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Curso
Curso: Aprendizagem Ativa
Gramática
Prof. Eloisa Pilati
e
Aprendizagem Ativa
Capítulo 2
a. O que é língua?
O que é língua?
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Situação 1
a. O amigo deu o brinquedo.
b. O amigo não deu o brinquedo.
Situação 2
O amigo do João deu o brinquedo.
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Regra II: Para uma oração com negação, coloque o termo não depois
do primeiro constituinte.
Situação 3
O amigo do João que está dodói quer dar o brinquedo.
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A. Conhecimento morfológico
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C. Conhecimento semântico
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a. seleção do verbo;
b. seleção dos complementos verbais (quando houver);
c. seleção do sujeito (quando houver);
d. seleção dos adjuntos (quando houver).
I – Seleção do verbo
Verbo
g
Viu
Verbo
ru
viu a Maria
2 Considerando que a presente obra pretende fazer uma “transposição didática” entre o conhe-
cimento científico e o conhecimento linguístico necessário para que os usuários da língua
compreendam processos sintáticos básicos, optei por não trazer discussões teóricas acerca
dos fenômenos analisados.
3 Para uma avaliação crítica do método tradicional de ensino dos termos da oração e uma
proposta centrada no “predicador”, recomendo a leitura do capítulo Termos da oração, de
Maria Eugênia Duarte (2007).
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Sintagma Verbal
ru
João verbo
ru
viu a Maria
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- Tipo sintático
- Tipo semântico
3 - Seleção do sujeito
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a. Pronominalização:
Noam Chomsky fundou os estudos gerativistas.
Ele fundou os
Ele os fundou. (variedade padrão do português)
Ele fundou eles. (variedade coloquial do português)
b. Perguntas QU-
– O que Noam Chomsky fundou?
Os estudos gerativistas.
– O que aconteceu?
Noam Chomsky fundou os estudos gerativistas.
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c. Orações clivadas:
– Foi Noam Chomsky que fundou os estudos gerativistas.
d. Topicalização:
– Os estudos gerativistas, Noam Chomsky fundou.
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c. José entrou [na sala] [de muletas]. = A sala em que João entrou
é uma sala de muletas.
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a. Fatores diatópicos
Fatores de variação que ocorrem devido a questões geográficas.
b. Fatores diafásicos
Fatores de variação que ocorrem devido às modalidades de ex-
pressão linguística, tais como a língua falada e a língua escrita.
c. Fatores diastráticos
Fatores de variação que ocorrem devido a diferenças sociais.
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Considerações finais
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DURANTE A
ANTES DA DEPOIS DA
ESCOLARIZAÇÃO
ESCOLARIZAÇÃO ESCOLARIZAÇÃO
Conhecimento sobre:
Conhecimento conscien- - a natureza das línguas
Conhecimento inconsciente te de características da humanas;
de aspectos das línguas, variedade padrão, co- - características da lín-
como: fonologia, morfolo- nhecimentos sobre va- gua portuguesa;
gia, sintaxe... riação linguística, sobre - possibilidades de ex-
gêneros e tipos textuais, pressão.
organização das ideias,
estratégias de argumen- Leitura crítica
tação, texto e discurso... Reflexão critica
Escrita consciente
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Capítulo 3
princípios dA metodologia da
Aprendizagem Linguística Ativa
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1 Carlos Franchi (1991: 36-37) apresenta a seguinte definição para o conceito de atividade
epilinguística:
“Chamamos de atividade epilinguística a essa prática que opera sobre a própria linguagem,
compara as expressões, transforma-as, experimenta novos modos de construção canônicos
ou não, brinca com a linguagem, investe as formas linguísticas de novas significações. Não
se pode ainda falar de “gramática” no sentido de um sistema de noções descritivas, nem de
uma metalinguagem representativa como uma nomenclatura gramatical. Não se dão nomes
aos bois nem aos boiadeiros. O professor, sim, deve ter sempre em mente a sistematização
que lhe permite orientar e multiplicar essas atividades. [...] Por um lado, ela se liga à atividade
linguística, à produção e à compreensão do texto, na medida em que cria as condições para
o desenvolvimento sintático dos alunos: nem sempre se trata de “aprender” novas formas
de construção e transformação das expressões; muitas vezes se trata de tornar operacional e
ativo um sistema a que o aluno já teve acesso fora da escola, em suas atividades linguísticas
comuns. Mas por outro lado, essa atividade é que abre as portas para um trabalho inteligente
de sistematização gramatical”.
