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Introdução [ 1 ]

história da arte
ensaios contemporâneos
[ 2 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

UNIVERSIDADE DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO

Reitor
Ricardo Vieiralves de Castro

Vice-reitora
Maria Christina Paixão Maioli

EDITORA DA UNIVERSIDADE DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Conselho Editorial

Antonio Augusto Passos Videira


Flora Süssekind
Italo Moriconi (presidente)
Ivo Barbieri
Luiz Antonio de Castro Santos
Pedro Colmar Gonçalves da Silva Vellasco
Introdução [ 3 ]

história da arte
ensaios contemporâneos
Marcelo Campos | Maria Berbara | Roberto Conduru | Vera Beatriz Siqueira
organização

Rio de Janeiro
2011
[ 4 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Copyright © 2011, dos autores


Todos os direitos desta edição reservados à Editora da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, ou
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Revisão Andréa Ribeiro e Jun Shimada
Diagramação Carlota Rios e Emilio Biscardi
Capa, Projeto Carlota Rios

CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC

H673
História da arte: ensaios contemporâneos / Organização,
Marcelo Campos, Maria Berbara, Roberto Conduru, Vera
Beatriz Siqueira. – Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.
452 p.

ISBN 978-85-7511-188-8

1. Arte – Discursos, ensaios, conferências. I. Campos,


Marcelo.

CDU 7
Introdução [ 5 ]

Sumário

Introdução 9
Marcelo Campos, Maria Berbara, Roberto Conduru
e Vera Beatriz Siqueira

Arte e cultura material 15


Cultura material: vento/mito 17
Cezar Bartholomeu

Obras-arquivos: o efêmero, a memória, a transversalidade 29


Luiz Cláudio da Costa

A constatação de Duchamp: o estatuto do objeto no limiar


da imaterialidade 36
Rafael Cardoso

Arte, pensamento e forma 51


Fragmentos para histórias de formas 53
Guilherme Bueno

Cubos, linhas, caminhos 62


Roberto Conduru

A intricação de espaços na arte 72


Stefania Caliandro

Arte e religião 89
Sobre as irmandades de clérigos em Portugal e na América
portuguesa: o trânsito de modelos artísticos entre as duas
margens do Atlântico 91
André L. Tavares Pereira
[ 6 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Sacrifício, mártir e imagem 97


Jens Baumgarten

Entre arte e ritual 112


Jérôme Souty

Arte e sacrifício: Laocoonte, Michelangelo, Marcus Curtius


e a representação do sacrifício humano entre os astecas 125
Maria Berbara

A gravura e a religiosidade popular: A chegada da prostituta


no céu, de J. Borges 138
Maria Eurydice de Barros Ribeiro

Arte e política 143


Uma leitura de gênero possível: o motivo da figura feminina nua 145
Ana Magalhães

Paisagem e poder: algumas reflexões sobre o mito da


autonomia da arte no Ocidente e no Oriente 152
Claudia Valladão de Mattos

A aragem da utopia 161


Fernando José Pereira

Arte e política 174


Paulo Knauss

Liberdade, representação e poder 183


Sheila Cabo Geraldo

Arte e sistema de arte 201


Poéticas conceituais e espaços expositivos: algumas experiências 203
Dária Jaremtchuk

Localização e deslocamento da obra de arte no contexto de exposição 214


Elisa de Souza Martínez

Academia e tradição artística 244


Sonia Gomes Pereira

Álbum de família: coleções e museus de arte 254


Vera Beatriz Siqueira

Persistência do passado em eterno devir 273


Viviane Matesco
Introdução [ 7 ]

Arte e vitalidade 279


Corpos invisíveis, corpos que importam 281
Alexandre Santos

Tornar-se alferes: declarações do “eu” e autoficções 296


Marcelo Campos

A biografia, o gênio e a morte do autor 306


Maria de Fátima Morethy Couto

Verbetes 321
Apropriação 323 Arte e taoísmo 357
Fernanda Pequeno Bony Braga
Arquitetura 326 Arte e transexualismo 359
Antônio Barros Raphael Fonseca
Arte e América Latina 328 Assemblage 361
Elena O’Neill Rafael Souza
Arte e arquivo 331 Caricatura 363
Adelaine Evaristo da Silva Fernanda Marinho
Arte e China contemporânea 333 Colagem 365
Felipe Abdala Mariana Gomes Paulse
Arte e corpo 335 Desenho 369
Renata Reinhoffer França Inês de Araújo
Arte e Egito 338 Escultura 372
Evelyne Azevedo Leidiane Carvalho
Arte e budismo 340 Fim e hipertrofia da arte 374
Bony Braga Camilla Rocha Campos
Arte e historiografia 342 Forma, informe, informal 376
Igor Valente Carla Hermann
Arte e indumentária 344 Fotografia 379
Larissa Carvalho Elena O’Neill
Arte e islão 346 Imitação 382
Evelyne Azevedo Gilton Monteiro
Arte e mercado 348 Intervenções artísticas
Camilla Rocha Campos afro-brasileiras 384
Mônica Linhares
Arte e Mesoamérica 350
Antônio Barros Monumentos: África e Brasil 386
Mônica Linhares
Arte e psicologia 352
Renata Reinhoffer França Paisagem 388
Carla Hermann
Arte e política na China 355
Bony Braga Perspectiva 390
Leidiane Carvalho
[ 8 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Pintura 392 Sistema de arte na África 396


Gilton Monteiro Tadeu Lopes
Retrato 394 Tradição clássica 399
Raphael Fonseca Fernanda Marinho

Bibliografia geral 401

Índice remissivo 421

Sobre os autores 445


Introdução [ 9 ]

Introdução

A Galeria da Academia em Florença apresentou, entre maio de 2009 e


janeiro de 2010, uma monumental exposição cuja proposta central era confrontar
imagens produzidas pelo fotógrafo Robert Mapplethorpe a esculturas e desenhos de
Michelangelo Buonarroti. A exposição é extraordinária tanto por ser a primeira a
apresentar a obra de um artista pós-renascentista na tradicional galeria florentina,
a qual tem nos mármores michelangeanos seu maior emblema, quanto por salientar
os diálogos, pulsantes, entre Mapplethorpe e Michelangelo.
A exposição não é guiada por princípios cronológicos, vale dizer, pelo percurso
biográfico de cada artista, mas por determinados princípios, ou questões, que os
curadores reuniram sob o título A perfeição na forma, a saber: a geometria da forma;
o fragmento como forma; a forma duplicada; e a forma escultórea. O percurso
expositivo parte da premissa de que há contatos entre as assim chamadas arte clássica
e arte contemporânea, e, portanto, é possível individuar linhas de cruzamento nas
quais artistas – por exemplo – renascentistas italianos e contemporâneos norte-
americanos possam encontrar campos de linguagem que se articulem.
Ao longo do corredor central da Academia, espinha dorsal da galeria, os quatro
cativos, ou escravos, de Michelangelo, são ladeados pela série Thomas, fotografias
de Mapplethorpe nas quais a figura humana é representada no interior de um
tondo que, por sua vez, alude tanto à forma circular adotada por muitos mestres
quatrocentistas quanto ao homem vitruviano de Leonardo, máxima expressão da
síntese entre anatomia e geometria, edifício e corpo humano. Analogamente aos
cativos michelangeanos circundados pelo mármore, os círculos no interior dos
quais Thomas se movimenta impõem limites não apenas físicos, mas dinâmicos,
criando uma tensão entre matéria e forma que dialoga eloquentemente com a tensão
muscular explosiva, mas contida, dos cativos. Ao final do corredor, o colossal Davi,
fulcro e âmago da galeria, é, por sua vez, rodeado por quatro imagens de Ajitto,
propondo diferentes leituras e investigações relativas ao corpo humano – objeto
central das investigações visuais e reflexões estéticas tanto de Mapplethorpe como
de Michelangelo. O fato de tanto Thomas quanto Ajitto serem negros transforma
[ 10 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

e confere novo significado às suas relações com os cativos, dotando-lhes de um


simbolismo, alusivo ao tema da escravidão africana, marcadamente contemporâneo.
A espetacular exposição propõe visualmente um confronto tópico, não
cronológico, dos objetos artísticos, criando um percurso que perpassa períodos
históricos muito distantes, mas que é capaz de gerar conexões sólidas e frutíferas, em
uma tendência que vem abrindo caminhos cada vez mais amplos no âmbito tanto
da curadoria quanto da história da arte.
Iniciativa semelhante é a que gerou A new sentimental journey, o livro editado pela
Cosac Naify, e a exposição apresentada na Maison Européenne de la Photographie,
em Paris, no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, em 2009, e na Galeria Bergamin,
em São Paulo, em 2010. A partir de texto homônimo e fotografias inéditas de Alair
Gomes, Miguel Rio Branco selecionou e confrontou imagens de corpos (sobretudo
masculinos) feitas a partir de esculturas de diferentes épocas (Grécia e Roma antigas,
renascença italiana) em museus europeus a de jovens homens se exercitando na
praia no Rio de Janeiro. Assim, explicitou a “erotologia no sentido mais amplo” que
Alair Gomes ensaiava (Gomes, 2009).
O livro que aqui apresentamos, analogamente, propõe, seja no ponto de vista
de sua rede geral seja no corpo de cada capítulo, uma história da arte vinculada não
a concepções historicistas potencialmente limitantes, mas à produção de reflexões
que, não determinadas nem pela cronologia nem pela geografia, permitam gerar
investigações histórico-artísticas consistentes a partir do cruzamento de expressões
visuais e culturais produzidas em diferentes contextos espaciotemporais.
A história da arte é, de resto, um campo em transformação já há algum tempo. Na
contemporaneidade, vários autores têm contribuído para sua reformulação, tentando
liberá-lo das amarras do historicismo (Gombrich, 1994), com sua temporalidade
linear, homogênea e evolutiva, e dos exageros cientificistas, formalistas, sociológicos
e iconológicos de algumas práticas historiográficas modernistas. Assim, além do
questionamento propriamente teórico sobre as especificidades do fazer da história da
arte em relação a seus objetos, métodos e meios, vêm sendo produzidas análises da
história da historiografia da arte e, como correlato destas, têm-se feito compilações
e ensaios de história da história da arte (vide, por exemplo, publicações de Venturi,
1936; Hauser, 1958; Pächt, 1977; Argan, 1977; Podro, 1982; Bazin, 1986; Preziosi,
1989 e 1998; Minor, 1994; Belting, 1995; Fernie, 1995; Mansfield, 2002).
Nessa dinâmica, as reflexões sobre o campo têm revisto seus princípios, métodos,
processos e produtos a partir da problemática multicultural, geográfica, de gênero
e etnia, bem como dos processos de institucionalização inerentes à disciplina em
suas práticas críticas, historiográficas e curatoriais. Uma importante mudança de
paradigma presente nessas crises historiográficas se refere à escrita da história. Ao
buscar outros critérios de análise, historiadores passaram a questionar o mito da
objetividade científica e aceitaram as vicissitudes das observações participantes.
Introdução [ 11 ]

