mas Demian não aguentou essa outra provocação. Ele segurou nos
cabelos de Poliana. E falou, de muito perto.
– Não se meta em nosso relacionamento – disse Demian – você não
sabe nada a meu respeito! Se soubesse como sou perigoso, não ousaria se
aproximar.
– Que bobagem – disse Poliana – se me bater, arrumo uma forma de
te expulsar da universidade. Você pensa que tenho medo de você?
– Sabe... um dia conheci uma garota muito parecida com você –
contou Demian – ela se chamava Eugênia. Era muito arrogante e vivia
me perturbando. Até que um dia ela passou dos limites. E eu a matei.
Poliana riu.
– Que mentira – falou Poliana, sorrindo – até parece que você teria
colhões pra matar alguém.
– Poli... ele matou – eu falei.
Eu não podia acreditar que Demian estava se gabando disso, só para
intimidá-la. Como se sentisse orgulho do que fez.

68
A Gata Mascarada - Volume 2

Alice também estava branca de medo e confirmou a história.


– Ele a matou com socos – acrescentou Alice – Demian é mais forte
do que parece. Por favor, não o provoque. Deixe-o em paz.
– O quê...? – ela fitou Demian, com espanto – Então você é um
assassino...? Por que não está na cadeia?
– Eu estive – revelou Demian – mas eu tenho alguns problemas e,
devido a circunstâncias diversas, após um tratamento fui liberado.
– Eu estou vendo que você tem alguns problemas! – disse Poliana –
Pelo jeito esse tratamento não deu certo.
– Poliana, cala a boca, porra! – gritei.
– Eu estou te defendendo desse homicida! E você o defende!
– Menina... você é surda? – perguntou Demian – Nesse momento
estou com tanta raiva de você, que não posso prever o que vai acontecer.
Está ciente da situação em que se encontra? Sua próxima palavra pode
ser fatal. Cuidado.
Finalmente, Poliana se deu conta. E ficou com medo. Ela ficou bem
quietinha. Demian ainda observou-a firmemente por alguns segundos.
Até que soltou o cabelo dela.
Poliana ficou apavorada. Correu até onde Alice estava.
– Você não vai me procurar de novo para se vingar, certo? –
perguntou Poliana, com a voz trêmula.
– Não – disse Demian – isso não é um filme. E se não deseja que
termine como um, apenas saia. E não espalhe para ninguém o que ouviu
aqui. Seria problemático.
Elas saíram da sala. Poliana ainda lançou um olhar assustado e
esquisito para Demian antes de se retirar.
Quando estávamos só os dois lá dentro, com a porta fechada,
Demian sentou-se no chão, encostando-se na parede. Cobriu o rosto
com as mãos e respirou fundo.
Fui até lá, com muito cuidado.
– Desculpe – eu disse – eu não imaginei que...
– É claro, Ofélia – ele disse, zangado e exausto – você nunca imagina
nada. O cérebro de um orangotango é mais eficiente que o seu.
Derramei algumas lágrimas após passar o susto. Segurei na mão dele.
Mas ele afastou a mão num gesto meio violento.

69
Juliana Duarte

– Não toque em mim – ele falou – não posso confiar em ninguém


mesmo. Só em Deus.
– Era só uma brincadeira inocente – tentei.
– Você me humilhou na frente de uma pessoa que odeio. Imagine
como você se sentiria no meu lugar. Se eu trouxesse dois caras aqui e te
despisse, ou algo do tipo. E ficássemos apenas rindo.
– Eu não ligo pra essas coisas! – garanti – E você nem estava pelado,
caramba! Adão e Eva não estavam nus no paraíso? Não me importo que
me vejam nua. Sou gostosa e me orgulho disso.
– Seus argumentos são péssimos. Você deve saber que nosso namoro
está por um fio, certo?
– Não! – falei, arrependida – Isso não vai acontecer de novo! Eu juro!
Eu abracei-o e chorei nos braços dele.
– Você só me faz sofrer – disse Demian – parece que o sofrimento
não tem fim. Acho que eu sou masoquista. Só pode ser.
E ele me deu um beijo na boca.
– Essa é sua última chance – ele alertou – se acontecer alguma
situação ruim nos próximos dias, por menor que seja, eu termino com
você.
– Não, não! – eu nem queria pensar nessa possibilidade – Vou me
comportar, prometo!
– Falando assim, você parece uma criança. Que está prestes a perder
o seu brinquedo...
– Você não é meu brinquedo. É a razão da minha existência. E eu
quero ter um filho contigo. Pode ser hoje?
– O que pode ser hoje? – ele perguntou, perplexo.
– O filho.
Ele me fitou, surpreso.
– Agora entendi – ele falou – você quer um pretexto para se unir a
mim pra sempre. Mas se continuar me maltratando, esse namoro terá um
fim, com filho ou sem filho. Entendeu?
– Mas... faz uns dias que não trepamos – lembrei – já sei! Amanhã
tenho uma surpresa. Às quatro da tarde.
– É melhor que seja uma surpresa excelente para compensar o que
fez hoje.
– Prometo que vou caprichar! – eu disse, contente.

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A Gata Mascarada - Volume 2

Eu estava sinceramente arrependida. Prometi a mim mesma que a


partir dali eu seria extremamente cuidadosa em minhas palavras e ações
para não magoar o Demian, que era tão sensível.
– Hoje eu vou telefonar para o psiquiatra de novo – resolveu Demian,
passando a mão no cabelo – não sabia que eu ainda me descontrolava
dessa forma. Isso é perigoso. Não quero voltar a ser preso, mas acho que
eu devia continuar a tomar remédios.
– Sim, faça isso – eu disse – e qualquer coisa que precisar, pode
contar comigo.
Era melhor eu tentar me comportar como uma pessoa normal. E
principalmente como uma namorada normal. Por que eu fazia tanta
questão de ser engraçada? Quem eu queria fazer rir, exatamente?
– E o encontro de hoje da Ordem está cancelado. Vou deixar um
aviso. Não estou em condições de fazer isso agora. Sei lá, acho que estou
muito estressado, época de provas. E o dinheiro está curto também.
Por que ele estava me defendendo? A culpa por aquela situação tinha
sido minha!
De repente, fiquei com pena do Demian. Eu não precisava ser assim
tão cruel com ele. Abracei-o outra vez.
– Tudo vai dar certo – eu disse.
– Você precisava mesmo ter comprado essa bolsa?
– Não... mas, ó, ainda tenho cinquenta reais na carteira. Quer? Não
precisa me devolver.
Dei a ele uma nota de cinquenta.
– Você anda com uma nota de cinquenta na carteira? – perguntou ele,
impressionado – Você deve ser realmente rica.
– Não sou – eu disse – e, de qualquer forma, o dinheiro que uso é
dos meus pais, já que eu não trabalho. Então, a condição financeira dos
meus pais não vai decidir a minha. No futuro, seremos só você e eu.
Então temos que aprender a dividir e economizar, né?
– Você não sabe economizar. Espero que um dia, quando ganhe o
próprio salário, você aprenda a ver o valor do dinheiro. Agora, apenas
invista em seu futuro.
– Mas eu não posso me divertir?
– Pode, mas com responsabilidade.

71
Juliana Duarte

Às vezes Demian sabia como me entediar com aqueles discursos


monótonos, mesmo que fossem verdadeiros. Eu nem sempre queria
ouvir a verdade. Eu preferia inventar a minha. Só que quando se fica
apenas na imaginação, ela pode se tornar não mais que um sonho não
realizado.
Fiz Demian aceitar a nota de cinquenta, mas isso não diminuiu a
minha culpa. Não é como se eu estivesse fazendo caridade. Ele era meu
namorado, caramba! Eu não podia ter o mínimo de consideração?
Em primeiro lugar, eu precisava me esforçar para segurar a minha
língua. Decidi que eu iria apoiá-lo na OAAL em vez de criticá-lo. Mesmo
que eu não gostasse tanto assim daquela Ordem, que era comportada e
formal demais para meu gosto.
Confesso que eu até sentia algo parecido sobre a Flolan. Era uma
Ordem muito melhor que a nossa OAAL, sem dúvida. Mas Gregório
também não ousava além das expectativas.
Quando eu ouvia falar das Ordens dos satanistas, eu me sentia muito
mais atraída, mesmo sem curtir muito satanismo. O que eu gostava era
da ideia de algo mais intenso, mais forte. Claro que a OCB era pirada
demais. Eu não queria me meter no meio daqueles maníacos doentes. Já
a ODE possuía uma proposta que tinha mais a ver com o que eu
buscava.
Eu me perguntei como Gregório se sentiria se eu saísse da Ordem
dele e fosse para a da Sancha. Aqueles dois tinham história, então haveria
algum impacto. O que ele pensaria sobre ela?
“Ora, pare de pensar besteira, Ofélia. O Gregório não se importaria
se você saísse da Flolan. Seria menos uma pedra no sapato, já que só
causo problemas”.
Decidi me focar em preparar a surpresa do Mimi. Seria uma surpresa
quente, que nos aproximaria muito mais: afetivamente, sexualmente, em
todos os sentidos.
Eu tinha a chave do dormitório dele na Casa do Estudante. Cheguei
mais cedo para me preparar. Às três horas, fui enfeitar a cama com um
lençol perfumado. Tomei um banho lá mesmo e passei a me ocupar da
surpresa mais divertida!
Eu havia comprado um grande pote de mel para lambuzar meu corpo
inteiro. E logo dei início ao processo: com exceção dos cabelos, passei

72
A Gata Mascarada - Volume 2

mel em todas as regiões do meu corpo, caprichando particularmente nos


seios e na vagina. Eu não costumava depilar completamente a virilha,
mas nessa ocasião meu corpo estava 100% depilado para que o mel
cobrisse todas as partes.
“Puxa, mas que ideia idiota”.
Eu nunca tinha feito isso antes. A sensação de estar completamente
melecada era desconfortável. Mas a lembrança de que dali uns vinte
minutos o Demian estaria me lambendo todinha não deixava de me dar
arrepios de prazer.
Barulho da chave na fechadura. O Mimi tinha chegado mais cedo!
Que alegria! Corri imediatamente para a porta, completamente nua e
melecada de mel, tentando não encostar em nada para não sujar.
Assim que a porta se abriu, eu levantei os braços e exclamei, com um
largo sorriso:
– Surpresa, Mimi...!
Mas assim que eu disse isso, fiquei pálida e senti um frio na espinha.
“Não é ele!!!”
Imediatamente, dei alguns passos para trás e já me preparava para
esconder o corpo, quando percebi quem era.
– Ahhh... é só você, Bernardo – comentei, desapontada – você
estragou a surpresa que eu ia fazer para o Demian. Por favor, não conte
a ele. E vá embora, sim? Nós vamos fazer amor e queremos privacidade.
– Por que está toda suja de mel? – ele perguntou.
– Essa é a surpresa, babaca! – exclamei, irritada – Você é uma mula
mesmo. Some daqui, vai. Não tenho tempo pra você.
– Esse dormitório é meu também. Você não pode me mandar
embora.
– Posso sim – garanti, apontando para a saída – vá passear e volte
mais tarde.
– Cara... você é chata pra caralho, hein? – ele fechou a porta por trás
de si – só vou ficar ali no canto na minha própria cama, pô. Não vou
incomodar vocês.
– Aff.
Ele jogou as próprias coisas na cama.
– Esse vestido e essa calcinha aqui na minha cama são seus? – ele
perguntou.

73
Juliana Duarte

– Não, são do Demian – comentei, em tom de deboche – de quem


mais seriam, retardado?
– Você é a intrusa aqui – ele lembrou – por que está tão arrogante?
Você é sempre assim.
– Eu sei o que você quer: ficar olhando pro corpo do meu homem
enquanto eu o como. Mas ele é só meu, ouviu? Não quero dividir.
– Eu ouvi falar que vocês estão quase terminando.
– Não é verdade! – defendi-me – Você está tentando jogar o Demian
contra mim só para tentar pegá-lo. Eu ficaria com tanta raiva se você
conseguisse, que eu o encheria de mil maldições. Você sabe que eu mexo
com magia.
– Eu não acredito nessa merda – ele disse, ainda averiguando a
própria cama.
– Então você entrou para a Ordem só para tentar conquistá-lo? –
perguntei, em tom histérico.
Ele ignorou-me. Encontrou meu sutiã e começou a manipulá-lo.
Qual era a daquele cara?
– Para de mexer nas minhas coisas, meu. Deve ser a primeira vez que
você vê um desses na vida, não é? – provoquei-o.
– Não. Eu já vi muitos desses.
– Os da sua mãe? – debochei – Em lojas de lingerie feminina? Será
que... você usa um desses também?
Eu dei um sorriso satisfeito.
– Sabe, Ofélia, seu corpo é realmente infantil, bem como o Demian
disse.
– Eu sou baixinha, mas eu tenho carne! – apontei para as minhas
coxas e para os meus quadris – Você acha que ele vai gostar mais do que
você tem entre as pernas? Duvido!
– O Demian riria muito com essa conversa. Eu acho que você tem
uma impressão errada ao meu respeito. Eu não estou a fim dele.
– Mentiroso! – rosnei – Você está doidinho para acabar com o nosso
namoro!
– Isso é verdade – ele concordou – mas não porque estou a fim dele.
Eu estou a fim de você.
Eu fiquei quieta. Mas logo me recompus.

74
A Gata Mascarada - Volume 2

– E ainda pensa que me engana? Está tentando me convencer de que


você é bi?
– As brincadeiras que fiz foram meramente para enganá-la. Sempre
fui heterossexual. E eu já comi muitas mulheres. A maioria mais gostosas
que você.
– Então vá correndo de volta para elas, garanhão – provoquei, ainda
achando que ele estava mentindo – e deixe o quarto livre para que eu e o
Mimi possamos trepar.
– Vou corrigir o que eu disse antes: eu não estou a fim de namorá-la.
Você é muito chata. Só quero foder.
– Ó, coitadinho, você quer foder – eu imitei – foi mal, velho. Isso
não vai acontecer. E eu não me importo mais se você é hetero, homo ou
bi. Apenas saia! Você está me dando nos nervos com essa conversinha.
Você fala que sou feia e depois que quer foder? Isso não faz sentido
nenhum, cara. Te liga.
– Vou tentar uma terceira vez – ele mostrou duas notas de cem – a
sua amiguinha Poliana me pagou duzentos para eu te ferrar. Eu posso te
jogar dessa janela e fazer parecer que foi um acidente.
Nesse instante, eu gelei.
– Poliana...? – eu não entendi – Por quê?
Ele deu de ombros.
– Não me interessa. Mas não se preocupe. Ela não quer que eu te
mate. Quer apenas que eu puna você.
– Eu não tenho medo de você – garanti.
– Me diga uma coisa. Por que continua nua na minha frente?
– Eu já disse. Você é como uma ameba para mim.
Inicialmente eu pensei que ele fosse gay, cara. Então quando ele
entrou, era quase como se eu conversasse com uma garota. No sentido
de que eu não liguei que ele visse meu corpo, já que eu sabia que ele não
iria se sentir atraído por ele.
A situação havia mudado um pouco. Mas eu não iria me dar ao
trabalho de ficar me escondendo e sujar de mel o meu lençol novo e
perfumado antes que Demian me lambesse.
Eu já estava me irritando. O Bernardo estava estragando tudo!
– Se eu te der trezentos, você se manda daqui? – propus.
– É claro. Você tem aí?

75
Juliana Duarte

– Acho que tenho cem na minha bolsa. Te dou o resto amanhã.


– Eu só aceito se for agora. A sua bolsa é essa aqui na minha cama?
– Não toque nela! – exclamei, histérica – É minha bolsa nova!!
Ele riu do meu escândalo. Segurou minha bolsa mesmo assim.
Tentei pará-lo, segurando-o pelo braço. Mas eu melequei o braço dele
de mel no processo.
– Eca! Garota, você prefere se aproximar de mim nua do que
permitir que eu toque na sua bolsa nova? Você tem algum problema?
– MINHA BOLSA! É SÓ MINHA!
– NÃO ENCOSTE EM MIM SUJA DE MEL! – ele exclamou, ainda
mais paranoico.
Era uma situação esquisita, sem dúvidas. Mas eu estava preocupada
demais com minha bolsa para rir.
Ele fez um movimento com o braço e eu me desequilibrei. Caí de
bunda no chão.
– Bela buceta. Eu a vejo aberta e por dentro, toda melecada de mel.
– Infeliz! – exclamei, sem cair na provocação – Você vai me dar ou
não esse cacete?
– Você quer o meu cacete? Ou a bolsa?
– O cacete da bolsa!!! – exclamei, sem paciência.
Ele ameaçou jogá-la pela janela.
– Não ouse...! – eu alertei.
Mas ele fez.
– NÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOO FELIPAAAA!
– Felipa é o nome da sua bolsa?
– É da Fellipe Krein! É como um segundo namorado! E você o
matou!!
Ele não conseguia conter um sorriso satisfeito com meu escândalo.
– Acho que já cumpri o desejo de Poliana. Vejo que essa foi uma
punição suficiente para você.
– Agora me passe minhas roupas, engraçadinho! – ordenei – Preciso
descer lá imediatamente para tentar salvar a minha bolsa.
E adivinha o que ele fez? Lançou meu vestido, minha calcinha e meu
sutiã pela janela.
– Você é o demônio! – gritei.
– Eu sei.

76
A Gata Mascarada - Volume 2

– Agora me dê as suas roupas!


Tentei baixar a bermuda dele.
– Ei, ei, para com isso! – ele se esquivou – Isso é assédio sexual,
sabia?
– Você não era hetero, camarada? – perguntei.
– Isso não significa que eu queira você! – retrucou ele – Ora, está
bem. Eu sou gay mesmo. Só tava tentando te assustar, pra ver se isso te
intimidava.
– Não funcionou, sua besta! Seu merda! Bem feito!
– Bem feito pra você que vai ter que ir pelada lá embaixo – ele puxou
o lençol da cama de Demian para que eu não pudesse me enrolar nele
também – e acho que é melhor você ir depressa antes que sua bolsa
afunde totalmente na lama.
– Lama? Filho da puta!
Eu saí imediatamente pela porta, nua e lambuzada de mel,
completamente furiosa. Quem disse que liguei para as moças e rapazes
que me olhavam com espanto no caminho? Desci as escadas correndo.
Chegando lá embaixo, salvei primeiro a bolsa. Depois joguei o vestido
em cima do meu corpo melecado.
– Ai, que raivaaaa!
Quando voltei para o dormitório, o desgraçado já tinha ido embora.
Demian só chegou uns quinze minutos depois.
– Você está atrasado!! – gritei, totalmente possessa.
– Perdão, tive que passar no xerox antes de vir.
– Eu estava nua aqui dentro quando Bernardo entrou! E se ele tivesse
sucumbido ao desejo pelo meu corpo sensual? A culpa foi sua!
– Sucumbir ao desejo pelo seu corpo? – ironizou Demian – Meu
amigo gay?
– Exato. É que eu sou uma tentação muito grande – acrescentei,
pensando melhor.
– Pensei que ele te achasse feia. Eu por acaso o encontrei no caminho
agora mesmo.
– Que acaso mais conveniente...
– E pelo que escutei, foi você que tentou agarrá-lo. Ele disse que
você tentou baixar a bermuda dele.

77
Juliana Duarte

– Oh, bem, essa é uma longa história – expliquei – ele jogou minha
bolsa e minhas roupas pela janela, só pra me sacanear. Então tentei pegar
emprestado as roupas daquele puto, para que eu não precisasse descer
pelada. Afinal, eu sou uma dama...
– É claro que você é. Muito delicada e cortês, como sempre.
Ele me deu tapinhas na cabeça, como se eu fosse um cachorro.
– Agora eu quero isso – apontei para o pau dele, com o dedinho na
boca, como se eu fosse uma criança querendo um pirulito.
– Podemos conversar antes?
– Nem pensar! Foda primeiro. Conversa depois. E que seja uma
conversa bem curta, porque eu tô zangada – esclareci – mas se o meu
gostosão me der bastante prazer e enfiar o cacete bem fundo na minha
buceta, vou ficar beeem mansinha.
– Por que você está lambuzada de mel?
“Bah, os homens não entendem nada” pensei, desapontada. E depois
de todo o sofrimento que passei para a surpresa!
Ele me fez um sexo oral simplesmente divino. Isso compensou por
tudo! E a forma com que ele agarrou meus peitos e mordiscou os meus
mamilos... que delícia!
E eu fiz O Senhor Boquete, porque eu amo chupar um pau. Afinal,
quem não gosta? Tem coisa melhor? Nem picolé é assim tão delirante.
Depois de comer o meu gatão, eu só queria ficar deitada agarradinha
nele, como um bicho-preguiça.
– Eu preciso te falar uma coisa, Ofélia – ele me disse, afagando meus
cabelos.
– Uhhmm? – perguntei, meio curiosa e meio com soninho.
– Eu não te contei o quanto as discussões e acontecimentos dos
últimos dias me afetaram – explicou Demian – principalmente aquela sua
brincadeira... ainda está me perturbando de uma forma desconfortável.
– Mas você vai superar, certo?
– Não sei. Talvez somente Deus possa me dar uma luz e me ensinar
como posso aprender a lidar com meus próprios sentimentos,
inseguranças e dores. Mas para isso eu precisaria de dedicação completa.
Eu não vou te culpar. Quero parar de culpar os outros por tudo que
acontece. Preciso aprender a ser uma pessoa que resolve sozinho os
próprios problemas.

78
A Gata Mascarada - Volume 2

Dessa vez eu me levantei. Sentei-me na cama e fitei-o seriamente.


– Espere. Você tá dizendo que quer voltar ao seminário? Pra ser
padre? E me abandonar?
– Eu preciso disso. Por favor, entenda. Antes eu pensava que poderia
abandonar tudo por você. Mas você não tem sido a companheira que eu
desejava.
– Só porque eu não sou perfeita? – perguntei – Eu tento melhorar a
cada dia. Por que não consegue me perdoar?
– Eu consigo perdoar a todos facilmente, mas não a mim mesmo. Eu
sei que você quer ser livre, Ofélia. Eu estou sempre te prendendo, te
reprimindo. Suas expressões de alegria, seu amor, seu sorriso, suas piadas.
Sem mim, você poderá correr e voar. Enquanto eu me tranco no meu
mundo de fantasmas, tentando encontrar minha própria cura.
– Ah, deixa disso. Não seja dramático. Nós apenas estamos passando
por um mau momento. Juntos, vamos superar. A foda de hoje não foi
boa?
– Foi sim.
– Você consegue viver sem isso?
– Consigo.
– Então... vou me tornar uma freira, pra te acompanhar.
– Você? – perguntou Demian – Uma...?
Eu nunca vi o Demian rir tanto na minha vida. E olha que estávamos
falando de um assunto sério!
– Uma freira ateísta e ninfomaníaca – disse Demian – seria como
convidar o próprio Anticristo para armar o caos na Igreja. Você
corromperia todos os padres.
– Parece divertido – observei – tem comida boa?
– Geralmente sim.
– Então vou poder viver lá de graça? Vou ter sempre onde dormir e o
que comer? É só rezar?
– Exato. E ajudar nas tarefas domésticas.
– Por que eu me formei no colégio e estou fazendo faculdade se
basta ser freira pra ter tudo de graça?
– Você não vai poder fazer coleções de bolsas lá.

79
Juliana Duarte

– Eu aprendo a me divertir de outras formas – decidi – vou fingir que


estou rezando, mas vou roubar um bolinho na cozinha fora do horário
das refeições e enganar todo mundo!
– Que inteligente – zombou ele – mas, falando sério, se quiser você
pode fazer um retiro com as irmãs no fim de semana. Tem um convento
de irmãs clarissas. Ou você prefere um mosteiro?
– Mas você vai ser monge ou padre? – perguntei, surpresa.
– Padre. Não quero me isolar completamente.
– Vou pra um convento, então – decidi.
– Ouvi-la dizer essa frase deve ser o momento mais estranho da
minha vida – disse Demian, ainda estupefato – e olha que já aconteceu
muita coisa esquisita comigo.
Meus pais ficaram surpresos quando souberam onde eu ia ficar no
fim de semana.
– E não é que essa menina está tomando jeito? – comentou minha
mãe.
Doce ilusão... não aguentei sequer um dia no convento.
Eu já tinha assistido a uma missa alguma vez na vida antes? Eu não
tinha certeza. Mas achei tudo muito chato. Por que eu ia querer ficar lá
parada, rezando? Principalmente porque aquilo não significava nada para
mim.
Demian não ficou muito surpreso quando contei que não gostei.
– E ainda conseguiu ficar lá por seis horas? – caçoou Demian – Que
corajosa. Obrigado por fazer esse sacrifício por mim. Valeu a intenção.
Demian era diferente. Ele se sentia emocionado e tocado com as
atividades da Igreja. Talvez você precisasse ver Deus... seria algo como
uma assombração?
– Não! – exclamou Demian – Deus é... tudo!
– Isso é muito vago – reclamei – então eu sou Deus? E o Diabo
também é Deus?
– Expressões de Deus estão em todas as partes – explicou Demian –
em Suas criações.
– Na minha vagina também? – perguntei – Ou esse é o fruto
proibido?
– Você não fez esse tipo de pergunta para as irmãs, certo?

80
A Gata Mascarada - Volume 2

– Fiz... brincadeira, não fiz – dei um sorrisinho, quando ele olhou feio
pra mim.
– Olha... leia a Bíblia – ele me recomendou.
– Para que, se você já a decorou de tanto ler?
– Apenas leia. É diferente quando você recebe da fonte.
– Preciso ler toda?
– Sim.
– Até as Crônicas?
– Isso.
– Puta que pariu – falei – eu desisto dessa porra!
Mas juro que eu me esforcei. Quase como uma prova de amor ao
Mimi. Eu alternava minhas leituras da Bíblia com vídeos de sacanagem
na internet. E eu me esforcei muito nesse processo. Por meia hora. Até
que desisti, pois os vídeos estavam muito picantes e me distraíam.
– Hmm... que pau apetitoso esse. Um pau moreninho...
“Mas... o do Mimi é diferente. E é o meu favorito”.
Chorei ao me lembrar disso. Ele estava num retiro. Eu não podia
mais matar a saudade que sentia dele, como eu queria. E quando eu
queria.
Quando o fim de semana terminou, ele me revelou a decisão final:
– Vou retornar ao seminário. Me desculpe.
Eu chorei um monte. Foi tudo muito dramático. Mas não havia mais
nada a ser feito. Tive minha chance de reconquistá-lo. E desperdicei.
Eu queria dizer a ele que, se um dia ele resolvesse abandonar o
seminário, eu estaria lá esperando. Mas isso não era verdade. Eu podia
aguardar certo tempo até arranjar um novo namorado, mas eu precisava
foder. Fiquei dois dias sem foder esperando pela resposta dele, e eu já
estava com fogo dos pés à cabeça. Os vídeos já não ajudavam em nada.
Segunda-feira chegou. Demian estava lá com Deus. E eu estava
sozinha.
Eu não estava mais conversando com Poliana, é óbvio. Se eu a visse
novamente no campus, iria bater nela. Ela andava meio sumida.
Estranho, pois fazíamos algumas disciplinas juntas. Ela teria largado a
faculdade?
E Alice... eu não a via mais. Não estávamos brigadas. Apenas
distantes.

81
Juliana Duarte

Quem eu ia chamar? Eu sempre pensava que eu era uma pessoa


super comunicativa e cheia de amigos. Mas a verdade era que eu
conhecia muita gente, mas não era realmente íntima de quase ninguém.
“Pâmela!” concluí, aliviada.
Ela já estava formada. Teria um tempinho para me receber?
Fui até a casa dela, me esparramei no sofá e, de uma vez só, contei
tudo o que andava errado na minha vida. Falei mal de pelo menos uma
dezena de pessoas. Em suma, eu só reclamei. E tirei todo aquele peso da
consciência.
– Relaxa, você vai conhecer um cara legal – disse Pâmela.
– E minha BFF?
– Você sabe, agora estou muito próxima da Marina.
– Você me traiu! – fingi estar chateada.
Ou talvez eu estivesse mesmo.
Fui afogar as mágoas na casa da minha irmã. Dessa vez foi para
reclamar da Pâmela.
Ela suspirou.
– Ofi, se você quer tanto assim transar, vá numa festa. Chove homem.
– Eu sei! – exclamei – Mas dá muito trabalho escolher um novo
vestido todo dia. Quero um ficante.
Pensei em telefonar pro idiota que ia pro colégio com camiseta de
Zelda. Mas talvez eu não aguentasse a chatice dele.
E adivinha para quem liguei? Para Otávio, um dos meus namorados
que me largou, só porque eu era fissurada em sexo.
– Oi Tatá – cumprimentei-o bem informalmente – aqui é a Fafá,
lembra?
– Ah, oi... – ele pareceu bem desanimado e desinteressado.
– Ainda tá com a Gabi?
– Não...
– Eu sabia que você não ia aguentar aquela vaca – concluí – você já
perdeu sua virgindade, né?
– Sim, é claro – disse ele num tom sério, tentando parecer todo
maduro.
“Mas que cara infeliz para se conversar” pensei, meio desconcertada.
“Ah”, “Não”, “Sim”. Ele não tinha algo mais interessante para dizer?
– Tá solteiro?

82
A Gata Mascarada - Volume 2

– Tô.
– Eu também! – eu disse isso com alegria – Que coincidência.
– Hm.
– Quer foder?
– Sim.
“Vivaaaaa!” Mas que fácil! Foi só ligar pro ex. Para um dos nomes da
minha extensa lista de ex-namorados...
Eu o convidei para ir até a minha casa. E dessa vez ele não ficou de
frescura. Assim que ele chegou no meu quarto, nos beijamos e nos
despimos.
Aos meus 18, meu romantismo pré-adolescente já havia ido embora
há muito tempo. Se é que ele existiu um dia.
Aquela foda foi gostosa. Mas não tão boa quanto uma foda com o
Demian. Deve ser porque eu e o Otávio ainda não estávamos em
sintonia. Ou o Otávio, mesmo não sendo virgem, ainda era inexperiente
demais e não sabia bons truques para satisfazer as mulheres, sempre tão
misteriosas e exigentes no sexo.
Se bem que... eu era uma exceção. Eu não era misteriosa e exigente.
Tendo um pau, eu já ficava satisfeita.
“Mas eu não sinto o coração do Mimi batendo junto com o meu. É o
coração de um desconhecido”.
Otávio parecia quase um cadáver transando. Depois da foda, ele não
disse nada. Pensando bem, ele também não disse nada antes.
– Otávio? – perguntei, pra me certificar – Tá tudo bem contigo?
– Não.
Eu tinha me esquecido de perguntar como ele estava no telefonema.
Perguntei se ele já tinha se livrado da virgindade e se queria me comer,
mas... me esqueci da pergunta mais básica.
– Eu me sinto meio depressivo ultimamente – ele confessou – deve
ser porque só fico trancado em casa no computador, sem ver ninguém.
“Mais um depressivo. Droga! Isso é moda, agora?” eu estava braba.
Eu queria estar com um cara alegre e alto-astral, que me fizesse rir. E
não com um morto-vivo gemendo pelos cantos.
“Já sei, eu preciso de um cachorro! Cachorros são alegres” pensei
“Mas eu já tenho minha gatinha, a Babu...”
– Ofélia, está me ouvindo?

83
Juliana Duarte

– Opa, eu tava distraída – falei – pergunta de novo.


– Perguntei como você está.
– Bem, como sempre – respondi – só meio triste porque terminei
com meu namorado. Mas vou superar.
– Então foi por isso que me chamou – concluiu Otávio – para tapar
o buraco.
– Não diga isso.
– Então foi só por sexo mesmo?
– Sim, mas...
Otávio levantou-se. Recolocou a roupa. Aproveitei para olhar pro
pau dele uma última vez.
– Tchau, Ofélia. Você não mudou nada. Não se importa com os
sentimentos dos outros. Só liga pra si mesma.
E ele foi embora.
Aquilo foi algo duro de ouvir. Mas talvez eu precisasse escutar algo
assim.
Fui até a cozinha e peguei um pedaço de pudim. Coloquei numa
tigela e comi enquanto assistia a um clipe do David Bowie.
“Puxa, nem ofereci comida pro coitado do Otávio, que veio até aqui
só pra me ver. Nem mesmo um copo d’água. Será que eu sou assim tão
fria?”
Meu celular tocou. Meu toque estava ridículo. Eu precisava mudar
qualquer dia.
Ainda mastigando, atendi.
– Ofélia, você está bem?
Eu quase engasguei ao ouvir a voz extremamente sedutora de
Gregório.
– Sim. Que surpresa receber uma ligação sua.
Aquilo era muito raro.
– Demian me contou o que aconteceu – disse Gregório – eu sinto
muito. Ângela também está chocada.
– Ângela não gosta de Demian – lembrei.
– Mas nem ela imaginava que vocês fossem terminar. Isso foi muito
impactante para todos.
Acho que eu e Demian éramos quase como um símbolo de
perseverança. Um casal famoso na Flolan, que, apesar de tantas

84
A Gata Mascarada - Volume 2

diferenças religiosas, sexuais, de personalidade e tantas outras, colocava o


amor acima de tudo.
Apesar disso, éramos apenas humanos.
– No fundo, acho que o amor de Deus era mais importante para
Demian do que o amor que eu sentia por ele – confessei – porque Deus
é perfeito. E eu não sou.
Eu quase chorei no telefone ao dizer isso. Mas eu me segurei.
– E sabe por que Deus é perfeito? – acrescentei – Porque ele não
existe.
– Eu sei que tudo isso está sendo difícil para você – falou Gregório –
eu só liguei porque estava preocupado. Você já faltou a duas reuniões da
Flolan e não deu notícias. Mas não liguei para repreendê-la, já que agora
estou a par da situação. Tome o tempo que precisar. Não precisa vir no
próximo encontro, se não se sentir disposta. Eu só queria dizer que eu,
Ângela e todos os membros estamos aqui para qualquer coisa que
precisar. Pode contar conosco.
– Muito obrigada, mestre. Mas eu estou realmente aguentando tudo
com muito mais bravura do que eu imaginava. Então, pode ficar
tranquilo. Vou ficar bem.
Eu fui sincera. Eu não estava tão mal assim. Estava me distraindo
com várias coisas: comida, internet, até transas. Se eu fodesse bastante,
talvez eu fosse capaz de esquecê-lo.
Ou talvez eu me lembrasse dele ainda mais em cada transa: “O
Demian não fazia assim, ele fazia de outro jeito”.
Eu e ele terminamos e voltamos várias vezes no início do namoro,
quando ainda estávamos aprendendo o que era namorar. Mas dessa vez
parecia sério.
Chequei na internet como andava a Ordem de Sancha e me espantei.
– Uau. Essa garota é realmente poderosa.
Ela estava com um novo grimório. E o mais incrível era que esse
novo estava fazendo tanto sucesso e despertando tanto mistério quanto
um dos famosos grimórios da AMV. Havia novos membros na ODE.
Algumas pessoas realmente estranhas.
– “Vazou a lista secreta dos grimórios favoritos de Sancha” – eu li,
achando graça.

85
Juliana Duarte

Uma lista secreta? Sancha havia virado uma estrela. Há um ano,


especialmente nos meses após a morte de AMV, só se falava em Volans.
Mas Sancha estava viva e ainda podia escrever volumes cada vez
melhores. E estava conquistando cada vez mais admiradores.
Sancha estava até mais famosa que Gregório nos últimos tempos.
Isso tudo por causa do tal grimório... Gregório era mais reservado e não
deixava simplesmente vazar escritos que queria manter escondidos.
Eu fiquei tão fascinada com as fofocas da internet que resolvi baixar
alguns dos volumes recomendados por Sancha.
Quando eu tinha uns 15 anos, eu lia um livro de ocultismo atrás do
outro. Talvez estivesse na hora de retomar o velho hábito.
A ODE chegou a possuir apenas uns cinco membros na época em
que estavam todos fascinados com as besteiras de AMV, a adolescente
compulsiva e psicopata. Mas Sancha prosseguiu confiante nos próprios
projetos, mesmo quando muitos a rejeitaram. Isso porque ela não
realizava seus projetos buscando a veneração alheia. Ela apenas respirava
a magia porque estava viva. E não podia parar de respirar. Não queria.
Ela não seguiu o caminho de AMV. Ela fez seu caminho.
Inicialmente isso parecia poético e incerto, mas Sancha fez funcionar.
“E se eu tentasse...?” uma ideia muito ousada nasceu em minha
mente.
E foi bem nessa época que fiz uma nova amiga. Era uma garota
incrível.
Ela estava no primeiro semestre do meu curso. Era três anos mais
velha que eu. Nós fazíamos uma disciplina juntas. Mas eu nunca havia
olhado para ela atentamente, até que a vi na biblioteca da universidade,
na seção de livros esotéricos.
Não resisti. Eu tinha que falar com ela!
– Ei, você tá na minha classe – eu disse – em “Educação e
Espiritualidade”.
– Tô sim.
Ela me fitava com curiosidade.
– O que você tá lendo? – perguntei – Ah, vai, deixa eu ver.
Espiei a capa.
– “A Cabala Draconiana”, de Adriano Camargo Monteiro. Então
você curte magia draconiana?

86
A Gata Mascarada - Volume 2

– Adoro dragões – a garota sorriu – inclusive tenho um!


– Eu só tenho uma gata – comentei, desapontada – e ela é muito
preguiçosa! Mas ela é na verdade a reencarnação de um espírito com
quem eu mantinha contato por muito tempo.
– Nossa, que máximo! Sabe, meu mestre sempre me critica porque
não leio muito. Estou tentando mudar isso.
– Meu mestre me critica pelo mesmo motivo! – exclamei – Pensando
bem... ele não é mais meu mestre. Éramos namorados. Ele terminou
comigo. Pulei fora da Ordem dele.
– Comigo aconteceu algo parecido.
– Qual é o seu nome?
– Fernanda.
– Eu sou a Ofélia. Então você está sem Ordem agora?
– Isso.
– Que tal montarmos uma Ordem juntas? – propus.
– Parece ótimo!
Mas eu ainda precisava amadurecer aquela ideia.
Pensei em chamar Valentina e Charlotte, mas ouvi falar que elas
estavam sendo umas putas loucas na OCB.
“Porra. Bem quando você precisa de algumas amigas vacas piradonas
pra começar algo altamente foda, você descobre que elas já se
envolveram na suruba espiritual há muito tempo!”
Não era a primeira vez que eu pensava em fundar a minha própria
Ordem. No entanto, nunca antes eu decidi com tanta seriedade
concretizar isso. E logo numa época que eu estava fodida nos estudos.
Eu descobri que perdi uma prova no dia que matei aula pra ir até a
maldita loja de bolsas no shopping.
Como eu precisava de algumas ideias e inspiração, decidi ir no
próximo encontro da Flolan. E levei Fernanda junto.
– Ângela, será que a Fê podia assistir só à reunião de hoje?
– Nossos encontros são privados e você sabe disso – insistiu Ângela
– não posso abrir exceções.
– Por favorzinho!
Não deu certo. Fernanda apenas conversou um pouco com Ângela
para tirar algumas dúvidas sobre a Ordem. Pegou um panfleto e foi
embora.

87
Juliana Duarte

– Te encontro no campus de tarde? – perguntou Fernanda.


– Pode apostar que encontra – respondi.
Entrei na sala exclusiva para membros. Sentei no sofá.
“Estou na sala exclusiva”.
Lembrar disso me trouxe algum orgulho. Eu sempre vi aquele lugar
como uma sala comum. Porém, era só um pequeno número de pessoas
que tinha acesso a ela.
“Se o Demian estivesse aqui, teria sentado no chão. Bem ali. E ficaria
emburrado ou dormindo até o final da reunião”.
Suspirei fundo. Eu precisava esquecê-lo. Ele não fazia mais parte do
meu mundo. Nem mesmo como companheiro de Ordem. Ou amigo.
Levei um susto quando escutei a voz dele na entrada, conversando
com Gregório.
Ele certamente devia estar comunicando formalmente sua saída da
Flolan. Eu não fui até lá, mas apenas espiei os dois de longe, sem ser
notada.
– Agora com o seminário meu tempo se reduziu drasticamente –
explicou Demian – e eu desejo realmente me dedicar. Tanto ao
seminário quanto à faculdade.
– Eu entendo, Demian – respondeu Gregório – você será bem-vindo
se desejar retornar posteriormente. Mas esteja ciente de que precisará
realizar novo teste. E não manterá seu grau.
– Estou ciente. Obrigado, mestre. Você me ensinou muito. Sou
bastante grato.
“Demian está chamando Gregório de mestre”. Aquilo não era
comum. Eu achava impressionante quando acontecia. Mas aquela podia
ser a última vez.
Recordei do abraço que demos no lago uma vez. Eu realmente
acreditei que ficaríamos juntos para sempre.
Demian foi embora. Quando ele saiu por aquela porta, tive a
sensação de que jamais o veria de novo. Estudávamos na mesma
universidade e poderíamos nos encontrar a qualquer momento, mas...
– Ofélia? Não sabia que estava aqui.
Gregório quase esbarrou em mim ao entrar, já que eu estava espiando
tudo quietinha por trás da porta.
– Estou... – baixei a cabeça, meio deprimida.

88
A Gata Mascarada - Volume 2

Ele colocou a mão no meu ombro. E entrou na sala, sem dizer mais
uma palavra.
Senti, muito de leve, o cheiro dele quando Gregório passou. Isso fez
meu coração acelerar. Até numa hora dessas, em que eu estava triste, eu
ainda pensava com a buceta.
E durante a reunião inteira, não ouvi uma palavra da palestra de
Gregório. A sala estava cheia, com os novos membros, mas nem reparei
neles. Eu só conseguia olhar para o corpo do mestre.
A voz dele era perdidamente sensual. A forma com que ele falava das
coisas com extrema convicção.
Os braços. As mãos. Eu queria aquele homem para mim.
“Ângela, sua sortuda”.
Eu queria que Eugênia ainda estivesse comigo. Para que eu, Demian
e ela nos sentássemos juntos como nos velhos tempos. Naquele mesmo
lugar.
Mas eu fui a única que restou de nós três. Aliás, havia poucos
membros das antigas. Eu era vista como veterana na Flolan pelos
novatos, e era respeitada, mesmo com minha idade.
Aquilo tudo era divertido no começo. Estar na sala exclusiva. Ser
veterana. Mas depois perdeu um pouco a graça.
Às vezes você deseja muito uma coisa. Até daria sua vida por ela. Mas
depois que a obtém, a magia termina.
“Mas a magia só termina se você desejar” pensei “Porque pode haver
uma magia nova a cada dia, mesmo nesse velho mundo”.
Quando eu descobri que conseguia mexer com poderes sobrenaturais,
fiquei encantada. Depois se tornou meio chato, comum. Como qualquer
outra coisa comum do mundo. Meus poderes só impressionavam
algumas pessoas que não sabiam que as coisas do espírito não são
superiores às do corpo.
Era muito árduo desenvolver minhas capacidades psíquicas além do
nível que elas se encontravam. Num mundo em que mente, corpo e alma
são equivalentes, eu preferia simplesmente abraçar as diversões do
mundo. O sexo, especialmente. Eu poderia extrair poder mágico disso,
embora na maioria das vezes eu apenas fodesse normalmente, sem forçar
minha mente além do necessário.
“Eu só quero ser feliz. Do meu jeito”.

89
Juliana Duarte

Naquele dia eu carregava minha bolsa nova. Abracei-a. Ainda bem


que Bernardo não provocou um estrago definitivo nela.
“Quando eu sair dessa reunião boba, vou comer sorvete”. Mas era
entediante ir sozinha. Perguntei-me se não haveria alguma garota fofinha
como novo membro, para ir comigo.
E não é que eu achei uma? Olhos e cabelos castanhos claros. Usava
aparelho. Era da minha idade. Parecia muito dedicada, fazendo
anotações do que Gregório dizia durante a reunião.
Quando Gregório liberou todo mundo, eu me aproximei dela.
– Oi, linda. Como é seu nome?
– Celeste. Você deve ser a Ofélia, a famosa garota com poderes
sobrenaturais.
– A própria – confirmei, cheia de orgulho.
– Me mostra alguma magia super demais?
– Vem tomar sorvete comigo que te mostro.
Como era bom ser menina! Era a coisa mais fácil do mundo levar
mocinhas lindas para sair. E Celeste era super meiga, usando uma saia
bonitinha.
– Eu quero sorvete de açaí! – pedi.
– O meu de amendoim – disse Celeste.
Como eu adorei ela!
E enquanto nós duas, garotas maravilhosas e fogosas, comíamos
felizes nossos sorvetes em trajes fresquinhos de primavera, falei a ela
sobre minha magia:
– Eu simplesmente consigo alterar alguns elementos da realidade ao
meu redor. Mas se eu consigo segurar um objeto com minha mão, por
que iria movê-lo com a força da mente? Isso parece meio idiota.
Celeste riu.
– Gostei de você – ela disse, de imediato – eu também pensei desde o
começo que esse lance de magia era meio viagem. Mas quando você põe
nesses termos, até que faz sentido.
– Digamos que nós não estudamos magia para mover objetos com o
poder da mente – expliquei – e sim para entender porque possuir essa
capacidade seria completamente desnecessário. Nós sempre queremos o
que não temos. Se todos os seres humanos tivessem TK, isso se tornaria

90
A Gata Mascarada - Volume 2

monótono e eles iam querer voar. Se voassem, iam desejar outra coisa
ainda mais absurda.
– Talvez as pessoas queiram poderes para se exibir – concluiu Celeste
– por ter uma coisa que os outros não têm. É como comprar bolsas de
grife só pelo prazer de mostrar que tem grana.
– Ah, verdade, he, he.
Tirei a bolsa do meu colo e escondi-a na cadeira ao lado da minha.
– Mas, se pensar com cuidado, também existe esse apelo em ser
membro de uma Ordem de magia altamente restrita – observei – é para
ser exclusivo. Porque lá você é VIP! E você se sente especial.
– O que será que precisamos fazer na vida para nos sentirmos
especiais? – perguntou Celeste, pensativa – Eu acho que é ter um super
namorado que ame a gente mais que o mundo! E que seja o mundo para
nós. Você não acha?
– Totalmente! Você tem um gatinho?
Ela mostrou a aliança.
– Tô noiva! Mas não sou mais virgem há muito tempo, há, há.
– Menina, eu não sei mais o que é virgindade desde a sétima série!
E eu tive uma grande ideia.
– Eu vou fundar uma Ordem na minha universidade. Quer entrar?
– Mas eu não estudo na sua universidade.
– Se matricula num curso da extensão, sei lá.
Eu queria arrastar o máximo de membros possível. Mas eu ainda
precisava decidir o nome da Ordem.
No início da tarde, levei a Celeste para a universidade. Apresentei-a
para Fernanda.
– Então já somos três – observou Fernanda, contente.
– Todas lindas e inteligentes! – acrescentei.
– Ora, mas todas as mulheres são lindas e inteligentes – disse Celeste.
– Verdade, verdade – tive que concordar – e não é que os homens
também? Quero homens bem gostosos na minha Ordem! Mas se todos
são gostosos, então basta ser homem que vou ficar feliz.
– E por que não fazemos uma Ordem só de garotas? – propôs
Celeste.
Parei para pensar.

