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AULA 20: THOMAS HOBBES E O LEVIATÃ FILOSOFIA

Thomas Hobbes (1588 – 1679)

➢ O pensamento contratualista
Iniciaremos agora uma discussão que se estenderá para as próximas duas aulas de
filosofia. Nesse intervalo de tempo, refletiremos sobre uma filosofia que permeou três séculos
da história do pensamento filosófico, o contratualismo. Seu período de vigência decorre do
século XVI ao século XVIII e os principais teóricos pertencentes a essa corrente são,
cronologicamente, o inglês Thomas Hobbes (tema da aula de hoje); o também inglês, John
Locke (1632 – 1704), e o francês Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778). A essência desse
tipo de pensamento pode ser entendida por meio de duas inquietações: a primeira era
descobrir qual é a natureza humana1, ou melhor, pretendeu-se perguntar quais seriam os
princípios universais a todos os seres, invariáveis no tempo e ao espaço. A segunda
inquietude girava em torno do questionamento sobre a origem da sociedade civil que os
contratualistas imaginavam surgir a partir de um contrato ou pacto social entre
indivíduos pertencentes a um mesmo estado de natureza. Dentro deste estado, todos
seriam livres e iguais para se associar segundo um ideal em comum: fundar um
ordenamento civil, deixando de agir conforme o nosso estado de natureza. As
justificativas racionais para a existência desse contrato social e maneira pela qual ele é
firmado, cada um dos três pensadores contratualistas vai definir de uma forma específica, no
entanto, veremos isso com calma no decorrer das aulas.
Durante o século XIX esses autores foram muito criticados e suas principais ideias
refutadas. Atualmente ouvir alguém discutir sobre uma natureza humana absoluta é um
verdadeiro absurdo. Afinal de contas, as ciências sociais e a própria filosofia mostraram
que não existe uma natureza única e imutável, pois a todo momento os homens
imprimem significados sociais às suas características e instintos naturais. Além do mais,
os seres humanos sempre trocam experiências uns com os outros – transformando a si
1
Na época de Hobbes, a conquista e colonização da América era algo ainda muito recente no imaginário
europeu, tanto que, a noção de natureza humana, ou seja, a ideia de um estado de vida e consciência
primitivos, logo anteriores a vida social, era concebido, de forma preconceituosa, como existente nas
populações originais da América e da África. Tais ideias foram refutadas pela antropologia moderna do século
XX. Tal ciência constatou que não existe estado de natureza universal e invariável a todos os seres humanos da
Terra, pois, embora tenhamos tendências naturais ou instintivas, a sociedade em que vivemos modifica tais
propensões naturais e as molda socialmente, de acordo com os valores, princípios e hábitos estabelecidos em
nosso meio social e cultural.

1
próprios nesse processo –, portanto todos aqueles conceitos e condutas consideradas naturais
num dado momento, logo em seguida, já demonstram ser, na realidade, modificáveis social e
historicamente.
Mesmo assim, precisamos evitar chegar com “paus e pedras” para cima dos nossos
filósofos contratualistas. Pois, quando fazemos uma leitura desarmada do olhar específico
da nossa época histórica, livramo-nos de muitos preconceitos e somos capazes de
perceber a originalidade da filosofia contratualista. E, de fato, os contratualistas não
eram ingênuos, na realidade, suas noções com respeito ao estado de natureza e ao
contrato social eram suposições racionais, interpretações da realidade na qual viviam,
levadas a cabo por meio da razão e da reflexão crítica e filosófica de sua realidade. Em
outras palavras, eram aquilo que a ciência contemporânea prefere chamar de hipóteses. Por
meio de tais suposições os filósofos contratualistas criaram grandes sistemas filosóficos que
foram responsáveis, independentemente do desejo desses pensadores, pela síntese de
importantíssimos períodos da história. Por exemplo: Hobbes ficou conhecido como aquele
que melhor compreendeu o Absolutismo (XV – XVIII); Locke a Monarquia
Parlamentar (a partir da revolução gloriosa desenrolada no século XVII) e; Rousseau a
Democracia.