Os capítulos deste livro também demonstram atenção ao “roubo da história”,


parafraseando Jack Goody (2008), produzido por uma escrita eurocêntrica. Porém,
torna-se importante destacar que os próprios objetos de arte – ampliando concepções
materiais, quebrando as fronteiras entre categorias – e seus autores, assim como sua
sistematização, já expõem tais modificações paradigmáticas. A internacionalização
da arte é um dos sintomas da atualidade e a história que se escreve atualmente se
depara com um sistema muito mais descentrado, permitindo pensar para além de
centros e margens.
Frente à ideia de globalização, há esforços em contraposição ao foco quase
exclusivo e de centramento da atividade historiográfica na arte ocidental. É o caso
de Uma nova história da arte, de Julian Bell, publicado em 2007, que, mantendo
a sequência cronológica e a centralidade do Ocidente, amplia o arco de estudo,
contrapondo realizações sincrônicas em diferentes regiões do globo (Bell [2007],
2008). Nesse sentido, o Congresso Internacional do Comitê Internacional de
História da Arte (CIHA), realizado em Melbourne, em janeiro de 2008, teve uma
de suas sessões dedicadas ao tema The idea of world art history, com o propósito de
discutir como, apesar de as obras de arte e a história da arte estarem difundidas pelo
globo terrestre, o conteúdo da história da arte, tal como é produzido por meio de
ensino, mostras e publicações, dificilmente se tornou mundial (Anderson, 2009).
Embora mantenha a centralidade do Ocidente e insista com minúcia na
cronologia, o livro Art since 1900, escrito em parceria por Benjamin H. D. Buchloh,
Hal Foster, Rosalind Krauss e Yve-Alain Bois, é outra referência importante recente
para uma história da arte que não pretenda impor-se totalitariamente às dinâmicas
da arte, ao aceitar descontinuidades e estimular confrontos ao configurar o livro
como um hipertexto, com introduções, debates, verbetes, símbolos gráficos, glossário
e índices (Foster et al., 2004).
No Brasil, por outro lado, não se tem produzido uma reflexão articulada de
pesquisadores que gere eventos e publicações abordando a história da arte com
abrangência mundial. Salvo engano, é possível indicar quatro obras editadas no país
com esse escopo: História crítica da arte, de Carlos Flexa Ribeiro (1962), História das
artes, de Carlos Cavalcanti (1963), e Pequena história da arte, de Duílio Battistoni
Filho (1984), e História da arte, de Graça Proença (1989). Todos são obras de autoria
individual, calcadas no modelo historicista centrado na arte ocidental. Porém, com o
passar dos anos, no âmbito dos programas de pós-graduação, cada vez mais se pesquisa
a arte confrontando-a a conceitos paradigmáticos, tanto advindos da história quanto
de outras áreas do conhecimento. Os resultados da pesquisa aqui apresentada são
frutos, consequentemente, de esforços coletivos e expõem o desenvolvimento e o
intercâmbio de investigações realizadas em distintos âmbitos da esfera acadêmica
dentro e fora do Brasil.
[ 12 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Essas novas tendências na história da arte vêm sendo, ao longo dos últimos
anos, discutidas e incorporadas às ações de ensino, pesquisa e extensão do Instituto
de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ART/UERJ). Desde 2005,
na linha de pesquisa História e Crítica de Arte do Programa de Pós-graduação
em Artes (PPGARTES), são desenvolvidos projetos de pesquisa que partem da
dissolução das tradicionais fronteiras disciplinares entre estes três campos do saber
– história, crítica e teoria – para problematizar, de modos variados, a formulação de
um pensamento histórico-crítico sobre o fenômeno artístico.
A partir de 2006, no âmbito do Departamento de Teoria e História da Arte
(DTHA), vêm sendo formulados novos princípios, métodos e critérios para as
disciplinas de história da arte dos currículos dos cursos de graduação em artes da
UERJ: artes visuais (bacharelado e licenciatura) e história da arte (bacharelado).
Tal orientação teórico-crítica se expressa nas ementas – com seus objetivos –, que,
implantadas em 2009, se estruturam a partir de entradas conceituais, agrupadas em
seis conjuntos: arte e cultura material; arte, pensamento e forma; arte e religião; arte e
política; arte e sistema de arte; e arte e vitalidade. As seções deste livro, ideado também
como suporte à atividade docente, relacionam-se de forma direta a essas seis seções.
Esse processo editorial faz parte de um projeto apoiado pelo DTHA e pela
EdUERJ, financiado pela Faperj, realizado, a partir de 2008, sob a coordenação
de uma equipe composta pelos seguintes docentes do DTHA e do PPGARTES-
ART/UERJ: Marcelo Campos, Maria Berbara, Roberto Conduru (coordenador)
e Vera Beatriz Siqueira. Essa equipe, por sua vez, convidou outros pesquisadores,
atuantes no campo da história da arte e/ou em campos de fronteira, para integrar
o projeto: Jérôme Souty, então atuando como professor visitante no Instituto de
Medicina Social (IMS) da UERJ; Paulo Knauss, do Laboratório de História Oral
e Iconografia do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense
(UFF); Rafael Cardoso, da Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ; Stefania
Caliandro, então atuando como professora visitante no DTHA/UERJ; e Sonia
Gomes Pereira, professora titular da Escola de Belas Artes da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). A ação dessa equipe no processo de realização do projeto
sustentou-se em um ponto de partida comum, a permeabilidade das esferas da arte
e da cultura, e em um pressuposto teórico básico – a aproximação da história da arte
com a crítica e com o olhar sobre a cultura, por meio da confluência com as áreas
de antropologia, desenho industrial, letras e semiologia, com as ideias de recepção
estética e crítica e com a reflexão sobre o sistema cultural. Apoiou-se, por fim, em
um compromisso com a atuação crítica que transcenda os limites tradicionais do
ensino e da pesquisa acadêmica.
De acordo com as premissas expostas acima, este livro propõe a apresentação de
uma história da arte multifocal, entendida como um campo múltiplo e aberto quanto
a seus objetos e questões, bem como a seus diálogos com outros campos disciplinares.
Introdução [ 13 ]

O texto divide-se em seis seções no interior das quais são apresentados ensaios de
diferentes tamanhos produzidos por pesquisadores brasileiros e estrangeiros que vêm
se destacando na área de história da arte e/ou em campos de fronteira. Tanto no que
tange às suas formações quanto em relação aos temas aos quais se têm dedicado, os
autores constituem um grupo heterogêneo, cujo campo de atuação engloba a história
das artes plásticas ou visuais (pintura, escultura, desenho), o desenho industrial, a
arquitetura, o paisagismo e o urbanismo, e ainda articulações com outros campos de
conhecimento – antropologia, cultura visual, letras, semiologia –, estudando obras,
artistas, instituições, ideias e práticas artísticas, no Brasil e no exterior. Dentre os
pressupostos editoriais do volume destacam-se as seguintes diretrizes: não se ater
nem se centrar, exclusivamente, na arte do Ocidente; produzir cruzamentos espaciais
e temporais; não produzir narrativas totalizantes; problematizar o ato de historiar e
as histórias da arte existentes (princípios, objetos, métodos, processos e produtos).
O livro é deliberadamente assimétrico, permitindo que as seções de ensaios
variem de acordo com necessidades e potencialidades de conteúdo, de modo a evitar
seriações uniformes e totalizações. Assim, corrobora, em sua própria estrutura, seu
sentido aberto a outros ensaios. Talvez essa assimetria possa qualificar, igualmente,
os próprios cruzamentos temporais e espaciais desenvolvidos nos diferidos ensaios.
Algumas vezes, são desafios enfrentados pelos pesquisadores que, até então, não haviam
lidado com esse problema em suas investigações, mas que se sentem instigados a fazê-lo
e produzem nexos históricos e culturais novos e inspiradores. Outras, são ainda um
sítio a se chegar, um horizonte distante, porém imantado pela vontade de contribuir,
a partir de nosso lugar cultural e histórico, para uma possível história da arte global.
A noção de ensaio, ressalte-se, é importante na medida em que pressupõe
a ideia de experimentação e se opõe a sistemas e métodos restritivos, fechados.
O termo contemporâneo, por sua vez, não está, em absoluto, vinculado a uma
preferência estética, a uma determinada noção de estilo ou a um período histórico
predeterminado, mas, contrariamente, sinaliza o reconhecimento de que a
experiência atual da arte, compreendida em sua vitalidade essencial, constitui o
fundamento de toda a compreensão da arte e da cultura, recente ou tradicional.
O livro inclui, ainda, uma seção com verbetes redigidos por estudantes e egressos
dos cursos de graduação e pós-graduação da UERJ, cujos temas foram especificados
a partir dos conteúdos dos ensaios e das necessidades de esclarecimento nocional.
Realizados por encomenda dos organizadores do livro ou propostos pelos próprios
autores, os verbetes formam um quadro bastante heterogêneo. Por vezes, referem-
se a determinado contexto cultural, dialogando com as presenças e ausências
dos textos. Em outras ocasiões, relacionam-se a conceitos, a meios artísticos ou a
problemas plásticos relevantes para a história da arte hoje. Dessa forma, em sua
assumida assimetria, produzem outras ordens de cruzamento, propondo olhares
transversos sobre os demais textos.
[ 14 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Devido às dificuldades em obter autorização para uso de imagens no Brasil


atualmente, os estudos não puderam se desdobrar, como pretendido, em um
caderno de imagens, estruturado, por sua vez, como um ensaio visual ele próprio,
uma vez que o encadeamento e a estratégia de seriação eram propostos como
objeto de reflexão crítica. Dos ensaios também resultam ampla bibliografia geral
e índices. Intermediando as seções desde a capa do volume, há intervenções de
Ricardo Basbaum e Roberto Corrêa dos Santos, iluminando conceitualmente as
descontinuidades que compõem o livro.

Marcelo Campos, Maria Berbara, Roberto Conduru e Vera Beatriz Siqueira

Referências

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The Miegunyah Press, 2009.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte e crítica de Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1988.
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BELTING, Hans. O fim da história da arte. São Paulo: Cosac Naify, 2006 [1995].
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GOMES, Alair. A new sentimental journey. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
GOODY, Jack. O roubo da história: como os europeus se apropriaram das ideias e invenções
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RIBEIRO, Carlos Flexa. História crítica da arte. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1962.
VENTURI, Lionello. História da crítica de arte. Lisboa: Martins Fontes, 1984 [1936].
Arte e cultura material [ 15 ]

arte e cultura material


[ 16 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0
Arte e cultura material [ 17 ]

Cultura material: vento/mito

Cezar Bartholomeu
UERJ

A que se refere a expressão cultura material e por que devemos examiná-


la? Ao empregá-la, podemos fazer referência a qualquer tipo de produto da
cultura e não somente à arte. Falamos de objetos que podem ser decorativos,
oriundos de rituais sociais ou simplesmente forjados a partir de práticas do
dia a dia, como troféus, armas, fotos ou roupas. Estamos implicitamente
dizendo que o objeto é rastro da cultura, retomando em última instância
o conceito aristotélico de causa material. A forma do objeto de análise, de
algum modo, preserva a marca a partir da qual poderemos interpretar um
dado ou uma transformação cultural. Ao empregar a expressão, optamos pela
materialidade dos objetos, constituindo uma visada arqueológica que deve
seguir analiticamente a forma e os documentos que a suplementam, o que
indica o desejo de um modelo de escrita que se quer objetiva e justificada,
mais documental do que interpretativa. No campo de ciências como a
arqueologia, a sociologia e a antropologia, a expressão designa um exame
de artefatos, cujo uso é reconstituído a partir de sua materialidade. Não se
enfatiza, desse modo, a contextualização dos objetos.
Há, no uso da expressão, a influência do ponto de vista marxista. Não
apenas do materialismo, que é seu método, mas possivelmente também
do pragmatismo e do pudor histórico frente à dimensão estética do
funcionamento da cultura.1 Esse pudor se relaciona com sua conceituação
da cultura como produto das elites que buscam a manutenção da divisão de
classes. Os objetos, sob esse ponto de vista, deveriam ser analisados a partir
de materialidade diretamente relacionada à estrutura econômica. Assim, a
questão técnica – seus usos, transformações e materiais – torna-se elemento
importante na análise. A ideia da arte como representação transparente da
O que pode ser visto em uma história social da arte ou na sociologia da arte de Pierre Francastel,
1

por exemplo.
[ 18 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

cultura ecoa, no marxismo, as imagens na teoria de Platão: a arte é vista


como ilusão, simulacro a ser regulado pela visada materialista.
Mesmo oscilando na tensão entre desidealizar o objeto e desnaturalizar
seu funcionamento, a expressão cultura material possibilita abrir o campo da
arte e de sua história para o exame de obras e ações que não estão sancionadas
– que não foram institucionalizadas pelo sistema de arte ou história da arte
por conta de sua diferença em relação a um padrão canônico.2 A diferença
que se deseja examinar e informar pode, por exemplo, ser caracterizada como
diferença histórica – de um objeto que está no passado – ou antropológica – de
um objeto que faz parte de outra cultura. Ambas as diferenças se relacionam
ao aqui e agora do pesquisador. Entretanto, para a história da arte, essa
diferença também deve ser vista como diferença presente e permanente entre
criador e espectador, o que evidencia que a produção estética nunca é da
ordem de representação cultural transparente ou neutra. É sempre necessário
empreender a crítica dessa representação da cultura como parte do problema
da obra e da metodologia que se constitui. Essa crítica sempre pressupõe, de
algum modo, uma contextualização que revê a pergunta: o que é arte?
Ao proceder à análise, visa-se caracterizar as culturas em questão
compreendendo o valor que atribuem aos objetos e às práticas com que
estão relacionados; deseja-se ver tais objetos tanto quanto suas culturas
na alteridade, isto é, no jogo diacronicamente fixado pela criação e mesmo
pela historicidade no objeto de análise de semelhanças e diferenças com a
cultura. A questão dessa diferença é profunda: se, por um lado, relaciona-se
à exigência antropológica de uma história cultural, por outro, trata-se de
questão metodológica importante para toda a história da arte. Isso se dá, em
primeiro lugar, porque será necessário lidar com a anacronia (Didi-Huberman,
2000) da história, já que os objetos não são pensados a partir de um contexto,
mas definem seu contexto – embora não o reconstituam como síntese. Uma
segunda questão é a revisão sempre necessária à contemporaneidade da
história da arte do lugar dessas obras cuja finalidade não é necessariamente
pertencer ao campo da história da arte. Uma última questão, de não menos
importância, é pensar, no quadro da história da arte, como um objeto ou
uma prática, nessa diferença, são incorporados ao campo da arte.
Nesse sentido, o problema que se articula quanto ao conceito de cultura
material é o da dimensão estética como dispositivo que vincula não apenas