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Considerações finais
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Lobato, Lucia. Linguística e ensino de línguas, 2014
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Introdução
1. O QUE O PROFESSOR DA EDUCAÇÃO O objetivo deste trabalho é refletir sobre a interface da linguística com a
BÁSICA DEVE SABER DE LINGUÍSTICA1 Educação Básica.
É ponto pacífico que um dos legados da linguística de grande utilida-
Lucia Maria Pinheiro Lobato de para o contexto escolar é a visão não-preconceituosa sobre línguas e
variedades de línguas. Esse foi um legado da linguística estrutural que se
consolidou com os desenvolvimentos subsequentes da linguística, sobre-
tudo a sociolinguística variacionista. Essa visão não-preconceituosa derivou
naturalmente da perspectiva da língua como estrutura, daí que o caráter
não-normativo da linguística se opôs frontalmente à atitude de preconceito
linguístico que existia até então. Exemplos de preconceito linguístico são
o conceito de língua primitiva (i.e., a ideia de que a povos de cultura dita
‘primitiva’ correspondem línguas igualmente ‘primitivas’), a valoração de
certas variedades de língua ou registros de língua em detrimento de outras
variedades e registros, e assim por diante. Acho que ninguém hoje contestaria
que o estudante que vai ser professor de ensino básico deve receber uma
formação que o torne isento de preconceitos ou, pelo menos, o sensibilize
contra preconceitos linguísticos e o norteie para saber como reagir diante
1 Palestra proferida em 13 de dezembro de 2003, em que a autora integrou a mesa-redonda de situações de variação dialetal dentro de sua sala de aula.
intitulada A Linguística e o Professor de Ensino Básico, realizada na 2ª Reunião Regional da Sociedade Mas não é sobre esse tipo de fato que quero me deter hoje. Quero
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Fortaleza - CE.
me concentrar numa outra questão – a questão de ser, ou não, necessário
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que o professor de ensino básico tome conhecimento do conteúdo de caráter taxionômico, porque arrola fatos e regras de estrutura linguística.
certas análises linguísticas mais recentes e de maior consenso, e seja infor- Um exemplo disso é o capítulo dessas gramáticas sobre conjunções e tipos
mado sobre questões linguísticas gerais, como, por exemplo, diferentes de orações. São apresentadas uma lista de conjunções coordenativas e
concepções de linguagem. Em palavras mais gerais: O que o professor subordinativas e uma lista de orações coordenadas e subordinadas. De
de ensino básico tem de saber e o que não precisa saber sobre análises qualquer modo, gramática nesse sentido é um compêndio com descrições
linguísticas específicas e sobre questões gerais em debate? de uma língua.