➢ Vida e obra
Hobbes nasceu na pequena aldeia de Wiltshire2 na Inglaterra, em 1588. Vindo de
família pobre, não pode contar com a renda do seu pai para financiar os seus estudos, pois este
era um clérigo simples. Após mudar-se para Malmesbury3, começou a receber auxílio do
seu tio, um luveiro prospero, o qual resolveu ajudar na educação do menino. Por causa
disso, foi capaz de estudar os conhecimentos clássicos e aos catorze anos consegui entrar
na universidade de Oxford. A educação de Hobbes foi escolástica e clássica, mas também
estudou Física, Lógica, Astronomia e Geografia, no entanto, nunca se destacou como um
estudante brilhante ou que se sobressaia frente aos demais. Conseguiu emprego como
professor particular do filho da casa dos Cavendish. Tal emprego não só o salvou da sua
condição humilde de nascimento, mas também marcou o início do seu desenvolvimento
intelectual, pois os Cavendish possuíam uma imensa biblioteca com diversas obras
literárias e clássicas, nas quais podia mergulhar livremente. Além disso, seu contato com
2
Pequeno condado localizado no sudoeste da Inglaterra.
3
É uma cidade localizada no sul da Inglaterra e ao norte do condado de Wiltshere.

2
a família nobre, pouco a pouco, transformou-se em uma amizade profunda e sincera. O
filósofo inglês viajou para Itália e para França, aprendeu os idiomas estrangeiros,
escreveu poemas e obras literárias, no entanto, somente duas coisas eram realmente do
seu interesse: a filosofia e a política (fenômenos que admirava muito nos estudos dos
pensadores clássicos). Nesse sentido, deixava claro a sua preferência pela monarquia e a sua
repulsa pela república.
Hobbes conheceu muitos pensadores ilustres na história, tais como: Francis Bacon
(1561 – 1626)4, do qual foi secretário de confiança, chegando até a traduzir algumas de suas
obras para o latim; René Descartes com quem mantinha discussões polêmicas e; Galileu
Galilei (1564 – 1642), grande precursor da física moderna, que também conheceu
pessoalmente quando viajou para Itália. Nesse sentido, podemos perceber que Thomas
Hobbes conheceu as significativas reflexões filosóficas de sua época, ou melhor, os
movimentos filosóficos responsáveis pela inauguração da modernidade, ou seja: o
empirismo e o racionalismo. Com efeito, a sua filosofia pode ser entendida como um híbrido
entre essas duas grades vertentes explicativas do mundo. Essa espécie de racionalismo
empirista ou empirismo racionalista presente na forma hobbesiana de pensar, pode ser
compreendida quando observamos o seu intenso interesse na filosofia política 5, por isso,
mantinha-se sempre um profundo contato com os conflitos sociais ingleses de sua época. Em
1640, durante a Guerra Civil Inglesa (1642 – 1649) 6, o rei Carlos I (1600 – 1649) estava
evidentemente ameaçado pela revolução liberal 7, mesmo assim, Hobbes escreveu a seu
favor em suas obras filosóficas. Devido a suas inclinações absolutistas, Hobbes teve de se
refugiar na França, logo após a morte de Carlos I em 1649.
Durante o seu exílio escreveu em prol do poder monárquico francês e entrou em
discussões com o bispo John Bramhal com respeito a tema do livre arbítrio. Em 1651,

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Filósofo e político inglês, conhecido principalmente pelas suas investigações científicas empiristas, acabou
ficando bastante famoso como o “fundador da ciência moderna”. Embora nossa aula sobre o empirismo tenha
sido focada no filósofo escocês David Hume – representante mais recente deste movimento – nós ainda podemos
pensar em Francis Bacon como sendo o precursor do empirismo.
5
É um vertente da reflexão filosófica que foca o pensamento nas questões de interesse político, tais como: o
Estado, os conflitos sociais, as guerras, as mudanças de governo, o significado de um governo, as melhores
formas de se tomar e manter o poder, etc…
6
Confronto entre o rei Carlos I e o Parlamento que fez eclodir a Guerra Civil Inglesa. Após ser derrotado por
Oliver Cromwell, representante dos parlamentaristas (leia-se dos burgueses), Carlos I foi declarado culpado de
traição e executado.
7
A revolução burguesa na Inglaterra pode ter começado em 1640 com o conflito aberto contra Carlos I, no
entanto, só termina em 1688-89, com a vitória definitiva da burguesia e o fim do absolutismo inglês. Nesse meio
tempo, os ingleses vivenciam governos republicanos com Oliver Cromwell e seu filho Richard, até a monarquia
ser restaurada pela dinastia Stauart em 1660.