91
Juliana Duarte

– Nah – decidi – eu gosto de homem. Eu terei uma boa vista


enquanto dou palestras. E terei o ponto de vista masculino dos assuntos
abordados.
– Beleza então – disse Fernanda – e qual vai ser o nome da Ordem?
– Majestosa Avidez da Sagacidade – informei, prontamente – ou
M.A.S. Porque somos más.
– E nós praticamos a Magia da Sagacidade – acrescentou Celeste.
– Porque somos fodas pra caralho – concordei, anotando tudo na
minha caderneta peluda cor-de-rosa – e eu sou a líder, é óbvio. Fiquem à
vontade para brigar pela posição de vice.
– A Fernanda pode ser a vice, sem problemas – disse Celeste,
prontamente – afinal, eu nem estudo aqui.
– Então está decidido – concluí – vou anotar o que precisaremos
comprar. Eu quero um spray para pichar o “M.A.S.” pela universidade.
Podemos espalhar cartazes misteriosos também.
– Que cores usaremos? – perguntou Fernanda – Precisamos de um
símbolo. E um brasão.
– Roxo e rosa – respondi, sem pedir a opinião de ninguém – alguém
sabe desenhar para preparar o brasão?
As duas ficaram quietas.
– Meus desenhos também são um cu – falei – e com isso já sabemos
onde encontraremos o quinto membro: no Instituto de Artes. Vamos lá!
E depois arrastamos alguém da letras também, para escrever nossos
grimórios.
E nós três seguimos até o IA. Observamos ao redor.
– Vamos sequestrar o primeiro que passar – sussurrei – puxe um e
saia correndo.
– Isso seria algo como a cerimônia do tapping nas sociedades secretas
universitárias? – perguntou Fernanda, empolgada.
– Sim, mas um pouco mais violento. LÁ TEM UMA! PEGA!
Eu já estava dando minhas primeiras ordens como líder. Celeste
segurou a pobre coitada pela mão e saiu correndo.
Quando já estávamos lá fora, finalmente soltamos a garota. Sentamos
num banco para recuperar o fôlego e caímos na risada, enquanto a
mocinha nos observava, completamente perplexa.
– Você são loucas? – ela perguntou.

92
A Gata Mascarada - Volume 2

– Nós somos magas! – disse Fernanda.


– Então eu estava certa.
– Pode desenhar um brasão pra gente? – pedi, com os olhos
brilhando.
– Eu faço esculturas – disse a garota de artes visuais.
– É quase a mesma coisa – observei – imagine que você está fazendo
uma escultura em duas dimensões.
Ela continuava a nos fitar como se fôssemos piradas. Para incentivá-
la, passei-lhe minha caderneta rosa e uma caneta.
– Somos uma sociedade secreta e discreta – expliquei – e queremos
um brasão bem escandaloso, feminino e cheio de fru-frus.
– Estou vendo o quanto vocês são discretas.
Mas ela pegou a caneta e rabiscou qualquer coisa mesmo assim, para
ver se conseguia se livrar de nós.
– A-do-rei! – exclamei, maravilhada – Pode fazer um colorido?
Púrpura e magenta, sim?
– O que vocês são exatamente? – ela perguntou, desconfiada – Uma
irmandade de moda?
– De ocultismo – informou Celeste.
– Sério mesmo? Vocês jogam tarô?
– Podemos jogar – eu disse – talvez pôquer? Ou prefere paciência?
Brincadeirinha! Nós fazemos todas essas aberrações psicodélicas, como
ler o futuro, o passado e o presente. E somos muito poderosas!
– E ler o presente é a parte mais complicada – acrescentou Celeste –
porque ele não existe.
– Meu nome é Yolanda, obrigada por perguntar. E eu cobro pela
minha arte.
– Se eu te pagar não vai sobrar grana pro nosso spray subversivo – eu
disse – que tal você se tornar membro da nossa Ordem e fazer tudo de
graça?
– E o que eu ganho com isso?
– Pessoas verão a sua arte, pois seremos muito famosas – tentei.
E não é que deu certo?
– Quero desenhar um tarô – disse Yolanda.
– Primeiro o brasão! Eu sou a líder, eu que mando!

93
Juliana Duarte

Fiquei tão feliz por ter conseguido mais uma menina linda como
membro! Yolanda tinha a pele morena clara, extremamente deliciosa.
Olhos e cabelos profundamente negros.
“É tão negro que é quase azul!” notei, fascinada.
Eu tinha vontade de apertá-la.
– Agora só precisamos de um escritor – concluí.
– Acho que escrevo bem – disse Celeste – ganhei um prêmio na
segunda série com uma história sobre uma girafa triste.
– Que extraordinário! Por que a girafa era triste?
– Porque ela não tinha um “girafo”.
– Nossa, que profundo, Celeste – falei, achando tudo super
romântico.
Enquanto isso, Yolanda nos fitava com uma expressão meio
assustada de “Por alguma razão, eu sei que elas não estão brincando”.
Anotei as funções de cada uma no meu bloquinho e passei as tarefas:
– Yô, quero os brasões pra amanhã. Posso te chamar de Yô, né?
– Claro, meu nome e meu corpo são seus. Sirva-se deles como
desejar.
Ela já sabia que tinha vendido a alma para o Diabo. Um cor-de-rosa e
com plumas.
– Cel, um grimório pra semana que vem – mandei.
– Sobre o quê?
– Não interessa! Pode ter cinco páginas e ser sobre qualquer coisa –
instruí – mas precisamos ter um grimório.
– Por quê? – perguntou Yolanda, já antevendo uma resposta ilógica.
– Porque... meu mestre já escreveu uns dez grimórios e eu acho isso
muito foda. Escreva qualquer bobagem e diga que é secreto. Todos vão
ficar loucos pra ler. Mas só quem for de último grau terá acesso a ele.
– E como se faz para chegar no último grau? – perguntou Yolanda,
monotonamente.
– Tem que transar comigo – respondi – ou me dar uma bolsa.
– Eu não quero transar com você – Yolanda me fitou de canto –
tenho um namorado.
– Era brincadeira, tolinha – eu ri.
– E o resto era zoeira também?
– Não.

94
A Gata Mascarada - Volume 2

– Droga...
– Fernanda, você vai comprar o bule de chá, as xícaras e uma bela
toalha florida – instruí – quero chá de limão. Leite desnatado. Açúcar
mascavo... pronto, isso é tudo. Eu compro o spray.
– Não temos que mandar fazer os mantos?
– Merda, esqueci. Quando o brasão estiver pronto, vamos costurá-lo
em vestidos. E também teremos bolsinhas com o emblema da Ordem.
– E quem vai pagar por tudo isso? – perguntou Yolanda.
– Nós vamos fazer uma vaquinha – respondi – ou podemos tirar
fotos de todas nós de minissaia e vendê-las em troca de contribuição
para a nossa nobre sociedade.
– Isso não estava no contrato, meu.
– Eu estou trollando você – informei.
– Porra, me pegou de novo. Você é boa.
Mas eu estava tão empolgada com os meus projetos, que me sentia
disposta a investir meu próprio dinheiro para fazer acontecer.
Naquela mesma noite preparei um site para a MAS. Passei o link para
a Yolanda por e-mail, mandando que ela arrumasse o layout e
adicionasse o símbolo da Ordem. E a tarefa de Celeste seria escrever
alguns textos de introdução.
Na madrugada, marcamos a primeira reunião online da Ordem.

OFI: Precisamos de nomes mágicos?


FÊ: Seria tão doce!
YO: Criem um para mim. Não estou a fim de pensar.
CEL: Já comecei a escrever o grimório! Ele se chama: o Grimório da
Majestade. Ou Grima, para os íntimos.
OFI: Eu contatei uma costureira. Preciso saber as medidas de todas.
Prometo que deixarei as informações num arquivo confidencial.
CEL: Quanto você tem de busto, Ofi?
OFI: Ai, amiga, como você é indiscreta. Que tal eu levar uma fita
métrica e medirmos todas juntas amanhã?
YO: Tem certeza que vocês não jogam pro outro time? Estou com
medo de vocês, sinceramente.
OFI: Você vai temer muito mais quando contemplar os nossos
vestidos oficiais da Ordem, cheios de babados.

95
Juliana Duarte

Para mim, tudo aquilo era uma seriedade espetacularmente divertida.


Eu levava muito a sério a minha sociedade secreta, mas não via
problemas em preparar um show de luzes para iluminar o nosso desfile
no mundo dos espíritos.
Tudo ficou pronto muito rápido. A Fernanda e a Celeste ajudaram na
parte financeira e a coisa andou. Isso porque elas também estavam tão
entusiasmadas quanto eu.
A Yolanda fez uma quantidade enorme de desenhos. Embora
reclamasse, acho que ela também estava se divertindo. Provavelmente
nunca havia feito algo tão estranho na vida.
Já tínhamos o símbolo oficial, o brasão e uma boa variedade de
trabalhos artísticos, incluindo os desenhos dos modelitos que vestiríamos.
Aproveitei e pedi para que Yolanda inventasse um alfabeto mágico e
mais alguns símbolos secretos para os graus avançados.
– Yô e Cel, façam juntas o grimório para que a Yô acrescente
aquarelas nas páginas. Compre um livro com páginas em branco na
papelaria para isso.
– Não é necessário – informou Yolanda – eu fiz a disciplina de
“Materiais em Artes”. Sei como montar um grimório com papel
reciclado.
– Ter uma artista na Ordem é tudo de bom – comentei, satisfeita –
prático e econômico.
– E original – observou Fernanda – que tal termos bonequinhos de
voodoo de nós mesmas?
– Eles ficarão comigo para que eu possa puni-las quando me
desobedecerem – brinquei – e terão vestidos lindos!
Em duas semanas eu já estava exausta. Eu tinha matado muita aula.
Fazíamos reuniões todos os dias: uma de tarde no campus e uma de
madrugada pela internet.
Logo, nós quatro estávamos desfilando pelo campus com nossos
vestidos escandalosos com o brasão da MAS. Toda a tarde tomávamos
chá, enquanto tirávamos tarô e recitávamos trechos de grimórios já
prontos ou de nossos próprios grimórios. Bem, pelo menos já tínhamos
um grimório e as postagens do site.

96
A Gata Mascarada - Volume 2

Embora o site fosse aberto, havia uma seção restrita apenas para
membros, acessada somente por senha.
Encarreguei Yolanda das pichações da MAS. Assim ela faria
pichações mais elegantes, extremamente artísticas, muito melhores do
que teriam sido as minhas, que nem sabia como apertar um spray.
Não demorou muito para que nossas atividades despertassem a
curiosidade dos alunos. Não porque eles estivessem interessados em
ocultismo. E sim porque eles queriam saber o que as quatro damas
elegantes faziam durante aquele chá particularmente exótico.
Se alguém nos perguntava qualquer coisa, dizíamos:
– Não podemos revelar.
Aquela era a chave para que a galera ficasse ainda mais intrigada. E
quanto mais pichações e folhetos com frases e símbolos misteriosos se
espalhavam pela universidade, mais eles queriam saber do que se tratava.
Aos poucos, eles faziam a associação: o brasão de nossos vestidos e as
cores eram os mesmos dos cartazes afixados nos quadros de aviso.
– Monte um quebra-cabeça – fiz essa proposta para Celeste – uma
charada. Espalhe por aí, até que as peças sejam montadas. Mas terá que
ser algo difícil.
Aquele foi o estopim para que fosse iniciada a “Guerra do Mistério”,
como seria chamada mais tarde. Nós escondemos várias pistas nos
lugares mais inusitados, incluindo banheiros. Havia trechos escritos com
um alfabeto mágico, que alguns já estavam tentando desvendar,
conforme a organização das frases.
– Ofi... nós saímos no jornal da universidade – mostrou Fernanda,
espantada.
Eu também me surpreendi. Alguém havia tirado uma foto nossa, sem
autorização. Havia fotos dos cartazes também. E uma matéria.

“Uma Sociedade Secreta ou um Chá de Beldades?

O que realmente planejam as damas mascaradas? Há quem diga que elas são
apenas estudantes comuns que, por alguma razão inusitada, resolveram preparar uma
cerimônia do chá no meio da universidade, trajadas em vestidos no estilo da Era
Vitoriana. Seriam um grupo de teatro? Os estudantes de cênicas querem pregar uma
peça bem tramada?

97
Juliana Duarte

Os especialistas dizem que não. „Elas não são de cênicas. Nunca as vi no centro
acadêmico. E conheci as calouras desse semestre, que, por sinal, são muito gostosas‟
diz Ramiro S. Gonzalez, 7º semestre de artes cênicas. „Deve ser uma irmandade‟
propôs Laura M. Nogueira, 2º semestre de história. „Eu acho que são apenas idiotas
querendo aparecer‟, concluiu Ana C. Silva.

Sejam um grupo de teatro, uma irmandade, ou apenas idiotas, parece que todos
estão entusiasmados com as charadas. Os boatos mais excêntricos dizem que aquele
que primeiro resolver o mistério receberá uma vaga na tal irmandade. Ou, pelo menos,
será informado em primeira mão a respeito do grande segredo que guardam as
belíssimas senhoritas.

„Belas nada. Devem ser feias, por isso escondem o rosto‟ concluiu sabiamente
Helena B. Rodriguez, que afirma não estar com inveja, mas apenas dizer a verdade
sobre os fatos, de forma imparcial”.

– Amei o artigo! – exclamei, sorridente.


“Quem foi que escreveu essa bosta?” pensei, de imediato,
procurando o nome do jornalista.
– Vocês só estão fazendo sucesso por causa dos meus desenhos –
lembrou Yolanda.
– Mas fui eu quem montou as charadas – observou Celeste.
– Não me importa quem fez o que – eu disse – somos um grupo.
Orgulhem-se pelo esforço de todas nós.
“Damas mascaradas...”
Aquilo soava forte. Nós sempre usávamos máscaras,
obrigatoriamente, quando saíamos para realizar algum ritual estranho
numa parte reservada do campus. Mas durante o chá usávamos as
máscaras apenas ocasionalmente. Quando não o fazíamos, optávamos
por uma maquiagem carregada.
Mas a galera parecia ter curtido as máscaras. Decidi que adotaríamos
isso oficialmente.
– A partir de agora, é proibido utilizar quaisquer símbolos ou trajes
que nos identifiquem como membros da MAS sem usar as máscaras

98
A Gata Mascarada - Volume 2

conjuntamente – informei – ou seja: em todos os nossos encontros


usaremos máscaras, sejam eles formais ou informais, curtos ou longos.
– Concordo – disse Fernanda – as nossas máscaras cobrem o rosto
inteiro. É bem apropriado.
Eu havia solicitado mais uma vez o talento de nossa faz-tudo
Yolanda, pedindo para que fizesse máscaras para todas nós, já que a
especialidade dela era escultura. Ela se animou com a tarefa na hora e
pareceu ser o único trabalho que ela teve um real prazer em fazer.
A minha máscara era de gatinho, é claro. Muito formosa.
Celeste devia ter feito uma charada realmente difícil, pois mais uma
semana se passou sem que ela fosse desvendada.
– Ops, acho que errei uma parte – Celeste se deu conta – vai ser
impossível resolver.
– HÁ, HÁ, HÁ, que troll – eu adorei saber disso – melhor ainda.
Então não tinha sido a inteligência de Celeste que nos deu fama e sim
a burrice. Excelente!
Já havia coisas na internet sobre nós. Escritas em blogs por
estudantes da universidade, é claro. Incluindo fotos. Nem precisávamos
nos dar ao trabalho de tirar fotos de nós mesmas, já que os outros
faziam por nós, embora escondidos.
De vez em quando eu avistava uma criatura com um celular ou
máquina fotográfica, bem de longe. Eu geralmente ignorava. Mas já tinha
chegado uma garota solicitando entrevista. Negamos na hora.
Logo, começamos a ficar antipáticas. Se alguém falava conosco,
silenciávamos completamente. Melhor que nossas vozes não fossem
identificadas, tampouco. Ou talvez eu estivesse ficando paranoica. E daí
se descobrissem a identidade dos membros? Ninguém ia nos matar, ou
algo assim. No máximo diriam: “Ah, legal...” e nos encheriam o saco
durante as aulas.
“Mas não era isso que você queria, Ofi?”
Para ser sincera, eu não sabia ao certo o que eu queria. O jogo da
fama era apenas uma brincadeira a mais. Meu objetivo era pura e
simplesmente reunir pessoas interessantes para que juntos tivéssemos
bons momentos e aventuras num grupo com atividades totalmente
nossas.

99
Juliana Duarte

Eu criei algo bem feliz, com cores vivas e brilhantes. Isso parecia
aumentar ainda mais o mistério. Se apenas usássemos mantos negros
com capuzes, tudo teria ficado subitamente claro. Com simbolismos
mais aleatórios, ninguém sabia ao certo o que pensar. Éramos uma
sociedade secreta? Ou meninas levadas? Talvez os dois?
Beleza. Fama. Poder. De repente, aquilo tudo estava chegando a mim
muito rápido, de uma forma que eu jamais teria sido capaz de prever.
É inegável que a forma com que nos vestíamos fazia com que as
pessoas nos fitassem com cada vez mais interesse. A nossa beleza era
buscada. E o segredo por trás das máscaras.
Cada vez mais pessoas liam o nosso site, porque todos estavam
ávidos por mais informações. Eu era a única que escrevia matérias por lá,
deixando claro que os desenhos eram da “Borboleta Mascarada”.
Os nossos codinomes eram de acordo com as máscaras que
usávamos. Fernanda era o “Dragão Mascarado”. E Celeste era a “Coelha
Mascarada”.
Quanto a mim, fiquei particularmente famosa como a escritora do
site. Eles sabiam que eu era a líder. Então, quando nós quatro estávamos
juntas, eles sabiam bem para qual máscara apontar. A garota que estaria
debaixo dela seria o maior segredo de todos.

“Quem é a Gata Mascarada?

Muitos já desistiram de encontrar uma solução para o enigma da M.A.S. „É


insolúvel. Elas apenas pregaram uma peça em todos, e nós, os retardados, caímos‟,
revela Douglas N. Lima, 3º semestre de estatística.

Há quem cogite que tudo se parece muito com um ARG. Mas a maioria
realmente deseja que essa seja uma sociedade secreta real. Os membros já foram vistos
com grimórios e tarôs e parecem realizar rituais genuínos, com espadas e outros objetos
suspeitos.

As quatro damas mascaradas mantêm um silêncio tumular e não aceitam dar


entrevistas ou ser fotografadas, embora realizem suas atividades em público. Muitos
começam a se perguntar quais são os requisitos para ser membro, já que essa

100
A Gata Mascarada - Volume 2

informação não é revelada no site da M.A.S. Lá há apenas poemas, além de frases


vagas e pretensiosas.

„Se elas realmente estudam magia e possuem poderes sobrenaturais, por que
apenas tomam chá?‟ pergunta Carlos B. Carvalho. Ainda há muitas perguntas sem
resposta. Mas a maior delas talvez seja: quem é a garota por trás de tudo e o que ela
planeja?”

– “Quem é a Gata Mascarada?” – eu só li o título e passei os olhos no


resto da reportagem – se eles soubessem o mínimo sobre as Ordens de
ocultismo da nossa cidade, descobririam isso facilmente. Eu já usei
apelidos parecidos com esse na Flolan, em listas de discussão sobre
fenômenos psíquicos e em sites sobre felinos...
– Minha arte está sendo vista e comentada! – exclamou Yolanda –
Muito obrigada, Ofélia. Nunca pensei que iria te agradecer por você me
meter nessa maluquice.
– Você não está se divertindo? – perguntou Fernanda – Que acha de
nossos rituais?
– Eu não sinto nada – confessou Yolanda – você e Ofélia parecem
entrar num transe profundo quando invocam um desses bichos do além.
Eu não tenho a manha pra isso. E nem paciência.
– Eu gosto e até sinto algumas coisas – disse Celeste – mas ainda sou
uma iniciante.
– Quero chamar mais dragões – disse Fernanda – está no meu sangue.
– Eu quero mais um pouco de tudo – decidi – sempre mais.
Eu sentia um perigo iminente dentro de mim. Depois de tantas
práticas evocatórias acompanhadas por aquele teatro espetacular, eu
sentia um gosto do passado. Eu desconfiava que muito em breve algum
poder forte iria se manifestar.
Se isso acontecesse, a nossa Ordem não seria apenas mais um
joguinho misterioso. Os estudantes iriam investigar seriamente. E isso
poderia me trazer problemas.
Realizamos a evocação daquele fim de tarde numa área mais afastada,
para que não nos seguissem, mas ainda nas imediações do campus.

101
Juliana Duarte

Montamos o círculo de poder e me esforcei para ser exata em todos os


pontos.
“Lembre do que o Gregório disse na palestra...” eu jamais pensei que
aquilo ia me servir para alguma coisa. Muito menos para salvar minha
vida.
Erguemos as espadas, permanecendo cada qual como guardiã de uma
das torres de vigia.
– Que merda...? – eu deixei escapar.
Soprou um vento enorme de repente e alguns galhos de fogo
saltaram longe, escapando da fogueira.
Note: o vento fez voar os galhos, mas não extinguiu o fogo! De que
era feito aquele fogo? Salamandras? Ou estaria o vento envolto em silfos
levados?
As meninas se protegeram. O fogo quase pegou nelas. Mas eu não
consegui escapar. Parecia que o fogo me queria. E me atingiu em cheio.
Meu vestido começou a pegar fogo! Eu o arranquei do corpo
imediatamente. Fiquei apenas de calcinha e sutiã. E máscara...
Mas o vestido se enrolou nos meus pés. Desse jeito, eu iria me
queimar.
Foi quando me recordei das palavras de Gregório:
“O fogo dos elementais não é fogo feito de matéria e sim de espírito.
Se quiser domá-lo, não use seu corpo de carne e sim a mente”.
O fogo só iria me queimar se eu acreditasse que ele era real. Eu
foquei a minha mente firmemente para que eu compreendesse que
nenhum daqueles fenômenos era verdade. Mas eu exagerei.
Por causa do meu passado mexendo com os poderes psíquicos,
obtive certa capacidade de manipular minha percepção mental,
adquirindo mobilidade para redefinir as fronteiras do real e do
imaginário. E no momento de desespero, convenci-me de que tudo
aquilo ao meu redor, fogo, vento e terra, nada era material.
O fogo ao meu redor simplesmente sumiu. O vento cessou num
segundo. E abriu-se uma fenda na terra. Caí numa espécie de vala, que,
embora rasa, me fez torcer o pé.
Caí de mau jeito. Meu corpo ficou tão pesado, talvez pela força da
mente, que pressionei-o com tudo em cima do meu pé.

102
A Gata Mascarada - Volume 2

As três garotas me fitavam com estranheza. Elas viram, de muito


perto, o que aconteceu.
– Você está bem? – Fernanda correu para me ajudar, preocupada –
Tinha um buraco aí, que azar.
– Meu pé – eu disse.
– Você o queimou?
– Não, eu só caí em cima dele.
– Ei, tem gente filmando! – exclamou Celeste, num susto.
Não muito longe de lá, três pessoas estavam escondidas atrás das
árvores, também boquiabertas com o que tinham acabado de
testemunhar. Assim que olhamos naquela direção, eles correram.
– Tarados – eu disse – me filmaram de lingerie.
“Até parece que eu me importo...”
O problema era outro. Eles filmaram o resultado de um fenômeno
psíquico. Se aquilo se espalhasse na internet, eu tava ferrada. Eu nunca
filmava ou fotografava nada daquilo que eu fazia. Eu sabia que seria uma
escolha imbecil. Na internet todos iam insistir que foi montagem. Então
eu nem me dava ao trabalho. Não queria me estressar e ser chamada de
charlatã.
Portanto, se aquele vídeo vazasse seria problemático. Ia dar merda.
Ou insistiriam que era montagem, ou iam começar a nos perturbar de
um jeito ruim.
Felizmente e milagrosamente, o vídeo não foi pra internet. Mas
rumores sobre o tal vídeo vieram à tona. Pessoas diziam que a Gata
Mascarada era uma “maga genuína”. Que ela realmente “fazia magia”. E
isso era dito por pessoas que mal sabiam o que era magia. Para esses
imbecis, magia era sinônimo de feitiçaria.
E, como haveria de ser, havia a ala dos “Isso-é-montagem-até-eu-
faço-no-Movie-Maker”.
– E não é que a Gata Mascarada é gostosinha? Viu aquele corpo?
Um cara no restaurante universitário comentou isso no dia seguinte.
Eu não pude acreditar quando ouvi.
“Sou gostosinha”, pensei, feliz da vida!
“Toma, Demian. Toma Bernardo” pensei, satisfeita. “Meu corpo é
apreciado”.

103
Juliana Duarte

Fui para a aula de muletas. Eu esperava que ninguém fizesse a


associação com o vídeo. Afinal, pouca gente tinha chegado a assisti-lo, já
que não estava na internet.
Para que ninguém desconfiasse, resolvi não usar as muletas na hora
do chá. Apoiei-me na Fernanda. Minha vice querida.
– Como você gosta do seu chá? – perguntou Fernanda, servindo-me.
– Com leite e uma colher de açúcar, por favor – eu disse.
Naquela tarde havia uma quantidade anormal de pessoas tentando
nos observar, devido aos boatos do vídeo. E foi bem naquele dia que
recebemos uma visita inusitada.
– Sancha Dorneles...! – pronunciou Celeste, impressionada.
Ela era muito mais popular do que eu, é claro. Minha fama se
restringia a algo extremamente recente, dentro dos limites da minha
universidade. Sancha já tinha nome há uns dez anos. E nos últimos
meses seu nome era ouvido em muitos fóruns de ocultismo no Brasil.
Ela caminhou até mim. Em toda sua elegância, com seu tomara-que-
caia negro e seus saltos ousadamente altos.
– Você é a Ofélia, certo?
Ela perguntou isso somente para mim, de modo que só eu e as outras
três poderíamos ouvir.
– Já nos encontramos antes – respondi.
– Sim, eu me lembro – Sancha sorriu – Gregório me contatou
semana passada falando a respeito da Ordem que você montou por aqui.
Vim para saber se precisa de alguma coisa.
“De você!” pensei, de imediato. Mas... que bobagem. Sancha era
muito ocupada. Tinha sua própria Ordem para tomar conta. E se uma
mulher poderosa como Sancha estivesse na MAS, certamente iria ofuscar
o meu brilho. Eu não queria uma femme fatalle por perto para apagar
minha presença.
É claro que eu admirava Sancha. Mas não deixava de sentir uma
pontinha de inveja.
Ao vê-la naqueles trajes negros e sérios, não pude deixar de me achar
meio boba, usando uma máscara de gato e um vestido rodado cor-de-
rosa.
“Não se compare a ela, Ofélia. Você tem seu próprio jeito de fazer as
coisas. E ele é só seu e de mais ninguém. Sancha não é melhor que você.

104
A Gata Mascarada - Volume 2

Ofélia e Sancha são apenas mulheres diferentes. Magas diferentes. Com


estilos únicos e espetaculares”.
– Eu não preciso de nada – falei, por fim – obrigada.
Ela sorriu bondosamente quando eu disse isso. Mas a forma com que
ela sorriu, me fez pensar: “Ela sabe que despertei um poder psíquico
ontem. Por isso ela veio hoje”.
Era como se ela me lesse por completa. Eu quase corei, pensando
que ela poderia ter adivinhado aqueles meus pensamentos indiscretos.
Eu comparando-me a ela. Eu a invejando. E, sobretudo: a forma com
que eu me fascinava com sua beleza estonteante, numa eterna guerra de
amor e ódio.
De repente eu descobri que ela sempre esteve à minha frente em tudo.
Ela teve o Gregório. Era mestra de uma Ordem poderosa. Ela estava até
ultrapassando o Gregório!
– Entendi – ela disse – mas lembre-se que somos todos amigos,
Ofélia. Não hesite em nos chamar se precisar.
Essa frase me derrotou. “Somos todos amigos” era um aviso para
que eu não alimentasse pensamentos competitivos. Aquela era a forma
que ela escolheu para me dizer que éramos aliados. Mas o tom dela foi o
de alguém que conversa com uma criança.
OK, ela era uns dez anos mais velha que eu. E Gregório quase vinte
anos mais velho. Que tipo de tratamento eu poderia esperar?
Mas isso foi tudo. Nos despedimos com educação. E Sancha foi
embora.
Os paparazzi ao redor aproveitaram para filmá-la e fotografá-la. Mas
eu também me senti honrada ao notar que eles queriam filmar e
fotografar o nosso momento juntas. Não somente Sancha sozinha.
Não estávamos exatamente rodeados de admiradores. Havia duas
garotas com celulares e um cara com uma máquina fotográfica nas
proximidades. Isso foi tudo. Eles logo perderam o interesse e foram
embora.
As pessoas não gostam do que é bom, e sim do que está na moda,
independente de ser bom ou ruim.
“Cara, que loucura...”
E, para completar, no final do dia deparei-me com outra situação
incômoda.

105
Juliana Duarte

Quando estávamos mascaradas e com os trajes da Ordem, nós quatro


raramente ficávamos separadas. Mas daquela vez aconteceu, por causa
do meu pé machucado. Eu fui em outra direção pegar minhas muletas.
Fernanda acompanhou-me.
– Espere aqui – disse Fernanda – já vou trazer.
Eu me sentei, exausta. Suspirei fundo. E fechei os olhos.
“Isso ainda não é o que eu quero. Ainda não me sinto especial o
bastante. Mesmo que eu alcance toda a fama possível nesse mundo, todo
o poder, toda a beleza, não vai valer nada se eu não tiver...”
– Demian... – pronunciei, baixinho.
Tinha alguém perto de mim. Abri os olhos no mesmo instante.
Devido ao meu devaneio repentino, pensei que fosse ele.
Mas não era. Eram quatro caras desconhecidos, certamente
estudantes da universidade. Um deles havia se aproximado de mim,
tentando tirar minha máscara. Aproveitou que eu estava de olhos
fechados e quase cochilando. Eu fui descuidada.
Quando abri os olhos, ele recuou.
– Perdão – ele disse, imediatamente – Gata Mascarada, queria falar
com você. Eu gostaria de ser membro da MAS.
Como era de praxe, mantive o silêncio.
– Por favor – falou o outro – não nos importamos que a Ordem seja
rosa e tudo o mais. Você é poderosa. Sabe parar o vento e o fogo.
Causar terremotos.
“Que exagero”. Eu quase ri. Mas optei por me fingir de séria. E
continuei quieta.
– Ela não fala – comentou o primeiro deles, que tinha cabelos
escuros – por que está nos ignorando? Merda.
– Será que é muda? – perguntou o segundo, um sujeito meio careca –
Se eu chutá-la, será que ela grita?
Ele pisou no meu longo e maravilhoso vestido, com aquela bota suja
e cheia de barro. Eu me enfureci.
– Vai te foder! – exclamei.
– Ah, agora a mocinha falou – disse o careca, satisfeito – Eu quero
ser membro. Como faço?
– Você toma no cu.

106
A Gata Mascarada - Volume 2

Quando eu disse isso, não senti mais minha boca. No segundo


seguinte, eu estava no chão. E cuspi sangue.
Foi tudo muito rápido. Ele tinha me chutado!
– Ninguém me manda tomar no cu, entendeu? Somente eu que como
cus. E principalmente bucetas. De gostosas.
“Hã... que bom pra você”, pensei, aborrecida.
– O que não é o seu caso, é claro – ele acrescentou – eu não comeria
a sua.
– Aff – eu disse – eu não ligo. Vê se cala a boca.
Um segundo chute. No mesmo lugar.
Dessa vez, saiu sangue pra caralho. Eu me senti tonta. Devia ter
aberto um corte enorme no meu lábio.
“Se isso continuar, eu posso morrer” dei-me conta, assustada. E se
ele me chutasse na cabeça? E se eu dissesse algo que o irritasse de
verdade?
Eu odiava me sentir desse jeito. Eu era a poderosa Ofélia. Eu falava o
que eu queria. Fazia o que eu queria. Era muito sujo e covarde que me
submetessem pela força. Eles eram vermes.
E os três que assistiam riram de mim. Da minha dor. Do meu sangue.
Lembrei das palavras do Demian naquele dia, na sala da Ordem. A
maldição dele havia se realizado quase que completamente.
– Não vai dizer mais nada? – o sujeito provocou-me – vamos, pode
falar. Me xingue de novo. Eu vou gostar. E você também.
Fernanda retornou. Quando ela me viu sangrando no chão, levou um
susto. Ela também ainda estava de máscara e vestido.
– Olha quem chegou – zombou o careca – o “Dragão Mascarado”.
Que palhaçada...
– Vão embora! – mandou Fernanda, cheia de coragem.
– Por quê? Você vai me mandar embora?
Fernanda retirou uma bolsinha de cosméticos da bolsa. Puxou uma
enorme tesoura.
– Não – disse Fernanda – eu vou te picotar aqui mesmo.
Eu não pensei que eles fossem se sentir intimidados por aquela
tesoura, mas... Fernanda emanava uma aura impressionante.

107
Juliana Duarte

Eu olhei para ela, admirada. Eu quase podia ver um ar quente


subindo da terra e envolvendo seu corpo inteiro. A determinação dela
era real. Não havia nenhum medo. Apenas bravura.
– Bosta – disse o careca, irritado.
E os quatro resolveram sair.
Provavelmente nem eles mesmos saberiam explicar porque tinham
saído. Pensando bem, aqueles sujeitos tinham cara de drogados. Deviam
ter cheirado umas. Universitários, é claro... você acaba cheirando alguma
coisa cedo ou tarde, nem que seja merda de cachorro pra jogar na sua
prova.
– Ofélia, seu rosto...! – disse Fernanda, assustada.
Eu nem troquei de roupa. Fui com Fernanda até o hospital da
universidade, mascarada e de muletas. O estrago foi grande, mas
imaginei que não demoraria muito tempo para o inchaço sumir. Se
ficasse cicatriz, seria terrível.
Liguei para casa, avisando que eu ia demorar um pouco para voltar.
– Por que não dorme no apartamento do Demian se ficar muito
tarde?
– Eu e ele terminamos, mãe! – eu disse – Já te contei isso. E ele não
tem um apartamento, é só um quartinho pequeno que ele divide.
– O carro está no conserto. Que tal chamar um táxi?
– Ofi, eu ligo pra minha mãe vir nos buscar... – disse Fernanda.
– A Fê vai me dar uma carona – avisei – tchau mãe.
Se bem que... fazia um tempinho que eu não via o Demian.
“Dã, sua burra, Demian mora no seminário agora”.
Naquele dia, eu me sentia derrotada. Não por causa dos quatro
idiotas drogados. Ou talvez tivesse influenciado um pouco, mas eu só
queria sumir. Sentia vontade de acabar a minha Ordem. Mesmo depois
de todo o esforço que fiz... das coisas que sacrifiquei.
Eu estava me saindo muito mal nas aulas. Tinha faltado tantas que
provavelmente seria reprovada em várias disciplinas. Ia rodar por falta.
“Como eu sou ingênua”. Eu estava brincando com meu futuro por
causa de uma sociedade secreta. Eu sacrifiquei coisas pra ser respeitada e
não para ser chutada.

108
A Gata Mascarada - Volume 2

Nos próximos dias continuei remoendo isso. Lutando pelo impulso


de procurar por Demian no prédio da teologia. Mas eu fui forte e não fiz
isso.
Eu cancelei as atividades da Ordem na semana seguinte. Mesmo com
meu aniversário se aproximando. E com o Halloween.
Decidi que eu só queria ficar trancada em casa nesse dia. E faria todo
o possível para assistir as minhas aulas normalmente até o fim do ano,
para tentar recuperar o tempo que perdi.
“Eu superei a Ordem do Demian”. Esse pensamento me ocorreu sim.
Eu nem sabia se ele tinha ouvido falar da minha Ordem, já que ele não
lia o jornal da universidade. Talvez ele tivesse visto um dos avisos
espalhados pelos murais sem entender o que era, e sem se importar
também.
Mas era fato que, mesmo tendo um maior número de membros, a
OAAL nunca teve nem metade da fama da MAS. Aliás, a OAAL nunca
teve fama nenhuma. Só os membros conheciam.
Porém, será que eu me sentia realmente feliz ao saber que eu havia
superado o Demian?
Talvez eu não quisesse superá-lo. Estar ao lado dele seria o bastante.
“E por que a senhorita só foi se dar conta disso agora, depois de
criticá-lo tanto e de tudo o que fez a ele?”
Sempre fui arrogante demais para confessar que eu não era a pessoa
mais genial do mundo. E que havia outras pessoas e ideias incríveis. Eu
não estava satisfeita em ser a vice da OAAL porque eu queria que as
coisas ocorressem conforme minha vontade. Pois bem, eu obtive isso na
MAS. E, depois de ter o que eu queria, suspirei de saudades da época em
que eu era apenas vice.
Para completar, além de faltar às aulas eu estava sendo muito furona
nas reuniões da Flolan. Eu estava faltando quase todas! Quando tinha
sido a última vez que fui em uma? Será que eu já teria sido expulsa e não
sabia?
Por isso, fiz questão de comparecer o quanto antes.
Mas... por que a sede estava vazia?
– Oi Fábio – cumprimentei-o – por que não veio ninguém?
– A reunião de hoje foi cancelada.
– Hã?

109
Juliana Duarte

Uma reunião da Flolan foi cancelada? Para Gregório cancelar uma


reunião, só podia ter acontecido algo muito grave.
– Ele foi atropelado ou algo assim? – perguntei, confusa – Tem
alguém doente na família dele?
– Eu não sei – confessou Fábio – ninguém sabe. Ele não disse nada.
Apenas cancelou. Só vim aqui hoje para avisar, caso mais alguém apareça.
Ele avisou de manhã cedo no site.
Eu nunca checava isso. Jamais se passaria pela minha cabeça que uma
reunião da Flolan seria cancelada assim, do nada. Se o Gregório se sentia
indisposto não podia simplesmente pedir para Ângela substituí-lo?
Para minha surpresa, quando eu já estava pensando em ir embora, o
próprio Gregório apareceu por lá. Fábio ficou perplexo.
– Mas a reunião não...?
– Sim – confirmou Gregório – não haverá reunião. Só vim até aqui
pegar uns documentos que preciso.
Eu e Fábio nos entreolhamos, intrigados.
– Quer uma carona, Ofélia? – ofereceu-me Fábio – Se estiver indo
para sua casa, fica perto pra mim.
– Claro, eu aceito.
Fomos conversando sobre o cancelamento da reunião pelo caminho.
Mas não chegamos a nenhuma conclusão.
“Ah, foda-se. O Gregório algumas vezes é reservado porque está a
fim”.
Em casa, atirei-me na cama. Abri um pacote de Doritos e mergulhei
os pedaços no molho cremoso de queijo. Fiquei zapeando a TV. Depois
cochilei.
“Nossa! Faz quase um mês que estou sem sexo!!”
Eu me assustei. Como deixei isso acontecer? Eu estava tão envolvida
nas atividades da Ordem! Eu precisava resolver aquilo imediatamente.
E... era meu aniversário! Cara... eu não podia deixar passar sem sexo.
Aquilo era importante pra mim. Ou seria o aniversário mais triste do
mundo.
Decidi que naquela noite eu iria para um bar encher a cara. E iria pra
cama com o primeiro gostoso que me desse mole.
“Belos planos, Fifi. Acabaram os números de telefone dos ex-
namorados, hã?”

110
A Gata Mascarada - Volume 2

Eu não ia ligar pro primeiro, que era um pé no saco. Dois deles nem
moravam mais na minha cidade. E Alfredo... eu tinha ouvido falar que
ele arranjou uma namorada nova. Era melhor eu não perturbá-lo.
Por isso, fui ao bar mesmo.
E adivinha quem eu encontrei lá?
Gregório.
Inicialmente ele não me reconheceu. Isso porque eu estava usando
uma maquiagem carregada. Eu parecia até outra pessoa.
Eu me maquiava ocasionalmente, mas costumava ser algo leve para o
dia. E eu não usava muito preto. Naquela noite eu usava um vestido
muito decotado, curto e brilhoso, além de salto fino. Fiz isso para deixar
bem claro que eu queria transar e eu esperava que os caras de lá
entendessem o recado. Provavelmente não entenderiam, então o álcool
me ajudaria a passar o recado corretamente e claramente.
Mas com Gregório lá seria complicado. Ele não era exatamente
fofoqueiro, mas imaginei que bastava uma pessoa conhecida para que
membros da Flolan ficassem sabendo exatamente com quantos caras
dormi numa só noite.
Optei por não cumprimentá-lo. Eu fingiria não tê-lo visto. Ele não
precisava me reconhecer.
Só que ele olhou na minha direção. Precisou observar por um tempo
até pronunciar meu nome.
– Ofélia?
– Ah, oi! Nem tinha te visto – menti – onde está a Ângela?
– Ela não vem.
– Está esperando amigos?
– Eu vim sozinho – respondeu Gregório.
– Por quê? – deixei escapar – Você tem um monte de contatos e
conhecidos.
– Eu precisava de um pouco de privacidade.
– OK... – eu disse – foi bom te ver. Tchau.
E eu fui até o balcão pegar uma bebida.
Comecei a observar os caras de lá. Um dos garçons tinha uma bela
bunda. O que seria preciso fazer para levá-lo para a cama?

111
Juliana Duarte

Por acaso, olhei na direção da mesa do Gregório. Notei que ele estava
com a cabeça baixa, apoiada nos braços. Fiquei preocupada. Será que ele
estava bem?
“Algo aconteceu” só podia ser.
Fui até a mesa.
– Tudo bem?
Ele levantou a cabeça.
– Sim – ele respondeu – só bebi demais.
– Eu preciso te perguntar uma coisa – decidi – posso me sentar?
Ele não respondeu. Sentei-me mesmo assim.
“Ele disse que queria privacidade, Ofélia...”, mas eu era teimosa.
– A reunião de hoje foi cancelada – lembrei – por quê?
– Você faltou praticamente o mês inteiro – respondeu Gregório –
por que está preocupada com apenas um dia?
– Você não parece bem. Não sabia que tinha o costume de vir
sozinho em bares como esse.
– Eu tenho. Há várias coisas a meu respeito que você não sabe.
– Você transava com um monte de garotas diferentes no colegial – eu
disse – e daí? Eu também fazia isso. Não é nada de mais.
– Não era a isso que eu me referia – observou ele, meio surpreso e
levemente aborrecido – onde ouviu isso?
– Ah, hã... por aí – eu disse, vagamente.
Gregório tomou mais um gole da bebida.
– Basta um pouquinho de fama que sua vida privada não é mais tão
privada – disse Gregório – não acredite em tudo que lê na internet.
“Eu não li na internet. Foi o Demian que me disse”. O Gregório
estava sendo meio arrogante. Seria por causa da bebedeira? Acho que eu
nunca o havia visto bêbado daquele jeito.
“Pergunte sobre o grimório de último grau” tive essa ideia repentina.
Era a ocasião ideal para arrancar informações dele.
Mas, para a minha surpresa, ele falou de mim.
– Você sabe o que quero dizer – ele prosseguiu – já que passou por
isso também.
– Eu exponho minha vida na internet por vontade própria – eu ri –
não é como se fosse um segredo. Eu não tenho segredos. Falo sobre a

112
A Gata Mascarada - Volume 2

minha vida sexual com conhecidos e desconhecidos. Como vê, sou um


livro aberto. Não há nada misterioso sobre a Ofélia.
– Raramente a vida sexual é o que há de mais secreto e interessante
sobre uma pessoa – disse Gregório – pessoas possuem o peso da vida.
Há muito a ocorrer numa só vida, em todas as esferas psíquicas e
mentais que fazem alguém humano. E, nesse sentido, o psicológico
costuma ser o catalisador absoluto.
– A vida é apenas a vida – comentei, simplesmente – não é tão
dramático quanto parece. Só se quisermos que seja.
– Esse é o catalisador de que falei.
Gregório tirou o iphone do bolso. Digitou alguma coisa e me
mostrou.
“Majestosa Avidez da Sagacidade”. “MAS”. “Gata Mascarada”.
Termos como esses, combinamos a outros relacionados a sociedades
secretas, ocultismo e ao nome da minha universidade. O número de
resultados era significativo.
Eu não sabia disso. Até então, eu pensava que o boato estava restrito
à minha universidade. Mas por eu ser parte da Flolan e ter contato com
outros ocultistas, a coisa se espalhou mais rápido. Até a Sancha sabia,
cara.
Antes eu só tinha uma mínima notoriedade na internet, apenas entre
uns poucos ocultistas, por causa da minha habilidade com poderes
sobrenaturais, que ninguém podia confirmar se era verdade.
E, de repente, aquilo acontecia. Eu baixei os olhos.
– Você deve achar que eu sou uma idiota – eu disse – porque tudo o
que eu fiz foi usar uma máscara de carnaval e desfilar pela universidade.
Obtive minha fama através disso e não porque escrevo bons grimórios,
tenho boas propostas ou porque a minha prática é espetacular.
– Sua prática é admirável sim, mas não é isso que faz uma boa Ordem
– explicou Gregório – para isso, é preciso uma boa liderança, é claro.
Mas tampouco é esse o fator decisivo. É, acima de tudo, a união e
motivação do grupo que faz com que as coisas aconteçam. Não pesa
tanto o seu conhecimento do ocultismo ou o nível de sua prática,
embora isso também tenha valor. Quando o grupo é unido, mesmo que
sejam iniciantes, eles evoluem juntos. E isso é maravilhoso.

113
Juliana Duarte

– Eu sei, certo? Magos como você e Sancha já foram parte de muitos


grupos e estão acostumados a liderar. Não é o meu caso. Estou pisando
em terreno desconhecido. Até agora, a MAS deu certo apenas porque os
únicos três membros são grandes amigas minhas e fazem tudo o que
quero. Como as coisas ocorrem conforme minha vontade, não enfrento
muitas dificuldades. E a amizade que tenho por elas, mesmo fora do
ambiente da Ordem, nos une muito mais que tudo.
– Amizade é importante. Mas numa Ordem com um maior número
de membros, não é amizade que segura. É a lealdade. E liderar não
significa ser um ditador. É fazer com que as pessoas confiem em suas
decisões. Significa simplesmente ser o mediador das decisões do grupo.
E, ao mesmo tempo, saber dar a sua palavra final com segurança quando
necessário. Se as pessoas aceitaram ser parte da sua Ordem, é o que
esperam de você.
– Isso é muito complicado. Gosto de decidir tudo sozinha. Mas
como não sei muito sobre arte, preciso pagar alguém pra preparar
desenhos, vestuário e todo o resto. Se outro membro faz isso por mim,
sinto que devo uma a ele. Não gosto disso. Prefiro resolver com dinheiro.
– Você precisa de outras pessoas – disse Gregório – não seja tão
orgulhosa, ou vai acabar sendo o único membro da sua Ordem. E o
objetivo de ter uma Ordem de magia é a experiência de fazer parte de
um grupo e aprender com todos. Meu mestre, por exemplo, gosta de se
isolar. É a personalidade dele e ele é teimoso. Mas não acredito que se
afastar seja a melhor solução.
– Eu sou a Gata Mascarada. Tenho meu próprio caminho.
– Cada um tem seu próprio caminho. Mas isso não significa que
precisemos seguir separados. Com medo da vida e um do outro. Afinal, a
magia da vida não é exatamente a alegria de compartilhar os bons
momentos? Quando você compartilha, nunca morrerá. Se tornará
imortal, porque continuará vivo nos outros; nas pessoas com quem você
conviveu. E os outros viverão em você.
– Mestre, se você morrer primeiro que eu, garantirei que sua vida e
sua jornada não sejam esquecidas – prometi – seus grimórios serão lidos.
E sua existência lembrada.
Ele riu quando eu disse isso. Aquele homem ficava lindo quando
sorria.