Diferença que, para alguns, pode ser explicada pelo não pertencimento dessas obras ao sistema
2

de arte, pois seriam, para usar expressão em desuso, objetos da baixa cultura.
Arte e cultura material [ 19 ]

cultura e objeto enquanto marca, mas crítica e história da arte e história da


arte e ciências sociais enquanto métodos. Essa relação entre método que
deseja identificar e interpretar a marca, é necessário repetir, deve evitar
constituir o objeto ou a prática em questão como marca apenas, como se os
objetos tratados fossem destinados à representação da cultura. A expressão
vinculação, nesse sentido, deve compreender que as obras são sempre
produzidas como relações específicas entre material e imaterial. Caracterizar
essa relação na relativa autonomia dos objetos é o desafio da pesquisa.
A obra de Katsushika Hokusai pode ser vista a partir dessa problemática,
embora o conceito de imagem, que cabe bem em sua obra, represente um
desafio ao conceito de materialidade. O exame da especificidade dessas
imagens começa por sua adequação a um gosto moderno e pela naturalidade
com que parecem representar diretamente a cultura do Japão do século XIX.3
As Ukiyo-e, pelas quais o artista é conhecido, isto é, imagens “do mundo
flutuante”, são xilogravuras que tratam basicamente do cotidiano japonês;
entretanto, de parte limitada desse cotidiano – a expressão descreve locais
de liberdade e entretenimento delimitados de modo extremamente restrito
pela autoridade feudal. Vemos estampas de cortesãs, imagens do teatro, do
comércio, gente comum em afazeres mundanos, personagens situados na
natureza. Apesar de a técnica da xilogravura ser conhecida no Japão desde o
século XVI, não faz propriamente parte do repertório da arte erudita japonesa:
essa técnica era utilizada para reproduzir textos e imagens relacionadas ao
budismo, pois sua reprodutibilidade e preço davam às imagens, preces e
textos um caráter didático.
A arte erudita na sociedade extremamente formal do Japão, ao contrário,
lida com formas e gêneros tradicionais que os artistas buscavam dotar de
pureza e sofisticação ímpares. A qualidade da forma produzida era vista
como produto direto de espiritualidade desenvolvida que buscava mostrar
sua essência – o que se opõe diretamente ao caráter popular da imagem
reprodutível. Entretanto, ainda que a aderência à tradição seja uma questão
central na vida japonesa, é importante perceber que, na mesma medida, os
objetos e as ações mais corriqueiros são passíveis de revelar uma potência
espiritual e expressiva em sua forma. Trata-se do legado budista. Nesse
sentido, ainda hoje a questão estética é sempre tradicional, mas toda ação e
todo objeto da cultura são passíveis de idealização – de transcendência. Nesse
panorama, o simples ato de servir chá pode tornar-se arte da comunhão do

Razões que explicam sua disseminação no Japão e principalmente no gosto da Europa modernista.
3
[ 20 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

gesto perfeito, o cultivo de jardins torna-se cultivo do espírito que medita,


a escrita aparece como signo que revela tanto o espírito que escreve quanto
a qualidade da coisa que é escrita.
O que dizer, então, sobre a popularidade das Ukiyo-e, que elegem
valorizar o próprio cotidiano, parecem tratar mundanamente da
mundanidade – manifestando-se de modo vulgar, sendo reproduzidas sobre
qualquer papel – e são influenciadas pelas imagens do ocidente? Se sua
temática pode ser explicada pela estrutura política e pela possibilidade
de florescimento de uma arte comercial que caracterizam o período Edo
(1603-1868),4 o mesmo não pode ser dito acerca do valor que o artista dá
a esses temas mundanos.
As estampas de Hokusai conservam na imagem o enorme cuidado
com a forma que é tradicional na arte japonesa. Parte de sua poética
está na linearidade cuidadosa que, se é gentil, por um lado, não deixa,
por outro, de fazer ver o controle em cada traço, em cada contorno. Esse
controle é indicativo da necessidade de refinamento ditada pela tradição,
ideia reforçada pela estrutura da sociedade japonesa feudal. No entanto,
esse controle deve ser compreendido como internalizado: adere-se a
essa tradição como dever não só do corpo, mas também do espírito, o
que é determinado pelo pensamento budista. Entretanto, se os motivos
das Ukiyo-e são parcialmente idealizados, a idealização ainda não parece
justificar a escolha dos motivos – o aspecto flutuante do mundo e da vida
diária tende a ser desprezado pelo budismo: o comportamento mundano,
para o budismo, é algo a ser modificado, e não exibido.
Ejiri na província de Suruga (Sunshu Ejiri), 1831-1833, 26 x 38,5 cm, da
coleção do Musée National des Arts Asiatiques – Guimet, em Paris,5 faz
parte da série de 36 vistas do Monte Fuji que tornaram Hokusai famoso.
Essa paisagem, como gênero, esconde uma imagem do dia a dia: pessoas, ao
caminhar, enfrentam forte ventania que faz voar roupas e papéis.
Vemos um horizonte marcado por um ponto de fuga. O caminho é
estruturado a partir de uma perspectiva. Talvez seja esse o dado material
mais importante da imagem, já que indica uma transformação do modo de
produzir imagens. Esse modo, que deveria soar impróprio à arte japonesa,
Esse período é caracterizado pelo equilíbrio de poderes mais frágil do domínio Tokugawa, que abre
4

a sociedade para mais liberdade e, paradoxalmente, exerce sobre ela controle rígido.
Há algo a ser dito sobre o fato de essa obra constar da coleção do principal museu francês de arte
5

oriental: sua recuperação para o mundo da arte passa pelo confronto do objeto japonês com o
gosto europeu da modernidade, o que se evidencia por sua influência nas obras de Monet, Degas
e Van Gogh.
Arte e cultura material [ 21 ]

indica o contato com a tradição ocidental, o que localiza a obra em momento


específico de transformação da cultura japonesa.
Já os elementos naturais da paisagem, como montanhas, árvores e
grama, são reconstruídos graficamente e sofrem uma estilização que revela
uma concepção mais tradicional da arte japonesa. Vemos que se busca tanto
controlar quanto idealizar a representação, enquanto se pretende revelar o
espírito dos elementos descritos. Nesse sentido, a paisagem é constituída por
elementos independentes que devem ser considerados simbolicamente, em vez
de um espaço que dispõe seus elementos ao olhar. O que vemos são padrões
e emblemas que, compreendidos como linhas e planos, buscam estruturar-se
na perspectiva como se faria com elementos de uma pintura verossimilhante.
A forma, portanto, denuncia uma contradição flagrante entre sistemas de
valores. Isso reforça a ideia de uma transformação anunciada pela ascensão
da xilogravura no gosto japonês.
Há ainda outras pequenas dissonâncias, como a escala dos elementos
mais realistas, que nem sempre se ajusta à estruturação da perspectiva. Isso
confirma que é disciplina estranha e ainda não completamente integrada à
criação. Por fim, o vento, que carrega as folhas e se contrapõe à estabilidade
do Monte Fuji, pode ser visto apenas a partir de seus efeitos.
O vento revela haver algo que escapa ao potencial do meio de controlar
através das linhas, de estilizar e de idealizar: algo irredutível. A esse vento,
mesmo que passageiro, estamos submetidos. Ele revela na imagem, quanto
aos problemas da vida diária, a existência de grande pragmatismo, que pode
ser compreendido tanto pelo bushido – o código de conduta que determina o
dever – quanto pelo xintô – a religião ancestral do Japão cujo caráter íntimo
é caracterizada por seu animismo. É nessa dualidade que devemos ver as
imagens e práticas do dia a dia no Japão: toda coisa é dotada de densidade
espiritual que deve ser percebida. Qual o dever do artista, então, em
relação à perspectiva, esse modo estranho de estruturar e de experimentar
o mundo? Deve-se buscar experimentar e controlar essa forma, agregando
a perspectiva à tradição japonesa?6 A resposta é sim, duplamente sim. As
imagens populares e comerciais do Ukiyo-e, do mundo flutuante, devem ser
compreendidas como lugar no qual o controle do olhar encontra a densidade
O mesmo dilema que caracteriza a disseminação da fotografia no Japão a partir de 1948. Yuichi
6

Takahashi, pintor e gravador, resume a atitude do artista, que poderíamos relacionar à de Hokusai:
“Um amigo me enviou uma litografia europeia por volta de 1850, e, quando a olhamos, percebemos
que representava um maravilhoso modo de expressão. Imediatamente decidimos aprender
essas técnicas, mas não havia ninguém para nos ensinar nem material para se estudar; portanto,
trabalhamos dia e noite para descobri-las por nós mesmos” (Miki, 1997, tradução minha).
[ 22 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

espiritual do mundo dos fenômenos, tanto como efêmero e impactante


divertimento quanto como admissão pragmática do imprevisível e do efêmero
que nenhuma ordem – seja natural ou sobrenatural, individual ou política
– pode desprezar.
A partir desse encontro, podemos pensar a importante relação entre
tradição e criação no oriente, que ocorre pela cópia de modelos. O ato de
copiar incorpora não apenas a dimensão espiritual de sujeito e objetos, mas
também uma dimensão empírica – os acidentes, o potencial do criador, a tinta
e mesmo os instrumentos competem para infundir ao produto sua qualidade
particular. Vemos que determinados objetos da cultura japonesa – espadas e
armaduras, por exemplo – são nomeados, o que revela serem excepcionais.
Sua historicidade os torna ideais, e o fato de serem ideais os torna históricos.
Nesse sentido, o Japão é terreno particularmente fértil para se pensar a
questão da cultura material, já que esse aspecto excepcional nunca está na
explicitação visível que caracteriza a imagem dos objetos, mas sempre em
seu refinamento depurado e profundo – em outras palavras, essencial, o que
explica seu encontro, nesse momento, com o modernismo europeu. Assim, o
que flutua no mundo não é passível de desprezo, mas carente de uma criação
que revele a espiritualidade subjacente a toda coisa e a todo sujeito, que a
ela humildemente se igualam.
Se a questão de uma leitura da materialidade das imagens de Hokusai
passa pela compreensão de uma clara – ainda que inicial – opção pela imagem
em contraste com uma densidade espiritual conferida a cada objeto e prática,
ao tratarmos da Grécia de um período histórico mais afastado, a questão
da materialidade assume maior importância. A materialidade da obra, as
marcas de seu uso, a reconstituição do sítio e a documentação decorrente
de pesquisas anteriores talvez sejam o único modo de compreender o lugar
do objeto na cultura – ou melhor, somente é possível reconstituir o objeto
enquanto se reconstitui a cultura, e, nesse caso, a distância torna a diferença
em relação ao pesquisador mais evidente.
A Grécia antiga, ao contrário do Japão de Hokusai, não dota os
elementos da natureza de uma espiritualidade própria. Ou melhor, o faz
criando um princípio exterior ao objeto, divinizando-o. O mesmo vento
que no Japão existe como desarranjo invisível das relações, revelando a
relação entre controle, prazer e pragmatismo, na Grécia será figurado,
materializado. Dota-se o vento de personalidade de modo a constituir
uma ordem superior. O natural, assim, torna-se sobrenatural, enquanto
Arte e cultura material [ 23 ]

o invisível, para tornar-se visível, humaniza-se. Desse modo, o vento não


se torna apenas uma divindade, mas várias. A pluralidade de qualidades
dos ventos – temperaturas, períodos, direções, humores – é equiparada ao
temperamento humano específico que as caracterizará. Mais do que fábulas
específicas, é a imagem que define sua integração à mitologia.
Vemos, então, um agrupamento de iconografias dos ventos como
divindades fixado nos frisos escultóricos da Torre dos ventos, de autoria de
Andronikos de Kyrrhos. A Torre é um dos mais conservados monumentos de
toda a ágora romana de Atenas (Camp, 2001). A partir do cruzamento dos
relatos de Plínio, “o velho”, de Varro e das inscrições deixadas na ágora, pode-
se limitar o período de sua construção entre 100 a.C. e 37 a.C. Essa datação a
localiza no período da Grécia romana (146-31 a.C.), bem distante dos séculos
IV e V, que produziram a arte e a cultura que chamamos de clássica, mais
próxima de objetos como o Laocoonte e o altar de Pergamon. Nesse momento,
a Grécia ao sul é dividida entre os sucessores macedônios de Alexandre,
enquanto Atenas se torna província de Roma, que ascende comercialmente. A
popularização e o crescimento do mercado romano no qual a torre se localiza,
bem como sua construção e sucessivas melhorias, são indicativos dessa ascensão
comercial, descrita por Spivey (1997) e Pollitt (1972).
A Torre dos ventos consiste de edifício duplo feito em mármore, no qual um
tambor octogonal é associado a uma pequena torre cilíndrica posicionada atrás
do corpo principal da edificação. Apesar de seu nome corrente, sugerido pelos
frisos que adornam seu exterior, a torre octogonal não foi lugar de adoração
ou celebração dos oito ventos gregos.7 Em seu interior, abrigava uma clepsidra
(relógio d’água) extremamente sofisticada que funcionava 24 horas por dia e
indicava as estações, as datas e períodos astrológicos a partir do movimento de

Os ventos são, em geral, representados como homens alados com roupas e cabelos desarrumados.
7

