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Criacionismo no Mackenzie

Colégio prega idéia de


origem religiosa em aula de
ciências

O Instituto Presbiteriano Mackenzie abrange uma universidade e uma escola das mais
tradicionais de São Paulo. Só na unidade paulistana do colégio há mais de 1.800 alunos.
Seu campus no quarteirão ladeado pela avenida da Consolação e pela rua Maria Antônia
é um ponto de referência na cidade.
Talvez poucos se dêem conta de que se trata de um estabelecimento confessional de
ensino. Isso está bem explícito no nome da instituição, porém. Agora o Colégio
Mackenzie é também, oficialmente, criacionista.
Criacionismo é a doutrina segundo a qual Deus criou o mundo com todas as espécies
que existem hoje. Isso contradiz a explicação darwinista para a diversidade biológica,
fruto da evolução por seleção natural. Inúmeras observações comprovam postulados
centrais do darwinismo, como a ascendência comum (todas as espécies provêm de um
ancestral único).
O fato de o DNA ser a molécula da hereditariedade em todas elas é a melhor prova
desse princípio. Os primeiros seres vivos da Terra "inventaram" essa maneira de
transmitir características de uma geração a outra, há cerca de 4 bilhões de anos, e ela se
perpetuou desde então.
A direção do Mackenzie não nega os avanços da biologia trazidos pelo darwinismo, mas
acredita que é preciso opor-lhe o contraditório. Em outras palavras: ensinar a seus
alunos que há outra explicação, de fundo religioso, para a origem das espécies.
Quase 200 anos depois de Charles Darwin (1809-1882) e 150 após a publicação de sua
grande obra, "Origem das Espécies", os educadores do Mackenzie aceitam só o que
chamam de "microevolução" (organismos se adaptam a novas condições do meio).
Não, porém, a "macroevolução" (tal adaptação não seria suficiente para originar novas
espécies, em verdade criadas por Deus).
A doutrina criacionista não é apresentada somente nas aulas de religião, mas igualmente
nas de ciências. Em 2008 foi usada nos três primeiros anos do ensino fundamental 1,
ainda em fase piloto, uma série de apostilas traduzidas e adaptadas de material da
Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI, na abreviação em inglês), com sede
no Colorado, nos Estados Unidos.
A coleção utilizada com crianças de 6 a 9 anos se chama Crescer em Sabedoria. Na capa
do volume do terceiro ano estava estampado "Ciências - Projeto Inteligente".
É uma alusão ao argumento do "design inteligente": a natureza é tão complexa e os
organismos tão perfeitos que só o desígnio de um arquiteto (Deus) pode ter sido
responsável por sua criação. "Quando Deus formou a Terra, criou primeiro o ambiente.
Criou elementos não vivos, como o ar, a água e o solo. Depois, Deus criou os seres
vivos para morarem nesse ambiente", afirma-se na pág. 10. O item 2.1 do volume se
chama "O plano de Deus para os ambientes".
Pode ser lido na pág. 17: "Deus projetou as cores e as formas de cada animal e o
colocou em um ambiente que era perfeito para eles [sic]. Quando um animal usa suas
cores ou formas para se esconder em seu ambiente, dizemos que ele está camuflado".
A direção do Mackenzie justifica a omissão da evolução por seleção natural, nessa
apostila de ciências, dizendo que se trata de conteúdo previsto apenas para o ensino
fundamental 2. Além disso, o material da fase piloto de 2008 foi revisto e a ênfase
religiosa, atenuada, mas não excluída.
Darwin, todavia, continua de fora.
Só uma dúzia de pais reclamou.

MARCELO LEITE é autor de "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008) e de "Brasil,
Paisagens Naturais -Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática,
2007). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br

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