114
A Gata Mascarada - Volume 2

– Não foi isso que eu quis dizer – ele explicou – não me importo de
ser esquecido. Para mim será o bastante ter trocado experiências com os
outros. E ficarei feliz o suficiente sabendo que as pessoas ao meu redor
continuam dando o melhor de si para viver. Uma vida sempre faz
diferença. Não importa se é esquecida ou lembrada. Um corpo que pisou
nessa terra já fez história apenas por existir. Mesmo que por um breve
instante.
– E quando você tiver um filho com a Ângela, se tornará imortal não
somente em espírito, mas também em carne – acrescentei, sonhadora,
imaginando uma miniatura fofinha do Gregório.
– Eu não terei um filho com ela.
– Por que não? – perguntei, intrigada – Não quer ter filhos? Eles dão
muitos gastos, não é mesmo? Talvez você devesse ter um cachorro ou
um gato, pelo menos.
– Eu terminei com a Ângela.
Num primeiro momento, eu não disse uma só palavra. Eu estava
chocada demais.
– Quando...? – perguntei, ainda assustada.
– Hoje de manhã.
– Foi sério? Talvez amanhã vocês voltem.
– Não voltaremos – ele respondeu, determinado.
Concluí que seria indiscreto perguntar o motivo de eles terminarem.
Pelo jeito Gregório não havia aceitado isso bem. Por isso tinha
cancelado a reunião. E estava se acabando de beber.
Contei os copos vazios na mesa.
“Cacete”.
– Hoje é meu aniversário – falei, só para desconversar.
Péssima hora para informar, sei disso. Mas Gregório não parecia
muito a fim de falar de Ângela, de qualquer forma.
– Parabéns – ele comentou, meio desinteressado, mas sem soar mal
educado – quantos anos?
– Dezenove.
– Já? Quando eu te conheci, você tinha só quinze.
– Sou uma mulher adulta agora – informei, orgulhosa.
Gregório deu um sorriso de canto e bebeu mais um gole.

115
Juliana Duarte

“Ele tá rindo da minha cara. Maldito” pensei, meio aborrecida. Por


que todo mundo só sabia me tratar feito criança?
Depois disso, Gregório ficou olhando para o nada com o copo na
mão.
“Ele já tá alto. Mas até que a nossa conversa até agora foi bem
inteligível”, concluí. Ele era forte pra bebida. Eu não podia esperar que
ele fosse subir na mesa e cantar. Até quando bebia ele continuava
bastante racional e contido.
– Quer dançar? – convidei-o.
– Não.
Eu esperava um “Não, obrigado”. Ou um “Não, perdão”. Mas a
forma com que ele foi breve e seco me sugeriu que ele estava censurando
o meu pedido.
Eu me senti intimidada. Eu não queria me aproveitar da bebedeira
dele ou algo assim. Foi apenas um pedido gentil... eu acho.
E foi exatamente depois dessa minha pergunta que ele se deu conta
que já tinha passado do limite na bebida.
– Preciso ir. Já está tarde.
Ele chamou o garçom. E pagou pela bebida dele e pela minha, antes
que eu pudesse impedi-lo.
– Você mal bebeu – ele esclareceu, quando o fitei com repreensão –
não se preocupe.
Ele levantou-se. Eu fiz o mesmo.
– Já é quase meia-noite – lembrou Gregório – como pretende voltar?
– Vou ficar mais um pouco – decidi, pois eu ainda não tinha
conseguido paquerar uns carinhas – depois eu chamo um táxi, sei lá.
“Ou mais provavelmente acordo de manhã na cama de um completo
desconhecido”. Então eu não precisava me preocupar com a volta.
– Te dou uma carona para casa – ofereceu-me Gregório.
“Você pretende dirigir nesse estado?” pensei, desconfiada. Mas achei
mal educado perguntar aquilo.
“Ora, o Gregório é responsável. Ele deve estar acostumado a dirigir
depois de beber um pouquinho. De repente a bebida não faz muito
efeito nele mesmo”.
– Tá bom, eu aceito – falei, sem pensar muito.

116
A Gata Mascarada - Volume 2

Eu não estava muito a fim de esperar o garçom de bunda gostosa


terminar o turno dele, ou eu ficaria lá até o amanhecer.
Saímos do bar. Estava meio friozinho. Eu não tinha levado casaco e
meus ombros e coxas estavam de fora. Mas já íamos entrar no carro.
Lá dentro, continuamos conversando.
– A Flolan e a ODE farão uma aliança – informou Gregório.
– Uau...! – exclamei, fascinada.
Isso aumentava minhas chances de ver a Sancha mais vezes. E de
saber sobre as atividades daquela famosa Ordem de satanismo.
– Isso não significa que vamos unir as Ordens – esclareceu ele – cada
uma continuará independente. Mas iremos realizar mais retiros conjuntos
e coisas assim. Ainda estamos pensando nisso.
– Talvez a MAS possa fazer uma aliança com a OAAL – comentei,
pensando alto.
– Ou quem sabe um dia, quando você definir mais claramente seus
projetos e propostas, reunir mais membros e estabelecer sua filosofia,
sua Ordem também possa se aliar com a minha.
Dessa vez meu queixo caiu.
– Não estou dizendo agora – ele acrescentou – digamos, daqui a um
ano, se sua Ordem continuar forte. E você sabe que o que definirá isso
será sua própria empolgação e interesse em relação a ela.
– Eu estou me esforçando muito – deixei claro – faltei muitas aulas
por causa das atividades da Ordem.
– Não faça isso. Se você souber organizar bem seu tempo, será capaz
de dar conta de todas as suas atividades. Eu mesmo, além de liderar a
Flolan, trabalho, vou pra academia, faço aula de trompete e afrikaans.
– Você toca trompete? – perguntei, surpresa.
– Sou um iniciante – ele explicou – eu comecei a praticar na época da
faculdade. Depois fiquei parado por uns... quinze anos. Voltei a estudar
há apenas um ano.
– E o que é afrikaans? Um idioma?
– Sim, falado na África do Sul. É meio parecido com alemão.
Comecei a estudar há seis meses. Por todos esses anos, eu só me
dediquei ao trabalho e às atividades da Ordem. Somente recentemente
decidi que eu desejava um pouco mais de tempo para mim. Para explorar

117
Juliana Duarte

o mundo de outras perspectivas, aprender coisas novas simplesmente


pelo prazer de aprender.
– Eu sou um fracasso com idiomas – informei – meu inglês é
péssimo. Acho que nem sei direito o português, he, he.
– Não existe isso de ser um fracasso em alguma coisa. Como em
qualquer área do conhecimento, basta se dedicar.
– Já tentei tocar violino uma vez, mas achei muito chato. Não acho
que eu tenha talento para coisa alguma. Acho tudo chato e trabalhoso.
– Quando algo é difícil, dá ainda mais prazer de se esforçar para
dominar.
– Por que aprender alguma coisa só pela beleza?
– Não é essa uma das nossas principais motivações para aprender
tantas coisas?
– Acho que sim – concordei – eu gostaria de fazer um curso de
maquiagem. E eu também queria saber costurar, pra fazer bonecas e
vestidos.
– Isso é ótimo, Ofélia.
– Mas essas coisas custam tempo e dinheiro.
– Nós podemos perder muitas coisas. Tempo, dinheiro, ter nossas
posses roubadas. Mas o conhecimento que adquirimos ninguém pode
arrancar de nós. Então acho que vale a pena investir tempo e dinheiro,
coisas que perderíamos de qualquer forma em outras coisas, por algo que
permanece conosco. E que podemos passar adiante um dia.
– Eu também gosto de me divertir – observei – ter tempo livre pra...
qualquer coisa que eu queira, independente de isso me trazer
conhecimento ou não.
– Você tem o direito de se divertir. E todos deveriam ter. Mas se
você se diverte com algo que lhe traz conhecimento, não é ainda mais
interessante?
“Pare de ser tão racional!” pensei, meio aborrecida. Eu apenas
concordei, indiferente. E encerramos o assunto por aí. Eu não estava
muito a fim de iniciar um novo debate dizendo a ele que todas as coisas
que fazemos nos trazem algum tipo de conhecimento.
Eu notei que o Gregório estava saindo da pista algumas vezes. Era
melhor deixá-lo se concentrar somente na direção.

118
A Gata Mascarada - Volume 2

Eu estava com fome. Assim que eu chegasse em casa, eu ia pegar um


pedaço bem grande de bolo de chocolate na geladeira. Se eu não
estivesse cansada demais pra isso.
Subitamente, eu levei um susto! Foi tudo muito rápido.
Houve um barulho. Minha cabeça pendeu para frente e eu não a
sentia mais. Acho que apaguei por alguns segundos.
Coloquei a mão na testa. E minha mão estava vermelha.
– Merda – disse Gregório – tinha um tronco no meio da rua. Não vi.
Gregório saiu do carro. Abaixou-se e observou o para-choque.
Depois voltou para dentro.
– Não acredito que fiz isso. Vou estacionar por aqui mesmo.
Não tinha um tronco no meio da rua. Gregório subiu no meio-fio e
bateu numa árvore na calçada. Era inacreditável mesmo.
– Ofélia! Você está sangrando!
Eu tinha visto um pouco de sangue na minha mão. Mas quando olhei
meu rosto no espelho do carro, notei que estava empapado de sangue.
Gregório se assustou pra caramba. Mais que eu.
– Você precisa ir a um hospital imediatamente.
– Não, tá tudo bem – garanti – foi só um corte pequeno na testa.
Eu limpei o sangue do rosto com um lenço da minha bolsa. Era
realmente um corte pequeno. Nada de mais. Foi só o susto, por causa do
sangue.
– Tem certeza de que não quer ir ao hospital, só para se certificar?
– Não quero.
Eu não queria que Gregório dirigisse outra vez. Um corte na testa já
era o suficiente.
– Eu chamo um táxi – insistiu ele – não tem ponto de táxi aqui perto,
mas acho que tenho o telefone de outro ponto que não fica muito longe.
Ele verificou as anotações de telefone na carteira.
“Eu só quero ir pra casa” pensei, cansada.
Eu estava recém me recuperando do meu pé torcido e do meu
machucado na boca, que ainda não estavam 100%. Eu só estava me
ferrando nos últimos dias.
– Não encontrei o telefone – ele disse – é mais rápido olhar no ímã
da minha geladeira do que verificar na internet. Vamos ligar para o táxi

119
Juliana Duarte

da minha casa, assim você já faz um curativo no seu machucado. Eu


moro a uma quadra daqui.
– Bem, eu moro a umas... cinco quadras? – comentei, incerta – Posso
ir a pé.
É óbvio que Gregório não permitiu. Estava tarde, eu tinha acabado
de me acidentar e meu pé torcido ainda não estava totalmente
recuperado para caminhadas longas.
“E eu ainda vim de salto alto. Acho que meu cérebro não funciona
direito mesmo”.
Estava dando tudo errado. E minha maquiagem estava arruinada
depois daquele sangue.
Em uns dois minutos de caminhada chegamos ao prédio dele. Ele
estava tão fora de si que deixou o carro estacionado na rua mesmo, em
vez de levá-lo para a garagem.
Normalmente eu teria ficado fascinada ao ter a oportunidade incrível
de pisar no apartamento de Gregório. Mas eu estava tão exausta que
apenas sentei-me num sofá e fechei os olhos.
– Não durma – alertou-me Gregório – não é bom, depois de um
acidente como esse.
Ele discou um número no telefone.
– Não quero ir ao hospital – insisti– eu juro que estou bem. Só estou
cansada. Quero ir pra casa...
– Tem certeza?
– Sim, já parou de sangrar. Se for o caso, amanhã faço um check-up.
Hoje só quero dormir. Não porque bati a cabeça, mas porque estou com
sono mesmo.
Eu bocejei.
– Você pode dormir aqui – ofereceu Gregório – mas só se quiser.
Não é um problema pra mim. Eu vou ter que acordar bem cedo, mas
você pode ficar um pouco mais.
– Se não for incomodar, pode ser. Não tenho aula amanhã mesmo.
Eu apenas me deitei no sofá e caí no sono logo em seguida. Acho que
ouvi Gregório dizer: “Você pode usar a cama, eu durmo na sala”, mas
foi quase como um eco. Eu sequer tirei meus sapatos. Até a fome que eu
sentia desapareceu.

120
A Gata Mascarada - Volume 2

Acordei no meio da madrugada com o estômago doendo de fome.


Olhei no meu relógio: quatro da manhã.
“Onde eu estou?”
Nesse instante, eu me recordei do que havia acontecido. E eu
também estava apertada. Talvez por esse motivo eu tivesse acordado.
Depois de ir ao banheiro fazer xixi, fui até a cozinha.
“Será que eu posso pegar qualquer coisa? Nah, o Gregório é legal. Ele
não vai ficar zangado só porque ataquei a geladeira dele”.
Eu comi uns pedaços de pizza gelada. Voltei para a sala.
“Meu sono sumiu”.
Acendi a luz da sala e analisei as prateleiras. Havia muitos livros de
magia. Aquilo parecia quase uma biblioteca.
“Onde estão os grimórios escritos pelo Gregório?” Eu queria ler.
Todos. E ia começar pelo de grau mais alto.
Procurei muito. Em todos os cantos da casa. E não achei.
Só podiam estar no quarto dele. Não faria mal eu entrar de fininho e
espiar as gavetas, certo?
Abri a porta com cuidado. Não acendi a luz.
Abri a primeira gaveta do criado-mudo. Mas nada de grimório.
Quando eu olhei para a cama, notei que Gregório estava com os
olhos entreabertos por causa do movimento.
– Ângela?
Meu coração se derreteu quando eu o ouvi dizer isso. Senti uma pena
desesperada dele.
E ele fechou os olhos de novo, caindo no sono.
Eu o observei por um momento. E meu coração acelerou.
Cheguei mais perto. Eu não me lembrava de já ter ficado nervosa
assim antes por causa de um homem.
“É óbvio. Estamos falando do Gregório...”
De repente, eu desejei fodê-lo desesperadamente. Eu queria possuir
aquele homem. Fazia muitos anos que eu tinha aquela fantasia. Uma
chance de realizá-la abriu-se para mim. Talvez eu nunca mais tivesse
outra. Eu não podia desperdiçá-la.
Deitei ao lado dele, tremendo de nervosismo. Eu tentei tocá-lo, mas
não tive coragem.
“Porra... o que tá acontecendo? Eu não sou assim”.

121
Juliana Duarte

Eu estava suando frio. Até então, eu sempre havia avançado sem


medo e pegado qualquer cara que eu queria, com muita confiança. Mas
com ele era diferente.
Eu o respeitava. Eu o admirava. Eu o temia.
Mas, acima de tudo, eu o desejava como uma cadela no cio.
“Foda-se. Eu vou fazer isso. Nem que eu me arrependa para sempre”.
Pensando bem... eu iria me arrepender se eu não fizesse.
Cheguei mais perto. Passei a mão no braço dele, sentindo os
músculos. E aproximei meu rosto.
Gregório reagiu. Ainda meio dormindo, ele acariciou o meu cabelo.
Eu senti um arrepio.
Ele passou a mão no meu rosto. Desceu pelo pescoço. Colocou os
dedos no meu decote e apalpou os meus seios.
Senti a minha buceta pulsando. Eu gemi na mesma hora quando senti
aqueles dedos roçarem nos meus mamilos; apertando meus peitos com
tanto desejo.
Ele lambeu os meus lábios. E trocamos um beijo tão quente e
molhado, com tamanha intensidade, que quando aquela língua percorreu
a minha boca eu sentia como se ele estivesse chupando os lábios da
minha vagina.
Gregório agarrou-me forte. Não era da mesma maneira que Demian
me abraçava. Gregório me segurava de um jeito que me deixava muito
claro que eu era sua presa e ele não permitiria que eu escapasse de
nenhuma forma.
Com o abraço, eu senti aquele pau duro comprimindo-se contra o
meu corpo. Mesmo por cima da roupa, era uma sensação que pirou meu
coração. Eu já estava tão molhada que sentia uma gota de líquido vaginal
escorrendo pela minha coxa.
Um homem nunca me deixou tão louca, sem nem sequer penetrar-
me.
E como ele estava bêbado mesmo, eu me senti confiante para
avançar também. Enfiei a mão na calça dele e massageei seu pau. Ele
também já estava completamente lubrificado.
Passei as mãos naquele peito másculo. Arranquei a camiseta dele,
enquanto ele também tentava apressadamente puxar o zíper do meu
vestido e abrir meu sutiã.

122
A Gata Mascarada - Volume 2

E ele estava fazendo isso tão desesperadamente que acabou


quebrando meu zíper. E fez um rasgo no sutiã, depois das tentativas
frustradas de abri-lo.
“Woa! Que fera!”
Quando finalmente tirei a cueca dele, eu quase desmaiei de prazer.
Apertei aquelas coxas, aquele saco gostoso, enquanto ele passava as
mãos na minha bunda.
Quando ele enfiou um dedo na minha buceta, eu dei um grito. Ele
gostou tanto quando eu gritei, que começou a me lamber com vontade.
Ele passou a língua nos meus mamilos, foi descendo pela barriga, até
chegar no meu clitóris. Eu gritava cada vez mais, enquanto ele me dava o
prazer oral mais inesquecível da minha vida.
Até que eu o tirei de cima de mim, para mostrar o meu poder. Deitei-
o e desejei dominar aquela transa.
Fiz um boquete naquele homem. Apertei-o pra valer. Eu caprichei o
máximo que pude, para dar-lhe prazer intenso.
Ele tentou me agarrar outra vez. Queria me comer o mais rápido
possível. Mas eu tomei a iniciativa e enfiei minha buceta naquele cacete
ereto e molhado.
E nós gememos juntos, como animais. Trocamos mais um beijo
selvagem, enquanto ele ainda estava dentro. Eu fodi forte, metendo o
caralho bem fundo em mim. Eu remexia a cintura e abria a minha boca,
expressando todo o prazer que queimava minha pele e minha carne.
Ele gozou. Eu senti a porra dentro. Não sei quantos orgasmos eu tive
durante aquela foda. Só sei que quando eu saí de dentro dele meu corpo
inteiro estava tão trêmulo que eu mal podia me mexer.
Eu deitei-me ao lado dele, exausta, envolvendo-o num abraço
afetuoso. Gregório tinha dormido logo em seguida.
Alguns minutos depois, acho que dormi também. Eu não estava
ciente das consequências quando amanhecesse...
O despertador tocou. Gregório desligou-o instintivamente, sem nem
abrir os olhos. Abraçou-me novamente.
– Ângela...
Mas ele estranhou alguma coisa. Quando abriu os olhos e me fitou,
levou um susto tão grande que eu ri.
“Bu!”

123
Juliana Duarte

– Bom dia – eu sorri – quer que eu prepare seu café da manhã? Sei
colocar a cafeteira na tomada. Também sei pôr um queijo e um presunto
dentro de duas fatias de pão...
Mas ele ainda me fitava com assombro. Ele cobriu a boca com a mão.
– Meu Deus...!
Eu achava cada vez mais engraçadas as manifestações de surpresa de
Gregório. Eu estava me segurando para não cair na risada.
– Eu não me lembro de nada! – exclamou ele, nervoso – O que
aconteceu? Por que você está aqui?
– Você quer que eu comece a contar desde que começamos a nos
agarrar ou desde a parte em que nos encontramos no bar? – perguntei.
– Eu me lembro vagamente de ter ido para um bar – ele colocou a
mão na cabeça – essa é a primeira vez, desde minha adolescência, que
tenho um lapso de memória tão gigantesco.
Um lapso? Aquilo era amnésia e das grandes. Ele tinha enchido a cara
tanto assim? Caramba... mas nossas conversas pareceram tão normais!
– Você me disse que terminou com a Ângela – contei – então estava
no bar para afogar as mágoas.
– Imaginei que fosse isso. E por que você estava lá?
– Coincidência – eu disse, simplesmente; e não era bem uma mentira
– conversamos um pouco e você se ofereceu para me dar uma carona
para casa.
– Sério? De carro? Depois de beber tanto? – Gregório estava
impressionado com a própria falta de responsabilidade – E você
concordou?
– Eu não quis ser indelicada de recusar. Só que você bateu o carro no
caminho.
– Eu bati o carro?! – perguntou Gregório, como se fosse o fim do
mundo.
– Eu levei um corte na testa e você ficou assustado porque sangrou –
expliquei – você insistiu mil vezes para que eu fosse ao hospital. Eu disse
que não precisava.
– Nossa! Ofélia, eu sinto muito. Eu fui um completo idiota
irresponsável ao dirigir nesse estado. E com você junto no carro! Isso
que é pior. Eu jamais iria me perdoar se algo terrível tivesse acontecido
por minha causa.

124
A Gata Mascarada - Volume 2

– Nada aconteceu, fica frio – eu disse, para tranquilizá-lo – depois


disso, você disse que eu podia dormir na sua casa.
– Já vi tudo. Nem precisa continuar a contar. Por alguma razão,
sempre que convido uma amiga para dormir na minha casa, em algum
momento da noite ela se esgueira na minha cama e não consigo recusar
as investidas, por educação. Também convido pessoas para dormir aqui
por educação. Eu preciso parar de ser tão educado. Nem sempre é bom...
Vê-lo colocar os acontecimentos dessa forma era realmente
engraçado.
– Quer saber o que fizemos durante o sexo? – perguntei, ansiosa para
relatar tudo com detalhes.
– Melhor não. Só quero saber uma coisa, e pela sua alegria já posso
adivinhar a resposta: foi você que chegou em mim, certo? E não eu que
avancei em você.
– Fui eu. Mas faz diferença?
– É claro. De qualquer forma, eu ainda sinto como se a culpa fosse
minha, em ter provocado essa situação. Por ter bebido tanto.
– Por que você sente culpa? – perguntei, desapontada – Tanto eu
como você estamos solteiros. Sucumbimos ao desejo. Qual é o
problema?
– Não faz nem 24 horas que terminei com a Ângela. E, com todo o
respeito, Ofélia, eu não teria aceitado transar com você se eu estivesse
sóbrio.
– Por que não?
– Porque... não quero transar com todas as minhas amigas. Isso é
chato. Principalmente quando elas são membros da minha Ordem. É
preciso separar as coisas. Não importa se estou solteiro ou não. Eu não
sou contra sexo casual, mas quando o faço prefiro que seja com
desconhecidas, para que não fique essa situação.
– Que situação? – eu estava me sentindo um pouco irritada e
ofendida – Eu estou muito feliz porque isso aconteceu. Foi o melhor
presente de aniversário da minha vida!
– Pois esse foi o maior erro da minha vida.
Eu senti como se uma lança atravessasse o meu coração.
– Você me odeia tanto assim?
– Não. Eu odeio a mim mesmo, por não ter contido o meu desejo.

125
Juliana Duarte

– Então você sente desejo por mim? – perguntei, contente.


– É claro. Sempre senti. Mas nunca achei isso certo. Quando nos
conhecemos, você era quase uma criança.
– Bem, as coisas mudaram. Quatro anos se passaram. Então não me
trate mais como se eu fosse uma garotinha. Eu tenho minha própria
Ordem agora. E um corpo bem desenvolvido. Você vê uma criança em
mim?
Deixei cair o lençol que me cobria, revelando meus seios.
Gregório respirou fundo ao me ver. Acho que ele realmente não se
lembrava de nada da noite passada. Nem de como era o meu corpo.
Mas ele me devolveu o lençol no instante seguinte.
– Cubra-se, por gentileza. Eu não quero ter uma ereção no meio da
nossa conversa. O que estou dizendo é coisa séria.
“Uh...! Eu quero ver o seu pau duro de novo. Dessa vez à luz do dia”.
Mas pelo jeito aquilo seria difícil de acontecer.
– Eu não quero que ninguém saiba sobre isso – disse Gregório –
pode guardar segredo?
– Claro, eu sou muito boa em guardar segredos. Mas o que eu ganho
com isso?
– Assim a sua vida privada não será exposta. É isso o que ganha.
“Mas eu quero que seja exposta, depois do que aconteceu hoje!”
– Podemos nos encontrar outra vez? Em segredo – acrescentei.
– Eu não irei para a cama com você de novo. Foi apenas um erro.
Não ocorrerá novamente.
– Mas você me quer!!
Eu não entendia aquele cara.
– Eu busco um relacionamento sério.
– Então vamos namorar, ué – eu disse, como se aquilo fosse óbvio.
Gregório não respondeu. Ele começou a se vestir.
“Ofélia, aceite: você o agarrou enquanto Gregório estava bêbado. Ele
só te pegou porque pensou que você fosse a Ângela. Ele já deixou bem
claro que não quer nada contigo: namorar, ficar ou foder. Então... apenas
fique feliz com o seu presente e siga sua vida”.
Gregório era muito certinho. Ele não queria que houvesse rumores
inapropriados que o deixassem com uma imagem ruim na Ordem.
Quanto a mim, eu não dava a mínima para isso. No fundo eu me sentiria

126
A Gata Mascarada - Volume 2

orgulhosa caso se espalhassem rumores de que eu tinha pegado uns dez


caras numa só noite. Isso me fazia sentir poderosa, a rainha do sexo.
“OK, a Sancha já foi prostituta. Ela ganhou”.
Eu tinha escutado sobre isso também. Aquela moça era mesmo um
arraso.
Se fosse a Sancha, era óbvio que Gregório aceitaria sem questionar.
Eu me perguntava porque os dois não tinham ficado juntos naquela
época em que transaram.
Eu me levantei.
– Posso fazer nosso café da manhã? – ofereci-me – Prometo não
queimar nada. Mas se eu queimar você não fica zangado, né?
– Sem querer ser rude, acho melhor você ir agora, já que está
acordada. Eu te pago um táxi, se desejar. E não se esqueça de passar no
hospital depois, para ter certeza de que está tudo OK.
“Ele está educadamente me expulsando” pensei, aborrecida.
– E vista-se, por gentileza.
Eu era uma tentação tão grande assim? Certo, certo...
Mas quando fui recolocar minhas roupas, fiz o seguinte comentário:
– Só tem um problema: você quebrou o zíper do meu vestido e
rasgou meu sutiã.
– Eu sinto muito. Irei compensá-la financeiramente por isso.
– Não sinta. Eu gostei.
– Não me diga.
– Ainda consigo fechar o sutiã, mas o vestido será um problema.
Gregório me emprestou a menor camiseta e a menor bermuda que
ele tinha, que mesmo assim ficaram enormes em mim. Eu fiquei tão
fofinha com as roupas dele! Ainda iria cheirá-las mil vezes antes de
devolvê-las.
Chamei um táxi. Não permiti que Gregório pagasse. Contudo, não
achei ruim a ideia de negociar sobre o meu vestido rasgado, que tinha
sido realmente caro.
– Obrigada por tudo – eu disse – e me desculpe por qualquer coisa.
– Sou eu que devo me desculpar.
E nos despedimos.
Assim que eu cheguei em casa, tranquei-me no meu quarto e lancei
meus sapatos de salto para o ar.

127
Juliana Duarte

– VIVAAAAAAAAAA! EU COMI O GREGÓRIOOOOO!


Aquilo não parecia ser real. Pulei de felicidade, saltitando pelo quarto,
quicando na cama, rindo à toa.
– Não vou tomar banho nunca mais!!
Eu me sentia tão inspirada depois daquele encontro extremamente
fogoso e artístico que imediatamente criei um novo blog, chamado:
www.eucomiogregorio.blogspot.com.br. Nele escrevi uma longa
postagem descrevendo com detalhes como eu o agarrei e o possuí. A
cada frase eu acrescentava um emoticon.
Depois disso, liguei para umas dez ou vinte amigas para espalhar o
babado. Por mim, teria evocado até o espírito da Eugênia para
compartilhar as fofocas.
– Amigaaaaa você nem sabe em quem eu estava fazendo um boquete
super gostoso ontem a noiteeeeee!!
– Quem é você mesmo?
– Nós fomos colegas na quinta série. Eu sou aquela que uma vez
mastigou uma borracha pensando que fosse um chiclete.
“Pronto, agora já me sinto preparada para seguir em frente!”
Retomei as atividades da MAS no dia seguinte. Minha Ordem estava
ficando cada vez mais conhecida, dentro e fora da universidade, então
seria uma pena que eu mantivesse o grupo congelado. E havia cada vez
mais pessoas desejando saber a identidade da Gata Mascarada.
Inclusive recebi a visita dos quatro drogados de antes, se desculpando
pelo que tinha acontecido. Eu ignorei os cornos e deixei-os falando
sozinhos.
– Tem MUITA gente querendo ser membro! – exclamou Celeste,
maravilhada – Tem certeza de que não vai aceitar ninguém, mestra?
– Somente aqueles que se mostrarem dignos – decidi – ninguém vai
entrar aqui só porque pediu. Um número seleto de pessoas será
convidado. Por mim. Assim que se iniciar o novo semestre, realizaremos
a cerimônia do tapping.
– Será parecida com a minha? – perguntou Yolanda, fitando-me com
o canto do olho – Devia chamar de “cerimônia do sequestro”.
– Deixando isso de lado, a espetacular Gata Mascarada tem notícias
quentíssimas! – revelei, empolgada – Adivinhem só: eu trepei com o
Gregórioooooo!

128
A Gata Mascarada - Volume 2

Celeste tapou a boca com as mãos, com um grande sorriso, e


começou a dar gritinhos empolgados. Eu gritei junto com ela.
– Hã? Quem é esse cara? – perguntou Yolanda, sem muito interesse,
enquanto pintava as unhas.
– É simplesmente o maior gostoso da face da Terra – expliquei –
para saber mais detalhes, basta acessar
www.eucomiogregorio.blogspot.com.br.
– Ele tem até fã-clube? – perguntou Yolanda, levemente
impressionada.
– Acabei de criar um. Mas para ser admitido como membro, você
precisa ter comido o Gregório pelo menos uma vez. Esse é um espaço
interativo, no qual podemos debater a experiência.
– Oh, isso é tão esperto! – disse Celeste, sorrindo – Você é genial,
mestra querida!
– Eu sei, não é? – falei, orgulhosa – Sabe aquela moça alta e linda que
nos visitou naquele dia? Ela também já transou com ele!
– Não-me-diga! – falou Celeste, boquiaberta.
– Digo-sim – afirmei – espero que ela se junte ao fã-clube. Talvez a
ex-namorada dele, a Ângela, ainda esteja chateada demais para ser
membro... já que eles terminaram ontem. Me passa o esmalte de
estrelinhas, Yô?
– Eu quero outro cupcake – pediu Fernanda.
E nos divertimos muito juntas pela próxima meia hora na mesa de
chá, jogando runas, tirando fotos, fazendo anotações no grimório do
grupo, fofocando e rindo.
Até que alguém se aproximou. Normalmente nos calávamos quando
alguém chegava perto. Mas dessa vez eu falei algo, o que surpreendeu as
outras três.
– Boa tarde, Demian. Faz tempo que não te vejo. Como tem
passado?
– Eu sabia que era você... poderia me emprestar o seu celular por um
instante?
– Mas é claro.
Assim que segurou o aparelho cor-de-rosa, ele acessou um site e me
mostrou.
– O que significa isso?

129
Juliana Duarte

Quando eu vi qual era o site, caí na risada. As outras três me


acompanharam no riso também, mesmo sem saber quem ele era.
E o mais engraçado de tudo foi que Demian perguntou aquilo com
uma expressão mortalmente séria.
– Significa exatamente o que está escrito – respondi, ainda lixando as
unhas.
– Mas por quê? E como... como ele aceitou? – Demian estava
confuso – O que foi que você fez? Usou seus poderes?
– Sim. Mas meus poderes de sedução.
– Duvido.
– Ele estava bêbado.
– Agora sim você explicou. Sabia que até a Sancha entrou nessa
palhaçada?
– Sério?
Eu ri ainda mais quando vi o comentário dela na minha postagem.
– Agora ela também é membro do blog – comentei, satisfeita – você
veio aqui porque quer entrar também, Mimi? Eu sei que se você se
esforçar, vai conseguir.
– Se o Gregório ler isso, você tá ferrada – observou Demian.
– Ele não vai ler. Ele não tem nem Facebook. Ou será que você veio
até aqui para tomar chá conosco?
– Não tenho interesse nas atividades de sua Ordem.
– Você está com inveja porque ninguém nunca ouviu falar na sua.
– Pelo menos eu não usei truques baixos como usar vestidos
espalhafatosos e decotados para promover o meu grupo.
– Você ficaria tão sexy num vestido, Mimi... não acham, garotas?
Mais risadas. Demian balançou a cabeça em desaprovação e foi
embora de lá.
– Meu ex – comentei, simplesmente, voltando a lixar as unhas – não
é uma graça?
– Totalmente – disse Celeste.
– Agora ele é seminarista.
– Sem chance! – exclamou Fernanda.
– Você deve tê-lo torturado bastante durante esse namoro para fazer
com que o pobrezinho desejasse ser celibatário – comentou Yolanda.
E não é que recebemos outra visita da Sancha naquela tarde?

130
A Gata Mascarada - Volume 2

Ela estava de negro como da última vez. Mas nessa ocasião ela usava
cartola, para combinar com o chá.
– Quer uma máscara, Sarrelot? – ofereci a ela uma máscara negra.
– Sim, Gata, por favor – respondeu ela, aceitando minha oferta.
E permanecemos mais uma hora mergulhadas no fantástico mundo
das fofocas femininas.
– Eu não acreditei quando te vi entrar no fã-clube que criei –
confessei – sinto-me honrada.
– Eu não perderia essa oportunidade de zoar o Gregório – disse
Sancha, com um grande sorriso – é uma pena que ele e Ângela
terminaram. Mas ele tem que superar. Às vezes ele é sério demais.
– Eu sei exatamente o que você quer dizer. Ei, Sancha, você sabe
desenhar?
– Estou aprendendo. Eu faço artes em outra universidade.
– Você definitivamente devia se transferir pra cá – observou Yolanda
– assim eu serei liberada de meus deveres.
– Seja sincera, você está gostando de ficar conosco – observei.
– Só um pouquinho...
Não era só eu que era famosa. As outras três gatinhas também
estavam ganhando notoriedade. Era quase como se fôssemos um grupo
musical e os nossos admiradores tivessem um “membro preferido”.
– Eu amo a Borboleta Mascarada, com aqueles cabelos longos, olhos
de jabuticaba e pele bronzeada. Os símbolos que ela cria para o site da
MAS são admiráveis.
– Eu prefiro a Coelha, com seu sorriso metálico. Ela que escreveu
aqueles trechos do grimório que vazaram, sabia?
– Isso não é nada. O Dragão e a Gata são as mais poderosas na
prática. Você já sentiu como o ar fica pesado ao redor delas?
E quando eu ouvi isso, eu estava praticamente do lado do cara no
R.U. Ele era um panaca mesmo. Sem máscara, eu era apenas um ser
comum. Até porque usávamos penteados diferentes durante o chá. Não
que fosse muito difícil nos reconhecer. Bastaria que alguém nos seguisse.
Mas desde aquele vídeo do fogo, alguns passaram a ter medo de chegar
perto de nós.
E, enquanto eu me divertia despreocupadamente, eu não sabia o que
me aguardava...

131
Juliana Duarte

Depois do chá, recebi uma chamada no celular.


– Alô? Oi mestre. A que devo a honra da ligação?
– Eu gostaria de conversar com você em particular. Hoje à noite, se
possível.
Marquei com ele, entusiasmada. Mas aquele não seria exatamente um
romântico jantar à luz de velas...
Nós combinamos às sete da noite, numa praça. Eu o aguardava toda
sorridente, balançando as pernas no banco, mas ele estava sério.
– O Demian me passou o link de certo blog... – começou Gregório.
“Puta merda, Mimi! Vai te foder!” pensei, irritada. Que fofoqueiro!
Uma parte de mim levou um susto quando ouvi o que Gregório disse. E
outra parte estava se contorcendo por dentro para não cair na risada.
“Não ria, não ria” pensei comigo mesma, fazendo força para não
gargalhar.
Mas eu não resisti.
– Hohohoho! Ops – eu tapei a boca – desculpinha... eu não imaginei
que você iria se ofender. Pensei que ia achar engraçado.
– Eu não achei. Ou ao menos não tanto quanto você imaginava. Não
depois de eu te pedir claramente para manter segredo. Como posso
confiar em você desse jeito?
– Não fique brabo comigo, por favor!
– Você não gosta que as pessoas te tratem feito criança, mas você age
como uma. Eu soube recentemente que ontem à noite você conseguiu
telefonar até para o Alan, não sei como. Só para dizer a ele, caso eu
descobrisse o blog e ficasse brabo com você, que me convencesse a me
acalmar. Mas, adivinhe: ele riu da minha cara também.
“Ká, ká, ká!”. Eu só tinha visto o mestre do Gregório uma vez. Mas
já adorava ele.
– E sabe quem ficou mais chateada com essa história toda? Ângela.
Ela não ficou nada satisfeita em saber que fui pra cama com você logo
no dia em que terminamos.
– E daí? – perguntei – Vocês já terminaram. Ela não precisa mais se
intrometer na sua vida.
– De fato, era altamente improvável que nós voltássemos. Mas se
houvesse a mínima possibilidade, você acabou com ela.
Dessa vez eu fiquei quieta. Não achei mais engraçado.

132
A Gata Mascarada - Volume 2

– Desculpe – eu baixei a cabeça – de verdade.


– Eu te conheço, Ofélia – disse Gregório – eu escutei alguns boatos
sobre o fim do seu namoro com o Demian. Eu mesmo não gosto que
brinquem com meus sentimentos. Por isso, namorá-la está fora de
questão. Se você já fez algo assim logo na primeira vez que transamos,
não quero nem pensar no que faria depois...
– Eu não sou tão má quanto pareço – expliquei – quero dizer, eu fiz
até uma Ordem com o nome “Más” e talvez eu aprecie posar de malvada
e poderosa. Mas eu também tenho coração.
– Isso é novidade para mim – ironizou Gregório – talvez você nem
imagine o quanto Demian se preocupa com você. Ele me liga
frequentemente para perguntar como você está.
– A gente mal se vê... ele é orgulhoso demais para continuar falando
comigo.
– Você sabe que, como seminarista, ele acha inapropriado manter um
contato próximo com a ex-namorada. Mas quando ele ficou sabendo que
um dos estudantes da universidade bateu em você, ele telefonou para
todos os contatos que tinha, tentando descobrir como você estava.
– Por que ele não me ligou diretamente?
– Eu já te disse o porquê. E, embora ele seja um católico dedicado, eu
sei que, no fundo, ele ainda aceitaria desistir do seminário por você mais
uma vez. Só falta que você também queira que aconteça.
– Não. Eu não o quero mais. Quero você.
Eu abracei o Gregório. Ele suspirou fundo. Mas não me afastou.
Em vez disso, ele passou um dos dedos nos meus lábios.
– O corte ainda está aqui. Algumas vezes você tem que ceder, Ofélia.
Você não pode submeter todos aos seus caprichos. Nem tudo vai sair
como você quer.
– Eu só queria mais uma foda, por favor... com você sóbrio, olhando
pra mim.
Meus olhos brilharam quando eu pedi.
– Eu também desejo isso – ele confessou – mas não é só porque eu
desejo que vai acontecer.
– Ambos desejamos.
– Nós temos um instinto animal, mas também temos uma mente que
sabe quando pará-lo – disse Gregório.

133
Juliana Duarte

Eu dei-lhe um longo beijo na boca e interrompi o discurso.


Eu não queria saber de nada daquilo. Só queria trepar.
– Vamos nos pegar aqui no mato – sussurrei pra ele, com o coração
disparado – quero teu caralho.
Quando eu disse isso, senti que ele teve uma ereção.
“Você é meu, mestre”. Ele podia dar o discurso que quisesse. O pau
dele me dizia outra coisa.
– Vem pro meu carro – ele me sussurrou de volta.
O carro dele estava estacionado perto da praça. Entramos no banco
de trás e começamos a nos agarrar.
Beijos ardentes. Ele já passava as mãos nos meus peitos, enquanto eu
o massageava no pau.
Notei que não íamos nos despir dessa vez. Só o suficiente para enfiar.
Eu fiquei de quatro. Ele baixou minha calcinha. E meteu.
Dessa vez minha buceta ainda não estava lubrificada o suficiente.
Pois uma coisa é transar com o Gregório bêbado. Assim eu tinha
coragem de fazer tudo o que eu queria. Mas eu me sentia meio
intimidada com o Gregório sóbrio. Eu não tinha coragem de ser tarada
demais. Eu não estava tão à vontade.
Além do mais, ele me agarrava com muito mais força do que Demian.
E ele metia mais depressa.
Gregório era sensual ao extremo. Aquele corpo perfeito... aquele
cacete enorme e apetitoso. A primeira transa que tive com ele foi a
melhor do mundo. Mas essa segunda estava meio dolorida, porque eu
tava nervosa.
Eu não estava dilatada o suficiente. Minha vagina se contraía e quanto
mais o pau entrava, mais eu sentia dor.
Eu estava gemendo de prazer, mas, ao mesmo tempo, havia alguns
gritos de dor. Acho que Gregório não reparou.
Para a minha surpresa, eu senti lágrimas nos meus olhos. Mas eu
aguentei por mais tempo. Até que comecei a chorar.
– O que aconteceu? – Gregório parou no mesmo instante.
– Não sei – respondi, ainda confusa, em meio às lágrimas – isso não
acontece desde a minha primeira vez. Acho que eu tô um pouco nervosa.

134
A Gata Mascarada - Volume 2

– Por que você estaria nervosa? – perguntou Gregório, que também


conhecia a minha fama na cama, que eu sempre fazia questão de espalhar
pra todo mundo.
– Porque é com você – respondi – eu não quero que você pense que
eu sou uma idiota. Eu sou muito experiente, OK? Eu raramente sinto
dor no sexo.
E lá estava eu chorando como uma imbecil na frente da única pessoa
que eu não queria que me visse chorar. Ainda mais no meio da foda!
Que humilhante...
Mas Gregório apenas fez carinho nos meus cabelos.
– Você já mostrou esse seu lado para o Demian?
– Não, ele vai me achar boba...
– Eu acho que ele vai adorar – sorriu Gregório, bondosamente.
Lembrei do dia em que Gregório consolou Demian depois daquela
tragédia que ocorreu na sede da Ordem. Era quase como se ele fosse um
pai disciplinando os filhos rebeldes.
Ao pensar no Demian arrependido, chorando e sozinho daquele dia,
eu senti uma falta desesperada dele.
Ainda chorando, dei um abraço no Gregório, dizendo:
– Eu quero o Demian de volta. Eu preciso dele...
– Eu sabia – disse Gregório, simplesmente – desde o começo. Todos
sabiam. Você foi a última a descobrir isso.
Enxuguei as lágrimas.
– Você sabe onde ele está – lembrou Gregório – o que está
esperando? Quer uma carona até o seminário?
– Sim, quero muito!
Gregório me levou até lá. Quando chegamos, ele avisou:
– Eu espero você trazê-lo aqui. Vou levar vocês dois para a sua casa.
“Valeu, papai!” pensei, feliz. Mas, em vez disso eu falei, polidamente:
– Muito obrigada, mestre. Nem sei como agradecer!
E eu corri, ansiosa.
Quando atenderam, perguntei por Demian. Aguardei-o na porta de
entrada.
Assim que eu o vi, abracei-o. Tentei beijá-lo. Ele aceitou. E foi
maravilhoso!

135
Juliana Duarte

– Você andou pegando o Gregório de novo? – perguntou ele,


desconfiado.
– Como você sabe?
– O cheiro dele está em você. Espero que tenha sido só um beijo.
– Ah... he, he.
– Ofélia! Por que você veio aqui?
– Para pedir desculpas. Eu não vou mais me envolver com o
Gregório. Quero ficar com você.
– Que garantias eu tenho de que os episódios da nossa separação não
irão se repetir?
– Meu amor por você.
– Ainda bem que tenho Deus. Porque sem Ele, eu jamais seria capaz
de passar por todas essas provações. Nem Jesus sofreu tanto assim na
cruz, que Deus me perdoe.
– Tá, tá, Demian, depois você continua com suas pregações. Pegue
sua Bíblia e sua malinha cheia de coisas religiosas inúteis e venha dormir
lá em casa.
– Eu... ah, tá bom.
Ele voltou para dentro. Em quinze minutos, já estava com a mala
pronta.
– Bem que o padre falou que eu ia acabar voltando contigo. Toda vez
que eu me confessava, eu falava de você pra ele.
– E toda vez que eu transava com alguém, eu pensava: “O Mimi é mil
vezes melhor”.
– Como sempre, nossas atividades extracurriculares são bem
diferenciadas.
– Nossas o quê? Não viaja, meu filho. Nós vamos reunir a MAS e a
OAAL. E iremos nos transformar no casal de ocultistas mais poderoso e
fogoso do mundo.
Demian ficou surpreso ao ver que seria o Gregório a nos dar carona
pra casa.
– Você devia aprender a dirigir, Mimi... – observei.
– E por que você não aprende? – ele retrucou, zangado – Você tem
mais tempo livre do que eu. E seus pais podem te dar um carro.
Algumas semanas se passaram. Até que chegou o Natal. O fim do
ano já estava se aproximando e, com ele, novas emoções.

136
A Gata Mascarada - Volume 2

E foi exatamente no início de janeiro que acordei meio enjoada. Eu


estava vomitando. E isso se repetiu pelas manhãs seguintes.
– Você comeu alguma coisa estragada?
– Não – falei – assim que voltamos a namorar, transamos algumas
vezes sem camisinha pra comemorar. Lembra?
– Você me disse que estava usando pílula! – censurou-me Demian,
chocado.
– Eu comecei a usar só uma semana depois de voltarmos.
– Então a culpa foi sua. Mas não vou concordar que aborte. Na
minha religião...
– Eu não quero saber o que a sua religião diz – interrompi-o – seu
Deus homem nunca ficou grávido para saber algo sobre isso. A decisão é
minha.
– Mas foi apenas irresponsabilidade.
– Eu não iria abortar de qualquer forma, porque eu quero ter um
filho. Quanto antes melhor.
– E quem vai pagar pelas despesas? – perguntou Demian.
– Calma, ainda nem sei se estou grávida...
– Espere – Demian se deu conta de uma coisa – Ofélia... você sabe
quem é o pai dessa criança?
Eu parei para pensar.
– Não.