Boreas é a principal figura mitológica dos oito ventos, junto a Zéfiro, e ambos constam das mitologias
com histórias próprias, enquanto os dois outros ventos correspondentes aos pontos cardeais
constam de lendas e elementos artísticos e decorativos de caráter cosmológico, como é o caso da
Torre dos ventos. Boreas é representado por um homem velho e barbado que anuncia o vento com
uma corneta; é o vento que sopra do norte tanto no inverno quanto no verão. Caecius, o vento
nordeste, é representado como um homem barbado que carrega um escudo do qual derrama
granizo. Apeliotes, que literalmente traduzido significa vindo do sol, é o vento leste, primaveril,
simbolizado por um homem jovem que traz nas mãos frutas e grãos. Notus, o vento sul, é um homem
jovem que carrega uma urna da qual se derramam chuvas. Lips, o vento sudoeste, é representado
por um homem jovem que sopra uma nau. Zephyros é nome do vento oeste, um vento temperado
e gentil a quem, em geral, são atribuídas as colheitas. Está simbolizado no friso por homem jovem
e nu que joga flores. Euros, o vento sudeste, é um homem velho e barbado que traz escondido em
sua capa um furacão. Sciron, o vento nordeste, é representado por um homem idoso que carrega
um caldeirão, o que supostamente se interpreta como o vento que marca o fim do inverno.
[ 24 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

um painel anafórico ladeado de fontes.8 A torre cilíndrica associada ao edifício


servia para guardar a água de um rio próximo, o que gerava pressão e material para
o funcionamento do Horologium, palavra pela qual Vitrúvio e Varro9 nomeiam
a torre. Além do relógio, a torre possuía em seu topo e em seu interior cata-
ventos. Cada um dos oito frisos se situava sobre um relógio de sol que indicava
não apenas as horas, mas os solstícios e os equinócios. Um último relógio de
sol ficava posicionado atrás, na torre cilíndrica mais baixa, totalizando nove. A
torre era acessível por portas em dois de seus lados,10 originalmente adornadas
por coberturas sustentadas por colunas. Tratamos, portanto, de edifício que
servia como relógio público para a população de Atenas, particularmente para
os comerciantes e compradores do mercado, o que explica sua altura (14 m) e
a presença de frisos e relógios em todos os oito lados.
A presença de frisos não o situa na dimensão religiosa da arte grega,
já que estes são posicionados como decoração, e no exterior em relação ao
relógio, que é central a todo o projeto. Não se trata de templo, ainda que
muito posteriormente11 a torre tenha sido utilizada para rituais de dervixes
(durante a dominação turca da Grécia) e mesmo como igreja católica, o
que é atestado por gravuras e marcas internas na torre e justificado por
sua centralidade e espacialização imponente. O que se pode interpretar é a
perda da força da religião grega (decadência completa do animismo, que é
atuante no dia a dia japonês sustentado por religião de caráter íntimo) e sua
substituição pela ciência, apresentada como outro modo de organização do
sobrenatural, organização espetacular que é constituída pelo gênio humano
e, mais, é pública, exposta à demonstração objetiva.

“O disco possui gravação com mapa celestial em projeção estereográfica, mostrando todas as
8

estrelas e constelações, do polo norte celestial até o sul do Trópico de Capricórnio. Entre estes há
um círculo com a constelação zodiacal, com buracos nos quais se posicionavam, a cada dois dias,
imagens do sol segundo a época do ano” (Noble e Price, 1968, pp. 351-2, tradução minha).
Marcus Vitruvius Pollio (c. 80-70 a.C. – c. 15 a.C.), romano, é a grande fonte de informação sobre a
9

arquitetura clássica. Ele menciona a torre no livro VI de De arquitetura. Marcus Terentius Varro (116
a.C. – 27 a.C.), romano, descreve a torre brevemente no terceiro livro do De re rustica.
10
Há indicação, a partir do exame do mármore da torre em trabalho de campo, que uma das portas
ficava fechada, enquanto a outra ficava aberta o tempo todo, dia e noite, o que fornece uma primeira
dimensão do uso da ágora e do papel da torre.
11
A análise da torre deve retornar a duas questões importantes sobre o problema de uma cultura
material e sua visada. Em primeiro lugar, qualquer análise se afirma a partir da qualidade e da
sofisticação do trabalho de campo, que deve considerar, nas marcas, a historicidade do artefato
– desvelando as modificações de seu uso. Depois, é preciso considerar como a Torre dos Ventos,
como artefato, problematiza alguns conceitos estruturantes da história da arte: não é obra, mas um
aglutinado de sucessivas construções que se acumulam, tendo como modelo o palimpsesto; não
possui estilo, pois não se constitui como unicidade; e, sobretudo, não possui autoria, não sendo
apropriado falar diretamente de intenção e criação como dispositivos.
Arte e cultura material [ 25 ]

Do mesmo modo, não está propriamente em questão o caráter épico


ou ético, mas o caráter de informação, de espetáculo e de mentalidade.
Sua principal função no espaço público é informar. A informação é dada
publicamente e, como todo sistema que informa, busca unificar e homogeneizar
um código ao qual atribui determinado sentido e valor. O lugar da Torre dos
Ventos está bem definido no funcionamento da pólis, equilibrada entre o espaço
nobre da acrópole – no qual se desenvolviam a arte enquanto forma canônica,
a religião e as instituições da democracia ateniense – e o espaço mais comercial
da ágora – caracterizado pela circulação de pessoas e mercadorias, mais do que
de valores. O arsenal decorativo complementa a função do edifício: propicia-se
informação de um determinado modo, constituindo valor.
Nesse sentido, a indicação de que era preciso ressaltar a importância do
lugar para os comerciantes e a questão de gosto são determinantes. O uso de
mármore, os dois pórticos, o cuidado e o tamanho dos acabamentos,12 bem
como todo o aspecto decorativo da clepsidra reconstituída arqueologicamente,
revelam a necessidade de impressionar. Essa necessidade se reafirma nos
frisos. Eles materializam, como iconografia dos ventos, as situações nas quais
a população que frequentava o mercado sofria sua ação. Vemos nos ventos
toda uma fábula: as dificuldades de se transportar pelo mar, a dependência
dos elementos, as diferentes estações. Esse caráter pedagógico persiste na
repetição das poses, dos corpos e vestimentas dos ventos, que fazem pensar
em tipos de uma mesma figura. Evidentemente, o problema da formação dos
frisos não é a inovação, a ação, seu aspecto sensual, fábula de caráter heroico.
O problema não é o da construção de elementos particulares, mas de sua
inteligibilidade como conjunto. A Torre dos ventos, portanto, não é apenas
relógio, considerando que esse tempo cotidiano, das horas e dos dias, é situado
nas estações e nos movimentos dos astros. Percebe-se que o interesse em
representar o cotidiano depende de uma requalificação transcendente desse
cotidiano. A torre, na verdade, refere o espectador ao tempo e ao espaço –
integra, através de sua função espetacular, o sujeito ao cosmos, fazendo com
que o comércio e todas as operações que envolve sejam enobrecidas.
A iconografia dos ventos representa, junto aos outros elementos da torre,
uma totalidade cosmogônica,13 bastante em moda no período e sobretudo no

Descritos exaustivamente no artigo de Henry S. Robinson (1943), em que vemos um uso exemplar
12

do conceito de cultura material no âmbito de uma análise arqueológica. Percebe-se uma nítida
diferença em relação ao caráter interpretativo da escrita.
Os detalhes de uma pesquisa de campo que reconstituiu, a partir dos indícios, o mecanismo específico
13

do relógio estão descritos no já citado artigo de Noble e Price (1968).


[ 26 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

gosto da sociedade romana. O conjunto de relógio e disco afirma que essa


totalidade pode ser dada pela ciência: aquilo que está além pode ser percebido
e compreendido quando é disposto pelo engenho humano no intrincado
mecanismo de fonte/relógio/disco/calendário. O prazer reúne a razão aos
sentidos como espetáculo. Entretanto, no exterior da torre, no conjunto de
frisos, relógios e cata-vento, essa totalização se mostra heterogênea.
A definição do dia mais longo, registrada sob o friso no relógio de sol,
por exemplo, depende de teorização. Esta é condição necessária para o
deslocamento no oceano: o equinócio e o solstício, desde Homero, referem
o barco ao poente e ao nascente, definindo os pontos cardeais a seguir para
navegar de modo seguro.14 Esses oito pontos cardeais, no entanto, relacionam
o tempo a uma espacialização particular. Os ventos retratados nos frisos
associados aos relógios de sol referem-se à direção geográfica que tem origem
na localização particularizada das massas de água e terras da Grécia – os
ventos mudam dependendo de onde se está. Como caracterizar um vento
como vento sul, ou norte, se nossa posição muda, se estamos bloqueados
pela geografia? Cada um dos oito ventos, na verdade, refere o espectador
à espacialização definida de modo pessoal, a partir do corpo. O exterior
da torre e sua totalidade, nesse sentido, seriam a totalidade percebida, em
oposição àquela do interior da torre, definida pela ciência. A torre parece,
em seu exterior, existir para o corpo e como corpo; aí é definida a partir do
conceito de unidade do corpo percebido na cidade.
Dessa maneira, convivem diferentes concepções que relacionam
o indivíduo a essa totalidade do tempo-espaço, mas percebe-se o valor
crescente que é dado à ciência. Podemos ler tal paradoxo na questão
explicitada por Panofsky:
A percepção não conhece o conceito de infinito; desde o princípio
está confinada a certos limites espaciais impostos por nossa faculdade
de percepção. E, em conexão com o espaço perceptivo, não podemos
falar tampouco sobre homogeneidade tanto quanto sobre infinito. A
base da homogeneidade do espaço geométrico é que todos os seus
elementos, os pontos que se articulam nele, são meras determinações
de posição, não possuindo conteúdo independente fora dessa relação,
esta posição que ocupam em relação aos outros (Cassirer apud
Panofsky, 1991, p. 30).

Nesse momento histórico, a rosa dos ventos se transformou para conter oito direções, tal como
14

definida por Aristóteles.


Arte e cultura material [ 27 ]

Tempo e espaço são representados pelo modelo da ciência; ela traz a


verdade objetiva, que se verifica. No entanto, a ambição da torre é também
impressionar como espetáculo e representar o tempo-espaço desde sua
dinâmica mais comezinha até sua organização cósmica. Deseja-se, em acordo
com o aspecto público da instituição de valores na sociedade grega, essa
homogeneidade própria à verdade.
Os frisos parecem servir para decorar a verdadeira função da torre,
convivendo, por exemplo, com o relógio de sol que marca o equinócio e
o solstício. Contudo, os ventos antes complementam o funcionamento da
torre, já que o aparato da ciência se mostra limitado para lidar com aquilo
que é imponderável – temos o sentido das horas e do cosmos, mas não em
sua totalidade. Nesse caso, o vento, como elemental do ar e parte da criação,
apresenta-se figurado, como se não fosse sem ritmo, sem visibilidade, sem
direção, sem previsão possível. Os ventos, assim, indicam que persistem nos
espectadores, como questão não resolvida por essa verdade, tanto a vivência
perceptiva do cotidiano quanto o mito,15 reunidos em uma só figura pela
construção. A mitificação, portanto, esconde o desejo de controle e o exibe
na contramão do espetáculo do relógio.
Ora, como encarar hoje essa figura dos ventos que vinculam, por essa
dupla via, corpo e mundo? Isto é, o que é mito, como se relaciona com o
corpo e qual a figuração possível dessa vinculação?
Se essa vinculação se dá em um presente muito mais complexo que
escapa à possibilidade deste texto, é interessante indicar, por um lado,
o agrupamento teórico do corpo como lugar de resistência contra a
homogeneidade formulada pela palavra, pela teoria e particularmente por
aspectos das teorias das formas e da percepção que buscam alienar o sujeito.
Por outro lado, percebe-se um esvaziamento social da densidade simbólica
que caracteriza o mito, substituída pela interpretação dos significados
provenientes de dados materiais.

Devemos nos lembrar, quanto à pertinência da inclusão das figuras míticas, da relação entre verdade
15

e mito nessa Grécia romana. Podemos tomar como modelo duas fontes: Euhemerus de Messina e
Aristóteles. Para Euhemerus, existem deuses eternos e existem outros, os heróis, que se tornam
deuses. Seu ponto de vista indica uma tentativa de reinterpretar racionalmente a religião grega,
esvaziada por sua falta de sistematização e pelo uso político de seus elementos. Para Euhemerus,
o mito define uma verdade histórica sagrada e pode ser interpretado como tal. Nesse sentido, o
mito possui relação extremamente positiva com a verdade. Isso pode ser lido em acordo com a
concepção aristotélica descrita na Poética: o mito expresso pela arte revela uma verdade devida,
ainda que não aquela ocorrida.
[ 28 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

O mito, como bem indica a obra de Walter Benjamin, torna acessível


uma reminiscência humana talvez contemporaneamente indesejada. Nesse
sentido, mesmo na aderência japonesa à imagem e na figura que transparece
do controle, vemos prazer e espiritualidade latentes, ambos passíveis de
celebração e encarnação como mito. Na imagem da torre grega, ao contrário,
vemos o abandono da importância do mito; não há como concebê-lo na
encarnação se se busca a homogeneidade racional da verdade científica. Seu
esvaziamento, no entanto, não faz com que desapareça, já que suas questões
nunca se mitigam, mas faz com que conviva desconectado da racionalidade
e da ciência.
O mito não existe, entretanto, fora da encarnação, fora da presença
que busca promover no outro, fazendo-se reconhecer, fazendo o sujeito
relembrar sua humanidade; é sempre material e imaterial. Como o vento,
irrompe, enfim, sem ritmo na anacronia histórica, sem visibilidade, encarnado
porém velado, sem direção, dependente de um aparecimento, sem previsão
possível, sem teleologia.

