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Livro 2
Wanju Duli
2015
Sumário
Capítulo 1_______________________________________________5
Capítulo 2______________________________________________51
Capítulo 3______________________________________________75
Capítulo 4_____________________________________________114
Capítulo 5_____________________________________________142
Sociedade do Sacrifício 2
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Mau: YAGO!!! Por que diabos você adicionou o Sol no Facebook? Você não
adicionou nem mesmo eu!!
Yago: Eu o adicionei para estar a par dos últimos acontecimentos. Algumas
informações ele só compartilha com amigos. E você não devia estar se preparando para
suas lutas em vez de estar na internet?
Mau: Estou na internet para liberar o estresse.
Yago: Você me parece ainda mais estressado.
Mau: Estou selecionando a trilha sonora para minha festa de casamento.
Yago: Fale a verdade: você está se divertindo com isso tudo, não é? Viu que Sol
acabou de postar uma foto de si mesmo tomando banho de Sol em Porto de Galinhas?
Mau: !!!!!!!! Aquele filho da puta!!!!
Pelo jeito, aquela tinha sido a gota d’água. Não achei que Mau iria
perdoá-lo facilmente.
Nós nos debruçamos no computador de Yago para enxergar. Estava
cada vez mais difícil acompanhar as conversas, já que dezenas de pessoas
estavam tentando ver ao mesmo tempo.
Sol havia tirado um selfie de si mesmo num celular. Havia o mar no
fundo, ele estava de óculos escuros e sem camisa, dando um sorriso de
patife; ou um “sorriso sensual” segundo alguns.
Logo a foto já tinha dezenas de comentários. Variavam desde
“Lindoooooo!! Ai, quero esse homem lá em casa” até “Vem destruir meu
mundo todinho, gostosão!!”
E Sol tornou essa a sua foto de perfil.
Depois disso, Sol tirou uma foto de cócoras, com os calções
ligeiramente abaixados. No chão havia um montinho de cocô. Na
legenda estava escrito: “Eu cagando”.
– Ah, não, pelo amor de Deus – falou Yago, puto da cara.
E parou de acompanhar as atualizações de Sol, sob nossos protestos.
Nem deu tempo de ver os comentários da foto. Acho que o primeiro
comentário dizia: “Sua merda é realmente divina, senhor”. Talvez nem
tenha sido dele. Pode ser que Sol tenha encontrado cocô de cachorro na
praia e tirado aquela foto ridícula. Mas vindo dele, era mais provável que
a foto fosse genuína.
Algumas horas depois, soubemos que a conta dele havia sido
desativada porque ele tirou uma foto do próprio pau e postou. Logo
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Sarthak: Ignorem esse Deus imbecil. Ele só está tentando chamar a atenção.
Sol: A única que consegue chamar a sua atenção é a minha mulher, não é mesmo,
seu humano sujo? A propósito, posso ir assistir à luta de vocês? Eu posso levar junto
pipocas do Mundo dos Deuses para dar siddhis a vocês.
Yago: Sol, o acordo é: Mau se casa com Terra e vocês Deuses somem daqui.
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abandonou para a morte. É fácil ser corajoso aqui. É difícil manter essa
coragem quando seu espírito fica frágil e exposto no Mundo dos Deuses.
Sarthak se virou. Agarrou o braço direito de Mau e afundou os dedos
em sua queimadura. O sangue jorrou do braço e Mau gritou.
– O que você sabe, criança? – perguntou Sarthak – você estava
cagando nas fraldas enquanto eu estava nas linhas da frente de batalha.
Não conhece nada do nosso passado, dá ouvidos a rumores estúpidos e
ainda ousa nos julgar e chamar a si mesmo de “nosso líder”. Eu não sigo
ordens suas, desgraçado. É bom mesmo que você se mande para o
Mundos dos Deuses e não saia nunca mais. Não quero ver mais a sua
cara. Quer a minha pedra para se mandar daqui? Então toma e enfia no
cu.
Sarthak tirou sua pedra mágica do bolso e jogou no chão. Deu alguns
passos, pegou o sobretudo do chão e o colocou nas costas. Saiu de lá e
entrou numa das barracas. O pessoal que estava perto abriu caminho
para ele passar.
– Ele perdeu com estilo e ainda manteve a compostura – comentou
Sol, enquanto mastigava sua pipoca de siddhis – que sujeito peculiar.
Yago fez cara feia enquanto Sol derrubava restos de pipoca em cima
dele.
– Pode comer, Igor – incentivou Sol – tem siddhis.
– Não quero suas siddhis – disse Yago – consigo desenvolver as
minhas próprias sem essa sua pipoca com cheiro de peido.
Sol fingiu que ia dar um soco em Yago, que encolheu-se com uma
expressão de pavor. Mas Sol parou o braço e riu da cara dele. Yago não
conseguiu desfazer a expressão de pavor por algum tempo.
Enquanto isso, Tejas estava flutuando em posição de lótus, pensativo.
– Será que eu continuo lutando com Mau? – Tejas estava pensando
alto e começou a fazer contas com os dedos – vejamos quais as
desvantagens: não tenho chance de vencer sozinho e vou sair daqui com
sangue derramando e alguns ossos quebrados. As vantagens são que
sairei daqui com honra e vou ter mais alguns minutos de diversão. E
agora? O que vai ser?
Tejas coçou a cabeça. Depois colocou a mão no queixo e fitou o alto.
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– Mau, por favor, faça as pazes, porque esse Deus tem cheiro de
peixe morto – disse Yago, tentando se desvencilhar dele.
– Que seja – disse Mau – amanhã irei até o maldito casamento e
acabaremos com isso.
– Excelente – Sol levantou-se – você também vem, não é, menina?
Ele encostou no meu ombro. Eu senti um calafrio. Confirmei com a
cabeça, incapaz de pronunciar uma palavra, tamanho meu pavor.
– Tejas prometeu que ia dançar comigo na festa – lembrou Sol –
então espero que não tenha quebrado suas pernas. Se quebrou, dê um
jeito de consertá-las até amanhã.
Tejas, ainda estatelado no chão, levantou o polegar. Sol deu pulinhos
de alegria. Cantarolou, deu um giro e desapareceu de lá numa cortina de
fumaça. Todos ficaram tossindo.
– E não é que o miserável se comportou? – observou Manu, ainda
emburrada.
– Ele não se comportou comigo – disse Yago, de cara amarrada.
– Pensei que os Deuses eram mais imponentes – observou Caio –
esse cara é um mané.
– Acostume-se – eu disse – pelo que eu ouvi dizer, os outros Deuses
são tão manés quanto esse, ou até piores.
– Agora entendi porque querem matá-los e porque Sarthak é tão
dedicado a essa tarefa – brincou Caio.
Finalmente eu poderia respirar de novo. Eu ainda estava viva por
mais um dia. Eu já estava com medo de sofrer um ferimento grave ou
morrer só por assistir a luta dos três. Mas depois de Sol chegar, o perigo
aumentou ainda mais. Felizmente, ele já tinha partido e a luta terminara.
Os Três Tesouros voltariam para a Índia no dia seguinte. Mas tê-los
recebido em nosso acampamento por tão curto período já havia sido um
maravilhoso presente. Até consegui conversar rapidamente com Raghav.
Para variar, ele estava certo: fez bem em não lutar contra Mau. Não
precisaria levar para casa cicatrizes de souvenir como os outros dois.
De qualquer forma, acho que Mau e Sarthak tinham vontade de bater
um no outro há muito tempo, então foi bom deixá-los brigar um pouco
para extravasar a raiva. E Tejas só se meteu no meio de enxerido mesmo.
– Manu, eu gostaria de conversar com você amanhã cedo, antes de
você iniciar o treinamento – informou Mau – eu não sei bem o que vai
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Caralho. Eles eram corajosos em falar com Manu logo quando ela
estava acordando. Eu não lembrava de já tê-la visto assim tão puta antes.
Bem, acho que se eu estivesse caindo de sono e alguém me acordasse
daquele jeito eu também ficaria puta.
– O que Sarthak fez com você? – perguntou Yago, impaciente – ele
tentou tirar suas roupas? Ele te machucou?
Manu revirou os olhos, ainda parcialmente acordada.
– Por favor, Deuses, me matem... – ela disse, esfregando os olhos.
– Ele te machucou mesmo? – perguntou Mau, cada vez mais irritado
– ele é um mau perdedor. Sabia que não ia conseguir se vingar de mim e
foi tentar te atacar para me atingir.
– Eu sou mais forte que Sarthak, seu grande idiota – Manu estava
começando a acordar – não pense que você é assim tão importante, Mau!
As pessoas não se interessam somente por você, caso ainda não tenha
reparado. Agora, sumam da minha frente, porque o treino só começa
daqui a meia hora!!
– Não acredito que você tenha escapado dessa luta sem nenhum
arranhão – disse Mau – mostre pra mim que não está machucada.
Mau puxou Manu pelo braço. Ela puxou o braço de volta e apressou-
se em cobrir-se.
– Como ousa?! – ela berrou – seu estúpido!
Foi então que Mau entendeu que Manu estava realmente sem roupas
e desculpou-se mil vezes.
– OK, está desculpado, agora cale a boca.
Ela tentou fechar a barraca, porém Mau não permitiu.
– Mau! – falou Yago, indignado – que merda é essa que você está
fazendo? Deixa ela...
– Pelo menos pelas próximas horas eu ainda sou o líder – disse Mau
– e exijo uma explicação para o que acabou de acontecer. Por que
Sarthak estava saindo da sua barraca? Ele te ameaçou? Eu exijo que você
fale a verdade.
Manu estava cada vez mais irritada. Mas quando Mau apelava para
sua autoridade, não havia o que fazer.
Por um momento, Manu ficou quieta e fitou o chão. Yago
interpretou errado a expressão dela.