137
Juliana Duarte

Capítulo 3

– Não.
– Por favor, Mimi...
– Eu já disse que não!
– Mas é só um beijinho!
– Por que ainda estamos conversando sobre esse assunto? Eu disse
que não vou fazer. E ponto final.
Eu fiz cara feia. Aquilo era algo antigo. Já fazia muito tempo que eu
vinha tentando convencer o Demian a beijar a Valentina. Se ele topasse,
eu receberia um dos famosos grimórios secretos de AMV em primeira
mão!
Mas não... ele continuava com essa frescura de que eu tinha sido a
única garota que ele já havia beijado e não queria perder isso, e blá, blá,
blá. Sendo que eu já havia beijado Deus e o mundo.
– Sabia que eu já transei com mais de cem caras diferentes?
– Você contou? – perguntou Demian, meio impressionado.
– Sim – brinquei – foram mais de cem só nesses últimos meses que
estivemos separados. Um deles tinha até dois paus!
Demian notou que eu estava mentindo. Fitou-me com aquele seu
olhar de desaprovação. Eu acariciei os cabelos dele.
– Mesmo que eu encontre um cara com dez paus, sempre vou gostar
mais do seu – falei, com carinho – você só tem um, mas faz um ótimo
serviço.
– E um não é o bastante? Você queria que eu tivesse quantos?
– Pelo menos dois. Eu queria saber como é a sensação de ter dois
paus entrando na minha buceta ao mesmo tempo. Seria legal também se
eu tivesse duas vaginas. Ou quatro peitos.
– Agora sua tara não é mais tamanho? É número?
Eu mostrei a ele meu laptop.
– Estou escrevendo uma história – eu expliquei – é sobre um alien
que veio pra Terra com a missão de foder todo mundo. Ele tem 144
cacetes.

138
A Gata Mascarada - Volume 2

– Ofélia... por que não escreve uma história normal para uma garota
da sua idade? Sobre uma menina que se apaixona por um menino. Eu
ficaria feliz de ler uma história assim escrita por você.
– Só escrevo isso se tiver sexo selvagem no meio. Os dois vão se
apaixonar na primeira página. Nas outras 99 páginas restantes só vão
ficar trepando sem parar.
Demian pegou meu laptop.
– Me dá isso aqui. Você não sabe escrever. Eu vou começar agora
uma história que relatará o amor de Jesus pela humanidade.
– NÃO, POR FAVOR!!!
Tentei pegar o laptop de volta. Mas Demian não deixou. Ele viu
outra página aberta.
– Espere, o que é isso? Eu ainda não tinha lido esse seu perfil. Aqui
diz que você tem 47 quilos. Mas você tem 48.
– Não faz mal diminuir um quilinho... – eu reclamei – não conta pra
ninguém, hein?
– Prometo que não deixarei ninguém saber desse seu grande segredo
– brincou Demian – aliás, deve ser seu único segredo, já que você expõe
todo o resto da sua vida na internet.
– Isso não é verdade. Não relato todas as nossas relações sexuais na
internet. Só algumas.
– Você conta algumas?! – perguntou Demian, irritado.
– Mas eu só falo delas em fóruns, para tirar dúvidas sobre sexo –
expliquei.
– Que dúvidas?
– Não, não olha!
Eu fiquei zangada. Demian verificou o meu histórico. Achou o site e
leu:
– “Ontem eu finalmente trepei com um negão gostoso, que eu já
desejava há quatro anos. Mas na segunda vez que ele enfiou, senti muita
dor. Isso nunca tinha acontecido antes, desde minha primeira vez. Seria
porque o caralho dele era grande demais? Ou seria por eu não estar
lubrificada o suficiente?”
Demian parou de ler.

139
Juliana Duarte

– Eu nunca me arrependi tanto de ler alguma coisa que você escreveu


como agora – ele confessou – mas... então até você sente dor no sexo? É
mesmo?
– Nah, não foi nada de mais – consertei – frescura minha.
Ele continuou lendo. “Por que ele ainda tá lendo isso?” perguntei-me,
confusa.
– Aqui você disse que chorou.
Eu tirei o laptop da mão dele.
– Na verdade eu chorei porque no meio do sexo senti saudades suas
– expliquei – esse foi o verdadeiro motivo.
– Ofélia...
– Sim?
– Por que você me colocou em quarto lugar na lista?
– Hã? Que lista? – perguntei, totalmente perdida.
– “Hobbies: sexo, cozinhar sobremesas, sexo, Mimi”. Eu devia estar
em primeiro lugar! Pode mudar!
– Não vou mudar – teimei – a lista é minha, oras.
– E por que eu estou em “hobbies” afinal? Eu sou o seu hobby?
– Por que não está feliz por estar na lista? Eu me lembrei de ti!
– É o mínimo que se espera, já que sou seu namorado.
– Vou te colocar em comidas favoritas, então.
Eu arrumei.
– Eu não acredito que você me colocou depois do pudim.
– Aff, Mimi.
Babushka entrou no meu quarto. Ela subiu na cama e foi direto para
o colo de Demian. Ele fez carinho nela. Eu fiquei com ciúme!
– Não, Babu, sai daí! – eu a tirei – esse caralho é só meu!
– Ofélia, deixa ela aí. Ela gosta quando eu faço carinho.
– Eu acho que essa gata é muito tarada.
Eu a tirei do quarto mesmo assim.
– Lembra quando eu vim aqui pela primeira vez? – perguntou
Demian – A sua gata gostou de mim desde aquele dia.
– Naquela época que eu não tinha te comido ainda – eu ri – mas eu
resolvi o problema rapidinho e logo arranquei sua virgindade.
– Tecnicamente eu não era virgem.
– Tem razão. Seu pai, hã... você não gosta de falar sobre isso, né?

140
A Gata Mascarada - Volume 2

Ele deu de ombros.


– Cara, então você perdeu a virgindade até antes que eu! – percebi.
– É esquisito imaginar que um dia você foi virgem – observou
Demian – é quase inacreditável. E por que você me chamou de “cara”?
É assim que você se refere à pessoa que ama?
– Pior você, que fica me chamando de “Ofélia”. Me chama de Fifi,
seu tonto! É mais bonitinho.
– Tá bom. Mas só se você colocar o meu nome antes do pudim.
– Eu só coloco se você me comer bem forte!
Demian parou para pensar na proposta. Ele sorriu.
– Antes, vamos fazer uma experiência. Pense em algo que não te dê
prazer sexual. Vejamos... pense num hipopótamo.
– Ai, hipopótamo – eu suspirei – Que sexy...
– Existe algo no mundo que não te excite?!
– Matemática – eu disse – odeio.
– Me fale mais sobre isso.
– Detesto matrizes. Aquilo não serve pra nada! Por que ensinam isso
no segundo grau? Eu vou matar o idiota que inventou isso.
No segundo seguinte, Demian afastou minha calcinha e enfiou o
cacete lá dentro, sem cerimônia.
Eu levei um susto! Fui pega totalmente de surpresa!
Doeu quando ele meteu. De verdade. Porque eu não tava excitada,
meu. Eu tava totalmente distraída. Não tava no clima. Eu costumo me
lubrificar com praticamente qualquer coisa, mas... porra! Ele não me deu
nem um milésimo de segundo!
– Demian...! Por quê?
– Ah, agora foi você que disse meu nome inteiro – ele observou –
minha teoria estava certa. Se você não estiver lubrificada, dói quando
enfio, hã?
– É óbvio, dã! Gênio! – zombei – Agora tira o pau daí e vamos
começar tudo de novo.
– O que acontece se eu enfiar mais? Continua doendo?
Ele forçou um pouquinho mais pra dentro.
– Não, não! – exclamei – Porra, meu! Se você enfiar mais, eu vou
apertar teu saco!

141
Juliana Duarte

Eu apertei o saco dele. Mas ele continuou metendo. Tentei fechar as


pernas e afastá-lo, mas não tinha jeito. Ele era muito mais forte que eu.
– Ah... ahhh! – eu gemia de dor.
Cravei as unhas no saco dele. Demian me soltou. Quando o pau saiu,
senti mais dor ainda do que quando entrou.
Eu me sentei na cama. Dei um tapa na cara de Demian. Um tapa
forte.
– Por que fez isso? – ele perguntou – Doeu, sabia?
– E você acha que não doeu o que você fez?
– Mas não são vocês, mulheres, que sempre dizem que gostam de um
cara que pegue pra valer na transa? – perguntou Demian – Que meta
com vontade?
– Não quando eu não tô lubrificada, retardado.
Meu coração estava disparado.
Eu... estava com medo de Demian? Não. Eu estava totalmente puta
com ele. Coloquei meu tênis.
– Já vai se vestir? – ele perguntou – A gente não ia fazer sexo?
Assim que coloquei o tênis, dei um chute no saco dele. O mais forte
que consegui. Era a primeira vez que eu fazia aquilo. Confesso que me
diverti. Demian ficou se contorcendo na cama.
– Foi bom? – desafiei-o – Excitante?
– Não! – ele disse, com uma voz fina. Mal conseguia falar.
– Mas COMO não? Vocês homens não curtem serem massageados
no saco, assim, bem forte? Mesmo depois dessa massagem intensa do
meu tênis você não curtiu?
Assim que Demian se recuperou, ele sentou-se na cama ao meu lado.
– Está bem, Ofélia. Eu entendi o que você quis dizer. Me desculpe
pelo que fiz antes. Apesar de você estar recuando naquela hora, eu
realmente pensei que você estivesse curtindo. Sei lá.
– Se você fizer isso outra vez, eu vou prensar o seu saco na torradeira
– ameacei.
– Eu não vou mais fazer sexo com você. Só vou ler a Bíblia a partir
de agora. Vai ter que me implorar de joelhos se quiser prazer de novo.
OK, quando ele disse isso eu não fiquei mais irritada. Não me segurei.
Tive que rir.

142
A Gata Mascarada - Volume 2

Demian estava acostumado a só ele reclamar das coisas que eu fazia


no sexo. Era sempre ele que se esquivava. Então acho que ele meio que
se sentiu ofendido quando fui eu que recuei naquele dia.
– Você sabe que eu não aguento ficar sequer um dia sem sexo – eu
disse, me enrolando no braço dele – então repense o que disse, tá bom,
meu Mimi?
– Vou pensar no assunto – ele disse, todo sério.
“Vai pensar nada. Seu pau já tá ficando duro de novo” notei,
triunfante.
Eu meti a mão lá. Dentro da calça. Demian começou a gemer.
Levantou completamente.
– Ainda tá pensando? – sussurrei no ouvido dele.
Nós nos jogamos na cama e nos agarramos. Trocamos um beijo
selvagem e fomos arrancando as roupas. Ele chupou os meus mamilos.
Agora sim, eu ia ficar bem lubrificada. Para me ajudar mais, ele meteu
um dedinho na minha buceta.
– Hmmm me chupa? – perguntei, com um gemido sensual.
E aquele foi mais um dia de foda feliz.
– Mimi... te amo.
– Também te amo, Fifi.
Quando ele disse isso, fiquei tão alegre que atirei-o para fora da cama
e, lá no chão, enchi-o de beijos em todas as partes do corpo.
Quando Mimi ejaculou, dei-lhe um beijinho no nariz.
– Lindinho. Quer comer alguma coisa? Como sobremesa da Fifi...
– Sim, eu tô com fome – confessou Demian – não almocei hoje.
– Você precisa me contar essas coisas! Se eu soubesse, teria te
oferecido algo assim que chegou.
– Não quero te preocupar.
– Bobo. No momento em que iniciamos esse relacionamento, o trato
foi que seríamos a maior preocupação um do outro, não é mesmo?
Voltei para o quarto com um pacote de bolachas. Demian pegou uma.
Enquanto ele comia, fiquei olhando.
– O que foi?
– Nada – falei, com um largo sorriso – pode comer quantas quiser, tá?
Saí de perto da janela e fui sentar-me com ele. Comecei a brincar com
a cruz que ele carregava na corrente do pescoço.

143
Juliana Duarte

– Tem algo de sexy em ser cristão – eu comentei – e em carregar essa


cruz. Deve ser porque eu me lembro de você todo suado no meio da
transa com essa cruz no pescoço. Por isso eu acho sensual quando olho
pra ela.
– Eu gosto do seu cabelo – disse Demian – dos seus lábios. E dos
seus... peitos.
Eu ri.
– Eu não disse que a cruz é a parte sua que mais gosto! Você sabe
bem que minha parte favorita é seu pau. Depois o saco. E depois... o
rosto, acho.
– Já me acostumei. Nem vou reclamar.
– Ei, vamos pra praia no Ano Novo? – propus – eu quero pegar um
bronze!
– Você só ficou vermelha da última vez...
– Eu sei! Mas dessa vez vou usar um bronzeador bem potente!
Ao despedir-se, Demian tratou a minha mãe como uma rainha, como
sempre. Quando queria, Demian conseguia tratar as pessoas com a
máxima cortesia. Ora, tendo sido educado na Igreja, com todas as pomas
e formalidades... ele tinha um vocabulário e um porte fantásticos.
– Uma boa noite para a senhora.
– Boa noite, Demian. Volte sempre. Tente ensinar bons modos para
essa minha filha rebelde e irresponsável, sim?
– Pode deixar. Darei o meu melhor nessa tarefa. Será difícil, mas eu
não desistirei.
Há! Ela nem imaginava que costumava estourar uma guerra dentro
do meu quarto quando Demian estava lá, e que naquele dia ele havia
levado um chute no saco e sentido minhas garras afiadas. Ele devia me
amar mesmo para aguentar tudo isso...
E, assim como eu queria, fomos pra praia no Ano Novo!
Quando pisei na areia da praia, senti uma maravilhosa sensação de
liberdade. Foi mágico. Eu já nem me lembrava o quanto aquilo era bom.
Mas eu não fiquei muito tempo na água, pois precisava dar início à
minha desafiadora tarefa de torrar no sol. Pedi para Demian passar o
bronzeador em mim. Deitei-me na minha toalha e expus minhas costas
para que se bronzeasse.
Saldo final do dia? Ofélia vermelha como um pimentão!

144
A Gata Mascarada - Volume 2

– Ai, que raivaaaaa!


– Calma, Fifi. Amanhã você consegue.
– Consigo nada. Cala a boca, Mimi.
– Você não quer um incentivo? – perguntou ele, aborrecido.
– Eu não quero nada. Tô braba.
Não deu certo. Passamos alguns dias na praia. Mas voltei para Brasília
apenas vermelha. Não tinha me bronzeado nem um pouquinho. Fiquei
desapontada.
– Mimi, você se bronzeou!
– Acho que sim. Um pouco...
– Morra.
– Por quê? Eu só fui pra água. Nem fiquei pegando sol.
– Por isso mesmo! Morra mil vezes!! Tomara que seus peitos
murchem!
– Ofélia, eu não sou uma das suas amigas que você costuma xingar.
Eu não tenho peitos.
– Então tomara que sua pele caia e você fique em carne viva, mais
vermelho que eu!
Demian me lançou aquele olhar atravessado. Eu apenas dei um
sorrisinho. Lancei-lhe um beijinho com a mão.
– Brincadeira, docinho. Te amo. Tá tão sexy assim, bronzeadinho...
– E você tá tão sexy, que nem um camarão.
– Prontinha pra você comer, meu tubarão. Pena que não bronzeou o
pau.
Assim que voltamos de viagem, convidei Demian para ir lá em casa.
– Tem uma visita aqui com quem eu gostaria que você conversasse.
Quando Demian entrou no meu quarto e viu Valentina, ele quase
voltou. Mas eu coloquei-o para dentro e tranquei a porta.
– Mimi, olha só... a Val disse que vai me dar dois grimórios da AMV
se você deixar que ela te beije. Dois!
– Por que você quer tanto ler esses grimórios dos satanistas? –
perguntou Demian – Eu não vou beijar essa adoradora de Satanás.
– Se o seu Deus é tão forte quanto diz, não deve haver problemas,
certo? – desafiou-o Valentina.
Eu tinha me esquecido desse detalhe. Demian tinha mais um motivo
para não querer beijá-la: o fato de ela ser satanista. Ele não gostava nem

145
Juliana Duarte

um pouco do pessoal da Ordem da Sancha e menos ainda da galera da


OCB. Talvez beijá-la fosse contra os princípios dele.
– Por favor, Mimi, quero muito ler... – eu pedi, sentando-o na cama –
vai ser só um beijinho rápido. Não vai doer. Você já me beijou antes.
Sabe como é.
– Não fale comigo como se eu fosse uma criança.
– Prometo que não sugo sua alma – disse Valentina, segurando na
mão dele.
Demian tirou a mão na mesma hora.
– Não se aproxime demais, satanista – ameaçou Demian – o trato é
só o beijo. Não ouse me agarrar.
– Então você concorda? – perguntei, esperançosa.
– Você vem insistindo nisso há meses. Não vai me deixar em paz
enquanto eu não ceder.
– Isso mesmo – confirmei – agora, respire fundo. E fique quietinho
aí enquanto Valentina te beija como ela quiser, OK?
– Como ela quiser, vírgula. Vou estabelecer limites.
– Não vai ser só um selinho – avisou Valentina – vai ser beijo longo,
molhado. E vou meter a língua.
Demian fitou-a com irritação, cerrando os dentes. Suspirou fundo. Já
estava quase se arrependendo daquilo.
– Eu tenho namorada – ele reforçou – não passe do ponto. Ofélia
está aqui na frente, vendo tudo.
– Se ela avançar mais e eu ganhar os outros grimórios, por mim tudo
bem – eu disse.
– Eu não acredito que você vai deixar ela... Ofélia! Pra que estamos
namorando então, se você não se importa que outras meninas me
tenham?
– Tá certo – concordei – só o beijo, Val.
– Beleza.
Valentina sentou-se em cima de Demian. Eu não imaginava que ela
fosse fazer isso. E nem ele. Demian foi pego de surpresa. Ficou bem
nervoso.
Valentina começou a mexer nos cabelos dele. E depois acariciou o
rosto.
– Quer ir logo com isso? – perguntou Demian.

146
A Gata Mascarada - Volume 2

Valentina fez um movimento para frente e para trás, friccionando sua


calça na dele. Nesse instante, Demian se alterou.
– Menina, se vai fazer isso, faça!
Valentina segurou-o e colou os lábios nos dele. Deu-lhe um beijo de
verdade, cheio de lambidas. Ela remexia o corpo inteiro enquanto
enfiava a língua e movia o rosto. Aproximou-se tanto que encostou o
peito no dele. O pentagrama invertido tocando a cruz.
Quando ela saiu de cima dele, após cerca de um minuto de “tortura”,
Demian fitou o chão. O pau dele ficou um pouco duro sim. Mas ele não
teve vontade de olhar novamente para Valentina. Parecia furioso. É
óbvio: ela tinha passado um pouquinho do ponto. Tinha feito coisas
demais.
Valentina abriu a bolsa. Deu-me dois grimórios.
– Se quiser os outros dois, Fifi, vai ter que convencer o “Mimi” a ser
comido por mim – avisou Valentina – eu curti o beijo. Mas parece que
ele ficou um pouco assustado. Coitadinho...
– Hm – resmunguei, sem gostar muito.
E Valentina foi embora.
Assim que ela saiu do quarto, Demian deitou-se na cama. Parecia
exausto.
– Obrigado, Ofélia – ironizou Demian – por me usar como um
gigolô.
– Ela nunca vai transar com você – garanti – foi só o beijo.
– Ela pegou no meu pênis. Você não viu?
– Não!
– Ela passou a mão por cima da calça. Mas mesmo assim. Isso não
estava no acordo.
– OK, depois eu xingo ela.
– Você não parece muito indignada.
Demian estava mais irritado pelo pouco ciúme que eu demonstrava
do que pelo que Valentina tinha feito,
– Quer ler também?
– Não tenho a menor vontade – respondeu Demian.
Naquela noite eu teria muitas leituras interessantes. Elas tinham
custado caro. Então eu jurei que iria aproveitá-las ao máximo.

147
Juliana Duarte

“Há esse monstro dentro de mim. Essa aberração. Devora meus intestinos dia e
noite. Hei de mastigar o bastardo carniceiro. Enquanto vive, dedico esses escritos a ele.
Quando morto, não os dedicarei a ninguém”.

Essa era a peculiar dedicatória. Mas eu não passei disso. Fiquei


enjoada. Fui ao banheiro vomitar.
“Se eu comi algo estragado, o Mimi comeu também” concluí. Mas
falei com ele no dia seguinte e ele me disse que estava bem.
Eu melhorei. E depois piorei. Os dias seguiam assim: eu ficava
enjoada, principalmente pela manhã. Passava... voltava. Aquilo era uma
merda!
Demorou pra cair a ficha. Minha menstruação estava atrasada.
– Vou fazer o teste. É só mijar naquele negocinho da farmácia, né?
– Você tá perguntando pra mim? – perguntou Demian – Pela
experiência que tenho com tantas garotas que já engravidei?
Sinceramente, eu nunca tinha feito um teste de gravidez antes. Isso
porque eu costumava transar com camisinha ou tomar pílula. Aquela
tinha sido a primeira vez que vacilei.
E o teste confirmou.
– Surpresa, Miiiii! Tô grávida!
– “Surpresa”, você diz? – perguntou Demian, nervoso – Eu não
tenho emprego nem pra sustentar a mim mesmo, você sequer sabe se
sou o pai e ainda acha que vou ficar feliz?!
O sorriso sumiu do meu rosto.
– Não pode pelo menos me apoiar? Se nascer branquinho, é seu. Se
nascer pretinho, é do Gregório. Simples, não?
– Realmente. Determinar a paternidade nunca foi tão fácil. Tem
certeza que não dormiu com nenhum outro cara nessa época?
Parei para pensar.
– Com o Otávio. Mas com ele usei camisinha. Foi só uma vez. A
possibilidade é quase nula.
– Ainda bem. Isso significa que tenho 50% de chance de ser o pai.
– Eu acho que você tem uns 70% – opinei – só comi o Gregório
duas vezes. E te comi várias quando voltamos.
– Mas você transou com ele antes...
– Nah, fica tranquilo. Daqui uns oito meses a gente descobre.

148
A Gata Mascarada - Volume 2

– Você está relaxada demais.


– Mimi... me responde uma coisa?
– O quê?
– Você quer ser o pai?
Ele não respondeu imediatamente.
– O Gregório teria grana para sustentar seu filho – observou Demian
– o que seria mais vantajoso para a criança. Mas eu não gosto muito da
ideia de você tendo um filho dele. Se vamos passar nossa vida toda
juntos, prefiro que você só tenha filhos meus. Então, sim... eu quero ser
o pai.
Dei um beijo nele.
– Obrigada.
Fiquei aliviada com a resposta. Eu ficaria triste se ele dissesse que não
queria.
Por incrível que pareça, meus pais não ficaram brabos. Ou melhor...
só um pouquinho. Mas depois de eu aprontar tanto, acho que eles
esperavam que eu tivesse um filho com uns quinze anos. Até que eu
consegui adiar por bastante tempo. Eu ganharia o filho com quase vinte.
Quando as nossas aulas da faculdade recomeçaram no final de
fevereiro, nem era possível perceber que eu estava grávida. Eu me
perguntava quando minha barriga começaria a crescer...
Eu fiquei tão distraída nas férias, indo pra praia, transando com o
Demian e frequentando fóruns de sexo e de gravidez na internet, que
nem chequei o que andava acontecendo com minha Ordem. Eu me
surpreendi ao ficar sabendo o quanto a nossa universidade andava
famosa por causa das sociedades secretas.
– Há, há, alguns calouros vieram pra nossa universidade só pra entrar
na MAS.
– Ou pra OAAL – observou Demian.
– Ninguém se importa com sua Ordem desde que eu saí de lá.
– Na minha Ordem nós realmente debatemos ocultismo e fazemos
rituais. Não ficamos apenas tomando chá, desfilando com vestidos e
fofocando.
– Eles são adolescentes, Mimi. Eles não querem saber das suas
propostas entediantes. Querem participar de coisas divertidas e
emocionantes.

149
Juliana Duarte

– E aquele papo de unirmos nossas Ordens?


– Mudei de ideia – resolvi dizer – os nossos objetivos são diferentes.
Se fizéssemos aliança ou algo assim, você ia tentar monopolizar tudo de
novo.
– O meu objetivo é desenvolver práticas e estudos sérios. Isso não
atinge o grande público. Já o seu objetivo é ter popularidade, chamar a
atenção e conseguir mais leitores e curiosos no seu blog.
– E qual é o problema com isso? É tão divertido chamar a atenção...
– Depois não reclame quando tiver um monte de stalkers te
perseguindo pela universidade. Você e suas amigas usam aqueles vestidos
super decotados com cores berrantes. Postam um monte de fotos na
internet e espalham cartazes pela universidade. Depois de tanta
divulgação, não venha se queixar quando uns caras aleatórios começarem
a assediá-las.
– Você é mal educado dizendo isso. Só está com inveja.
Logo no primeiro dia de aula, eu me reuni com as garotas da minha
Ordem para tomarmos chá e atualizarmos umas às outras com os
recentes babados.
Quando contei sobre minha gravidez, elas ficaram muito surpresas. E
eu fiquei mais espantada ainda ao saber que Fernanda já havia
engravidado uma vez.
– Infelizmente perdi o bebê...
– Espero que eu não perca – eu falei – por mais que seja um
incômodo, eu queria muito tê-lo.
Os curiosos tinham aumentado naquele novo ano. Muita gente nos
espiava. Estava na hora de finalizar o espetáculo dos chás a céu aberto. A
partir dali, seria mais seguro realizar nossos encontros num lugar
reservado, de forma mais discreta.
Naquele ponto, era bom que nossas identidades se mantivessem
secretas. Muita gente estava desejando entrar para a MAS. E se
soubessem quem eu era, iam me incomodar durante as aulas, durante os
intervalos. Não me deixariam em paz.
“Quando minha barriga começar a crescer, acabou”. Eu me dei conta
disso, meio assustada. Seria impossível esconder. Não havia muitas
grávidas no campus. Se uma mascarada grávida andasse por aí, iam
realizar rapidamente a ligação entre a Ofélia e a Gata Mascarada.

150
A Gata Mascarada - Volume 2

“Azar. Penso nisso depois”. Era hora de lidar com um novo


problema: Coroa & Reino; a Ordem vermelha.
Inspirados pelo sucesso da MAS e pelos boatos esparsos sobre a
OAAL, uma nova Ordem surgiu naquele início de semestre. Eu não
sabia quem eram os responsáveis. Eles se vestiam de vermelho e usavam
óculos escuros. Usavam camisetas, casacos e bonés com o brasão da
Coroa & Reino. Nada de capas longas com capuzes, como no caso das
vestes azuis da OAAL.
“O que esses caras querem?” Eu sequer sabia se eles eram uma
Ordem de ocultismo. Declararam-se simplesmente como “uma
sociedade secreta universitária”. E as atividades deles eram
desconhecidas.
Como a MAS não andava chamando novos membros e como a
OAAL parecia muito tradicional e desinteressante para a maioria, a
Coroa & Reino começou a reunir um número impressionante de
membros muito rapidamente.
– Eu não ligo – Demian deixou claro.
Mas ele começou a ligar quando alguns membros da Ordem dele
saíram para fazer parte da C&R.
– São uns grandes imbecis! – exclamou Demian – Nem devem ser
um grupo de ocultismo. Só estão posando como um. Promovem
iniciações pomposas e rituais secretos. Aposto que depois disso ficam
jogando bingo.
– Bingo? – eu ri – Em que universo você vive, Mimi? Eles devem
jogar League of Legends.
– Não me interessa o que jogam. A galera vai toda pra lá atraída pelo
mistério. Depois que o mistério acabar, eles não terão nada pra fazer.
Não foi o que pareceu. O pessoal os procurava, recebia iniciação e
continuava lá. Até eu fiquei um pouquinho curiosa pra saber o que eles
faziam de tão interessante.
– Sabe por que não recebo novos membros? – disse Demian – Só
porque minha sociedade não é tão secreta assim. Não usamos máscaras.
Todos sabem quem somos. Não realizamos iniciações formais. Permito
que curiosos assistam a uma de nossas reuniões para descobrir se
identificam-se com nossas propostas. Ou seja: não é atraente para eles,
porque não há muitos segredos.

151
Juliana Duarte

– E o fetiche de fazer parte de uma sociedade secreta é exatamente o


segredo, oras – concordei – é ser parte de um clubinho exclusivo. É isso
que eles querem. Então dê isso a eles!
– Por quê? Não quero ser parte desse joguinho infeliz de
popularidade que vocês criaram.
– Porque daqui a pouco sua sociedade não será mais secreta e sim um
grupo qualquer. Às vezes dá a impressão de que vocês são um grupo de
estudo, que é uma sala pra monitoria. É tão entediante...
– Eu sabia que o grande público era superficial, mas não tanto –
comentou Demian, todo cheio de si – sabe o que as pessoas mais gostam
na OAAL? Dos nossos mantos azuis que você inventou de fazer. E
também do fato de o mestre da Ordem, que sou eu, ser estudante de
teologia. Isso soa misterioso para eles.
– Pois andam dizendo que o mestre da Coroa & Reino é da filosofia.
– Daqui a pouco vai aparecer outro desgraçado, estudante de história,
fundando uma nova sociedade secreta inútil. Eles só querem se exibir.
– Para ser mais específica, ele é mestrando de filosofia.
– Então até você acha isso emocionante – observou Demian.
– Que nada. Ser da teologia é muito mais exótico.
Demian sorriu.
– Viu? Você gostou do elogio.
– É claro que gostei, pois você é minha namorada. Eu não ligo para o
que pensam os outros imbecis.
Eu tive uma ideia.
– Ei, será que consigo me infiltrar na C&R? Ninguém por aqui
conhece a identidade da Gata Mascarada. Posso pedir para ser membro,
ver o que fazem por lá e depois pular fora.
– A maioria dos membros são homens. Quer mesmo se meter nisso?
– Qual é o problema? Se eles permitem mulheres, posso entrar, não é
mesmo?
– Você dificilmente vai gostar – disse Demian – assim como um cara
talvez não se interessasse muito pela MAS depois de ouvir vocês
fofocando e falando de assuntos de menina. Em uma sociedade com
muitos homens, se não falarem de futebol vão falar de ex-namoradas, de
pegar mulheres e vão fazer piadas que você considerará ofensivas.

152
A Gata Mascarada - Volume 2

– Acho que não. Se eles são uma sociedade secreta séria, vão falar
sobre os assuntos da sociedade, não?
– Você quer dizer que a sua sociedade não é séria? – desafiou-me
Demian – Nem mesmo eu tenho o poder de impedir as conversas
paralelas na OAAL. A minha Ordem é mista e tem um número
relativamente equilibrado de homens e mulheres. É uma boa Ordem. Já
na sua, eu mal cheguei na sua mesa de chá naquele dia e você e suas
amiguinhas já fizeram piadas e começaram a rir da minha cara. Não foi
assim?
– Foi – tive que admitir.
– E isso aconteceu porque sou homem e fui discriminado na sua
Ordem cor-de-rosa – prosseguiu ele – e pela mestra da Ordem, ainda
por cima. Se você chegar na Coroa & Reino, vai ter que aguentar piadas
machistas. Eu te garanto isso. Mesmo que eles se esforcem para serem
gentis com você, vão acabar soltando umas e outras. E sabe como eu
posso te garantir isso?
– Hã... como? – perguntei, sem muito interesse.
– Porque eu vivo num ambiente de homens. Desde sempre. Fui
educado no seminário. Quase todos os meus colegas na teologia são
homens. Você normalmente pensaria que seminaristas e padres se
portam de forma mais adequada, mas nem sempre isso acontece. Meus
colegas são fanáticos por futebol. Quanto a isso, nem reclamo, embora
eu mesmo não goste. Mas eles também ficam falando de mulheres, falam
de putaria, dão exemplos escrotos, inclusive os padres.
– Mimiiiii!
– Sim?
– Tu não entendeu. Eu só vou entrar pra Coroa & Reino e depois me
mandar. Não ligo se eles forem escrotos ou não. Só quero coletar
informações.
Eu não me importava de entrar por alguns dias no clubinho machista
dos macho men falando de putaria, já que eu liderava o clubinho
feminista das mulheres fogosas, que provavelmente falavam muito mais
putaria que os caras.
Resolvi me aproximar do grupinho vestido de vermelho numa tarde.
Realmente, quase todos eram homens.
– Oi pessoal. Como faz pra entrar pro grupo de vocês?

153
Juliana Duarte

Todos eles me fitaram.


– Você deverá passar por uma prova, aplicada pelo mestre. Cada
prova é diferente.
Aquele que devia ser o mestre aproximou-se para me analisar. Ele
tinha um cigarro na mão e se portava como alguém muito superior.
Foi então que eu o reconheci, mesmo de óculos escuros: era o cara
que tinha chutado minha boca no ano anterior. Ele queria ser membro
da MAS e eu o tratei mal. Ele tinha criado sua própria Ordem.
“Ele vai me reconhecer” pensei, preocupada. Naquele dia eu só usava
uma máscara que cobria metade do meu rosto para ocultar minha
identidade. Ele chegou muito perto. E ouviu minha voz. Não teria erro.
Ele sorriu quando me viu.
– Quer mesmo entrar?
– Não – resolvi dizer – uma amiga minha está interessada.
– Então diga para que sua amiga venha pessoalmente até aqui. Não
vou soltar informações para terceiros.
– Vou dizer.
E acabei me mandando de lá. No final, eu não soube dizer se o cara
havia me reconhecido ou não.
Contei a história para Demian.
– Se um dia esse sujeito comprar briga comigo, eu vendo na hora –
comentou Demian – assim já irei puni-lo pelo que fez a você.
– Não se meta. Sei me defender.
– Você sabe piorar a situação com sua boca-suja. Não se envolva
com esses caras.
– Eu não tenho medo deles, pô! Até parece que vou ter.
– Se não quer parar no hospital, vai ter que aprender artes marciais.
– Para que, se eu tenho super poderes?
– Ofélia, eu não duvido dos seus super poderes. No dia em que nos
conhecemos, você me deu uma surra enorme enquanto debatíamos
sobre cabala. Mas você também sabe que poderes psíquicos funcionam
num nível muito mais instável. É imprevisível. Você só tem controle
sobre eles até certo ponto. Nem sempre sabe determinar hora e lugar em
que eles aparecem. Depende da explosão das suas emoções no momento.
E você mesma temia tanto seus poderes que não viu outra escolha a não
ser selá-los e deixá-los para trás.

154
A Gata Mascarada - Volume 2

– Meh.
– Eu dei todo esse discurso, e isso é tudo o que tem a dizer?
– Odeio quando você tá certo. É isso o que “meh” significa.
– Eu não quero estar certo. Só quero te ver segura. Agora, apenas
esqueça essa disputa boba entre sociedades. Que cada um cuide da sua.
Não tem porque brigar.
– Para a Coroa & Reino é muito fácil não brigar, já que eles estão
levando a melhor. Os seus membros estão indo para lá e muitos
perderam o interesse na MAS porque só têm olhos para a C&R. Que
bosta.
– Em vez de tentar atingi-los diretamente, que tal melhorar a sua
Ordem? – sugeriu Demian.
– Você pode melhorar a sua, criando uns rituais legais de iniciação.
Mas eu não sei mais o que fazer na minha!
– Abra inscrições para novos membros.
De fato, era o momento ideal. E eu fiz isso. Divulguei no blog da
Ordem e em muitos outros lugares. Logo, apareceram interessados. E o
melhor de tudo: eu soube que alguns membros saíram da C&R para
tentar o teste de admissão da MAS! Eu me sentia vitoriosa.
Quem não gostou muito foi o líder da Coroa & Reino. Ele logo
contra-atacou: ofereceu um brinde a todos os novos membros que
ingressassem na C&R a partir dali. Quem passasse no teste de admissão
receberia um saquinho com uma surpresa dentro.
– Era só o que faltava! O infeliz está chamando as crianças com balas.
E está funcionando! – reclamei, indignada.
– Pensei que você não ligasse para o número de membros – observou
Demian.
– Eu não ligo. Só quero ganhar dele.
– Eu não quero me envolver nisso. Só fiquei aborrecido no começo
porque os membros que já estavam na minha Ordem saíram em bando
para a C&R. Mas como agora as sociedades daqui estão tão famosas, tem
mais gente interessada em ser membro ultimamente, então há um
equilíbrio entre os que entram e saem.
– Então você liga para o número de membros!
– Eu quero pelo menos ter algumas pessoas para debater! Sozinho,
como vou manter uma Ordem?

155
Juliana Duarte

Demian aparentava ser mesmo o único mestre sério, já que eu e o


líder da C&R estávamos mais preocupados em batalhar por status.
Alguns dias depois, Demian veio se queixar comigo.
– Ontem dois idiotas da Coroa maldita jogaram um panelão de sopa
do RU no chão da nossa sala.
– Eu não tenho nada a ver com isso!
– Muito menos eu! Não me interessa o que você e o outro imbecil
estão fazendo em suas respectivas sociedades. Só me deixem fora disso!
– Ai, que drama, Mimi. Foi só um pouquinho de sopa.
Mas quando eu vi o meu belíssimo vestido cor-de-rosa e minha mesa
de chá perfeita flutuando em macarrão com almôndegas, eu senti
vontade de devorar o fígado dos filhos da puta.
Usei o vestido de Fernanda, coloquei a minha máscara e fui tirar
satisfações com o mestre da Coroa & Reino.
– Sabe o que vocês são? Cornos!!
– Eu não tenho nenhuma relação com o episódio da sopa e do
macarrão – informou o mestre da C&R, prontamente – eles agiram por
conta própria.
– Você é um péssimo mestre por não controlar os seus discípulos.
– Eles não são os meus cachorros. São seres humanos com livre-
arbítrio. Se quiser se queixar, tire satisfação com eles diretamente. Eu
não respondo por eles.
– Eles agiram em nome da sua Ordem!
– Eu sou o mestre e eu afirmo que isso é uma inverdade.
Eu fiquei fula. No dia seguinte, roubei um panelão de feijão no
Restaurante Universitário e derrubei nos pertences do mestre.
– Eu não agi em nome da minha Ordem – afirmei – minha mão
apenas escorregou e derrubei em cima das suas coisas.
Quando contei a história para Demian, ele não gostou muito.
– Você está agindo da mesma forma idiota que eles! E por que estão
desperdiçando tanta comida assim? Eu sobrevivo com a comida do RU,
sabiam? Se eles fecharem o restaurante por causa de vocês, é melhor
pagar minha comida.
– Demian, ataque-o também! Com arroz e salada!
– Você está mandando que eu me envolva na briga? Pois eu não vou
fazer isso. Pelo menos não enquanto vocês brigarem dessa forma

156
A Gata Mascarada - Volume 2

deselegante. Duelem como magos! Com maldições, evocações,


possessões!
– Eu nem sei se o corno mexe com magia.
– Descubra. Use seus poderes, ferre o cara e veja se ele se defende.
– Como se fosse fácil assim. E por que você, que é do RHP, está me
sugerindo lançar maldições?
– Quem disse que ser do RHP é ser bonzinho? Nós apenas
trabalhamos com a justiça de Deus em vez de visar a justiça do
julgamento individual.
– Então me avisa quando seu SAG te autorizar a meter um quadrado
mágico bem fodido na C&R. Eu não vou esperar por Deus.
A MAS ganhou dois novos membros: Lílian, a Tigresa Mascarada, e
Cristiana, a Mariposa Mascarada. Já estavam começando a faltar animais
legais para máscaras.
Demos a elas uma iniciação toda fofa e estilosa. Colocamos nelas
uma venda branca, no meio de uma praça perto da universidade.
Fizemos algumas perguntas, nós as ameaçamos com uma espada e
depois as enchemos de flores!
O processo de seleção foi bem simples. Fiz uma entrevista com as
candidatas. Deixei de fora as metidas e chamei as queridinhas.
– Isso é preconceito – opinou Demian, quando contei a ele – então
você só faz entrevistas? Não há nenhum tipo de desafio?
– Escondemos dois potes de mel com um lacinho – expliquei – e elas
tinham que encontrá-los com base em pistas que demos. Elas receberam
os potes de presente como prêmio!
– Ah, Coelho da Páscoa... boa inspiração para seu teste de admissão –
zombou Demian.
– Mas eu fiz isso exatamente porque tá perto da Páscoa, imbecil!
– Mais respeito. Sou seu namorado.
– Tá, tá...
A Coroa & Reino era popular porque tinha fama de realizar
entrevistas e testes de admissão difíceis. Era um desafio entrar lá, por
isso todos se sentiam tentados. Além do mais, eles recebiam uma
iniciação bastante pomposa. Nada de flores e mel, como as minhas.
– Afinal, o mestre é da filosofia – observou Celeste – então deve
fazer perguntas muito complexas na entrevista. Por isso é difícil.

157
Juliana Duarte

– Aposto que só são perguntas enroladas que parecem bonitas –


opinei.
– Tem toda a razão, mestra – disse Lílian – devem ser mesmo. As
suas entrevistas são muito mais legais.
Lílian era uma fã minha. Minha primeira fã, que orgulho! Ela até
escolheu a tigresa como animal da máscara, porque se parecia com uma
gata. Ela queria uma máscara parecida com a minha.
– Há boatos de que os testes da C&R são perigosos – comentou
Cristiana.
Eu revirei os olhos.
– Você sabe como são os homens – eu disse – eles apreciam um
desafio que lhes tire um pouco de sangue e os faça sentir medo e
adrenalina. Querem se sentir heróis. E nós queremos nos sentir lindas
princesas, não é mesmo, garotas?
– Você é linda, Gata Mascarada! – exclamou Lílian – É maravilhosa!
– Todas nós somos – eu afirmei – por isso brilhamos tanto na
melhor sociedade secreta da nossa universidade!
Na semana seguinte, Cristiana saiu da nossa Ordem e foi para a
Coroa & Reino. Ela disse que achou nossas atividades bobas demais. Eu
fiquei enfurecida! Depois da iniciação linda que dei a ela, depois da
aventura mágica do pote de mel...
– Vocês não vão me deixar também, certo? – perguntei para as
meninas, sentindo-me insegura.
– É claro que não! – garantiu Fernanda.
Fernanda vinha sendo uma de minhas melhores amigas, então não
iria sair. Lílian era minha fã. Celeste era da Flolan. Porém...
– Olha, meninas, não vou poder continuar... – avisou Yolanda.
– Não me diga que vai pra Coroa, sua traidora? – perguntei, chocada.
– Quê? Não! Eu não posso mais ficar brincando de sociedade secreta.
Tenho que terminar minha monografia. Eu estou quase no fim do meu
curso.
E assim perdemos Yolanda. Quem iria fazer os desenhos do site e
dos grimórios agora?
Eu estava começando a ficar deprimida. Criei uma Ordem tão linda e
mágica. O que estava faltando? Por que elas estavam saindo?

158
A Gata Mascarada - Volume 2

Minha Ordem tinha forma. A Ordem de Demian tinha conteúdo. Se


uníssemos as duas, superaríamos a C&R. Será que era isso que faltava?
Ou talvez não. A OAAL tinha forma sim, mas era algo mais discreto.
Eles podiam não ter nomes mágicos e não promoviam iniciações formais.
Mas os debates eram interessantes, por mais que fossem monótonos. E
havia umas práticas boas.
Talvez aquilo fosse maturidade. Uma Ordem séria e centrada, sem
um monte de confetes e serpentinas. Aquilo durava. Por isso Demian
mantinha-se firme como mestre de sua Ordem. E Gregório mantinha
viva a Flolan por mais de dez anos.
Eu era inexperiente como mestra. Eu não podia me sentir abatida só
porque um ou dois membros saíam. Mesmo que a minha Ordem fosse a
melhor do mundo, pessoas iam sair. Porque as pessoas têm vida.
Mas de que adiantava uma vida sem magia? Nada. Seria uma concha
vazia, sem pérola. Para mim, fazer parte de uma sociedade secreta era
exatamente o que dava brilho pra minha vida. Significado à minha
existência. Unir-se a outros com objetivos grandiosos. Achar seu lugar
no mundo. Ser parte do mundo não somente em carne, mas em espírito.
Eu andava meio perdida naqueles dias. Até que Fernanda me
apresentou uma pessoa.
– Esse é o Camilo. O mestre do meu mestre.
– Ele não é muito jovem pra ser tudo isso? – perguntei, meio
impressionada.
Camilo tinha 22. E ele era muito simpático. Adorei ele.
– Uau, vocês têm uma mesa de chá! Que fantástico!
Ele não estava zombando. Realmente achou fantástico.
– E estão todas muito elegantes nessas roupas – ele comentou, com
um largo sorriso.
– Você gostou da minha? – perguntou Fernanda.
– Sim, você tá linda, Fê!
Ele não estudava na nossa universidade, mas ficou muito interessado
na nossa Ordem. Contei a ele como funcionavam as coisas por lá: que
usávamos alguns métodos divinatórios durante os chás. Que fazíamos
uns rituais de vez em quando. Que rolavam uns papos meio filosóficos
misturados com moda.

