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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Reprodução
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assistida
par
Ed
organizadoras
Cecilia Straw, Eliane Vargas,
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(Organizadoras)
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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
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REPRODUÇÃO ASSISTIDA
E RELAÇÕES DE GÊNERO
NA AMÉRICA LATINA
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par
Ed
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EDITORA CRV
Curitiba - Brasil
2016
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Editora CRV
Revisão: As Autoras
Conselho Editorial:
Profª. Drª. Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR) Prof. Dr. João Adalberto Campato Junior (FAP - SP)
V
r
Prof. Dr. Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Prof. Dr. Jailson Alves dos Santos (UFRJ)
uto
Prof. Dr. Carlos Alberto Vilar Estêvâo Prof. Dr. Leonel Severo Rocha (URI)
- (Universidade do Minho, UMINHO, Portugal) Profª. Drª. Lourdes Helena da Silva (UFV)
Prof. Dr. Carlos Federico Dominguez Avila (UNIEURO - DF) Profª. Drª. Josania Portela (UFPI)
Profª. Drª. Carmen Tereza Velanga (UNIR) Profª. Drª. Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNICAMP)
R
Prof. Dr. Celso Conti (UFSCar) Profª. Drª. Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA)
a
Prof. Dr. Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL - MG)
Prof. Dr. Cesar Gerónimo Tello
Prof. Dr. Rodrigo Pratte-Santos (UFES)
- (Universidad Nacional de Três de Febrero - Argentina)
Profª. Drª. Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar)
do
Profª. Drª. Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Prof. Dr. Élsio José Corá (Universidade Federal da Fronteira Sul, UFFS) Profª. Drª. Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
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Profª. Drª. Gloria Fariñas León (Universidade de La Havana – Cuba) Profª. Drª. Sydione Santos (UEPG PR)
Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte (PUC-PR)
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-444-1225-1
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op
d
CDD 305.42
ver
2016
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela:
Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418
www.editoracrv.com.br
E-mail: sac@editoracrv.com.br
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................................................... 7
od V
r
Cecilia Straw
uto
Eliane Vargas
Mariana Viera Cherro
Marlene Tamanini
visã R
PRESENTACIÓN.............................................................................. 19
oa
Cecilia Straw
Eliane Vargas
Mariana Viera Cherro
Marlene Tamanini
C
TECNOLOGIAS REPRODUTIVAS E MATERIAL GENÉTICO
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Luciane Moás
Cristiane Marques Seixas
par
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r
MÉDICAMENTE ASISTIDA EN LA ARGENTINA: disparidad,
uto
avances, limitaciones, vacíos y respuestas de la jurisprudencia......... 191
Cecilia Straw
R
LEGISLAR SOBRE LA VIDA. LOS SABERES AUTORIZADOS
a
Y LA REGULACIÓN DE LA GESTACIÓN POR SUSTITUCIÓN
EN ARGENTINA ..............................................................................211
do
Guadalupe Moreno
aC
MORALIDADES Y REPRODUCCIÓN ASISTIDA
od V
r
Latina surgiu a partir do Grupo de Trabalho número 34, da última Reunião
uto
de Antropologia do Mercosul, realizada no Uruguai em 2015. Seu caráter,
contudo, não é memorial. A ocasião foi analítica reflexiva e nos impôs o
desafio de sistematizar um conjunto de questões que vêm se modificando
visã R
com as tecnologias conceptivas em reprodução assistida e com as tecnolo-
oa
gias de preservação da fertilidade, malgrado sua quase ausência reflexiva
nos espaços diversos da sociedade e, particularmente, na academia, que
sempre faz parecer ser este um tema menor. Em que pese a relevância
C
da reprodução assistida para as pessoas e sua expressividade manifesta
em teses e dissertações, artigos acadêmicos, publicações de especialistas
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reproduzir-se por meio de filhos, parece ser assunto menor, do ponto de vista
público, e dificilmente alguém que ouve falar das práticas ou do tema, ainda
o
hoje, como de foro privado, mesmo que já não o seja. E quando posto nas
E
V
r
Igualmente, existem outros ganhos que são resultado da venda dos
uto
produtos para a manutenção dos materiais reprodutivos, dos usos das com-
plexas tecnologias para diagnóstico e da preservação de materiais e dos
laboratórios de tecnologias de produtos e de medicamentos. Entretanto,
R
a
para além de falas cotidianas a respeito desses aspectos, exige-se entender
as multifacetas de uma realidade de intervenção sobre corpos, gametas,
do
embriões e processos de solução para a infertilidade e para a infecundida-
de, que ora é de direito e ora é altamente biomédica e normativa, além de
aC
ser altamente gendrificada.
para mulheres que assim o desejam. Essas pessoas, em geral, podem pagar
por tais buscas e por práticas e experiências reprodutivas. Igualmente com-
i
op
od V
r
desejos e subjetividades, e já saíram das fronteiras circunscritas ao âm-
uto
bito de cada país. É de práticas globalizadas de um fazer cotidiano, que
é clínico, que é da ciência, das tecnologias, das pesquisas e das redes de
pesquisadores incorporados na disseminação destes saberes/poderes sobre
visã R
o fazer embriões e o fazer famílias com filhos que falamos. Além do mais,
oa
analisa-se o que estão a significar as práticas biomédicas, biotecnológicas,
legislativas e os processos vividos por sujeitos (mulheres e homens) em
reprodução assistida em nossos países, a partir dos seus depoimentos, em
contextos regionais ou nacionais.
C
Assim, convidamos os leitores e as leitoras a seguirem a complexa
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dos aspectos relativos a sua saúde, tais como a valorização de sêmen pro-
veniente de homens altos, magros, bonitos, bem educados e atléticos; ou
óvulos provenientes de mulheres brancas, com cabelos e olhos claros,
localizados em diferentes lugares do mundo. Estes aspectos colocam em
evidência a diferença em relação ao passado, quando as pessoas só se mo-
V
r
bilizavam na busca por tratamentos médicos nos países desenvolvidos. No
uto
presente, existem estímulos visando atrair estrangeiros também para os
países em desenvolvimento. Esta estratégia responde a uma nova relação
econômica, que é facilitada pelo crescimento das clínicas privadas, pela
R
a
comunicação global, ampliada pela internet e pela portabilidade dos pla-
nos de saúde. Estes aspectos são acompanhados pela superação das res-
do
trições legais a respeito das práticas reprodutivas nos países de origem.
Consequentemente, Machin coloca em foco a reflexão sobre um tema
aC
de relevância na atualidade, que é a compreensão e o funcionamento do
ou não, dos direitos humanos e dos princípios democráticos, com base nos
quais se organiza a maioria das nações em escala mundial.
i
op
od V
r
em duas partes. A primeira discute os limites para a realização do desejo
uto
de ter filhos, emoldurados pelo marco regulatório que orienta os usos de
tecnologias reprodutivas no Brasil, tendo como contraponto a realidade
sul-americana. Particularmente, são feitas considerações sobre o estado da
visã R
arte relacionado às atuais resoluções do Conselho Federal de Medicina
oa
(CFM). A segunda traz o questionamento relativo ao desejo de ter filhos
entre casais pertencentes a um universo cultural que valoriza a escolha
pessoal e a liberdade individual, nas questões de trato íntimo. Discute-se
de que modo os diagnósticos de infertilidade denotam as normas de gênero
C
que incidem sobre os casais inférteis, reiterando um modelo de família e
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que irradia dos grandes centros urbanos para as clínicas e especialistas que
vivem em regiões com mais dificuldades, onde a informação e o conheci-
mento ainda exigem muito investimento individual do pesquisador. Foca-
ver
V
r
processos de tratamento da infertilidade, mas sobretudo de normatização
uto
das pessoas e famílias. Nele, discute-se a produção de sociomaterialidades,
termo utilizado para falar de corpos, embriões, gametas e de sua imbrica-
bilidade com os valores socioculturais, intersubjetivos e materiais. Mostra-
R
a
se como as clínicas, laboratórios e especialistas, que se propõem a intervir
na reprodução, tomam a tecnologia como vetor de materialização ou de
do
conservação de corpos, células, embriões e desejos. Este processo se faz
com argumentos e percepções a respeito da qualidade das células, dos cor-
aC
pos e das metáforas que se usam para contrapor dois corpos, um masculino
representações de parentesco.
Foi realizado um inventário do seu desenvolvimento técnico recente,
i
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r
Nordeste do Brasil – Análises das articulações discursivas em torno da
uto
FIV”. Nele, trata da análise das disputas por hegemonia em torno do sig-
nificado das Tecnologias Reprodutivas, tendo por referencial empírico a
Fertilização in vitro (FIV). Os desdobramentos estiveram na identificação
visã R
das regularidades e dispersões discursivas em torno do significado do sa-
oa
crifício e do sofrimento como construtos de feminilidade e reprodução, no
contexto da medicalização da reprodução e, ainda, na análise de como a
articulação entre Estado, Ciência Médica e Mercado têm repercutido nos
discursos das mulheres.
C
A análise de documentos, a realização de entrevistas e o relato et-
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ternações, perdas, solidão, enfim, das penas que, como desviantes, devem
cumprir. Dimensão bem demarcada é o fato de que as mulheres sejam
investidas, na pesquisa, dos elementos que as caracterizam como sujeitos
da reprodução; mas tal fato, segundo a autora, não deve ser entendido,
nem de longe, como um passo atrás no caráter relacional que os estudos de
gênero justamente sustentam. O caráter relacional dos estudos de gênero,
14
por sua vez, não deve fazer subsumir elementos ainda intricados nas redes
de sentido da construção dos gêneros que, em muitos aspectos, expõem
desigualdades nas relações entre homens e mulheres.
Anna Carolina Horstmann Amorim intitula assim seu texto:
“Óvulos, sêmens e certidões: Maternidades lésbicas e tecnologias re-
V
r
produtivas no Brasil”. Estimulada por um episódio etnográfico, analisa
uto
as estratégias que seguem os casais de mulheres lésbicas cissexuais
(pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao sexo que lhe foi
atribuído ao nascer) que recorrem à reprodução assistida para assegurar
R
a
a participação da biologia mútua na filiação. A partir deste foco, apre-
senta as tramas de sentido que circundam estes procedimentos e os im-
do
pactos que eles têm sobre as pessoas, os corpos, as relações sociais e as
concepções de parentesco no Brasil. Foca-se nos modos com que estas
aC
mulheres utilizam-se das tecnologias reprodutivas para a realização de
qual uma parceira doa o óvulo que, após fertilizado, é transferido para
sua parceira. Ambas as estratégias enfatizam a relevância do vínculo
or
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r
últimos revelam os perfis injustos no exercício dos direitos à saúde, à saú-
uto
de reprodutiva, para o gozo dos avanços científicos, uma vez que existem
aspectos que são de riscos para a saúde das mulheres, dos bebês nascidos
destas técnicas, como para as doadoras de gametas. Definitivamente, estes
visã R
aspectos seguem enfrentando dois pontos de vista jurídicos sobre as pro-
oa
blemáticas das tecnologias reprodutivas. Uma perspectiva progressiva ou
contemporânea e outra conservadora e restritiva. (HERRERA; LAMM,
2013). Esta mesma chave conservadora e restritiva permite avaliar o aciona-
mento dos governos provinciais, que não abordam esta matéria e as demoras
C
do Ministério da Saúde da Nação para atualizar as listas dos prestadores de
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mento histórico no qual capta a atenção dos juristas. Assim, sua emergência
deve ser estendida ao contexto mais amplo dos avanços dos discursos sobre
os direitos reprodutivos e a igualdade de gênero, questões de grande impor-
tância na Argentina nos últimos anos.
A autora ressalta que, na Argentina, estas questões têm permaneci-
do, tradicionalmente, demarcadas no interior de uma retórica que alude
16
V
r
qual se tentou regular a gestação de substituição. Sinaliza que os distintos
uto
incisos contidos no artigo 562 do Projeto reproduziram usos e costumes da
prática médica, fixando como critério de acesso (i) que os casais tivessem
um diagnóstico comprovado de infertilidade e (ii) que o bebê por nascer
R
a
tivesse vínculo genético com seus futuros pais e não com a gestante. Ao
mesmo tempo, o capítulo coloca em destaque a relevância que tem assu-
do
mido a sanção da lei do matrimônio igualitário, para promover a regulação
da maternidade com útero de aluguel na Argentina.
aC
No plano teórico, o trabalho analisa a maneira como, ao tornar-se a
alguns dos conflitos morais, que surgem do âmbito social e que interpelam o
fazer tecnológico reprodutivo. A situação que a autora elege como exemplo do
ver
que pode ser considerado conflito moral mais amplo é a intervenção tecnológi-
ca para a seleção de sexo de embriões. A partir da resposta que se dá pela me-
dicina reprodutiva a essa possibilidade tecnológica, Viera Cherro mostra como
a moral se coloca fora do proceder tecnológico. Na disputa moral que emerge
sobre os diferentes modos de processar o acesso a óvulos de doação (doação
pura e doação mista), a moralidade dos procedimentos se evidencia como um
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 17
assunto a ser resolvido, encarado. Esta disputa e seu caráter evidente, conclui
a autora, parece ser mais uma consequência de diferenças de posições entre os
próprios sujeitos que intervêm na área e de seus modos de proceder do que de
uma dimensão moral da gestão de gametas e da reprodução assistida, de modo
od V
r
mais amplo. Assim sucede, porque outros procederes, que também nos enfren-
uto
tam como sociedade com dilemas em torno dos modos de valorizar a vida, os
materiais biológicos, as pessoas implicadas nos procedimentos e as relações
que se configuram, permanecem moralmente sem serem questionadas.
visã R
Sandra González Santos, em seu capítulo intitulado “O ritual da repro-
oa
dução assistida”, parte da perspectiva dos sujeitos que recorrem à reprodução
assistida no México, para mostrar seu peregrinar em direção aos tratamentos,
ainda que a reprodução assistida seja hoje um assunto sobre o qual cada vez se
tem mais conhecimento e mais se tem tematizado em filmes, séries de televi-
C
são e em muitos meios virtuais. A perspectiva dos sujeitos homens e mulheres
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Cecilia Straw
Eliane Vargas
Mariana Viera Cherro
Marlene Tamanini
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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
PRESENTACIÓN
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r
género en América Latina, surgió a fines de 2015, cuando en el marco de
uto
la XI Reunión de Antropología del Mercosur, un grupo de investigadoras
interesadas en la reproducción asistida como campo de investigación social
intercambiamos experiencias, inquietudes y hallazgos de investigación
visã R
en el marco del Grupo de Trabajo 34. Sin embargo, esta publicación
oa
avanza más allá de dar testimonio de lo que allí se debatió o expuso, y por
ello se propone sistematizar un conjunto de problemas vinculados a las
modificaciones que las tecnologías de la reproducción y las tecnologías de
C
la preservación de la fertilidad están imponiendo en nuestras sociedades.
Se trata de un esfuerzo orientado a contrarrestar la casi ausente
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investigaciones fue que en ese encuentro nos dimos cuenta de que, quienes
investigamos en estos temas, estamos generalmente bastante solas. Desde
a re
V
r
incursionar en la reproducción asistida, o la elaboración de los deseos de un
uto
nexo biológico para la filiación. Esto ocurre a pesar de que la reproducción
laboratorial, como fenómeno empírico, despierta gran curiosidad.
Por otra parte, las prácticas de las clínicas, las estrategias de acceso a
R
a
gametos de donación o a úteros para una gestación por sustitución, u otros
procedimientos pueden ser ampliamente conocidas a través de imágenes
do
o videos en internet. Evidentemente hay una dimensión mercantilista que
deriva de las relaciones con la industria farmacéutica, del mercado de
aC
gametos, úteros y embriones, y que es estimulada por las posibilidades
od V
r
Esta multidimensionalidad se alimenta de conocimientos de diversas
uto
áreas, todo lo cual conforma una dinámica altamente interdisciplinar cuya
finalidad es proporcionar hijos, y materiales genéticos de alta calidad, o
con fines de regular ciertos rasgos genéticos en la población. Ello indica
visã R
que precisamos también investigar la constitución axiológica del campo
oa
en relación a la vida, no solo como materialidad. Es de esta reflexividad
compleja que hablan los textos de este libro. Se centran en las intervenciones
sobre los cuerpos, sistemas fisiológicos, endocrinológicos, reproductivos,
y se centran también en las decisiones, deseos, los modos de concebir
C
los hijos, las familias, las políticas demográficas que se vinculan a estos
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pero que, en muchas situaciones, dialogan con esos límites. Son prácticas
par
V
r
desigualdades de género, la estratificación económica, la explotación de
uto
grupos vulnerables, la realización de prácticas que implican riesgos, como
en el caso de las “donantes” de óvulos. Algunas mujeres son convertidas en
fuente de “mercancías” disponibles para otras mujeres, que actúan como
R
a
consumidores de estos cuerpos y partes.
Por otra parte, en el capítulo no solo se describen las características
do
del mercado estructurado en torno de los bancos de esperma como del
mercado de óvulos sino que se muestran claramente sus vinculaciones
aC
atendiendo a las regulaciones legales vigentes en los diferentes países y
od V
r
de los países respecto del control del material reproductivo de terceros
uto
en el exterior resultan ineficaces como así también las prohibiciones
nacionales. Todo este desarrollo se da a pesar de las objeciones relativas
al tráfico de órganos, tejidos y células planteadas por las organizaciones
visã R
internacionales de la salud- OMS; Council of Europe and United Nations-.
oa
La realidad descripta presenta la tensión entre la libertad de elección de
algunas personas de bienes de consumo reproductivos en el mercado
capitalista global paralelamente al respeto (o no) de los derechos humanos
y los principios democráticos en base a los cuales se organizan la mayoría
C
de las naciones a escala mundial.