Trazer esse tipo de questão para debate se justifica por duas razões. Num outro sentido, gramática tem caráter dinâmico e corresponde a
De um lado, porque há uma grande defasagem entre o conhecimento um construto mental, que cada membro da espécie humana desenvolve,
sobre estrutura linguística acumulado nas Universidades, nos centros de desde que exposto a dados da língua em questão, já que se trata aqui
pesquisa, e o conhecimento gramatical veiculado nas gramáticas escolares. de gramática de uma língua. Na minha fala vou restringir esse construto
De outro lado, porque qualquer exigência sobre conteúdo a ser introduzida mais ainda — vou tratar mais especificamente de gramática da língua
na formação dos professores tem de ser muito bem medida, a fim de que materna. Quando se começa a refletir sobre fatos de língua, fica claro que
não se queira transformar em linguista todo professor de língua do ensino os seres humanos nascem com uma estrutura mental organizada de tal
básico. Meu objetivo aqui é apresentar o problema, esperando que suscite modo que torna a aquisição de língua algo inevitável, inexorável. Podemos
discussões. Acho que essa questão é real e tem de ser debatida num fórum chamar essa estrutura mental inata de diferentes nomes. Muitos usam
amplo, a fim de que qualquer mudança seja fruto de um consenso. Isso é as expressões gramática universal, faculdade de linguagem ou dispositivo
necessário porque a mudança no modo como se trata língua e gramática de aquisição de língua.2 É em virtude dessa gramática universal, dessa
seria total, caso viesse a ser colocada em prática, nos moldes como estou faculdade de linguagem, desse dispositivo de aquisição de língua, que
pensando que deveria ser. todo membro da espécie humana é capaz de adquirir uma língua, sem
qualquer ensino, bastando para tanto a experiência do contato com a
língua nos primeiros anos de vida. Por mais que fiquem em contato com
O que é Gramática? falantes de uma língua natural e sejam treinados para falar, papagaios
e chimpanzés nunca chegarão a desenvolver uma gramática de língua
Inicialmente, por uma questão de clareza, é preciso distinguir dois con- natural com sua propriedade mais característica, a criatividade. A criati-
ceitos de gramática. vidade vem naturalmente com a aquisição da língua: a criança se torna
Num certo sentido, gramática é algo estático – é um conjunto de capaz de produzir e entender enunciados inteiramente novos, que nunca
descrições a respeito de uma língua. É nesse sentido que a palavra é usada
quando dizemos ‘a gramática do Celso Cunha’, ‘a gramática do Rocha 2 As expressões são empregadas sob a ótica gerativista. Como referência adicional, pode-se citar
a obra seminal Aspects of the Theory of Syntax (CHOMSKY, 1965), e Knowledge of Language: Its nature,
Lima’. Cada uma dessas gramáticas tem suas propriedades específicas. origin and use (CHOMKSY, 1986), esta última fundadora do modelo de Princípios e Parâmetros.
A de Rocha Lima é tida em geral como a mais normativa das três. A de Para uma sistematização dos fundamentos epistemológicos, indicamos a obra traduzida para o
português Novos Horizontes no Estudo da Linguagem e da Mente (CHOMSKY, trad. 2006). Para uma
Celso Cunha já é não-normativa, mas compartilha com a de Rocha Lima o abordagem didática, indicamos o Novo Manual de Sintaxe (MIOTO et alii, 2013). [Nota das editoras]
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tinha produzido ou ouvido antes. Uma dada língua, qualquer que seja ela, A escola como agente eliciador da aquisição de
é uma manifestação da gramática universal, da faculdade de linguagem. novos estágios de conhecimento da língua
A explicação para o uso criativo que os falantes/ouvintes fazem de sua
língua só pode estar em propriedades da estrutura mental inata que Se adotamos o conceito de gramática como algo dinâmico, interno ao
chamamos de faculdade de linguagem. Papagaios e chimpanzés nunca indivíduo e dotado de propriedades que explicam a característica criativa
chegarão a desenvolver uma gramática de língua natural, e, em conse- das línguas naturais, vemos que o aluno, de qualquer série, já chega em
quência, a aprender uma língua natural, porque lhes falta a faculdade sala de aula com uma gramática adquirida, e com propriedades tais que
de linguagem. Em termos mais concretos, falta-lhes a estrutura mental lhe permitem o uso criativo da língua. A escola não vai, portanto, ensinar
inata relativa à linguagem. Ao linguista teórico cabe a tarefa de analisar gramática ao aluno, pois o aluno já chega com uma gramática adquirida.
línguas de modo comparativo, a fim de poder fornecer uma explicação O que, exatamente, vai ser ensinado ao aluno? O que pode o aluno ainda
das propriedades da gramática universal e do fato de haver variação adquirir? Enfim, em sentido mais amplo, como pode essa nova percepção
entre as línguas. Nesse momento, não é isso o que me interessa. O que do que seja gramática levar à renovação do ensino de língua?