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ainda em exílio escreveu sua obra-prima: O leviatã que continha suas reflexões acerca da
natureza humana, do governo civil e da religião. Contudo, sua obra acabou não sendo
bem-aceita pela crítica da época, levando-o a ser proibido de ensinar seus princípios
filosóficos e políticos, o que o limitou a ensinar apenas matemática e o expulsou do
parlamento inglês. Hobbes voltou para a Inglaterra em 1652, ainda sob o domínio burguês e
quando em 1660 a monarquia foi restaurada ele já estava velhinho com seus 72 anos, logo,
não se interessava mais pelo calor e perigo das discussões políticas, por isso, passou a
trabalhar com tradução de obras clássicas como a Ilíada e a Odisseia de Homero. Hobbes
faleceu em 1679, dez anos antes do supremacia do liberalismo burguês na Inglaterra.

A natureza humana, direitos naturais X leis naturais

➢ A natureza humana, ou o estado de natureza hobbesiano


As reflexões sobre a natureza humana causavam muita inquietação aos filósofos
contratualistas e todos eles dedicaram partes significativas de suas obras estudando e
teorizando os supostos princípios que constituem a natureza do ser humano. Hobbes inicia
suas observações exclamando que os seres humanos nascem todos iguais em relação as
suas faculdades do corpo e do espírito analisadas em conjunto, pois alguns podem até
ser mais fortes em relações aos demais, no entanto, a fraqueza física pode ser
compensada por astúcia e sabedoria. Nesse sentido, dificilmente existirá benefícios
requisitados por alguém, sem que os outros possam requisitar também. Entretanto, sempre
haverão sujeitos que se considerarão mais inteligentes que o senso comum, ou aqueles
que são capazes de enxergar a inteligência, a perspicácia e a genialidade nos outros, mas
dificilmente admitirem que tais qualidades sejam superiores as suas. Segundo Hobbes, é
justamente essa soberba e essa descrença na igualdade dos seres humanos que fazem
parte das características que compõe nosso estado de natureza.
Como todos nascem iguais, provavelmente terão desejos parecidos, porém, será
impossível satisfazer, ao mesmo tempo e da mesma forma, cada aspiração humana,
portanto, quando procurarem contemplar suas vontades, as pessoas se tornaram
inimigas mortais umas das outras. Nesse sentido, se uma pessoa cultivar seu pedaço de
terra, fazendo-o como tempo prosperar, muito provavelmente será invadida por outros que
roubarão sua terra, sua liberdade e muitas vezes até sua vida. Além do mais, o invasor e