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opera con una lógica de género que remarca los mandatos morales acerca
E
V
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la no concepción (o la infertilidad) por la vía de cuestionar su real deseo
uto
de tener hijos. La intención es señalar como la decisión de tener hijos,
implicada en el uso de las tecnologías reproductivas, que se presenta a
nuestros ojos como absolutamente “subjetiva”, singular y circunscripta
R
a
al ámbito privado, se revela como un ámbito relacional, atravesado por
aspectos sociales y de pertenencia cultural, imposible de desvincularse
do
de las normas de género vigentes.
Marlene Tamanini y María Teresinha Tamanini Andrade titulan su
aC
capítulo, Las nuevas tecnologías de la reproducción humana, aspectos
od V
r
femenino, para contraponer la edad de las células, la edad reproductiva y la
uto
calidad de los gametos, como de los éxitos de los ciclos reproductivos.
Naara Luna titula su capítulo Parentesco, genes y tecnología: un
inventario de las representaciones en la prensa sobre el desenvolvimiento
visã R
de las nuevas tecnologías reproductivas 1994-2002. En él analiza las
oa
representaciones existentes en la prensa brasileña sobre el desarrollo de las
técnicas de reproducción asistida entre los años 1994 y 2002. Este ejercicio
histórico-analítico permite comprender los cambios en el campo de las
tecnologías reproductivas en lo tocante a las innovaciones técnicas, y sus
C
artículos de divulgación científica. Luna considera las diversas formas en
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V
r
articulaciones, los discursos que las mujeres producen sobre sí mismas y
uto
sus experiencias con la FIV.
La presencia del sufrimiento y del sacrificio aparece como una constante
en estos discursos. Sin embargo, no se puede fijar sus sentidos, en tanto pueden
R
referir al significado de no tener un/a hijo/a (de su sangre, con sus genes o
a
con los genes de su marido) así como de la experiencia física, emocional y
material que se vive en nombre de la búsqueda de esa descendencia. Los
do
testimonios son un recorte de la realidad de mujeres que han recurrido a la
aC
FIV para lograr el embarazo y son testimonios de dolor, de invisibilidades, de
constituyen a los géneros, y por tanto evidenciar los aspectos que muestran las
desigualdades en las relaciones entre hombres y mujeres.
Anna Carolina Horstmann Amorim titula su capítulo Óvulos, semen y
ara
od V
r
parentesco se ve reformulado por las estrategias biogenéticas a las cuales
uto
recurren las parejas lésbicas evidenciando de este modo también su carácter
político. Desde allí dilucida las tramas de sentido que circundan dichos
procedimientos y los impactos que tienen sobre las personas, los cuerpos,
visã R
las relaciones sociales y las concepciones del parentesco en Brasil.
oa
Cecilia Straw titula su capítulo, La legislación sobre reproducción
humana médicamente asistida en la Argentina: disparidad, avances,
limitaciones, vacíos y respuestas de la jurisprudencia. En él describe de
forma completa la legislación sobre reproducción humana médicamente
C
asistida (TRHA) en la Argentina, y reflexiona sobre las principales
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salud de las mujeres y los niños nacidos aplicando estas tecnologías como
par
V
r
Proyecto de Ley de Reforma, Actualización y Unificación de los Códigos
uto
Civil y Comercial para legislar la gestación por sustitución, presentada en
el Congreso de la Nación en 2012.
Sostiene que la definición de la gestación por sustitución como
R
a
un tema de interés digno de atención legislativa no puede separarse del
momento histórico en el cual este tópico captó la atención de los juristas.
do
Así, su emergencia debe ser entendida en el contexto más amplio del
avance de los discursos sobre los derechos reproductivos y la igualdad
aC
de género, de gran importancia en Argentina durante los últimos años.
médica, fijando como criterio de acceso (i) que las parejas contaran con un
criterio probado de infertilidad y (ii) que el niño por nacer tuviera vínculo
t
subrogada en Argentina.
En el plano teórico, el trabajo busca analizar la manera en que, el
volverse la reproducción un aspecto problemático y ser considerada
E
sã
od V
r
menos sorpresivo en un contexto en el cual la aplicación de tecnologías
uto
reproductivas parece estar exenta de conflictos morales.
La autora comienza mostrando cómo se procesan, por parte de
especialistas en reproducción asistida de Buenos Aires (Argentina) y
visã R
Uruguay, algunos conflictos morales que surgen del ámbito social e
oa
interpelan el quehacer tecnológico reproductivo. La situación que la autora
elige como ejemplo de lo que pueden ser conflictos morales más amplios es
la intervención tecnológica para seleccionar el sexo del embrión. A partir
de la respuesta que se da desde la medicina reproductiva a esa posibilidad
C
tecnológica, Viera Cherro muestra cómo la moral se coloca por fuera del
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quehacer tecnológico.
Específicamente, en la disputa moral que emerge sobre los dos
diferentes modos de procesar el acceso a los óvulos donados (donación
pura y donación mixta) la moralidad de los procedimientos se evidencia
ra
como un asunto a comprender. Esta disputa, y su carácter evidente,
concluye la autora, parece ser más una consecuencia de diferencias entre
a re
los propios sujetos que intervienen en el área y sus modos de proceder que
de una visibilización de la dimensión moral de la gestión de gametos y
de la reproducción asistida de modo más amplio. Esto se sostiene porque
ito
V
r
las dimensiones sociales fundamentales con las cuales estas biotecnologías
uto
dialogan como son la reproducción y el parentesco.
En su trabajo, donde además se da cuenta de un profundo conocimiento
del campo de la RA en México, González Santos ilustra las negociaciones
R
a
que médicos, mujeres y varones entablan en el marco de este peregrinar,
demostrando cómo los conceptos técnicos utilizados pueden dar lugar a
do
interpretaciones diversas por parte de quienes las utilizan, y de cómo ese
peregrinar se realiza en un contexto de elementos dinámicos, contextuales
aC
y profundamente relacionados entre sí.
od V
r
mercado e iniquidades
uto
Rosana Machin1
visã R
oa
Introdução C
O campo da reprodução assistida (RA) cresceu de forma significativa
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ros, numa perspectiva inserida cada vez mais numa lógica de consumo
de corpos e partes de corpos (biomaterial), envolvida por ideais de auto-
nomia, desejo, escolha e identidade. (MAMO, 2010; ALMELING, 2011;
COOPER; WALDBY, 2014).
são
E
1 Rosana Machin - Cientista Social, doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo. Tem pós-doutorado
pela University of London e University of Cambridge. Atualmente é docente da Faculdade de Medicina,
Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo. Têm experiência nas áreas de Sociologia
da Saúde e Saúde Coletiva, atuando principalmente nos seguintes temas: tecnologias reprodutivas, gênero,
corpo, saúde e trabalho. Publicações destacadas: MACHIN, Rosana. Anonimato e segredo na reprodução
humana com participação de doador: mudanças em perspectivas. Saúde e Sociedade. São Paulo, v. 25,
n.1, p. 83-95, 2016. MACHIN, Rosana. Sharing motherhood in lesbian reproductive practices. BioSocieties,
London, v. 9, n. 1, p. 42-59, 2014. E-mail: rmachin@usp.br
2 Nos Estados Unidos a indústria da fertilidade giraria em torno de quatro e meio bilhões de dólares ao
ano. (MAMO, 2010). Segundo dados do Centers for Disease Control and Prevention (2015) nasceram
em 2013, 67.996 crianças via 190.773 ciclos de reprodução assistida.
32
V
r
essenciais nos ciclos reprodutivos biológicos como gametas (espermato-
uto
zoides, óvulos) ou gestação (útero substituto), para a ocorrência de uma
gravidez e nascimento de um bebê quando as pessoas envolvidas em trata-
mentos reprodutivos não podem contar com seu próprio corpo. (COOPER;
R
a
WALDBY, 2014). Essas práticas se tornaram biologicamente possíveis,
a partir do desenvolvimento das tecnologias reprodutivas com técnicas
do
como manipulação hormonal da ovulação, inseminação artificial (IA),
transferência de embriões, congelamento de sêmen e embriões.
aC
Assim, dependendo do problema de reprodução apresentado pode ser
pode ser considerada para uma mulher que objetiva engravidar pela ausência
de útero (por nascimento ou realização de histerectomia), por condições em
ara
3 A compensação pode envolver reembolso de gastos realizados pelo doador como despesas de
transporte, alimentação, horas de trabalho perdidas ou ser de maiores somas dependendo de legislações
específicas de cada país relativas à doação de materiais biológicos.
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 33
od V
r
Federal de Medicina (2013), que com a Resolução no. 2013/2013 ampliou o
uto
acesso às técnicas para pessoas solteiras, casadas, com parceiro de sexo dife-
rente ou do mesmo sexo. Com essa mudança as técnicas deixam de estar volta-
das para um problema de saúde (infertilidade) e passam a ser disponibilizadas
visã R
para outras situações em que a reprodução não era possível.
oa
Sob a perspectiva da tecnologia podemos considerar como uma ino-
vação criada para responder a uma dada situação pode ter seu uso ampliado
ou mesmo deslocado para práticas não originalmente previstas. Esses des-
locamentos podem vir a alterar a nossa própria compreensão sobre o que
C
seja considerado normal. (FONSECA; SÁ, 2011). Se as normas e regula-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
V
r
Turismo reprodutivo (reproductive tourism ou fertility travel) é a meu ver
uto
a mais inadequada, pois confunde uma prática desconfortável e estressante
com lazer e tempo de relaxamento. Ademais, muitas pessoas certamen-
te prefeririam permanecer no seu país se houvessem circunstâncias favo-
R
a
ráveis. Cross-border reproductive care (CBRC) parece ser o termo mais
amplo permitindo abordar situações bastante distintas, que podem envol-
do
ver movimento efetivo de profissionais, de homens e mulheres em busca
de concepção, de ‘doadores’ de material genético (sêmen, óvulos) e de
aC
mulheres para gestação substituta, como igualmente a importação e ex-
para alguns perfis de usuários como casais não casados, lésbicas, gays,
mulheres e homens sem parceria (Japão, China, Turquia, Arábia Saudita),
existência de critérios quanto à cobertura das práticas em sistemas de saúde
E
sã
od V
r
do dos procedimentos e preferências pessoais (proximidade de apoio familiar).
Podemos mencionar ainda como elementos importantes para eleição
uto
de um país como destino a existência de boa estrutura de turismo e cri-
tério relacionado a visto de entrada, politicas governamentais de apoio a
visã R
tratamento médico para estrangeiros, disponibilidade de tradutores ou de
oa
atendimento em sua língua nativa. (WHITTAKER, 2011).
Esse mercado tem verificado disputas comerciais pelo aumento da
disponibilidade das TR em localidades que apresentam custos mais baixos
que os praticados na Europa Ocidental e América do Norte, particular-
C
mente, em países do Sudeste Asiático (para gestação substituta) e do Leste
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Bancos de sêmen
casal, por volta de 1920 a 1960, para outra na qual após a seleção de doa-
dores pelos médicos o consumidor pode diretamente comprar e escolher a
amostra mais conveniente por meio de sites disponíveis na internet, a partir
dos anos 1960. (MAMO, 2010).
Data de 1950, o primeiro artigo publicado na Fertility and Sterility pro-
V
r
pondo a inseminação artificial com sêmen doado como tratamento voltado a
uto
infertilidade, mas ainda cercada de ideias relativas ao adultério e ilegitimidade
do filho concebido por meio dessa técnica. (ALMELING, 2011).
O uso da técnica ocorria, mas ainda cercado de questionamentos mo-
R
a
rais e segredos, na medida em que, sob o ponto de vista da igreja, o proces-
so realizado por meio do ato de masturbação feria os votos do casamento.
do
No entanto, mesmo cercada por algumas restrições a prática vai sendo ex-
pandida e, em 1938, foi criado um centro de doação de esperma vinculado
aC
a Georgetown University School of Medicine com material oriundo de es-
vinculação dos médicos com seus pacientes na escolha das amostras mais
adequadas para os procedimentos. O desenvolvimento do congelamento
t
4 O homem que contribui com seu sêmen tem sido tradicionalmente chamado de doador. Contudo, o
termo guarda imprecisões, particularmente, quando há pagamento monetário envolvido. Optou-se por
utilizar a expressão provedor. (DANIELS; HAIMES, 1998).
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 37
od V
r
atualmente, exporta espermatozoides para cerca de quarenta (40) países
uto
incluindo Reino Unido e Estados Unidos. (COHEN, 2006). Nos Estados
Unidos existem mais de cem (100) bancos de sêmen e quatrocentas e ses-
senta e sete (467) clínicas de infertilidade segundo o Centers for Disease
visã R
Control and Prevention (2015).
oa
Os provedores, em regra, precisam atender a certos perfis médicos,
psicológicos e educacionais. Muitos fornecedores são rejeitados se con-
siderados muito jovens (menos de 21 anos) ou muito velhos (mais de 35
anos); se são muito baixos (menos de 1.76 cm) ou muito altos (mais de
C
1.88 cm); se são muito gordos ou magros; se são adotados ou tem pais
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adotivos (em razão de não poderem fornecer dados completos sobre gené-
tica). Outras razões que impedem a venda do material genético são homens
que fazem ou fizeram sexo com homens ou com mulheres que tenham
tido sexo com homens bissexuais ou com muitos parceiros. (MACHIN;
ra
COUTO, 2014). Passando nessa primeira seleção, devem informar sobre
histórico de saúde pessoal e de antecedentes (às vezes até cinco gerações),
a re
cerca de mil e setecentos dólares valor este que pode ser maior a julgar pela
qualificação do provedor e do acréscimo de taxas extras que possibilitem
ter mais informações sobre seu perfil.
Provedores de sêmen devem corresponder a um perfil de corpos en-
volvidos em práticas saudáveis e ter alta escolaridade, pois são contratados
V
r
para produzir material genético ‘de qualidade’ e igualmente corporificar
uto
um ideal de masculinidade. (MACHIN; COUTO, 2014). De acordo com
Daniels (2006) a indústria de sêmen trabalha com um ideal de masculini-
dade ocidental no qual, a aprovação na seleção como provedor, diz respei-
R
a
to não unicamente a um perfil de saúde, mas à sua proximidade a valores:
alto, magro, bonito, bem-educado e atlético. Esse imaginário de masculini-
do
dade é captado pelos consumidores, que “se encantam” com a possibilida-
de de escolha oferecida pelos catálogos na promoção do papel da “semente
aC
masculina” na qualidade da reprodução. (DANIELS, 2006; SCHMIDT;
od V
r
(MACHIN; COUTO, 2014).
uto
Mercado de óvulos
visã R
Inicialmente, as práticas de fertilização envolviam o uso de óvulos das
oa
próprias mulheres submetidas aos procedimentos. A retirada do óvulo do
corpo feminino para processos exteriores a seu corpo, como a fecundação
e formação do embrião possibilitado pelo encontro com o espermatozoide,
C
para posterior implantação uterina nessa mulher era considerada prática
aceitável de intervenção na concepção. (IKEMOTO, 2010). Contudo, as
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medicação. Esta última produzia óvulos para seu próprio uso e doava me-
tade da produção para a mulher em atendimento na clínica privada. Esse
modelo é bastante usado no país, na medida em que a comercialização de
óvulos não é permitida, vigorando inclusive o anonimato entre as partes o
d
5 Importante destacar que nos Estados Unidos a legislação relativa às técnicas reprodutivas é estadual.
Cerca de metade dos estados restringem a venda de óvulos ou embriões. A chamada indústria da
fertilidade ocorre principalmente na Califórnia, onde práticas como gestação substituta, compra e venda
40
V
r
dimento ser para uso próprio ou de uma terceira parte. Esse processo
uto
envolve intensa intervenção medicamentosa e procedimento cirúrgico
com sedação para aspiração dos folículos. Há relativos riscos relacio-
nados ao processo no período de indução da ovulação como desconfor-
R
a
to, dor, inflamação abdominal e possibilidade de desenvolver síndrome
de hiperestimulação ovariana (entre 2 a 5% dos casos), como também
do
de ocorrer uma perfuração interna durante a punção para aspiração dos
folículos. (ALMELING, 2012; COOPER; WALDBY, 2014).
aC
Se a provisão de sêmen realizada a partir de um processo fisioló-
de óvulos e sêmen são realizadas. A esse respeito, Goodwin (2010), Ertman (2010), Almeling (2011) e
Cooper; Waldby (2014).
6 O resultado das TRs com uso de óvulos previamente congelados continua sendo baixo. A esse respeito,
Goodwin (2010), Ertman (2010), Almeling (2011) e Cooper; Waldby (2014).
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 41
od V
r
tante valorizada pelas agências, de tal forma que mulheres que enfatizem
uto
maior interesse financeiro para ‘doar’ correm o risco de serem descartadas
pelos agenciadores. (ALMELING, 2011).
Nesse contexto óvulos são obtidos por meio de uma encomenda pac-
visã R
tuada através de um contrato reprodutivo celebrado entre as partes esta-
oa
belecendo em termos legais como se dará o processo. Nele a mulher se
compromete com a produção e entrega de um bem (seus óvulos) mediante
o recebimento de uma determinada quantia monetária.
Cooper e Waldby (2014) descrevem esse processo em termos da con-
C
formação de um contrato de trabalho em que partes do corpo são nego-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ciadas como um bem que se possui e/ou produz. A esse respeito Cahn
(2010) observa que The George Washington University Medical Center,
nos Estados Unidos, paga pelos óvulos destacando que se trata de rendi-
mentos de trabalho e devendo a quantia ser declarada no imposto de renda.
ra
Essa situação contratual é particularmente observável quando há disputas
em que a Suprema Corte de Justiça tem reafirmado o lugar do contrato na
a re
mandantes locais ou por não residentes, que viajam em busca das práticas
par
V
r
de óvulos. A normativa europeia não permite a venda de óvulos, mas a
uto
compensação financeira de quem está doando. Contudo, as práticas nesse
contexto revelam que é difícil separar a compensação de processos de mo-
netarização realizados.