Referências
CAMP, John M. The archaeology of Athens. New Haven: Yale University Press, 2001.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Devant le temps. Paris: Les Éditions de Minuit, 2000.
MIKI, Tamon. The advent of photography in Japan. Tóquio: Tokyo Metropolitan Museum
of Photography, 1997.
NOBLE, Joseph V. e PRICE, Derek J. de Solla: “The water clock in the Tower of the
Winds”. American Journal of Archaeology, 1968, v. 72, n. 4, pp. 345-55.
PANOFSKY, Erwin. Perspective as a symbolic form. Nova Iorque: Zone Books, 1991.
POLLITT, J. J. Art and experience in classical Greece. Cambridge: Cambridge University
Press, 1972.
ROBINSON, Henry S. “The Tower of the Winds and the Roman market-place”.
American Journal of Archaeology, jul.-set. 1943, v. 47, n. 3, pp. 291-305.
SPIVEY, Nigel. Greek art. Londres: Phaidon, 1997.
Arte e cultura material [ 29 ]

Obras-arquivos: o efêmero, a
memória, a transversalidade

Luiz Cláudio da Costa


UERJ

Andy Warhol manteve durante anos uma prática bastante elucidativa


da questão que apresento. O artista mantinha uma caixa de papelão perto
de seu local de trabalho onde jogava tudo que podia dispensar, incluindo
contas, anotações e fotografias. Preenchida a caixa, Warhol a lacrava
com fita adesiva. Ele chegou a colecionar seiscentas caixas, a partir da
mudança da Factory, em 1974, de seu antigo endereço na Union Square
West para a Broadway Avenue. As Time capsules foram expostas em 2005
numa exibição organizada pelo Andy Warhol Museum. Edward Ruscha
publicou, entre 1963 e 1978, 17 livros, entre os quais Twenty six gasoline
stations, em que conjugou fotografias e narrativas textuais, documentando e
ficcionalizando os múltiplos aspectos da cidade de Los Angeles. Entre 1968
e 1972, Marcel Broodhaers desenvolvia e fechava sua ficção de um imenso
projeto-arquivo Museum of Modern Art, Eagles Department, com 12 seções
e uma diversidade de materiais e práticas artísticas, incluídas a pintura e
a literatura. No mesmo ano em que Broodhaers terminava seu projeto,
Christian Boltanski apresentava na Documenta 5, em Kassel, na Alemanha,
o trabalho intitulado Mythologies individuelles, com o qual começava uma
reconstituição autobiográfica e ficcional.
Analiticamente estudado, um conjunto de obras de arquivo produzidas
por artistas no Brasil poderia evidenciar três modalidades que, não sendo
práticas puras, atravessam umas às outras em sua tendência à heterogeneidade.
Uma primeira modalidade registra e organiza imagens-documento de
situações do mundo e da vida, fabulando a existência em movimento. Rubens
Gerchman (Valcanal, 1978), Luiz Alphonsus (Rio de Janeiro, 1975), Maria
do Carmo Secco (Projeto, processo, progresso, 1976), Clovis Dariano (Eu, o
mercado e os outros, 1972), entre outros, utilizaram o super-8, o 16 mm e o
35 mm para fazer esses “filmes documentais de artistas”, nos quais o real
[ 30 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

e a fabulação se entrelaçam ao ponto da indiscernibilidade (Cocchiarale e


Parente, 2007). Vários artistas, a partir dos anos 1980, trabalharam com o
vídeo com a intenção de fabular a vida documentada, como os parceiros de
produção Kiko Goifman e Jurandir Muller (A cidade e suas histórias, 1998)
e Maurício Dias e Walter Riedweg (Velocidade máxima, 2003).
Uma segunda modalidade é a prática de apropriação e de reprocessamento
de documentos da memória pública por meio de imagens preexistentes em
arquivos individuais ou institucionais não produzidas originalmente para o
contexto da arte, como fazem Eder Santos e Rosângela Rennó colecionando
e deslocando imagens de seus contextos originais e problematizando seus
novos ambientes e suportes. Talvez tenha sido o filme Semi-ótica (Antônio
Manuel, 1975) o que mostrou esse caminho do arquivo, conjugando imagens-
registros de pessoas comuns – entre as quais algumas assassinadas – com
fichas catalográficas identificando apenas seu nome, idade e cor.
Uma terceira modalidade do efeito-arquivo presente na produção
contemporânea aparece com os registros feitos em contextos de trabalhos
impermanentes de arte: Hélio Oiticica, Arthur Barrio, Anna Bella Geiger,
Paulo Brusky, Tunga e Ricardo Basbaum, entre outros.
A arte contemporânea se interessa pelos objetos e acontecimentos
do mundo e, como argumenta Arthur Danto (2005), desde Duchamp e
especialmente após a pop art, insiste nessa produção um desejo de transfigurar o
lugar-comum, transformando artefatos do cotidiano em obras de arte. Há algo
singular, porém, nessa vontade no que diz respeito ao tratamento dos objetos,
materiais e imagens como documentos, arquivos-texto do mundo partilhados
com um espectador-leitor distraído. Com a obra processual e impermanente,
que exige o registro de sua produção perecível, surge a necessidade desse tipo
de tratamento de qualquer coisa do mundo como matéria-documento para
arte. Cristina Freire (2006) ressalta que o arquivo, uma metáfora persistente
na arte contemporânea, não é somente um espaço de armazenagem de
documentos e obras, mas o mecanismo que revela por fragmentos um sistema
de funcionamento. Mais que uma figura de linguagem, o arquivo é antes
um dispositivo, uma tecnologia que pressupõe práticas e discursos e que
tem recebido o investimento crítico de um grande número de artistas na
contemporaneidade. Rosângela Rennó, com seus projetos Arquivo Universal
e Biblioteca, ambos em expansão desde 1992, é um exemplo inequívoco. Entre
outros exemplos menos evidentes, poderíamos citar os projetos vinculados ao
programa NBP, especialmente o Sistema Cinema, de Ricardo Basbaum.
Arte e cultura material [ 31 ]

Para aludir a outro exemplo pouco explícito, sem dar o devido tratamento
da análise, lembro a série de Leila Danziger iniciada em 2004, Diários públicos.
A artista plástica carioca coleciona jornais e emprega um método extrativo
para apagar as palavras do noticiário, conservando algumas de suas imagens
originais. Com carimbos, Danziger grava frases e por vezes versos de Paul
Celan, Drummond, Cecília Meireles, Orides Fontela. O tempo instantâneo
e efêmero das notícias começa a flutuar suspenso nos Diários de Danziger,
atingido pelo gesto súbito que extrai as palavras não desejadas. A velocidade
com que os momentos são substituídos no noticiário é aniquilada pela
remoção que apaga o impresso. Ao mesmo tempo que abre as possibilidades
expressivas do arquivo-jornal e estabelece diálogos com o campo de uma
escritura exterior e distante das artes plásticas – a literatura –, o trabalho
de Danziger explicita a vocação própria dos dispositivos cotidianos das
comunicações: o esquecimento.
Esse interesse em criar espaçamentos, divisões, partilhas no interior de
dispositivos e sistemas de conhecimento – sejam da arte, das comunicações
ou do saber em geral – não é recente. Nos anos 1960, os artistas do Fluxus
conceberam a arte como um imenso armazém, colecionando objetos
cotidianos de toda sorte. No Brasil, ao final dos anos 1950, os artistas
neoconcretos problematizavam o quadro e a pintura. Quase dez anos
mais tarde, o evento Apocalipopótese reuniria vários artistas no Aterro do
Flamengo sinalizando a crise do mecanismo da exposição em espaços de
galeria. O colapso da obra como presença plena, a inclusão do contexto
como elemento da obra, a ampliação das bases da percepção para abranger
o corpo, a dúvida sobre a essência da arte, a suspeita sobre a ontologia física
dos suportes, tudo isso conduziria os artistas ao questionamento do objeto
de arte. Em consequência, surgiriam não só as ações e as intervenções, mas
também os restos deixados como documentos que virtualmente seriam
guardados: papéis, fotocópias, registros mecânicos em imagens, fragmentos
materiais, objetos. O que teria sido feito do volume residual do papel cortado
e abandonado sobre o chão após a ação de Lygia Clark, Caminhando (1963)?
Dar vida aos resíduos faria parte da nova poética do arquivo. O cinema, a
fotografia e o vídeo auxiliariam – enquanto suporte técnico e material e do
lugar de um observador-testemunho – na documentação daquelas ações
transitórias. Potencializando o lugar do outro da criação, a sobra sinalizava
uma sobrevida. Os resultados em imagem das ações realizadas começariam
em breve a aparecer de dois modos diferentes: como simples registro para
[ 32 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

a memória do trabalho efêmero e como trabalho de autonomia relativa, na


medida em que, editadas em vídeo ou em livro, as imagens remetiam a uma
ação artística passada, ao mesmo tempo que alçavam uma independência
poética. Os filmes Eat me, a gula ou a luxúria (Lygia Pape, 1976), Elements (Iole
de Freitas, 1972), Costura de mão (Marcelo Nitsche, 1975), Abertura I (Artur
Barrio, 1976), entre outros, mostram o interesse de registrar experiências
diretas com o corpo, assegurando a clara ambiguidade entre o documento
e a obra. Anna Bella Geiger (Passagens, 1975) e Letícia Parente (Marca
registrada, 1975) fizeram experiências semelhantes com a chegada do vídeo
portapack ao Brasil em meados dos anos 1970. Atualmente, parece ainda
interessar a vários artistas envolvidos com as tecnologias comunicacionais
e com as técnicas de reprodução a conjugação problemática dos suportes
materiais com a imaterialidade da imagem ou da palavra, agregando-os em
espaços expositivos. Algumas instalações de Brígida Baltar (“De repente é
verde o sertão”, Sertão Contemporâneo, Caixa Cultural, 2008), de Ricardo
Basbaum (Galeria Cândido Portinari, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, 2003) e de Lívia Flores (Agora/Capacete, 2000) mostram essa
construção de pequenos arquivos onde imagens-registro podem se unir a
palavras, desenhos e objetos.
Arquivos existem desde a Grécia antiga, mas os arquivos nacionais
surgiram com a Revolução Francesa, mais precisamente em 1790, na França.
Três anos depois, o Louvre abriria sua coleção ao público e, em 1819, seria a
vez do Museu do Prado, em Madri.16 Se a enciclopédia desejava conservar todo
o saber de uma nação, o museu, no campo das belas artes, pretendia preservar
a totalidade do acervo artístico e produzir sua história da arte (Crimp, 2000).
As práticas artísticas autônomas no século XIX se constroem no arquivo –
biblioteca ou museu – sob o signo da autorreferência, uma relação nova da
pintura ou da literatura consigo mesma que manifesta a existência dos museus
e das bibliotecas ao mesmo tempo que exprime o parentesco entre quadros,
por um lado, e romances, por outro. É o próprio Foucault quem afirma:
Flaubert é para a biblioteca o que Manet é para o museu. Eles
escrevem, eles pintam, em uma relação fundamental com o que foi
pintado, com o que foi escrito – ou melhor, com aquilo que da pintura
e da escrita permanece perpetuamente aberto. Sua arte se erige onde
se forma o arquivo (2006, p. 81).

Para um breve entendimento da história dos museus, ver “Apontamentos sobre a história dos
16

museus”, de Letícia Julião, disponível em http://www.museus.gov.br/downloads/cadernodiretrizes_


segundaparte.pdf. Ver também Suano (1991).
Arte e cultura material [ 33 ]

Enquanto a literatura e a pintura remetiam a esse saber infinito de


um mesmo campo, a fotografia teve papel fundamental para as poéticas
críticas recentes na produção de um efeito-arquivo que permitiu deslocar
sentidos e afetos estratificados em gêneros na direção de uma comunicação
transversal entre suportes e linguagens. Mas, se o arquivo visual da fotografia
foi absorvido pela arte, ele teve antes motivos de suscitar o interesse
da instituição policial. A análise que Tom Gunning faz do processo de
constituição da “sistematização de identificação fotográfica de criminosos
do século XIX” pode contribuir para a compreensão dessa formação cultural
que, com efeito, a fotografia ajudou a fundar: o arquivo. O sistema policial
juntaria a antropometria, a precisão ótica da câmera, um vocabulário
fisionômico refinado e a estatística. O estudo de Gunning mostra, porém,
que faltava ainda ao sistema de identificação fotográfica a inclusão em um
arquivo de informações. Citando literalmente as palavras de Alan Sekula,
Gunning afirma que “o artefato central desse sistema não é a câmera, mas
o arquivo” (2001, p. 58).
Seria preciso expor – para abrir e partilhar – os sistemas de identificações
e de remissões autorreferentes, de modo a buscar um fora sempre mais
distante. Essa é a vocação da arte contemporânea, o que ela faz a partir do
fundamento mesmo do saber constituído na modernidade, o documento – a
condição de possibilidade para o discurso moderno da história. É relevante
para essa reflexão, entretanto, lembrar que, a partir da Escola dos Annales,
o discurso histórico sofreu uma inflexão radical na medida em que a ilusão
positivista do documento como prova se rompeu. Segundo Jacques Le Goff
(1984), a história havia descoberto o que transformava o documento em
monumento: sua identificação pelo poder. Como esclarece Le Goff, “no limite
não existe um documento-verdade. Todo documento é mentira” (1984, pp.
103-4, v. 1). Isso significa que toda apropriação é uma leitura e provém de
interesses que acarretam definições éticas. É nesse sentido que a partilha
paradoxal entre verdade e mentira, atualidade e virtualidade, própria ao
documento, tem interessado à arte contemporânea, essa potência fabuladora
do documento.
Marcel Duchamp parece ter condenado a obra de arte a uma efemeridade
com seus ready-mades e, desde as vanguardas, a arte não acredita mais senão
em efeitos sensíveis de duração limitada. Discutindo essa impermanência,
Harold Rosenberg problematizou as questões radicais de Duchamp através
da prática insistente da circulação de obras em reproduções. O autor
[ 34 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