159
Juliana Duarte

– Uma Ordem perfeita – disse Camilo – e bastante original. Estão


todas de parabéns.
Fiquei toda contente com os elogios.
– Será que posso vir a esses chás de vez em quando? – ele perguntou.
– Mas é claro – garanti – a Sancha também é nossa convidada
especial.
– A mestra da ODE?
– Isso.
– Nossa. Vocês são cheias de surpresas.
Camilo disse que até cogitava entrar na nossa universidade, quem
sabe no próximo ano. Mas eu logo notei o que estava acontecendo:
Camilo não estava interessado na nossa universidade ou na nossa Ordem
e sim em Fernanda.
Eu achei isso tão lindo que resolvi convidá-lo para ser membro
mesmo assim. A própria Celeste só havia se matriculado num curso de
extensão. Camilo poderia fazer o mesmo.
Mandamos fazer vestes de cavalheiro para ele, na cor rosa. Ficaram
lindas! Ele já era um verdadeiro gentleman e ficou ainda mais pomposo
naqueles trajes elegantes. Eu já sabia que homens ficavam um arraso em
rosa, mas Camilo se superou.
– Gostaria que eu lhe passasse o bule de chá, madame? – perguntou
Camilo.
– Ora, eu aceito sim, muito obrigada – sorriu Fernanda.
Eu só sorria com aquelas cenas bonitinhas. Eles eram um casal
perfeito! Tinham que ficar juntos logo!
Tentei falar com Fernanda sobre isso um dia, reservadamente, mas
ela desconversou. Camilo ficou sabendo e veio falar comigo.
– Não se preocupe – ele disse – ela passou por uma experiência ruim
recentemente. Precisa de um tempo. Eu entendo isso. Vou esperar.
Quem não gostou muito de ver Camilo na nossa Ordem foi o mestre
da Coroa & Reino. Ao verem um homem na nossa sociedade secreta,
alguns rapazes se sentiram encorajados a pedir permissão de admissão.
Inclusive, mais um dos membros da C&R saiu de lá para vir para a MAS.
“Toma isso, Coroa”. Eu me sentia vitoriosa.
Todas as garotas da MAS simplesmente adoraram Camilo e o
respeitavam muito. Ele era um cara super divertido. E, putz: como era

160
A Gata Mascarada - Volume 2

inteligente! Eu estava descobrindo aquilo apenas recentemente, pois no


começo ele escondeu a inteligência para dar lugar à gentileza.
– Como você contataria uma entidade? – perguntei.
– Com uma isca – respondeu Camilo – evocação é como pescar. Não
basta ter mãos firmes para aguentar o peso do peixe. A isca precisa ser
deliciosa e muito bem posicionada no anzol.
– Como isso se aplica ao mundo dos espíritos?
– Os magos geralmente se focam no fortalecimento mental pré-
cerimonial, e na construção de um elaborado círculo arcano. Mas isso
não basta. É preciso bolar uma estratégia. Montar um círculo e um
triângulo é clássico. Por que não explorar outras formas geométricas?
Tente usar pelo menos quatro selos. Estabeleça uma emoção como o
princípio passivo e outra como o princípio ativo. Os mais exagerados
tentariam traçar toda a Árvore da Vida no chão e usar cada uma das
sephiroth como círculos. Eu já vi um maluco fazer isso.
– Deu certo?
– Eu não sou muito dessa linha. Eu não acho que cabala seja a última
bolacha do pacote e a peça do quebra-cabeça que resolve todos os
enigmas. Um dia um povo de certa época bolou esse sistema. Por que ele
seria mais efetivo do que um sistema que o grupo dessa mesa, por
exemplo, bolar agora? Alguns podem argumentar: “nosso grupo não
possui conhecimento suficiente para a montagem de um sistema
complexo, forte e correto”. Mas nenhum povo de nenhuma época
possuía o conhecimento de todos os sistemas possíveis. Eles apenas
utilizam fórmulas semelhantes para inebriar a mente. Por que basear toda
a sua força mágica no amarelo se existem tantas outras cores que podem
ser testadas e recombinadas? Você pode até achar uma forma de explicar
que todas as outras cores estão contidas no amarelo, dependendo da luz
que você joga. Mas não é o mesmo com outras cores? Com outras luzes
e mundos? Há tantos olhos. Os nossos não são os únicos que enxergam
a verdade. Mapas do caminho podem te levar a um objetivo. Mas
diferentes cartógrafos desenham mapas diversos. É a mesma paisagem,
mas eles reproduzem do seu jeito, como um pintor. E nenhuma pintura
está mais correta que a outra. É apenas a beleza pura.
“Queria que o Demian tivesse ouvido isso”, pensei. Como eu queria
que ele e Demian conversassem! Eu adoraria ver Demian embaraçado e

161
Juliana Duarte

enredado na linha de seu próprio raciocínio lógico. Camilo poderia ser


capaz de gerar isso, com toda a sua gentileza e perspicácia.
Confesso que até mesmo eu senti uma quedinha por Camilo. O
sorriso dele era grande e caloroso. Como Fernanda era sortuda!
“Eu já tenho meu Mimi. Não tenho do que reclamar” pensei,
contente.
Um dia eu voltava da minha aula com meu lindo vestido verde
quadriculado. A franja presa com uma presilha verde escura, para
combinar. E vi o Demian ali perto, agachado no chão.
– Ei! Tava me esperando?
– Sim. Gostaria de conversar. Tem um tempo?
– Pra ti sempre tenho tempo, meu bolinho – garanti – vamos comer
alguma coisa.
Entramos num barzinho da universidade e pedimos sanduíches.
– Quem é aquele novo membro da sua Ordem? – Demian foi logo
perguntando, assim que nos sentamos – Você sempre fica toda alegrinha
e aos risos conversando com ele.
– É o Camilo – respondi – ele treinou o cara que treinou a vice da
MAS.
– Eu sei porque você gostou dele. Ele é meio mulato. Foi por isso
que você me levou para torrar na praia naquele dia, hã?
– Hein? Nada a ver! Não viaja, meu filho. O Camilo é legal porque é
gentil e divertido. Mas não se preocupe: ele está completamente
apaixonado pela Fernanda.
– Se é esse o caso...
Ele deixou o assunto de lado e voltou a comer seu sanduíche. Eu
apenas o observava com um sorrisinho.
– Por que você sempre fica me observando quando como?
– Porque acho bonitinho – respondi – você se suja todo.
– Você também fica bonitinha comendo.
– Mesmo? – perguntei, feliz.
E comecei a fazer expressões fofinhas enquanto comia. Demian
também deu um sorriso e enfiou a língua no sanduíche. Eu morri de rir
da cara dele.
– Bobo – eu disse.

162
A Gata Mascarada - Volume 2

– Sabe... acho que precisamos de mais momentos assim. Só relaxar e


comer, falando de qualquer coisa. Tempo juntos como namorados. Eu
ando super envolvido com minha faculdade e com minha Ordem. A
mesma coisa você. Estamos nos vendo pouco por causa de tudo isso.
– É a vida.
– Nós fazemos a nossa vida. Por que não unimos as Ordens?
– Porque estamos em guerra! – expliquei.
– Eu já disse que não quero me envolver com sua briga com a Coroa
& Reino.
– Então não se una a mim, ou vai acabar se envolvendo.
No dia seguinte, Camilo me contou que o mestre da C&R tinha ido
conversar com ele.
– O nome dele é Felipe. Estava tentando me convencer a entrar pra
Ordem deles. Eu disse que não estava interessado.
– Bem feito pra eles. Por que estão te visando?
Camilo deu de ombros.
– Ele disse que leu meu livro.
– Você tem um livro publicado?! – perguntei, boquiaberta.
– Sim, de ocultismo – respondeu Camilo – é um livro bem curto e
meio ruim. Escrevi com 18. Não concordo com um monte de coisas que
eu disse por lá. Mas parece que ele curtiu.
– Quero ler esse livro!
Nem Fernanda sabia daquilo. Eu e ela íamos iniciar uma caça para
encontrar esse livro em algum lugar.
– Por quê? – riu Camilo – Tenho alguns exemplares em casa. Dou
pra vocês.
– Quero um autógrafo – disse Fernanda.
– Só se eu ganhar o seu também.
Ai, que invejinha daqueles dois... eu e o Mimi só vivíamos brigando!
O livro que Camilo escreveu era bem esquisito. Ele usava linguagem
rebuscada demais. Não entendi vários trechos. Mas o que eu entendi
soou interessante. Eu o achei mais inteligente ainda depois de ler aquilo,
exatamente porque não entendi quase nada.
– Eu era muito metido quando escrevi isso – justificou Camilo – se
eu fosse escrever um livro nos dias de hoje, eu tentaria ser o mais claro
possível e não obscuro.

163
Juliana Duarte

Quando Demian soube que li um livro escrito por Camilo, ele não
gostou.
– Eu já escrevi um monte de livros. Dezenas! – disse Demian – Você
nunca leu. Nenhum. Sempre disse que tinha preguiça.
– Ah, mas você escreve de forma muito chata. Eu durmo quando
tento ler.
– Aposto que você só leu o livro dele porque foi publicado – disse
Demian – hoje em dia qualquer um pode pagar para publicar um livro
numa editora pequena. Não é só porque o livro existe em papel que ele é
melhor. A qualquer momento posso ir numa gráfica e mandar
encadernar os meus. Se eu tivesse grana pra isso...
Mas Demian ficou curiosíssimo para saber que livro misterioso era
esse que até eu tinha aguentado ler até o fim. Ele me pediu emprestado.
E ficou ainda mais alterado quando terminou a leitura.
– Preciso conversar com esse cara – disse Demian.
– Você gostou? – perguntei, admirada.
– Não. Odiei. Discordo de 100% do que foi dito. Quero dar a ele
bons argumentos para refutar cada frase.
Aquilo seria divertido. O momento teve plateia. O pessoal da MAS e
da OAAL foi assistir.
– Então você é o autor? Muito bem – começou Demian, folheando o
livro – Vamos começar com a primeira frase. Irei dar-lhe argumentos
convincentes para que você desista dela.
– Não se preocupe – disse Camilo – eu não concordo mais com nada
do que eu disse nesse livro. Está repleto de falsos silogismos e paradoxos.
Não precisa apontá-los. Conheço cada um deles.
Demian ficou sem fala. Devolveu o livro para Camilo.
– Talvez tenha uma ou duas frases que valem a pena – comentou
Demian.
– Obrigado – sorriu Camilo – fico feliz de saber que sua leitura não
foi em vão.
Demian desistiu de discutir com ele. Foi embora de lá.
– Odeio pessoas assim – Demian me disse – mas o Senhor as vê com
bons olhos.
– Você se refere à gentileza dele?

164
A Gata Mascarada - Volume 2

– Não sei. Tem algo nele que me faz perder a vontade de discutir. Eu
sinto que ele não compraria nenhuma das minhas brigas, por mais que eu
tentasse. Não tem graça debater assim.
“Camilo você é foda. Fez Demian desistir da discussão”. Mas
Demian tinha razão. Camilo provavelmente acharia maravilhoso todos
os pontos que Demian levantasse e concordaria com eles. Então o
objetivo da discussão se perderia.
Fui ao laboratório de informática checar a internet. Levei um susto
quando li no blog da Coroa & Reino um monte de ofensas gratuitas à
nossa “Ordem rosa cheia de fru-frus”.
Eu rebati. Escrevi no blog da MAS críticas gratuitas à C&R.
“Que autoridade tem a líder da MAS para proclamar-se uma
entendida na filosofia oculta?” escreveu Felipe, também conhecido como
o Rei Vermelho.
Acabei revelando que eu era membro da Flolan. Pouco tempo depois,
a procura por informações da Flolan cresceu assustadoramente.
Houve uma grande confusão. Alguns diziam que a Flolan só podia
ser uma Ordem ruim, por ter gerado uma líder tão superficial. E outros
estavam doidinhos pra ter mais informações sobre a Ordem da Flor e da
Lança, porque queriam conhecer o “mestre da mestra da MAS”.
E quando souberam que a Sancha nos fazia algumas visitas, aquilo se
tornou um alvoroço. A ODE era famosa nessa época. E sabe o que eu
fiz para provocá-los ainda mais? Divulguei a primeira página do grimório
secreto da AMV no meu blog.
Aquilo foi o bastante para emputecer os satanistas fanáticos da OCB.
Alguns me ameaçaram de morte. Valentina me contatou, completamente
puta.
– Se algum membro da Ordo Coma Berenices descobrir que você
teve acesso aos grimórios por mim, eu evoco um príncipe infernal para
comer sua buceta!! – gritou Valentina, pelo telefone.
– Pode mandar, meu bem – respondi – Vou adorar ser comida por
um capeta com chifres bem grandes e um cacete pulsante e vermelho!
Queridaaaa!
E bati o telefone na cara dela. Demian estava ao meu lado.
– Nhawn – miei – quer pudim?

165
Juliana Duarte

– Não, eu quero ficar bem longe de você – disse Demian, fazendo o


sinal da cruz.
Acho que arrumei alguns problemas para Gregório. Ele me ligou,
perguntando porque havia recebido mais de cinquenta e-mails numa só
noite, enviados por curiosos da minha universidade.
– Ah, é porque nossas sociedades secretas estão brigando como putas
loucas – respondi – e adivinha só: estou grávida! Talvez você seja o pai.
– O quê?!
– Mestre, se está tão surpreso, devia ter pensado duas vezes antes de
me possuir.
– Mas foi você quem avançou em mim enquanto eu estava
embriagado.
– Não foi mesmo? Hi, hi, hi.
– Ofélia, por favor. Não brinque com isso. É um ser humano.
– Achei que ia ficar feliz...
– Você sabe que estou namorando agora. Como eu poderia ficar feliz
com isso?
Gregório havia arranjado uma nova namorada poucas semanas
depois de transarmos. Ele era mesmo um partidão. Daqueles que não
ficam solteiros por muito tempo, porque sempre tem uma mina gostosa
o desejando. E a mina dessa vez... santo Diabo! Era um furacão. Uma
negra alta e poderosa, ex-colega de Gregório. Ela me lembrava um
pouco a Griselda. Exceto pelo fato de que era mais esquentada. Ela
estava ao lado do Gregório enquanto ele conversava comigo e pegou o
telefone da mão dele.
– Ofélia, certo? É melhor ficar bem longe do meu homem. Eu ainda
permito que continue como membro da Flolan, mas na primeira
gracinha que tentar, te jogo pra fora.
E ela desligou. Confesso que fiquei um pouco intimidada. Demian
escutou tudo.
– Gostei da nova namorada do Gregório – observou Demian – ela
tem fibra. E é bem decidida.
– Eu sou assim também.
– Mas para outras coisas. Não pra me defender.
– Corta essa!

166
A Gata Mascarada - Volume 2

Mas Gregório ficou tão alterado com a bagunça que fiz, incluindo
minha gravidez e a briga das Ordens, que chamou até o Alan para visitar
a sede. Estavam todos insanos na internet, espalhando boatos loucos. Eu
não sabia se Alan tinha a solução mágica que resolveria todos os
problemas, mas não duvidei que ele daria bons conselhos. Ninguém
duvidava.
O que eu não esperava era que ele fosse trazer um diabinho junto
com ele.
Maximiliano era filho de Alan. O pirralhinho tinha só doze anos e me
pediu em casamento! Como ele se atrevia?
Tive que rir da cara dele. Não sei como aguentei escutar o discurso
dele por tanto tempo. Fiz cara feia. Eu me irritei. Mandei-o longe.
– Espere, Ofélia...!
Dei-lhe o dedo e saí de lá.
Era só o que faltava. Além de todos os problemas que eu já tinha.
– “Eu não sou mais virgem. Sou superior a você” – relatei a Demian
as frases escrotas do pivetinho – Dá pra acreditar que ele soltou essa?
– Deixe-o para lá – sugeriu Demian – crianças são assim mesmo.
– E não foi você que chegou na Flolan com 18, dizendo que era
melhor que todos?
– Eu não! – defendeu-se Demian – Eu provava a validade dos meus
argumentos nos debates. Eu não chegava do nada proclamando coisas
assim, como um idiota.
– Sei – falei, duvidando – mas você realmente melhorou nos últimos
anos.
– É óbvio. Minha religião ressalta a importância da humildade.
Imagina se não ressaltasse... Ignorei-o. Aquele dia na Flolan havia
sido apenas uma ocasião irritante. O filho do Alan voltaria para sua
cidade e fingiríamos que aquela cena patética não havia ocorrido.
Fui para a aula no dia seguinte. Afinal, eu ainda precisava fazer as
disciplinas da pedagogia além de cuidar dos deveres da minha Ordem.
Usei uma roupa toda chiquezinha: vestido cinza com meia-calça
rasgada, porque eu tinha estilo. Além de óculos escuros, baby. Combinei
de sair pro shopping com minhas colegas depois daquela aula, já que era
sexta-feira.
Saímos da aula rindo.

167
Juliana Duarte

– Aquela professora é uma vaca.


– Totalmente! – exclamei – “Não se esqueçam dos deveres pra
segunda, queridas”. É uma vadia.
Para a minha surpresa, havia um garoto encostado na parede, do lado
da minha sala. Ele escutava tudo o que dizíamos e nos observava com
atenção.
Usava uma bermuda jeans e tênis coloridos. Uma camiseta verde e
um boné cinza. Ele estava sentado sobre um skate. Certamente não era
aluno da universidade. Quando prestei mais atenção, reconheci-o.
– Vão na frente, garotas – avisei minhas amigas – eu já alcanço vocês.
Abaixei-me para observá-lo. Dei um sorrisinho.
– Max, é você?
– Então você se lembra do meu nome, Ofélia Alvarenga Castelo.
– Está perdido? Esperando alguém? Pensei que já tinha voltado para
Pernambuco.
– Não mais. Matriculei-me num colégio de Brasília, que por acaso fica
nas redondezas.
– E por acaso você está na minha universidade, ao lado da minha sala.
Por quê?
– Essa universidade não é sua – retrucou o menino – e nem essa sala.
Você apenas aluga esse local com o pagamento da mensalidade.
Ele queria me fazer de boba? Pois eu não iria permitir.
– Você se acha muito esperto, hã?
– Eu não me acho. Eu sou esperto. E posso provar.
Ele me entregou uma folha de caderno com uma lista gigantesca.
– Essa é a lista de todos os livros de ocultismo que já li – explicou
Max – fora os que esqueci-me de registrar.
A folha estava preenchida frente e verso. Era realmente
surpreendente. Chequei os títulos. Eu havia lido pouquíssimos deles.
Reconheci uns cinco títulos que eu devo ter lido com uns 14 ou 15 anos
e mais uns dez dos quais eu já tinha ouvido falar.
– Parabéns – eu disse a ele, devolvendo-lhe a lista.
– Impressionada?
– Qualquer um que tenha tempo e disposição pode ler livros e repeti-
los como um papagaio – observei – quero ver você escrever um.

168
A Gata Mascarada - Volume 2

– O seu comentário foi superficial. É difícil ler um livro complexo


com atenção, entender e ponderar sobre o que é dito.
– Duvido que seu cérebro tivesse capacidade pra isso alguns anos
atrás.
– E sua outra observação tampouco tem validade. Muitas pessoas
escrevem livros ruins. Não é preciso muito cérebro para montar frases e
parágrafos. Com uns sete ou oito anos já somos capazes de fazer isso
com sucesso.
– De qualquer forma, apenas ler livros não é suficiente para um
ocultista – retruquei – se pensa que vai me deixar admirada por ser um
rato de biblioteca, desista dessa ideia. O meu namorado certamente já leu
muito mais livros que você. E escreveu livros também.
– Eu nunca escrevi um livro inteiro – confessou Max – mas já possuo
uma base forte para isso. Também possuo em mim o aspecto empírico.
Observe.
Ele sentou-se na posição de lótus. Sequer precisou segurar as pernas
com as mãos para isso, tamanha a facilidade que tinha.
– Vai precisar fazer muito mais que isso se quiser me impressionar –
observei.
– Eu não estou interessado em impressioná-la, senhorita. Estou
apenas estendendo nossa conversa e mantendo-a distraída para que eu
possa observar por mais tempo o seu decote.
Eu gelei. Não podia acreditar que ele havia me enganado.
O riso irônico sumiu do meu rosto. Fiquei séria. Segurei-o pela orelha
e fiz com que ele ficasse de pé.
– Que tal você sumir da minha frente e não desperdiçar mais meu
tempo?
– Você vai apenas sair com suas colegas inferiores – disse Max – é
evidente que seu tempo será mais bem utilizado dialogando com um
expert em magia como eu. É uma oportunidade única.
– Fica quieto. Elas são minhas amigas. E sabe o que você é para mim?
Nada.
Eu o soltei.
– Virei visitá-la novamente amanhã após a sua aula de Psicologia da
Educação – informou Max – a propósito: adorei o seu sutiã roxo. Eu me
pergunto se está combinando com a calcinha.

169
Juliana Duarte

E antes que eu pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, ele saiu


disparado com o skate. Ele sabia que tinha dito o que não devia. Pivete
nojento.
Normalmente eu ficaria lisonjeada ao receber uma cantada de um
cara gostoso. Nas minhas épocas de solteira, quando eu via um cara
olhando pra minha bunda, eu empinava ainda mais o traseiro, como se
dissesse: “Veja tudo, meu amor!” e torcia para que ele continuasse me
paquerando e me comesse bem forte.
Mas... aquele pivetinho tinha doze anos! Puta que pariu. Se eu mesma
tivesse doze, talvez lhe desse uma chance. Se bem que mesmo nessa
idade eu já visava os rapazes mais velhos, que pareciam muito mais
gostosos e poderosos...
Ora, eu ainda era desse jeito. Quando eu tivesse sessenta anos eu
estaria visando os velhinhos de oitenta, há, há.
Espera... não! Aos sessenta eu estaria apertando a bunda do meu
Mimi de sessenta e dois. Eu o encheria de Viagra e chuparia seu pau bem
forte para que levantasse. E, depois de nos esforçarmos muito, teríamos
um mágico momento de prazer.
Passei o resto do dia cheia de coraçõezinhos, imaginando um Demian
maduro com sessenta e dois anos, cada vez mais gostosão.
Foi maravilhoso sair com minhas colegas naquela tarde, pois
ultimamente eu só estava dando atenção aos membros da MAS. Era
muito bom esquecer tudo por um momento e apenas curtir.
No final da minha aula de Psicologia da Educação no sábado, não vi
Max. Fiquei aliviada. Achei que ele tivesse decorado todo o meu horário.
Ele devia ter se esquecido de ir. Ainda bem. Eu não tinha mais nada pra
conversar com ele.
Comprei uma Coca na vendinha ali perto e me sentei numa mesa.
Abri meu caderno e verifiquei quais seriam as aulas de segunda, e se
havia algum dever de casa para uma delas.
– Que aluna aplicada. Nem parece você.
Era Demian, que me fitava de pé.
– Docinho! – exclamei, contente, estendendo os braços.
Trocamos um beijo e um abraço.
– Esse vestido é novo? – perguntou Demian – Não me lembro de ter
te visto com ele antes.

170
A Gata Mascarada - Volume 2

– Sim, novinho. Comprei ontem quando saí com as meninas. Eu


queria estar linda pra você hoje!
– Eu adorei.
– Sei porque – dei um sorriso malicioso.
O vestido tinha um decote generoso. Fiz de propósito, só para
provocar Demian. Eu torcia para que fôssemos para a cama até o fim do
dia.
– Olha, eu tenho que passar rapidinho no prédio da teologia – ele
avisou – só vou tirar um xerox. Nos encontramos aqui mesmo?
– Isso – confirmei – vem me buscar aqui. Vou te esperar.
Segurei na mão dele antes que Demian saísse de novo.
Voltei meus olhos para o caderno outra vez. Tomei mais um gole de
Coca. Até que chegou alguém correndo e sentou-se na mesma mesa que
eu, diante de mim. Estava com headphone no pescoço e uma mochila
nas costas.
– Desculpe pelo atraso – disse Max – a professora nos segurou até
não poder mais na última aula de hoje.
– Por que pediu desculpas? Eu não estava esperando por você – eu
disse, sem levantar os olhos do caderno.
– E o que está fazendo aqui ainda?
– Não te interessa!
Era meio irritante que ele tivesse que ficar informado sobre cada
passo que eu dava.
Eu nem olhava para ele enquanto respondia, para deixar claro que eu
não estava a fim de conversar.
– Você está de TPM?
Dessa vez eu tive que fitá-lo. E foi com uma expressão de desagrado.
– Eu estou grávida, idiota. Até você sabe disso. Então por que raios
eu estaria de TPM se não estou menstruando?
Voltei os olhos para o caderno.
– Babaca... – murmurei, enquanto fazia uma anotação.
– Eu estou vendo tudo.
– O quê?
– Seus peitos.
Eu levantei um pouco mais o vestido.
– Saia daqui.

171
Juliana Duarte

Porém, ele não me obedeceu. Por isso, eu mesma me levantei. Joguei


fora a garrafa vazia de Coca e comprei um sorvete. Sentei num banco,
impaciente porque Demian não chegava logo.
Max sentou-se ao meu lado.
– Cara... você já não notou que é um pé no saco? Se tem algo a me
dizer, fale de uma vez. E depois suma. Eu não tenho paciência com
crianças.
– Curioso essa sentença vir de uma mulher grávida.
Ele desenrolou algo que estava por baixo de um pedaço de pano
preto. Era uma grande espada cerimonial negra. Eu fiquei maravilhada.
– Tem fio?
– Bem pouco. Um conhecido de Benjamin forjou pra mim.
“E você levou essa espada enorme pro colégio?” perguntei-me, já
adivinhando a resposta.
– Quem é Benjamin?
– Você não sabe de nada mesmo. Ele foi o mestre de Dalila, minha
mãe. Que foi o mestre do meu pai. Você devia saber dessas coisas.
– Essa camiseta que você está usando – observei – isso é um círculo
arcano?
– Exato. Gostou?
– Uhum – confirmei.
Eu estava distraída olhando o desenho da camiseta dele e o sorvete
que estava na colher caiu na base do meu pescoço. Escorregou entre os
meus seios e quase entrou no sutiã. Para impedir que isso acontecesse,
tirei o sorvete do meu peito com o dedo. Coloquei o indicador na boca e
chupei-o.
Max observou tudo, com a máxima atenção. Ele estava lambendo os
lábios.
Eu senti uma sensação ruim ao notar que ele estava olhando. Eu não
queria ser desejada por uma criança! Aquilo era o fim da picada. Eu
estava decaindo tanto assim?
Pensando bem, era melhor que o pessoal da universidade não me
visse conversando com um pirralho. Não pegava bem pra minha
reputação. Mas como eu ia fugir dele?
– Ofélia, você está...
– Cuidado com o que vai dizer – avisei.

172
A Gata Mascarada - Volume 2

– Está com o mesmo sutiã de ontem, o roxo – ele completou – eu


queria vê-lo melhor. Poderia se inclinar um pouco para frente?
– Vai se foder. Vou embora.
Abaixei-me para recolher minha bolsa. Mas meu vestido era curto.
Quando fiz isso, vi que Max abaixou-se para olhar minha calcinha.
– Branca – constatou ele – não combina com o sutiã.
Eu não tenho palavras para explicar o quanto fiquei puta. Perdi a
compostura e meti a bolsa na cara dele.
– Vai tomar no cu! – gritei – Desapareça, pivete!!
E ele saiu de lá rapidinho. Eu ainda estava de pé, respirando rápido
de raiva com a bolsa na mão, quando Demian voltou.
– Por que não veio antes?! – perguntei, irada – Você demorou
demais!!
– O que aconteceu?
– O Max estava aqui! E fez um monte de comentários pervertidos.
– Por favor, Ofélia. Por que está se estressando com a criancinha? E
eu pensei que ele já tinha ido embora.
– Não, ele se matriculou num colégio perto daqui! Acredita? Não sei
o que ele pretende.
– Crianças nessa idade gostam de falar de sexo porque se sentem
adultas fazendo isso. Deixe-o para lá. Se der atenção, só irá incentivá-lo.
– Mas... argh!! Ele está me irritando!
Eu fiquei tão puta que nem me sentia no clima para meu encontro
romântico. Mas resolvi deixar pra lá. Duvidei muito que Max fosse voltar
na segunda depois de eu golpeá-lo com a bolsa.
Combinei com minhas colegas de novo. Dessa vez seria um encontro
para dançar.
Fui com as meninas da pedagogia até o estacionamento. Amanda,
uma loira gostosa que vinha se tornando uma super amiga minha, dirigia.
Ela colocou para tocar no rádio do carro “Shut Up And Drive” da
Rihanna. Enquanto isso, nós rebolávamos lá fora e nos esfregávamos no
carro, ao ritmo da música, imitando as mocinhas do clipe. Natália, outra
colega minha, tirava fotos e filmava. Todas nós ríamos, nos divertindo a
valer. Nos sentíamos poderosas e gostosas.
– Esse shortinho que tô usando quase mostra minha alma! –
exclamou Milena.

173
Juliana Duarte

E todas demos gritinhos. Eu não tinha ido de short, mas usava uma
calça jeans negra bem coladinha. Uma blusa branca e sapatos baixos. Eu
requebrei bastante, balançando a bunda ao ritmo da música. Remexia o
corpo inteiro, suspirando e me esfregando no carro com as outras
meninas.
Foi então que eu o vi. Max nem se deu ao trabalho de se esconder.
Estava sentado num banco muito perto de nós, com o celular na mão.
Devia estar gravando ou fotografando.
Eu fiquei possessa. Parei de dançar no mesmo instante. Avisei para as
meninas que eu já voltava.
Quando Max viu que eu olhei na direção dele, saiu correndo. Mas eu
o persegui. Segurei-o pelo braço e tirei o celular da mão dele.
– Apague isso! – mandei – Mas que história é essa? Você está me
perseguindo?!
– Beatles – ele leu na minha camiseta.
– Você gosta? – perguntei, desconfiada.
– Sim.
– Qual a sua música preferida deles? – desafiei-o.
– Imagine all the people – respondeu Max, prontamente.
“Ele não sabe de nada”. Além de mencionar uma música conhecida,
tinha dito o nome errado.
– É “Imagine” – corrigi – e essa é uma música da carreira solo do
John Lennon.
– Entendo.
Ele tinha conseguido o que queria. Distraiu-me com aquela conversa
e apaziguou minha raiva. Ele era bom nisso, pois assim que eu o vi me
filmando senti vontade de bater nele.
– Mas você gosta mais do David Bowie do que dos Beatles –
observou Max – sua música favorita do Bowie é “Station to Station”.
– Como diabos você sabe disso?
– Eu sei tudo sobre você, Ofélia. Os seus fetiches sexuais são até
bem comuns. Você é completamente tarada por sexo oral.
Particularmente, você ama fazer um boquete. É uma das coisas que mais
te excita no sexo: ver o cara gemendo quando você o chupa. Mas você
também curte sexo ao ar livre e em lugares inusitados, embora seu

174
A Gata Mascarada - Volume 2

namorado seja fresco demais para satisfazer suas fantasias. E sabe quais
são as minhas fantasias?
– Eu não quero saber disso!
– Eu tenho a fantasia de fazer sexo com mulheres menstruadas. E...
grávidas. É sério. Não estou dizendo isso apenas pela sua situação. É a
mais pura verdade. Você poderá conferir que postei sobre isso em
fóruns há mais de dois anos.
– Está me ameaçando? Olha só como estou com medo de você –
fingi tremer as mãos, para zombar dele – cretino.
– Posso sentir a sua barriga? Não está muito grande ainda, mas já
aparece um pouquinho...
– Não vai sentir nada! Agora escute aqui: se eu te ver mais uma vez
aqui na universidade, eu vou ligar pro seu pai. E ele vai vir te buscar,
ouviu bem?
– Olha só como estou com medo da sua ameaça – ele também fingiu
tremer as mãos, da mesma forma que eu fiz.
Tentou recuperar seu celular, mas eu não permiti.
– Tanto faz – ele disse – assim fica até mais fácil de eu rastreá-la.
E ele saiu.
Liguei o celular dele. Apaguei as fotos que ele tirou da minha dança.
Mas meu queixo caiu quando eu vi mais de cem fotos minhas naquele
celular. Fotos da internet. Algumas que eu nem lembrava mais que
existiam. Nem sabia que ainda estavam rodando na rede.
Eu apaguei todas elas. Pensei em contar aquele absurdo para o
Demian. Mas resolvi não preocupá-lo com essa besteira. Ele apenas ia
caçoar de mim por eu estar me irritando com o pirralhinho. Eu devia
apenas ignorá-lo. Fingir que ele não existia. Por que eu ainda dava papo
pra ele? Eu era retardada?
No começo, pensei em respeitá-lo um pouco apenas por ele ser o
filho do Alan. Mas aquilo já não me interessava mais. Alan precisava dar
limites para o filho. As coisas não podiam continuar daquela forma, ou
depois que Max enjoasse de me perseguir, começaria a fazer a mesma
coisa com outra menina. Seria ainda mais problemático, pois pelo menos
eu sabia me defender. Uma garota da idade dele seria ingênua e ficaria
confusa com as investidas dele.

175
Juliana Duarte

O próprio Max era uma pessoa confusa. Embora dissesse que


gostava de mim, no fundo só queria encher meu saco. Ele sabia que me
aborrecia fazendo essas coisas. Por isso mesmo saía correndo depois.
Em vez de agir como um menino apaixonado normal, me dando poemas
e flores, ele partia para o outro lado.
Será que ele fazia isso porque sabia que eu adorava sexo? Então ele
estava tentando chamar minha atenção falando e fazendo todas essas
coisas. Ele nem tinha maturidade suficiente ainda pra agir daquela forma.
Devia ter perdido a virgindade só pra me impressionar também.
Mas eu apenas esqueci tudo isso, pois haveria chá da MAS pela tarde.
Se Max estava ao redor observando, devia estar bem escondido, pois eu
não o localizei. Ele sabia que eu o mataria se o visse por perto.
No final do encontro, após a última aula do Demian, eu e ele nos
encontramos.
– Mimi, não trepamos ontem – falei, aos pulinhos – quero te comer
agora!
– Quer ir para o meu dormitório?
– Você não entende! Não vou aguentar chegar lá. Eu preciso... te
chupar...
Coloquei a mão em cima do pau dele. Demian também já estava
cheio de desejo. Eu o peguei pela mão e o levei para um local mais
reservado da universidade, atrás de um prédio.
Eu o joguei no chão. Pulei para cima dele e comecei a desabotoar seu
jeans.
– Nossa, que desespero...!
– Desesperada de desejo por ti, meu homem gostoso...
Eu baixei a calça e a cueca dele, colocando o cacete e o saco pra fora.
Lambi aquele caralho e o meti inteiro na boca.
Porém, eu parei no meio. Tirei a boca. Tinha escutado alguma coisa.
Olhei ao redor.
– Eu não acredito! – exclamei, com raiva.
Limpei os lábios com a mão. Max estava bem perto, escondido.
Vendo tudo.
Dessa vez Demian se irritou mais que eu.
– Puta que pariu!

176
A Gata Mascarada - Volume 2

Era raro Demian falar palavrão. Então ele devia estar puto de
verdade.
Ele nem levantou as calças. Apenas deu alguns passos e segurou o
garoto pela blusa.
– O que você quer aqui, seu bostinha?
– Seu pau é maior que o meu – observou Max, olhando.
– Isso é óbvio!
– Mas não é tão grande assim. Logo o meu vai atingir esse tamanho
também. E depois vai ficar muito maior.
Eu revirei os olhos. “Homens...”
Demian apenas jogou-o no chão.
– Que Deus tenha piedade da sua estupidez. O Senhor diz que é das
crianças o reino dos céus. Que Ele me dê sabedoria para compreender
esse difícil enigma.
– Por que você fala com as pessoas partindo do pressuposto de que
Deus existe, Demian Dantas Carvalho? Segundo a filosofia ocidental,
não é possível provar por argumentos lógicos nem a existência e nem a
inexistência de um Deus. E, convenhamos: o argumento ontológico de
Santo Anselmo é bastante fraco e se baseia numa falsa premissa.
Demian não foi capaz de pronunciar uma palavra nos segundos
seguintes.
– Como você sabe meu nome inteiro, infeliz?
– Porque você se envolveu com Ofélia Alvarenga Castelo. Se isso não
tivesse acontecido, eu garanto que sequer saberia da sua existência e ela
não faria a menor falta.
Demian puxou as calças e abotoou-as.
– Então você deve saber que sou da teologia e já estudei todos os
argumentos clássicos sobre a existência e a inexistência de Deus da
perspectiva filosófica. Porém, o curso de teologia não se baseia somente
na lógica, mas também na fé. Por isso, ele difere do curso de Ciência da
Religião, que possui foco estritamente acadêmico. Aqui na teologia nós
assistimos missas na igreja da universidade. Você sabia disso?
– Não.
– Oh! Eis que existe algo que o pequeno gênio não sabe – zombou
Demian – essa é a razão pela qual a maioria dos meus colegas são
seminaristas e não leigos. Mas se deseja continuar essa discussão mesmo

177
Juliana Duarte

assim, terei o maior prazer em lhe apresentar bons argumentos, com


base nas escrituras ou em textos acadêmicos.
– Agora entendi porque você gosta dele, Ofélia – comentou Max –
ele é mais inteligente do que parece.
– Não mude de assunto, peste – Demian segurou-o pelo braço – e
diga porque estava espiando enquanto eu transava com minha namorada.
Woa! Demian tinha entrado em seu modo de fúria e não sairia dele
tão cedo. Como posso dizer? Fiquei bastante orgulhosa por ele estar me
defendendo. Mesmo que fosse de um pirralhinho que eu mesma poderia
chutar longe a qualquer momento.
Max não disse nada.
– Ofélia, ligue para o Alan. Agora, se possível. Essa situação já passou
dos limites.
Eu peguei meu celular. Disquei o número do Alan.
– Chama e ninguém atende – informei.
Demian largou Max de novo.
– Amanhã tentamos outra vez – disse Demian – eu não sei o que
você está tramando, garoto. Mas eu sugiro que não vá longe demais. Eu
não gostaria de bater numa criança.
E as coisas terminaram por aí. Max foi embora, mas parecia
estranhamente feliz. Eu não gostei de ver a felicidade dele. Demian
também achou esquisito.
Acabamos indo para o dormitório de Demian para trepar. Mas tanto
eu quanto ele não conseguimos relaxar. Ainda estávamos pensando
sobre o recente episódio.
– Avise Gregório sobre isso na próxima reunião da Flolan – reforçou
Demian – o garoto está morando com ele, não é?
A única forma de nos livrarmos de Max era que o levassem de volta
para sua cidade. Ele era teimoso. Não queria simplesmente fundar uma
sociedade secreta em seu novo colégio e observar os acontecimentos da
nossa universidade quietamente pela internet. Aliás, ele parecia pouco
interessado nas nossas sociedades ultimamente. Já devia ter visto um de
nossos chás. Já tinha visto o grupinho com capas azuis que Demian
liderava e os posers de vermelho da Coroa & Reino. Após satisfazer sua
curiosidade, ele só queria me incomodar.

178
A Gata Mascarada - Volume 2

Depois da aula do dia seguinte, eu sentia-me exausta e estressada por


causa de todas aquelas situações. Eu estava em época de provas. Ainda
estava comprando briga pela internet e pela vida real com a Coroa &
Reino. Os satanistas da OCB estavam na minha cola. Max estava
enchendo o meu saco e também irritando as pessoas ao meu redor. E,
para completar, eu estava grávida. Era muita coisa de uma vez só.
Eu sabia que, além de tudo isso, Gregório e a galera da Flolan
estavam putos comigo por eu tê-los envolvido em nossa briguinha de
jovens universitários. Por isso mesmo eu não me sentia encorajada a
reclamar com Gregório sobre Max tão cedo. Capaz de ele dizer que
éramos iguais: só queríamos um motivo para esculhambar tudo.
Sentei-me na escadaria para estudar um pouco para minha próxima
prova. Eu lia, mas não conseguia prestar atenção. Minha cabeça estava
nas nuvens. Ou talvez no fogo, nos infernos...
Eu estava usando uma saia curta vermelha e uma blusa branca com
um decote em “v”. Toquei meus seios. Eles estavam aumentando cada
vez mais ultimamente, por causa da gravidez. Aquilo era divertido. E de
vez em quando escapava um pouquinho de leite dos meus mamilos,
especialmente quando eu apertava.
Minha barriga também já mostrava evidentes sinais de crescimento.
Em pouco tempo, não haveria mais como esconder e ninguém
desconfiaria que pudesse ser uma “Ofélia gordinha”, e sim uma Ofélia
grávida. Não importaria o quão largas fossem minhas blusas. Iam notar.
E minha máscara da MAS não teria mais muita utilidade. Embora fosse
um pouco assustador, uma parte de mim aguardava ansiosamente por
esse dia. Queria ver como eles iam reagir.
“O líder da Coroa & Reino vai me reconhecer. Minhas colegas vão
descobrir. E agora?”
Escutei um movimento ao meu lado. Fechei meu livro e fui ver o que
era.
Lá estava Max, no mesmo degrau da escadaria que eu. Olhando
minha calcinha de rendinhas por baixo da minha saia. Mas isso não foi o
pior.
Ele estava com a mão direita dentro da calça. Estava se masturbando.
Fazia aquilo na minha frente, sem nenhum esforço para esconder o fato.

179
Juliana Duarte

Ele fazia questão que eu visse que ele estava batendo uma pra mim. Ele
se orgulhava disso. Mordia os lábios, apertava os olhos e suspirava.
Eu já havia sido muito tolerante. Essa eu não ia deixar passar de graça.
Levantei-me. Fui até onde ele estava. Segurei-o pela blusa, colocando-
o de pé. Dei um tapa na cara dele.
– Moleque pervertido – rosnei – por que não vai bater uma pra sua
coleguinha sem peitos?
Mas quando eu dei o tapa, lágrimas rolaram dos olhos dele.
– Eu te amo – ele disse, baixinho.
E caiu no choro.
Confesso que senti um pouco de pena. Era só uma pobre criança
confusa, que estava recém começando a descobrir o que era amor. E que
estava sofrendo muito por amar. Eu estava sendo cruel demais
humilhando-o daquela forma? Mas ele não pediu por isso?
Sentei-me ao lado dele. Resolvi conversar com ele seriamente. Dizer
algo que eu já devia ter deixado claro desde a primeira vez que nos vimos.
– Max, não posso corresponder aos seus sentimentos. Eu tenho
namorado. Eu o amo. Por favor, entenda isso. Não vou deixar de amá-lo.
E mesmo se eu deixasse, se algo ruim acontecesse que fizesse com que
eu e Demian nos separássemos, eu não iria namorá-lo.
– Você não me quer só porque tenho doze anos – disse Max,
enxugando as lágrimas – você namoraria qualquer cara, contanto que
tivesse um pau. Você já escreveu isso num dos seus blogs.
– Eu não curto caras mais novos que eu. Não sei explicar o motivo.
Só não sinto tesão. E fim da história.
– Alfredo Oliveira Aguiar era quase dois anos mais novo que você.
Você entrou no colégio com um ano a mais que o de costume e por isso
sempre deve ter transado com caras com um ano a menos.
– Um ano é diferente de sete anos! – exclamei.
– Na idade em que estamos agora pode fazer diferença. Mas quando
eu tiver vinte e você vinte e sete, por que faria?
– Eu não quero saber de nada disso! – gritei, me irritando outra vez –
Eu só não gosto de você! Você é um pirralhinho metido e teimoso. Me
deixa em paz!

180
A Gata Mascarada - Volume 2

Ele estava prestes a cair no choro de novo. Porra. Será que eu teria
que lidar com isso quando tivesse meu filho? Eu suspeitava que iria me
estressar enormemente. Era melhor já ir treinando.
– Vamos fazer o seguinte, Max: se eu tiver uma filha menina, ela será
a sua esposa. Assim, ela terá um namorado maduro com 13 anos a mais
que ela. Que tal?
Eu só falei isso para calar a boca dele.
– Eu só quero você.
Quando ele disse isso, eu suspirei, sem paciência de continuar aquela
conversa. Era melhor eu ir embora logo. Talvez só palmadas
resolvessem mesmo. Eu ia deixar o trabalho sujo para o Alan e para a
Dalila.
Mas eu baixei a minha guarda nesse momento. Max me abraçou. Ele
enterrou o rosto no meio dos meus peitos!!
Eu dei-lhe um tapa na cabeça. Comecei a lhe dar tapas até que ele me
soltasse. E mesmo depois que ele me soltou, continuei batendo nele.
Max chorava, mas eu não parava.
– Filho da mãe, safado, vai à merda!!
Ainda bem que não tinha ninguém perto. Capaz de me xingarem ao
verem que eu estava espancando uma criança. Provavelmente seria assim
que eles veriam.
Até que eu parei de bater nele. Eu estava exausta. Meu braço já estava
doendo com os movimentos repetidos.
Max não estava mais chorando. Ele me fitava com uma expressão
séria. Seria raiva?
Eu iria embora. E assim que saísse de lá ligaria para Alan e para
Gregório. Se eu não conseguisse, tentaria contatar Dalila, Fábio, ou
qualquer pessoa que pudesse me colocar em contato urgentemente com
aqueles capazes de resolver aquela situação infeliz de uma vez por todas.
Porém, quando comecei a descer a escada precisei me apoiar no
corrimão. Eu estava passando mal. E não era somente o cansaço por ter
batido em Max.
Eu estava suando. Senti um calorão. E fiquei tonta.
Caí da escada. Saí rolando em alguns degraus até embaixo. Felizmente,
havia poucos degraus. Mas foi o suficiente para que eu me machucasse.

181
Juliana Duarte

Acho que até apaguei por alguns segundos. Eu havia desmaiado. E


continuava sentindo aquele mal estar. Enjoo. Tontura. Tudo junto. Seria
mal estar de gravidez? Ou porque Max me estressou a tal ponto que isso
refletiu diretamente em meu corpo?
Eu ainda não conseguia me levantar. Max aproximou-se de mim.
– Por favor, chame alguém – pedi, com o rosto suando – tô passando
mal...
Mas Max apenas me observava, sem mover um milímetro.
Foi então que eu percebi: “Max não vai chamar ninguém”.
Eu tinha acabado de bater nele. De humilhá-lo. De xingá-lo, de tratá-
lo mal de muitas formas. Por que ele me devia alguma ajuda?
Ele ia se aproveitar da situação para me punir. Eu não conseguiria me
defender. Eu lutava para não desmaiar.
Contudo, para a minha surpresa, Max saiu de lá e correu. Chamou
algumas garotas que estavam perto. Elas me ajudaram. Duas delas
colocaram meus braços em volta de seus ombros e de lá me carregaram
até o hospital da universidade.
Fui atendida rapidamente. Era só um mal estar. Ainda bem que eu
não havia quebrado nada com a queda da escada. Mas minha perna
esquerda e meu braço direito ainda doíam um pouco. Eu havia raspado o
cotovelo e saiu um pouco de sangue. Fora isso, eu estava bem.
Mandaram chamar Demian no prédio da teologia. Ele ainda não
havia chegado. Enquanto isso, Max entrou no meu quarto.
– Posso te fazer uma pergunta? Por que não usou os seus poderes
sobrenaturais naquela hora?
– Que hora? – perguntei, passando a mão na testa, ainda meio aérea.
– Quando você caiu. Em vez disso, me pediu ajuda.
– Ah, eu não sei. Deve ser porque eu confio em você.
Resolvi dizer aquilo para ver a reação dele.
– Não acho que esteja sendo sincera – concluiu Max, perspicazmente
– mas se isso é mesmo verdade, eu não acho que você deveria.
– Eu não deveria fazer o quê? – perguntei, sem entender.
– Confiar em mim.
– Por que não?
– Porque nem eu confio em mim mesmo.
Eu não entendi o que ele quis dizer com isso.