R
a
Assim, na Espanha funciona uma concepção de compensação mais am-
pliada e os óvulos podem render de $900 a $1.200 euros para as provedoras.
do
Na República Tcheca os valores giram em torno de $600 euros. A postura
adotada pela compensação mais ampliada adotada pela Espanha pressionou o
aC
Reino Unido a rever sua normativa, na medida em que estava verificando uma
od V
r
WALDBY, 2014).
uto
Estudo realizado por Shenfield (et al., 2010) com 1.230 pacientes euro-
peias revelou, que um quarto destas estavam em busca de tratamento repro-
dutivo fora de seu país por necessitarem de óvulos. Enquanto alemãs indicam
visã R
uma preferência por óvulos de mulheres tchecas, outras nacionalidades como
oa
britânicas e italianas preferem se dirigir para a Espanha para obter óvulos ex-
traídos de universitárias espanholas e imigrantes latino americanas. Essas ‘pre-
ferências’ podem envolver uma articulação de aspectos amplos como menores
custos, proximidade geográfica, possibilidade de terem despesas com procedi-
C
mentos ressarcidas e perfil fenotípico desejado.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
rior. Restrições legais de uso em alguns países podem figurar como incen-
tivo para o deslocamento em busca de tecnologia disponível em outro país.
par
V
r
anos. (FRITH, 2001; TURKMENDAG, 2012).
uto
A questão do anonimato figura como um elemento importante em muitas
situações de busca por sêmen ou óvulos. Estudos indicam que a remoção do
anonimato na Suécia trouxe um impacto negativo na demanda e recrutamento
R
a
dos doadores de gameta. (TURKMENDAG et al., 2008; COOK et al., 1995).
E muitas demandas por material genético de terceiros podem envolver busca
do
por localidades onde vigora o principio do anonimato.
Na Espanha, por exemplo, vigora o princípio do anonimato e, nos
aC
últimos anos, vêm se tornando um dos principais destinos europeus en-
Ikemoto (2009) chama a atenção para o fato de que alguns países figuram
como ponto de destino e outros como ponto de partida com relação às
ara
od V
r
(COHEN, 2006). Isso acarretou sua mudança de ponto de destino para
uto
ponto de partida. (IKEMOTO, 2009).
É importante registrar que muitos serviços de reprodução assistida
têm se estabelecido como destinos turísticos médicos baseados na oferta
visã R
de subsídios estatais e taxações diferenciadas, particularmente, em países
oa
em desenvolvimento. (PFEFFER, 2011).
Segundo Whittaker (2011), em 2004, o governo da Tailândia estabe-
leceu estratégias para estimular viagens por razões médicas ao país, por
meio do estabelecimento de hospitais bem equipados, equipe médica bem
C
treinada e custos diferenciais. Nesse contexto o país passou a configurar
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
maioria da população.
E
V
r
óvulos. (WHITTAKER, 2011).
uto
Em 2010, um estudo da European Society of Human Reproduction
and Embriology (ESHRE). Shenfield, (2010) indicou que aproximada-
mente 14.000 pacientes procuram tratamento reprodutivo fora de seu
R
a
país anualmente.
Segundo o International Commitee Monitoring Assisted Reprodutive
do
Technologies (ICMART), comitê que registra os dados relativos a vários re-
gistros nacionais e regionais, considerando os ciclos reprodutivos realizados
aC
por meio de FIV e ICSI, no ano de 2010, a Europa concentra a maior par-
sados. (NYGREN et al. 2010). Quarenta e nove (49) países foram consul-
tados e indicaram que em 2006, um total de 5.090 ciclos reprodutivos foi
t
od V
r
tras mulheres, que atuam como consumidoras destes corpos e suas partes.
uto
No mundo globalizado o consumo tem sido transformado cada vez
mais no caminho para a liberdade, a felicidade e o poder. Discursos basea-
dos na autonomia dos sujeitos para construir suas escolhas, especialmente,
visã R
em se tratando de liberdade para estabelecer contratos no mercado têm
oa
sido a tônica capitalista produzindo tensões em termos de direitos huma-
nos e princípios democráticos em escala ampla.
Nessa perspectiva reprodução se conecta com consumo fornecendo
um quadro que permite explorar necessidades, desejos, ideais culturais
C
a partir da aquisição de serviços e bens para viabilizar sua reprodução.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
(FLETCHER, 2006).
Segundo Pfeffer (2011), o comércio de óvulos e o mercado reprodutivo
global precisam ser compreendidos a partir das políticas neoliberais de globa-
lização, por meio das quais se estratifica a reprodução a partir de alguns mar-
ra
cadores como nacionalidade, raça, economia e gênero. Este processo ocorre
por meio do amparo reprodutivo de uma elite feminina e estabelecimento de
a re
V
r
do no documento europeu do Council of Europe and United Nations (2009
uto
p. 12) relativo ao trafico de órgãos tecidos e células. (PFEFFER, 2011).
Estes relatórios chegam a reconhecer que os corpos de mulheres são mais
vulneráveis do que os masculinos em contextos de mercado global. Porque
R
a
as práticas reprodutivas envolvendo obtenção de óvulos de terceiras não
teriam sido consideradas? Porque esse paradoxo?
do
Nesses contextos o estado e as políticas formais e informais atuam
numa dupla chave. Se por um lado legislam e combatem o trafico e o mer-
aC
cado de órgãos e tecidos humanos, no que diz respeito às TR tem deixado
maneira temporal.
Para fazer frente a esse campo novo e de rápida expansão envol-
t
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od V
r
do desejo de ter filhos no contexto da
uto
reprodução medicamente assistida
visã R
Eliane Vargas7
oa
Luciane Moás8
Cristiane Marques Seixas9
C
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Introdução
7 Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social - IMS/UERJ, área de concentração
E
Ciências Humanas em Saúde (2006). Pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo
Cruz, Docente da Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/FIOCRUZ), Brasil, atuando
em pesquisas principalmente nos seguintes temas: Corpo, Sexualidade, Reprodução, Tecnologias
Reprodutivas e Relações Familiares e de Gênero, Alimentação e Cultura. elianepvargas@gmail.com
8 Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social - IMS/UERJ, área de concentração Ciências
Humanas em Saúde (2006). Professora adjunta do curso de Direito - Departamento de Ciências Jurídicas
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Brasil, na área de Direito Privado, atuando
em pesquisas principalmente nos seguintes temas: Criança e Adolescente, Tecnologias Reprodutivas e
Relações Familiares e de Gênero. lumoas@yahoo.com.br
9 Doutora em Teoria Psicanalítica pelo Instituto de Psicologia - IP/UFRJ (2013). Professora adjunta do
curso de Nutrição – Departamento de Nutrição Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), Brasil, atuando em pesquisas principalmente nos seguintes temas: Feminilidade, Corpo,
Obesidade, Gênero e Alimentação. levemente@uol.com.br
56
V
r
demanda de realização do desejo de filhos. Considerando ocorrer certa
uto
heterogeneidade normativa nas diferentes esferas da vida social contem-
porânea, parece persistir determinada disposição quanto às posições dos
homens e mulheres nas questões da sexualidade, da parentalidade e da
R
a
família. O que pode ser observado pelo amplo mercado de consumo de
recursos médicos de tecnologias reprodutivas com esta finalidade.
do
A percepção contemporânea sobre o desejo de ter filhos se liga à ideia
de opção e apresenta-se associada a uma concepção naturalizada da repro-
aC
dução no contexto da conjugalidade heterossexual e homossexual. Este
e tida como certa. Trata-se, portanto, de um evento social tido como ‘na-
tural’ a ser concretizado em algum momento da trajetória do casal, ainda
or
te o desamparo legal vivido pelos casais no que tange aos projetos de lei. A
partilha de tarefas no processo reprodutivo envolve profissionais diversos,
indivíduos e casais. Além da atuação médica, e dos saberes biomédicos,
os psicólogos por meio dos saberes psicológicos são acionados (pelos pro-
fissionais da medicina reprodutiva) em face aos limites, em alguns casos,
da biologia para a definição dos diagnósticos médicos. Perelson (2013),
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 57
por exemplo, aponta três diferentes ordens de demanda dirigidas por mé-
dicos aos psicanalistas em sua atuação nos tratamentos de infertilidade
humana. Esta gradação foi descrita a partir da experiência da autora como
psicanalista colaboradora em Serviços de Reprodução (público e priva-
od V
r
do). Segundo a autora, a primeira se refere à abordagem da causalidade
uto
inconsciente da infertilidade sem causas orgânicas detectadas; a segunda
consiste no auxílio na construção da parentalidade quando se faz necessá-
rio o recurso a doadores de sêmen, óvulos ou embriões ou ainda a úteros de
visã R
substituição; o terceiro corresponde ao auxílio à equipe médica na tomada
oa
de decisões em situações complexas envolvendo questões éticas. Trata-se
de demandas que implicam a montagem de arranjos familiares que con-
tradizem a aceitação social ou viável naturalmente. Observa-se, portan-
to, estarem presentes nos discursos médicos sobre a infertilidade, quando
C
encontram seus limites na biologia, razões relacionadas à existência de
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V
r
revela as marcas do social e do pertencimento cultural e a impossibilidade
uto
correlata de desvinculá-las das normas de gênero vigentes. Cabe consi-
derar nesta direção o ethos ‘psicanalisado’ característico do universo das
camadas médias, como é do universo de parte de nossa pesquisa, no qual
R
a
a reflexividade, ou certo modo de se ‘autoproblematizar’ como analisado
por Russo (2002), ligada ao exercício da autonomia encontra-se presente.
do
E ainda de acordo com Scavone (2001) a ‘escolha reflexiva’ acerca da
decisão reprodutiva encontra-se estreitamente relacionada à maior possibi-
aC
lidade de acesso à informação e ao conhecimento especializado.
de ter filhos tem sido balizada por regulações gestadas não somente no
âmbito dos saberes médicos, mas também jurídicos. Trata-se de indicar
i
op
od V
r
saúde. Isto porque o acesso a estes recursos estão disponíveis apenas de
uto
forma restrita no Sistema Único de Saúde (SUS). (VARGAS; MOÁS;
ROSSI, 2015). Estas instâncias reguladoras informam diretamente a expe-
riência sexual e reprodutiva dos casais e/ou indivíduos com impacto na di-
visã R
nâmica familiar tendo em vista que a concretização do desejo de ter filhos
oa
é balizada não só pelas regulações e diretrizes normatizadoras, mas pelos
processos subjetivos de todo modo sociais e culturais. Ademais, temos
como ponto de partida que o desejo e a decisão reprodutiva se ligam ao fe-
nômeno da individualização e ao processo de medicalização da reprodução
C
no que concerne às relações familiares, conjugais e de gênero na chamada
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r
norteia as práticas relativas ao uso de tecnologias reprodutivas no Brasil.
No que tange aos aspectos regulatórios vigentes as alterações percebidas
uto
na comparação entre as mais recentes resoluções do Conselho Federal
de Medicina no Brasil (CFM), a de no 1.957/2010, e a anterior de nº
R
1.358/1992, faziam referência à Reprodução Humana Assistida (RA) no
a
tratamento de pessoas com esterilidade ou infertilidade, logo a partir de um
diagnóstico médico. (MOÁS; VARGAS, 2012). Já a Resolução posterior
do
de nº 2.013/2013 inova ao estabelecer que as técnicas tenham o papel au-
xiliar e facilitador na resolução do processo de procriação e abre a possibi-
aC
lidade de atuação dos médicos em outros casos além daqueles delimitados
od V
r
culturalmente para as mulheres especialmente no contexto da conjugalidade
uto
onde a maternidade, como uma expectativa social, torna-se quase um impe-
rativo. (GUILHEM; DINIZ, 1999). Discussões mais recentes indicam uma
associação entre RA e adoção. Ramírez-Gálvez (2011) reitera a ideia de que
visã R
as opções tecnológicas são também políticas sendo que os desenvolvimentos
oa
tecnológicos não respondem tão somente a uma ordem estritamente técnica.
Isto nos parece particularmente significativo para a discussão sobre a natu-
ralização do desejo de filhos por esta oferecer, segundo a autora, justificativa
para o recurso às RA como etapa necessária (‘luto pelo filho biológico’) e
C
anterior ao projeto de adoção de crianças. A crítica à naturalização e aos efei-
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ção especial, a referida noção ganhou novo colorido. Passou a exigir análise
par
V
r
te” (família monoparental), casais homoafetivos, bem como indivíduos
uto
transexuais. Para os casais de mesmo sexo, após a ampliação de direitos na
esfera civil (reconhecimento como entidade familiar pelo Supremo Tribunal
Federal) e toda a luta por maior igualdade, o projeto parental – o desejo
R
a
de filhos – vem se apresentando como importante passo na busca pela real
afirmação como família, ou seja, por uma “família de verdade”. Segundo
do
Barbosa (2016), o referido projeto demonstra também o exercício de certa
liberdade (autonomia) visando o melhor meio para a satisfação do desejo.
aC
(BARBOZA, 2012). Em que pese a existência de uma nova cultura sobre a
plano nos casos específicos nos quais há limitações financeiras, pois os custos
do tratamento inviabilizam a necessidade de várias tentativas, algo recorrente
para casais ou indivíduos que recorrem às técnicas; ou impedimentos físicos:
E
sã
od V
r
à Política Nacional de Saúde e portarias (Reprodução Humana Assistida,
uto
2005; Portaria 426/2005; Portaria 3.149/2012; Portaria 1.397/2013) desti-
nação de verbas visando a ampliação do número de serviços e procedimen-
tos de RHA no âmbito do SUS. No entanto, tais documentos apresentam
visã R
muitas lacunas quanto às condições de sua realização e controle.
oa
É importante ressaltar que a maioria dos países latino-americanos não
tem uma lei específica sobre reprodução assistida, apenas orientações éti-
cas elaboradas pelos Conselhos de Medicina, porém são inúmeros os pro-
jetos de lei que em tais países renovam e ampliam o debate especialmente
C
quanto à necessidade de atendimento na rede pública e também sobre os
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
V
r
cio da sexualidade, em razão da discussão em torno do Projeto de lei no
uto
234/2011, de autoria do Deputado João Campos (PSDB-GO), notabilizado
pelas mídias em geral como a proposta que visava a “cura gay”. Tratava-se
de tentativa de alterar a redação dos artigos 3º e 4º da Resolução n.01/1999
R
a
do Conselho Federal de Psicologia, que busca estabelecer normas para a
atuação dos psicólogos em relação à questão da orientação sexual:
do
Art. 3º: “os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a
aC
patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem
od V
r
regulação do comportamento sexual e reprodutivo reiterando uma deter-
uto
minada “moral familiar”. No que tange à Reprodução Humana, nesses me-
canismos reguladores velados por uma demanda de auxílio ao tratamento
médico, a fertilidade se inscreve em uma norma de gênero que incide sobre
visã R
o corpo feminino. Isto não que dizer que os homens estejam ausentes da
oa
cena reprodutiva; há invisibilidades neste sentido. A recusa ao controle na
atividade sexual das mulheres, mas também dos homens unidos, visando a
reprodução já foi observada como apontam dados etnográficos e expressa
uma expectativa de prazer sexual livre de constrangimentos sendo os trata-
C
mentos e orientações médicas considerados uma intromissão na intimida-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Porque teve aquele momento que parece, acho que a mulher passa, tem
E
esse momento, a gente parece que está pronta para engravidar em todos
os sentidos. Parece que teu corpo pede para passar por toda aquela
ver
transformação, sua cabeça está ciente, você tem total noção e o desejo
em si. (Helena, 42 anos, nível superior).
V
r
entre infertilidade e fatores psicológicos, como a depressão e o estado de an-
uto
siedade, não contemplados nos tratamentos de infertilidade que em geral estão
centrados na monitoração médica e nos remédios hormonais. A ansiedade e o
estresse também têm tido destaque como responsáveis por situações de infer-
R
a
tilidade relacionadas ao uso de tecnologias reprodutivas. (SERGER-JACOB,
2000; FARINATI et al., 2006).
do
As causas da infertilidade não circunscritas somente aos problemas
relativos à fisiologia reprodutiva também são consideradas como ‘outros
aC
fatores’ influentes na sua determinação da não reprodução, tais como o es-
od V
r
fertilidade, portanto, quando surge como obstáculo às avaliações e diagnósti-
uto
cos, contraria a exigência de delimitação dos parâmetros médicos explicativos
centrados na intervenção do corpo como um objeto primeiro da medicina, ul-
trapassando-o. Deste modo algumas questões podem ser apontadas a partir da
visã R
imprecisão de critérios acerca do diagnóstico de infertilidade. Uma delas é que
oa
a pouca exatidão na definição diagnóstica de situações de infertilidade pode
favorecer o surgimento de outras interpretações que extrapolam uma concep-
ção médica no sentido estrito contribuindo sobremaneira para o alargamento
da abordagem do tema no âmbito dos saberes psicológicos e psiquiátricos.