argumenta que “o principal atributo de uma obra de arte em nosso século


não é a imobilidade, mas a circulação” (2004, pp. 89-97). Segundo ele, o
trabalho de arte na contemporaneidade assume “seu outro ser espectral”,
aparecendo em livros de arte, em catálogos de exposições, na televisão e no
cinema. De modo ácido, Rosenberg conclui seu artigo afirmando que a obra
de arte sobrevive no mundo das reproduções, mas separada de seu corpo
físico. Para o historiador, o objeto de arte tende cada vez mais a diluir-se em
suas reproduções e nas ideias preconcebidas sobre seu significado. Aquilo que
Rosenberg parecia não perceber naquele artigo incluído em o objeto ansioso
é que a obra de arte na contemporaneidade inverteu seu destino em direção
à vida, promovendo uma imensa capacidade de sobrevida a partir de uma
tecnologia voltada para a partilha, para a divisão e a abertura. Investindo em
uma diversidade infinita de materiais e suportes, a obra tem como objetivo
múltiplas destinações e testemunhos. A apropriação, a reprodução, a coleção,
a tradução e a transferência multiplicam suas atualizações possíveis e
permitem uma circulação que não dilui seu poder estimulante. Ao contrário,
quando esses processos são simultâneos à obra – e não posteriores –, essas
práticas e tecnologias artísticas potencializam os sentidos dela e as ações
poéticas na recepção. A obra-arquivo ou o efeito-arquivo de certas obras é
uma modalidade discursiva de natureza gráfica – o livro –, cinemática – o
vídeo – ou cenográfica – espaço de galerias – por meio da qual a arte pode
envolver-se criticamente com a cultura massiva, a sociologia e a antropologia,
entre outros campos do saber. Colecionando não só o comum, mas também
o dispensável, o documento, bem como suas fantasmagorias e discursos,
a poética do arquivo articula os resíduos e os transfigura não para dar um
sustento à memória da cultura, mas para expor a brecha que permite ao
visível escapar às amarras das visibilidades e dizibilidades17 que o controlam.

Ao escrever sobre a noção de saber em Foucault, Gilles Deleuze (1991) utiliza as formulações
17

da linguística de Hjelmslev, conteúdo e expressão, cada qual com sua forma e sua substância.
O significado e o significante são noções da linguística estrutural rejeitadas nas formulações de
Deleuze. Assim o filósofo traduz a noção de saber para Foucault: formações históricas constituídas
de conteúdos – as visibilidades (a prisão é a forma do conteúdo, e o prisioneiro, a substância
do conteúdo) – e de expressões – as dizibilidades (o direito penal é a forma da expressão, e a
delinquência, a substância da expressão). Assim, Deleuze esclarece que, enquanto o direito penal
como forma de expressão define um campo de dizibilidades (os enunciados de delinquência), a
prisão como forma do conteúdo define um local de visibilidade (a arquitetura panóptica, local de
onde é possível ver tudo sem ser visto).
Arte e cultura material [ 35 ]

Referências
COCCHIARALE, Fernando e PARENTE, André. Filmes de artista: Brasil 1965-1980.
Rio de Janeiro: Contra Capa/ Metropolis Produções Culturais, 2007 (catálogo).
CRIMP, Douglas. On the museum’s ruins. Cambridge: The MIT Press, 2000.
DANTO, Arthur. A transfiguração do lugar-comum: uma filosofia da arte. São Paulo:
Cosac Naify, 2005.
DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1991.
FOUCAULT, Michel. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2006. (Coleção Ditos e Escritos, v. 3).
FREIRE, Cristina. Arte conceitual. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
GUNNING, Tom. “O retrato do corpo humano: a fotografia, os detetives e os primórdios
do cinema”. In CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa (orgs.). O cinema e a
invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2001.
JULIÃO, Letícia. “Apontamentos sobre a história dos museus” (disponível em http://
www.museus.gov.br/downloads/cadernodiretrizes_segundaparte.pdf, s. d.).
LE GOFF, Jacques. “Documento/monumento”. Enciclopédia Einaudi: memória – história.
Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1984, v. 1-2.
ROSENBERG, Harold. O objeto ansioso. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
SUANO, Marlene. O que é museu. São Paulo: Brasiliense, 1991. (Coleção Primeiros
Passos).

Legendas das imagens a serem utilizadas

1. Caminhando. Lygia Clark, 1964. Foto Beto Felício. Ca-


tálogo Salas Especiais – Hélio Oiticica/Lygia Clark. XXII
Bienal Internacional de São Paulo. Museu de Arte do Rio
de Janeiro/ Museu de Arte Moderna da Bahia.
2. Diários Públicos (resíduo-obra). Leila Danziger, 2008.
Foto da artista, arquivo pessoal.
3. Time Capsule 21. Andy Warhol. Web Project. The Edu-
cation Department, The Andy Warhol Museum, 2005
(disponível em http://www.warhol.org/tc21).
4. Time Capsule 21 (conteúdos).
[ 36 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

A constatação de Duchamp:
o estatuto do objeto no limiar
da imaterialidade

Rafael Cardoso
UERJ

Segundo um relato muito conhecido, os artistas Marcel Duchamp,


Constantin Brancusi e Fernand Léger visitaram uma feira aeroviária em
Paris em 1912. Em determinado momento, o trio parou diante de uma hélice
de avião, lisa e reluzente em sua sólida geometria polida. Reza o relato de
Léger que Duchamp teria afirmado aos companheiros que a pintura estava
liquidada, porque nunca conseguiria produzir nada superior àquele objeto
(Sanouillet e Peterson, 1973, p. 160). A suposta morte da pintura já havia
sido anunciada muitas vezes àquela altura, claro. Contudo, foi a primeira vez
que um artista de renome fez o elogio de um artefato industrial de modo tão
enfático: não como algo próximo ou equivalente a uma obra de arte, mas
francamente superior. A história, mesmo admitindo versões variantes e até
dúvidas quanto à sua veracidade, é bene trovata, um achado insubstituível,
pois resume com concisão e clareza dramática o dilema que em breve lançaria
as naus do modernismo rumo à sua conquista de Troia.
Pouco depois desse episódio, o então pintor Duchamp abandonaria o
ofício em que despontava e, em 1913, produziria seu primeiro objet trouvé, a
Roda de bicicleta. Em seguida, vieram os ready-mades propriamente ditos – o
Secador de garrafas (1914) e a pá de neve Em antecipação ao braço quebrado
(1915). Em 1917, ele enviou para uma exposição artística um mictório,
batizado de Fonte e assinado “R. Mutt”, um dentre vários pseudônimos
cômicos dos quais passou a lançar mão.18 Ao fazê-lo, anunciava ao mundo
que sua arte residia não mais em qualquer capacidade de se expressar por
meio de uma técnica ou linguagem ou material, mas na ideia e no gesto
por trás do enunciado. Nascia a arte conceitual – ainda sem esse nome –,
e instaurava-se o paradigma que hoje rege boa parte da produção artística

Para a discussão exaustiva do inexaurível Duchamp, ver De Duve, 1991.


18
Arte e cultura material [ 37 ]

dita contemporânea. Ao mesmo tempo – e isto costuma ser esquecido,


dependendo de quem conta a história –, o célebre ato de Duchamp afirmava
a perfeição daquele desprezado objeto de uso elevado à condição de obra de
arte. Se não era propriamente belo como a hélice de avião – de material e
emprego nobres, proporções elegantes e aparência agradável –, o mictório era,
pelo menos, admirável por seu acabamento e intrigante em termos visuais.
Era um objet trouvé – literalmente, um achado –, objeto encontrado pronto
pelo artista e cuja plenitude era descoberta por seu olhar.
Reagindo ao mesmo incidente mítico da feira aeroviária, o escultor
Brancusi optou por trilhar o caminho oposto. Era natural que o fizesse,
pois ele carecia da mente analítica do enxadrista Duchamp, sendo “metade
camponês astucioso e metade deus verdadeiro”, no divertido juízo de Peggy
Guggenheim (1980, p. 211) a seu respeito. Ainda segundo o já citado relato
de Léger, o primeiro a reagir à hélice fora Brancusi, o qual teria exclamado:
“Isto sim é escultura! Daqui para frente, a escultura deve ser nada menos
do que isso”. O escultor entregou-se ao desafio de criar com as próprias
mãos uma obra de arte tão perfeita quanto aquele artefato tecnológico –
tarefa que o ocuparia ao longo da próxima década. A culminação de seus
esforços veio com a escultura Pássaro no espaço (1923), a primeira de uma
série de peças abstratas executadas em mármore e em bronze com a sólida
geometria polida que havia atraído o olhar dos três artistas alguns anos
antes. Diante da constatação duchampiana de que a pintura nunca poderia
produzir algo à altura da hélice, a alma falsamente ingênua de Brancusi
resolveu demonstrar que a escultura, sim, podia fazê-lo. E o conseguiu,
com uma força demiúrgica e uma literalidade mental que fazem jus ao
ditame da terrível Peggy.
A comparação entre as obras de Duchamp e Brancusi não é novidade,
pelo menos para os historiadores da arte. A base conceitual para essa
aproximação foi estabelecida em 1977 por Rosalind Krauss no ensaio “Forms
of ready-made: Duchamp and Brancusi” (1981).19 Três décadas depois de
sua publicação, sua análise continua convincente, o que é um tributo à
qualidade da reflexão e à originalidade do pensamento que o gerou. Porém,
o mundo mudou muito – em especial no que diz respeito às relações entre
materialidade e imaterialidade. A discussão empreendida a seguir é proposta
no espírito de diálogo através do tempo com o texto de Krauss, retomando

Ver também, entre outros, as contribuições mais recentes de Singerman (2002, pp. 96-121) e Nixon
19

(2007, pp. 3-5).


[ 38 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

questões e até debatendo alguns pontos, mas apenas com o intuito de


atualizar e ampliar suas implicações.
As reações opostas de Duchamp e Brancusi ao dilema da hélice
constituem um bom ponto de partida para discutir a relação entre arte,
design e artesanato – uma das grandes questões pendentes do século XX
no domínio da cultura material e visual. No mundo atual, continua a ter
sentido a separação dicotômica entre estético e utilitário, forma e função?
O que diferencia a obra de arte da melindrosa mercadoria, e qual a distinção
entre imagem e artefato? Hoje, com o pleno ingresso na era da informação e
a crescente importância de meios imateriais na arte e no design, encontramo-
nos no limiar de um novo paradigma para essas áreas, dentro do qual precisam
ser reavaliadas as distinções presumidas que as separam. Escala de produção,
processos e técnicas, mídias e materiais misturam-se de maneira inimaginável
há cem ou duzentos anos, quando a separação entre arte, artesanato e design
foi codificada para o mundo moderno. Hoje, artistas fazem vídeos, designers
fazem vestidos e artesãos fazem reciclagem de lixo industrial.
O que significam, nesse cenário, os termos artista, artesão ou designer?
Seriam nada mais do que marcas de pertencimento a um determinado
agrupamento social – rótulos para uma espécie de autodeclaração de
cor ideológica? O presente texto propõe-se a examinar essas questões,
discutindo as implicações das mudanças técnicas e culturais dos últimos
25 anos para a compreensão do objeto tridimensional e seu papel na era da
informação.20 Conceitos fundamentais como corporeidade, acabamento e
fruição vêm sofrendo modificações históricas que precisam ser consideradas
dentro de um panorama de codificação sempre crescente das aparências e
subordinação explícita de noções tradicionais de forma a estruturas mais
profundas de linguagem.