me interessa é o fato de haver, para todos nós que adquirimos uma O processo de aquisição de uma língua é algo que acontece com a
língua, uma gramática internalizada, que compartilha propriedades da criança, e não algo que a criança faz ou algo que fazem com ela. Como eu
gramática universal, mas que tem também propriedades específicas. disse, nesse processo desenvolve-se no cérebro da criança uma entidade
Gramática, nessa nova percepção, é algo dinâmico capaz de explicar a biológica que faz parte do seu legado genético – a gramática universal
criatividade, típica das línguas naturais, e interno, pois corresponde ao –, de acordo com propriedades específicas dos dados linguísticos a que
desenvolvimento biológico de uma faculdade mental, a faculdade de ela ficou exposta. O processo de aquisição de língua natural corresponde,
linguagem (às vezes também chamada de gramática universal), vista então, ao desenvolvimento de uma gramática particular, tendo como pano
aqui como um órgão do cérebro. de fundo a gramática universal, mas a partir da exposição a dados de uma
Em resumo, existem pelo menos dois conceitos de gramática – dada língua. Assim, uma criança nascida em São Paulo, mas em contato
segundo um deles, gramática é algo estático, externo ao indivíduo e com dados do japonês, vai adquirir a gramática do japonês, e uma criança
taxionômico; segundo o outro, gramática é algo dinâmico, interno ao nascida na mesma cidade, mas em contato com dados do português do
indivíduo e com propriedades que explicam o caráter criativo do uso Brasil, vai adquirir a gramática do português do Brasil.
das línguas naturais. O primeiro ponto que quero salientar aqui, a esse respeito, é que a
No meu modo de ver as coisas, é fundamental que o professor de criança adquire a gramática de sua língua sem ensino. Ela própria é dotada
língua perceba essa diferença e trabalhe em sala de aula com gramática de um dispositivo de aquisição de língua, que permite o desenvolvimento
nessa última acepção – como algo dinâmico, interno ao indivíduo e com da gramática da língua, em seu cérebro, a partir da faculdade de lingua-
propriedades explicativas do caráter criativo do uso das línguas naturais. gem e da exposição aos dados da língua. Por que não fazer o mesmo
no ensino de língua? Aceitando essa postura, a escola tem de adotar a
mesma metodologia do dispositivo de aquisição de língua: a mente do
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aluno simplesmente desenvolve os novos processos, a partir da expo- turas dando ênfase ao fato de que a cada estrutura (quer morfológica,
sição a dados que manifestam esses processos. Vou então concluir que quer sintática, e levando em conta o fator prosódico) corresponde um
a primeira propriedade do ensino de língua materna segundo as novas certo resultado semântico. Com a técnica de resultados, o aluno verifica
diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais deve ser a adoção do por si próprio que o ensino gramatical tem uma razão de ser, pois percebe
procedimento de descoberta. Isto é, em vez de ser taxionômico, o ensino que sentido obtém com tal ou qual estrutura. Ele então se dá conta de
deve levar à descoberta. que esse tipo de estudo contribui para o seu domínio de estruturas e, em
Uma segunda característica desse ensino deve ser a adoção da consequência, para o seu domínio do texto – que estruturas escolher, de
metodologia de eliciação. Na verdade, em princípio o aluno adquiriria acordo com o significado que quer obter.
toda a informação que se possa imaginar por ele próprio, sem precisar de
eliciação. Isto é, o procedimento de descoberta a partir do contato com
dados da língua é muito poderoso e tem grande amplitude. Basta pensar O grande desafio
em tudo o que Aristóteles descobriu, partindo somente da sua intuição.