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– Por que não nos chamou? – insistiu Yago, com voz falhando – por
que você tem que fazer tudo sozinha? Por que é tão orgulhosa?
– Só me confirme isso, Manu – disse Mau, com seriedade – e eu vou
matar Sarthak agora. Vou voltar com o coração dele na mão, ainda
pulsando, e vou te presentear com ele.
Nossa, que drama.
– Eu só vou dizer isso uma vez, “líder” – ela pronunciou com
desagrado – então escute com atenção. O que aconteceu não é da sua
conta. Só vou te explicar com todas as letras porque você é obviamente
inocente demais para entender que mulheres também possuem desejos
sexuais e quando um homem entra na barraca de uma mulher não
significa que ele era a única parte interessada.
– Que bobagem! – Mau interrompeu-a – até parece que você estaria
interessada em Sarthak. Yago me contou que você começou a discutir
com ele assim que ele chegou.
– Nós preferimos ser discretos – ela explicou – estamos juntos em
segredo. Não gostamos de fazer alarde disso, assim como você faz com
suas pretendentes na internet.
– Espere – disse Yago, ainda sem acreditar – essa não é a primeira
vez que vocês... ficaram juntos?
Aparentemente, era muito difícil para Yago pronunciar o termo
“fizeram sexo”. Nenhum dos dois era capaz de aceitar que aquilo tinha
acontecido.
– Não, meu bem – Manu caçoou – eu e Sarthak estamos juntos há
mais de cinco anos. Não somos exatamente namorados. É uma relação
aberta. Isso significa que eu transei com ele mais de cinco anos atrás pela
primeira vez e isso já aconteceu muitas vezes. Eu não costumo viajar
para a Índia com frequência e nem ele costuma vir ao Brasil, então
aproveitamos para trepar quando essa rara ocorrência acontece. Está
claro?
Os dois ainda estavam sem fala. Ainda achavam tudo muito estranho.
Não eram capazes de acreditar.
– Você está mentindo – Mau tentou uma última vez – só está
inventando toda essa história para salvar a pele de Sarthak. Por alguma
razão que desconheço, você não quer que eu o mate. Prove-me que não
está sangrando. Se você não estiver, eu te deixo em paz.
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bomba? Essa é sua ideia de presente de despedida? Agora que você vai
para longe, fez questão de causar um barraco para nunca mais
esquecermos de sua existência.
– Eu troco, Sarthak – propôs Mau – você se casa com a Deusa. E eu
fico com Manu. Que tal?
– Eu odeio os Deuses – disse Sarthak – tenho lutado contra eles por
mais de vinte anos. Por que diabos eu me casaria com um deles? Eu não
sou tão estúpido quanto você.
– Mau, apenas coloque Yago como vice – disse Manu, dando um
suspiro de cansaço – eu não aguento mais essa porcaria.
– Vocês dois estão num relacionamento aberto – disse Mau – então
por que você não pode transar comigo e com Yago de vez em quando,
Manu?
– Porque eu não quero!!! – disse Manu.
Aquilo já estava ficando tão vergonhoso que Yago cobriu a testa com
a mão e provavelmente teria tapado os ouvidos e corrido de lá para não
escutar mais o que Mau dizia. Até mesmo Sarthak estava tão pasmo que
nem estava mais olhando na direção deles. Ele cruzou os braços, olhou
para o nada e parecia estar pacientemente esperando aquilo tudo
terminar. Como ele não lia todas as bobagens que Mau escrevia na
internet, acho que ele ainda não entendia os limites a que Mau podia
chegar com sua infantilidade.
Ninguém falou mais nada depois disso. Acho que não havia mais
nada a ser dito.
Só depois de quase um minuto de profundo silêncio que Mau abriu a
boca novamente.
– É difícil entender a cabeça das mulheres – Mau soltou essa.
– É difícil entender a sua cabeça, Mau – retrucou Manu – muito
difícil. Nós temos lido o que você escreve na internet por todos esses
anos na tentativa de entender o que se passa na sua mente. Mas
provavelmente essa é uma tarefa impossível. Nem o psicólogo ou
psiquiatra mais capaz estaria à altura do desafio.
– Eu não tive uma vida normal – Mau começou – não tive uma
infância normal. Não tive pais que me deram amor e sempre fui visto
como um líder a ser temido e respeitado. Esse amor ficou faltando na
minha vida e eu o busquei em toda parte: em desconhecidos na internet
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Sarthak não disse nada. Ninguém mais falou nada. Mau apenas saiu
de lá e as pessoas ficaram se perguntando se a discussão já tinha acabado.
– Que novela mexicana dos infernos – Caio me disse – o que Mau
anda assistindo? Ou fumando?
– Sei lá, já me acostumei – garanti – desde que ele matou Vic eu
entendi que ele é capaz de fazer qualquer coisa. Eu não me surpreenderia
mais se ele matasse Yago ou Manu. Até diria que é esperado.
– De certa forma, estou aliviado que ele vá embora – disse Caio – é
muito pesado viver com ele por perto. O cara é forte demais e confuso
demais. Me dá arrepios.
Manu até mesmo cancelou o treinamento daquele dia. Afinal, sem
Yago ela teria tarefas adicionais. E como Mau iria embora em poucas
horas, ela também precisaria tomar conta disso.
Vi um momento em que Mau e Manu se sentaram num canto, com o
computador de Yago, para resolver algumas tarefas administrativas da
SSC. Eles estavam conversando tão normalmente que era quase como se
nada tivesse acontecido.
Depois de ajudar em algumas tarefas domésticas, voltei para minha
barraca. Somente Bianca estava lá.
– O que Mau fez com Yago foi sacanagem, né? – disse Bianca – que
filho da puta.
– Nem me fale – eu disse.
Sinceramente, eu me sentia mal ao relembrar daquela discussão da
manhã. Não era a sensação interessante e curiosa de assistir a um filme.
Eu me sentia profundamente mal por todos os envolvidos. Até por
Sarthak. Quando eu pensava em Sarthak sempre relembrava do imbecil
que nunca comparecia ao acampamento da Índia e que tratava todo
mundo mal. Mas naquele dia tinha sido diferente.
Ele tentou ser discreto. Só queria fazer sexo com Manu e ir embora.
Mas Mau tinha feito o “favor” de tornar pública a vida pessoal dele.
Claro que transar com Manu não era nada para se envergonhar e sim se
orgulhar. Mas se Sarthak queria manter aquilo em sigilo ele certamente
tinha suas razões.
A expressão dele não foi nada boa ao longo da discussão. Ficou
óbvio que ele não estava se sentindo bem com tudo aquilo.
– Vou ajudar a Elisa com a louça – disse Bianca, levantando-se.
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– Bobinha – disse Sol – todos os seus Sacrios sabem disso. Mas conte
nos dedos quantos Sacrios existem no mundo. Mesmo que muita gente
comece a se interessar em se tornar Sacrifício, isso não é ameaça para
nós Deuses. Nós somos muitos. Porém, se todos os bilhões de pessoas
começassem a se tornar Deuses... aí sim nos preocuparíamos. Vocês
teriam um poder claro de destruição sobre nós.
– Por que vocês não se multiplicam?
– Ter filhos não está entre os passatempos favoritos dos Deuses –
explicou Sol – nós temos mais o que fazer. É muito mais fácil destruir a
Terra do que ter um monte de filhos.
– Por que a mãe do Mau teve filho com um humano? – perguntei.
– Para emputecer os pais dela, que eram os reis do universo – disse
Sol – eles faziam questão de ter um descendente nobre. Mas a mãe de
Mau estava naquela época de desafiar os pais, que os humanos também
tem.
– Chamamos isso de adolescência – eu disse.
– Só que a nossa adolescência às vezes dura algumas centenas de
anos. A mãe do Mau estava tentando seduzir alguns humanos da SSC,
que eram aqueles que conseguiam nos ver e nos sentir.
– Como ela conseguiu isso, sendo que os membros da SSC odeiam os
Deuses?
– Ela é linda – explicou Sol, sonhador – e tem um charme muito
particular. Ela faz brincadeiras. É graciosa demais. E ao mesmo tempo
poderosa. Ela é um misto de mulher inocente e mulher fatal. Como um
humano resistiria? Especialmente os machos da sua espécie, que são
muito influenciados pelo apelo visual.
– Por que ela e Mau brigaram? – perguntei.
– Eles não exatamente brigaram – disse Sol – Mau ainda está naquela
época de desafiar os pais. E como ele tem sangue de Deus, imagino que
a adolescência dele vá se estender por muito mais tempo.
Aí estava uma boa explicação para Mau ter 20 anos e agir como se
tivesse 5.
– A mãe de Mau o ama e decidiu deixá-lo livre, até mesmo para
liderar um grupo que ambiciosa destruir os Deuses. Ela acha que é só
uma fase e com o tempo ele irá reunir-se aos Deuses outra vez.
Esperamos que esse dia seja hoje.
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Lembrei que Sarthak sempre teve a certeza que um dia Mau iria “para
o outro lado” e por isso sempre o olhava com desdém. Será que o
destino de Mau já estava definido desde o começo e não haveria nada
que se pudesse fazer?
– Será que um dia iremos lutar contra o Mau? – perguntei.
– Quem sabe – disse Sol – pode ser que um dia você se alie a nós
também.
– Há muitos humanos que são aliados dos Deuses? – perguntei,
curiosa – aposto que vocês já sugaram o espírito de todos eles.
Sol riu.
– Eu gosto de você, menina. Como é seu nome mesmo?
– Antônia. Mas nem adianta dizer porque você vai esquecer de novo.
Você não para de chamar Yago de Igor.
– Acabei de chamá-lo de Yago mais cedo.
– É mesmo. Você só deve chamá-lo de Igor para implicar. E deve
ficar perguntando meu nome sempre para implicar também.