Fonte é o que eu chamo de fonte


Voltemos à Fonte, resposta definitiva de Duchamp à sua própria
constatação da insuficiência da arte, na concepção tradicional do
termo, perante a evolução industrial e tecnológica. Dentre todos os
artefatos industriais disponíveis, a escolha do mictório foi estratégica.
Independentemente da “função” nada elevada que lhe fora reservada por
indústria e comércio – aliás, abstraída dela propositadamente para colocá-la
em uma exposição artística –, a suposta louça sanitária tornava-se passível
Ver, a esse respeito, Cardoso (2010) e Dantas (2008).
20
Arte e cultura material [ 39 ]

de ser examinada pelo crivo de questões formais de superfície, acabamento


e materialidade. Nas palavras de Krauss:
Porque a Fonte, com suas curvas e contracurvas em lustrosa louça
branca, possui uma presença sensual que convida a uma resposta visual
prevista para as obras de arte: uma resposta que tende a promover um
exame analítico. [...] Porém, a Fonte frustra esse impulso analítico.
Diante de um objeto ready-made, não podemos empreender nenhuma
tentativa de decodificação formal (1981, p. 80).21

Em outras palavras, o mictório tem lá sua potência plástica, por assim


dizer, mesmo que ela resida unicamente na mente de quem observa. O
espectador pode enxergar no objeto o que desejar – inclusive, as interpretações
eróticas e psicanalíticas tradicionalmente associadas à obra Fonte –, mas
nenhum desses significados pode ser deduzido a partir de relações internas
de superfície e estrutura, como seria habitual na escultura, e, muito menos,
atribuído a uma intenção criadora de Duchamp. O verdadeiro significado da
obra reside, mais uma vez nas palavras de Krauss, na intenção de “colocar
sob escrutínio a própria ação da transformação estética” (1981, p. 80).22
Por que qualificar a louça sanitária com o adjetivo suposta, como fiz
anteriormente? Um mictório é um mictório, diriam os pragmáticos com seu
irritante bom senso. Será? Um mictório deitado, sem conexão com qualquer
tubulação, sem condição de ser usado para urinar, e sem sequer ter servido
a propósito útil em sua existência como produto, continua, mesmo assim,
a ser um mictório? A ação de Duchamp surte dúvidas. Assinado e exposto,
o mictório torna-se forma. Torna-se signo. Torna-se arte. Torna-se piada
e tapa na cara dos valores vigentes. Torna-se enigma. Torna-se matriz da
construção de uma estrutura conceitual e discursiva que vai muito além de
sua singela materialidade. Torna-se fonte. Ele passa a falar de algo maior do
que si próprio, não como representação ou remissão, mas como ruptura na
cadeia constitutiva do senso comum.23
A inegável genialidade do gesto artístico reside na consciência de que
a arte não pode ser reduzida aos objetos que gera; ela ocupa um campo

“For the Fountain, with its shiny white porcelain curves and countercurves, has a sensuous presence
21

that elicits one’s normal visual response to works of art: a response that tends to promote an analytic
examination. [...] But the Fountain thwarts this analytic impulse. Faced with a ready-made object,
we can make no attempt at formal decoding”.
“To scrutinize the act of aesthetic transformation itself”.
22

Pouco importa, aliás, se o objeto em exposição é o exato exemplar originalmente escolhido por
23

Duchamp, como ficou demonstrado nos objets trouvés, assemblages e ready-mades que o artista
reconstruiu ou reconstituiu ao longo dos anos.
[ 40 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

ampliado que envolve todo o sistema no qual estão inseridos obra, artista
e usuários. Para muitos, ainda é estranho ouvir falar de espectadores ou
visitantes de exposições artísticas como usuários. O gesto de Duchamp é
responsável por nada menos do que isso: a ação revolucionária de retirar o
visitante de sua posição mais ou menos passiva como espectador e lançá-lo
à nova condição de participante. Confrontado com o objet trouvé, e mais
ainda com o ready-made, o espectador é obrigado não somente a completar
o sentido do enunciado artístico – o que é o caso com qualquer obra de arte
exposta, mediante processos de recepção e cognição –, mas a atribuir esse
sentido por si mesmo, o que é bastante mais complexo. Trata-se de uma arte
pensada para uma sociedade fragmentada, plural e ligeiramente absurda, de
acordo com os padrões herdados do mundo pré-industrial.

Qualquer cor, contanto que seja preto


A ação de Duchamp encontra eco em outro acontecimento
contemporâneo distante do campo estrito das artes. Ao contrário do que possa
supor quem restringe suas leituras a livros de arte, o fato histórico mais importante
do ano 1913 nos Estados Unidos não foi o Armory Show de Nova Iorque, mas o
aperfeiçoamento da linha de montagem da fábrica de Henry Ford, em Detroit.
Após anos de estudos e experimentação, os engenheiros da Ford finalmente
conseguiram operacionalizar um sistema de rígido controle do processo de
fabricação, extraindo o máximo de eficiência por meio de uma linha em
fluxo contínuo que ditava o tempo e movimento dos operários.
O resultado foi algo bem maior do que o aumento do volume produzido
e a queda de preço por unidade, bases daquilo que seria batizado como
produção em massa. O ritmo desumano da nova linha em movimento obrigou
a Ford a aumentar em cinco vezes os salários pagos, com a finalidade de
estancar a altíssima rotatividade de empregados que ameaçava botar essa
engenharia toda a perder. Com o novo salário diário de cinco dólares ao
dia, considerado extravagante à época, os operários capazes de resistir ao
brutal regime de trabalho ingressaram em um novo patamar de prosperidade.
Seu poder aquisitivo era tamanho que podiam até sonhar em comprar os
automóveis, agora mais baratos, produzidos pela fábrica em que gastavam
suas energias e seus corpos.24
Um deslocamento conceitual de tal ordem não ocorre sem surtir efeitos
inesperados. O regime de trabalho da Ford, pensado inicialmente apenas
Ver Batchelor (1994) e o capítulo 6 de Hounshell (1984).
24
Arte e cultura material [ 41 ]

para garantir o bom funcionamento do processo produtivo, acabou por


gerar um sistema de tal modo abrangente que foi batizado, por estudiosos
posteriores, de fordismo, uma das principais construções ideológicas do
mundo moderno (Harvey, 1989). O pacto mefistofélico não se limitou a
altos salários em troca de trabalho abnegado; envolveu também a criação de
uma rede de controle social que abrangia desde as condições de moradia dos
operários até sua contínua avaliação moral e cívica. O êxito desse sistema
ganhou tamanha repercussão que acabou definindo o tom do cenário
social e político nos Estados Unidos durante a maior parte do século XX e
gerou, por tabela, a denominação pacto fordista para descrever a ideologia
de união entre Estado, indústria e trabalho em prol da geração de lucro e
de patriotismo como metas interligadas. Na conta dos cinco dólares diários
de Ford, entrava não somente a compra da força de trabalho, mas também
da alma do nascente cidadão.
A ação estratégica da Ford transformou seus operários em
consumidores, de modo análogo à ação de Duchamp, que transformaria,
em seguida, os espectadores de suas obras em participantes. Excluindo-
se a coincidência no tempo, em que sentido, exatamente, justifica-se o
paralelo entre Duchamp e Ford? Em termos filosóficos e políticos, suas
ações surtiram efeitos contrários: enquanto a de Ford contribuiu para a
alienação do indivíduo por sua subordinação a uma lógica de mercado,
a de Duchamp fortaleceu a autonomia da liberdade individual contra
valores desgastados da coletividade. Em termos comunicacionais ortodoxos,
Duchamp transformou o receptor em emissor; Ford fez o contrário. São
muitas as diferenças.
Todavia, vale insistir um pouco na comparação. Primeiramente, existe
uma relação causal, mesmo que invertida e perversa, entre os feitos de Ford e
Duchamp. O objet trouvé e o ready-made não teriam o mesmo sentido fora do
contexto da produção em massa. É exatamente no momento histórico em que
a indústria acena com a promessa de padronização das formas, abundância
ilimitada e inclusão social pelo consumo que passam a ser interessantes, a
apropriação e ressignificação artística do artefato industrial. Afirmar que um
simples secador de garrafas é uma obra de arte não surtiria o mesmo efeito
de escândalo, o mesmo frisson, caso se tratasse de um secador especial feito
por um mestre artesão, passível de alto nível de acabamento manual ou
de cuidados como a ornamentação artística. É importante, para o sentido
do enunciado, que ele parta de um objeto comum, sem maior valor, sem o
[ 42 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

investimento fetichista da mercadoria, no sentido adotado por Marx.25 Daí


a extrema pregnância do mictório, justamente por ser algo considerado reles
e desprezível.
Há mais paralelos, suficientes para justificar um novo parágrafo. As ações
de Ford e Duchamp são ambas caracterizadas por um fato crucial: geram,
a partir da produção de objetos, um sistema discursivo e ideológico muito
maior do que os próprios objetos produzidos. Introduzindo palavras de grande
importância para a presente discussão, são ações sistêmicas, complexas,
aproximáveis, nesse sentido, ao trabalho de design. Por fim, ambas são ações
voluntariosas, autorais e quase autoritárias, refletindo alto grau de arbítrio
pessoal e até de arbitrariedade.
Recompensando o famoso industrial por sua busca obsessiva da
produtividade, o nome de Ford foi logo elevado a um patamar de
reconhecimento mundial inédito na história, tornando-se grife e sinônimo do
sistema que gerou.26 Tanto Ford quanto Duchamp, em menor escala, viraram
celebridades em seu tempo, ganhando o direito de afirmar praticamente
o que quisessem sobre o que bem entendessem, ao ponto do absurdo e
da contradição. Aliás, o notório enunciado de Ford, segundo o qual o
consumidor poderia ter seu carro em qualquer cor que desejasse, “contanto
que fosse preto”, partilha algo do espírito de ironia cáustica, quase agressiva,
que cerca a exposição do mictório. Como criadores de novos paradigmas,
aparentemente ex nihilo, Ford e Duchamp eram percebidos como gênios,
quase deuses, em seus respectivos campos de atuação.

Um corpo que cai


Por falar em deuses pela metade, voltemos a Brancusi. Diante do sucesso
espetacular do antiespetáculo inaugurado por Duchamp, o tamanho do feito
brancusiano corre o risco de ficar esquecido nas entrelinhas. Seu Pássaro no
espaço é uma tentativa mais do que bem-sucedida de refundir a hélice do
avião como escultura, ecoando sua forma e substância e ainda pegando-lhe
de empréstimo a associação semântica visual entre sua morfologia peculiar
Para uma discussão dos sentidos do fetichismo, ver Cardoso (2007).
25

Henry Ford foi o primeiro da linhagem de bilionários, que ainda hoje cativa a imaginação mundial.
26

Principal porta-voz do capitalismo norte-americano em sua época, foi recebido com honras e regalias
tanto na Rússia bolchevique quanto na Alemanha nazista. No Brasil, seu nome e seus escritos foram
divulgados por Monteiro Lobato, seu grande admirador. Talvez a homenagem máxima, enviesada,
tenha vindo no romance Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. No futuro distópico de Huxley,
o calendário é datado “in the year of our Ford”, parodiando a expressão inglesa in the year of our
Lord (no ano de Nosso Senhor).
Arte e cultura material [ 43 ]

e a ideia do voo. O escultor tomou os elementos básicos de materialidade do


artefato e agregou-lhes um sentido representacional, simbólico e artístico,
criando um objeto de apelo plástico igual à hélice, com a vantagem de possuir
a autonomia que só pode ser atingida totalmente por um objeto que não
possui outra função operacional senão existir. A prova da coincidência entre
artefato industrial e artístico está no fato de que o serviço alfandegário dos
Estados Unidos tentou cobrar imposto de importação sobre a peça, alegando
tratar-se de objeto manufaturado em metal. Brancusi ingressou com um
processo na corte americana, em que foi ajuizado que Pássaro no espaço era
mesmo uma obra de arte e, portanto, livre de taxação.
A hélice, posta em exposição, nada mais é do que o fragmento de
um avião. Ela só atinge a plenitude de sua intenção quando entra em
funcionamento, e nesse momento, por ironia, a apreensão visual de sua
plasticidade fica comprometida irremediavelmente. Ou seja, quem vê a
hélice parada, não enxerga o ápice do propósito para o qual foi fabricada.
Duchamp e Brancusi enxergaram mais. Reconheceram nela valores de
beleza e perfeição formal que talvez tenham escapado até aos seus criadores,
engenheiros. Com seu olhar peculiar de artistas, recriaram a hélice como
objeto estético. Para Duchamp, era o suficiente. Ele poderia ter pegado a
hélice e a colocado na galeria como obra de arte, pronta, um ready-made.
Brancusi foi por outro caminho. Apropriando-se da forma, criou um objeto
novo e autônomo – ao mesmo tempo escultura e pássaro. Para todos que
admitem a possibilidade da representação na arte – ainda somos maioria –,
não há dúvida de que o pássaro de Brancusi voa. Parado, diante de nosso
olhar, em exposição no museu ou impresso nas páginas de um livro, ele se
liberta de sua materialidade aparente e ganha outros contornos. Esvoaça
virtualmente, nem que seja no complexo jogo de luz e sombra propiciado
por sua superfície altamente polida, a qual dissolve sua aparente solidez e
quebra qualquer noção de forma absoluta.27
A diferença entre as soluções de Duchamp e Brancusi para o mesmo
dilema é bastante relevante para a evolução posterior dos campos que
são assunto da presente discussão. A solução de Duchamp remete a ação
artística à condição de ideia pura – arte como “cosa mentale”, no famoso
dizer de Leonardo da Vinci, algo que se aproxima do inatingível ideal
platônico. A solução de Brancusi mantém a ação artística no campo da
virtuosidade – o bom fazer mediado por materiais, técnicas, proficiência,

Ver Krauss, 1981, pp. 96-9.