O problema de se usar o procedimento de descoberta, sem auxílio de Os Parâmetros Curriculares Nacionais decretaram o fim do ensino gramatical
metodologia adicional, é que o processo seria muito lento. É preciso, tal qual é praticado atualmente no Brasil. No entanto, isso não significa
portanto, que seja usada também uma metodologia de eliciação, ou seja, uma eliminação do ensino gramatical.4 A visão de gramática no ensino
uma metodologia que direcione o aluno a tirar conclusões e desenvolver gramatical atual é errônea, e é preciso, sim, a presença da gramática no
seu conhecimento sobre a língua.3 Consideremos a questão da estrutura- ensino, mas sob uma nova percepção. Caso se aceite essa posição, tem
ção das orações e dos períodos. No caso das orações chamadas causais de haver uma difusão geral dessa mudança de perspectiva sobre o que
e explicativas, para ganhar tempo, é preciso que seja preparado material se entende por gramática e ensino gramatical. Isto é, cada professor de
didático bem direcionado, para que o próprio aluno tire suas conclusões ensino fundamental e médio tem de assimilar o conceito de gramática
a respeito das distinções que a língua faz, em contraste com as distinções como entidade biológica. Tem de haver também, em consequência,
que a gramática taxionômica propõe. uma mudança do conteúdo programático de cada nível escolar, e uma
Finalmente, uma terceira característica do ensino gramatical é que preparação do corpo docente de cada nível escolar para essa mudança.
deve usar uma técnica de resultados. Existe nas línguas uma relação entre 4 Essa posição, em defesa da reformulação do ensino de gramática, está colocada de forma
forma e conteúdo, de tal modo que variações de forma levam a diferenças bastante clara no texto dos PCNs: [A gramática], ensinada de forma descontextualizada, tornou-se
emblemática de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova e passar
no conteúdo. A técnica de resultados consistiria em trabalhar com estru- de ano – uma prática pedagógica que vai da metalíngua para a língua por meio de exemplificação,
exercícios de reconhecimento e memorização de nomenclatura. Em função disso, tem-se discutido se
3 O seguinte trecho dos Parâmetros Curriculares Nacionais evidencia a preocupação com a falsa há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: a questão verdadeira
ideia de que o aprendiz constroi o conhecimento de forma espontaneísta, e ressalta o importante é para que e como ensiná-la (Brasil, 2000, p. 39, grifos nossos). Note-se, porém, que os PCNs não
papel de mediador do professor: Para que essa mediação [entre os elementos da tríade aluno, objeto avançam em relação a uma justificativa teórica para esse questionamento. Diferentemente, em
de conhecimento, e ensino] aconteça, o professor deverá planejar, implementar e dirigir as atividades Lobato, existe um fundamento epistemológico e teórico na formulação do conceito de língua
didáticas, com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno (Brasil, e gramática, o qual deve orientar as decisões relativas à metodologia proposta para o ensino de
2000, p. 29). [Nota das editoras] língua. [Nota das editoras]
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É evidente que acho que essa difusão do conceito de gramática Para dar mais concretude à discussão. consideremos o par de frases
biológica e essa mudança de conteúdo programático são necessárias. Acho, abaixo:
mais ainda, que cabe à Universidade formar o novo professor de língua,
um professor capaz de incorporar nas suas aulas os novos conhecimentos (1) João acha que ele fala russo fluentemente.
da linguística teórica. Esse é o nosso grande desafio: formar professores (2) Ele acha que João fala russo fluentemente.
capazes de renovar o ensino de língua, à luz da teoria gramatical moder-
na. Isso significa que temos de redirecionar, também na Universidade, o Todos os falantes atribuem duas interpretações a ‘ele’ em (1): ou ‘ele’
modo como damos aula de língua materna. Nessa tarefa, a meu ver, na tem como antecedente ‘João’, ou se refere a uma pessoa não identificada
Universidade terá de haver um trabalho conjunto entre os docentes de na frase. Isto é, ‘ele’ pode ter referência dependente da referência de ‘João’,
linguística e docentes de língua, para não haver duplicidade de conteúdo. ou pode ter referência livre. Em (2), no entanto, ‘ele’ só aceita a interpre-
Qualquer que seja a partição de tarefas, certos fenômenos têm de ser tação de referência livre. Ora, há uma interpretação para o pronome ‘ele’
estudados e difundidos sistematicamente. Cito alguns deles. em (1) que deixa de existir em (2). Caso as crianças adquirissem a língua
É preciso, antes de tudo, que os nossos alunos aprendam a fazer por analogia, deveriam, por analogia de (2) com (1) atribuir a ‘ele’ duas
demonstrações empíricas de que existe a faculdade de linguagem. Qualquer interpretações em (2), exatamente como fazem em (1). Mas não o fazem.