– Gosto de fingir que não me importo com os humanos – disse Sol –
pega bem para a minha imagem. Mas às vezes eu não me importo
mesmo.
Naquele momento, Sol levantou-se. Ele me estendeu a mão.
– Vamos?
– Para onde? – perguntei.
– Para onde mais? Para Mundes.
– Não – eu disse – estou com medo.
– De mim?
– Sim.
– Por que você teria medo de mim? Fui tão legal com você agora há
pouco.
“Sei lá, talvez porque você queimou nosso acampamento, matou mais
da metade dos Saos, arrancou e comeu o braço de Manu e ameaçou me
matar?”
– Deve ser por isso – disse Sol.
– Pare de ler meus pensamentos! – exclamei, incomodada.
– Seus pensamentos são muito engraçados. Seria um desperdício não
lê-los.
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– Eu sei que você acha minha aparência mediana – ele disse – li isso
na Índia. Você não acha que sou bonito e acha que me visto muito mal.
Você já ficou com pena de mim várias vezes quando eu me atrapalhava
no tricô. “Ele é tão desajeitado, coitado, deve ser meio burro” você já
pensou isso de mim. Mas eu já me acostumei. Muita gente pensa isso a
meu respeito.
Eu não sabia onde enfiar a cara. Sim, eu já tinha pensado tudo isso ou
até coisas piores. A gente não cuida os pensamentos. Apenas pensa um
monte de merda.
– Por que você só prestou atenção nas coisas ruins? – perguntei, meio
chateada – eu não menti quando disse que penso muita coisa boa de
você.
– Eu sei. Você me admira. O que disse ao meu respeito naquele dia,
pouco antes de eu revelar minha identidade, foi genuíno. Eu chequei
antes de dizer quem eu era.
Ele estava me testando. Que desgraçado.
– Você também já pensou umas coisas bem embaraçosas – ele sorriu
– até tenho receio de contar.
Eu fiquei vermelha. Só podia ser putaria. Aquilo surgia na minha
mente de vez em quando.
– Não quero saber – garanti – eu sei o que eu penso. Quem devia
estar embaraçado é você por estar lendo minha mente sem autorização.
– Eu sei – a expressão de Mau se alterou – peço desculpas. Eu te
garanto que eu penso mais putaria que você. Pelo menos dez vezes mais.
– OK, vamos mudar de assunto, porque não somos tão amigos assim
para discutir isso – eu disse.
Dessa vez quem corou foi Mau.
– Estou ocupado – Mau baixou os olhos para o computador – saia
daqui.
Porra. Ele tinha se ofendido de verdade com o que eu disse.
– Você estava dizendo que os Deuses são telepatas – tentei retomar o
assunto – e por isso precisamos treinar a mente para aguentar os ataques.
E depois de treinar a mente precisamos treinar o espírito, certo? Porque
o espírito é a espada e o corpo e a mente são os escudos...
– Eu disse que estou ocupado – Mau me fitou seriamente – não
quero mais discutir isso.
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Acho que era a primeira vez que Mau se emputecia daquele jeito
comigo. Eu já o tinha visto ficar puto da cara com muita gente, mas
nunca comigo. Aparentemente, eu não era imune a isso.
– Eu estava pensando se poderíamos ir juntos para a festa, porque
estou com medo de ir junto com Sol...
– Não quero ir junto contigo – disse Mau – apenas vá junto com Sol
e morra.
É claro que ele não se importava se eu morresse. Ele matou Vic. Não
se importaria em matar Yago. Esse era o tipo de pessoa que Mau era: se
as pessoas não faziam suas vontades, ele as desprezava ou até as matava.
– Você não liga em mandar seus amigos para a morte – eu disse – é
nesses instantes que percebo como você realmente tem o sangue
assassino dos Deuses.
Quando Mau me fitou dessa vez, não foi um olhar normal. Ele
olhava através de mim.
Foi então que entendi o que ele dizia sobre preparar a mente. Aquele
olhar dele devastou a minha mente. Senti uma das sensações mais
horríveis. O olhar dele penetrou lá dentro e espremeu as minhas
entranhas. Eu caí no chão, sem forças.
– Eu não toquei o seu espírito – disse Mau – foi apenas um olhar.
Bem leve. E você já desabou. Percebe o quão fraca você é? E você está
aqui na Terra. Imagina se estivesse em Mundes. Você não duraria dez
segundos. Você explodiria. Se seus familiares quisessem te enterrar,
precisaríamos enviar algum Sacrios para resgatar seus pedaços. Nem
mesmo os Deuses teriam interesse em comê-los, de tão fracos.
Eu não conseguia me levantar. Estava tremendo.
– Tem certeza de que deseja ir na festa? Não mudou de ideia?
– Eu não vou... – confirmei, derrotada.
– Eu não vou te levar – garantiu Mau – porque significaria levá-la
para a morte. Esse casamento pode ser uma armadilha. Estou totalmente
ciente disso. Eles vão nos levar para o espelho, mas podem abrir um
portal para Mundes a qualquer momento. E aí vamos ter que lutar contra
o relógio. Ninguém poderá protegê-la. Em Mundes, é cada um por si. É
duro entender isso, mas somos treinados a deixar nossos companheiros
para trás e salvar a nós mesmos.
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– Como assim?
– Não adianta nada ter uma mente forte se seu corpo só aguentar dez
segundos em Mundes. Você morreria antes mesmo de tentar usar
qualquer magia. Porém, o contrário pode ser ainda mais terrível.
Digamos que você aguente ficar dez horas em Mundes, mas sua mente
seja extremamente fraca. Os Deuses podem te torturar mentalmente. E
você voltaria para a Terra completamente perturbado. A sua mente pode
morrer. Já mandamos uns dez Sacrios direto para o hospício por causa
disso.
– Que merda.
– Nós proibimos que um Sacrios com alta resistência corporal e
mente fraca pise em Mundes. Quando os Deuses perceberem, eles irão
evitar machucar o corpo dele somente para que a tortura seja maior. Para
eles durarem mais. Os Deuses conseguem medir isso e usam a tortura
mais adequada para cada caso. Eles calculam mentalmente o nível da dor.
Senti um frio na espinha.
– Mas isso não é o pior – disse Mau – o alvo dos Deuses não é
torturar o corpo e a mente, mas machucar o espírito. Como você mesma
sabe e disse, nosso primeiro escudo é o corpo: aceitamos, de preferência,
perder dedos para proteger a mente. Nosso segundo escudo é a mente. É
melhor ficar louco do que ter nosso espírito tocado. Porém, quando
esses dois escudos vão embora, os Deuses podem torturar o espírito. E
isso é pior do que qualquer dor que seu corpo ou sua mente jamais
experimentou.
– Minha irmã Irene realizou o Sacrifício Sagrado – lembrei – então ela
entregou seu espírito para um Deus devorar?
– Sim. Eles chamam de “Sacrifício do Corpo”, mas na prática abrem
o corpo e a mente para que o espírito seja arrancado. Dizem que é uma
dor imensa, mas depois tudo acaba. Não há tortura, como no caso de
nós sermos aprisionados.
– Será que Tejas é meio louco porque um Deus o torturou
mentalmente? – perguntei.
– É o que dizem os rumores – disse Mau – porém, ele já é louco
desde que eu o conheci. Portanto, você devia perguntar para Raghav ou
Sarthak para confirmar. O próprio Tejas não deve saber.
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– Nesse caso, eu prefiro morrer virgem e saber que você está aqui
viva e a salvo.
– Isso foi cavalheiro – eu disse – merece um beijo no rosto.
E eu dei um beijo na outra bochecha de Mau.
– Que sorte, hein, Mau? – disse Sol – ganhou três beijos hoje!
– O seu não era necessário – disse Mau – e eu suponho que já esteja
na hora da festa. Acho melhor eu não me atrasar.
– Boa sorte! – exclamei – para os dois!
– Até para mim? – perguntou Sol, surpreso.
– Sim – respondi – até que você é legal, Sol. Quando você resolve
não matar todo mundo...
– Essa foi a coisa mais gentil que já me disseram – sorriu Sol – ei
Tejas!! Tá na hora da festaaaaaa!!!
– Oba!! FESTA!!!
E Tejas surgiu não sei de onde e aterrissou ao lado do Deus do Sol.
Ele provavelmente estava flutuando por aí. Eu não duvidava que ele
também estivesse assistindo aquela conversa de cima de uma árvore.
E os três seguiram para longe.
“Para onde eles vão? Onde será que fica o Mundo dos Deuses?”
perguntei-me.
Quando voltei para a minha barraca e notei que ela ainda estava vazia,
eu me atirei no chão e cobri a cara com o travesseiro.
Eu não podia acreditar que eu tinha perdido a chance de fazer sexo
com Mau. Eu ia me matar!!!
Tentei posar de legal e deu nisso. É claro que eu queria me fazer de
difícil. Eu não era apaixonada por Mau e nem nada assim, mas eu iria
poder me gabar para minhas amigas depois se tivesse acontecido.
Principalmente se ele morresse depois.
“Eu fiz sexo com o famoso Mau. Aquele das lendas. O semi-Deus.
Aquele que morreu estrangulado pela Deusa Terra na noite de núpicas”
eu diria.
Porém, Mau não morreria estrangulado. Ele iria passar por uma
experiência extremamente traumática.
Eu ficaria sabendo sobre ela somente dali a muitas horas. Em meio a
um momento em que muitos Sacrios fortes tentariam salvá-lo e não
seriam capazes de mover um dedo.
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Capítulo 2
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líder mundial. Se bem que... Manu estava mais do que preparada para ser
líder mundial. Por que não?
Era um pouco emocionante, porque qualquer coisa poderia
acontecer! Dependendo se Mau e Farah voltassem vivos da festa, aquilo
poderia mudar tudo. Imaginei que Eric e Sarthak eram duas pessoas que
estavam torcendo para que Mau não retornasse ou morresse, o que seria
praticamente a mesma coisa para fins práticos.