C
Neste sentido, o que nos parece mais problemático em casos nos quais não
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
(33 anos, nível superior, sem filho) são esclarecedores quanto às dúvidas
levantadas pelo fato de não conseguir conceber e das injunções morais
decorrentes. ‘Não conseguir conceber’ e ‘não poder ter filhos’ são toma-
ver
V
r
ma complexidade para as mulheres entrevistadas. A explicação sobre a não
uto
concepção, até então justificadas pela medicina por razões fisiológicas no
corpo, amplia-se para os aspectos tidos como psicológicos que estariam na
base destas razões. O questionamento incorporado da existência do desejo
R
a
de ter filhos dirigido às mulheres que o enunciam promove um sentimento
de confusão e, na melhor das hipóteses, leva a uma responsabilização e
do
culpabilização pessoal:
aC
E é engraçado que até depois de ter feito terapia e tudo, eu cheguei a
Será que é isso mesmo? Será que eu tenho que estar sofrendo? Será
que não vou conseguir engravidar? E aquela loucura. Eu fiquei
ara
com facilidade e que aquilo tudo não tivesse fazendo efeito porque de
d
fato tinha uma coisa minha. Quer dizer, eu recebo duas cargas, uma de
um médico careta e uma de uma médica alternativa, mais ou menos
E
sã
od V
r
de laços afetivos não estão necessariamente determinadas pela proximidade
uto
geográfica. Isto significa que a distância espacial pode não corresponder a um
distanciamento afetivo entre os membros da família, o que em última instância
significa afirmar a relevância dos laços familiares ainda presente na sociedade
visã R
contemporânea. (DAUSTER, 1988). Assim, por mais que os casais tenham
oa
em parte se autonomizado da família, dela sofrem pressões. Os casais, mesmo
entre aqueles que concebem sua família como ‘light’ – no sentido de menos
invasivas e mais respeitosas com a intimidade do casal – observam pressões
familiares para conceber. A importância do parentesco, nesta mesma direção,
C
foi sinalizada por Salem (1987) com relação ao ‘casal grávido’ e Heilborn
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ções desta natureza. Os homens em geral não estão sujeitos a uma avalia-
ção psicológica e, em nenhuma circunstância no contexto das entrevistas
o desejo masculino de ter filhos, pouco explicitado pelos homens, foi pro-
blematizado. Não existe menção a questionamentos por parte dos médicos
d
signação corporal para a localização das emoções que, por sua vez, agem
E
Uma coisa que me irritava muito eram as pessoas falar: ah, quando
vocês relaxarem, vai acontecer. Isso era um clássico. Como se fosse
possível não pensar nisso, quando você está diante do problema.
(Larissa, 33 anos, nível superior, 1 filho).
V
r
Eu conheço uma história assim: uma mulher de um amigo meu tinha
uto
um caso muito parecido com o meu e do Nélio. Eles tentaram várias
vezes também, fizeram inseminações, não conseguiram e resolveram
adotar um menino. E quando ela pegou a criança já estava grávida de
R
dois meses. Está ótima, com dois filhos e tal. Mas eu não conseguia
a
deixar de pensar que ia adotar para relaxar. (Neide, 32 anos, nível
superior, 1 filha).
do
Observa-se como é significativa a centralidade do corpo como refe-
aC
rência dos entrevistados, tanto dos homens quanto das mulheres, nas des-
od V
r
ticas a partir do aporte da psicanálise vêm contribuindo para este debate.
uto
Autores como Tubert (1996) e Chatel (1995) discutem a medicalização do
corpo feminino. Chatel considera que a medicina responde de forma mui-
to imediata aos problemas de infertilidade, sem operar qualquer distinção
visã R
entre desejo e decisão de ter filhos. Tubert (1996), por sua vez, chama a
oa
atenção para os efeitos das intervenções tecnológicas nos corpos femini-
nos, mas ao mesmo tempo admite não ser possível a delimitação de um
controle unidirecional sobre as mulheres.
Portanto, a ideia de uma ‘escolha’ pessoal vinculada a uma ‘liberdade’
C
individual é sujeita a questionamentos tendo em vista que outras determina-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ções, como vimos, entram em jogo quando um casal decide ter filhos. Segundo
Corrêa (2001), nem toda ausência involuntária de filhos corresponde à infer-
tilidade e é somente mediante o desejo de tê-los que a infertilidade passa a
ser denominada como tal. Os tais ‘fatores psicológicos’ alegados comumente
ra
pelos médicos quando as causas fisiológicas não são detectáveis remetem a
uma trama de sentidos e determinações que em sua complexidade retiram a
a re
reprodutiva para que esta realize a concepção, tarefa que muitas vezes não
são
se concretiza e não garante ao menos uma explicação lógica para tal fato.
E
V
r
uma relação incestuosa) que colocam os médicos em situações difíceis do
uto
ponto de vista Bioético.
R
À guisa de conclusão
a
Visando contribuir para o debate indicamos especificamente neste
do
texto as injunções morais presentes nos argumentos médicos que apon-
tam os ‘fatores psicológicos’ relacionados ao problema da infertilidade
aC
entre mulheres no contexto dos tratamentos. As mulheres heterossexuais
campo como uma construção recente. (TAMANINI, 2003). Mais que isso,
d
forma simétrica no par conjugal, mas de forma singular no corpo das mu-
lheres. (RÁMIREZ-GÁLVEZ, 2003; TAMANINI, 2003). Para Tamanini
(2003), o corpo feminino continuou a ocupar um lugar central nas inter-
ver
od V
r
da não reprodução na vida dos casais é variável e não homogêneo como
uto
demonstram outros dados desta mesma pesquisa. (VARGAS, 2006). Mas
alguns efeitos parecem ser mais recorrentes. Nas narrativas das mulheres e
dos homens sobre a trajetória para a realização do desejo de filhos os casais
visã R
passam por um período de imersão reflexiva que coloca sob escrutínio os
oa
investimentos no tratamento, a busca pessoal e uma ponderação sobre qual
o melhor caminho a seguir para concretizar este desejo. Mais que isto, co-
loca em questão a própria decisão de ter filhos e isto implica significativas
diferenças de gênero. Este período comporta avaliações e validações das
C
decisões até então tomadas, por meio das quais os casais buscam compati-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
V
r
em presunções, sendo as principais: I) - “a maternidade era considerada
uto
sempre certa por conta do estado gestacional”; II) - “a incerteza da pater-
nidade era resolvida pela segurança e aparência do casamento, pois presu-
mia-se que o filho da mulher casada era do marido”. Na década de 60,
R
a
a descoberta do exame de DNA passou a reforçar o vínculo biológico
(parentesco consanguíneo), já que o referido exame apontava a “certeza”
do
do parentesco em ordem bastante elevada. Posteriormente, ganhou es-
paço o valor socioafetivo da filiação, contando a partir de final dos anos
aC
2000, com maior apelo junto ao senso comum e aos Tribunais, em razão
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aC
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or
od V
r
E NAS REDES DOS ESPECIALISTAS
uto
Marlene Tamanini12
visã R
Maria Teresinha Tamanini Andrade13
oa
Introdução
C
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
12 Dra em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisadora, professora e
E
V
r
mas também, e, sobretudo, é um campo de produção de saberes e de po-
uto
deres expressos nos grupos de especialistas e das clínicas e nas narrativas
heroicas sobre a saga de se fazer filhos. O campo está conectado com as
tecnologias, os protocolos, os laboratórios, as pesquisas, o mercado, a in-
R
a
dústria farmacêutica, as redes de publicações, os desejos, os seminários e o
turismo reprodutivo. Estes todos são aspectos da mesma construção e que
do
são impulsionados pelos médicos e pelos especialistas de diversas áreas,
pelas empresas de produtos e de biomateriais, pelos casais, pelas mulheres,
aC
pela população LGBT, pelos que vendem gametas na rede de internet, pela
incomum encontrar nos depoimentos dos casais, que foram retirados dos
sites das clínicas que eles tenham rezado durante processos de transferên-
cia dos embriões.
Estes elementos acima descritos fazem uma rede complexa de pon-
tos considerados bons e necessários para o campo do tratamento da au-
sência de filhos e da infertilidade na família heterossexual, sobretudo das
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 83
od V
r
venção. Pessoas da população LGBT estão submetidas ao acionamento
uto
de outros parâmetros que, por vezes, caem no ordenamento moral do não
fazer e, por vezes, atuam no reconhecimento da diversidade dos arranjos
de família e de filiação. O texto de Amorim, neste livro, traz importante et-
visã R
nografia para este contexto. Quando a demanda por filhos está transvestida
oa
da ideia de tratamento dirigido à infertilidade como doença ou como inca-
pacidade e, mais recentemente, também para reparar infecundidade e/ou
como reserva de material reprodutivo frente a outras doenças, os aspectos
que envolvem as práticas são construídos de maneiras diferentes, embora
C
todos necessitem de biomateriais e de sociomaterialidades que são parte
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
V
r
os especialistas relativas às redes de coautorias em publicações. Tais as-
uto
pectos estão vinculados aos saberes, poderes, centralidades, hierarquias e
diferenças regionais; e, além disso, por onde circulam as ideias também se
faz a sociomaterialização da matéria e vice-versa. Também se apresentam
R
a
conteúdos vinculados às relações entre sociomaterialidades, tecnologia,
pioneirismos e desejos, como parte das dinâmicas nacionais de um campo.
do
Para as redes de coautoria em publicações, se buscou as clínicas
brasileiras filiadas à Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida
aC
(REDLARA). Foram identificadas 61 clínicas, no momento da coleta14;
sador nas simples conexões que este estabelece com os atores vizinhos,
e é quantificada pelo grau do vértice (no caso do especialista). Assim,
um especialista na figura 1 da Rede Nacional da Produção Bibliográfica
de coautoria e nas figuras das Redes Regionais figura 2, 3, 4, 5 é mais
od V
r
A centralidade de proximidade é função da maior ou menor distân-
uto
cia de um vértice em relação a todos os outros em uma rede. A ideia é
que um vértice central é aquele que possui maiores condições de inte-
ragir rapidamente com todos os outros. (SCOTT, 2002; HANNEMAN;
visã R
RIDDLE, 2005). A centralidade de proximidade de um ator é baseada
oa
na proximidade ou na distância em relação aos demais. Enquanto a
centralidade de grau é medida para os atores adjacentes a um determi-
nado ator, a centralidade de proximidade mostra o quanto um ator está
próximo de todos os outros da rede.
C
A centralidade de intermediação avalia a dependência de vértices não
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
adjacentes de outros que atuam como uma espécie de ponte para a efeti-
vação da interação entre eles e está relacionada com o fluxo de informa-
ções na rede. Nesse caso, quanto maior o grau de centralidade, maior é o
controle potencial de um vértice sobre os outros que dele dependem para
ra
executar a interação. (FREEMAN, 1979).
Para as relações entre materialidades, tecnologia, pioneirismos e
a re
V
r
a fim de equacionar as disparidades de posições e de temas no material
uto
divulgado e tentando abranger o máximo de percepções compartilhadas
como forma de aproximação desta realidade.
R
a
Redes de coautorias na produção bibliográfica
brasileira: saberes, poderes e centralidades
do
aC
Quando pensamos em redes de coautoria faz-se necessário considerar
que estes coautores têm diferentes formações e diferentes possibilidades no
que são autores isolados e também fazem reprodução assistida. Para publicar
em coautoria, existem condições de formação, de circulação das ideias, de pes-
ara
este campo não é um campo comum, exige pessoas preparadas: “Aquí nece-
sitas gente con mucho tiempo de formación, porque son técnicas que nece-
E
sã
formación para empezar a tocar algo, con lo cual mucho tiempo de formación,
personal duplicado”. (Embriólogo, Barcelona, 2010). Em sua maior parte, es-
tes conhecimentos são compartilhados por fortes dinâmicas nas redes, porque
advêm de pesquisas coletivas e porque circulam nos jornais, revistas, clínicas,
congressos e sites especializados. Estes conhecimentos fazem as tecnologias e
as intervenções e o fazem a partir de sua relação entre as áreas, que se juntam
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 87
od V
r
o útero, as condições para a sua nidação e a continuidade da gravidez. Estas
uto
intervenções e estas pesquisas têm produzido condições para o uso de tecnolo-
gias conceptivas, com fins de tratamento da infertilidade e para a preservação
de fertilidade por mais tempo e fazem a circulação de ideias e as redes de
visã R
publicações em coautoria.
oa
A Rede Nacional da Produção Bibliográfica brasileira em reprodução
assistida, segundo o critério de coautoria, pode ser observada na Figura 1.
Os vértices (pontos) correspondem aos especialistas e as arestas (linhas
que unem dois vértices) significam que unem dois autores que escreveram
C
juntos. Dois especialistas são coautores, se escreveram uma publicação
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V
r
regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
uto
A rede da Região Sul (Figura 2) possui 13 clínicas e é composta por
1.086 especialistas e 15 componentes, sendo que o componente maior apre-
senta 949 vértices, ou seja, 87% dos especialistas estabelecendo conexões
R
a
entre si. É uma rede importante no campo das publicações em coautoria
e, em relação aos 5.235 pesquisadores ou especialistas da figura I da Rede
do
Nacional, representa 20,74% dos especialistas que publicam em coautoria.
aC
Figura 2: Rede da Região Sul da Produção Bibliográfica brasileira
od V
r
dores ou especialistas da figura 1 da rede Nacional, ela representa 55, 81%
uto
dos especialistas publicando em coautoria.
visã R
oa
C
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ra
a re
ito
par
guração dessa rede segue o mesmo padrão das redes anteriormente ana-
E
V
r
uto
R
a
do
aC
ou seja, 33% dos vértices. É uma rede menos conectada, com especialistas
trabalhando em grupos menores e supõe-se que ainda esteja em processo
t
od V
r
uto
visã R
oa
C
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ra
tura de rede retrata uma situação onde existe uma forte interlocução entre
os pesquisadores e sugere que o grupo de pesquisadores é ágil em relação
ao acesso e ao contato entre si.
d
que estão ao mesmo tempo conectados a atores fora de seus grupos por meio
de um pequeno número de vértices intermediários. Esse tipo de configuração
é menos suscetível a fragmentação, possibilitando maior estabilidade da estru-
tura da rede. Se um pesquisador sai da rede a estrutura de compartilhamento
de conhecimento não se rompe necessariamente, sendo, portanto, um grafo
propício para a manutenção dos vértices, ao mesmo tempo em que oportuna
92
V
r
entre estes pesquisadores e especialistas podem ser ágeis. Que o caminho do
uto
repasse e da circulação da informação possui grande mobilidade, portanto as
informações fluem rapidamente. Estes pesquisadores estão conectados entre
si pela produção e pela divulgação de conhecimentos, por meio da solução de
R
a
problemas, por meio das redes que eles estabelecem na área. Eles se conhecem
ou trabalham juntos, circulam em congressos, viajam, se informam tanto se
do
participam de grandes componentes ou de componentes menores.
Analisados pelas medidas de centralidade os especialistas que apre-
aC
sentam as maiores centralidades são considerados relevantes em termos
região também possui boa visibilidade na sua expressão coletiva, pelo cami-
nho das coautorias nacionais e representa 24,01% delas. O pesquisador P65
tem muitas coautorias significando que ele é um pesquisador influente, proe-
E
sã
15 Os números que aparecem junto com o (P) de pesquisador, correspondem a classificação realizada pelo
programa UCInet ao classificar os nomes dos pesquisadores em ordem alfabética.
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 93
od V
r
A centralidade de proximidade como função da maior ou menor
uto
distância de um vértice (pesquisador e ou especialista) em relação a todos
os outros em uma rede é a que permite pensar as condições de interação
rápida ou não, baseada na proximidade ou na distância que este pesquisa-
visã R
dor e ou especialistas mantêm com seus colegas. Apresenta-se neste ponto
oa
o pesquisador (P63) como o que tem a maior centralidade de proximidade
a nível nacional. O mesmo é da Região Centro-Oeste; em segundo e ter-
ceiro aparecem pesquisadores (P30 e P48) da Região Sudeste; em quar-
to um pesquisador (P9) da Região Sul; em quinto lugar um pesquisador
C
(P33) também da Região Sudeste; em sexto o pesquisador (P65) da Região
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
especialistas, o P30 (região Sudeste) que fez coautorias com 350 espe-
cialistas, o P31 (região Sudeste) que fez coautorias com 257 pessoas, o
P32 (região Sudeste) que fez coautorias com 252 pessoas, o P63 (região
Centro-Oeste) que fez coautorias com 228 pessoas, o P33 (região Sudeste)
que fez coautorais com 224 pessoas, o P34 (região Sudeste) com 166,
V
r
o P1 que fez coautorias com 163 pessoas, o P35 (região Sudeste) que
uto
publicou com 160 pesquisadores/especialistas e o P36 (região Sudeste)
que publicou em coautoria com 157 pesquisadores/especialistas. Estes 10
vértices, apresentam as maiores centralidades de grau e de intermediação
R
a
na rede nacional. São na rede brasileira os vértices de maior importância
porque estabelecem a maior quantidade de vínculos com os vértices vizi-
do
nhos e, também, são os vértices que atuam como pontes, fazendo ligações
diretas e indiretas entre os demais atores.
aC
Comparando as centralidades da rede nacional com as centralidades
od V
r
das publicações dos especialistas que foi parte de outros textos.
uto
Relação entre sociomaterialidades:
tecnologia, pioneirismos e desejos
visã R
oa
O primeiro aspecto, que construímos a partir dos vídeos, trata da
relação entre as sociomaterialidades: tecnologia, pioneirismos e dese-
jos. Considera-se produção de sociomaterialidades as relações entre
C
materialidades e valores socioculturais, intersubjetivos, políticos, ma-
teriais humanos e não humanos. Fala-se, portanto, das relações que são
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
seja, não existe material que não seja social, da mesma forma que não exis-
te social que não seja material. “A materialidade não se resume às coisas
ito
sobretudo, pela crença a respeito dos processos reais que elas oportunizam. As
mais citadas são as técnicas de vitrificação, consideradas também as mais im-
portantes mudanças, porque permitem a criopreservação dos gametas, dos em-
briões e de células tronco. Segundo suas percepções, elas são revolucionárias,
embora seja necessário considerar as dificuldades à sua utilização, porque elas
V
r
não funcionam da mesma maneira, em se tratando de diferentes materiais. Este
uto
aspecto fez com que um dos especialistas se reportasse a Vitri-Ingá16 como
uma técnica desenvolvida no Brasil, especificamente no estado do Paraná17,
para a preservação do maior número de óvulos, já que o uso da vitrificação
R
a
nos mesmos protocolos utilizados para embriões não resultava em manuten-
ção segura do material genético, quando se tratava de óvulos. Outro aspecto
do
considerado em relação à vitrificação é uma certa preocupação sistemática em
justificar os altos valores. Segundo esta percepção, são técnicas muito especí-
aC
ficas e, portanto, faz-se necessário criar o mesmo ambiente existente no corpo
Desde que ela foi possível para os gametas e embriões, é como substitui-
ção da criopreservação de óvulos que ela ganha relevância. Antes dela,
ara
da qual faz parte hoje uma importante rede global de doadoras. A entra-
d
od V
r
estudo, e substituiu o rejuvenescimento de óvulos. Essa técnica foi aboli-
uto
da das práticas, por razões éticas e de custo/benefício, quando se tratava
da transferência do núcleo de um óvulo mais jovem para o núcleo de um
óvulo mais velho. Embora o tema não tenha aparecido nos vídeos, sabe-
visã R
mos que hoje volta-se a falar em rejuvenescimento de óvulos, mas pelo
oa
caminho da maturação de células precursoras de óvulos. Também se fala
de reativação do ovário, ou até mesmo da criação de óvulos, técnicas que
estão em desenvolvimento e que poderiam mudar todas estas práticas aqui
descritas, bem como as percepções sobre elas e seus usos.19
C
Nos vídeos brasileiros que analisamos, outro aspecto conectado a
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
disso. Nas práticas das clínicas brasileiras, a rede de doadoras não é tão
visível e a negociação ocorre em grande parte a partir da intermediação
médica. Parece haver diferenças significativas com estes usos, a depender
19 Disponível em:<http://elblogdeprocrear.blogspot.com.br/2015/07/rejuvenecimiento-de-ovulos-facilita-la.
html>. Acesso em: 8 ago. 2016.