182
A Gata Mascarada - Volume 2

– De qualquer forma, obrigada por me ajudar – resolvi dizer, mesmo


que ele não merecesse meus agradecimentos.
– Quero algo em troca por ter feito isso. Você promete que não liga
pro meu pai?
Que situação. É claro que eu queria ligar para o pai dele. Era
imprescindível.
– Eu só não ligo se você parar de vir para minha universidade.
– Eu gostaria de ser um membro da MAS. Se me garantir isso, passo
a visitar sua universidade somente uma vez por semana, na ocasião dos
chás.
Por que eu deveria concordar com os termos dele? Só porque ele
tinha me ajudado? Me ajudar não seria o ato óbvio que qualquer pessoa
que estivesse comigo teria feito?
Mas se eu estivesse sozinha naquela hora, quem sabe o que poderia
ter acontecido. Eu teria ficado agonizando na escada por quanto tempo?
E se eu tivesse caído de mau jeito e ficado tão nervosa a ponto de perder
o bebê?
Engoli em seco. Talvez aquele menino tivesse mesmo salvado a vida
da minha criança. Que merda! Eu devia algo a ele.
– Combinado – forcei a mim mesma a dizer – mas, por favor, pare de
me perseguir. Comporte-se como uma pessoa normal.
– De acordo.
Eu não poderia prever o que aconteceria dali pra frente.
Quando Max foi embora, eu ainda aguardava a vinda de Demian. O
Mimi era sempre um lerdo. Onde ele estava na hora que eu precisava de
sua agradável companhia?
Ele demorou tanto que eu até fui liberada do hospital. Eu já me
sentia bem. Pude me levantar e ir embora.
Porém, assim que saí pela porta principal do hospital, uma pessoa me
aguardava. Alguém extremamente importante. Era a segunda vez que eu
o via. Eu tinha ouvido muitos boatos fantásticos sobre ele nos últimos
meses. Era um homem perigoso. Talvez um dos homens mais perigosos
que eu conhecia.
– Senhorita Ofélia? Creio que precisemos trocar algumas palavras. É
a respeito de certo material que a senhorita disponibilizou no seu blog.

183
Juliana Duarte

A primeira página do grimório de AMV. Aquilo era especial demais.


Importante e tentador.
Moisés Al Kalb al Rai, em pessoa, encarava-me com uma expressão
tão séria que senti meu corpo inteiro tremer. Era o cara que tinha
despedaçado o cadáver da antiga líder da OCB. De repente, Max parecia
meu menor problema.
“Eu tô fodida”.

184
A Gata Mascarada - Volume 2

Capítulo 4

Moisés continuava a me fitar com aquela expressão aterradora. Eu


não disse uma palavra. Sequer era capaz de olhar pra ele.
– Eu gosto quando olham nos meus olhos quando falo.
Dessa vez, senti-me forçada a encará-lo. Eu não pretendia deixá-lo
mais zangado do que ele já devia estar.
Eu não sabia tanto assim sobre ele. Só o básico. Já tinha transado
com Sancha. Tinha despedaçado AMV. Liderava a Ordem de satanismo
mais perigosa e polêmica de Brasília.
Mas, na boa, que tipo de pessoa ele era? Eu não saberia dizer. Eu
havia trocado apenas poucas palavras com ele naquele retiro conjunto
que fizemos, do qual participou a Flolan, a ODE e a OCB. Acho que eu
ainda estava no colégio. Volans ainda era viva. Olhando para trás, era
como se eu não o visse há um século.
Ah, mas ele se lembrava muito bem do meu rosto. Eu não tinha
mudado tanto assim. Continuava baixinha, com carinha de criança. E
extremamente atrevida.
– Não vai dizer nada? Estou desapontado. Você nega o que fez?
Finalmente, tomei coragem pra falar.
– Senhor al Rai... eu sinto muito. Quando fiz, não me dei conta das
consequências. O senhor... vai me punir?
Eu sabia que os membros da OCB realizavam torturas pesadas,
particularmente nas cerimônias de iniciação e passagem de grau. Eles só
o faziam porque recebiam a autorização do maluco que requisitou
admissão na Ordem. Mas eu já tinha ouvido falar de ex-membros que
foram punidos por divulgarem os grimórios.
E lá estava ele me olhando... me olhando, e me olhando. O que
estaria pensando?
Se ele pretendia me torturar, seria a coisa mais fácil do mundo. O cara
era alto e forte. E, raios, eu sabia que tinha feito merda roubando o
grimório e divulgando. No fundo, eu não acharia injusto uma punição,
mesmo que eu não fosse membro da Ordem dele. A maior parte das

185
Juliana Duarte

pessoas que eu conhecia estava associada a sociedades secretas de


ocultismo. Ninguém ia me defender naquela situação. A não ser que
pretendessem despertar ainda mais a ira do mestre da Ordo Coma
Berenices.
Eu não queria que as Ordens entrassem numa guerra insana de magia
e poder por minha causa! Era melhor eu aceitar quietamente a punição.
Decidi que não ia resistir. Eu não envolveria Demian, Gregório e o resto
do pessoal nisso. A culpa foi só minha, por ser uma idiota.
– Puni-la, você diz?
Moisés tirou os óculos e acendeu mais um cigarro. Eu aguardava em
silêncio o meu julgamento.
– Em primeiro lugar, eu quero que me diga como teve acesso aos
grimórios de 1º e 2º grau.
– Isso importa? – perguntei – Por que esses grimórios são secretos,
afinal? Não vi nada de mais lá.
Moisés soprou a fumaça. Seus olhos se estreitaram. Acho que eu
disse a coisa errada. Eu sentia meu coração quase saindo pela garganta.
Principalmente depois de sentir o cheiro do tabaco na minha cara.
Além de surrupiar os grimórios e divulgá-los, eu ainda me atrevia a
falar mal deles? Mas eu não merecia mesmo a punição mais dolorosa?
– É evidente que importa. Essa é talvez a questão mais importante
em jogo hoje. Pois quando eu souber quem te passou esses grimórios, o
membro será punido e expulso. Impreterivelmente.
Impreterivelmente, hã? Moisés parecia calmo. Como um assassino
frio que não altera sua face enquanto esfola viva sua presa.
– Além do mais, não cabe a você julgar a qualidade do nosso material.
Eu não dou a mínima para a sua opinião. Ela simplesmente não me
interessa. Não vim até aqui atrás de uma resenha. Mesmo que os
grimórios estivessem em branco ou houvesse uma só linha escrita, isso
não diminuiria o valor que atribuímos a eles. Se estabelecemos certo
grimório como secreto, isso é problema nosso.
– Algo não se torna secreto por ser perigoso, complexo ou de alto
nível? – perguntei, confusa – O que você falou sobre os grimórios em
branco não fez o menor sentido.
– Um segredo pode existir por razões tão diversas que nem vale a
pena enumerá-las. Ele raramente é perceptível aos olhos de um leigo.

186
A Gata Mascarada - Volume 2

Um grimório em branco pode ter passagens escritas com tinta invisível,


conter dicas ou pistas. Um livro pode ser de alto valor por causa da
pessoa que o escreveu.
– Oh, então você quer dizer que se AMV tivesse escrito no grimório:
“Hoje eu comi um sanduíche com merda”, vocês todos iam fazer o
mesmo, recitar e reverenciar essa passagem? Vocês não seriam muito
melhores que os cristãos fazendo isso.
Cara, a expressão com que Moisés me olhou... eu não era mesmo
uma vadia atrevida?
Eu tinha essa mania de querer ganhar a discussão. Eu sabia que um
dia isso podia acabar mal, mas não tanto. Eu tinha escolhido a pessoa
errada pra bater boca.
Por outro lado, eu já estava de saco cheio de ficar calada só porque eu
estava me dirigindo a alguém muito importante ou muito forte. Eu
também não merecia ser ouvida? Ter direito à minha opinião? Não era
por eu ser baixinha e fraquinha que eu devia me intimidar quando falava
com um cara grandão e forte.
– Se Volans tivesse escrito isso, teria razões para tê-lo feito e isso
mereceria alguma investigação. Se você tivesse escrito, eu iria presumir
que foi apenas um ato aleatório de sua vida aleatória. Não me sentiria
inclinado sequer a pensar em suas razões. Mas AMV era uma pessoa
interessante e singular. Extremamente racional. Em vez de ser arrastada
pelas emoções, ela analisava logicamente cada um de seus atos. E eles
estavam conectados em nome de um motivo maior.
– Então ela é a Deusa de vocês?
– Volans era completamente humana. E ela nos mostrou que um ser
humano pode se tornar qualquer coisa que deseja. Nossos membros são
incentivados a realizar uma profunda autoinvestigação e superar os seus
limites para que alcancem suas mais altas ambições, sejam com base
racional ou emocional. Eles escreverão novos grimórios extraordinários.
Seremos a inspiração uns dos outros. O melhor amigo e o maior inimigo.
Afinal, de que serve ser um mago poderoso se você não possui aliados e
rivais igualmente geniais?
Moisés estava me dando uma aula para que eu entendesse a besteira
que eu tinha feito. Pensei que ele só ia me bater e dar o fora, assim,

187
Juliana Duarte

poderosamente, deixando suas razões implícitas; pelo ar que emanava de


sua própria imponência.
Mas ele não fez isso. Ele estava jogando na minha cara as palavras:
“Do que eu disse infere-se que você não é genial ou poderosa. Sequer
digna de ser minha inimiga. Tudo o que fez foi divulgar a página de um
grimório que você nem mesma escreveu e que não compreende; de uma
Ordem que não conhece. Qual é o mérito disso?”
– Moisés, estou arrependida do que fiz. Quem me passou os
grimórios foi Valentina.
Entre ser punida por ele ou por Valentina, não tive dúvidas da minha
escolha.
Ele pareceu intrigado.
– Por que ela faria isso?
– Porque eu permiti que ela beijasse meu namorado.
Nesse instante, Moisés sorriu. Ele colocou os óculos escuros.
– Agora, essa foi uma explicação razoável. Aquele garoto, Demian, já
sofre bullying do nosso vice-líder, o senhor Cheleb, que costuma se
divertir muito com ele. Aparentemente a senhorita Jabbah também o
escolheu como alvo depois que desistiu de importunar Roberto da ODE.
Mas dessa vez ela fez a escolha errada. Será sumariamente expulsa e
expressamente proibida de retornar à Ordem enquanto eu for líder.
Então, Moisés ia embora? Era só isso o que ele queria? Algo não
estava certo.
– Espere, você não vai me punir?
– Você quer ser punida?
– É claro que não!
– Pois então. Eu não quero encrenca com o Gregório. Nós dois já
tivemos nossas desavenças no passado. E se você estiver carregando um
filho dele, eis um motivo adicional que a protege.
Moisés, com medo do Gregório? Eu sabia que Gregório era
importante, mas... caramba! Ele fazia até o líder da OCB recuar. Que
merda era aquela?
– Vou explicar melhor – acrescentou Moisés – o grimório de 1º grau
já se espalhou em alguns cantos obscuros da internet, por causa do
infeliz do ex-marido da Sancha. Eu não estou muito preocupado com a
divulgação desses grimórios, embora eu não deixe passar de graça

188
A Gata Mascarada - Volume 2

quando acontece. Dou pelo menos um alerta. Mas se acontece uma


segunda vez...
– Já entendi – interrompi-o – não vou divulgar mais nenhum material
de vocês. Nunca mais.
Aquele encontro já havia sido suficientemente assustador. Eu não
queria mais arrumar treta com a galera da OCB; muito menos com o
mestre deles.
No final das contas, eu nem estava tão interessada assim nesses
grimórios. Eu só tive interesse em ler porque eram famosos. E por causa
de todos os boatos fodas que rondavam aquela Ordem. Mas AMV
escrevia apenas poesias. Eu esperava encontrar pelo menos um ou dois
rituais perigosos e absurdos.
É claro: talvez houvesse algo escondido nos poemas; ou eles
simplesmente gerassem emoções poderosas. Eu não saberia dizer. Eles
não me afetavam. Eu era burra demais para penetrar esse arcano?
Moisés foi embora. Ouvi-lo mencionar Gregório naquele tom me fez
arder de curiosidade. Eu precisava perguntar para Gregório sobre isso no
próximo encontro da Flolan.
– Então ele teme seu mestre, hã? Devo estar mais seguro do que eu
imaginava. Se é esse o caso, é evidente que ele também teme o meu pai.
Portanto, não serei tocado.
– Você estava aí escondido ouvindo tudo?
Eu fiquei aborrecida. Max era o stalker mais dedicado que eu
conhecia. E o mais cara-de-pau também.
– Pensei que teria a oportunidade de ver sua calcinha outra vez
enquanto descesse as escadas. Mas outro cara te parou antes. Você é
popular, hein? Tem muitos admiradores. Mas nenhum tão intenso e
irresistível quanto eu.
Moisés parecia me admirar tanto quanto admiraria uma lesma no
chão. Ele só tinha olhos para a memória da AMV. E para a bunda da
Sancha, talvez...
– Acabei de sair do hospital, mas não me incomodaria de entrar lá
outra vez depois de ficar com a mão inchada de tanto te socar – avisei –
e por que você acha que o mestre da OCB teria interesse em atingir você?
– Eu suponho que ele vá ficar um pouco chateado quando descobrir
que roubei o grimório de último grau de AMV.

189
Juliana Duarte

E Max retirou um grimório da mochila, sacudindo-o diante de mim.


Meu queixo caiu.
– O quê...? Como...?
– Sabe, esse meu novo colégio é muito ruim – explicou Max – não
marcaram nenhuma prova ainda e não tenho nada pra fazer. Se falto aula
nem notam. Mas eu encontrei alguém ainda mais otário que meus
professores: o vice da OCB. O cara é tão panaca que só sabe contar
piadas e agitar os braços como um gorila. Fui fazer uma visita a ele no
cemitério e ele nem notou quando roubei o grimório.
Alguns momentos atrás, eu tinha jurado a mim mesma que ia parar
de procurar pelos grimórios da AMV. Mas como eu poderia resistir com
um deles bem na minha frente? E logo o mais importante!
– Me dá! – ordenei.
Tentei pegar da mão dele, mas Max não deixou. Ele fez que não com
o dedo da outra mão.
– Você só o terá se aceitar trepar comigo – propôs Max.
– Nem morta!
– Se me beijar, te dou o grimório de 3º grau. Pense bem. Você não se
importa com beijos. Já beijou metade dos caras dessa cidade. Fez o seu
namorado beijar outra menina só pra ter um grimório de grau baixo. O
que eu ofereço é uma pechincha.
– Você é muito ingênuo se pensa que vou cair nesse seu papo furado.
Não farei nenhum acordo. Eu mesma irei arrancá-lo de você.
Ele arrancou a primeira página.
– O que está fazendo? – perguntei, irritada.
– A primeira página é uma das mais importantes – ele explicou –
contém um grande segredo. O restante do grimório não é nada sem ela.
Se quiser tirá-la de mim, venha pegar.
Ele dobrou a página e colocou dentro da calça.
– Eu a coloquei dentro da minha cueca. Você vai ter que tocar no
meu pau se quiser ter acesso a ela.
Eu quase ri com o atrevimento do garotinho.
– Pode ficar – eu disse – acabo de perder o interesse.
– Pensei que você amasse um pênis mais que tudo.
– Não o seu.

190
A Gata Mascarada - Volume 2

– Vai mudar de ideia quando vê-lo. Vou te contar uma coisa. Ontem
eu comi uma colega minha. E fantasiei que estava te comendo.
Ele me fitou intensamente quando disso isso. Seriamente. Eu ignorei-
o.
– Pensei que tínhamos combinado que você só apareceria na minha
universidade uma vez por semana, apenas na ocasião dos chás.
– Essa combinação só estará valendo a partir de amanhã, já que
conversamos sobre isso somente uma hora atrás. Aconteceu de eu ainda
estar nos arredores. Eu teria te mostrado o grimório antes, mas como
você bateu em mim mudei de ideia. Pensei em guardá-lo para quando eu
precisasse persuadi-la.
– Você só me persuadiria a algo se sequestrasse o Mimi.
– Obrigado pela excelente ideia. Com licença.
E Max se retirou.
Ele era retardado ou o quê? Demian não seria feito de refém nem por
um cara com o dobro do tamanho dele. Meu amorzinho era super forte.
Não perderia para um pirralho que até eu espancava facilmente.
Aliás, eu mesma estava indo procurá-lo. Ele não me visitou no
hospital. Fui buscá-lo no prédio da teologia, mas ninguém sabia onde ele
estava.
Fui até a Casa do Estudante. Finalmente o localizei. Ele estava no
quarto. Entrei sem bater, pois eu tinha a chave. Eu o flagrei se
masturbando com uma Playboy.
Demian deixou a revista cair quando entrei. Escondeu-a
imediatamente.
– Uau! – exclamei, deliciada – Já está se divertindo tão cedo? Por que
não me chamou?
– Ah... hã...
– Quero ver o que estava olhando!
– Não! Para!
Eu peguei a revista, mas Demian puxou-a de mim desesperadamente.
– Calma! – falei – O que é tão secreto assim? Não somos namorados?
– Sim, mas eu quero ter minha privacidade.
– Eu nem sabia que você ainda brincava com essas Playboys. Então é
por isso que às vezes você fica tão apático no sexo? Não é justo! Tem
que sobrar um pouco pra Fifi também.

191
Juliana Duarte

– Eu não queria que você soubesse...


Demian ficou tão bonitinho escondendo a revista sem jeito que eu
tive que dar um abraço apertado nele.
– Ai, meu lindinho, pode brincar o quanto quiser, eu deixo! –
exclamei, alegremente – Da próxima vez até já sei qual presente te dar.
Vou comprar a nova Playboy que sair nas bancas, porque essa aí que
você está segurando parece ser bem velha. E já está toda acabada. Você a
usa tanto assim?
– Eu gosto dessa revista porque tem boas matérias – disse ele, todo
sério.
– Duvido que você estivesse lendo uma matéria agora!
Descobri a página da revista que ele estava olhando. Era uma loira
oxigenada toda bronzeada. Os peitos siliconados pareciam balões de tão
grandes. E ela estava com as pernas bem abertas. Aquela vagina estava
100% depilada e parecia ter passado por um Photoshop extremamente
tosco.
Sinceramente, eu quase senti pena do Demian ao ver que ele se
excitava com aquela merda toda esculhambada.
Apertei a bochecha dele.
– Coitadinho! Meu Mimi, essa bruxa é tão feia! Você precisa de
óculos?
Ele ficou brabo com meu comentário.
– Você não sabe o que excita os homens.
Quando ele disse isso, senti como se uma lança atravessasse meu
coração. Era praticamente o comentário mais ofensivo que ele poderia
me fazer!
Ofélia, a ninfomaníaca especialista em sexo não sabia o que excitava
os homens?! Que sacrilégio!
No mesmo instante, arranquei minha blusa e meu sutiã. Meus seios
estavam ficando cada vez maiores por causa da gravidez. Eu os apertei
na frente de Demian.
– Essa vadia pode ter peitos maiores que os meus, mas esses aqui são
genuínos! E você pode vê-los ao vivo! Tocá-los, cheirá-los, prová-los...
– Está bem, você me convenceu – disse Demian – mas tem certeza
que não se importa que eu me masturbe com as revistas?
Eu dei de ombros, enquanto recolocava o sutiã.

192
A Gata Mascarada - Volume 2

– Por que me importaria? – perguntei, estranhando – eu também vivo


assistindo meus vídeos tarados.
– Ah, é. Seus vídeos com negros gays se pegando...
– Eles são tão bonitinhos! Gays são tão fofos! Principalmente quando
são selvagens e violentos.
– Seu comentário não fez o menor sentido. Vem aqui, te ajudo a
fechar seu sutiã.
– Oba! – celebrei – Mimi já tem PhD em abrir e fechar sutiãs. E
pensar que quando nos conhecemos você mal sabia colocar uma
camisinha...
– Ofélia, que cheiro é esse no seu braço?
– Onde?
– Aqui, perto do pulso.
Eu não fazia a menor ideia do que ele estava falando. Tive que voltar
a fita da minha memória lá pro começo pra tentar entender. Mas assim
que eu cheirei meu braço, fiz uma expressão de desagrado e fiquei
irritadíssima.
Demian já estava me olhando com cara feia. Eu também não gostei
disso.
– Não me olha assim – adverti-o – não foi minha culpa.
– O que não foi sua culpa? Ofélia, você está me traindo?
– O quê?! É claro que não! Você não sabe de nada que aconteceu
porque tava aqui batendo punheta enquanto uma guerra de arquimagos
estourava lá fora!
OK, minha expressão foi um pouco dramática. Demian ainda
aguardava a explicação, mas não me olhava com bons olhos.
– Eu estava estudando pra minha prova – comecei o relato – e
quando percebi, Max estava na minha frente na escada, se masturbando
enquanto olhava minha calcinha. Eu bati nele. Ele deve ter segurado no
meu braço pra me impedir.
Essa era a única explicação possível. Mas Demian não ficou satisfeito.
– Vocês dois parecem estar ficando muito amiguinhos. Estão se
encontrando sempre. Se bobear, você está curtindo o assédio do
pirralhinho.
– É claro que não!!!
– Então por que dá papo pra ele?

193
Juliana Duarte

– O que você quer que eu faça?! Que eu mate ele?


– Apenas ignore-o! – exclamou Demian – Crianças querem atenção.
Não há nada pior para uma criança do que ser ignorado. Se quer puni-lo,
finja que não o escuta quando ele fala, e simplesmente passe reto. Faça
isso a partir de agora! Se não fizer, eu vou começar a acreditar que você
está gostando. E por que ainda não ligou para o pai dele?
– Quer escutar o resto da história, faz favor? Não me interrompa até
eu terminar.
Contei quando eu caí da escada e ele buscou ajuda. Mas Demian não
conseguiu continuar a escutar quieto.
– Você o aceitou como membro da sua Ordem? Ficou LOUCA?!
Está fazendo acordos com aquele imbecilzinho?! Você não deve nada a
ele! Ele que devia se desculpar de joelhos por tudo o que fez até agora.
– Eu vou dar a ele apenas uma chance – deixei claro – se ele
avacalhar, eu o expulso na hora. Ligo pro Alan e acabou.
– Ele já desperdiçou todas as chances que teve. Sério, Ofélia, eu não
estou te reconhecendo. Você sempre tratou os homens como se fossem
seus brinquedos, usando-os para sexo e depois jogando fora. Às vezes
até eu me sinto maltratado nas suas mãos. Então por que precisa ser
gentil logo com ele?
– Ai, que drama. Eu já disse que não sei lidar com crianças. Estou
com medo de judiá-lo demais.
– Pois você está judiando fazendo isso. Dando papo. Isso é dar corda,
dar esperanças. É assim que ele vê. Por isso continua te perseguindo.
Você só está caindo no jogo dele.
– Eu não estou preocupada com Max agora, e sim com Moisés.
Contei o resto da história. Que Moisés foi me fazer uma visita. E que
Max roubou o grimório.
– Ele claramente quer sua atenção – concluiu Demian – por que
outro motivo ele teria roubado esse grimório que você quer tanto?
– Não me peça para entender como funciona o cérebro do Max –
reclamei – ele disse que fantasiou que estava me fodendo enquanto
comia a coleguinha. Aparentemente ele anda transando com todas as
meninas do colégio dele que vê pela frente.
– Por que você escuta o que ele conta? – perguntou Demian, irritado
– E por que está me contando tudo o que ele disse, com tantos detalhes?

194
A Gata Mascarada - Volume 2

Sinceramente, eu não quero saber. Não me interessa com quem o


pirralho está transando e você também não deveria se interessar. Ele não
faz parte da nossa vida. Eu o quero bem longe. Você não quer?
– É claro que o quero bem longe!
Demian não estava mais preocupado comigo por causa do que Max
fazia. Em vez disso, ele estava começando a ficar irritado comigo,
porque eu “deixava” Max fazer!
Demian já estava ficando estressado. Ele passou a mão pelo rosto e
pelos cabelos.
– Ofélia, se possível nunca mais mencione o nome de Max na minha
frente. Se é assim que você quer, resolva sozinha os seus problemas. Do
seu jeito, se não aceita minhas sugestões. Mas depois não venha me pedir
ajuda se ele fizer algo que você não gostar.
Eu senti lágrimas nos meus olhos quando ele disse isso.
– Você nem perguntou se estou bem – falei, de olhos baixos –
mesmo sabendo que acabei de sair do hospital. Não perguntou se eu me
machuquei quando caí da escada.
– Me desculpe. É porque fiquei irritado demais com tudo isso. Você
está bem?
Mostrei o meu cotovelo, que ainda estava com um curativo e um
pouco de sangue. Também indiquei meus joelhos arranhados.
– Por sorte, não quebrei nada. E vou fazer outro check-up depois.
Demian, tem algo que quero te dizer.
– Pode dizer.
– Eu sei que muitas vezes você se esquece, já que não é você que tá
com um bebê na barriga, mas... eu tô grávida. Pode parecer frescura, mas
eu realmente tô mais sensível ultimamente por causa disso. Então, por
favor, não seja rude demais comigo.
– Não estou sendo rude! E você sabe que foi culpa sua por ter
engravidado, por não ter tomado pílula quando devia. Então não venha
com chantagem emocional agora.
– OK. Tchau.
– Para onde vai?
– Tomar um ar. Eu preciso.

195
Juliana Duarte

Ainda bem que Max já tinha ido embora do campus, porque eu


também não estava com muita vontade de vê-lo. Eu não queria ver
ninguém.
Deitei-me embaixo de uma árvore e chorei. Minha vida estava
desmoronando. Eu tinha prova no dia seguinte e não me sentia em
condição nenhuma de estudar. Demian estava contra mim e Max apenas
continuava a ser idiota como sempre. Para completar, a ameaça de
Moisés só estragou meu dia.
Olhando para trás, reconheci que fui eu que causei todos esses
problemas. A responsabilidade por tudo de ruim que andava
acontecendo na minha vida era minha. Eu precisava aceitar as
consequências das minhas decisões.
Eu não achava terrível estar grávida, apesar dos enjoos, do
desconforto, de meu corpo estar ficando deformado e de tudo de ruim
que se seguia e ainda se seguiria a isso. Eu achava bonito ter um ser
humano dentro de mim. E queria curtir aquela experiência que era quase
como um alcance do sentido da vida. Mas não ajudava muito quando o
provável pai da criança estava enciumado e de mau humor. Gregório
também estava distante e eu nem o culpava, já que ele tinha namorada e
nem sabia se era o pai.
Tudo o que eu queria era um pouco de apoio. Ter alguém ao meu
lado. E quem ficaria ao meu lado quando Demian brigava comigo?
Minhas colegas da pedagogia eram apenas amigas de sair para fazer
compras, pra dançar ou pra xingar as professoras. Apesar de nos darmos
bem, eu não sentia intimidade suficiente com nenhuma delas pra contar
preocupações da minha vida pessoal.
O pessoal da Ordem? Eu ainda não conhecia bem os novos
membros da MAS. Celeste sempre conversou mais com Yolanda.
Sim, eu tinha Fernanda. E eu estava acreditando que ela estava
prestes a se tornar minha melhor amiga. Só que ela estava falando cada
vez mais com Camilo. Eu apostava qualquer coisa que era questão de
dias até eles se tornarem namorados. Depois disso, eu me veria distante
dos dois.
Eu acabei passando aquela noite com minha irmã. Talvez a única
pessoa do mundo com quem eu sempre poderia contar.

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A Gata Mascarada - Volume 2

Senti-me muito bem ao estar com Iolanda. Era mágico. Nostálgico.


Por que não ficávamos juntas mais vezes? Éramos adultas agora, e cada
uma tinha sua vida. Por que as coisas não podiam ser como antes?
Até quando eu abraçava Babu, minha gatinha linda, eu sentia
saudades da época que ela falava comigo. Mas fui eu que decidi deixar
tudo isso para trás.
Será que eu queria?
Abri a caixa de joias da minha mãe. Segurei o colar com o orbe.
O orbe estava rachado. Gregório o havia quebrado, no dia que nos
conhecemos. Aquilo me trazia lembranças queridas. Naquele dia eu o
esfaqueei e o beijei. Quem diria que quatro anos depois eu carregaria um
filho dele. Se fosse dele...
Eu vi minha imagem no orbe partido ao meio, como num espelho.
– Na última vez que dialogamos, eu tinha 15 anos...
Quatro anos. Tanta coisa tinha acontecido durante esse tempo. No
final do ano eu já ia completar 20. Por que o tempo estava passando tão
depressa?
Eu não queria fazer 20. Não queria ter responsabilidades. Preferia
continuar como criança. Uma fada, como num conto de fadas. Mas até
essa fada quebraria um dia.
Pensando bem... era um alívio escapar da adolescência. Eu queria
fugir dela. Qualquer coisa devia ser melhor. Aos 19 eu ainda estava
vivendo o final da minha adolescência e não estava sendo fácil.
Penetrando lentamente no complicado mundo dos adultos.
Eu estava grávida e não sabia se estava preparada para isso.
Financeiramente eu não estava e imaginei que teria que ouvir muita coisa
nos anos que se seguissem, com meus pais brigando comigo porque
tinham que sustentar o filho que eu tive.
Mas emocionalmente eu estava menos preparada ainda. Eu me
julguei forte um dia. Mas assim que comecei a carregar aquele ser
precioso na barriga, comecei a me sentir fraca. Eu era capaz de sustentar
o peso de uma vida? De dar amor àquela criança? Sendo que eu mesma
não sabia nada sobre amor. Eu sabia sobre sexo. Mas sobre amor?
Dificilmente.
Será que Demian me amava de verdade? Ele não iria fugir para o
seminário a qualquer momento? Tornar-se padre e livrar-se da

197
Juliana Duarte

responsabilidade de criar meu filho. E se fosse do Gregório, ele no


máximo daria ajuda financeira. Eu teria que criar sozinha aquela criança.
A namorada dele não ia me querer no meio da vida dos dois.
Eu me sentia sozinha. Todos aqueles pensamentos ruins me
assombraram naquela noite. Eu segurei a mão da minha irmã. Mas ela
tinha sua própria vida também, não é mesmo? Ela não poderia ficar
segurando minha mão para sempre.
A verdade é que todos têm suas vidas. Só que naquele instante eu
precisava de pelo menos uma pessoa. Um amigo. Um ombro.
Estava doendo. Eu sentia dor.
Não consegui dormir direito. Fui para a aula da manhã morrendo de
sono. Fiz a prova sem ter estudado nada e saí da sala com a sensação de
que tinha me saído extremamente mal na prova.
De tarde teríamos o chá da Ordem. Até pensei em cancelá-lo, pois
não me sentia disposta. Mas acabei indo, já que eu tinha uma pequena
esperança de que aquele encontro poderia me alegrar.
Apresentei Max para os demais membros. Lá estava ele com um
terno rosa e uma gravata, assim como Camilo.
Não sei porque o aceitei na MAS. Eu já imaginava que ele fosse
encher o saco de todos, mas não tanto.
– Adorei os decotes de todas – observou Max – posso bater uma foto
dos decotes?
E Max continuou a dizer coisas infelizes assim pelo resto do chá. As
meninas da Ordem estavam claramente desconfortáveis com a presença
dele. Até Camilo estava.
Mas Max não ficou satisfeito em somente assediar as garotas. Ele
queria incomodar Camilo diretamente também, já que pelo jeito ele
queria ser o único galo do galinheiro. Por isso, começou a desafiá-lo.
– Você escreveu um livro – disse Max – eu o li ontem. É muito mal
escrito. As ideias apresentadas são fracas.
Camilo devia ser um santo, pois escutava com muita paciência o que
era dito e dava respostas educadas.
Max não gostou da paciência dele, já que seu objetivo era,
obviamente, irritá-lo.

198
A Gata Mascarada - Volume 2

– Sabia que meus pais são ocultistas? – disse Max – Tanto meu pai
quanto minha mãe me criaram nesse meio. Aprendi muitas coisas desde
pequeno. Por isso sou tão sábio.
– É curioso você mencionar isso, pois ocorreu o mesmo comigo –
comentou Camilo.
Aquilo era novidade pra mim. Eu fiquei bastante surpresa. Parecia
que finalmente Max havia encontrado um adversário “à sua altura”, pelo
menos aos olhos dele. Max vivia se achando superior a todos por causa
dessa história de que foi educado no ocultismo desde que nasceu. Pois
Camilo também. E ele era bem mais velho que ele.
“E agora, Max?” pensei, triunfante. Ele já não poderia se gabar por
causa disso.
Camilo venceu Max no debate facilmente. Demian também
conseguia fazer aquilo, mas Camilo era capaz de algo que ninguém
conseguia: vencer o debate sem se irritar. Ele dava boas respostas e
mantinha a calma.
– Se sabe tanto sobre religiões, fale-me um pouco sobre o
Movimento Rastafari, da Jamaica – desafiou Max.
– Você acha que vou mencionar o Bob Marley? – brincou Camilo –
Bem, eu poderia. Na verdade eu tenho um amigo jamaicano com quem
converso na internet. O Rasta surgiu como exaltação das raízes da
cultura negra. Há muitos cristãos na Jamaica, mas o cristianismo, como
uma religião de brancos, possui muitos elementos da cultura branca
ocidental. O que o Rasta fez foi adicionar diversas características da
cultura africana no cristianismo. Isso é muito interessante. Afinal, por
que os negros teriam interesse em cultuar um Deus branco?
Eu realmente adorava escutar Camilo falar. As palavras me aqueciam.
– Como pode ter certeza? – perguntou Max, só para contrariá-lo – e
se alguns negros não se importarem em cultuar um Deus branco?
Mas por que Max tinha que estar ali do lado pra estragar tudo? Como
não conseguiu arruinar o discurso de Camilo com suas perguntas e
observações cretinas, ele resolveu se enfiar embaixo da mesa. Quando
voltou, mostrou o celular para Camilo.
– Essa é uma foto da calcinha da Fernanda – disse Max – você é
louco por ela, certo? Aposto que queria ver isso. Aí está. Satisfiz o seu
desejo.

199
Juliana Duarte

Fernanda ficou vermelha. Ela era educada demais para se zangar com
Max ou bater nele. Mas esse ato de Max fez com que Camilo se zangasse
pela primeira vez. E a irritação dele não foi pouca.
Camilo bateu o celular de Max na mesa, com toda a força. E fez isso
mais de uma vez, até destruir o aparelho completamente.
– Agora, escute aqui – disse Camilo, sério como nunca o vi antes – eu
aturei quieto todas as suas provocações desde que essa reunião começou.
E estava disposto a aturar educadamente em todas as reuniões da Ordem
enquanto Ofélia concordasse com sua presença. Mas isso enquanto a
coisa ficasse somente entre você e eu. No momento em que você
envolveu Fernanda nisso, eu te garanto: você escolheu a pessoa errada
para comprar briga. E eu não vou aguardar que faça a segunda gracinha.
Se eu fosse o líder, te expulsaria agora mesmo.
– Acontece que você não é – retrucou Max – sequer é o vice. A
Ofélia é minha namorada. Ela não vai permitir que eu saia.
– Sou sua namorada somente na sua imaginação – eu disse – e que
namorado seria esse que tira foto de calcinhas das outras garotas?
– Ofélia, que tal aceitar minha sugestão e expulsá-lo agora? –
perguntou Camilo.
– Sugestão aceita – concordei – Max, suma daqui.
Max ficou chocado.
– Por quê? Saiba que só criei toda essa discussão para te mostrar os
meus vastos conhecimentos de ocultismo!
– Eu já entendi que você sabe a porra do ocultismo! – exclamei – Seu
cérebro é uma enciclopédia ambulante, parabéns. Mas parece que você
aprendeu tudo, menos o mais importante: respeitar as pessoas, aceitar
opiniões diferentes das suas e ceder quando estiver errado!
– E o que isso tem a ver com ocultismo? – desafiou-me Max – Isso
tem a ver com ética ou no máximo etiqueta. Se fosse assim, os satanistas
extremos não seriam ocultistas. Ou você foi contaminada pela visão
RHP de Demian e pensa que um ocultista é mais poderoso ou mais
sábio se for bonzinho e gentil? No LHP você pode defender a sua
posição independente da opinião de Deus ou da visão vigente. No
budismo Theravada você atinge a iluminação quando quebra tanto o
karma bom quanto o ruim.

200
A Gata Mascarada - Volume 2

– Você está distorcendo as coisas para se adequar à sua visão –


observou Camilo, que dessa vez parecia pronto a discursar sem tanto
cuidado e educação; um fato inédito – etiqueta é um sistema de
formalidade que nada tem a ver com ser um cidadão ético ou não, e sim
com costumes e normas estabelecidas no interior de certo grupo.
Quanto ao LHP, engloba as práticas e grupos mais diversos, sendo que
nem todos se encaixam na visão que você apresentou. Finalmente,
nenhum tipo de budismo é a favor de comportamentos imorais, e
nenhuma escritura dá base a isso. Produzir karma ruim se refere ao
apego mental e não às ações. Por que está misturando tudo, Max? Você é
mais inteligente que isso.
– Max, ninguém dessa mesa está preocupado se você é foda no
ocultismo ou se é iniciante, seja em teoria ou prática – eu disse – nós
estamos aqui para aprendermos juntos e termos bons momentos. Aqui
há pessoas de diferentes níveis e ninguém está competindo pra ser o
melhor. Nós nos ajudamos. Mesmo quem sabe muito sempre pode
aprender mais.
– Mas você ouviu o que o Moisés falou sobre seu aliado ser seu maior
inimigo. Com um rival inteligente você evolui com muito mais
velocidade. Se forem todos amiguinhos brincando de chá, sem um
desafio, o aprendizado será lento e monótono.
– E daí? Isso não é uma corrida! Se concorda com o que Moisés disse,
vá para a Ordem dele! E por mais irônico que pareça, até o líder da
Ordem de LHP mais extrema e radical da cidade me tratou mais
educadamente do que você me trata.
– Eu nunca lhe faltei com o respeito! – defendeu-se Max.
– Quando enfiou a cara nos meus peitos sem minha permissão você
tava me respeitando?!
– Não exagere. Foi apenas um abraço. Mulheres têm seios. Então
quando você abraça uma delas há uma probabilidade alta de encostar
neles por acidente.
Peguei meu celular e disquei um número.
– O que está fazendo? – perguntou Max.
– Ligando pro seu pai.

201
Juliana Duarte

– Não! Espere! Vamos conversar antes! Existe uma razão superior


para tudo o que fiz até agora. Da mesma forma que AMV tinha suas
razões lógicas que ninguém compreendia.
– Chama e ninguém atende. Outra vez! Max, o seu pai está em casa?
– Ofélia, não finja. Eu sei que você ama sexo. Todos sabem. Pois eu
também amo. Então fomos feitos um pro outro. Sabia que nascemos até
no mesmo dia?
– Cale a boca! Você fez alguma coisa com o telefone?
– A verdade é que tenho feito tudo isso só porque eu sei que você
adora sexo – confessou Max – então pensei que você me acharia sensual
por ser atrevido. Você já disse na internet que ama homens que se atiram
em cima de você.
– Homens sim. Não crianças. E eu tenho namorado.
– Eu vou fazer você desistir do seu namorado assim que completar o
meu voodoo.
– O seu... o quê?
Ele me mostrou um bonequinho. Na outra mão dele havia uma
tesoura e uma mecha de cabelos negros.
Eu senti um frio na espinha. Toquei no meu próprio cabelo. Havia
um pedaço faltando em uma das mechas. E não era pequeno.
– Quando...?
– Cortei agora há pouco – disse Max – furtivamente. Viu como tenho
habilidades escondidas?
Porém, nesse instante, a fúria me dominou.
– Max... existe algo muito pior do que meter a cara nos meus peitos.
Sabe o que é? Arruinar o meu precioso
cabelooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo
oooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooOOOOOOOOO
OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO
OOOOOOOOOOOOOOOOooooooooooooooooooooooooooOOO
OOOoooooooooooooooooooooooooOOOOOOOOOOOOO!!!!
MEU CABELO MARAVILHOSO!!! EU VOU MATÁ-
LOOOOOOOOOooooOOOOooooOOO!!!!
Segurei Max pelo pescoço e tentei esganá-lo. Mas o MALDITO
conseguiu escapar!! Ele saiu correndo, branco de medo, pois notou que
eu havia entrado em estado de fúria.

202
A Gata Mascarada - Volume 2

Eu corri atrás, sentindo o supremo ódio me dominando e tomando


todo meu corpo.
– Maximiliaaaaaaanooooooooooo!!! Filho de uma cadela vadia com
um cachorro louco, eu juro: hoje te arrebento, seu cuzãooooo!!! Filho de
Crowley, bastardo de Lúcifer, besta maldita apocalíptica do cacete
voador!!
Tirei um dos meus sapatos enormes e pesados com salto gigantesco e
lancei na direção de Max enquanto corria atrás dele pelo campus.
Infelizmente, errei o maldito alvo!
Naquele momento eu estava completamente puta para ter
consciência da situação. Mas pensando com mais calma, deve ter sido
estranho para os demais estudantes que contemplavam a cena: uma
garota mascarada correndo descalça, segurando a barra do vestido
rodado com um sapato na mão, xingando loucamente com todos os
nomes que conseguia inventar. E fugindo desesperadamente dela estava
um garoto de terno rosa e calças sociais brancas. Para completar, ele
tinha uma flor cor-de-rosa perto do colarinho.
Porém, no exato instante em que eu perseguia Max, a sincronicidade
rodou a favor dele: Demian também estava correndo pelo campus, com
sua esvoaçante capa azul da OAAL. Para completar, ele carregava uma
enorme espada cerimonial na mão, e parecia estar correndo com tanto
desespero quanto Max.
Pelo jeito, a OAAL estava começando a ficar interessante.
– Mas que porra é essa, Mimi? – gritei – Mantenha a compostura,
você é o mestre de uma sociedade secreta, cacete!
– Ela tá atrás de mim, vai me pegaaaarrr!!!
– Quem?!
– Valentina!!
Foi só então que me dei conta da situação: lá estava Valentina,
correndo atrás de Demian de calcinha e sutiã. Ela usava um chapéu
peludo de inverno e também carregava uma espada cerimonial na mão. E
eu pensando que eu e Max fazíamos uma dupla estranha...
Mas se aquela vaca pensava que podia correr de lingerie atrás do meu
homem, estava muito enganada. É claro que interrompi meu ataque a
Max imediatamente e fui perseguir a vadia.

203
Juliana Duarte

– Peruaaaaaaa!! Não se atreva a arrancar as roupas do meu homem e


fazer coisas pervertidas com eleeeee!!
– Ofélia, não dê a ela ideias estranhas!! – Demian gritou de volta – As
ideias dela já são estranhas o suficiente!
Eu também não entendia que tipo de pessoa usaria lingerie com
chapéu de inverno. Mas aquilo não importava. Eu precisava salvar meu
bolinho!
Demian foi encurralado entre dois prédios. Valentina jogou-se em
cima dele e tentou desabotoar as calças de Demian.
– Ofélia, tire-a de cima de mim!! Eu não quero machucar essa... ou
será que eu quero?!
Demian tentava se desvencilhar dela, mas como era uma garota talvez
ele estivesse com receio de machucá-la.
Era só o que faltava. Demian socava uma garota até a morte e depois
dizia que não queria machucar Valentina? Bem, acho que ele não queria
matar outra pessoa de novo. E eu estava ali para pegar Valentina pelos
cabelos. Eu ia salvá-lo!
Segurei a espada de Demian e ataquei Valentina, mesmo consciente
de que a espada não tinha fio e de que eu não sabia lutar com espadas.
Valentina defendeu-se com sua própria espada cerimonial. E
começamos a lutar. Foi tão divertido!
Demian nos fitava com uma expressão de quem conclui que teria se
virado melhor sem a minha ajuda.
Como nenhuma de nós duas sabia lutar com espadas, logo jogamos
as armas no chão e nos pegamos no braço. Rolamos no chão, como não
rolávamos desde o retiro. Consegui acertar um soco nela. Eu acho que
levei mais socos do que dei, mas tudo bem. Nós duas terminamos
exaustas e caídas no chão.
– Ofélia, para que você serve? Não consegue me defender nem
contra essa magrela? – reclamou Demian.
Ele levantou-se, vestiu a capa novamente e espanou a terra da roupa.
– Por que não se defendeu sozinho?
– Porque é seu dever me proteger contra as meninas que querem me
agarrar!
– Contra todas as freiras com quem você convive – zombei.

204
A Gata Mascarada - Volume 2

– Essa situação foi séria – explicou Demian – Valentina invadiu a


sede da nossa Ordem. Ela montou um círculo arcano e começou a
evocar um demônio goético.
– Uhhhh que medo – zombei outra vez – e o senhor RHP não
conseguiu se defender com seu Deus?
– É claro que sim. Chamei meu SAG.
– E por que ele não atendeu? Ele estava no banheiro? Você não tinha
algum quadrado mágico na manga?
– Os trajes dela me desconcentraram!!
– Ó, pobre Mimi. Então você precisou ser salvo da satanista perversa,
né? Te salvei. Tá feliz agora?
– Relativamente.
– OK, Valentina, agora me explique porque estava tentando agarrá-lo
– eu disse – o acordo era só o beijo pelos dois primeiros grimórios. Não
concordei com a transa em nenhum momento.
– Não se faça de desentendida! – rosnou Valentina – Você trapaceou.
Delatou-me para o mestre. Fui expulsa da OCB. Eu apenas buscava
vingança, brincando um pouquinho com seu parceiro sexual.
– Foi realmente espirituoso – ironizou Demian – mas eu não quero
que faça isso de novo. Eu realmente me assustei um pouco.
Valentina riu.
– Um dia eu te pego, “Mimi”. De jeito.
– Seu sutiã não combina com a calcinha.
Max tinha acabado de chegar. E já chegou causando impacto com seu
comentário horripilante e arrasador.
Mas quem disse que Valentina se ofendeu?
– Você não entende nada de moda, garotinho! – exclamou Valentina
– Sutiã branco combinado com calcinha quadriculada em azul são as
últimas tendências.
– Então são essas as roupas íntimas das satanistas? – perguntou Max,
analisando – Hm, interessante. Sempre pensei que vocês preferissem um
modelito preto ou vermelho, bem ousado e pequeno, com rendinhas.
– Eu tenho uma coleção de lingeries. Satã gosta muito.
– Entendo – disse Max.
Ela observou Max por mais tempo.
– Quer trepar? – perguntou Valentina.

205
Juliana Duarte

– Não, obrigado – respondeu Max – tenho namorada.


– E quem é?
Max me apontou. Valentina caiu na risada.
– Eu fico com o Mimi e você fica com a criança. O que acha, Fifi?
– Nada feito. Some da minha universidade, cadela.
– Essa universidade não é sua, puta – disse Valentina, me dando a
língua – você apenas vai estudar aqui por um tempo, enquanto pagar.
Ela foi embora depois disso, sem se importar em desfilar por aí de
lingerie. Max tinha feito um comentário parecido com o dela há
pouquíssimo tempo. Era assustador.
– Por que não ficou com ela, Max? – perguntei, estranhando.
Era a oportunidade perfeita de me livrar dele!
– Porque é você quem eu quero.
– Não me venha com essa. Você anda transando com suas
coleguinhas.
– Isso é só temporário, enquanto não tenho você – explicou Max –
serei um namorado extremamente fiel. Recusei a proposta de Valentina
porque imaginei que uma moça alegre como ela fosse tirar vantagem
sexual de alguém inocente como eu.
Eu não entendi o que Max quis dizer com “moça alegre”, e ele
também não tinha nada de inocente.
– Ofélia, se quiser conversar com Max, vá em frente – comentou
Demian – mas terá que escolher entre nós dois.
– Não há o que escolher. Você é meu namorado. E Max não é nada
pra mim.
– Você ouviu, pirralho. Fique longe. Se eu te pegar flertando com
minha namorada outra vez, vai desejar não ter nascido. Em quanto
tempo o Alan disse que vinha buscá-lo?
– O Alan nunca está em casa quando ligo – expliquei – e nem Dalila.
Acho que Max fez alguma coisa com o telefone.
– Ligue para Gregório! Isso não é óbvio?
– Ligue você – eu disse, dando a ele meu celular – eu não quero que a
namorada dele atenda por acidente e me ameace de morte.
– Eu não vou me envolver nisso – disse Demian – resolva seus
problemas.