Mau era uma merda de líder, mas eu não queria que ele morresse. Só
que talvez fosse inevitável. Mau praticamente nasceu para o abate. Ele
era a personificação da guerra: humanos contra Deuses. Ele tinha as duas
coisas dentro de si. Como ele poderia escapar vivo?
De repente, houve um clarão no centro do acampamento. Devia ser
uma espécie de portal que se abriu. Tejas surgiu do portal.
E nossos temores se confirmaram nele: Tejas estava muito
machucado. Metade de seu rosto estava sangrando e ele segurava o lado
direito do corpo, também em sangue.
Ele não deu nenhum sorriso torto e não fez nenhuma piada. Parecia
mais sério do que nunca.
– Por favor, salvem Farah – pediu Tejas, falando com dificuldade –
eu não consigo tirar ela de lá. Ainda dá tempo de trazê-la com vida.
– O que aconteceu? – perguntou Raghav, com urgência.
– Adivinha, gênio – disse Tejas – Universo não estava presente. Eu
soube que ela recentemente anunciou Mau como seu herdeiro legítimo.
Ou seja: Mau será o príncipe e o futuro filho dele reinará o universo, em
vez do filho de Sol. Sol e Terra inventaram esse casamento sem o
consentimento de Universo. Eles aproveitaram a oportunidade para se
vingar de Mau. Sol pela perda da linhagem e Terra pelo assassinato de
seu marido.
– Você está machucado – disse Raghav.
– Isso não é nada, só estou sem fôlego – disse Tejas – eu ficarei bem,
mas não voltarei para lá.
– Onde eles estão? – perguntou Raghav.
– Farah está tentando quebrar a barreira que separa o espelho de
Mundes – explicou Tejas – ela está no espelho e quer tentar salvar Mau
em Mundes. Preciso que alguns Sacrios a arrastem de lá contra a vontade
dela e a tragam de volta para o nosso mundo.
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– Ele não é “seu” – observou Manu – que tal você viajar com os Três
Tesouros e voltar para seu país ainda nessa madrugada?
– Não estou a fim – disse Farah – decidi que irei permanecer no
acampamento de vocês até Mau se recuperar.
– Eu não vou te dar essa autorização.
– Me deixa ficar pelo menos algumas semanas – pediu Farah – se eu
ficar aqui, vocês saberão que não fui visitar Mau secretamente no
hospital.
Parecia uma boa forma de manter Farah sob controle. Manu
concordou. E os Três Tesouros voltaram de carro para a cidade, pois
ainda daria tempo de pegar o voo de volta para a Índia se eles se
apressassem.
No dia seguinte, Bianca pediu autorização para se retirar da SSC.
– O quê?! – perguntei, sem acreditar.
Porém, não foi só ela. Muitos ficaram chocados ao ver Mau naquele
estado. Lembro que houve algumas desistências também no dia que Sol
queimou o outro acampamento.
Bianca tinha se chocado mais ao ver Mau despedaçado do que ao ver
dezenas de Saos queimados e mortos.
Felizmente, Bianca somente teria sua iniciação de Saos dali dois
meses. Sendo assim, como iniciante ela ainda tinha autorização de se
retirar da Sociedade sem perder nenhuma parte do corpo.
Eu a abracei ao me despedir e desejei-lhe sorte. Isso significava que,
além de Carla, meus dois colegas já tinham desistido. Somente eu e Caio
ainda permanecíamos firmes. Mas por quanto tempo? Eu não achava
que a ameaça de perder uma parte do corpo seria suficiente se realmente
quiséssemos deixar a Sociedade um dia.
No entanto, eu não queria sair ainda. Eu precisava de respostas.
Desejava visitar Mundes um dia. Eu queria pelo menos conhecer o Deus
pelo qual minha irmã se sacrificou antes de desistir de tudo.
Foi difícil para Manu coordenar sozinha todo o acampamento nos
dias que se seguiram. Como Farah estava lá de pernas para o ar, Manu
também mandou que ela fizesse algumas coisas.
– Você não veio aqui para tirar férias – disse Manu – aqui nós
trabalhamos duro, então é melhor você ajudar.
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Você pode lutar tranquilo, porque se um dia qualquer filho da puta fizer
qualquer coisa em ti, eu irei destruí-lo.
Sobre aquele canalha chamado Sol... ele é o próximo da minha lista.
Oi Farah
Sei que sempre posso contar contigo quando o assunto é escândalos. A única coisa
que eu ouvia durante a tortura eram seus gritos. Meu cérebro já nem estava captando
mais a língua de cobra daquelas malditas. Elas só falavam putaria e tentavam me
assustar.
Mas quando eu ouvia sua voz, eu sabia que não estava sozinho. Eu poderia até
morrer, mas sabendo que haveria alguém para contar a minha história. Era uma voz
conhecida, que ao mesmo tempo que me deixava nervoso me trazia um tipo estranho
de paz esquecida.
Eu soube que você teve um corte feio no braço quando atacou Terra. Você
conseguiu arranhar o rosto dela e ela ficou louca de fúria. Isso foi pouco antes de me
arrastarem para Mundes, quando estavam me dopando. Eu queria ter visto isso.
Acredito em tudo que você diz, Farah. Sei que você me vingaria.
Porém, não deixei de me sentir desconfortável com você assistindo tudo. Às vezes
eu só queria que você me deixasse morrer em paz, sem você assistindo aquela
humilhação do caralho. Você sabia que não conseguiria quebrar a porra da barreira.
Por isso, ao mesmo tempo que estou grato por sua coragem e por sua vontade de
morrer por mim, também fiquei zangado. Assim que minha mãe quebrou a barreira
eu estava pelado e fodido, morrendo de dor, e você foi lá me abraçar. Cara, você deve
ter quebrado pelo menos mais duas costelas minhas, sem contar que eu não queria que
você tocasse em mim, eu estando naquele estado: em pele, pelo, carne, sangue e ossos.
Eu mal estava conseguindo me mexer e estava mentalmente perturbado, senão eu
teria te jogado para longe. Ainda bem que a Manu te proibiu de chegar perto de mim.
Eu não gosto que fiquem me tocando quando eu não sei o que está acontecendo,
quando não estou de posse de minhas faculdades mentais e quando estou sem roupas e
sem ação, se é que você me entende.
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Não quero soar mal agradecido. Eu sei que às vezes você não se dá conta. Mas se
vier me visitar no hospital, não fique me agarrando. Não estou ansiando pelo toque de
mulheres no momento, depois de toda essa merda.
Aliás, não sei se vou querer transar de novo um dia. Eu estava imaginando que
era outra coisa. Isso foi detestável. A pior coisa que já me aconteceu. Elas arrancaram
minhas bolas, mas aparentemente meu cacete ainda está funcional. Isso é
surpreendente, porque achei que depois de elas me foderem tantas vezes ele nunca mais
levantaria outra vez. Aparentemente eu estava errado. O corpo humano é incrível.
Algumas vezes eu preferia que elas tivessem me matado. É difícil viver depois do
que aconteceu. Vou precisar de todo apoio psicológico possível. Eu vou me sentir
extremamente mal se fizerem piadas sobre isso na internet.
Mau disse:
Não sei o que penso dele. A ideia de estar devendo um favor para ele não me
agrada.
Sarthak escreveu:
Não precisa pensar nada. Não encare isso como um favor. Eu apenas cumpri
meu dever como Sacrifício. Isso é tudo.
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No dia em que você for derrubado de seu posto de líder, servirei o novo líder
lealmente da mesma forma.
Mau escreveu:
Farah disse:
Eu vou vomitar lendo essa troca de mensagens de vocês dois. Que coisa mais falsa.
Parecem duas meninas adolescentes falando bem do novo horrível corte de cabelo uma
da outra.
Mau escreveu:
Farah escreveu:
Manu escreveu:
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Estou contente em saber que Mau já está bem o suficiente para escrever suas
bobagens de costume. Mas vejo que sua memória não está tão boa assim.
Em primeiro lugar, eu não sou a mulher do Sarthak. Em segundo lugar, eu só te
dei aquele beijo porque você ficou quase meia hora choramingando na minha frente
que ia morrer virgem. Eu prometi fazer sexo contigo quando você retornasse para que
você encontrasse alguma motivação para voltar com vida, caso não tivesse mais
nenhuma.
Eu me orgulho de ser uma pessoa de palavra. No entanto, nesse caso específico
terei que voltar atrás. Achei extremamente rude você contar vantagem às minhas
custas e dizer que ia “me comer”. Sendo assim, pode esquecer. Não vai acontecer. E
não vou pedir desculpas.
Sarthak escreveu:
Eu me pergunto se eu devia mesmo ter evocado Universo para que ela te salvasse,
Mau. Da próxima vez não farei isso.
Afinal, por que você está ficando com Manu? Pensei que você fosse apaixonado
por Sahana. Deve ser porque Sahana não tem o menor interesse em você. Estou certo?
Sarthak escreveu:
Quer que eu evoque sua mãe de novo para que ela lhe dê umas palmadas? Sua
falta de educação certamente não é algo desse mundo.
Agora meu café ficou pronto. Pode escrever o que desejar. Eu não vou ler.
Yago escreveu:
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Eu te aconselho a ficar longe da internet por um tempo. Será melhor para você e
para nós também.
Farah disse:
Mau escreveu:
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Yago escreveu:
Mau, por favor, siga seu próprio conselho e saia do computador também enquanto
seus dedos ainda não escreveram mais nada comprometedor.
Manu escreveu:
Desisto de ler isso. Yago, lide com ele. Eu não quero mais saber.
Farah disse:
Sério, Mau?!
Mas por que você precisa de anos? É muito tempo! Vou tentar esperar, mas não
quero dar a impressão de que estou disponível o tempo todo ou você vai me dar por
garantida.