fenômeno linguístico pode servir de tema para a demonstração. Pode- E não o fazem sem, no entanto, receber instrução a esse respeito. Além do
se escolher uma classe de palavras (substantivos, por exemplo), ou uma mais, esse tipo de fato não é específico ao português. Outras línguas fazem
forma verbal (imperativo, por exemplo), ou um fenômeno morfossintático precisamente a mesma distinção. Tudo leva a crer, portanto, que estamos
(concordância, por exemplo), ou uma construção sintática (interrogativas diante de um fenômeno que decorre da existência de uma faculdade de
com uso de pronome interrogativo, por exemplo). Qualquer fenômeno linguagem. A necessidade de os alunos aprenderem a fazer esse tipo
serve, porque para qualquer um existem exceções, e as exceções podem de argumentação é real, pois só se os nossos alunos se derem conta de
ser usadas na construção de uma argumentação com base na pobreza que existe, de fato, a faculdade de linguagem, poderão se envolver com
do estímulo: como a criança chega a dominar o uso do fenômeno em convicção num projeto de renovação do ensino.
questão, apesar das exceções, se não houve ensino a respeito? Nesse tipo Os fatos de língua a serem examinados sob um novo prisma são inú-
de argumentação, a conclusão inevitável é que existe uma faculdade de meros, e cito três. O primeiro é a questão das relações gramaticais. Noções
linguagem guiando a geração de expressões linguísticas. Isso porque, caso como sujeito e predicado, complemento e adjunto têm sido muito estuda-
a criança adquirisse a língua por imitação ou analogia, não conseguiria das, e seria salutar ter material didático que incorporasse o conhecimento
evitar a geração dos casos de construção agramatical que têm relação recente sobre esses temas. Não tenho como me alongar sobre cada item
analógica com os casos gramaticais. Ela não conseguiria evitar, pois faria aqui. Aponto, brevemente, o fato de os conceitos de sujeito e objeto serem
uma generalização indutiva a partir dos casos gramaticais. Como os casos universais, mas resistirem a uma definição que cubra suas características
agramaticais não são gerados, sabemos que há algo a mais, que não o nas diferentes línguas. Por isso, apesar de integrarem a gramática universal,
processo de indução, guiando o processo de aquisição de língua. têm de ser caracterizados na gramática particular. Sobre os conceitos de
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argumento e adjunto, a literatura recente é rica e variada, e tem o que perspectiva do que seja gramática, e, em decorrência, com novos mé-
contribuir para uma explicação mais didática desses conceitos. O segundo todos didáticos.
tema que cito é o das classes de verbos. Vamos continuar falando de verbos Vou concluir mostrando algumas razões para não se abandonar total-
transitivos e intransitivos, quando já se sabe que existem aí, na verdade, mente o ensino gramatical na escola. A primeira razão é o fato de ao texto
três, e não duas classes? Isso porque os intransitivos correspondem a duas e às atividades discursivas em geral subjazer a mesma gramática abstrata
classes, a dos inergativos e a dos inacusativos. O terceiro fato que enumero que subjaz às palavras, aos sintagmas, às orações e às frases. Não pode
é a classificação das orações. Muito já se sabe sobre os tipos oracionais, ser diferente, pois, se assim o fosse, a mente humana estaria operando
além da classificação tradicional, e vale a pena rever essa questão. de modo antieconômico, com princípios de tipo diferente para domínios
Finalmente, é preciso mudar a postura diante das análises linguísticas. diferentes do mesmo objeto. O natural é considerar que, para o mesmo
No caso de questões em aberto, é preciso abrir o jogo mostrando que objeto, são usados os mesmos princípios abstratos. No texto, são usados
não se tem ainda uma resposta. Estaremos assim adotando uma postura princípios que extrapolam o limite da sentença, mas, certamente, não são
científica, e isso é muito bom. de natureza diferente dos princípios do limite da sentença. A diferença,
Estou fazendo essas considerações a respeito do ensino superior, e a meu ver, está nas unidades com que a gramática opera num e noutro
tomando por verdadeiro que a mudança deve ocorrer a partir da Universi- domínio, e não na natureza dos princípios.