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usurpador poderá, a qualquer momento, sofrer com o mesmo ataque que causou. Logo,
vigora naturalmente a insegurança entre os seres humanos. Além de sofrer com a
violência e a eminente desconfiança, Hobbes ainda discorda da visão grega (mais
especificamente aristotélica) de o ser humano ser uma espécie de animal político (zoon
politikon), ou seja, um ser que naturalmente vive de forma coletiva. Segundo o filósofo
inglês, na realidade, os seres humanos se desprezam mutuamente e estariam dispostos a
fazer qualquer coisa para garantir sua autopreservação, inclusive recorrer ao
assassinato.
Essa insegurança e desprezo mútuo (entendidas como naturais, para Hobbes),
têm três causas essenciais: a competição, a desconfiança e a glória. Através da primeira,
os seres humanos atacam seus semelhantes, por conta da avidez8 pelo lucro e utilizam-se
da violência para dominá-los. Por meio da segunda, os seres humanos enfrentam-se
entre si para manterem-se seguros e usam da violência para defenderem-se. E, por
intermédio da terceira, os seres humanos guerreiam uns com os outros almejando
prestígio, e recorrem a violência, por causa de qualquer simples expressão que fira seu
orgulho (desde um simples sorriso de deboche a uma opinião divergente). Tendo em vista
tudo aquilo que foi discutido chegamos finalmente a ideia hobbesiana a respeito da natureza
humana: sempre que não existir um poder superior a todos os indivíduos e capaz de
manter a ordem e o respeito coletivos, os seres humanos sempre viverão em um estado
de guerra eminente de todos contra todos, contudo, não é somente uma guerra física de
enfrentamento, mas, pior do que isso, é a impressão constante de, a qualquer momento,
haver a possibilidade da explosão de guerra com o seu vizinho.
Nessas condições, é impossível pensarmos em manter qualquer tipo de indústria, ou
comércio, ou cultivo da terra, ou praticar as artes, nem mesmo é possível construirmos uma
vida em sociedade, vigora apenas o terror, o a solidão e o medo da morte certa. Hobbes ainda
completa, dizendo que se a explicação racional não convence, partamos para a comprovação
empírica: embora existam agentes públicos e privados responsáveis pela segurança, quem sai
de sua casa sem trancar muito bem as portas? Quem não coloca senhas em seus cofres? Quem
sai de casa sem se armar muito bem? Por fim, ele levanta duas importantes observações
com respeito ao estado de natureza humano: em primeiro lugar, não há justiça nem
injustiça nesse estado, tudo é permitido (até matar o outro sem motivo algum), pois não

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Desejo.

5
há lei nem um soberano comum para definir o que é certo e errado, bom ou mal. Em
segundo lugar, não há propriedade9, haja vista que a única coisa que diferencia o meu do teu
é a capacidade de conseguir (leia-se tomar do outro) as coisas e conservá-las consigo.

➢ A diferença entre direito de natureza e leis de natureza


O direito de natureza (do latim jus naturale) consiste na liberdade natural que nos
permite fazer tudo aquilo que desejarmos para preservar nossa própria vida, mesmo
que isso signifique sacrificar a vida de outrem. Vale ressaltar que a liberdade na visão
hobbesiana significa ausência de toda e qualquer impedimento sobre a vontade dos seres
humanos10. Em contrapartida, a lei de natureza (do latim lex naturale) pode ser
entendida como uma regra universal, instituída coletivamente e através do uso da razão,
pela qual todos os seres humanos recebem o direito de fazerem tudo o que for necessário
para preservar a sua existência, no entanto, ficam terminantemente proibidos de atentar
contra a própria vida ou contra a vida dos demais. Levando em consideração a descrição
anteriormente feita por Hobbes, com respeito ao estado de natureza (um verdadeiro “estado de
guerra de todos contra todos”, no qual não é possível existir vida segura e duradora), torna-se
necessário a elaboração de leis da razão, articuladas no sentido de promover uma a vida digna,
sem a presença eminente do medo. Nesse sentido, Hobbes chega em duas leis de natureza:
a primeira delas consiste na procura pela paz, mesmo que para isso, em última instância,
se apele para guerra. Dessa primeira lei, extrai-se uma segunda, a partir do momento
em que um homem, dentro de um agrupamento de pessoas, entrem em concordância
sobre algum assunto, os demais devem fazer o mesmo. Em outras palavras, a segunda lei é
o fenômeno do consenso que consiste na renúncia do direito natural a todas as coisas, em
prol da manutenção da paz. Como Hobbes destaca, se cada ser humano detiver o direito de
fazer tudo a quilo que desejar, todos inevitavelmente entraram em guerra uns com os outros.