Quero deixar claro: não estou garantida!! Outro cara pode ganhar meu coração
enquanto você fica em dúvida. Então é melhor agir rápido.
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E aí está você, apoiando Sarthak, tão ingênuo... você não se deu conta que ele
pode ter combinado tudo isso com Universo? Ele somente fez pose de heroi. Você sabe
que ele sempre quis te derrubar do trono.
Essas são apenas algumas questões para reflexão. O que você fará com elas é
problema seu.
Depois não diga que eu não avisei.
Você me dá nojo.
Eu não te conheci ontem, Sol. Você mente mais do que todos os outros Deuses
juntos. Você é um monte de lixo.
Não me importa se minha mãe tramou contra mim ou não. Eu nunca confiei
completamente nela. Faço as coisas sozinho.
Eu apenas me surpreendo que ela tenha casado com um bosta como você. Meu
pai, que era membro da SSC, era incomparavelmente melhor.
Sobre Sarthak, não faria o menor sentido ele estar conspirando contra mim junto
com os Deuses. Ele detesta os Deuses. E mesmo que ele esteja planejando alguma
outra coisa secretamente para me ferrar, isso eventualmente será descoberto e sua
trasgressão será justamente punida no futuro.
Não preciso de você para me avisar sobre traições. Eu não sou cego. Ou melhor...
ainda tenho um dos olhos e consigo ver muito bem com ele.
Você sempre tem orgulho de seu pai, mas sequer se lembra dele. Afinal, você era
muito pequeno quando ele morreu.
Eu me lembro dele perfeitamente. Afinal, fui eu que o matei.
Mau escreveu:
Sol escreveu:
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Puta que pariu. Era a primeira vez que a expedição da qual eu fazia
parte recebia um sinal de alerta. Nas outras quatro vezes o passeio foi tão
tranquilo que foi chato. Por um momento, achei que esse seria parecido.
– Não são Deuses, idiota – ouvi a voz de Mau no comunicador – é só
outra expedição.
Fiquei aliviada. Por que raios eles não combinavam de fazer as
expedições em lugares diferentes? Assim eles nos matavam do coração.
Fiquei surpresa ao ver Sahana arrastando sua cadeira de rodas no
meio do mato. Ela me reconheceu.
– Oi Antônia – sorriu Sahana – que alegria nos encontrarmos aqui.
– É mesmo – eu disse.
Sahana era ao mesmo tempo querida e respeitável. Eu adorava ela.
E qual não foi minha surpresa ao ver atrás dela duas garotas que eu
conhecia?
– Sella! Mei-Xiu! – exclamei, completamente surpresa.
– Eu não acredito! – exclamou Mei-Xiu, contente.
E nos abraçamos. Uau! Oito anos sem se ver! E elas permaneciam
firmes e fortes no treinamento. Pareciam muito poderosas.
– Resolveram permanecer na Índia? – perguntei.
– Isso mesmo – confirmou Sella – na verdade eu fiz um treinamento
na Indonésia por mais um ano, mas resolvi que a SSC da Índia era onde
eu queria ficar.
Eu apresentei as duas para Sabrina e Elisa, animadamente.
– Então você é a famosa Mei-Xiu que deu um tapa na cara do Mau –
disse Elisa, com um sorrisinho maldoso
– Sou eu mesma – confirmou Mei-Xiu – não que eu me orgulhe.
Lembrando depois é engraçado, mas na hora foi bem chato.
– Imagino – disse Sabrina, rindo também.
Logo depois, foi o próprio Mau que surgiu por ali, com suas muletas.
Após cumprimentar Sahana, ele reconheceu Sella e Mei-Xiu.
– Quem diria – comentou Mau – que lugarzinho mais inesperado
para um reencontro. Vivaan não combinou com Mau sobre o
mapeamento de hoje?
– Nós tivemos uma mudança de última hora e não deu tempo de
avisar – informou Sahana – porque encontramos uma Deusa em E11 e
saímos imediatamente.
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– Não ligo – disse Mei – se for pelo Mau, eu não me importo. Tenho
me punido por todos esses anos por causa daquele tapa. Recusei o beijo
dele só porque eu não sabia que era o Mau. Senão, nem morta que eu
tinha recusado.
– Eu sabia – falei.
A nossa próxima expedição seria em J12. Esse local foi escolhido por
Catarina, que mapearia nossa jornada de exploração dessa vez.
– J12 é um dos meus favoritos – disse Fernando, empolgado – estou
orgulhoso de participar dessa expedição.
– Yago não gosta muito da área J – comentou Mau – raramente envia
Sacrios de Expedição para lá. Mas se a Cat disse que está OK, vou
confiar nela.
– Sahana ia bastante para J3 – disse Mei – mas como dizem: “Em
Roma, faça como os romanos”.
Preferi não dar opinião, já que eu era uma Sacrios novata. Eu só iria
segui-los.
– Eu achava melhor que Manu, Sarthak ou outro Sacrios experiente
nos acompanhasse – disse Mau – porque se der merda em J, vai ser
difícil escapar rápido. I e K estão bloqueadas essa manhã.
– Se Sarthak for, eu não vou – disse Mei, de cara amarrada.
– Você acha que estou sugerindo isso por gostar dele? – perguntou
Mau – nós somos uma equipe. Ou você prefere perder a vida em
Mundes do que ser salva por ele? Dependendo de qual Deus der as caras,
pode não dar tempo de eu resgatar todos vocês.
– Vamos logo! – interrompeu Fernando, impaciente – não tem nada
de errado com J12. Vocês são muito medrosos. Onde está a sede de
aventura?
– Você vai ver a sede de aventura quando você voltar com metade do
seu corpo despedaçado, infeliz – retrucou Mau, irritado – você ainda não
sabe o que é perder pedaços, então cala a boca.
Fernando ficou quieto.
– Os mantos do Brasil são tão pomposos – observou Mei, fitando as
próprias vestes cerimoniais – na Índia nós usamos mantos mais práticos
e eficientes e não tão bonitos.
– Isso foi um elogio ou uma crítica? – perguntou Elisa.
– Apenas uma observação – respondeu Mei.
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Tão pouco. Era tão pouco o tempo que comprávamos com coisas
preciosas como dedos!
Havia uma cortina de cinzas ao redor que estava me fazendo tossir.
Eu não enxergava nada. Onde estavam os outros? Como conseguiríamos
retornar para a Terra?
“Em situações de risco extremo, cada um deve salvar a si mesmo”.
Eu me recordei dessa orientação. Todos os outros já deviam ter ido
embora. Eu só poderia me salvar sozinha.
Fechei os olhos e me concentrei para sair, mas o meu corpo não me
obedecia. Estavam acontecendo coisas estranhas dentro de mim.
Eu não ia conseguir.
Eu tinha mais 9 minutos. Eu não sabia o que fazer!!
Foi só então que avistei Fernando. Ele colocou a mão no meu rosto,
tapando meus olhos. Pronunciou uma fórmula mágica com a voz
trêmula, respirando com força.
Alguns segundos depois, eu reabri meus olhos. Estávamos
novamente no acampamento.
– Obrigada – foi tudo o que consegui dizer.
Não tenho certeza se Fernando escutou. Ele estava respirando com
dificuldade.
O braço esquerdo dele estava pingando sangue. Ele havia decepado o
próprio braço.
Eu precisava me acostumar a ver coisas assim. Eu não poderia mais
me chocar.
Houve um grande tumulto no acampamento. Nós fomos levados
para receber atendimento médico imediatamente.
Fiquei surpresa ao constatar que meus ferimentos eram leves. Eu
tinha cortes bem pequenos e mesmo assim o tempo do meu relógio caiu
um monte!
– É assim mesmo – me explicou Mau, que também estava sendo
atendido naquele instante – por isso que numa batalha real contra
Deuses em Mundes, na prática nós temos pouquíssimos minutos, ou até
segundos, para tentar golpeá-los.
– Como estão todos? – perguntei – Mei, Sabrina e Elisa?
– Sabrina foi a única que escapou ilesa – respondeu Mau – Mei teve
que cortar dois dedos para comprar tempo. A magia que aquela puta
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É verdade que Mei não era fraca. E ela provou isso na última
expedição. Eu não me oporia que ela fosse a vice, embora Manu fosse
incomparavelmente mais habilidosa que ela. Mas como Manu vivia
ocupada com o treinamento dos Saos, achei que ela até se sentiria
aliviada de se livrar das ocupações de vice.
Nós todos bebemos do cálice e pronunciamos as palavras. Meu, eu
me sentia magnífica!
E também sentia um nervosismo extremamente agradável. Com Mau,
Manu e Sarthak ao nosso lado, eu me sentia confortavelmente protegida.
Quando entramos em Mundes, pela primeira vez eu me senti livre.
Nem me preocupei mais com o relógio. É claro que todos aqueles
Sacrios fortes não iriam permitir que eu morresse. Eles eram como uma
fortaleza. Se lutassem juntos, poderiam até mesmo ser capazes de matar
um Deus.
Por um momento eu até desejei que um Deus aparecesse, para eu
poder assistir de perto a essa batalha épica. É claro que na prática eu
seria atingida pela violência da batalha e teria que retornar. Só conseguia
assistir a lutas assim aqueles que eram capazes de participar.
A área L era muito mais aberta e isso me deixou um pouquinho
apreensiva. Não estávamos protegidos por altas árvores como das outras
vezes. Mas imaginei que Yago devia saber o que estava fazendo. Ou, já
que havia tantos Sacrios fortes conosco, talvez ele tivesse topado correr
mais riscos.
Foi então que nos contaram que aquela não era uma expedição de
exploração e sim uma expedição para coletar objetos mágicos. Era mais
perigoso que a simples exploração, mas nem de longe tão arriscado
quanto uma batalha.