dade. Para o ensino básico, acho que a mudança total vai ocorrer paulatina- Em segundo lugar, considero que não se deve abandonar totalmente
mente, à medida em que entrarem para o corpo docente professores que o material gramatical porque a explicitação dos mecanismos de que as
incorporaram as novas aquisições da linguística. De qualquer modo, acho línguas fazem uso e de seu efeito semântico ajuda o aluno a ganhar tempo
que a mudança metodológica tem de ser imediata: em vez de se partir no seu processo de domínio das técnicas do texto e das atividades discur-
de definições, partir de dados empíricos, com adoção do procedimento sivas em geral. A escrita, por exemplo, tem características muito peculiares,
de descoberta da metodologia de eliciação e da técnica dos resultados. e aceita estruturas complexas muito mais facilmente do que a fala, por
A questão, para o ensino fundamental e médio, é que a renovação em estar livre das limitações de memória que caracterizam o discurso oral.
maior profundidade vai depender de uma atualização do corpo docente. Não vejo como seria possível ter um ensino produtivo sem explicitação
Esse é um fato a ser aceito. No entanto, essa é somente uma tarefa a mais, de mecanismos estruturais.
parte do desafio geral. A terceira razão é que, se usado adequadamente o método proposto
– uso do procedimento de descoberta, da metodologia de eliciação e da
técnica dos resultados –, o aluno vai chegar por si próprio à conclusão
or que não abandonar totalmente
P de que existe uma faculdade de linguagem e de que ele próprio tem
o material gramatical? uma gramática interna, biológica. A visão de língua do aluno certamente
mudará. Além disso, o ensino estará contribuindo para que cada aluno
Defendi que o ensino gramatical taxionômico tem de ser abandonado, conheça um pouco mais da natureza humana.
mas que o ensino gramatical tem de permanecer, só que sob uma nova
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Vou examinar três casos de divergência entre análises da Gramática (5) a. João parece ser inteligente.
Tradicional e análises mais recentes da Linguística. b. Essa manteiga parece estar rançosa.
c. Esse gato parece estar miando rouco.
Casos de Erro de Análise Uma terceira evidência é o fato de que, nesse tipo de exemplo em
(5), o sujeito de ‘parece’ nos exemplos abaixo é sujeito sintático desse
O primeiro caso que vou apresentar é de erro de análise. Um caso exemplar verbo, mas não é um argumento semântico do mesmo verbo – é, antes,
é a análise do argumento sentencial que ocorre com o verbo parecer, em um argumento semântico do predicado à direita de ‘parece’ (argumento
frases como (3): de ‘ser inteligente’ em (6a), de ‘estar rançosa’ em (6b) e de ‘estar miando
rouco’ em (6c):
(3) a. Parece que João é inteligente.
b. Parece que vai chover. (6) a. João parece [ ___ ser inteligente].
b. Essa manteiga parece [ ___ estar rançosa].
As orações que ocorrem depois de ‘parece’ em (3) – que João é c. Esse gato parece [ ___ estar miando rouco].
inteligente, que vai chover – são tratadas como subjetivas pela Gramática
Tradicional e como objetivas diretas pelas análises linguísticas recentes. Se essa análise está correta (como já concluíram todos os linguistas
Há evidências de que essas orações são efetivamente objeto direto, e não que sobre ela se debruçaram), a análise tradicional que é passada ano após
sujeito. Uma dessas evidências é o fato de que as frases em (3) aparecem ano aos alunos está errada. Sobre esse tipo de caso, eu própria não tenho
com um sujeito pronominal manisfesto em línguas que não têm sujeito dúvida: tem de haver uma mudança nas nossas gramáticas escolares, para
pronominal nulo, como se vê em (4): incorporar essa nova análise.
os verbos intransitivos são subdivididos em dois grupos – verbos inacu- (9) a. Marisa morreu.
sativos e verbos inergativos. Em que consiste a diferença entre a visão b. Morta Marisa, ...
tradicional e a visão mais recente? Que argumentos temos para dizer que
há uma divisão tripartite e não bipartite? (10) a. A semente germinou.