20 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=tK_GPV3sZL8 > Acesso em: 13 jan. 2015.
98
V
r
clínicas, que é o da obtenção deste material reprodutivo, tão necessário aos
uto
procedimentos, em especial quando se está em um país onde se tem um
perfil de mulheres que buscam filhos com idade cronológica mais avança-
da; e o Brasil, neste aspecto, não é diferente dos demais países. Estudo do
R
a
Ministério da Saúde mostra que mais brasileiras estão esperando chegar
até os 30 anos para ter o primeiro filho: o número de mães de primeira
do
viagem com mais de 30 anos passou de 22,5%, em 2000, para 30,2%, em
2012. Entre as mulheres com 12 anos de estudos ou mais, o nascimento do
aC
primeiro filho acontece com elevada frequência após a mãe completar 30
reprodução assistida.
Nas relações expressas a respeito da doação/recepção de óvulos, existe
or
revelar que aquele bebê é filho de uma ovodoação e o útero que aparece grávi-
do invisibiliza a falta genética. No caso do óvulo criopreservado, ainda que ele
i
op
venha a ser utilizado no futuro, quando a mulher for mais velha, ele manterá a
d
od V
r
Pondera o especialista: “Nós dosamos esse hormônio e opa; talvez a gente
uto
tenha que rever este planejamento e reverter a ordem de alguma etapa”22.
Nesta fala observa-se o aspecto biológico sendo colocado como determi-
nante das decisões da vida da mulher; sua autonomia, sua liberdade, seus
visã R
sonhos, suas expectativas estão condicionadas a quantos óvulos ela tem.
oa
Igualmente, o biológico é colocado como construtor de características
emocionais. Por exemplo, na frase: “Nem todos os estressados são infér-
teis, mas todos os inférteis são estressados [...]”. Segue dizendo: “Caminha
junto, porque existe uma carga emotiva muito grande. A menina quando
C
tem 2 ou 3 anos de idade, ela brinca de bebê, ela troca fralda da boneca e
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isso daí vai ficar parado durante os 30”. Pondera: “e depois, quando ela for
tentar engravidar, ela vai trazer toda essa carga emocional para a vida dela.
Então, não é que o emocional cause infertilidade, mas aquelas pacientes
estão tentando engravidar e estão tendo dificuldades, elas vão ter algum
ra
grau de estresse importante”23.
O que vem nas falas dos vídeos revela claramente uma percepção sobre
a re
ideal da média clínica. Ou seja, um homem deve ser pai entre os 40-45 anos
par
e a mulher deve ser mãe entre os 30-35 anos. Existe um reforço da juventude,
dos relacionamentos mais jovens para ter filhos. Se o homem é mais jovem do
que a mulher e se ela tem reserva ovariana, a qualidade dessa fertilização pode
ser potencializada. Porque uma célula compensa a outra.
d
ções a respeito de mulheres que receberam doação de óvulos e são mães aos
50 ou mais anos (neste último caso, fora da recomendação) chocam a repre-
sentação cultural sobre a maternidade na juventude, ou pelo menos até os 45
ver
anos, que parece ser uma categoria de idade assumida como a mais palatável
socialmente e para a atuação dos especialistas nas clínicas. Entretanto, estas
situações existem e a busca por um ponto de equilíbrio, não ser mãe cedo
V
r
dam, quando é do interesse médico fazer tentativas e estender a idade; e, para
uto
tal, ele aciona o heroísmo da mulher, que faz de tudo para ser mãe, ficando
por vezes 15 ou 20 anos em tratamento. Ao mesmo tempo é paradoxal, por-
que, em caso de gravidez na adolescência, por exemplo, nem a cultura, nem
R
a
a medicina a recomendam. A gravidez na adolescência normalmente é toma-
da dentro de uma noção de irresponsabilidade; já a gravidez em uma mulher
do
adulta e mais velha não se configura como irresponsável na reprodução as-
sistida, ainda que ela seja uma gravidez de risco e tenha consequências para
aC
a configuração futura desta família. Aciona-se, nesta organização simbólica,
filhos e a alegria por tê-los, ainda que a idade esteja avançada e a busca tenha
consumido muitos anos da vida.
or
tida abra possibilidades para outros tipos de arranjos familiares, eles não
foram citados uma única vez durante as entrevistas dos vídeos; nem mes-
mo quando havia necessidade de incluir exemplos nas explicações. A falta
destas percepções frequentemente se reforçava nas perguntas tendenciosas
dos jornalistas e no modelo de família em cena. A mulher é tomada como
um problema para a sociedade e para a continuidade do mundo, se ela não
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 101
od V
r
precisa passar para ser uma mulher de verdade e, se ela não pode fazer isso
uto
do jeito ‘tradicional’, ela pode recorrer a eles. Neste material, os homens
quase não são focados, como ocorre em diversas fontes. Os comentários
sobre gravidez tardia não ocupam um lugar explicativo, com fins de pro-
visã R
duzir esclarecimentos; são de ordem moral, e estão sempre voltados a uma
oa
obrigação que a mulher tem, que é a de colocar os filhos antes do trabalho
e antes do estudo.
Formulam-se tais percepções a partir da estruturação da representa-
ção a respeito da maternidade e é dela que os especialistas extraem as jus-
C
tificativas para as tecnologias. Assim se expressam: “A vida inteira, acho
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que toda menina sonha em ser mãe, desde que brinca de boneca”24.
A respeito da relação entre materialidades, tecnologias e desejos, eles tam-
bém consideram que deverão ocorrer avanços na reprodução humana, como
a superação dos entraves na produção de células pluripotentes, para substituir
ra
óvulos, em casos de deficiência ovariana; novas práticas de avaliação de em-
briões, em termos de sua saúde (as atuais são consideradas em algumas falas
a re
consiste em escolher parte do ovário onde tenha óvulos para que ele se regene-
par
lidade de superação das taxas naturais, por meio da tecnologia. Ocorre com
são
V
r
dução humana e o oncologista, que é relativamente nova, considerando-se
uto
o tempo em que o tratamento se fixava única e exclusivamente na inferti-
lidade imediata. Incide também sobre as decisões que devem ser tomadas,
quanto ao momento de coletar o espermatozoide e sobre o tipo de exames
R
a
a que ele será submetido, afim de que possa ser criopreservado de maneira
segura. As clínicas afirmam proceder de modo diferente, se a mulher é
do
casada e/ou tem um parceiro fixo, ou se ela é solteira. Se ela é solteira, são
criopreservados os óvulos, que também podem ser facilmente doados ou
aC
descartados, em caso de desistência ou de morte. Se ela é casada, são crio-
listas, a partir dos vídeos, diz respeito à qualidade das células, dos corpos e
das metáforas utilizadas. Esses discursos são organizados por contraposi-
ção entre dois corpos, um masculino e outro feminino. Ou seja, ao mesmo
ver
od V
r
de óvulos que ela herda da mãe e, na medida em que a idade passa, ela vai
uto
perdendo estes óvulos, independentemente de seu gasto. Se ela usa pílula,
não usa pílula, é inexorável o gasto; ela tem o máximo quando nasce; e
quando chega aos 41 ou 42 anos, eles estão terminando”27.
visã R
Contudo, o número não é, por si só ou sozinho, o aspecto mais significati-
oa
vo na decisão. A qualidade do óvulo é posta na relação com a idade cronológi-
ca da mulher, ou com a idade em que o óvulo foi criopreservado. A qualidade
e a quantidade são levadas em conta; porém, a qualidade tende a demarcar as
decisões. A quantidade de óvulos, segundo dizem, tem substituído o argumen-
C
to da idade, no caso da referência à ovulação, porque uma mulher com 20 anos
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pode ter menos óvulos do que uma mulher com 40 anos. No entanto, não tem
substituído o entendimento clínico de que uma mulher de 40 anos pode ter
mais problemas clínicos, porque os óvulos estão envelhecidos, abrindo impor-
tante campo para a inserção de doadoras e de novas pesquisas. Considerando-
ra
se tanto a idade da mulher quanto a qualidade dos óvulos, os especialistas
chamam para si o poder de decisão a respeito do tratamento e da forma em que
a re
ele se dará. Observa-se aqui uma crítica sutil à resolução que estabeleceu 50
anos de idade como limite etário e como regra geral, o que tiraria dos especia-
listas as condições de decisão, por não fazer em certas circunstâncias. Eles re-
ito
conhecem que: “Ter filho não é doença. Ter filho é uma escolha afetiva a que a
par
mulher tem direito, a meu juízo, sempre que ela quiser”28, mas a legislação fere
sua autonomia frente a decisões que envolvem questões sobre as quais pensam
que só o médico pode decidir. Depois de quase vinte anos sem renovação, a
resolução publicada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) foi atualizada
d
assistida, atualmente até 50 anos; assim como de idade limite para a doação de
espermatozoides, igualmente 50 anos; amplia-se o parentesco consanguíneo
para o útero de substituição em até o 4º grau; e a regulamentação do descarte
ver
Neste ponto tem-se claramente uma tensão entre as posturas dos es-
pecialistas a respeito das legislações, também apontada neste livro por
Cecília, em relação à Argentina; embora existam as recomendações, isto
não faz com que elas sejam sempre adequadas. E como é uma recomenda-
ção, e não uma legislação, o fato permite não só a expressão da controvér-
V
r
sia, mas também um rol de ações diversas, frente aos quadros concretos”29.
uto
A qualidade do espermatozoide é demarcada com características de
velho e de novo. Pergunta-se: “Espermatozoide velho é igual a espermato-
zoide de homem novo?”. Não, a resposta médica é educativa, no sentido de
R
a
dizer que o potencial de fertilização do sêmen diminui com a idade. Essa
resposta é um saber que orienta e organiza novos discursos e que deses-
do
tabiliza os mitos sobre a potencialidade reprodutiva e a idade do homem
como eternamente fértil. “Acontece que se sabe hoje que ocorrem lesões
aC
no DNA destes espermatozoides ao longo da vida e cada vez mais, com a
nidade. É ele quem traz o filho, quando a natureza falha. Também é possí-
vel observar a responsabilidade destes médicos em diversas fases do tra-
i
op
nicas não são apenas um emprego, elas são o meio onde eles se inserem
no campo, é parte da produção de saberes para as redes de coautoria e é
onde eles se constroem e se renovam como profissionais, como pessoas,
na missão de fazer bebês.
od V
r
cessita fazer para desenvolver tal prática. Por exemplo, a frase: “Para você
uto
ser um pesquisador em uma cidade pequena, ou fora de uma universidade,
apesar de eu estar dentro de uma universidade, você tem que ter coragem
de gastar o que você ganha em pesquisa”. Em continuidade, diz: “E pes-
visã R
quisa se chama pesquisa, porque normalmente não dá certo; então, você
oa
faz 100, 200 tentativas e chega à conclusão de que aquele caminho está
totalmente incorreto”. E segue: “então você tem que começar tudo do zero,
novamente, e tendo a coragem de gastar seus próprios recursos. É por isso
que muito poucos médicos fazem pesquisa privada.” Este aspecto agrega
C
uma explicação importante à primeira parte deste texto, o que explica o
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
para que ele se ocupe mais dos problemas de infertilidade. “Eu acho que
tá mais do que na hora, aliás, tá passando muito da hora do poder público
fazer alguma coisa pra esses casais que não engravidam”. E segue: “É mui-
to constrangedor, dói muito a gente ter uma formação boa, se especializar
d
abastardas financeiramente”32.
E
seu direito ao tratamento. “Eu até incentivo muito esses casais de baixa
renda, que não têm condições, a procurarem a defensoria pública, para
obrigarem o Estado a assumir a posição que tem que assumir”. E conti-
nua: “porque eu considero que o governo, ele estende o tapete vermelho,
oferece ajuda para o casal que não quer engravidar. Ele chega ao cúmulo
de pagar uma esterilização, um instrutor hospitalar, um anestesista, um
médico. Agora, para o casal que quer engravidar e não consegue, ele não tá
nem aí”33. A atenção aos casais que querem ter filhos e o apelo de que de-
vam ser tratados como uma questão de saúde pública é frisado por muitos.
V
r
Em alguns vídeos, sobretudo quando a contraposição é entre gineco-
uto
logista e urologista, a infertilidade em termos de sentimento é caracteriza-
da como diferente para mulheres e para homens. Por exemplo, enquanto
a ginecologista fala de grande sofrimento emocional e psíquico para as
R
a
mulheres, o médico urologista fala da associação entre problemas físicos e
sentir ansiedade e angústia por se considerar ‘menos homem’, menos viril.
do
Ele faz sua afirmação a partir de sua prática clínica e para homens em ge-
ral, não necessariamente aos casais. Eis uma frase, por exemplo, de fuga,
aC
citada por um especialista: “Sempre o homem diz que a mulher dele não
Considerações Finais
E
sã
od V
r
solução para os seus problemas. De outro lado, denota o alto investimento
uto
que se faz nesta área, para torná-la conhecida, assim como ocorre em ou-
tras áreas relativamente novas. B) Considerando a relação existente entre
as redes de coautoria, os conteúdos dos vídeos e os outros materiais que
visã R
têm sido usados como fontes de pesquisa, como os próprios conteúdos
oa
dos resumos de publicações, pode-se dizer que o interesse neste campo
também migrou do tema da infertilidade para diagnósticos e soluções,
que visam a mais pesquisas com gametas e com embriões, que podem
ou não estar ligados ao tratamento de infertilidade ou infecundidade. C)
C
Têm-se um importante processo de disseminação do conhecimento, que
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V
r
ção assistida no Brasil; também a forma como são feitas depende destas
uto
complexas relações. G) Os valores e os interesses colaboram igualmente
com a expansão do campo, das clínicas, juntamente com a centralidade e
a relevância dos pesquisadores. H) A ciência e a tecnologia, nessa ordem
R
a
reprodutiva atinente à filiação, ocupam um lugar discursivo e produtivo
dominado por epistemologias subjacentes, referidas à família e à heteros-
do
sexualidade procriativa, que são comprometidas. O que passa a importar
parece ser a natureza sendo arquitetada e modelada como um recurso tec-
aC
nológico de intervenção e de normatização dos órgãos, das células, mais
REFERÊNCIAS
od V
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od V
r
imprensa sobre o desenvolvimento das novas
uto
tecnologias reprodutivas – 1994-200235
visã R
Naara Luna36
oa
Novas tecnologias reprodutivas são procedimentos da medicina de re-
C
produção humana que permitem a concepção sem a relação sexual, sendo
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transferência nuclear.
ver dit
35 O artigo foi apresentado originalmente na 23ª Reunião Brasileira de Antropologia em Gramado, 2002,
E
com o título “Parentesco com ou sem gene: um inventário recente do desenvolvimento das novas
tecnologias reprodutivas”.
36 Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997), graduação
em Teologia pela Escola Superior de Teologia da IECLB (1994), mestrado em Antropologia Social pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000) e doutorado em Antropologia pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (2004), onde concluiu seu pós-doutorado (2010). Atualmente é professor adjunto
3 de antropologia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e docente do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da UFRRJ. Tem experiência na área de Antropologia, com
ênfase em Antropologia da Pessoa, Antropologia do Parentesco, Antropologia da Ciência e da Medicina
e Antropologia da Religião, pesquisando tópicos relacionados aos seguintes temas: células-tronco,
novas tecnologias reprodutivas, pessoa, o estatuto do embrião humano, aborto, parentesco, a relação
entre concepções de natureza e cultura, e a interface da religião com questões éticas. É autora d o livro:
“Provetas e clones: uma antropologia das novas tecnologias reprodutivas
114
V
r
e Reprodução com clipagem de notícias no tópico “reprodução assistida” dos
uto
jornais Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e O Globo
dos anos de 1996 a 2000; 3) Clipagem pessoal nos anos de 2000 a 2002 prin-
cipalmente em O Globo.
R
a
A pergunta quanto a esse inventário do desenvolvimento técnico é nor-
teada pela hipótese lançada por Schneider no livro American Kinship (1968,
do
p. 23) de que, sendo a conexão biogenética a definição fundante da concepção
nativa americana (EUA) de parentesco, a descoberta de novos fatos sobre a
aC
relação biogenética pela ciência pode acarretar a transformação das noções
forme nos indica o ensaio de Mauss (2003) sobre a aprendizagem das téc-
nicas. Mesmo os processos considerados mais naturais como o comer e o
reproduzir-se ocorrem em contextos sociais e se realizam enquanto sig-
E
sã
od V
r
vações técnicas e consequências sociais e físicas para a espécie humana.
uto
O campo de reprodução humana tem sido um dos mais dinâmicos da
biomedicina, além de certamente um dos que mais despertam interesse.