Nas explorações éramos orientados a jamais levar nada do Mundos
dos Deuses conosco. Os Três Tesouros tinham quebrado essa regra há
muito tempo. Desde então, virou tradição que Sacrios se tornassem
fortes o suficiente para uma caça ao tesouro.
Na verdade, estávamos literalmente com pás nas mãos. Mau
distribuiu as pás enquanto o fitávamos intrigado. Mas ele só deu pás para
mim, para Sabrina, Mei-Xiu, Thomas e Fernando. Mau, Manu, Sarthak e
nossos médicos estavam livres do trabalho pesado e só iam ficar
passeando.
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– Essa arrogância vai te matar muito mais cedo do que você imagina.
E o que acha do Caminho do Espírito?
– Não sei muito sobre ele – eu disse – Mau uma vez me disse que
conhecia alguém de lá. Ele parecia simpatizar com a SSE.
– Minha Sociedade favorita é a SSO – Sol deixou claro – mas a SSE é
melhor que a SSC!
– É óbvio que você acha isso – eu disse – a sua Sociedade favorita é a
que serve de escravos para vocês. E a que você menos gosta é a que quer
destruí-los. Admita que somos os mais ousados.
– A SSE é mais ousada – disse Sol.
Ele notou que eu estava ficando curiosa.
– Quer que eu te leve para conversar com o líder da SSE? –
perguntou Sol.
– Eu não quero nenhum favor seu! – exclamei – sai daqui, Sol!
– Está bem! – ele se esquivou da minha travesseirada – mas se quiser
falar comigo de novo, é só me ligar.
– Não tenho seu celular – eu disse.
– É claro que tem. Até mais, Antônia!
E ele desapareceu.
Chequei no meu celular a minha lista de contatos. Dentre eles havia:
“Sol, Gostoso e Magnífico”.
– Merda.
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Capítulo 4
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Ele não deixou claro se ele agora era a favor dos Deuses, se era
neutro em relação a esse assunto ou se voltaria a nos apoiar caso um dia
resolvesse sair de lá. Estávamos no escuro sobre isso.
É claro que não iríamos apenas permanecer esperando por ele ao
longo de oito anos. A própria Mei-Xiu tinha arranjado um novo
namorado três anos depois de Mau ser sequestrado. Afinal, os dois só
tinham namorado por poucos meses. Provavelmente ela achou que não
devia esperá-lo pela vida toda. E fez bem, já que Mau até tinha se casado.
Como já era previsto há mais de quinze anos, Benjamin assumiu a
liderança da SSC Internacional. Manu tornou-se a vice-líder da SSCI e a
líder da SSC do Brasil. Raghav foi o vice-líder da SSCB por alguns anos,
até que Manu e Sarthak se divorciaram. Desde então, Yago assumiu o
posto de vice-líder.
Yago já estava namorando Catarina há alguns anos. Foi a própria
Catarina quem começou a dar em cima de Yago e o pediu em namoro.
Os dois eram um casal aparentemente perfeito, já que gostavam das
mesmas coisas. Porém, apesar de gostar de Catarina, Yago não parecia
ser tão apaixonado assim por ela.
Diego já estava com 13 anos e tinha vontade de ser membro da SSC
quando completasse 18. Na prática, ele já vivia conosco no
acampamento e se divertia com tudo. Ele participava do treinamento de
Manu e já tinha inclusive desenvolvido uma siddhi. Prometia ser um dos
nossos membros mais fortes.
Sarthak tinha retornado para a Índia. Diego resolveu permanecer
morando no Brasil com Manu, mas ele já tinha viajado para a Índia uma
vez para visitar o pai.
Mei-Xiu tinha retornado para a Índia também. Inclusive, seu novo
namorado era indiano.
Sahana havia morrido numa luta contra os Deuses três anos atrás.
Raghav era o novo líder da SSC da Índia. Sarthak ficou como vice. Tejas
estava morando no acampamento da Indonésia com Farah.
– Essa será uma batalha difícil – disse Manu – eu gostaria que
somente nos acompanhasse quem está preparado para morrer. Quem
ainda tem dúvidas, por favor, peço que se retire.
Todos ficaram quietos.
– Muito bem – disse Manu – vamos regular os relógios.
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Era Yago berrando no meu ouvido. Mas o que raios Yago estava
fazendo lá? Bem, acho que depois de ouvir os berros de Mau no
comunicador, ele notou que algo muito errado estava acontecendo em
nossa expedição relativamente segura para batalhar contra Estrela.
– Mas vejam só quem está aqui! Yago!!
Mau atravessou o braço na barriga de Sabrina para abrir caminho. Ela
bateu fortemente no chão, morta.
Mau teletransportou-se exatamente para a frente de Yago. Passou o
braço pelas costas dele, com um grande sorriso.
– Tudo bem, amigo? – perguntou Mau – eu já te disse que você é
meu melhor amigo?
– Mau, por favor, pare com isso – disse Yago, respirando forte, com
nervosismo.
– O que é isso, Yago? – perguntou Mau, fingindo estar chateado –
Não me diga que está com medo de mim? Você está?
Yago ficou quieto. A sua expressão era de pavor. Ele sabia que uma
palavra errada poderia custar sua vida.
– Não se preocupe, Yago, eu não vou te matar – disse Mau – você é
meu grande amigo.
– Obrigado, Mau, mas, por favor, peço que não mate ninguém mais –
disse Yago, tropeçando nas palavras.
– Por que eu não posso matar todos esses bastardos escrotos
desgraçados, essas bichas loucas? – perguntou Mau, com uma expressão
insana – eles riram da minha cara pela minha vida inteira! Se eu aceitasse
isso quieto, eu seria o maior otário do universo.
– Um grande amigo pode perdoar... – disse Yago, dizendo qualquer
coisa que vinha em sua cabeça – o perdão é uma das maiores virtudes...
– Que mané – Mau riu – Yago, você é tão mais legal quando não está
se mijando de medo de mim. Olha só! Ele se mijou mesmo!
Mau tocou nas coxas de Yago. Ele recuou.
– Cara... – disse Yago – fica calmo.
Enquanto Mau estava batendo papo, vários Sacrios estavam mexendo
em seus relógios para se mandarem de lá antes de serem mortos.
Porém, alguns deles ficaram desesperados.
– Essa bosta não funciona! – gritou alguém.
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Sempre pensei que poderia ter alguma utilidade além de estudar geodésia
e mapear as zonas do mundo de vocês.
– Significa que agora eu tenho emoções? – perguntou Sol.
– Não sei – disse Yago – você tem?
– Bosta!!! – berrou Sol – eu não quero essa porcaria! Tira de mim!!
Sol começou a arrancar pedaços de si mesmo e a jogar longe,
tamanho seu desespero.
– Calma, cara – Yago sorriu – é só amor. Eu sei que você consegue
conviver com isso. Ele dá a vida. Mas ele a tira também.
– Minha doce Universo! – Sol jogou-se ao lado do cadáver dela – se
for para morrer, tem que ser com você, meu chuchuzinho!!!
E Sol começou a pegar fogo. Logo, os dois cadáveres de Deuses
estavam em chamas.
– Você realmente deu emoções para Sol? – perguntou Farah,
intrigada, quando os dois cadáveres já tinham sido consideravelmente
consumidos.
– Claro que não – disse Yago – ele apenas acreditou na minha
mentira porque quis. Ou talvez a crença dele tenha ativado a minha
magia? Jamais saberemos!
Sarthak finalmente respirou aliviado. A-há! Então até ele ficava
nervoso.
Quando Sol morreu, o dia virou noite por um momento.
Sarthak levantou-se. Checou se as veias de Raghav ainda pulsavam
em seu pescoço.
– Está vivo, Raghav? – perguntou Sarthak.
– Aparentemente.
– Que pena – disse Sarthak – você usou a magia proibida. Terá que
ser executado pela manhã.
A seguir, ele caminhou até Mau.
– Está vivo, Mau?
– Pode apostar que estou – respondeu Mau, esfregando o pescoço
cheio de sangue – também não vou fugir da minha execução.
– Isso é bom – disse Sarthak – eu gostaria de matá-lo pessoalmente,
mas irei me ocupar de Raghav. Manu ficará responsável por executá-lo.
Que estranho. Enquanto eu estava lá naquela arena de pedra eu sentia
como se estivesse protagonizando o fim do mundo. Mas quando
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– Menino tolo...
Recordei-me do belo sorriso de Raghav quando o encontrei pela
primeira vez no aeroporto. Ele tinha me mostrado muitas coisas
importantes. Eu era grata.
Eu sabia que eu não estaria livre de cometer um erro tão grave como
esse. Afinal, eu era humana. Eu não era uma Deusa. Mas até os Deuses
morriam.
Acho que a parte mais desagradável de tudo foi ver Eric contando
vantagem na internet, celebrando a morte de Mau. Ele imediatamente
voltou a ser um membro oficial da SSC americana, substituindo o
falecido Andrew como líder.
Nem sempre os malvados eram punidos e nem sempre os bonzinhos
eram recompensados. Não era dessa forma que o mundo real
funcionava. Mas acho que eu já tinha aceitado essa realidade há muito
tempo.
O próprio Mau era um misto de bem e mal que recebeu mais
recompensas e punições do que a maioria dos mortais poderia sequer
sonhar. Uma coisa é certa: sem dúvida ele teve não somente uma morte
fascinante, mas também uma vida.
E agora Mau não era o único da história da SSC que já havia
assassinado um Deus. Manu ficou reconhecida por ter matado Galáxia.
Sarthak ficou reconhecido por ter matado Universo. E Yago ganhou o
mérito pelo assassinato de Sol.
Como Universo era considerada a Deusa máxima, Sarthak tornou-se
o novo líder da SSC Internacional. Manu permaneceu em seu posto de
vice-líder.