Primeiramente, consideremos o critério que a Gramática Tradicional b. Germinada a semente, ...
usa para chegar a uma divisão bipartite. O critério é o número de argu-
mentos: um verbo transitivo tem dois argumentos (sujeito e complemento) (11) a. O bebê soluçou.
e um intransitivo tem um único argumento (sujeito). O que a pesquisa b. *Soluçado o bebê, ...
recente identificou foi que, no caso de verbos intransitivos, o único argu-
mento que ocorre, e que sintaticamente é o sujeito, para certos verbos (12) a. O trem apitou.
tem correspondência com o sujeito de verbos transitivos e para outros b. *Apitado o trem, ...
verbos tem correspondência com o objeto de verbos transitivos. Isso fica
claro com alguns exemplos. Vamos considerar o uso de orações reduzidas (13) a. Luiza sorriu.
de particípio. Se tentamos construir uma reduzida com verbo transitivo, b. *Sorrida Luiza, ...
vemos que só o objeto pode estar presente, como em (7):
Para distinguir esses dois comportamentos, os verbos de (8)-(10)
(7) a. Maria lavou a louça. recebem uma denominação diferente da dos verbos em (11)-(13): os verbos
b. Lavada a louça, ... de (8)-(10) são denominados inacusativos e os de (11)-(13), inergativos.
c. *Lavada Maria, ... Sobre esse tipo de caso, já não é tão óbvio que as nossas gramáti-
cas escolares tenham de incorporá-lo. Aqui a coisa fica um pouco mais
Em (7c), só conseguimos interpretar Maria como o objeto e a oração complicada porque os fatos já são mais complexos. Mas há problemas
é agramatical exatamente porque nesse exemplo o sintagma Maria está na não-incorporação. Primeiro, está cada vez mais em uso essa distinção,
sendo interpretado como sujeito. Passando para o exame de verbos intran- de modo que quem não a conhecer vai ter dificuldade no entendimento
sitivos, vemos que o argumento desses verbos se comporta efetivamente de estudos linguísticos (e não estou falando de estudos escritos em ou-
ora como o objeto de verbos transitivos, como os verbos de (8)-(10), e ora tras línguas ou estudos sobre línguas exóticas, ou, ainda, estudos muito
como o sujeito de verbos transitivos, como os verbos de (11)-(13): especializados). Segundo, vai haver um momento em que a educação
escolar sobre língua vai ter de introduzir esses conceitos. No momento,
(8) a. O bebê nasceu. são introduzidos nas Universidades, pelo menos nos centros onde se
b. Nascido o bebê, ... faz pesquisa, de modo que muitos alunos atuais, futuros professores de
ensino básico, já têm esse conhecimento. Até que ponto está correta essa
omissão de informação? A questão pode ser resumida do seguinte modo:
30 L i n g u í s t i c a e e n s i n o d e l í n g ua s
O último caso que vou considerar é o de análises tradicionais que têm dado
muita margem a discussão exatamente por falta de exatidão e clareza.
Situa-se aí a distinção entre orações causais e explicativas. Poderíamos levar
todo um dia discutindo essa distinção, sem chegarmos a uma conclusão.
Para esse tipo de caso, como vai ser necessária uma revisão da análise
tradicional, mas acho que ainda vai levar algum tempo antes de termos
chegado a uma publicação que deixe clara a distinção, o melhor que o
professor pode fazer é deixar uma certa distância entre ele próprio e a
Gramática Tradicional. Isto é, o professor não deve se comprometer com
a análise tradicional: deve apontar a análise tradicional e deixar clara a
confusão que a ela subjaz.