A temática frequenta a mídia assiduamente. Parafraseando a citação do
visã R
François Jacob, prêmio Nobel de medicina, as três etapas da intervenção
oa
da biomedicina na reprodução seriam primeiro, sexo sem reprodução na
contracepção; segundo, a reprodução sem sexo com as novas tecnologias
reprodutivas; e, por fim, reprodução sem sexo nem espermatozoide na clo-
nagem. (STOLCKE, 1998). Depois de grande investimento na pesquisa da
C
contracepção nas décadas de 50 e 60, nos anos 70 começa a tendência de se
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Globo, 1997). Tais fatores são válidos também para a população feminina
são
V
r
entre 1980 e 1996 o registro de nascimento de trigêmeos, quadrigêmeos e
uto
quíntuplos aumentou 344% conforme a matéria jornalística (ÍNDICE DE
GRAVIDEZ MÚLTIPLA CRESCE, Jornal do Brasil, 1998), em particu-
lar entre mulheres brancas e mais velhas e de maior poder aquisitivo que
R
a
são as principais usuárias das técnicas de reprodução assistida. (CIMONS,
Jornal do Brasil, 1997).
do
Uma análise diacrônica das representações sobre o desenvolvimento
dessas tecnologias a partir das notícias publicadas na grande imprensa de
aC
1994 até 2002 revela tendências de ocasião. Muitos tratamentos apresenta-
transfer) por ser este o lugar que ocorre a fecundação. (AS TÉCNICAS DE
FERTILIZAÇÃO, O Globo, 1995). Há também características próprias ao
or
dem que o recurso aos métodos comece sempre pelos menos invasivos, com
d
od V
r
nina Jaycee, exibido no programa Globo Repórter em agosto 1999, caso já
uto
discutido pormenorizadamente em outra parte. (LUNA, 2000). Após uma
série de tratamentos infrutíferos de reprodução assistida, um casal contrata
uma mãe substituta para gestar uma criança concebida com óvulo e esper-
visã R
matozoides doados anonimamente. Pouco antes do nascimento do bebê,
oa
seus pais idealizadores da gravidez se separam. A mãe idealizadora fica
com Jaycee e requer pensão do ex-marido para a filha. O pedido é nega-
do, pois ela não é reconhecida como filha do pai idealizador. Começa um
processo para estabelecer de quem a menina é filha. A decisão em primeira
C
instância não consegue definir quem são os pais: os doadores anônimos de
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
de casais que oferecem US$ 50,000 por óvulos de universitária, alta, inteli-
gente e atlética. (KOLATA, O Globo, 1999). A despeito da formação desse
mercado de material reprodutivo, o desenvolvimento das pesquisas na área de
ver
V
r
meio de cultura que preservava e até melhorava sua capacidade fecundan-
uto
te. (TEICH, Jornal do Brasil, 1996). Coquetéis de substâncias químicas
adicionadas ao esperma ou ao meio em que se realiza a FIV são outras pos-
sibilidades. (MÉTODO DEIXA ESPERMATOZÓIDES MAIS FORTES,
R
a
O Globo, 2000). A inseminação artificial com tratamento do esperma pode
ser usada para homens portadores do HIV e sem problema de fertilidade a
do
fim de possibilitar a concepção de filhos sem a transmissão da doença. No
caso os espermatozoides são separados de células não espermáticas e do
aC
líquido seminal onde o vírus se encontra. (DOTI, O Globo, 1994).
método de coleta faz uso de uma sonda que aspira os óvulos orientada por
ultra-sonografia transvaginal. Sedação ainda é necessária.
O sêmen pode ser manipulado com certa facilidade e congelado sem
E
sã
od V
r
mento atual e será comentada adiante.
uto
O início dos anos 90 é marcado pela micromanipulação de gametas,
técnicas realizadas com microscópios equipados com micromanipulado-
res. Criou-se em Bruxelas o procedimento da injeção intracitoplasmática
visã R
de espermatozoide (ICSI) através da qual se introduzia um espermatozoide
oa
diretamente no núcleo do óvulo por meio de uma agulha. (ROAN, Jornal
do Brasil, 1994). O primeiro nascimento de bebê foi em 1992. Antes da
ICSI foi utilizada uma técnica semelhante e precursora, a SUZI (injeção
subzonal de esperma). Na SUZI, vários espermatozoides eram introdu-
C
zidos sob a zona pelúcida (camada externa de revestimento) do óvulo. O
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objetivo dessa técnica era propiciar que esperma de baixa qualidade (es-
permatozoides sem motilidade ou malformados) pudesse ser fecundante.
(COMO NASCEM OS BEBÊS DE PROVETA, Folha de S. Paulo, 1994).
A ênfase das matérias que cobriram o assunto era o fato de esses homens
ra
não mais necessitarem recorrer ao banco de sêmen, podendo ter um filho
com a própria carga genética. (TEICH, O Globo, 1995). Alguns homens
a re
V
r
centro do órgão, enquanto a biópsia, punção e aspiração ficam na super-
uto
fície. (LEITE, Folha de S. Paulo, 1999). A transmissão das características
genéticas do pai é possibilitada na ICSI e no uso das células precursoras
que mesmo incompletas na estrutura externa contêm toda a carga genética
R
a
de um gameta. A evolução dessas técnicas se dá com a maturação de cé-
lulas em estágio inicial de formação, anterior ainda ao da espermátide, já
do
tendo obtido nascimento de gêmeos em novembro de 1998. (SGARIONI,
Folha de S. Paulo, 1999). Desde o início de sua aplicação, houve críticas
aC
a ICSI por impedir que o óvulo selecionasse e excluísse os espermatozoi-
mossomo Y. Estudos de 2001 mostram que bebês gerados por meio dessa
técnica estão mais sujeitos a anomalias ligadas aos cromossomos sexuais.
or
od V
r
espécies, promovendo sua mistura, mas também por possibilitar que vírus
uto
da espécie hospedeira venham a contaminar seres humanos, e mesmo a ser
transmitidos às crianças assim geradas. A aversão a tal técnica poderia ser
explicada pelos conceitos de Mary Douglas (1976): a desordenação de um
visã R
sistema classificatório entre espécies seria um tipo de poluição, da mesma
oa
forma que o contágio por vírus. A poluição é ainda pior por envolver a
mistura da espécie humana com outras consideradas inferiores, o que im-
plicaria degradação. A despeito da polêmica, esperma humano foi cultiva-
do em camundongos no Japão e já há crianças nascidas do procedimento
C
(NASCEM BEBÊS DE ESPERMA CULTIVADO EM CAMUNDONGO,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
a esterilidade por fator tubário, caso daquelas que tinham trompas obstru-
ídas ou não as tinham simplesmente. Quando a técnica obteve o primeiro
nascimento com êxito em 1978, a taxa de eficácia era de 5%. O óvulo era
ito
também pode ser feita no próprio embrião com assisted hatching (ruptura
assistida), em que se retira quimicamente ou por laser um pequeno pedaço
do revestimento externo do embrião a fim de facilitar sua implantação no
útero. (TUFFANI, Folha de S. Paulo, 1998). Outra possibilidade é a trans-
ferência mais tardia dos embriões, no 5o dia (estágio de blastocisto) quan-
do costuma ocorrer naturalmente a nidação no útero, o que aumentaria as
122
V
r
Drogas mais eficazes são produzidas para fazer o bloqueio da função natu-
uto
ral dos ovários, etapa anterior à hiperestimulação destes, exigindo a aplica-
ção de menos injeções. (COLLUCI, Estado de S. Paulo, 1999).
Os grandes desafios para a esterilidade feminina passam a ser a falta de
R
a
ovulação e a produção de óvulos de má qualidade. A qualidade dos óvulos
decresce com a idade, tendo uma queda acentuada a partir dos 35 anos. Como
do
foi dito acima, o óvulo é frágil e difícil de manipular. Há poucos casos de fer-
tilização de óvulos congelados com êxito, e menos casos ainda de nascimen-
aC
to de bebês. (NOVA TÉCNICA POSSIBILITA O CONGELAMENTO DE
od V
r
os hormônios que induzem a ovulação humana. (ÓVULO HUMANO
uto
AMADURECE EM CAMUNDONGO, Folha de S. Paulo, 2000). Esse
recurso, indicado para pacientes jovens que vão se submeter à quimiotera-
pia ou radioterapia, ilustra mais uma vez a mistura de espécies já discutida
visã R
acima. O registro mais recente de 2001 é o implante de tecido de ovário
oa
no braço de mulheres que tiveram as gônadas extraídas e congeladas. A
vantagem do lugar do implante seria o acompanhamento médico mais fá-
cil do tecido. Uma delas teria tido ovulação espontaneamente e a outra
por estimulação hormonal. Tentou-se uma FIV sem sucesso. (MARCUS,
C
O Globo, 2001). A maturação de tecidos é uma técnica de que se espera
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conservar os gametas femininos para uso posterior, foi criada uma técnica
de vitrificação que diz permitir a preservação dos óvulos, com casos bem-
-sucedidos de geração de crianças. (CASO, 2016). Esse processo é rápido,
ito
da maternidade está no caso em que uma mulher britânica congelou seus óvu-
los em função de tratamento contra o câncer, e posteriormente foi impedida
pela Justiça de usá-los. (JUSTIÇA IMPEDE BRITÂNICA DE USAR SEUS
ver
V
r
los por meio da transferência do citoplasma (uma porção de 10 a 15%) de
uto
óvulos de doadora jovem. (DEMÉTRIO WEBER, O Estado de S. Paulo,
1998a). Técnica semelhante é a transferência do núcleo do óvulo da mulher
que pretende ser mãe a um óvulo enucleado da doadora, um procedimento
R
a
já tentado em 1998 sem obter gestação. (PINHEIRO, MITCHEL, Jornal
do Brasil, 1998). Ambas as técnicas levantam problemas éticos devido à
do
existência de DNA mitocondrial no citoplasma, o que acarreta que algu-
mas crianças geradas tenham duas mães genéticas. (NASCEM OS PRI-
aC
MEIROS BEBÊS COM DNA ALTERADOS, O Globo, 2001). Essas
od V
r
era tema de trabalhos científicos publicados em 1989 segundo nos infor-
uto
ma levantamento da Organização Mundial de Saúde. (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 1992). Era aplicada a grupos “de risco” de defeitos
no bebê como mulheres acima de 40, ou portadoras de alguma doença
visã R
genética ou de histórico familiar nesse sentido (fibrose cística, Down, he-
oa
mofilia, distrofia muscular, síndrome do X frágil), retirando-se para ava-
liação genética uma das células de um embrião na fase de oito células.
(MAGALHÃES-RUETHER, O Globo, 1996). A razão para a dificuldade
de implantação de embriões transferidos era atribuída a algum fator no
C
meio ou à falta de uma proteína mediadora do processo. Com o incremen-
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sistindo que o único motivo válido para a seleção de sexo do embrião, fato
possível com a biópsia, seria médico em casos de doenças genéticas liga-
das aos cromossomos sexuais. (CASOS ESPECIAIS DEVEM SER DIS-
CUTIDOS, O Globo, 1999). Além da biópsia, pode ser feita a limpeza do
d
criticada com sendo uma prática eugênica, todavia foi noticiado um exem-
plo de uso altruísta: um casal cuja filha sofria de anemia de Fanconi pro-
jetou ter filhos por fertilização in vitro para selecionar embriões que não
ver
V
r
transferindo o núcleo de células somáticas humanas para óvulos de coelha.
uto
(HIGHFIELD, O Globo, 2001b). Não é a primeira vez que se criam em-
briões mistos de ser humano e outra espécie: a pesquisa da empresa ameri-
cana Advanced Cell Technology já havia usado óvulos de vacas em 1999.
R
a
(EMPRESAS DOS EUA CLONAM EMBRIÕES HUMANOS, O Globo,
1999). O motivo do recurso aos gametas femininos de outras espécies é a
do
carência de óvulos humanos para experimentação. O segundo experimen-
to vai no sentido contrário ao dos embriões híbridos e pode ser tomado
aC
como indício da importância que o debate sobre o estatuto de pessoa do
37 Uma análise antropológica dos temas presentes nas representações da clonagem na imprensa,
incluindo o estatuto de pessoa do embrião, está em Luna, 2001a.
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 127
od V
r
Esse comentário seria tachado de um equívoco se repetido em janeiro de
uto
2001, quando o especialista italiano Severino Antinori e seu colega grego
naturalizado americano Panos Zavos anunciaram um intuito semelhante.
(PRIMEIRO BEBÊ CLONADO PODERÁ NASCER EM 2003, O Globo,
visã R
2001). Desde então Ian Willmut, o criador de Dolly, vem frisando com
oa
grande cobertura da imprensa as dificuldades de obter o nascimento da
ovelha. Foi pouco mencionada a estatística de que dos 277 óvulos enuclea-
dos que receberam a transferência do núcleo da célula adulta teria nascido
apenas uma ovelha saudável. (CLONAGEM COMEÇA EM 30 DIAS, O
C
Globo, 2001). Houve pouca referência também ao fato de que algumas
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
V
r
da formação da criança por meio da mitocôndria.
uto
Em dezenas de artigos sobre clonagem por transferência nuclear,
apenas um menciona que a única possibilidade de um clone de pessoa
já formada com a carga genética exatamente igual à da matriz, seria o de
R
a
uma mulher que fosse clonada usando os próprios óvulos para formar o
embrião. (PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE CLONAGEM HUMA-
do
NA, Folha de S. Paulo,1998).38 Faço essa observação para ressaltar que o
reconhecimento de algo construído como dado biológico varia conforme
aC
a discussão em que esse “dado” é invocado ou negligenciado para emba-
38 A outra possibilidade de clonagem é a que ocorre na produção de gêmeos idênticos com a fissão do embrião.
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 129
od V
r
dimentos distintos por caminhos divergentes pode colocar esse caráter de
uto
solução definitiva em dúvida. Olhando novamente esse material depois de
catorze anos, percebe-se que poucas dessas inovações foram incorporadas
à prática clínica. Embora o investimento da pesquisa científica tenha se
visã R
voltado para propiciar a transmissão dos genes da pessoa em tratamento
oa
a seus futuros descendentes, outras opções não deixam de existir como
se evidencia pelo mercado crescente de material reprodutivo que inclui a
venda de sêmen, óvulos e embriões, constituindo laços de parentalidade
e filiação não genéticos. Os altos custos das tecnologias de ponta ainda
C
experimentais certamente são um dos elementos para que a doação de ga-
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metas não seja deixada de lado. Porém é possível perceber que a escolha
do doador ideal pode integrar o projeto parental de uma prole de melhor
qualidade, como no caso de bancos de sêmen de ganhadores do Prêmio
Nobel ou da busca da universitária alta, inteligente e atlética. A ênfase na
ra
transmissão genética não exclui que outras opções possam continuar exis-
tindo e até se expandindo como no mercado material reprodutivo.
a re
pais, gostaria de concluir com uma observação de Sarah Franklin feita por
são
REFERÊNCIAS
V
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do
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uto
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visã R
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do
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aC
do Brasil, 12 ago. 1998, p. 12.
od V
r
Paulo, 31 ago. 1998, Geral, p. A-8.
uto
MULHER USA UM TESTÍCULO EXTIRPADO EM FERTILIZA-
ÇÃO. O Globo, 23 jun. 1998, p. 24.
visã R
oa
MULHERES QUE NÃO PRODUZEM ÓVULOS MADUROS REGU-
LARMENTE TÊM MAIS CHANCE DE ENGRAVIDAR. O Estado de
S. Paulo, 13 dez. 1996, Geral, p. A.20.
C
NASCEM BEBÊS DE ESPERMA CULTIVADO EM CAMUNDON-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
V
r
uto
PERIGOS VARIAM DE ACORDO COM O MÉTODO. O Globo, 22
mar. 1998, Jornal da Família, p. 3.
R
a
PESQUISADOR OBTÉM ESPERMATOZÓIDE MADURO. Jornal do
Brasil, 4 jan. 1994, p. 7.
do
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aC
Jornal do Brasil, 15 nov. 1998, p. 5.
od V
r
uto
TEICH, Daniel Hessel. A reinvenção da vida: Médicos realizam o sonho
de paternidade para homens que não produzem espermatozóides. O Globo,
24 dez. 1995, Jornal da Família, p. 1.
visã R
oa
TEICH, Daniel Hessel. Água de coco faz bem a espermatozóide. Jornal do
Brasil, 24 ago. 1996, p. 32.
V
r
uto
R
a
do
aC
od V
r
discursivas em torno da FIV
uto
Sheila Bezerra39
visã R
oa
Introdução C
Em 2009, ano da inauguração do serviço de Reprodução Assistida
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
V
r
namento do uso das TRA como direito reprodutivo, uma vez que se tra-
uto
taria de um recurso de caráter experimental, extremamente dispendioso
e de conhecidos e desconhecidos riscos à saúde das mulheres. Diante
de tais posicionamentos, a tese que ora inspira o presente capítulo, se
R
a
debruçou na análise das forças que disputam a hegemonia em torno do
significado das TRA tendo por referencial empírico a Fertilização in
do
Vitro (FIV). Os desdobramentos estiveram na identificação das regu-
laridades e dispersões discursivas em torno do significado do sacrifí-
aC
cio e do sofrimento como construtos de feminilidade e reprodução no
cidades dos discursos das mulheres “tentantes” que fizeram a FIV nos
serviços de Reprodução Assistida da cidade de Recife (ou em clínicas
or
od V
r
Em 2009, ano da inauguração do serviço de Reprodução Assistida
uto
(RA) do IMIP – Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira
– IMIP, através de um dos principais jornais de Pernambuco, expôs-se o
dado de que Recife teria se transformado na capital nordestina da FIV e
visã R
estaria entre os cinco maiores polos do país, uma vez que os médicos locais
oa
realizariam uma média de 900 gestações ao ano e o número de reproduções
assistidas teriam triplicado desde o ano de 2003. Na matéria referida não
havia números para comparação e assim, infelizmente, os dados expostos
não puderam ser confirmados ou desconfirmados (embora tenham sido re-
C
alizados esforços nesse sentido), o que denota no mínimo uma pressa ou
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Por esse motivo Recife mereceu destaque como um dos principais locais
de realização de FIV do Brasil. Em maio do ano corrente foi anunciado o
encerramento das atividades do centro de reprodução assistida, segundo
ito
uma matéria jornalística, por ausência de verba. O valor recebido pela ins-
par
mulheres inférteis”.
são
V
r
ra sem legislação relativa às TRA, possuía no período em questão o maior
uto
número de Centros de RA da América Latina, sendo acompanhada pelo
México e pela Argentina, que não possuíam sequer a metade das clínicas
cadastradas no Brasil até 2009.