Mas Manu ainda era a líder do Brasil e Yago o vice. Sarthak tornou-se
o líder da SSC da Índia e nomeou o assustado Vivaan como vice-líder,
que aceitou o cargo com gratidão e espanto. Ele tinha muito medo de
Sarthak e acho que agora teria mais medo ainda.
Eu soube que Mau foi no aeroporto com Sarthak na noite anterior à
execução. Porém, nem Mau e nem Sarthak disseram uma palavra a
respeito da despedida dos dois.
Jian-Jun era o novo líder da SSC da China. A morte de Dan-Dan foi
lamentável.
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Era o famoso Doutor Henrique que fazia vídeos tentando provar que
os Deuses não existiam. Mau tinha feito várias paródias dos vídeos dele.
Puta que pariu. Pelo jeito ele tinha mudado de ideia!
– Você acredita em Deuses, Doutor Henrique? – perguntei, para
testá-lo.
– Certamente não – disse o Doutor Henrique, firmemente – Deuses
não existem.
Ele não parecia estar brincando.
OK, teríamos muito que conversar. Eu estava ansiosa.
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Capítulo 5
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– Não duvido disso. Mas por que passar por tanto sofrimento
voluntariamente por causa de coisas falsas?
– Você que me responde isso! – exclamei – você sabe que um dia um
monte das teorias científicas que você estuda hoje serão refutadas, nem
que isso leve séculos ou milênios para acontecer. Então por que você
perde seu tempo com coisas falsas?
Doutor Henrique sorriu.
– Eu aprecio a sua forma de pensar, mesmo que ela não funcione
direito – disse Henrique – você seria um valioso membro para a SSE.
– O que vocês fazem, afinal? – perguntei – vocês são os caras que
estão “de fora” do jogo dos Deuses observando tudo, enquanto nós da
SSC e da SSO brincamos de matá-los ou de morrer por eles?
– É evidente que nós vemos a nós mesmos de uma forma grandiosa
como essa. No fundo, nós que somos os Deuses que estamos fora do
tabuleiro e acompanhamos as jogadas de vocês: o corpo e a mente
contra a sombra criada por esse mesmo corpo e mente. É como um
jogador de xadrez que compete contra um computador criado por ele
mesmo.
– Eu acho que vocês são a Sociedade mais sem graça – comentei – só
ficam observando sem fazer nada.
– É aí que você se engana – disse o doutor – nós interferimos. O erro
da SSC e da SSO é possuir um caráter sagrado. Vocês têm medo de
mexer com o que chamam de “espíritos” ou necromancia. Isso seria
como espiar as exceções para as regras do jogo ou tocar o próprio
Mestre do Jogo. Se algo assim fosse real.
– Então nada é real, então nada importa, foda-se! – exclamei.
– Não é bem assim. As coisas importam na prática. Nós olhamos
para os resultados e não para a beleza. Nós concluímos que esse
envolvimento com os Deuses gera resultados circulares. É melhor mexer
direto nos fundamentos: no “espírito”, em vez de tentar cortar os galhos
da árvore, que volta a crescer. Deve-se cortar o mal pela raiz.
– E o que é o espírito? – perguntei.
– O tempo.
Meus dedos tocaram o relógio no meu bolso.
– Então o espírito não é absoluto – concluí – ele é relativo?
– O que você acha? – perguntou Henrique, interessado.
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Porém, quando tentei prestar atenção, notei que Floresta estava quase
desaparecendo.
– Não consigo te ver – eu disse, assustada – Floresta?
E ela havia se ido. Mundes desapareceu completamente.
E lá estava eu chorando dentro da minha barraca.
Os Deuses eram realmente imaginários? Ou será que eu estava tão
confusa que não conseguia me concentrar direito?
Eu aprendi que se eu tinha dificuldade em ver o Mundo dos Deuses
era porque não estava olhando com atenção. Mas talvez eu o criasse na
minha cabeça?
Porém, antes que eu pudesse me desesperar, vi a Deusa Floresta
sentada ao meu lado na minha barraca.
– Calma, Tônia. Os pesadelos vão passar. Eles parecem reais quando
acontecem, mas depois você vai descobrir que tudo foi só um sonho.
Floresta me abraçou. Eu chorei nos braços dela. Era a mesma coisa
que Irene me dizia quando eu era bem pequena e ela tentava me colocar
para dormir.
Finalmente meu coração se acalmou.
– Por favor, não desapareça – eu pedi.
– Eu estou bem aqui – disse Floresta, afagando meus cabelos.
Ainda levei longos minutos para me acalmar. Finalmente, eu segurei
nas mãos dela.
– Será que eu posso te apresentar para uma pessoa? – perguntei.
– Claro – disse Floresta – quem?
– O Doutor Henrique.
Pedi novamente autorização para sair do acampamento. Eu sabia que
eu não podia abusar. Era a segunda vez que eu ia para a cidade na mesma
semana.
– É claro, pode sair – disse Yago, mexendo no computador – eu sei
que você anda interessada na SSE e.... AAHHH!! Floresta!!!
Yago reconheceu a Deusa ao meu lado.
– Oi Yago, que saudades – disse Floresta.
– Você vai lá com ela? – perguntou Yago, confuso.
– Sim, vai ser divertido – respondi.
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fim de interpretar o papel de Irene e viver como ela, eu não iria reclamar.
Ela era a pessoa mais indicada para isso, já que tinha todas as memórias
de seus 19 anos de vida.
– Me conte o que vocês fazem por aqui – eu queria saber de tudo! –
necromancia?
– Nós somos guardiões de espíritos – explicou meu pai – quando um
Sacrios morre, a SSC nos envia os pedaços de corpos para que
recuperemos os pedaços de espírito que ainda ficaram sobrando. Somos
nós quem fabricamos seus relógios.
Aquilo parecia difícil.
– O que vocês fazem com os espíritos depois disso?
– Guardamos – respondeu ele – ou enviamos para outros universos.
– Por acaso vocês também são responsáveis pelos espíritos dos
membros que são executados cerimonialmente? – perguntei.
– Por acaso nós somos – ele respondeu – nesse caso é mais simples,
pois os espíritos são enviados inteiros para nós e magicamente prontos.
Em caso de morte em batalha é mais complicado reunir as partes.
Então se eu tivesse morrido na SSC, meu espírito seria enviado para
meu pai. Aquele pensamento me deu uma estranha paz.
– O que você fez com os espíritos de Mau e Raghav? – perguntei,
curiosíssima.
– Normalmente os Sacrios executados escrevem uma carta e lacram,
indicando o que desejam que seja feito com seus espíritos após a morte.
Somente Sacribrios podem romper o lacre.
– Então você não pode me contar – eu disse, desapontada.
– Porém, eu posso informar uma coisa – disse meu pai – antes que
seja dado um destino aos espíritos, eles permanecem conosco por pelo
menos 10 anos, adormecidos, para que se recupere a energia vital.
Então eu só saberia o que seria feito com os espíritos de Mau e
Raghav dali dez anos. Ou dali oito anos, depois que eu me tornasse
Sacribrio na SSE. De qualquer forma, ainda levaria um longo tempo até
eu receber essa informação.
– Desculpa pai, eu li sua mente sem querer – confessou Floresta –
mas eu prometo que não vou contar para Antônia.
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Saos, se eles forem particularmente inúteis. Assim morrerão logo. Não precisamos de
lixo no grupo.
Diego: Eric, você é chato pra cacete. Se continuar se portando como um bosta, vou
mandar meu pai te executar.
Eric: Você acha que eu tenho medo do seu pai, Dieguinho? Aprende a fazer
alguma coisa sozinho uma vez na vida em vez de chamar o papai, seu bundão. Ou
vai chamar a mamãe também? É confortável ter papai e mamãe como líder e vice-
líder, hã? Você acha que sua proteção está garantida. Pense de novo. Na próxima
batalha pode ocorrer um “acidente” com você se eu deixar minha adaga cerimonial
escorregar. Ninguém vai saber o que aconteceu.
Farah: Como você é inteligente falando isso em público, Eric. Como se Sarthak e
Manu não fossem ler.
Eric: Nenhum dos dois tem paciência para nossas conversas ridículas na internet.
Sarthak: Acabei de terminar o meu café, Eric. Você será executado.
Eric: Mas que porra é essa? Diego, você chamou seu pai? Que escrotice!! Você
não pode me matar. Eu ainda não fiz nada. Só estou assustando a porra do seu
filhinho.
Sarthak: Eu estava brincando. Como você é covarde.
Farah: O Eric se cagou todo!!
Eric: Eu não me caguei, seus palhaços. Cansei dessa conversa. Podem me matar
um dia, se conseguirem. Vou pedir para meu espírito voltar num Deus, para
despedaçar todos vocês.
Yago: Por favor, pessoal, peço que compreendam que esse é um site de notícias.
Não usem esse espaço para bate-papo ou a leitura dos comunicados pode ser
prejudicada. Peço que facilitem meu trabalho.
Eric: Cala a boca “Igor”. Não enche, seu boiolinha. A SSC está cheia de
maricas.
Yago: Bem, se eu fosse boiola eu teria muito orgulho disso. Não consideraria um
xingamento.
Eric: Cara, que tal você ir até o banheiro e enfiar a cara na privada?
Yago: Você falou que nem o Mau agora.
Eric: Mas que insulto! Enfim, se as pessoas costumam te sugerir que você enfie a
cara na privada, eu proponho que você considere esse um conselho para a vida.
Sarthak: Por que eu ainda estou lendo isso? Por que vocês me torturam assim?
Eu devo ter feito algo terrível na minha vida anterior para ser o líder desse monte de
idiotas.
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Resolvi finalizar a leitura por ali ou não conseguiria mais parar. Mau
uma vez tinha me dito que era viciante ler aquelas conversas. E eu
concordava. Era preciso se policiar.