206
A Gata Mascarada - Volume 2

Ah, então era assim? Eu rolava no chão com Valentina e Demian não
queria fazer nem o esforço de ligar para o Gregório?
– Eu também não tô a fim de falar com o Gregório – explicou
Demian – já que saí da Ordem e tudo mais. Fica chato.
– “Fica chato” – imitei – Como se você se importasse.
– Fale com ele na próxima reunião da Flolan!
– Eu faltei a última. Tava com medo da namorada do Gregório.
– Ah, bom. E aí, como fica? Vai deixar assim?
Que merda.
Max até já tinha sumido de lá, antes que tivéssemos outra ideia para
mandá-lo embora.
Chamei Demian para meu apartamento. Ele tinha um trabalho para
entregar na segunda, então ficou deitado na minha cama fazendo o
trabalho no laptop. Como eu não conseguia desgrudar dele, deitei-me
nas costas do Mimi e fiquei lendo um livro do Paulo Freire de barriga
pra cima.
Na hora da janta nós até comemos no mesmo prato e tomamos suco
no mesmo copo. Ali, deitados na cama.
– Há, há, a gente tá quase se tornando um só! – comentei, com alegria
– Não quero sair de perto do meu Mimi nunca mais!
– Sobre isso, tem uma coisa que tô pra te dizer já faz um bom
tempo...
– O quê? – perguntei, meio apreensiva.
– Lembra que antes de virarem padres os seminaristas viajam para o
Vaticano? Quando concluem o curso de teologia.
– Sei, você já me disse. O que tem isso?
– Então, apesar de eu não ser mais seminarista surgiu uma
oportunidade pra mim esse ano. Uma galera da teologia do meu semestre
tá combinando de ir. Vai sair muito barato. Em suma, eu não vou pagar
nada. Meus gastos serão mínimos. Porque a Igreja, ou, eu deveria dizer,
os padres...
– Vou tentar adivinhar. Os padres continuam puxando teu saco. Vão
te pagar tudo.
– Por alguma razão, eles gostam muito de mim – explicou Demian –
eles dizem que meu hebraico é tão bom que talvez eu até consiga uma
bolsa pra estudar em Tel Aviv no futuro.

207
Juliana Duarte

Gostavam dele mesmo. Tinham até arrumado um jeito de tirá-lo da


prisão antes do tempo. A Igreja ainda era poderosa.
– Eu acho que eles tão tentando te convencer a voltar ao seminário.
– Não é isso. Eu não penso mais em voltar. Eles sabem disso.
Mesmo assim, querem contribuir na minha carreira como teólogo. Eles
sabem que não tenho família pra ajudar a financiar meus estudos. Como
vivi no seminário desde os 12 anos, eles meio que se sentem
responsáveis por mim...
– OK, corte o discurso e vá direto ao assunto – eu disse – quando
você viaja? E vai ficar quanto tempo?
– Viajo lá pro meio de julho, nas férias – explicou Demian – e volto
em agosto. Devo ficar em torno de um mês.
Eu não consegui olhar pra ele quando ouvi. E Demian também não
teve coragem de me fitar.
– Você não vai estar aqui quando eu ganhar o bebê – eu falei – é isso
que você não conseguia me dizer.
– Exato.
– Essa viagem é muito importante? Você precisa mesmo ir?
– Eu vou fazer um curso de um mês numa universidade de Roma e
isso vai constar no meu currículo.
– Foda-se a Grécia! – exclamei – O que tem de mais lá? Você não
precisa ir se não quiser.
– Roma fica na Itália e não na Grécia – corrigiu-me Demian – e o que
tem em Roma é o Vaticano. Como cristão e como estudante de teologia
eu gostaria muito de conhecer a cidade do papa pelo menos uma vez na
minha vida.
– O papa sempre vem pro Brasil – argumentei – e você mesmo disse
que um dia talvez estude em Israel, Jerusalém ou sei lá aonde.
– Isso ocorreria só na pós-graduação, mas ainda é totalmente incerto.
Talvez eu não tenha outra oportunidade como essa.
– Talvez você também não tenha outra oportunidade de estar ao meu
lado quando eu ganhar um bebê – argumentei – isso sim que é mais
incerto e raro de acontecer.
– Você é jovem. Ainda tem uns quinze anos pela frente para tentar
ter outros filhos.

208
A Gata Mascarada - Volume 2

– Não sei se vou querer ter outros. Não quando sei que o pai não
deseja ficar ao lado deles.
– Não faça drama, Ofélia. Tente entender a minha situação. Isso é
importante pro meu futuro. E o meu futuro também significa o nosso
futuro. Se eu tiver um bom currículo tenho mais chances de obter um
bom emprego. Se eu ganhar bem, posso dar um futuro melhor pro
nosso filho. Pro filho que nem sei se é meu... então não finja que é a
vítima por aqui.
– Mas...
– “Mas” nada. Você sempre teve seus pais para te pagarem tudo. Se
você quiser, pode largar seu curso a qualquer momento e escolher outro,
em qualquer universidade particular da cidade. Eu adoro o meu curso,
mas se eu não gostasse não poderia simplesmente largar. Eu estaria no
olho da rua. Só não me ferrei completamente ainda porque os padres me
ajudam. O máximo que a universidade me fornece é um quarto e uma
refeição por dia. Você me ajuda também, admito, mas não quero
depender do dinheiro dos seus pais. O dinheiro nem mesmo é seu.
Eu escutava quieta. Eu realmente não tinha mais argumentos. Ele
estava certo.
– Eu estava fazendo um estágio recentemente, mas terminou. Eu
preferia não ter que procurar um emprego agora pra não atrapalhar no
fim dos meus estudos e na preparação da minha monografia, mas não
vai ter jeito. Vou ter que começar a trabalhar a partir de novembro ou
dezembro. Nem vou ter férias de fim de ano. Ofélia, vê se acorda! Esse é
o mundo real. E você ainda vai trazer mais um ser humano pra essa
desgraça...
– Espere aí! Achei que o mundo que Deus criou era lindo – observei.
– É lindo sim. Mas às vezes eu fico frustrado quando paro pra pensar
em como você desperdiça suas oportunidades. Fica gastando grana em
bobagem e mesmo sendo tão esclarecida sobre métodos
anticoncepcionais ainda engravida. Ah, se eu estivesse no seu lugar...
– Eu não gasto em bobagem – falei – pra mim são coisas importantes.
Por exemplo, pra mim não tem a menor importância Deus, teologia ou o
Vaticano. Mas você coloca essas coisas até acima de mim! Nisso nós
somos diferentes: pra mim, você sempre será o mais importante. E nem
Deus e nem o Diabo podem me fazer mudar de ideia.

209
Juliana Duarte

Demian me deu um beijo na boca. Senti uma lágrima escorrendo no


meu rosto. Ele secou minha lágrima.
– Está chorando demais ultimamente – observou Demian – essa sua
gravidez está mesmo te afetando. Geralmente sou mais chorão que você.
Mas eu não olhei pra ele.
– Ainda não engoli essa – confessei – não posso acreditar que você
não vai estar aqui pra mim quando mais preciso.
– Vou tentar voltar alguns dias antes, mas não posso garantir. De
repente damos sorte.
Eu não me importava mais se desse sorte ou não. Demian tinha me
trocado. De novo.
Ele já tinha tentado terminar o namoro comigo várias vezes antes.
No ano anterior tinha voltado a ser seminarista. E agora ia me
abandonar de novo pra ir lá pro fim do mundo. Era o fim da picada. Eu
podia mesmo contar com ele?
Só de raiva, naquele instante torci para que o filho fosse mesmo do
Gregório.
Tive dificuldades de dormir naquela noite outra vez. Eu nem estava
mais comprando briga com a Coroa & Reino nos últimos tempos. Eu
não me sentia disposta.
No dia seguinte saí com duas colegas minhas, Amanda e Flávia.
Senti-me um pouco melhor.
– Então você tá grávida mesmo? – perguntou Amanda, surpresa – as
meninas andavam dizendo que você tava engordando.
– É verdade que estou engordando – confessei – mas não porque
estou comendo muito chocolate.
– Já sabe se vai ser menino ou menina? – perguntou Flávia,
empolgada.
Fiz que não.
– Vou deixar surpresa!
Mas nem eu estava empolgada mais com a surpresa. Demian não
estaria comigo. Então que graça teria? Parecia que tudo no mundo perdia
a graça quando ele não estava ao meu lado.
Fiquei muito feliz ao não ver Max naquele dia. Eu torcia para que
Moisés tivesse descoberto sobre o grimório e dado um sumiço nele.

210
A Gata Mascarada - Volume 2

Pensando bem, também fiquei meio preocupada quando não o vi nos


dias seguintes. Se Max sumisse, Alan ficaria desesperado. Diabo ou não,
era o filho dele. Se meu filho fosse um Diabo, acho que eu me
preocuparia mesmo assim. Talvez me preocupasse até mais.
– Vocês ouviram falar na Coroa & Reino? – perguntou Milena, um
dia – Estou pensando em entrar, mas o pessoal de lá é meio assustador,
não acham?
– A sociedade secreta vermelha? – perguntou Amanda – Eu acho a
rosa mais legal.
– Eu também – concordou Flávia – só porque é rosa.
E elas riram. Como aquilo me deixou feliz!
– E a azul? – resolvi perguntar.
– Parece sem graça – comentou Amanda.
Quem não conhecia bem a gente só se referia às sociedades pelas
cores. Era divertido ouvir os comentários mesmo assim.
– O que eles fazem lá? – perguntou Flávia.
– Não faço ideia – disse Amanda – de vez em quando sai notícia no
jornal da universidade sobre as sociedades. Mas o pessoal que escreve é
mais desinformado ainda.
– É por isso que elas são secretas, oras – disse Milena.
– Bem que eu queria usar aquele vestidinho rosa lindo – disse Flávia.
Eu fui ao próximo encontro da Flolan. A namorada do Gregório não
tirou o olho de cima de mim. Resolvi não falar com Gregório mesmo.
Afinal, já fazia mais de uma semana que eu não via Max. Quem sabe ele
tivesse arranjado uma namoradinha no colégio e me esquecido.
Mas... que vontade de perguntar sobre Moisés! Eu queria saber o que
tinha acontecido entre os dois antigamente. Gregório era cheio de
mistérios. Eu não sabia quase nada sobre o passado dele.
E confesso que fiquei um pouco triste quando Gregório não
perguntou como eu estava. No começo do ano ele geralmente me
perguntava se eu estava bem ou precisava de algo. De repente, parou de
perguntar. Ele queria confirmar se era mesmo o pai antes de me ajudar?
Na segunda-feira nem vi Demian. Ele ia fazer sei lá que na igreja e ia
ficar fora durante o dia todo. Aquilo era um saco.

211
Juliana Duarte

Sentei-me no barzinho de costume e comprei uma Coca. Estava com


o meu lindo vestido azul decotado. Estudando para minha próxima
prova, como uma boa garota.
E estava tão distraída que nem vi quando alguém chegou e se sentou
na mesa atrás da minha.
Por um momento, senti um frio na espinha achando que era Moisés.
Mas não era. Argh, seria Max? Será que ele adivinhava quando eu saía de
casa usando roupas decotadas? Se bem que eu fazia isso quase todos os
dias.
Eu apenas me virei e dei o dedo, com um sorriso no rosto. Seguiria o
conselho de Demian e o ignoraria pelo resto do dia.
Mas não era Max tampouco. Era o líder da Coroa & Reino.
Lá estava ele, sem óculos escuros. Usando roupas completamente
normais. Putz. O que será que ele queria?
– Ofélia Castelo – ele pronunciou – eis a verdadeira identidade da
Gata Mascarada. Eu já desconfiava.
Eu sabia que um dia aquilo ia acontecer. Mas eu não gostava de me
sentir derrotada.
– Seu nome é Felipe, certo? – perguntei, virando-me – o que você
quer de mim?
– Pensei em me desculpar por aquele dia que chutei seu rosto – ele
respondeu – eu e meus amigos estávamos bêbados. Mas decidi que não
vou me desculpar.
– Por quê?
– Porque você já discutiu comigo muitas vezes, jogou comida nas
minhas coisas e difamou a mim e a minha Ordem na internet.
– E ainda foi pouco – acrescentei, tomando mais um gole de Coca,
com canudinho.
Notei que ele olhou fixamente para meu decote nesse momento.
Eu normalmente gostava quando caras me olhavam com malícia.
Afinal, esse era o objetivo dos decotes e roupas curtas, não? Além de me
exibir para minhas amigas, é claro. Mas naquele dia eu descobri que havia
outra pessoa além de Max que eu não gostava que me olhasse daquele
jeito.
Eu gostava de posar de poderosa. Ofélia pega todos os caras, certo?
Conquista todos. Mas a Ofélia também tem namorado e quer formar

212
A Gata Mascarada - Volume 2

uma família. Então a Ofélia pegadora e atirada não podia existir pra
sempre!
Mas não era só isso. Eu não ia com a cara de Felipe. Ele era meu
inimigo. Estávamos no meio de uma batalha mortal, mesmo que eu
andasse meio parada com meus ataques gratuitos pela internet nos
últimos tempos.
Será que foi aquilo que Moisés quis dizer com ter um inimigo
inteligente? Mas Felipe tinha uma personalidade meio instável. Putz, eu
também tinha! Embora eu criticasse tanto Max e outras pessoas ao meu
redor, eu nunca fui uma santa.
– Você é muito atrevida, sabia? – comentou Felipe – Para alguém do
seu tamanho.
– Eu tenho 19, idiota. A idade que tinha AMV quando morreu.
– Quem é AMV? A autora daquele grimório estúpido que você
postou? Ela nem é uma boa escritora.
– Não interessa, ela é AMV! – falei, me sentindo meio ridícula.
– Pois eu tenho 27 anos – informou Felipe – mas quando falei
tamanho não me referia à sua idade.
– Olha, se não tem nada de útil a discutir comigo, sai daqui. Está me
atrapalhando.
Voltei a estudar, abrindo o caderno. Porém, Felipe pegou no meu
braço. Eu levei um susto.
– O que você quer, droga? – perguntei, irritada.
– Quero que venha comigo. Vou te mostrar uma coisa.
Mais essa agora. Por que eu deveria ir com ele?
Fechei o caderno. Ainda aborrecida, segui-o.
– Quer largar o meu braço? – perguntei – Eu não vou sair correndo.
Ele me levou pra uma área meio isolada da universidade.
– Para onde está me levando? – perguntei, meio preocupada.
Mas ele não dizia nada. Estava me ignorando.
– Ei, ei!
Fiz com que ele me largasse.
– Diga logo o que quer. Ninguém vai escutar aqui.
– Eu só queria dizer que eu não estava bêbado ou drogado quando te
chutei – respondeu Felipe – eu fiz porque quis.

213
Juliana Duarte

No segundo seguinte, não vi mais nada. Minha cabeça estava dentro


de um saco.
Meu coração acelerou. Comecei a me debater.
– Fique quieta!
Outros dois caras seguravam meus braços por trás. Certamente
membros da Coroa & Reino. Filhos da puta...!
Meu coração estava estourando no peito. Poucas vezes fiquei tão
nervosa assim na minha vida. Eu estava respirando muito rápido. Na
verdade, aquele saco estava me deixando meio sufocada. Eu estava com
falta de ar!
– Tirem o saco – mandou Felipe – apenas vendem a menina.
Porém, quando eles tiraram o saco eu tentei gritar. Um deles tapou
minha boca com a mão. Além de me vendarem, me amordaçaram.
Um dos caras me carregou no ombro tão facilmente quanto seguraria
um saco de batatas; e fez isso de qualquer jeito. Eu tentava arranhá-lo e
chutá-lo desesperadamente. Por isso, acabaram amarrando meus pulsos e
tornozelos.
Eu não conseguia ver nada. E nem falar, com aquele pano entre os
dentes. Apenas ouvia o som de eles me levando para algum lugar. E
ficava cada vez mais apavorada.
Falta de ar outra vez. Eu estava tremendo. Meu coração não tinha
explodido ainda por um milagre.
Nervosa era pouco. Eu estava prestes a ter um ataque a qualquer
minuto.
Em algum momento, me colocaram no chão, no meio de um mato.
Senti que estavam colocando mais cordas em mim, amarrando-me numa
árvore.
– Por que está tão nervosa, garotinha? – eu ouvi a voz de Felipe a
provocar-me – Não era você que me xingava tanto? Por que não me
xinga mais um pouco agora?
Ele tirou a mordaça da minha boca. Imaginei que, onde quer que eu
estivesse, não adiantaria eu gritar. Não viria ninguém pra me ajudar.
Quando ele tirou a mordaça, acho que eu estava babando. E eu ainda
fiquei com a boca aberta por um momento, recuperando o ar, e sem
coragem de dizer coisa alguma.

214
A Gata Mascarada - Volume 2

Senti mais baba escorrendo da minha boca. Eu estava respirando


rápido e gemendo. Sentia meu corpo inteiro trêmulo.
– Tem algo a me dizer? – perguntou Felipe, muito próximo,
sussurrando no meu ouvido.
Eu senti um arrepio.
– Me tira daqui – balbuciei essas palavras.
– O que foi? Não escutei.
– Me tira daqui! – exclamei, embora as palavras ainda saíssem
emboladas e meu coração estivesse acelerado.
Eu estava apavorada porque não conseguia enxergar nada. Aquilo me
perturbava! Eu não sabia o que estava acontecendo lá fora, ao meu redor.
– Não vou te levar a lugar algum – disse Felipe – isso é um ritual.
O que ele queria dizer com isso? Eles iam me sacrificar ou algo assim?
É claro que não. Nem eles eram loucos a esse ponto.
Acho que senti o calor e o crepitar de uma fogueira lá fora. Eu devia
estar no interior de um círculo cerimonial. Imaginei que eu não escaparia
de lá ilesa. Iam me arrancar pelo menos um pouco de sangue.
Eu não sabia se aquilo me deixava mais aliviada ou mais nervosa.
Afinal, eram apenas suposições. Podia ser tudo mentira. Eu estava nas
mãos deles. Que sensação ruim.
Senti uma mão na minha perna. Nesse instante, eu gemi e tentei me
desvencilhar. Estava completamente alterada.
– Calma! – disse Felipe – Ninguém vai fazer nada a você. Quer ficar
quieta?
O cara só estava afrouxando a corda.
– Mentiroso – falei, mas minha voz estava falhando.
Finalmente me soltaram e tiraram a venda dos meus olhos.
Quando olhei ao meu redor, a primeira coisa que vi foi a fogueira. A
noite já estava quase caindo. Havia um círculo de pedras e um altar.
Vários caras estavam no interior do círculo com mantos vermelhos
compridos, completamente encapuzados. Eu não conseguia distinguir o
rosto deles. E cada um carregava uma espada. No altar, havia vários
utensílios cerimoniais, como grimórios, cálices e velas.
– Agora a líder da MAS deverá jurar lealdade a mim – anunciou
Felipe, apontando-me uma espada – ajoelhe-se.
– Jamais vou me ajoelhar.

215
Juliana Duarte

Dois deles tentaram me colocar de joelhos. Eu não cedi.


– Muito bem – disse Felipe – então será punida. Segurem-na.
Eles me seguraram. Eu comecei a me debater. Quando Felipe me
ameaçou com a espada outra vez, por um momento de loucura imaginei
que eles iam abrir minhas pernas e enfiar a espada dentro. Não sei
porque pensei isso. Deve ser porque a primeira coisa que temi quando
colocaram aquele saco em mim foi pelo meu filho.
No fundo, eu não estava com medo deles. Desde o início, eu só
estava receosa que qualquer coisa que eles fizessem pudesse me deixar
nervosa demais a ponto de sofrer um aborto.
Por isso, quando eles fizeram esse movimento eu comecei a gritar e a
chorar.
– Por favor, me deixem ir! – supliquei.
As lágrimas rolavam da minha face. Que cena patética. Eu juro que se
eu não estivesse grávida eu sequer teria piscado com todas aquelas
ameaças idiotas. Eu apenas teria resistido bravamente, até o maldito fim.
O pessoal começou a rir. Esse foi o cúmulo da humilhação. Vários
membros da Coroa & Reino rindo da minha cara enquanto eu chorava e
tremia. Acho que havia até umas duas ou três meninas no grupo, embora
eu não tivesse certeza, já que estavam todos encapuzados. Mas tive
impressão de ouvir uma risada feminina.
– Você estragou tudo, Ofélia Castelo – Felipe baixou o capuz – essa
era só uma brincadeira para assustá-la. Na verdade, era uma cerimônia
especial de confraternização. Eu já cansei dessa briga infeliz entre as
nossas Ordens, sem motivo algum. Por isso, proponho que cessemos as
intrigas.
– Uma brincadeira...?
De repente, eu me senti uma idiota. Eu corei. Por que eu tinha feito
todo aquele escândalo? Só porque me amarraram e me levaram pra um
lugar isolado? Ser vendada não era algo comum em cerimônias de
iniciação? Eu devia ter imaginado.
Mesmo assim, achei que eles foram muito estúpidos. É claro que
esconder a verdade fazia parte do teatrinho. E como éramos inimigos,
eles não fizeram questão de serem gentis.
– Nós pretendíamos lhe fazer uma série de perguntas para testá-la –
explicou Felipe – e ameaçar derramar um pouco do seu sangue no final.

216
A Gata Mascarada - Volume 2

Mas não íamos tirar sangue de verdade. Porém, com você desesperada
desse jeito, não consegui continuar. Se você passasse mal ou algo assim,
colocariam a culpa em mim.
– Eu tô grávida! – gritei, com raiva – Como se atreve...?
Enxuguei as lágrimas e limpei meu nariz no dorso da mão, que estava
escorrendo. Eu não me sentia com forças nem pra levantar. Ainda estava
tremendo um pouco.
Mesmo assim, eu consegui me erguer. Saí cambaleando de lá, sob as
risadas de zombaria dos membros da Coroa de merda.
Eu não conseguia parar de tremer! Que porra era aquela?
Cheguei novamente no campus central, embora caminhar ainda
estivesse difícil. Logo, eu tive que parar de andar, porque comecei a
sentir cólica.
Senti alguma coisa escorrendo na minha calcinha. Coloquei a mão lá
dentro e havia sangue.
Eu comecei a chorar. Acelerei o passo, tentando encontrar o caminho
para o hospital universitário, mas eu me sentia meio tonta.
Acho que desmaiei no meio do caminho. Quando abri os olhos de
novo, eu estava na grama e havia um monte de folhas secas no meu
rosto.
Tentei me levantar outra vez. Avistei pessoas. Eu precisava pedir
ajuda.
Acho que vi Amanda. Eu tinha quase certeza que era ela. Tentei gritar
o nome dela, mas minha voz não saiu.
Eu não me lembro bem o que aconteceu depois. Acho que alguém
me viu. Me carregaram. Quando abri os olhos, eu estava numa cama do
hospital universitário e Demian segurava minha mão.
– O bebê – foi a primeira coisa que eu disse.
– O bebê está bem – disse Demian, imediatamente – você sangrou
um pouco, mas não foi nada.
Finalmente pude respirar aliviada. Eu não sabia o que eu faria se
tivesse perdido o bebê. De repente eu me dava conta do quanto o amava.
De quanto o bebê era importante. Minha vida não teria sentido sem ele.
Eu chorei. Demian me abraçou.
– Mimi, eu tô com medo.
– Eu sei – ele disse – não se preocupe. Estou aqui.

217
Juliana Duarte

– Se em algum momento precisarem escolher entre salvar a vida do


bebê e a minha, salvem o bebê – eu disse, com firmeza. E não tive
nenhuma dúvida disso.
– Não seja boba. Não diga essas coisas. Vai ficar tudo bem.
Sensível, tão sensível. Qualquer coisinha me fazia chorar naqueles
dias. Eu me sentia mal com isso. Sempre fui tão forte. Por que aquilo
estava acontecendo, logo comigo?
– Você está se alimentando direito? – perguntou-me Demian – Me
disseram que você desmaiou. Não está pulando refeições, certo? Você
não é louca de estar fazendo uma dieta maluca enquanto está grávida.
– Não estou pulando refeições – garanti – estou comendo o melhor
que posso. Até coisas mais saudáveis do que de costume. Garanto que
depois que eu ganhar o filho terei engordado uns três quilos, além dos
quilos que já ganhei com a gravidez.
– Então... o que aconteceu? Você está estressada? São as provas? Não
me diga que o Max...
– Não. Eu não o vejo há mais de uma semana. Por incrível que
pareça, dessa vez não foi ele.
E eu contei tudo o que aconteceu. Demian não conseguia acreditar.
– Eu vou tirar satisfações com o líder imbecil da Coroa agora mesmo
– Demian levantou-se – você vai ficar bem sozinha?
– Sim, mas...
Eu não podia impedi-lo. E, pensando bem, quem disse que eu queria
pará-lo?
Eu mesma queria ter dado um chute no saco do desgraçado. Mas
naquele instante não me encontrava em condições pra isso.
Para minha completa surpresa, quem veio me visitar depois,
enquanto o Demian saiu, foi o Gregório. Ele estava super preocupado.
– Como você está?
Ele segurou na minha mão quando me perguntou isso. Essas palavras
soaram como mel nos meus ouvidos.
Aquela voz. Aquele toque. Sua expressão serena. No fundo, eu ainda
o amava. Mas de um jeito todo especial: por Demian eu sentia amor
apaixonado; um amor bobo e desesperado de adolescente. Já no caso de
Gregório, eu sentia como se ele fosse meu pai. Embora eu sentisse uma

218
A Gata Mascarada - Volume 2

forte atração sexual por Gregório, eu também me sentia segura e


protegida perto dele.
É claro que Demian também me fazia sentir segura, mas era diferente.
Demian parecia desajeitado demais até para cuidar de si mesmo, embora
se esforçasse. Gregório parecia sempre ter tudo sob controle. Como se
sempre soubesse a coisa certa a dizer. Como se possuísse uma sabedoria
profunda, de quem conhece os maiores segredos da vida.
Ele sabia como viver. Como me deixar calma. Quando eu estava com
ele, todas as preocupações sumiam da minha mente. Eu não queria que
ele soltasse minha mão nunca mais.
Engraçado. Quando eu estava com Demian, eu sentia que era como
uma troca: eu dava as minhas preocupações para que ele tomasse conta
delas. E eu tomava conta dos problemas dele. Só para esquecermos que
éramos duas pessoas separadas, apenas por um breve instante. A minha
vida era a vida dele.
No caso de Gregório, eu não sentia que ele precisava da minha ajuda.
Então, no fundo, acho que eu preferia estar com Demian, porque assim
eu me sentia útil. Eu sentia que estava fazendo uma diferença profunda
na vida de alguém. Eu não queria ser apenas um peso morto para
Gregório, com meus problemas de jovem adulta e minha completa
imaturidade para lidar com eles.
– Estou melhor, agora que você está aqui – respondi, simplesmente.
E uma lágrima rolou do meu rosto quando o vi assim, tão terno, tão
carinhoso.
Eu ri um pouco.
– Você deve me achar boba porque estou chorando – confessei – por
que você sempre me vê quando estou fraca?
– Não diga isso. Você está lidando com tudo bravamente.
Eu não respondi. Eu não sabia que uma gravidez ia me deixar
daquele jeito. Eu passava pelas outras coisas da vida com tranquilidade.
Mas estar grávida me fazia pensar em um monte de questões
complicadas: no sentido da vida, na responsabilidade de trazer mais um
ser pro mundo. Será que meu filho seria feliz? Ou ele ia preferir não ter
nascido?
Eu não pensava nessas coisas diretamente. Apenas sentia. O
resultado de todas aquelas emoções complicadas se fundia em algo

219
Juliana Duarte

simples: uma lágrima. Ela falava por mim. Gritava por mim. Era como
um grito de socorro, um clamor por ajuda.
Eu não tinha feito o filho sozinha, então eu sentia que só estaria
completa se o pai dele estivesse perto de mim. Como eu não sabia se era
Gregório ou Demian, eu sentia um pouco desse sentimento de paz
quando estava perto dos dois.
– Se precisar de qualquer coisa, por favor, me ligue – insistiu
Gregório.
– Mas a sua namorada...
– Ela não atende meu celular. E ela compreende a situação.
– Sabe, Gregório. Tem uma coisa que eu queria te perguntar.
– E o que seria?
– Você foi amigo do Moisés no passado?
Gregório suspirou fundo antes de responder.
– Sancha conectou todos nós, de uma forma ou de outra – explicou
Gregório – eu até arriscaria dizer que ela é o centro de tudo isso.
É claro. Os clientes dela. Sancha sempre atendeu vários ocultistas.
Então eles acabavam conhecendo uns aos outros por ela. Eis o
misterioso mundo masculino. Acho que poucos deles aguentavam de
curiosidade quando ouviam falar numa prostituta satanista que era capaz
de provocar um prazer do demônio na cama.
– Você já foi pra cama com ela com outro cara no meio? – perguntei,
curiosa.
Gregório sorriu.
– Ofélia, sugiro que vá direto ao ponto. O que realmente quer me
perguntar?
– Pra falar a verdade, acho melhor deixarmos de lado Moisés hoje.
Eu queria falar sobre o Max.
– Eu já imaginava. Ele anda lhe perturbando?
– Demais!
– Ele está morando comigo no apartamento – explicou Gregório –
mas fica fora na maior parte do dia. Só volta para dormir.
– Isso não está certo – observei – Alan te deixou responsável por ele.
Max passou a vida inteira isolado com os pais no meio do nada. E ele
tem doze anos. Você tem ideia por onde ele tem andado?
– De manhã ele está no colégio. Já liguei para checar isso.

220
A Gata Mascarada - Volume 2

– E de tarde eu já “chequei” que ele fica passeando pela minha


universidade.
– Ele está causando problemas entre as sociedades?
– Ele está particularmente me causando problemas – respondi – e é
teimoso. Eu o mando embora e ele não vai. E ainda fica fazendo
comentários pervertidos. Não venha defendê-lo dizendo que ele é uma
criança. No fim do ano ele já completa treze.
– Não vou defendê-lo. Terei uma conversa séria com ele.
– Uma conversa? – eu não podia acreditar – Apenas o mande embora!
Eu não o quero perto.
– Confie em mim, Ofélia. Depois dessa conversa, ele não irá mais
incomodá-la.
Eu confiava em Gregório. Resolvi deixar tudo nas mãos dele.
Demian voltou. Era sempre curioso quando Gregório e Demian se
encontravam. Gregório parecia tranquilo, como sempre, mas Demian
ficava meio alterado. Acho que ele ficava dividido entre sentir raiva de
Gregório e respeitá-lo.
– Eu já tomei conta do mestre daquela falsa Ordem – comunicou
Demian – daqui a pouco devem trazê-lo para o hospital também, então
eu sugiro que você não esteja aqui quando isso acontecer.
Eu ri.
– Você fez mesmo! – exclamei, com alegria – Meu herói!
E abracei Demian. Depois daquela, eu nem ficaria tão chateada assim
que ele fosse pra Itália por um tempo. Mimi merecia um descanso depois
de tanto espancamento.
– Você não o matou, certo? – perguntou Gregório.
– Infelizmente o risco de morte é pequeno – informou Demian.
Que droga. Eu queria ter assistido.
No dia seguinte, eu fui a protagonista de um novo espetáculo. Por
causa da minha gravidez evidente e da boca grande de Felipe, já estavam
todos sabendo que eu era a líder da MAS.
Assim que eu cheguei no centro acadêmico da pedagogia pela manhã,
as meninas estavam todas esperando por mim, boquiabertas.
– Você é a Gata Mascarada! – exclamou Amanda.
Minhas colegas não sabiam quase nada sobre as sociedades secretas.
Mesmo assim, até elas ficaram surpresas com a notícia.

221
Juliana Duarte

– Isso é tão demais! – disse Milena – Será que você me aceita como
membro?
– Pensei que quisesse entrar pra Coroa – observei.
– Depois que eu soube da brincadeirinha sem graça que fizeram
contigo ontem, não quero mais. Eu acho que literalmente metade da
universidade está contra eles agora por causa disso.
Eu fiquei chateada que aquela história tivesse se espalhado.
Mas as pessoas não me procuraram pra rir da minha cara. Fui barrada
logo na porta da sala de aula. Havia vários alunos de outros cursos
querendo falar comigo. Inclusive, o pessoal de jornalismo responsável
pelo jornalzinho da universidade queria me entrevistar. Teve até alguém
que tirou foto! Eu estava virando uma estrela.
No primeiro dia foi divertido. Eu me senti uma diva. Embora a galera
já tivesse se acalmado um pouco alguns dias depois, eu continuei a ser
perturbada pelas semanas seguintes. Aquilo me aborrecia um pouco.
Eu não gostava das perguntas idiotas. Me perguntavam sobre minha
gravidez e sobre quem era o pai. Aquilo não era da conta deles!
Antes era só o blog da Ordem que recebia um monte de acessos.
Assim que descobriram meu nome real, o pessoal encontrou meus
outros blogs pessoais. Agora não era só o Max que sabia tudo sobre a
minha vida. Eu e essa minha mania de contar cada detalhe da minha vida
pessoal na internet... rapidinho descobriram quem era meu namorado, e
foram perturbar o líder da OAAL também.
Demian foi curto e grosso. Ficou bastante irritado com o pessoal
perturbando.
– Por favor, queremos uma foto de vocês dois se beijando para o
jornal! – pediu uma das jornalistas.
– Ninguém lê o jornal da universidade – respondeu Demian, de má
vontade – vocês só escrevem bobagens. Eu mesmo nunca li.
De repente, nós dois viramos um dos casais mais famosos da
universidade. Demian ficava aborrecido quando havia alguém espiando
quando saíamos juntos para tomar café num dos barzinhos do campus.
Agora já não era tão seguro assim trepar ao ar livre. Uma foto podia
acabar vazando na internet.
Aproveitei a minha popularidade para mandar fazer capas com
capuzes para a MAS também. Afinal, todos os membros da OAAL

222
A Gata Mascarada - Volume 2

tinham capas azuis tradicionais. Até o pessoal da Coroa tinha arranjado


capas vermelhas! Então eu queria ter também.
Uma foto minha e do Demian nos beijando saiu no jornalzinho. Foi
tirada “secretamente” numa das ocasiões em que eu agarrava Demian de
surpresa no campus. Mas eu quase senti pena da má qualidade da foto.
Por isso, eu mesma fui falar com a pobre coitada que era a editora do
jornal, para fornecer-lhes uma foto de qualidade.
A próxima foto que saiu ficou linda. Eu e Demian trocando um beijo:
eu com meu capuz rosa e ele com o azul. Os dois líderes lindinhos e
apaixonados! Eu acho que acabaríamos com as fantasias deles se
descobrissem que o meu filho podia ser de outro cara. Ou será que não?
– Vocês viram a foto do mestre da Gata Mascarada na internet? Ele é
um super gato!
– Como eu queria ver esse gostosão ao vivo!
As meninas andavam comentando coisas do tipo naqueles tempos.
Suspeitei que fossem perturbar Gregório um pouco mais. A namorada
dele, Berenice, ficava fula da vida quando uma das “estudantes aleatórias”
da minha universidade mandava uma mensagem de amor pro Gregório.
E mais membros se afiliaram ao fã-clube
www.eucomiogregorio.blogspot.com.br. Mas eram todas posers, pois
nenhuma delas conseguiria pegá-lo agora que Gregório tinha dona. Elas
só iam ficar fantasiando, há, há, há!
– Você ainda não apagou esse blog? – perguntou Demian, indignado.
– Eu só o deixei no ar – confessei – não mexo mais nele. Quer que
eu faça um fã-clube pra você?
– Você seria o único membro, já que foi a única garota que me
comeu...
– Tem razão. Então o fã-clube das comedoras não faria mais sentido.
E adivinhe só: Camilo e Fernanda estavam namorando! As jornalistas
obtiveram mais uma foto de um beijo. Dessa vez de dois membros com
capuzes rosa. Que romântico... o amor estava no ar!
Eu não conseguia mais ler em paz. Eu até tentava ficar quieta na
escadaria. Mas de vez em quando chegava alguém pra perguntar sobre a
MAS. O número de membros estava aumentando muito rápido. Até a
OAAL ganhou novos membros. OK, seria injusto dizer “até”, já que em

223
Juliana Duarte

questão de conteúdo teórico de ocultismo a Ordem do Demian devia ser


superior a minha.
– A melhor Ordem é onde estão os amigos – Fernanda me disse,
toda queridinha.
E eu fiquei toda feliz com o que ela falou.
Fiquei surpresa quando o líder da Coroa & Reino veio falar comigo
pessoalmente um dia. Assim que o vi, recuei instintivamente.
– Calma. Eu queria pedir desculpas.
– Desculpas não aceitas – respondi, sem nem fitá-lo.
– Acho que fomos longe demais. Eu não me liguei que por estar
grávida você podia passar mal.
– Não quero falar contigo. Por favor, me deixa em paz.
Ele concordou e saiu. Ah, se Max fosse assim tão obediente. Afinal,
por onde ele andava? Eu já não o via há algumas semanas.
Eu sentia uma estranha paz. O semestre estava quase no fim. E as
três sociedades secretas tinham parado de brigar. Aquilo não era o
máximo? Moisés só podia estar errado sobre a paradinha de arranjar
inimigos. Eu me sentia muito melhor quando não havia brigas. Confesso
que até me senti um pouquinho melhor quando Felipe se desculpou,
mesmo eu não tendo aceitado as desculpas. Pelo menos isso indicava
que ele estava arrependido. Já era um bom sinal. Mas eu confesso que
também gostei ao constatar que ele ainda tinha algumas cicatrizes dos
ferimentos causados por Demian. Assim ele não se esqueceria tão cedo
do que tinha feito, e não repetiria aquele absurdo com ninguém.
Quando voltei pra casa no fim da tarde, fiquei surpresa quando
minha mãe me avisou que tinha alguém me esperando no meu quarto.
– Demian chegou mais cedo? – perguntei, contente.
– É outro amigo seu.
Amigo meu? Do sexo masculino, que ia me visitar em casa e entrava
no meu quarto? Eu não tinha nenhum amigo tão íntimo assim. Não
podia ser Camilo. Não era possível que fosse Otávio.
Quando entrei, levei um susto. Max estava lá dentro, sentado na
minha cama.
– Eu não acredito que minha mãe te deixou entrar no meu quarto! –
reclamei, furiosa – Como conseguiu meu endereço?
– Não subestime minha rede de informações.

224
A Gata Mascarada - Volume 2

– Mas... Gregório jamais te contaria onde moro. Ele não faria isso
comigo. Você não mexeu nas minhas gavetas de roupa íntima, né?
– Não mexi em nada – garantiu Max.
– Não confio na sua palavra.
– Eu não sou mentiroso – disse Max, ofendido.
– Então diga logo o que quer e depois vai embora – mandei,
impaciente.
Sentei-me na minha cadeira e observei-o. Será que ele não estava mais
com tanta vontade de me aborrecer?
– Eu não fui na sua universidade por uma semana porque eu estava
em semana de provas no colégio. E depois disso Gregório teve uma
conversa comigo.
– E...?
– Eu queria pedir desculpas por tudo o que fiz até hoje. E digo isso
com sinceridade. Eu só fiz o que fiz porque queria que você olhasse pra
mim.
– Moisés não ficou puto contigo por causa do grimório?
– Ele ainda não sabe.
– Moisés não é idiota.
– Confie em mim. Nem Giovani percebeu o roubo. E se percebeu,
ele será o último a abrir a boca. Mas eu não vim até aqui falar disso. Eu
soube do que a Coroa fez com você. Antes eu admirava aqueles caras,
mas já vi que só são um bando de bundões. Nem eu jogaria tão baixo.
– Eu acho que você já jogou mais baixo que eles.
– Eu jamais te amarraria e te levaria pra o meio de um mato pra fazer
um ritual – comentou ele, como se fosse absurdo – isso é doente. Eu
nunca encostei um dedo em ti antes. E não venha me falar do abraço.
Foi só um abraço, como você dá em qualquer amigo seu.
– Até parece que você conseguiria me amarrar, criancinha. Eu te
mataria antes.
– Duvida? – ele desafiou-me – Quer que eu te mostre? Eu sou mais
alto que você, sabia?
– Qualquer um é mais alto que eu. Isso não é um mérito.
A chave estava na fechadura. Max girou a chave e trancou a porta do
meu quarto. Guardou a chave consigo.
– Está com medo?

225
Juliana Duarte

– Nem um pouco – confessei.


– OK...
Ele colocou a chave na porta novamente e abriu-a. Devolveu-me a
chave.
– Viu como sou confiável? – disse Max.
– Oh, muito obrigada, Max, por não enfiar o seu caralho na minha
buceta sem minha permissão – zombei – você é tão gentil por sua
misericórdia... ora, faça-me o favor! Acha que merece um prêmio por sua
“gentileza”?
– Eu não sou a pessoa que você imagina. Isso é tudo o que tenho a
dizer. Você pode contar comigo. Se eu fosse o pai da sua criança, eu
posso te garantir que eu não estaria na Itália ou em nenhum outro lugar
do mundo quando ela nascesse. Também não estaria trancado no meu
apartamento comendo outra mulher. Eu estaria ao seu lado. Segurando a
sua mão. E nunca iria te abandonar. Eu seria o cara mais fiel e o
companheiro mais dedicado do mundo.
Confesso que quando ele disse isso eu senti um aperto no coração ao
lembrar que Demian estaria longe de mim num momento tão importante
da minha vida. Quanto a Gregório, eu também não sabia se a namorada
ciumenta dele ia concordar que ele fosse.
Mas eu não ia me deixar afetar por esses comentários.
– Isso é problema meu. Cuida da sua vida.
– Eu faço parte da sua vida – disse Max – eu sou filho do Alan. Ele
não significa nada pra você?
– Sim, ele significa. Mas você não. Pelo menos não atualmente. Se um
dia você amadurecer, quem sabe possamos ser amigos. Mas não mais
que isso. Se você não tivesse agido comigo de forma tão idiota, já
poderíamos ser amigos desde agora. A escolha foi sua.
– Você não me namoraria de qualquer forma, então eu tentei arriscar
tudo. Você não aceita minhas desculpas. Você é arrogante, Ofélia. As
pessoas não podem cometer erros?
Eu estava ficando com dor de cabeça só de ouvir Max falar. Eu não
aguentava mais aqueles discursos dele. Qual era o objetivo? Ele nunca
seria meu namorado e nunca transaria comigo. Ele não conseguia
entender algo tão simples? Não sabia receber um “não”? Era mesmo
uma criança.

226
A Gata Mascarada - Volume 2

– Estou com dor de cabeça – avisei – vou tomar um comprimido e


descansar. Por favor, vá embora.
– Vai conversar melhor comigo depois?
Como era insistente! Se eu dissesse que não, ele continuaria me
perturbando até eu dizer sim.
– Sim, mas não agora – resolvi dizer.
– Estou com sede – disse Max – posso pegar um copo d’água?
– Sim, minha mãe deve estar na cozinha fazendo a janta.
Assim que ele saiu do meu quarto eu tranquei a porta. Ufa!
Peguei minha cartela de comprimidos e minha garrafa d’água. Sentei
na minha cama e suspirei fundo por um momento. Max era uma das
pessoas que conseguia me deixar mais estressada.
Resolvi tomar uma ducha para relaxar. Fui até o banheiro que ficava
dentro do meu quarto e peguei uma toalha no guarda-roupa.
– Toalha verde com uma florzinha, que o Mimi me deu!
Eu cheirei a toalha toda feliz, tocando-a no meu rosto. Seria ainda
melhor se a toalha tivesse o cheiro dele, pra eu ficar bem doidinha.
Decidi que ia pedir pra ele tomar banho com ela da próxima vez. Assim
eu teria o prazer de me secar com a mesma toalha!
Tirei a roupa e entrei no chuveiro. Eu não ia lavar o cabelo. Mesmo
assim, não prendi com uma touca. Apenas coloquei uma tiara para
segurar a franja.
Nossa, minha barriga já estava enorme! E meus peitões, então! Os
meus velhos sutiãs já não serviam. Tive até que comprar sutiãs novos de
tamanho maior. Aquilo era uma delícia! Eu gostava de ficar brincando
com meus mamilos naqueles tempos, porque eles estavam tão
gostosinhos...
Apenas passei um sabonete rápido no corpo nos lugares mais
importantes, há, há. Ofélia estava bem cheirosa. Eu consegui relaxar de
verdade depois daquele banho.
Fechei o chuveiro. Saí cuidadosamente, me apoiando para não me
machucar, já que eu tinha que tomar cuidado com meu barrigão.
Deixei a toalha em cima da cama. Porém, assim que coloquei a mão
no trinco da porta do banheiro, ele se moveu pelo outro lado.

227
Juliana Duarte

Levei um dos maiores sustos da minha vida. Senti uma sensação


horrível. Dei um grito muito alto e fino. Eu não gritei porque quis. Saiu
sem querer, com o susto enorme que levei.
No instante seguinte, me encostei contra a parede e cobri os seios e a
vagina com as mãos. Eu continuei me encolhendo e gritando.
Mas quando olhei pra porta, vi Demian me fitando com uma
expressão assustada de quem não faz a menor ideia do que está
acontecendo. Fiquei aliviada. Respirei fundo. Por causa daquele susto
comecei a chorar.
– O que houve?! – perguntou Demian, preocupado.
Ele sentou-se no chão do banheiro ao meu lado, onde eu havia me
encolhido, e me abraçou. Mas eu não conseguia falar. Eu apenas chorava.
Abracei-o forte e as lágrimas não paravam.
– Eu pensei que fosse o Max... – confessei, com a voz trêmula –
nunca levei um susto tão grande. Puta que pariu!
Demian me ajudou a levantar. Levou-me até o quarto e me passou
minha toalha verde. Enrolei-me nela. Nós dois nos sentamos na cama e
ele continuou me abraçando, enquanto as últimas lágrimas continuavam
a escorrer.
– Você está ficando paranoica – disse Demian – Max já parou de te
perseguir faz tempo, lembra? Então, apenas esqueça isso.
– O quê? Não! O Max veio aqui hoje. Ele foi até a cozinha tomar
água. Você não o viu quando entrou?
– Não.
A expressão do rosto dele mudou. Eu coloquei uma calcinha, um
sutiã e um vestido. Calcei minhas sandálias. Assim que terminei de me
vestir, Demian abriu a porta do quarto.
– Eu tinha trancado a porta – eu disse – como você entrou?
– Eu tenho a chave, lembra? Você me deu, porque disse que tinha o
desejo secreto, ou não tão secreto assim, que um dia eu te flagrasse
enquanto você se masturbava na cama.
– Ahhh... é mesmo – concordei – infelizmente isso ainda não
aconteceu.
Achei que Max já tinha ido embora. Mas lá estava ele sentado no sofá
da sala.