R
a
Tabela 1: Número de Centros e Ciclos de RA
na América Latina por País em 2009
do
Total de ciclos realizados
aC
País Número de centros
N %
Guatemala 1 98 0,3
México 25 4 588 12,1
Peru 3 1 627 4,3
ara
tese “Corpos Femininos entre a natureza e a cultura: uma análise das articulações
discursivas relativas à reprodução medicalizada” defendida em março de 2013.
E
sã
od V
r
de n° 388 de 06 de julho de 2005 da Secretaria de Saúde) que instituíam
uto
a “Política de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida”, crian-
do no âmbito dos estados e do Distrito Federal serviços de referência em
reprodução humana como base do direito constitucional ao planejamento
visã R
familiar. Ainda hoje os aspectos regulatórios no Brasil estão aquém do
oa
crescimento de clínicas e procedimentos.
Ainda em relação às referidas portarias, Nascimento (2009, p. 47)
considera o seguinte: “A forma detalhada como as portarias são apresen-
tadas gera uma primeira sensação (ao menos aos olhos leigos) de que a
C
efetivação das políticas não teria porque não acontecer. No entanto, desde
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
diz-nos Nascimento:
par
V
r
da FIV na tabela do SUS, como estavam se sustentando os serviços já financia-
uto
dos pelo SUS? Dependendo da resposta, quais as consequências disso?
Essa questão nos remete ao fato de que, em que pesem as reivin-
dicações em torno do acesso às TRA, muitos têm sido os porquês que
R
a
problematizam seu acesso de modo universal (ou seja, acesso àqueles/as
que não dispõem dos recursos necessários), dentre os quais: o fato de que
do
se trata de recurso experimental, cujos resultados são incertos e os efeitos
em longo prazo desconhecidos; o fato de que a FIV seria um procedimen-
aC
to complexo, em que os óvulos são obtidos pela invasão dos corpos das
tabela a seguir:
E
sã
od V
r
NE MA PI CE RN PB PE AL SE BA
uto
2 1 3 0 1 3 2 2 2 16
N AC AM PA RO RR AP TO
visã R
0 1 1 0 0 0 0 2
oa
CO MT MS GO
3 1 3 7
S PR SC RS
13 3 6 22
SE MG
C RJ ES SP
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
12 7 0 33 52
FONTE: Site da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), 2012.
*NOTA: Dados recortados da fonte supracitada e organizados em nova tabela para
tese “Corpos Femininos entre a natureza e a cultura: uma análise das articulações
discursivas relativas à reprodução medicalizada”, defendida em março de 2013.
ra
Collier, Clínica Gerar, e IMIP. Em 2011, existiam pelo menos duas clíni-
cas associadas, e em 2016 foram identificadas três: Centro de Reprodução
Humana, La Donna, Nascer – Medicina Reprodutiva.
ver
V
r
formação parcial de que até 2012 funcionavam (cadastradas às redes de
uto
RA, ou não), pelo menos, cinco clínicas ou serviços de RA, dentre eles
a Clínica Nascer, a Clínica Armínio Collier, a Clínica Gerar, o Centro de
Reprodução Humana e o Serviço de Reprodução Humana do IMIP.
R
a
Vale salientar que, na contramão de um desenvolvimento tecnológico
e econômico que faz de Recife, hoje, o mais importante, ou um dos polos
do
médicos mais importantes do Norte/Nordeste, e lócus de “turismo de saú-
de”, o Fórum de Mulheres de Pernambuco - articulação feminista e antir-
aC
racista de âmbito estadual, fundado em 1988 e cuja sede está localizada
od V
r
cios ‒ sejam eles físicos, financeiros ou emocionais - vivenciados, explicitados
uto
e assumidos pelos sujeitos que buscam a filiação biológica, uma das questões
norteadoras da pesquisa que ora subsidia o presente artigo foi: num contexto
de articulação crescente entre ciência médica, indústria farmacêutica, Estado e
visã R
Igreja, quais são as implicações das formações discursivas relativas à FIV nos
oa
discursos que as mulheres produzem acerca de si mesmas e de suas experiên-
cias pessoais ao buscar as biotecnologias da reprodução?
Com tal questão em mente, considerou-se inicialmente que as articulações
discursivas relativas à procriação medicalizada (re)produzem os discursos he-
C
gemônicos de feminilidade e reprodução pela naturalização dos discursos de
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
V
r
por escolha - é profundamente alterado segundo Engeli (2009, p. 203), a
uto
FIV também encerra em si outra relação, não menos importante do ponto de
vista político e analítico, caracterizada pela articulação mulheres - medici-
na - reprodução. Esse novo cenário provocado pelas TRA, segundo Abott
R
a
et al. (2005, p. 185), se caracteriza pela intervenção médica nos corpos das
mulheres para além das questões relativas a contracepção, gravidez e parto,
do
permitindo, por exemplo, que, entre outras coisas, o processo de reprodução
prescinda de relação (hetero)ssexual.
aC
Nessa nova configuração, diferentes fronteiras entre o que é natural/
od V
r
sional e autonomia do paciente não difiram fundamentalmente daquelas
uto
que se colocam em uma situação terapêutica tradicional, ganham maior
proporção quando se leva em consideração que a “infertilidade não é uma
doença fatal, nem concepção assistida é o tratamento para a infertilidade”.
visã R
(BATEMAN, 2002, p. 325).
oa
A questão, entre outras questões, é que, hoje mais que nunca, as bio-
tecnologias têm feito parte da vida de mulheres e homens de todo o mundo
nos seus diversos segmentos. O seu avanço tem implicado em um entre-
laçamento cada vez maior entre as racionalidades tecnocientífica e econô-
C
mica, produzindo efeitos cada vez mais expressivos e complexos do ponto
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
civil, como o movimento feminista, que, como já foi dito, tem dividido
são
V
r
acabam por configurar uma grande rede de interesses, saberes e poderes
uto
que têm girado em torno da infertilidade, entendido aqui apenas como a
ponta de um imenso iceberg num contexto de angústias, sacrifícios e sofri-
mentos legitimados nos discursos da reprodução medicalizada, como pode
R
a
ser identificado nas falas dos profissionais e das mulheres entrevistadas.
Ao todo foram treze mulheres entrevistadas identificadas neste artigo pelos
do
números apresentados no quadro 1. Das treze, três foram acompanhadas
desde as primeiras injeções de hormônios até o teste de gravidez. A partir
aC
de suas falas foi possível constatar o sofrimento e sacrifícios corporais,
[...] aí disse:‘você teve uma trombose’. Tava toda inchada, a perna toda
i
rev
umas que perdem o bebê e tem outras que seguram’. – ‘pois eu não
quero tomar não. pois morre eu e ele. Eu vou tomar uma medicação
sabendo que vou perder o meu filho que eu tanto lutei, que eu tanto...
ara
não!’- ‘Não, mas você tem que tomar, senão você vai chegar a óbito’,
ele falou para mim. ‘Vai chegar a óbito com o bebê’. Aí eu: ‘não tem
t
para ter esse filho. Inclusive, muitas vezes é até financeiro, às vezes
você vê que a paciente não tem condições absolutamente nenhuma
de sustentar um filho, mas essa vontade de gestar, essa vontade de
ser mãe... elas fazem alguns ‘absurdos’, entre aspas, para conseguir
esse resultado. (Médico).
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 151
od V
r
tir dos quais estiveram fundados os problemas de investigação e subsequente
uto
análise relativa aos discursos em torno das TRA. Nesses discursos, dois temas
se sobressaíram e expuseram a regularidade de uma ordem a partir da qual a
FIV se legitima: a maternidade e o sacrifício, temas tradicionais de nossa cul-
visã R
tura e caros ao estudo proposto, afinal, à Eva – que permanece como arquétipo
oa
do sexo feminino - lhe foi dito por Deus: “multiplicarei sobremodo os sofri-
mentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será
para o teu marido, e ele te governará”.
A regularidade de uma ordem, a partir da qual o uso da técnica de
C
FIV é justificada, deu o norte da investigação das formações discursivas
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
V
r
taxas de mortalidade materna por causas evitáveis e a partir do estímulo
uto
ao uso das TRA - os discursos em torno da FIV têm corroborado tal impe-
rativo, ainda que discursos de autonomia, realização pessoal, felicidade,
esperança, igualmente se evidenciem. Se de um lado o sofrimento/sacrifí-
R
a
cio que se legitimava estaria na impossibilidade de algumas mulheres in-
terromperem sua gestação, de outro lado seria pela possibilidade de gestar
do
que esses se justificariam.
Estas duas questões, ou “problemas morais” ou “dilemas bioéticos” – o
aC
aborto de fetos anencéfalos e uso das TRA – foram pensados como instrumen-
humana” - esta frase foi proferida por Cezar Peluzo, um dos ministros do
Supremo Tribunal Federal, ao tentar argumentar contra uma das assertivas
i
op
ora, utilizo sua fala para abrir espaço para uma das questões centrais nas
negociações políticas em torno daquilo que pode ser considerado natural
ou cultural na oposição natureza-cultura/natural-construído: o sofrimento,
E
sã
od V
r
seguiram engravidar por meio da FIV se encontravam muito satisfeitas
uto
ou, pelo menos, se apresentavam satisfeitas. No entanto, nenhuma delas,
mesmo aquela mais realizada, deixou de lado o relato de esforços, sacrifí-
cios (sociais, físicos, econômicos) e, mesmo, sofrimento emocional, como
visã R
demonstrado a seguir:
oa
Para mim, fisicamente, foi um esgotamento muito grande. É tanto que
eu estou começando a voltar ao meu corpo agora, quase dois anos
depois do encerramento da última medicação. E é um processo em que
C
você se sente muito invadida. Por quê? Porque você tem um estranho
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
para lhe catucar, porque você está sempre no ginecologista, você está
sempre fazendo ultrassom, você está sempre sendo monitorada, você
está sempre tomando injeção de hormônio, então você se sente muito
exposta, mas em momento nenhum passou pela minha cabeça que não
valesse a pena. (Entrevistada 3).
ra
V
r
e tornadas públicas por poderosos segmentos da indústria médico-farma-
uto
cêutica e cujos efeitos nos corpos das mulheres ainda não são plenamente
conhecidos e, finalmente, e consequentemente, por mobilizar campos da
(bio)política através do campo religioso e do movimento feminista.
R
a
Quando se fala de uma profunda mobilização dos corpos femininos,
diz-se dos processos aos quais são submetidos esses corpos antes, durante
do
e depois da FIV propriamente dita, ou seja, dos exames, cirurgias, expo-
sições hormonais, punções, procedimentos da transferência embrionária –
aC
que acontecem em etapas (descritas resumidamente a seguir) que poderão
porque cada uma tem um jeito, uma forma de vida, e reage de uma forma
diferente” (Entrevistada 4), um aspecto as unifica para além do sofrimento
ver
od V
r
Mediante tal análise, ou seja, das formações discursivas, aquilo que, em
uto
princípio, parecia fluido ou fragmentado, deu-se lugar às interpretações
possíveis dos muitos significados identificados nos discursos em torno das
Técnicas de Reprodução Assistida – TRA -, mais especificamente da téc-
visã R
nica de Fertilização in vitro – FIV – e ao que esta mobilizaria política,
oa
econômica e socialmente.
A fim de chegar às formações discursivas, entendidas aqui enquanto re-
gularidade na dispersão conforme Laclau e Mouffe (1985, p. 143), e responder
como manifestam e potencializam discursos hegemônicos de feminilidade e
C
reprodução, a investigação aconteceu na medida em que se desejou buscar as
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Por mais que este sujeito não pudesse ser compreendido a partir de uma
identidade universal (morto em termos pós-estruturalistas), ainda assim seria
aquele que, sob a égide de “efeitos totalizantes”, identificar-se-ia através de pa-
drões de feminilidade e reprodução naturalizados ou essencializados, pela le-
gitimação do sacríficio, da dor, e do sofrimento como elementos constituintes
156
V
r
Ou seja, assim como em Laclau e Mouffe (1985, p. 156), “sempre que neste
uto
texto utilizemos a categoria de ‘sujeito’, o faremos no sentido de ‘posições do
sujeito’ no interior de uma estrutura discursiva”.
Nosso sujeito concretizado e hiperbolizado, portanto, nas situações-
R
a
-limite ou nas fronteiras entre corpo biológico versus corpo socialmente
construído que o contexto de uso das tecnologias com fins de reprodução
do
tem propiciado, está localizado, no contexto das TRA, num modelo de
reprodução dominado por uma estrutura de saber-poder que, por um lado,
aC
corrobora um modelo de reprodução calcado em padrões convencionais de
od V
r
Esses casais submeteram-se durante anos a um rigoroso controle,
tanto sobre sua vida sexual quanto sobre a produção de gametas e
uto
hormônios. Foram submetidos ao rigor do uso das medicações e do
sexo procriativo. Alguns exames exigiram abstinência sexual total
ou cronometrada por meio de horários e calendários específicos. As
visã R
mulheres, em particular, submeteram-se ao controle laboratorial, ao
oa
controle da ovulação e menstruação, às medições de temperatura diária.
Essa pressão sobre as mulheres nos diz muito acerca de, em nome de
C
quê estas podem/devem ou não podem/devem sofrer e, consequentemente,
dos discursos hegemônicos em torno da feminilidade e da maternidade.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
das mulheres num processo em que, salvo raras exceções, os homens são
“quase” tão mobilizados quanto as mulheres), o caráter relacional dos es-
ito
tudos de gênero não deve fazer subsumir elementos ainda intricados nas
redes de sentido da construção dos gêneros, que, em muitos aspectos, ex-
par
mesmo que limitar qualquer análise a ela (no caso, à dominação mas-
culina) sem a consideração de uma “ontologia relacional”. (SAFFIOTI,
são
2004, p. 21), ou seja, sem levar em conta que as relações sócias simbóli-
E
A pesquisa constou de, pelo menos, três segmentos que denomino ‘bra-
ços’ da pesquisa para além da revisão sistemática da literatura: 1) um relativo
à análise documental (documentos médicos e do Estado); 2) outro que constou
V
r
de entrevistas semiestruturadas realizadas com as mulheres que fizeram FIV
uto
(que conseguiram ou não engravidar), também com alguns dos seus maridos
e um médico, por fim, 3) a realização de relato etnográfico a partir do serviço
público de RA sediada no IMIP. O quadro a seguir resume em detalhes o perfil
R
a
das mulheres e homens entrevistados/as:
do
Quadro 1 - Perfil das/os Entrevistadas/os
aC
Investimento aproximado****
Nº de embriões transferidos
Nº de embriões produzidos
Idade na primeira tentativa
Nº de folículos produzidos
Tentante (por número)
são
Escolaridade
Estado civil
Profissão
Religião
Idade
i
rev
Assistente social-desempregada
23.000,00
Casada
Privado
espírita
não
1 40 35 1 NS 7 3* 1
ara
i t
Divorciada/casada a
Funcionária pública
Superior completo
op
80.000,00
d
Privado
5**
não***
época
2 44 40 ? 7 15-20 ? 2
E
sã Funcionária pública
Espírita kardecista
Superior completo
divorciada/casada
90.000,00
a época
Privado
ver
NSA
3 34 32 3 6 ? ? 0
continua...
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9
8
7
6
5
4
10
Tentante (por número)
continuação
Público Público Privado Privado Privado e público Privado Tipo de serviço Privado
27
43
43
33
34
43
34
Idade
27
43
40
32
32
37
32
1
1
1
2
1
2
1 N° de tentativas
visã R
8
?
?
32
17
17 Nº de folículos produzidos
17-20
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA
od V
3
?
?
3
6
10
11 Nº de embriões produzidos
oa
3
4
2
2
3
3
2 Nº de embriões transferidos
0
1
1
1
0
0
uto
0 N° de gravidezes
r
NSA NSA sim-4 sim -2 não NSA Gravidez gemelar NSA
continua...
159
17
16
15
14
13
12
11
Tentante (por número)
- Público Público Público Público e privado Público Tipo de serviço Público continuação
35
31
43
27
39
33
36
Idade
34
31
43
27
38
33
Idade na primeira tentativa 35
Católico Católico Advetista sétimo dia Católica Católica Católica Religião Católica
ara
2 1 1 1 2 1 N° de tentativas 2
aC
rev
NSA NSA NSA NSA
i 5-6 18 Nº de folículos produzidos 6
continua...
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REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 161
continuação
*O médico induziu a transferência de quatro embriões e a entrevistada não concordou com seu posicionamento.
**Cinco embriões foram transferidos na última tentativa. A entrevistada sabia que não era permitido que transferissem essa
quantidade, mas concordou com o médico que queria “apelar” para tudo.
***Na última tentativa, que estamos considerando, não houve gravidez gemelar. No entanto, a primeira gravidez foi de trigêmea.