Era uma questão a se pensar: para onde eu gostaria que fosse meu
espírito quando eu morresse?
Havia a opção de deixá-lo seguir o seu rumo, como acontecia com a
maior parte das pessoas. Mas como membro da SS eu tinha a chance de
escolher o meu destino. Eu não a deixaria passar.
Fui conversar com Floresta.
– Eu pensei muito sobre isso – eu disse a ela – e decidi que quero
realizar o Sacrifício Sagrado.
– Sério? – perguntou-me Floresta.
– Não é por causa de nenhum ideal – informei – é que eu já
experimentei como é ser membro da SSC e da SSE. Imaginei que agora
era a hora de ir para a SSO. Para sentir o que você sentiu.
– Os humanos são eternamente insatisfeitos – sorriu Floresta –
correm de lá para cá como moscas tontas tentando fazer coisas
grandiosas com suas existências. Nunca estão felizes o bastante.
– Eu estou feliz – esclareci – eu aprendi muito com minhas vivências.
Não vejo mais o mundo como se fosse preto e branco. É por isso
mesmo que eu queria experimentar viver como Deusa. Sei que eu não
serei a Deusa em si, mas somente parte dela. Mas acho que eu preciso
sentir um pouco como Mau se sentia. Para tentar entender a dor dele,
que ele afirmava que ninguém mais entendia.
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no Brasil. Ele estava com 77 anos, segundo meus cálculos. Caralho! Yago
era fodão, hein? Se ele quisesse, já poderia se aposentar. Eu tinha ouvido
falar que membros da SS tinham opção de aposentadoria, embora nem
se falasse disso, já que a maioria morria antes de chegar na idade mínima
para isso, ou não somava os anos de tempo de serviço.
Pensando bem, Yago não costumava participar diretamente das lutas
e coordenava as zonas de batalha pelo computador. Então era natural
que a chance de ele ter uma vida mais longa aumentasse.
Fora eles, os únicos vivos que eu ainda conhecia eram provavelmente
Vivaan e Mei-Xiu. Mas ambos também já estavam com mais de 60 anos.
Atualmente eram veteranos e imensamente poderosos. Vivaan era o líder
na Índia e Mei-Xiu era a líder da SSC de Taiwan.
Pode parecer estranho, mas eu tinha vontade de lutar contra a SSC
um dia. E eu desconfiei que se eu esperasse mais alguns anos, podia ser
que as únicas pessoas que eu conheci no passado que ainda estavam
vivas morressem em batalhas.
Por isso eu, aos meus 15 anos, resolvi chamar dois amigos para
lutarmos juntos contra a SSC.
– Por quê? – queixou-se Vento, agora com 18 anos – que perda de
tempo.
– Pode ser divertido – disse Arco-Íris, com 19.
Sim, aqueles idiotas se tornaram meus amigos. Como só havia idiotas
no Mundo dos Deuses, eu achei que dificilmente eu encontraria opções
melhores.
– Por que não chama seu pai para te acompanhar? – perguntou
Vento – ah, é claro, seu pai é muito cagão. Ele jamais aceitaria.
– Cala a boca, seu corno – eu disse – eu posso falar com Diego ou
com Yago e combinar uma batalha. Pode ser arranjado. E podemos
combinar de ninguém matar ninguém.
– Que coisa mais chata! – exclamou Vento – mas podemos decepar
alguns braços e pernas? Quero voltar pelo menos com um troféu pra
casa.
– Eu quero matar – disse Arco-Íris, decidida – mal posso esperar!
Arco-Íris tinha os cabelos cheios de cachinhos coloridos. Ela mesma
tinha pintado. Vento usava os cabelos ligeiramente longos num rabo de
cavalo.
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Vento mudou de forma, deixando uma poça de sangue por trás de si.
Transformou-se numa gigantesca ave de rapina negra e afundou as garras
nos ombros de Diego.
Diego ajoelhou-se, ofegante. Vento abocanhou o rosto de Diego com
seu bico, arrancando-lhe o olho esquerdo.
Diego gritou e caiu no chão. Vento já estava visando a barriga, para
devorar-lhe as tripas. No entanto, logo a ave produziu um som de
imenso sofrimento. Uma de suas asas foi cortada e desabou fortemente
no chão.
Uma mulher negra com longos cabelos rebeldes carregava nas mãos
um machado pingando sangue.
Vento tornou-se humano novamente e retornou sem um dos braços.
A mulher atacou-lhe com o machado outra vez. Porém, o Deus produziu
uma rajada de vento tão poderosa que o machado dela voou pelos ares.
Os braços dela estavam cheios de cortes, causados pelo sopro do vento.
Vento apertou a garganta da mulher. Contudo, dessa vez foi ela que
mudou de forma: transformou-se numa leoa e abocanhou a perna de
Vento, arrancando-a.
Notei o momento em que Diego fitou os ponteiros do próprio
relógio. Ele devia estar sem tempo.
A mulher leoa despedaçou Vento completamente. Quando terminou,
deu um rugido. E tornou-se humana novamente. Em sua forma humana,
ela gargalhou.
– Pensou que eras somente tu quem sabia esta magia, traste?
Apodrece feliz agora nesse mar de sangue, porque eu matei um Deus!
Ela falava português com um sotaque diferente. Identifiquei-a
imediatamente: só poderia ser a angolana Karina, líder da SSC de Angola
e vice-líder da SSC Internacional. Ela não somente era elegante e
poderosa; era mortífera.
– O que essa puta está grasnando? – perguntou-me Arco-Íris, furiosa.
Arco-Íris pisou na mão de Diego. Tirou-lhe o anel e o relógio.
Quebrou os dois imediatamente, com a magia mais forte que conseguiu.
Tanto Diego quanto Karina fitavam a Deusa pasmos. Deviam estar
pensando a mesma coisa: “Como ela sabe sobre o anel e o relógio?” Ou,
pensando bem, eles tomaram uma poção para esquecer aquilo. Eles
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Mas eu devia saber o que Mei-Xiu ia fazer. Ela já tinha feito isso
antes: ela preferia perder pedaços do corpo do que a vida.
No mesmo instante, ela cortou as duas pernas. Ela sacrificou as
próprias pernas para se salvar.
Eu fiquei sem fala e sem ação. Senti que, com aquele ato, ela havia me
vencido completamente. Eu jamais teria coragem de fazer algo parecido.
Eu provavelmente teria perdido a vida.
Nesse instante, eu recuei. Perdi a vontade de lutar. Tentei escapar de
lá, mas dois Sacrios taiwaneses notaram que eu ia fugir e me
aprisionaram com correntes.
Começou a chover.
Eu fitei o céu, sentindo a água bater no meu rosto. Também estava
chovendo no dia que nasci para minha nova vida. Eu seria arrancada
dessa nova vida com a mesma chuva.
Uma figura ao longe invocou um trovão. Um raio caiu na terra no
meio de nós.
As correntes foram cortadas. Quando eu abri os olhos, já estava
longe: carregada nos braços do meu novo pai.
– Geleira? – perguntei.
– O que pensa que está fazendo? – ele perguntou, com irritação –
brincando?
– Eu pensei que ela ia me ouvir – eu disse – pensei que Mei-Xiu iria
se lembrar de mim.
– Esqueça isso.
Quando já estávamos num local seguro, Geleira me deu um sermão.
– Por que você veio para cá se ainda desejava ter sua vida como
humana? – perguntou Geleira – isso tudo é um jogo para você?
Eu fiquei quieta.
– Você quer morrer? – insistiu ele.
– Eu não sei – confessei – eu apenas queria sentir o que Mau sentiu.
– Já sentiu o suficiente?
Eu senti lágrimas no rosto, misturando-se às gotas de chuva.
– Por que a vida é tão devastadora? – eu perguntei – já derramei mais
lágrimas do que toda a chuva do mundo.
– Eu vim te procurar, minha Chuva, porque a sua mãe precisa
conversar contigo urgentemente – disse Geleira, num tom mais gentil.
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Oi Yago!
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É, eu sou meio traídora, não estou a fim de lutar a favor dos Deuses. Na verdade
não sei direito o que fazer a seguir e estou me perguntando se você tem alguma
sugestão.
Até mais!
Chuva
Acho que a mensagem ficou meio boba. Não sei se Yago recebeu.
Ele não me respondeu.
Acabei não visitando os Sacrios no acampamento. Não queria ser
culpada pelo olho que Diego perdeu ou pelas pernas que Mei teve que
sacrificar por minha causa. Sem contar todos os outros Sacrios
estrangeiros que morreram porque eu fui uma vadia e contei segredos
importantes para meus amigos Deuses.
Então, no fundo foi bom Yago não ter me contatado ao longo
daqueles dez anos. Era mais seguro apenas ficar em Mundes, sem fazer
nada importante. No máximo, de vez em quando eu visitava meus
irmãos na Terra.
Quando dez anos se passaram, lá fui eu falar com Henrique. Ou
melhor, não exatamente falar, já que ele continuava fazendo o seu jogo
da invisibilidade.
“Quantos anos será que ele já tem? Talvez 100?” pensei,
impressionada.
Foi então que eu me lembrei que ele também jogava o jogo de fingir
que era imortal. Ah, é claro...
Naquele dia eu me despedi dos meus pais Deuses e de meus irmãos
humanos. Eu até mesmo tinha uma irmã humana que era ao mesmo
tempo minha mãe Deusa. Foi uma vida cheia de aventuras.
E agora, uma nova etapa se iniciava.
Decidi que eu não precisava renascer. Eu poderia ir para o outro
universo com meu corpo de Deusa. O Doutor Henrique já tinha me
falado sobre a necessidade biológica de morrer de vez em quando, pois
assim a natureza economizava energia. Ele não achava a ideia da
potencial imortalidade corporal dos nossos Deuses imaginários muito
natural.
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FIM
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