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É preciso esclarecer que, embora Hobbes seja monarquista, isso não significa que ele defendesse a sociedade
feudalista, na realidade, sua filosofia é própria da época do Antigo Regime (), quando a burguesia se desenvolvia
às sombras do poder e se preparava para tomar o poder político (já que o econômico já detinha há um bom
tempo). Em síntese, sua filosofia foi essencial para a sustentação ideológica da sociedade burguesa nascente.
Uma das principais finalidades do pacto social, dentre outras coisas, era a garantia da propriedade
privada (o Estado nasce com essa premissa, e isso precisa ficar bastante nítido no estudo dos filósofos
contratualistas).
10
A exposição de Hobbes leva-nos a pensar que naturalmente temos uma espécie de liberdade absoluta, pela qual
podemos fazer tudo o que quisermos, inclusive roubar e destruir nossos vizinhos que, por sua vez, tem o mesmo
direito de fazerem o que quiserem conosco. Com efeito, o filósofo inglês procura demonstrar o quanto inseguro e
perigoso é viver em nosso estado de natureza, no qual existe apenas a vigência do jus naturale (direito de
natureza).

6
Para o filósofo inglês, a lei básica para a vida em sociedade é, então, a lei mais
fundamental do evangelho cristão: “Faz aos outros o que queres que te façam a ti”
(HOBBES, 2004. p. 48).
Entretanto, para que o consenso se realize é preciso mais do que uma discussão onde
todos cheguem a conclusões por unanimidade, uma vez que a renúncia voluntária do direito
natural sempre pressupões algum benefício em troca. É preciso então de um contrato (ou
pacto social), ou seja, um conjunto de sinais, palavras e ações, as quais, nitidamente,
demonstrem a concordância mútua de ambas as partes em ceder o seu direito natural a
todas as coisas, em prol da possibilidade de que todos consigam manter um direito
fundamental: a vida, sem ter medo de perdê-la para a arbitrariedade da vontade dos
outros. A partir do momento em que os contratos são firmados, quando uma das partes
contratantes deixa de cumprir seus deveres no acordo ela comete uma injúria ou uma
injustiça, ameaçando todos que estão envolvidos no pacto social a retornarem ao estado de
guerra. Nesse sentido, todos os contratos acabam assolados pela injustiça, devido a sua fraca
consistência, isto é, gestos e palavras humanas evidentemente marcados pela insegurança e
mesquinhez do estado de natureza. Contudo, Hobbes ressalta que, caso haja um poder
superior a todos os contratantes que seja capaz de coagi-los ao cumprimento das
determinações contratuais, nenhum pacto social poderá mais ser anulado e, finalmente,
a sociedade civil será criada.

O Estado absolutista, o papel e a justificativa da existência do soberano

Bem como vimos até agora, a criação do Estado era justamente a preservação da vida
coletiva, com intuito de poupar os homens de viverem em seu estado de natureza, no qual o
medo da morte era eminente e o custo de viver era extremo. Entretanto, tal como Hobbes
ressalta, todos os acordos coletivos firmados sem o auxílio da espada, ou seja, baseados
apenas em palavras, em gestos ou ações de boa vontade, não vão além de atitudes vazias e
inúteis. Nessa situação, torna-se crucial o papel do soberano, ou seja, aquele cujo poder é
concebido pelo grupo de contratantes, a fim de protegê-los dos perigos do estado de
natureza.
Muitos questionaram o pensamento hobbesiano por condenar demasiado as ditas
“paixões naturalmente humanas”. Os seus críticos afirmando que, se os animais, tais como: as