****No caso daqueles/as que tentaram pelo SUS, os gastos diziam respeito à alimentação, transporte, alojamento ou algum
od V
r
exame extra ou algum medicamento não oferecido pelo IMIP, em geral não ultrapassou a cifra dos R$300,00.
uto
FONTE: BEZERRA (2013).
NOTA: Dados sistematizados pela autora para tese “Corpos Femininos
entre a natureza e a cultura: uma análise das articulações discursivas
relativas à reprodução medicalizada”, defendida em março de 2013.
visã R
A seguir algumas das especificidades identificadas tantos nos serviços
oa
privados quanto no serviço financiado pelo SUS:
- Não há restrições quanto à idade, orientação - Há restrições quanto à idade (35 anos ou
sexual e outros arranjos, tais como utilização menos), orientação sexual e outros arranjos;
a re
3.
de útero de substituição; trabalham com não trabalham com doação de óvulos ou
doação de óvulos ou sêmen; sêmen;
ito
de medicamentos;
medicamentos
5.
de embriões a serem transferidos por quantidade de embriões a serem transferidos
tentativa. por tentativa.
são
E
V
r
uto
- Passível de maior fiscalização por parte do
Estado, embora não tenha sido identificada
9. - Pouco ou nada fiscalizado pelo Estado.
nenhuma ação nesse sentido durante o
período de registro etnográfico.
R
a
FONTE: BEZERRA (2013).
NOTA: Dados sistematizados pela autora para tese “Corpos Femininos entre
a natureza e a cultura: uma análise das articulações discursivas relativas
à reprodução medicalizada”, defendida em março de 2013.
do
aC
Início do fim, início de outro início
43 O conceito de Differánce, tal qual utilizado neste artigo, está presente no livro “A farmácia de platão”
de Jacques Derrida. Nele, Différance é traduzido por diferência e, para explicá-lo, o autor lança mão
do conceito de Phármakon: “Se o phámakon é “ambivalente”, é, pois, por constituir o meio no qual se
opõem os opostos, o movimento e o jogo os relaciona mutuamente, os reverte e os faz passar um no
outro (alma/corpo, bem/mal, dentro/fora, memória/esquecimento, fala/escritura etc). É a partir desse
jogo ou desse movimento que os opostos ou os diferentes são detidos por Platão. O phármakon é
o movimento, o lugar e o jogo (a produção de) a diferença. Ele é a diferência da diferença”. Uma vez
citada, a expressão “diferência” ganha na versão da editora Iluminurasa seguinte nota: “Différance, no
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 163
od V
r
sexual e reprodutiva a partir da plataforma política feminista, documento
uto
elaborado no ano de 2002 como resultado de uma base de mobilização de
mais de 5 mil ativistas de movimentos de mulheres.
As regularidades, em geral, podem ser traduzidas no forte discurso
visã R
em torno da autonomia adquirida pelas mulheres, primeiro, no que tange
oa
às escolhas reprodutivas e isso tem a ver tanto com não conceber, quanto
com conceber e em que condições (quando, como, e com quem conceber);
segundo, no que tange ao avanço da idade e das diferentes prioridades
diante da vida, como trabalhar, estudar etc.; e, por fim, no que diz respeito
C
à possibilidade de autodeterminação diante dos riscos que devem ser assu-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
tecnologias reprodutivas.
Outros pontos nodais podem ser identificados, por exemplo, quando
o Estado brasileiro não só autoriza a técnica em seu território, como subsi-
ito
dia seu uso enquanto direito constitucionalmente garantido diante das de-
par
original. Termo criado por Derrida no artigo “La différance”, em Théorie d´ensembled. Du Seuil, 1968.
A tradução por diferência segue a tradução de Maria Beatriz M. N. da Silva, na sua tradução de A
Escritura/Diferença. Ed. Perspectiva, 1971 (p. 72), também adotada por M. Schnaiderman e R. Janini
em Gramatologia”. (DERRIDA, 1997, p. 74).
164
levem em consideração que há, de fato, uma forte relação entre as TRA e
o mercado, e por mais até que cheguem a criticar tal relação, ainda assim
fazem a escolha pela biologia e pelas promessas das biotecnologias. Por
mais, ainda, que as tentantes pensem que poderiam optar pela adoção, ain-
da assim têm priorizado as tecnologias da reprodução. Por fim, ainda que
V
r
tenham consciência dos sofrimentos e sacrifícios pelos quais passarão a
uto
cada ciclo de estimulação hormonal (e mesmo antes, nos exames e pro-
cedimentos operatórios) ainda assim, e talvez porque achem que devem
vivenciá-los, não deixam de considerar as TRA como alternativa e, mes-
R
a
mo, única alternativa a ser acessada na busca por um filho.
Sobre esse último ponto há que se falar da regularidade nos discur-
do
sos em torno dos sacrifícios e sofrimentos como construtos de feminili-
dade e reprodução, difundidos e reproduzidos pelos discursos em torno
aC
da reprodução medicalizada. A questão estaria em que a concepção de
você está fazendo o quê aqui, se você ainda não é casada?”, a mulher dos
discursos hegemônicos em torno da FIV não pode ser solteira. Ela não é
or
mãe, ela é aquela que tudo faz e que todos os riscos (conhecidos e desco-
d
od V
r
age pela negação da lógica oposicional, não há como considerar apenas as
uto
opiniões liberais ou radicais, ou apenas uma leitura positiva ou negativa
em cada uma dessas posições em torno das promessas das tecnologias.
No entanto, e considerando que a probabilidade negativa é o discurso das
visã R
radicais, ou o discurso de crítica à leitura meramente positivada em tor-
oa
no das taxas de sucesso em torno da FIV, o deslocamento da différance
aconteceria na medida em que as tentantes assumiriam a dispersão dos dis-
cursos difundidos pela visão feminista radical relativa à medicalização da
reprodução. Assumir a impossibilidade da gravidez, ou do filho biológico,
C
seria tomar para si a instabilidade do presente e avocar a desesperança no
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
do Menegon e Spink (2006, p. 181), seria pôr em xeque o próprio ato he-
par
V
r
Se toda decisão leva à aporia e, portanto, à abertura possível de sig-
uto
nificados, Amy (única entre treze que decidiu por “fechar” (seu ciclo))
contribuiu para abertura dos significados possíveis em torno da feminili-
dade e da maternidade. Falar de discursos em torno da FIV é falar de uma
R
a
regularidade nos discursos, mas é considerar também a dispersão que a
questiona, colocando suas bases em xeque.
do
aC
REFERÊNCIAS
od V
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uto
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Estado: rápidas considerações. In: SCAVONE, Lucila. (Org.). Tecnologias
visã R
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C
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FERREIRA, V.; ÁVILA, M. B.; PORTELLA, A. P. (Orgs.). Feminismo
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Feminista para a Democracia, 2006, p.79-94
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 169
od V
r
Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.
uto
TAMANINI, Marlene. Do sexo cronometrado ao casal infértil. In:
GROSSI, M.; PORTO, R.; TAMANINI, M. (orgs.). Novas Tecnologias
visã R
Reprodutivas Conceptivas: questões e desafios. In: Brasília: Letras Livres,
oa
2003, p. 123-136.
ra
a re
ito
par
d
são
E
ver
E d
ver i
sã tor op
ara aC
rev
i são R V
do
a uto
r
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ÓVULOS, SÊMENS E CERTIDÕES:
maternidades lésbicas e tecnologias
reprodutivas no Brasil
Anna Carolina Horstmann Amorim44
Introdução
Neste capitulo estabeleço uma reflexão sobre o artesanato fino das re-
lações de parentesco de mulheres lésbicas que recorrem ao uso de tecnolo-
gias de reprodução assistida no Brasil. Foco-me nos modos que estes casais
se utilizam das tecnologias reprodutivas para realização de seus desejos de
maternidade e filiação e inserem-se em uma busca por “filhos seus”. Ou seja,
filhos concebidos a rigor de uma noção biologizada de pertencimento e pa-
rentesco onde se asseguram os laços através da participação biogenética na
reprodução. Assim, debruço-me sobre as estratégias encontradas pelos casais
formados por mulheres para a garantia desta dupla participação na filiação.
Destaco, ao longo do texto, a existência de dois caminhos mais habituais para
a construção deste ideal: o primeiro marcado pela centralidade da escolha do
doador de sêmen no processo de construir futuras maternidades e outro dado
pela centralidade da troca de óvulos entre as parceiras do casal na construção
de uma dupla participação biogenética na fabricação de filhos em laboratório.
Assim, elucido algumas das tramas que circundam este universo repro-
dutivo e os impactos que o recurso a estas tecnologias e procedimentos tem
sobre os corpos, pessoas, leis, relações e concepções de parentesco no Brasil.
44 Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Mestra em Antropologia Social
pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é doutoranda em Antropologia Social
pela Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação da professora Drª Miriam Pillar Grossi.
Desenvolve pesquisas na área de gênero, feminismos, novas tecnologias reprodutivas, parentesco,
famílias, conjugalidades, homoparentalidades e lesbianidades.
172
V
r
tecnologias reprodutivas. Eu acompanho detidamente e a plateia parece
uto
interessada, como de costume quando se toca nestes assuntos que tra-
zem como pano de fundo uma boa balançada em noções arraigadas de
família, filiação e reprodução. Faço anotações e correlações com meu
R
a
próprio trabalho e pesquisa. A mesa está interessante e logo se aborda
o tema da escolha do doador de sêmen entre os casais de mulheres lés-
do
bicas. A discussão segue para a série de requisitos e de elementos con-
siderados importantes na hora de escolher o doador de sêmen: altura,
aC
cor dos cabelos, da pele, hobby, profissão, escolaridade dentre outros.
genes? Fico curiosa, mas a discussão não continua. Sem dar resposta
aos seus apontamentos a palestrante passa para outras discussões, en-
t
sua inquietação e das suas perguntas. A mesa acaba e eu sigo com minhas
d
od V
r
mentos, gestações de substituição, recurso à tecnologias reprodutivas e
uto
adoções trazem a tona novas formas de se fazer família e traçar laços entre
as pessoas atualmente (famílias recompostas após separação, monoparen-
tais, homoparentais, adotivas). Dentre esses novos modelos as famílias les-
visã R
boparentais despontam como uma forma possível.
oa
É certo que por algum tempo foi tomado como evidente a ideia de que
à pessoas homossexuais e à casais formados por pessoas do mesmo sexo
estaria excluída a reprodução. Tal ideário tomava estes indivíduos como
cercados por uma infertilidade voluntária que tornava antagônica a relação
C
entre lesbianidade e maternidade. (UZIEL, 2007). Segundo Lewis (1994,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
apud IMAZ, 2015, p. 300), a maternidade lésbica chegava a ser uma con-
tradição entre termos em dois sentidos, primeiro porque duas mulheres
não tendo relações sexuais com homens não poderiam ter filhos e segundo
porque maternidade e lesbianidade compreendiam duas identidades opos-
ra
tas, a primeira altruísta, responsável comprometida e a segunda hedonista,
egocêntrica e com uma sexualidade entendida como desviante.
a re
segunda maneira possível é através da adoção46, seja ela por apenas um indi-
víduo do casal, seja pelo casal enquanto unidade. Importante lembrar que o
cenário das homoparentalidades possíveis através da adoção tem enfrentado
45 Termo cunhado pelo APGL (Association des Parents et Futurs Parents Gays e Lesbiens, situada em Paris) no
ano de 1997 referente a uma configuração familiar na qual o pai ou mãe define-se como homossexual.
46 Para este tema, ver os trabalhos de Anna Paula Uziel.
174
V
r
dutivos entre alguém do casal e uma/um amiga/o/conhecida/o do outro sexo.
uto
Tem-se ainda, a possibilidade de dois casais homossexuais optarem por ter
um filho a quatro conforme estudos de Herbrand (2012) e Tarnovski (2012).
Os demais modos de realizar a parentalidade lésbica, gay ou trans48 são deri-
R
a
vados do recurso às tecnologias reprodutivas e são elas: inseminação caseira
com doador conhecido, inseminação em clínica com doador anônimo ou
do
conhecido e gestação de substituição. (VALE DE ALMEIDA, 2008). O foco
deste artigo recai sobre os casos de reprodução assistida de mulheres lés-
aC
bicas realizadas em clínicas de reprodução assistida e pautados em doação
hetero as clínicas ganham destaque por fazerem aquilo que poderia ter
acontecido naturalmente e, deste modo, por assegurarem a possibilidade
47 Vários foram os momentos, em minha pesquisa, em que se retomavam com pesar as duras disputas
pela adoção de crianças por casais homossexuais, fazendo referência a situações próprias e também
recordando histórias de casais amigos e conhecidas.
48 Para este tema, ver os trabalhos recentes de Laurence Hérault.
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RELAÇÕES DE GÊNERO NA AMÉRICA LATINA 175
od V
r
ou ainda a gravidezes de substituição. Entretanto, não há no Brasil legis-
uto
lação específica, que regule as intervenções médico/técnicas no campo da
reprodução humana. O que há como baliza são manuais de conduta como
as Resoluções do Conselho Federal de Medicina que intentam nortear as
visã R
práticas dos profissionais da área de reprodução assistida, em especial ao
oa
definirem as normas éticas para a aplicação destas tecnologias. A primei-
ra resolução, datada de 1992, era bastante restritiva no que se referia aos
pacientes das tecnologias reprodutivas49. Neste documento havia menção
a doação gratuita e temporária de útero levando em consideração uma re-
C
lação de até duas gerações entre futuros pais e doadora temporária de úte-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
área sobre quem deveria/poderia ser atendido. Tal fato fornecia amparo à
rejeições por parte de clínicas e médicos ao atendimento de pessoas sol-
teiras e casais homossexuais. (AMORIM, 2010). O Conselho Federal de
ito
49 Segundo resolução do CFM nº 1.358/1992, em seu artigo II - USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA: 1
E
- Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não se afaste dos limites
desta Resolução, pode ser receptora das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre
e consciente em documento de consentimento informado. 2 - Estando casada ou em união estável, será
necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento
ver
V
r
a possibilidade de recorrer a técnica conhecida como ROPA (recepção de
uto
óvulo da parceira)52 para casais formados por mulheres. Tal prática não era
proibida, mas o texto da resolução anterior não era claro e gerava dúvidas
quanto a sua aplicação.
R
a
Ainda assim, sem peso de lei, essas normas continuam passíveis das
interpretações dos médicos, que seguem portando a palavra final quando o
do
assunto é o acesso de casais homossexuais a estas práticas.
Observa-se que a abertura do acesso de casais formados por pessoas
aC
do mesmo sexo à clínicas de reprodução assistida, presente nestas resolu-
Eu achava que por ser lésbica nunca seria mãe, até que me toquei que
eu tinha um útero e pronto! Sêmen pode ser doado. (Mara, 32 anos).
ara
limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam
E
sã
de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre a mesma, de acordo com a legislação vigente.
2 - É permitido o uso das técnicas de RA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras,
respeitado o direito da objeção de consciência do médico. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.
ver
od V
r
insere-se de modo coerente e inteligível em um universo simbólico com-
uto
partido pelo grupo de indivíduos que as cercam.
Assim, as maternidades lésbicas em foco aqui se distinguem de outros
processos de filiação vivenciados por lésbicas, por basearem-se na ideia de
visã R
projeto comum de um casal que pensa, reflete e escolhe a hora e a maneira
oa
de ter filhos. Se entre os casais heterossexuais é presumido que tenham
filhos, a opção permite que não os tenham. Já para os homossexuais, o
sentido dessa presunção é que não tenham filhos, fazendo com que a op-
ção implique numa ação positiva e consciente. (TARNOVSKI, 2004). A
C
opção surge como um valor presente em contextos igualitários deixando
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
por exemplo, uma fala que ouvi durante uma conversa informal sobre a
são
De fato, essa fala revela muito mais que apenas a centralidade da filiação
na composição das famílias lesboparentais. Ela postula o lugar do projeto de
maternidade para consolidação do próprio casal lésbico enquanto uma unida-
de, dando à conjugalidade lésbica visibilidade e legitimidade enquanto família.
178
V
desentendimentos, brigas e sobre a quase inevitável compreensão da les-
r
bianidade enquanto um problema. Em minha pesquisa a procura da família
uto
por uma solução ou “cura” para o problema da homossexualidade, quando
revelada durante a adolescência da filha, me foi narrada diversas vezes e se
construía através da insistência da família em mandar suas filhas a psicólo-
R
a
gos, psiquiatras ou conselheiros. Tais posturas acabavam e acabam, muitas
vezes, por gerar um significativo distanciamento entre filhas lésbicas e seus
do
pais e demais parentes, distanciamento que por vezes perdura por longos
períodos. Em outros casos a descoberta da lesbianidade por parte da família
aC
de origem acorreu após a saída da filha de casa, ou ainda somente em função
res traz sempre certo temor do prejuízo às relações que tal revelação pode
causar. A lesbianidade continua apontando para um estranhamento que es-
t
tas mulheres recebem dos pares, da família de origem, dos aparatos sociais
e não são raros os casos de exclusão, expulsão de casa e distanciamentos
i
op
od V
r
sexuais e enreda toda uma variável de associações que remetem ao risco e
uto
ao perigo, segundo Tarnowski, (2002) consolidando-se como um fantasma
que assola os imaginários sobre a homossexualidade, como podemos ver
na fala abaixo, de Marilena mulher lésbica de 41 anos vivendo com sua
visã R
companheira há cerca de 3 anos:
oa
Ainda tratam os homossexuais como promíscuos, como estereotipados,
é lógico que tem, como tem os heterossexuais que são também, mas
o que a gente vivencia são famílias estruturadas que querem ter seu
C
lugar. (Marilena, 41 anos).
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Ainda que o casal pareça ser a folha de rosto das relações familiares,
como bem destaca o nós já somos família acima citado, parece que ele
não é o denominador de maior visibilidade das relações afetivas/sexuais/
amorosas entre mulheres. O casal não impera simplesmente enquanto es-
ra