228
A Gata Mascarada - Volume 2

– Por que você gritou? – perguntou Max, curioso – Demian estava te


comendo no chuveiro e você gritou de prazer?
Quando Max disse isso, Demian foi até onde ele estava e deu-lhe um
soco na cara. Só que Demian exagerou. Ele ficou tão puto que não
conteve sua força.
Max caiu no chão imediatamente. Sua boca inteira estava banhada em
sangue. Quando ele cuspiu, derramou algumas gotas de sangue no chão e
dois dentes.
Cacete! Eu nunca tinha visto um soco tão bonito na minha vida.
Imaginei que para Max seria inesquecível. Acho que depois daquela, ele
nunca mais se atreveria a falar qualquer merda na minha frente outra vez.
Isso se ele ainda conseguisse falar.
Max começou a chorar na mesma hora. Ele realmente estava com
dificuldade pra falar. E pra respirar também, porque uma parte do soco
tinha pegado no nariz. Ele teve que ser levado para o hospital
imediatamente.
Ele correu risco de morrer por alguns minutos, porque sua respiração
estava falhando. Teve que ser atendido com a máxima urgência.
No entanto, ele logo se recuperou. Não corria mais riscos.
Somente depois disso que Alan finalmente viajou para Brasília.
– Por que não me avisaram antes? – perguntou Alan – Desde que ele
começou a se portar mal. Eu o teria levado para casa imediatamente.
Eu duvidava muito. Alan pegava muito mole com Max. Depois
descobrimos que Max realmente tinha feito alguma coisa no telefone da
casa de Alan e Dalila, impedindo-o de funcionar direito. Por isso Alan
nunca atendia minhas ligações. Eu já estava até estranhando, já que ele
vivia enfurnado naquele buraco.
– E você ainda quebrou o celular caro que te dei de presente, Max? –
perguntou Alan, aborrecido – Agora já chega. Você vai voltar pra casa.
Surpreendentemente, Max não resistiu. Acho que ele queria ficar o
mais longe possível de Demian.
– Mas antes de ir, eu só queria ter uma conversa final com Ofélia,
para terminar o que eu estava dizendo – pediu Max – por favor.
Fiquei a sós com ele no quarto, embora Demian tivesse ficado de
vigia numa cadeira do lado da porta.

229
Juliana Duarte

– Eu agi mal, confesso. E o fato de eu ser criança não justifica isso.


Porém, ninguém nunca viu o meu lado. Sofri muito preconceito.
– O preconceito que sentíamos por você ser um pirralhinho atrevido?
– perguntei, ironicamente – Se queria respeito, devia ter se portado com
educação. Com a sua idade Demian já estava no seminário. E seu pai
liderava uma Ordem de ocultismo no colégio e era muito respeitado.
– Sei disso tudo. Mas eu não sou eles. Tenho o direito de seguir a
minha vida e fazer as minhas escolhas.
– Dessa vez você fez as escolhas erradas. Que sirva de lição para o
futuro.
– Mas além de eu sofrer preconceito por ser criança, sofri
preconceito por ser homem.
– Como assim? – perguntei, sem entender.
– Valentina correu de lingerie na universidade e tentou tirar a roupa
de Demian – explicou Max – e todos acharam muito engraçado. Se eu
corresse de cueca e tentasse tirar a sua roupa, iam me chamar de monstro.
Por que uma mulher se jogando em cima de um cara é sensual e um cara
se jogando numa mulher é condenável? Você batia em mim quando eu
fazia algum comentário. Se um cara batesse numa mulher que fizesse
qualquer comentário, iam chamá-lo de grosso, de bruto.
– Ai, ai...
Ele queria mesmo iniciar aquele debate tão polêmico? A verdade era
que eu não tinha resposta pra isso.
– Homens e mulheres não são iguais – eu disse, simplesmente – por
uma série de fatores. Isso não significa que não devemos respeitar um ao
outro. É claro que eu não ia deixar Valentina fazer o que quisesse. Se ela
passasse do limite, Demian podia se irritar de verdade e acabar batendo
nela. E eu não o condenaria por isso. Ora, é claro que um cara pode dar
em cima de mulheres. Eu sempre amei caras se atirando em mim quando
eu estava solteira. Porra, Max, é só que às vezes você tem que se tocar.
Há momentos em que não é questão de ser homem ou mulher, criança
ou adulto. É só questão de não ser um completo idiota! Se esforça um
pouco pra isso que acho que até você consegue.
Mas antes que Max fosse embora, Moisés teve uma conversa séria
com Alan. Cara, como eu queria ter escutado aquela conversa. Que lindo,
todos estavam putos com Max! Ele tinha conseguido emputecer quase

230
A Gata Mascarada - Volume 2

todo mundo que eu conhecia. De certa forma, eu me sentia aliviada por


não estar sozinha nessa. Ele era uma peste.
De fato, Max era inteligente e tinha bons argumentos. Ele só tinha
que dar um jeito naquela personalidade. Talvez ainda tivesse conserto.
Mas que Alan e Dalila se encarregassem de consertá-lo, pois eu não
queria mais ter nada a ver com aquilo. Já estava farta de lidar com
crianças depois de todos aqueles meses. Era estressante pra cacete! E
pensar que eu ainda teria meu próprio filho pra educar...
Quando Demian viajou com os colegas da teologia fui me despedir
dele no aeroporto. Com mais lágrimas no rosto!
À noite, eu e Mimi nos falamos pela internet.

Fifi: Oooooieeeee meu cuscuuuuuzzz!! ^3^


Mimi: Oi, Fifi. :3
Fifi: Tá xi divertinduuuu baxxxtantiii neshha xidade xeeiiia diii
krisshhtauhnns monotonoxxxx??? ^o^
Mimi: Ofélia, por favor, digite de forma normal, e não da maneira
que conversa com suas amigas. Senão não vou conseguir entender
metade do que você escrever.
Fifi: Ai, que chato. Tá bom, meu bolinho de chocolate. A verdade é
que não tenho o menor interesse pelo que você tá fazendo aí. Não
precisa me contar sobre suas rezas. Apenas me compra um presente
quando voltar, tá? :]
Mimi: Que perigoso escolher um presente pra você. Fico até com
medo. Você é sempre tão exigente nas marcas e estilos de suas roupas e
acessórios. O que quer que eu compre?
Fifi: Pode ser qualquer coisa. Vou gostar de tudo que você me der.
\^^/
Mimi: Duvido muito. ¬¬
Fifi: Mas se estiver na dúvida, compre pra mim um perfume Dolce &
Gabbana. Te passei certinho os nomes por e-mail. ;)
Mimi: Eu sabia. u_u
Fifi: Tem que ser feminino, ouviu, Mimi? Não vai comprar errado!
Seria bem a sua cara comprar algo nada a ver. Se cheirar mal vou te
mandar usar, ouviu? :/
Mimi: Parece justo. E eu vou ter dinheiro pra comprar isso?

231
Juliana Duarte

Fifi: Não. Passei trezentos reais pra sua conta. ^–^


Mimi: Obrigado, eu acho... agora tenho que ir.
Fifi: Taaaaa! xoxo PS: Morrendo de vontade de chupar esse cacete
duro. º3º
Mimi: Tava demorando. Beijos, se ganhar o filho antes da hora me
manda sms. :)
Fifi: Aff, vou enviar o cocô dele por Sedex como vingança! :(

Nossas conversas rápidas pelo msn eram sempre felizes assim. Mas
infelizmente Mimi tinha pouquíssimo tempo para usar a internet, então
nossos papos eram ligeiros e raros.
Eu me sentia estranha. Sabia que podia ganhar o filho a qualquer
momento. E haveria várias surpresas na hora do parto.
A surpresa mais importante seria descobrir se era filho de Gregório
ou de Demian. Sinceramente, eu torcia para que fosse de Demian, mas
não ficaria triste se fosse do Gregório. As duas opções eram especiais.
Eu também não sabia se viria uma menina ou um menino. Acho que
eu preferia menina, pra encher de lacinhos. Mas se fosse menino eu
colocaria lacinhos também, he, he.
Depois que eu ganhasse aquele bebê, eu me sentiria aliviada. Se bem
que a loucura maior começaria depois que ele nascesse.
Eu ia ser mãe! A ficha tinha caído só naquele instante. Mamãe Ofélia.
Aquilo era tão incrível!
O novo semestre universitário já tinha começado. E lá estava eu indo
para os chás da MAS com meu barrigão de quase nove meses. Eu era a
estrela da universidade! Muita gente me apontava. Cara, que orgulho.
Meu barrigão era um sucesso.
Será que quando eu me tornasse professora primária eu conseguiria
lecionar num colégio da minha cidade e dar aulas pra meu próprio filho?
Aquele pensamento me divertiu.
Quanto aos encontros da Flolan, eu logo fiquei sabendo que haveria
outro ritual somente para membros de alto grau, do qual eu não poderia
participar. E a novidade mais quente era: Gregório e mais quatro
membros homens iam realizar um ritual secreto juntos. Completamente
nus!

232
A Gata Mascarada - Volume 2

Eu ainda não sabia se era verdade, mas esse boato já estava rolando
há um bom tempo. Se fosse, eu queria espiar. Ora, se Demian não
estivesse viajando, eu o levaria para espiar comigo.
– Fábio, me passa todos os babados – pedi.
– Eu não sei de nada! – defendeu-se ele.
– Não vai participar?
– Não, não. Parece que não vai ter só gente da Flolan. É um ritual
totalmente privado. Se bobear, até o Alan vai estar lá. Ele não confirmou
ainda.
Eu estava com cada vez mais vontade de assistir aquilo. Por isso,
fucei em todos os cantos da internet em busca de informações, além de
encher o saco de uma penca de pessoas.
Para meu espanto, recebi um e-mail de Max. No e-mail só havia uma
data e local de encontro. Eu já sabia exatamente o que aquilo significava.
Ora, quando se tratava de obter informações secretas, Max era o melhor
nisso.
“Somente a presença de seniores, hã?” Soava o máximo.
No grande dia, eu me escondi num local estratégico e aguardei a
chegada do pessoal.
Lá estavam Gregório e Alan. Para minha decepção, eles estavam
vestidos. Algum engraçadinho deve ter inventado essa história de que
estariam todos pelados, só pra fazer com que as garotas criassem um
alvoroço. E eu já tinha uma boa ideia de quem havia sido o engraçadinho
que armou aquilo. Depois eu o xingaria por e-mail.
Infelizmente, Max me conhecia bem demais e sabia o que chamaria
minha atenção. Se bem que... cinco homens gostosos pelados, todos
quarentões ou quase isso. Que mulher não ficaria doidinha pra ver?
Para meu completo assombro, vi Moisés entre eles. Quando o vi lá,
tive certeza: Gregório e Moisés tinham feito parte da mesma Ordem na
juventude.
O outro cara... quem era? Eu tinha quase certeza de que já o vira
antes. Pensando bem, aquele lá não devia ter quarenta anos. Devia ter no
máximo uns trinta.
Eu finalmente o reconheci: era o atual vice da ODE. Roberto, o
abençoado marido de Sancha.

233
Juliana Duarte

O único que não identifiquei foi o último membro, que parecia ser o
mais velho. Era um cara negro e alto. Meio assustador.
O ritual que eles realizaram me deixou de cabelo em pé. Aquilo me
afetou. Eles recitavam conjuntamente alguma fórmula mágica, com as
mãos ao alto em volta do círculo; com suas vozes poderosas.
Parecia canto gregoriano, mas não podia ser. O que será que eles
estavam dizendo?
Concentrei-me. Prestei atenção. Até que tudo parou e restou apenas
o barulho do vento.
Tive uma visão. Era a Basílica de São Pedro. Havia canto gregoriano
soando em algum lugar. E Demian estava lá.
Algo brilhou. Tinha a voz de trovão e era como fogo.
Era como se uma parte de mim estivesse naquele lugar. Planando, lá
no teto. Eu estava ao lado da imponente figura de fogo e trovão que
observava com interesse os sacerdotes cantando lá embaixo.
Tive uma estranha intuição.
– Ei, você é Deus? – perguntei.
A figura, que era milhões de vezes mais imponente que um anjo, fez
que sim.
– Ah, tá de sacanagem – falei – deve ser só um anjo. Tipo, um
serafim. Desses importantes, secretários de Deus. Como Metatron.
E não é que minhas conversas idiotas que tive com Demian sobre
anjos serviram pra alguma coisa?
– Isto é, eu nunca pensei que um dia eu fosse encontrar um anjo de
verdade. Você é meu Sagrado Anjo Guardião? Ou é Deus mesmo?
Como é que te chamam mesmo? Javé?
Ele colocou um dedo nos lábios, indicando lá embaixo. Ele queria
que eu escutasse o canto.
– Tô escutando. Podemos conversar ao mesmo tempo, não? Eu
sempre quis conversar com o senhor, Deus, de tanto que o Mimi fala de
ti. Pra ser sincera, eu nunca acreditei de verdade que você existisse. Mas
aí está você. Que coisa, não?
Ele nada disse.
– Você é mesmo um homem? Ou é uma mulher? É negro ou branco?
Era difícil dizer. Parecia apenas uma figura humana, indefinida. E
brilhava tanto que estava mais para dourado do que negro ou branco.

234
A Gata Mascarada - Volume 2

– Eu queria que você fosse cor-de-rosa. Pelo menos você criou flores
na cor rosa e me deixou feliz. Mas eu não gostei muito dessa história de
mandar meu namorado pro Vaticano bem quando vou ganhar o bebê!
Qual o significado disso, Deus? Quero dizer... eu não sei se sempre há
um significado no que você faz. Às vezes parece que não.
– Por que você quer um significado?
A voz que soou foi tão profunda que senti um aperto no coração.
Por uma razão estranha, me lembrou um pouco a voz de... Demian.
Talvez porque era ele que sempre estava me falando dessas coisas da
Bíblia.
– Não precisa ser um significado lógico – decidi – pode ser apenas
uma emoção que me faça feliz. Eu gosto de estar feliz, Deus. Mas só
consigo estar feliz quando Mimi está comigo. A propósito, você sabe se
ele vai me trazer o meu perfume?
– Sim, ele vai comprar amanhã. Mas vai comprar errado.
– Droga. Eu sabia! – exclamei, irritada – Será que dá tempo eu enviar
um e-mail hoje?
– Daria, mas ele não vai ler.
– Que tapado. E se eu telefonar?
– O celular dele está desligado.
– Mas que merda! Deus, pare de ferrar com minha vida, sim? Eu
realmente preciso desse perfume. Amanda vai dar uma festa arrasadora
em setembro e preciso estar bem cheirosa.
– Me desculpe, Ofélia. Mas você não poderá ir nessa festa.
– Por que não?
– Porque vai estar morta.
Eu senti um calafrio.
– Eu vou morrer...? – perguntei, assustada – Quando?
– No parto.
Quando escutei isso, comecei a chorar. Deus estendeu o braço e
secou as minhas lágrimas com suas mãos que eram como fogo.
– Foi por isso que apareceu pra mim agora? Porque vou morrer.
– Daqui a dois dias você vai ganhar seu bebê. Vai nascer saudável. E
será um ser humano muito feliz.
Saber disso me encheu de alegria. Mas junto dessa alegria havia dor.

235
Juliana Duarte

– Deus... por que você é tão cuzão assim? – perguntei, com as


lágrimas caindo – Por que vai me matar quando tenho minha vida toda
pela frente? Estou recém começando a viver. Aprendendo sobre esse
mundo. Antes eu pensava que odiava esse lugar. Mas acabo de descobrir
que não quero deixá-lo.
– Você disse que não precisava de um significado, mas apenas de
uma emoção forte que te fizesse feliz.
– A emoção de morrer não me deixa feliz.
– Mas você acabou de sentir um sentimento de alegria ao saber que
seu bebê ficará bem.
– Sim – concordei – eu diria que é uma alegria junto com tristeza.
Pensando bem, a vida inteira é feita disso. A mesma coisa ocorre na
morte. Então, entre viver e morrer talvez não faça tanta diferença assim.
O canto gregoriano penetrava profundamente em mim enquanto
minhas lágrimas caíam.
– Essa alegria é dolorosa. Deus... você vai me mandar pro inferno?
Deus sorriu quando perguntei isso.
– Não, Ofélia, eu não vou.
– Mas eu já cometi tantos sacrilégios e difamei o senhor tantas vezes.
Ele passou a mão na minha cabeça. Senti um arrepio.
– Não chore – Ele disse – um dia você vai se encontrar com Demian
de novo.
Mas isso me fez chorar ainda mais.
– Eu não quero o Mimi sozinho. Deus, será que você pode arrumar
uma menina bem bonitinha e boazinha pro meu Mimi? Eu não quero
que ele se enfie na igreja de novo. Não quero que seja seminarista. Isso
me deixaria meio triste.
– Por que não dá a ele um abraço de despedida? – sugeriu Deus.
Eu segurei na mão de Deus antes de descer.
– Por favor, tome conta dele.
– Eu sempre tomei, Ofélia.
Voei até onde estava Demian. Eu o abracei e dei-lhe um beijo.
Nesse instante, Demian ficou paralisado. Lágrimas caíram do rosto
dele.

236
A Gata Mascarada - Volume 2

– Adeus, meu bolinho. Agora entendi porque Deus te fez vir pra cá.
Ele está te protegendo aqui. Assim, você não vai sofrer tanto quando eu
for embora.
Quando eu despertei, meu rosto estava banhado em lágrimas. Havia
cinco caras de capa ao meu redor.
– Ofélia, ainda bem que acordou – disse Gregório, aliviado – você
desmaiou do nada.
Eu havia interrompido o ritual deles. Eu só estragava tudo.
– Gregório – eu segurei na capa dele – eu vou morrer. Eu tive uma
visão. Em dois dias vou ganhar o bebê. E morrerei no parto. O próprio
Deus me disse.
– Deus? – perguntou Gregório, estranhando – Não sabia que você
acreditava.
– Eu não acredito. Mas eu vi Deus. Moisés, Deus existe?
– Nós já tivemos essa conversa uma vez – observou Moisés – minha
resposta se mantém a mesma: se Deus existe ou não é irrelevante. Mas se
existir, eu acharia particularmente divertido. Seria um adversário digno.
– Eu vou morrer – repeti – não preciso de um adversário agora e sim
de um amigo.
– Eu acho que você já tem um adversário, senhorita Ofélia –
observou Moisés – seu próprio medo. Você não precisa necessariamente
de um aliado para combatê-lo. Durante a sua vida, você carregou uma
espada. Fortificou-a. Que tal usá-la agora?
Como em todos os rituais que realizei ao longo da minha vida.
Finalmente eu estava pronta a combater meu adversário final.
– Eu posso vencer a morte? – perguntei, curiosa.
– Não para sempre – respondeu Moisés – mas você pode vencer o
medo da morte. Mais especificamente, você pode vencer o medo que
sente por ter medo da morte.
– Não entendi – confessei.
– O medo em si é algo natural e poderoso quando corretamente
direcionado.
– De fato – concordou Roberto – no dia da morte de AMV, ela
chorou. Mas ela não envergonhou-se disso. Abraçou sua condição e seu
medo com um sorriso no rosto. Com bravura.

237
Juliana Duarte

Antes não havia sentido. Somente emoção. Antes não vi alegria.


Apenas tristeza.
E, como num passe de mágica, eu recebia todas as coisas: o sentido e
a alegria. Eu era ou não era a bastarda mais sortuda da face da Terra por
estar ao redor daqueles malditos super sábios e poderosos? Até Deus
estava comigo. E os próprios servos do Diabo. Todos ali, reunidos:
aliados e inimigos, naquela canção sem fim. Na suprema celebração da
vida e da morte, magnânima e terrível.
Às vezes, a coisa mais simples é a verdade. E a verdade é verdade
quando te deixa plenamente satisfeito. É aí que se unem o sentido e a
emoção necessária, surgindo como magia pura para completar a busca da
mente.
Espere... não era sobre todas aquelas coisas que AMV falava em seus
grimórios?
Naquela noite decidi que eu teria uma missão: releria os dois
grimórios de AMV que obtive pelo preço de um beijo muito importante.
– Ofélia, eu gostaria de conversar com você – disse Alan.
– Não – o cara negro e alto interrompeu-o – eu converso. A sós.
E os quatro me deixaram aos cuidados daquele senhor desconhecido,
que me fitava com perspicácia.
– Ofélia, a garota dos poderes sobrenaturais – observou ele, com
certa admiração – sabe como eu era chamado na juventude?
– Como?
– Benjamin, o menino que dançava com os Deuses da morte.
– Benjamin...! – repeti, com fascínio – O mestre de Dalila.
– Fico lisonjeado que me conheça. Sabe... eu também tenho poderes.
– Mesmo? – perguntei, impressionada – Você é a primeira pessoa que
conheço que é como eu.
– Sente-se comigo por um momento – convidou Benjamin.
E nós dois nos sentamos num velho tronco caído.
– Então você viu a morte. Como se sente?
– Senti-me péssima no começo – admiti – mas agora até que estou
bem. As próximas duas noites serão duras. No momento da morte devo
fraquejar mais um pouco, mas acho que consigo passar por isso.
– Sabe como eu chamo Deus? O grande trambiqueiro.
– Ele trapaça? – perguntei, interessada.

238
A Gata Mascarada - Volume 2

– Às vezes. Mas não faz isso por mal. Ele é Deus, no final das contas.
– Eu acho que a morte é uma boa solução – decidi – também gosto
de dormir após um dia cansativo. É bom que as coisas se renovem.
– Eu tenho um presente pra você.
Benjamin recolheu uma flor rosa no chão. Pegou dois galhos.
Enrolou-os habilmente no meu pulso e fez uma pulseira. Ficou meio feia,
mas firme.
– Esse é meu amuleto de proteção. Então, quando chegar a hora não
tenha medo.
– Obrigada – sorri.
– E, Ofélia...
– Sim?
– A morte não é tão morta quanto você pensa. A vida está cheia de
morte, por todos os lados. E a morte também está cheia de vida, para
onde quer que se olhe. Elas não estão separadas. O medo e a coragem
também são um só.
Quando Benjamin foi embora, sua capa voava no vento. Continuei
olhando naquela direção até que ele desaparecesse.
Esqueci-me de mencionar Max. Afinal, eu reconheci o nome de
Benjamin apenas por causa dele. E não é que Max fazia mesmo parte do
meu mundo, mesmo sendo um chato? Ao saber que eu iria morrer, de
repente não o odiei mais. Quase senti simpatia por ele. Do amor tolo que
ele sentia por mim. De seu desejo sexual imaturo.
Naquela noite, devorei os grimórios de AMV com firmeza e me senti
forte. Aqueles termos poderosos dos satanistas me enchiam de confiança.
Eu morreria com a mesma idade de Volans. Aquilo não era
simplesmente lindo?
Abracei Babushka.
– Babu, pode falar agora – eu disse pra minha gata – vou morrer
mesmo. Não adianta mais que eu sele meus poderes sobrenaturais. Vou
libertá-los outra vez, em potência máxima. Quem sabe assim eu possa ter
uma morte mais tranquila e mágica.
– Ufa, já estava cansada de ficar quieta – disse Babu.
– Quer leite?
– Integral, por favor. Detesto o desnatado.
Enchi o potinho dela.

239
Juliana Duarte

– Que perfume você acha que Demian vai me comprar?


– Um masculino.
Eu ri, enquanto fazia carinho em Babu.
– Ele é um idiota mesmo. Mas é querido demais.
– Faça carinho nas orelhas, por favor.
Minha vida não era mesmo perfeita? Acho que eu não tinha nenhum
arrependimento.
Surpreendentemente consegui dormir, embora meu coração
palpitasse de emoção.
No outro dia haveria um chá da MAS. Minha última reunião. Decidi
que iria arrasar nessa.
Mas eu não queria ficar falando de morte. Seria muito macabro.
Decidi, pela primeira vez, dar um discurso sobre poderes psíquicos no
chá da MAS. Todos ficaram empolgados quando souberam. Afinal,
minha alcunha de “garota dos poderes sobrenaturais” que costumava
seguir meu nome era famosa. A maioria não sabia porque me chamavam
assim, já que raramente me viam despertar alguma capacidade psíquica.
– Todos temos poderes – comecei meu discurso dessa forma – mas
algumas capacidades nossas estão mais desenvolvidas que outras. Assim
como os jainas dizem que todos somos Deuses em potencial. Nós temos
o potencial para muitas coisas em nosso interior. Basta despertá-los.
Temos o potencial para tocar piano, pois temos mãos e ouvidos. Eu
deveria dizer que nascer como ser vivo, especialmente humano, já é o
bastante para despertar muitos tipos de poderes sobrenaturais.
– Estou atrasada? Perdi alguma coisa?
A belíssima Sancha tinha chegado, elegante como sempre! Dessa vez
de rosa, para combinar conosco. Todos se levantaram quando ela chegou.
Ela deu um grande abraço em mim.
– Ofélia!!
– Sancha!!
Que saudades! Eu gostava muito de Sancha. Uma super gatinha
inteligente. Uma moça simplesmente adorável!
Ela sentou-se toda cheia de sorrisos em nossa mesa de chá,
cumprimentando a todos.
Eu estava feliz com minha plateia: lá estavam Fernanda e Camilo,
abraçados um no outro. Havia Celeste. Lílian. E mais oito novos

240
A Gata Mascarada - Volume 2

membros. Ah, no futuro os membros novos ficariam felizes pela


oportunidade incrível de terem me conhecido antes que eu morresse. Ai,
como eu era metida.
– Então, hã... o que querem saber? – perguntei, meio perdida.
Eu não era muito boa em fazer discursos. Por isso, talvez me saísse
melhor em algo estilo “pergunta e resposta”. Eu estava ansiosa para
passar o meu conhecimento adiante logo. Não queria morrer com ele.
– Como faz pra despertar esses poderes? – perguntou Lílian.
– Hmmm... eu não sei – confessei – já convivo com eles desde
pequena, então se tornou algo tão natural quanto respirar. Você saberia
ensinar alguém a respirar?
– Eu poderia tentar.
– Tá certo. Na verdade, eu comecei a me interessar pelo ocultismo
exatamente por causa das coisas que aconteciam ao meu redor. Às vezes
eu ficava com muita raiva. Ou muito triste. E as coisas em volta se
modificavam. Eu queria entender o que acontecia.
– E você entendeu? – perguntou Lílian.
– Mais ou menos. Ontem tive um encontro com Deus. O cara é
parceria. Nunca gostei muito dele antes, mas até que não é tão careta
quanto eu imaginava.
– Você conversou com Deus? – perguntou Fernanda, surpresa.
– Ele é legal mesmo – concordou Camilo – é dos meus.
– Eu acho que Deus fala com todo mundo, menos com Demian –
observei – porque Demian está sempre correndo atrás dele. Então Deus
gosta de se fazer de difícil.
– Ora, Ofélia – Camilo riu – acho que Demian já mencionou umas
duas ou três experiências de contato direto com Deus, não?
– Mas ele falou com Deus todos os dias por 22 anos para apenas três
contatos? – observei – E eu nunca falei com o cara antes e ele apareceu
pra mim ontem, meu. Nada a ver isso.
– Estamos desviando o assunto – comentou Sancha, rindo – você
estava falando sobre seus poderes.
– Ah, sim – concordei – mas Deus tem alguma relação com o
assunto, porque ontem Ele me disse que as coisas nem sempre precisam
ter um motivo. Ou, mais especificamente, eu não preciso entender o
motivo. Então poderes sobrenaturais não precisam ter uma razão pra

241
Juliana Duarte

acontecer, certo? Eles acontecem porque são bonitos. Como o sol e a lua.
Eu acabei de criar essa razão. Se ela me traz alegria, não é o bastante?
– Então a razão é a alegria – concluiu Sancha.
– Será? – perguntei-me – mas a alegria não é uma razão e sim uma
emoção.
Camilo riu do nosso jogo de palavras. Não falou nada.
– Você sabe como resolver esse enigma! – adivinhei.
– Eu não vou dizer nada – disse Camilo – mas eu arriscaria supor que
a senhorita Lílian busca o empirismo sobrenatural e não a base filosófica.
Não precisa explicar o que são os poderes ou pra que servem. Ela só
quer saber como despertá-los.
– Mas isso não é meio perigoso? – observou Fernanda.
– Tão perigoso quanto nascer – concordou Camilo – sem saber
porque isso aconteceu e pra que serve a vida. A maioria só decide o que
fazer com ela, não? São pragmáticos.
– Mas se você não entende a vida, não vai entender a morte também
– disse Fernanda.
– Basta ser pragmático em relação à morte também – disse Camilo –
não precisa saber o que é a morte ou pra onde ela leva. Basta saber como
se portar em relação a ela. Como morrer.
– Poderes sobrenaturais ajudam na vida e na morte? – perguntou
Lílian.
– Honestamente, eles só me trouxeram problemas até agora – admiti
– mas nem por isso deixam de ser fascinantes. A vida também é um
problema. Causa morte. Então, acho que arrumar alguns problemas na
vida não é somente interessante, mas indispensável.
– Eu acho que você já arrumou problemas suficientes para umas sete
vidas, Ofélia – observou Sancha.
– Miau!
O pessoal riu quando miei. Olha só quem falava... Sancha era a maior
causadora de intriga.
– Bem, Lílian, se você quer ter poderes sobrenaturais, basta
potencializar capacidades que já existem em você – expliquei – não é
como se esses poderes fossem surgir do nada. Afinal, mesmo na magia
nada surge como um passe de mágica. As coisas estão conectadas de
alguma forma, mesmo que aos nossos olhos se pareça com um caos.

242
A Gata Mascarada - Volume 2

Mas não precisamos encaixar todas as peças. Basta ver um pouquinho.


Da mesma forma, você não precisa fazer amizade com todos os seres
humanos do mundo ou conhecer todos para entendê-los. Você vai ser
feliz se focando numa parte.
– Então as coisas têm mesmo uma razão?
– Isso não importa! – eu disse – As coisas estão sempre mudando.
Ou estão sempre estáticas e parecem se mover em nosso cérebro, que
seja. Apenas beba a sopa e não reclame, ela vai fazer bem pra você, assim
como a alegria. Para desenvolver poderes, dispersão demais é ruim. Em
primeiro lugar, descubra uma área de poder que você ache que tenha
talento ou uma ligeira inclinação. Investigue essas razões e as
potencialize.
– Hã?
Eu tava falando grego? Eu ri.
– Vou tentar simplificar. Sempre notei que eu era muito boa pra fazer
coisas com os olhos. Sabe, quando eu fechava os olhos pra dormir,
dependendo para onde eu focasse meu campo de visão, sentia uma
sensação diferente. Alguma coisa se mexia em mim. E eu explorei isso,
como um jogo.
– Conte mais – pediu Fernanda, interessada.
– De repente eu descobri que gerava visões fazendo isso quando eu
mantinha os olhos fechados. Ou alterações no mundo real com os olhos
abertos. Eu me sentia bem evoluindo minha capacidade. Eu inventei um
significado. Era importante. Assim como num jogo você inventa um
objetivo qualquer e o persegue. Nossa imaginação é incrível.
– Você acha que Deus criou esse jogo de vida e morte? – perguntou
Sancha.
– Eu acho que esse é o melhor jogo, não importa quem criou. Mas é
um jogo difícil. Se não fosse assim, não seria divertido. Sem a morte, a
vida seria um jogo monótono. Eu acho que a possibilidade iminente de
morrer adiciona o melhor tempero.
– Um pouco de medo e morte – concordou Sancha – em nosso
mundo cor-de-rosa.
– Por que você engravidou, mestra? – perguntou Lílian.
– Porque quero ganhar esse jogo – respondi – mas se eu perder, eu
posso trapacear. Quem disse que só sei jogar conforme as regras? Eu

243
Juliana Duarte

diria que desenvolver poderes é como ser o sujeito que quebra as regras
do nosso mundo. Cara, nós somos ocultistas. E magos. Não estudamos
as regras da vida para segui-las à risca, mas para quebrá-las. Isso é magia.
– Dançar com a tempestade em vez de lutar contra ela – observou
Camilo.
– Eu diria que essa é uma ligeira trapaça – opinei – mas eu também
gosto de trapaças bem grandes. Como desafiar Deus. Vocês não acham
que Ele gosta de ser desafiado?
– Você acredita mesmo em Deus agora, Ofélia? – perguntou Sancha.
– Ele seria um bom parceiro pro pôquer – observei – mas eu não o
colocaria em meu altar. Sem ofensa. Talvez, se eu o pintasse de rosa,
quem sabe.
– Nos mostre algo – pediu Lílian – faça alguma magia! Use seus
poderes.
– Nah – eu disse – eu sou tímida.
Nesse momento, todos fizeram uma expressão de: “Uuuuuhhh até
parece”.
– Meus poderes não funcionam sempre – expliquei – eu preciso estar
alterada pra caralho. E eu digo: quem vier assistir meu parto, verá algo
especial. Além da minha buceta, é claro, que é... inesquecível.
Naquela noite confesso que enfrentei dificuldades para dormir. E tive
pesadelos. Foi bem incômodo.
“Ofélia, você está com medo. Isso não é extraordinário?”
Acordei e fui direto pro hospital. Eu já sabia que a qualquer
momento entraria em trabalho de parto.
– Como você sabe? – perguntou a médica.
Afinal, era um pouco antes do previsto.
– Deus me disse – respondi, simplesmente.
– Que Deus?
– O quê? Você não conhece Deus? – perguntei, sem acreditar – Ele já
é popular há uns bons milênios. E até os dias de hoje está em para-
choques de caminhões.
– Eu sou budista.
– Buda é aquele carinha dourado?
– Bem, existem muitas estátuas de ouro do Buda.

244
A Gata Mascarada - Volume 2

“Cacete. Será que vi Buda e confundi com Deus? Mas o que ele
estaria fazendo no Vaticano? Se eu fosse ele e não quisesse ser
encontrado, acho que eu me esconderia ali. Afinal, no Vaticano estão
todos em busca de Deus, então ninguém repararia num Buda dourado
passeando pelo teto da basílica”.
Senti uma dor enorme e caí no chão.
– Merda...
Fui levada às pressas para um quarto. Assim que foi avisado,
Gregório apareceu no hospital.
– Quer que eu avise o Demian? – perguntou Gregório.
– Ainda não – respondi, repleta de dor – apenas diga que eu o amo.
Depois disso, comecei a ter alucinações. Ou visões. Ou... talvez Deus
tenha ido parar mesmo no teto do meu quarto.
– Ei, cara – sinalizei a ele com o polegar – não quero machucar o
bebê. Devo usar algum poder?
– Por que está me perguntando? – perguntou Deus.
– Eu pensei que você soubesse de tudo!
– Isso não significa que vou lhe dizer, certo?
– Então não me diga que sabe, pô! Assim só fico mais curiosa.
Os idiotas não paravam de me mandar fazer força. “Faz força, faz
força”. Dava vontade de responder: “Vou fazer força no teu rabo!”
Foi uma verdadeira tortura. Eu gritava com Deus. Devo tê-lo xingado
de todos os nomes. Minha passagem só de ida pro inferno já estava
garantida.
– Me mate!! – eu supliquei – Não quero mais essa dor!
Eu chorava. Suava. Não sei qual parte de tudo aquilo eu havia
realmente gritado ou falado comigo mesma.
E depois de eu sofrer tanto, descobriram que o bebê não sairia por
parto normal e teriam que fazer cesárea. Putz. Era daquele jeito mesmo
que iam me matar. Nesse vai e vem, tenta aqui, tenta ali, tenta pela
barriga, pela buceta, pelo cu... tinha que sair por algum lugar, certo?
Houve complicações. Até que descobriram que eu correria risco de
morrer.
– Por que, Deus?
– Porque você nasceu.
– E por que foi que eu nasci?

245
Juliana Duarte

– Não foi exatamente para esse momento?


Meu bebê. Minha vida. Minha morte. Isso tudo. Eu estava satisfeita?
Mais uma lágrima.
– Existe destino?
– Você quer quebrar as regras?
– Antes que elas me quebrem.
– Por que o medo de quebrar?
– Porque eu só conheço o não quebrar – respondi.
– Então por que não se manteve virgem para sempre?
– Porque eu precisava de amor.
– O amor só se completa com a morte.
Eu apertei fortemente minha pulseira de flor.
– O que você disse? – perguntei, sem acreditar.
– Ofélia, você está gerando o nascimento de amor? Ou de morte?
– De uma morte amorosa – respondi, confusa – ou de um amor
morto.
Por que eu não terminei tudo aquilo antes que começasse?
Eu poderia ter matado meu bebê. Bastava ter enfiado um arame na
vagina. Eu sangraria. Choraria. E seguiria minha vida.
Em vez disso, eu escolhi o caminho do qual não se volta.
Deus colocou um arame em minhas mãos. Mas uma lágrima escorreu
de Seu olho de fogo quando Ele fez isso.
– Por que você é tão perverso? – perguntei.
– Eu não mato, Ofélia. Apenas dou a vida.
– Quem mata?
– Você mesma.
Deus colocou suas duas mãos no meu pescoço. Eu senti como se
ardesse em fogo.
Quando dei por mim, minhas próprias mãos pressionavam minha
garganta. Então ele arrancaria as minhas sete vidas, assim, todas juntas?
Ou ele arrancou uma por uma ao longo da minha vida, sem que eu
notasse, destruindo minhas esperanças de alegria?
A face de Deus era como uma máscara inescrutável. Eu estendi as
mãos. Arranquei-lhe a máscara, que bateu no chão com um baque de
trovão.
Dei um enorme grito.

246
A Gata Mascarada - Volume 2

Deus desembainhou uma espada negra e tentou penetrá-la em meu


coração. Porém, eu o impedi de fazê-lo com o arame em minhas mãos.
– Você não é Deus! – gritei – Filho da puta!!
Enfiei o arame no rosto do maldito, que berrou, sacudindo o quarto
inteiro. Ele começou a recitar todas as frases ao contrário e eu não
entendia mais nada.
– Senhor Diabo? – perguntei, estranhando – É o senhor?
Comecei a listar quem eram os outros candidatos: Shiva, Kali, Tânato,
Morrigan, Anúbis, Osíris, Hades, Odin... mas que bosta! Não importava
quem era. Estava na hora de ser pragmática, como Camilo sugeriu.
Bastava matar o corno, certo? Ou a vadia...
Foi então que reparei na espada preta que aquele Deus carregava. Ele
traçava selos no ar com ela.
– MAXIMILIANOOOOOOO!!!
Até na hora da morte aquele bastardo ia me azucrinar? Ah, não.
Agora eu não ia morrer. Não, meu filho. Era questão de honra.
Quando despertei, eu estava repleta de sangue. Mas viva. Afinal, eu
despertei, certo? Ainda estava no meu mundo?
– Que merda foi essa...? – perguntei, olhando ao meu redor.
Eu estava deitada no chão. Minha roupa estava cheia de sangue,
assim como a cama. Gregório estava com a espada cerimonial na mão,
sob os gritos das enfermeiras, que diziam: “senhor-não-pode-usar-uma-
espada-aqui” ou algo assim.
O meu quarto estava uma grande bagunça. Não somente Gregório
estava lá, mas também Fábio, Iolanda, Pâmela, meus pais... era difícil
contar. Mas a médica expulsou todos para o corredor no segundo
seguinte.
Eu me sentia ótima. Mas levei um susto.
– Meu bebê! – exclamei – Onde está?
A médica trouxe pra mim uma trouxinha enrolada. Eu fitei a criança.
Era branquinha. Então era de Demian!
– Putz, precisa de um nome – eu me dei conta – alguém tem uma
tabela periódica por aí?
– Já posso ligar para Demian? – perguntou Gregório, com um sorriso
no rosto.

247
Juliana Duarte

– Ah, agora pode – eu disse – ligue e deixe que eu mesma falo com
ele.
Acho que Gregório estava com aquele sorrisão no rosto porque ficou
aliviado de não ser o pai. Há, há, há. Babaca.
Eu não conseguia conter minhas lágrimas. Quando falei com Demian
pelo telefone eu estava me acabando de chorar.
– Mimi! O bebê é seu!
Demian chorou do outro lado da linha.
– Você o teve tão cedo! Segunda-feira eu já vou poder voltar.
– Claro, volte o quanto antes. Você vai morrer quando ver essa
fofura.
– Só não o aperte demais para não matá-lo, OK? – sugeriu Demian –
Eu quero vê-lo vivo quando eu voltar. Aliás, é um menino?
– Não sei!
– Ofélia, o que você está fazendo aí? – perguntou Demian, rindo e
chorando ao mesmo tempo – Mas nem isso você sabe ainda?
Em vez de perguntar pras médicas, eu simplesmente abri a trouxinha
pra ver.
– É meniiiinaaaaaa! – exclamei, toda alegre – Vou enchê-la de
lacinhos e roupas cor-de-rosa. Awwnnn!
– Tá bom, Ofélia, divirta-se. Mas agora é melhor desligar ou vai sair
muito caro. É ligação internacional de um celular!
– Ah, mas é o celular do Gregório. Ele não vai se importar... e ainda
preciso de um nome!
– Você não me disse uma vez que queria dar a ela o nome de sua avó
se fosse uma menina? – perguntou Demian – ela tinha um nome ainda
mais esquisito que o seu.
– Bem lembrado. Vai ser esse mesmo o nome. Assim que você voltar,
quero esse pau bem fundo dentro de mim. Beijinhos no caralho, amor!
Quando desliguei, apertei meu bebê.
– Minha ursinha! – exclamei – É tão bonitinha, mas é tão feia! He, he,
he. Ho, ho, ho!
Todos estavam com medo de me deixar segurando o bebê por muito
tempo, de tanto que eu o apertava.
– Vá apertar sua gata quando voltar pra casa – sugeriu Iolanda.

248
A Gata Mascarada - Volume 2

– O Max está por aqui? – lembrei de perguntar – Se estiver, chame-o


para eu bater nele.
– Ele não está – disse Gregório – por que achou que estivesse?
– Não sei. Mas eu acho que ele me salvou – comentei, incerta –
mestre, você fez algum ritual estranho na hora do meu parto?
– Um exorcismo – disse Gregório – você estava apertando a própria
garganta e se jogando nas paredes. As médicas nunca tinham visto nada
parecido.
– Eu não machuquei minha filha, certo?
– Não, você a ganhou surpreendentemente rápido. Mas sangrou
demais. Enfim, ninguém sabe direito o que aconteceu. O importante é
que você está bem.
– Alguém filmou pra eu colocar no Youtube?
– Você está brincando, certo?
– Aham – confirmei – não quero minha buceta no Youtube. É
privado. Só o Mimi pode ver.
Eu ainda tive que ficar no hospital por alguns dias por causa da
minha recuperação estranha por razões físicas e espirituais.
Emocionalmente eu estava super bem. No começo eu tive medo de ter
depressão pós-parto, mas acho que tive tantas depressões pré-parto que
só sobrou alegria depois.
Quando Demian retornou, dei um abraço nele tão forte que também
quase o matei.
– Ai – ele disse – tá aqui o seu perfume.
– Mas... – eu estava perplexa – não é que você comprou certo?
– Por que parece tão surpresa?
“Max me pregou uma peça. Ou Deus. Ou o Diabo. Ou Shiva...”.
– Me conta uma coisa – eu disse – não teve um dia que você tava na
Basílica de São Pedro, com uns carinhas entoando canto gregoriano e
você sentiu um abraço? E deixou cair uma lágrima?
Demian parou para pensar.
– Eu chorei em vários dias – contou Demian – emocionei-me
enormemente com a presença de Deus.
– Ah, vai se foder, Mimi. Vou te fazer chorar de emoção quando
você chupar minha buceta de novo.
– Um dia, Ofélia, talvez você entenda do que eu estou falando.

249
Juliana Duarte

– Ainda bem que pelo menos você entende do que eu tô falando!


Eu me lembrei de xingar Max pela internet. Ele se fez de
desentendido. Mas eu sabia que Max ou Benjamin tinham alguma relação
com o que aconteceu comigo. Aqueles dois tinham algo suspeito.
Eu estava começando a acreditar que Max era poderoso de verdade.
Ele não tinha só língua. Eu só torcia para que o poder dele evoluísse
juntamente com a sabedoria.

***

– Úrsula! Menina má. Coma toda sua salada.


– Mas você não come a sua, mamãe.
– Isso porque eu tenho poderes sobrenaturais de produzir alfaces no
meu corpo – menti – e me comunico com alienígenas que injetam em
mim todas as vitaminas necessárias.
Demian me fitava com sua expressão de reprovação.
– Você sempre ensina tudo errado pra ela – observou Demian – ela
vai acabar ficando louca que nem a mãe.
Úrsula não tinha o menor interesse por magia. Mas ela já estava
começando a adquirir a paixão por roupas que a mamãe tinha.
– Muito bem, minha ursinha – falei – tem que se vestir que nem uma
perua para atrair muitos machos.
– Não escute o que ela diz – disse Demian – vista-se decentemente,
pois a Bíblia diz que...
– Foda-se o que a Bíblia diz – eu disse – se enfiá-la na igreja de novo,
Mimi, eu corto seu saco.
Úrsula recebia em casa uma educação completamente confusa. Ela
gostava de ler a Bíblia e acreditava em Deus. Também adorava usar
vestidos e sapatinhos lindos, então eu me divertia em enfeitá-la. De certa
forma, tanto eu como Demian estávamos passando a ela um pedacinho
de nós.
– Posso sair pra brincar com a Elisa?
– É claro – eu disse – mostre a ela como você é mais linda e poderosa!
Elisa era a filha de Gregório, que nasceu um ano depois de Úrsula.
Acho que Berenice quis amarrá-lo de vez e deve ter ficado com vontade
de ser mãe depois de ver meu bebê fofinho.

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A Gata Mascarada - Volume 2

Foi só com onze anos que Úrsula teve sua primeira paixão.
– Mãe, quem é aquele ocultista super famoso de quem todos falam na
internet? – Úrsula perguntou-me um dia – Andam dizendo que ele até
inventou uma nova religião. O cara é um gênio.
– Quem?
– Ele tem 24 anos. Fundou uma religião com um monte de práticas
sexuais. Dizem que é a religião da “suruba filosófica” como meio de
chegar ao conhecimento arcano. Eles também usam substâncias
alucinógenas. Eles trepam no mato. Isso não é fantástico?
Vi a foto do maluco num site. Ele estava sem camisa no meio de um
mato, com um monte de pinturas em tinta vermelha pelo rosto e pelo
corpo. Usava apenas uma sunguinha tribal. Tinha uma expressão de
“estou podendo”.
– Tô caidinha por ele! – confessou Úrsula – Acho que vou viajar pra
Pernambuco e pedir sua mão em casamento. Ele já tem duas esposas e
quer mais uma. O líder é poligâmico. Isso não é sexy? Quem sabe eu até
consiga transar com as duas esposas dele também? São gatinhas. Sempre
achei que eu tinha tendências bissexuais.
Quando finalmente reconheci o desgraçado, não pude deixar de
praguejar.
– MAXIMILIANOOOOOOO!

FIM

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