7
formigas e as abelhas, podem viver muito bem socialmente e, além do mais, governam-se
puramente através dos seus desejos particulares naturais, por que os homens não seriam
capazes de atuar da mesma forma então?11. Rebatendo as críticas, argumentando que o
suposto comportamento político dos animais, por exemplo, a organização das formigas é
fruto puramente da sua natureza, em contra partida, a atitude política humana provém,
segundo o filósofo inglês, do contrato social que representa um fenômeno artificial (leia-
se construído socialmente). Nesse sentido, Hobbes destaca o fato do contrato social em si
não ser capaz de manter os seres humanos seguros e sob um governo justo. Para que isso
aconteça, é crucial a existência de um poder superior a todos os membros da sociedade
civil que atue não só na manutenção dos contratos estabelecidos, mas também, seja
responsável, acima de tudo, pela beneficio do bem comum. Contudo, verdadeiro bem
comum, em Hobbes, só é possível de ser alcançado quando, durante o contrato, todos os
envolvidos cederem a sua liberdade natural a apenas um sujeito (ou também para uma
assembleia única), encarregado de possuir todo o poder político e punitivo 12 na
sociedade. O pacto social hobbesiano pode ser entendido nos seguintes termos: “Nós que aqui
nos reunimos, cedemos de livre e espontânea vontade, nosso direito de governarmos a nós
mesmo a este homem (ou assembleia), autorizado legitimamente a concentrar para si o poder
máximo da sociedade, utilizando-o somente em prol do bem comum”. O portador desse tipo
de poder que o contrato outorga13 é denominado Soberano e, uma figura mitológica que
ilustra o seu papel é o Leviatã14.
Por fim, resta-nos uma última questão a ser trabalhada no pensamento hobbesiano: Por
que o soberano deve concentrar o poder absoluto para si, sem a necessidade de um órgão que
fique responsável pela sua fiscalização contínua? Antes e mais nada, precisamos lembrar que
houve, teoricamente, um contrato firmado entre os seres humanos que garantia ao soberano
11
Aristóteles e boa parte do pensamento produzido na Grécia, acreditava na natureza sociável do homem, o zoon
politikon (homem como um animal naturalmente político). Além disso, a filosofia aristotélica considerava as
abelhas e as formigas como uma espécie de “animal político”.
12
Segundo o sociólogo Max Weber, o Estado é o único que possui o monopólio legítimo da força, ou seja, só ele
tem a permissão de punir, com violência, as diversas formas de violências que eclodem na sociedade, tais como,
a opressão de um grupo mais forte para com outro mais fraco, os assassinatos injustos (no caso, todos aqueles
que não são em legitima defesa da vida), as facções criminosas, entre outras. Porém, o sociólogo Karl Marx,
compreende que, na sociedade burguesa, o Estado está a serviço de uma classe social específica: a burguesia.
13
Isto é, concebe ou dá legitimamente e coletivamente a uma pessoa ou instituição.
14
Monstro marinho da mitologia cristã, presente no Livro de Jó (Antigo testamento da bíblia católica), o qual
representa uma grande serpente marítima, extremamente poderosa e temida. A sua simbologia representa uma
grande criatura, talvez a mais poderosa do mar, no entanto, ela abriga sob sua tutela os peixes mais pequenos e
indefesos, contra todo e qualquer predador marinho. Nesse sentido, a metáfora faz muito sentido ao ser usada por
Thomas Hobbes ao descrever o Estado, cujos poderes absolutos para com os seus membros, os protegem da sua
natureza maligna, bem como de todos os inimigos externos.

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poderes ilimitados, inclusive de escolher quem vive e quem morre. Caso os indivíduos
contratantes desejarem desrespeitar esse contrato, do ponto de vista hobbesiano, isso
seria uma injustiça, pois não cumpririam com a sua palavra e desonrariam o acordo,
incitando (intencionalmente ou não) os demais a fazer o mesmo. Todos aqueles que
cometem injustiça quebrando o pacto retornam ao estado de natureza, uma vez que o papel do
rei (ou da assembleia soberana) é zelar pelo bem comum, ao negar o pacto, se está
contrariando a paz pública, portanto, o soberano tem o direito legítimo de punir tal ação com a
morte. Nesse sentido, o rei não pode ser acusado de injustiça muito menos se morto,
tendo em vista o fato dele ser a concentração da vontade de seus súditos, logo, caso seja
acusado de corrupção ou jurado de morte, na realidade, aquele que o ameaçou, acabou
ofendendo a si mesmo, e a autoincriminação é uma contradição lógica, bem como tentar o
suicídio é absurdo.

Referências Bibliográficas

HOBBES, T. O leviatã (coleção os pensadores). Tradução de João Paulo Monteiro e Maria


Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2004.

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