27
[ 44 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

linguagem, comungando da noção aristotélica de poética. Esquematizando


ainda mais a dicotomia: mente versus corpo, gesto versus gestual. Essa
dicotomia é falsa, obviamente, como todas as contraposições maniqueístas
de extremos opostos. Contudo, ela tem sua utilidade para elaborar melhor
os termos da discussão.
O principal elemento subtraído da equação pelo gesto figurado de
Duchamp é o fazer e, por extensão, a mão e o corpo que fazem. Era
precisamente esse o propósito do artista, é claro! Na era das manufaturas
– da fabricação industrial –, passava a ser secundária ou até irrelevante a
capacidade de fazer à mão (em latim, manufaturare). Com sua fina capacidade
analítica, Duchamp percebeu a contradição lógica embutida na etimologia
da palavra. Daí sua exclamação de que a pintura estaria liquidada diante
da hélice. Pobre da pintura que, feita por mãos humanas, jamais atingiria a
facilidade das máquinas para fabricar em série formas perfeitas e presentes.
Ao declarar o objeto achado pronto como realização de sua intenção
artística, Duchamp abdicava do imperativo de fazer qualquer coisa além
daquilo que sua mente e seu olhar já haviam feito. Libertava-se do cansativo
trabalho braçal, das câimbras na mão e das dores na coluna que acometeram
e ainda acometem tantas gerações de pintores. Libertava-se, mesmo que
momentaneamente, do peso de Aristóteles e sua aborrecida poética. Como
as modernas donas de casa que descobriam, por volta dessa mesma época, a
novidade do aspirador de pó, um eletrodoméstico recém-inventado, o artista
dizia: “Chega de servidão!”.
A libertação foi breve. O próprio Duchamp logo reconheceu a falta
que fazia o corpo e passou a fazer uso do seu como suporte experimental
para imagens. A arte corporal deve algo ao espírito irrequieto, sempre
inacabado, desse grande artista que dedicou o resto de seus dias a explorar
as relações entre objeto, conceito e imagem, juntamente com seu parceiro e
colaborador, Man Ray, uma das principais fontes criativas dessa busca, mas
frequentemente subestimado. Abstraindo-se do fazer durante o período auge
dos objets trouvés e dos ready-mades, Duchamp conseguiu aprofundar sua
constatação inicial diante da hélice. A questão não era, necessariamente,
a da cisão entre a mão que fabrica – técnica – e o objeto fabricado – arte.
Era ainda mais complexa.
A questão profunda girava em torno da presença e da autoria. Ao retirar
de cena a mão do artista, sua ascendência sobre o objeto não diminui, mas,
paradoxalmente, aumenta. Os objetos achados dependem de quem acha, e
Arte e cultura material [ 45 ]

em qual contexto os acha, para se inserirem num sistema e ganharem sentido.


Diferentemente do Pássaro no espaço, de Brancusi, com sua autonomia
e permanência comparativas, a Fonte, de Duchamp, só existe enquanto
está identificada como conceito e discurso. Daí advêm sua força para o
fazer artístico e sua fragilidade para o mercado, por exemplo. Colocada de
cabeça para cima e conectada a uma tubulação adequada, a fonte volta a ser
mictório. Não é preciso destruí-la fisicamente – como seria o caso se alguém
derretesse a escultura de Brancusi – para retirar do objeto seu sentido. Isso
por uma razão muito simples: o sentido não está no objeto; está na mente
de quem enxerga nele o que nem todo mundo consegue ver.

Uma cadeira é para sentar


Nos dias atuais de crise ambiental, saber enxergar nos objetos o que
nem todo mundo consegue ver é uma das grandes virtudes do bom designer.
Afinal, um artefato cujo projeto prevê usos flexíveis – como um sistema
modular de móveis –, usos variáveis – como um casaco dupla-face –, uso
em mais de uma instância – como uma embalagem de geleia que depois
vira copo –, ou até seu próprio desaparecimento depois de usado – como
no princípio do desmonte projetado, ou design for disassembly, adotado em
algumas indústrias de bens duráveis, como automóveis –, tem mais chances
de prolongar sua vida útil e adiar o momento de descarte, reduzindo o
acúmulo de lixo e a incidência de refabricação. Pensar e planejar o pós-uso
do artefato como parte de um ciclo de vida expandido é nitidamente um
ganho na prática do projetista.
Um exemplo curioso desse tipo de pensamento projetual é a banqueta
WW Stool, criada por Philippe Starck em 1990, originalmente para compor
um cenário de filme de Wim Wenders e produzida posteriormente pela
Vitra. Mais escultura do que banqueta tradicional, a WW Stool serve, entre
outras coisas, para sentar. Serve ainda como ponto de apoio para pessoas
conversando em pé, como cabide para pendurar uma bolsa ou casaco, como
objeto de decoração. Serve, antes de tudo, como signo visual, carregado
de informações complexas sobre sua origem, autoria e razão de existência
(Jeudy, 1999, pp. 48-50). Apesar dos urros de protesto de quaisquer velhos
dinossauros funcionalistas que ainda possam rondar a Terra depois do
degelo do modernismo, ela é um objeto de design muito bem concebido e
elegante ao extremo. Ninguém compra uma WW Stool por engano ou falta de
entendimento; ela não traz prejuízos ao usuário a não ser, possivelmente, os
[ 46 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

de natureza pecuniária, mas paga quem quer e pode. Além disso, dificilmente
uma será encontrada no lixão de sua cidade.
Essa abertura múltipla da WW Stool para uma série de usos e
significados obriga-nos a repensar seriamente a noção desgastada de função,
termo empregado quase sempre de modo abreviado durante o século XX
para designar a função operacional imediata, ou o funcionamento, de
um artefato qualquer. Permeiam a cultura do design modernista ditames
funcionalistas, como “uma cadeira é para sentar”. E quando não o é?
E quando os garçons do bar, impacientes com os últimos boêmios que
continuam firmes e fortes às duas horas da manhã, colocam as cadeiras
sobre as mesas, viradas de cabeça para baixo? Nesse momento, a cadeira
não é para sentar; é um signo comunicando que está na hora de ir embora
antes que lhes expulsem.
E, se uma cadeira é para sentar, será o inverso verdadeiro? Se alguém
senta sobre uma mesa, ela se torna cadeira? A pergunta pode parecer capciosa
ou imbecil, mas encerra questões epistemológicas importantes sobre a inter-
relação entre artefato, significado e usuário. A correspondência estrita
entre uma forma determinada e um determinado uso, como a cadeira e o
sentar, acaba por bitolar o pensamento. Ao pensar a ação de sentar como
experiência e não como artefato específico, o projetista se liberta de estruturas
preexistentes e ganha a possibilidade de criar soluções realmente novas. Se
a tarefa é projetar uma cadeira, é impossível escapar da morfologia: encosto,
assento, pernas. Se a tarefa é projetar uma situação de sentar, o leque se
amplia para incluir pufes, banquetas, bancos, sofás, almofadas, futons e até
mesas, sem nem entrar nos híbridos possíveis.
Podemos dizer de um aparelho como um relógio ou um motor que ele
funciona ou não funciona, mas um relógio parado e um motor quebrado são
o quê? Pelo paradigma antigo, eles são apenas lixo. Deverão ser descartados
e substituídos. Claramente, esse é um pensamento insustentável no
panorama atual. Para um funcionalista da velha escola, a função da hélice
seria de ajudar o avião a voar; porém, o que acontece quando a hélice está
exposta numa feira aeroviária, sem o avião, ou – o que seria mais provável
hoje – num museu? Se seguirmos um pensamento sistêmico, de fluxo de
significados, coisas acontecem! Coisas que podemos entender como arte,
como fetichismo, ou como a ressignificação de artefatos, para os que preferem
designações mais antropológicas. Essa abertura para uma nova conceituação
do mundo material que nos cerca conduz a possibilidades quase infinitas de
Arte e cultura material [ 47 ]

recombinação e reaproveitamento no admirável mundo imaterial que cada


vez mais nos envolve (Flusser, 2007, pp. 51-65).
Tome-se como exemplo uma obra de 2008, sem título, do artista Raul
Mourão, constituída de uma cadeira presa numa gaiola de ferro. Nela,
a cadeira serve não para sentar, prioritariamente, mas como signo para
estimular a reflexão sobre os limites entre dentro e fora, público e privado,
uso e propriedade, conforto e aprisionamento. Separada à força de sua
suposta função, a cadeira que compõe a obra ganha um grau extraordinário
de potência formal. O artefato em questão – trivial, comum, quase invisível
como espécime em meio ao vasto e hierárquico universo das cadeiras – passa
a ser objeto de um olhar diferenciado, que aprecia e esmiúça sua aparência
como algo pleno de significado. Salva do brechó ou da lixeira, a cadeira
escolhida por Mourão vira arte, ganha vida e valor – monetário, inclusive. Se
ela é servível ou não para sentar é uma questão completamente irrelevante.
Trata-se da mesma ação mágica, duchampiana, de ressignificação da matéria
por algo imaterial: o olhar e o pensamento por trás dela.
Mesmo se atendo à seara relativamente restrita das cadeiras, seria
possível arrolar uma série de outros exemplos de como o significado do objeto
pode ser descolado de sua estrutura ou aparência pelo uso. A obra Grande nua
na poltrona vermelha (2009), da artista Cristina Salgado, é outro bom exemplo
de subversão da tradicional equação entre aparência, uso e significado. Nela,
a poltrona opera como signo que evoca a função de sentar, acrescentando
uma dimensão de ação simulada às grossas pilhas de tapetes que compõem
o resto da instalação. Em outras obras recentes em que a artista fez uso de
tapetes empilhados, as camadas de tecidos se limitavam a ocupar o espaço,
escultoricamente estáticas. Na Grande nua, elas ganham uma dimensão
adicional de ação: sentam, recostam, envolvem. Ou seja, ao evocar uma ação
potencial, a poltrona cria uma interação entre os materiais constitutivos da
instalação. Além da elegante sugestão de movimento implícita nas dobras,
quedas e amontoados do tecido – plasticidade escultórica por excelência
–, a instalação ganha uma dimensão narrativa, de ação no tempo, que se
completa na remissão erudita a outras obras de arte externas à situação, mas
presentes no repertório.
A dimensão da ação nos conduz de volta à corporeidade. Entender
a contraposição entre Duchamp e Brancusi como uma dicotomia simples
entre estrutura e superfície – nos termos do jogo escultórico identificado por
Rosalind Krauss como essência da tradição de recepção estética dos objetos
[ 48 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

tridimensionais – é compreendê-la apenas pela metade. Para além da oposição


entre forma e construção, existem as questões do uso e do esforço, ou seja,
do corpo. O grande fator oculto na superfície polida da obra de Brancusi –
e, ao mesmo tempo, evidenciado e constantemente ressaltado para o bom
entendedor – é o alto grau de ação corporal necessária para atingir o perfeito
acabamento daquelas peças. Na obra de Brancusi, técnica e trabalho se
postam lado a lado, completando e materializando a ideia. A autonomia da
obra, acima referida, confirma paradoxalmente a força do criador; e as mãos
rudes e fortes do camponês Brancusi estão implicadas na fatura da obra,
embora seus rastros estejam virtuosisticamente apagados de sua superfície.
A corporeidade impressa como virtude no artefato, o antigo virtuosismo,
tornou-se, desde fins do século XIX, um território normalmente relegado
ao fazer artesanal. Na sociedade industrial, principalmente após o advento
da mecanização e da produção em massa, a extensa tradição humana
de fabricação manual foi condenada a sobreviver no gueto apelidado de
artesanato. Seu emblema era a imperfeição. No embate aeroviário entre
Duchamp e Brancusi, tem-se a dupla recusa da imperfeição como sinal da
corporeidade. No caso de Duchamp, a recusa é explícita. Sai o corpo, entra
a máquina como executora perfeita dos desígnios da mente. No caso de
Brancusi, ela é mais manhosa. Empurrando ao limite a excelência da fatura
manual, apagam-se todos os seus rastros. O resultado é o mesmo, na prática.
A mão do artista não mais é evidenciada na obra, a qual parece que nasceu
pronta ex nihilo.
Essa discussão continuou a ecoar durante todo o século XX,
evidentemente, como continua até hoje. Arte corporal, performance,
situacionismo, até bad painting, são apenas alguns dos muitos marcos que
demarcam uma discussão ampla demais para se resumir nas breves páginas
deste texto. O corpo se nega a morrer; as mãos continuam a buscar a massa.
O que vem mudando, muito recentemente, é a relação entre a manifestação
material do mundo e a dimensão imaterial que o concebe e conduz. Com as
novas mídias e ferramentas eletrônicas das últimas décadas, as linguagens,
os sistemas de comando e as plataformas e interfaces vêm ganhando cada
vez mais evidência como coisas, embora sejam essencialmente não coisas,
imaterialidade e ideia. Aquilo que a indústria jamais foi capaz de fazer –
abstrair o trabalho e a natureza e lançar o ser humano para a fruição das
ideias puras, sonho e utopia desde o iluminismo até Marcuse –, a presente
era da informação parece capaz de concretizar num futuro não tão remoto.
Arte e cultura material [ 49 ]

Em meio a tudo isso, onde ficam os artefatos que sempre foram parceiros e
testemunho de nossa humanidade? Repensar a relação entre arte, design e
artesanato é urgente, sob risco de nunca terminarmos a partida de xadrez
iniciada pela constatação de Duchamp.

Referências
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[ 50 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0
Arte, pensamento e forma [ 51 ]

arte, pensamento e forma


[ 52 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0
Arte, pensamento e forma [ 53 ]

Fragmentos para histórias


de formas

Guilherme Bueno
MAC de Niterói (RJ)

Forma e sensação
Não raro, boa parte da história da arte do século XX ficou conhecida
como uma espécie de era do formalismo. Em linhas gerais, seus princípios já
se tornaram de domínio comum: o discurso centrado na lógica de redução
compositiva de uma obra a seus elementos estruturais, seguindo a máxima
do pintor Maurice Denis, segundo a qual uma pintura, antes de representar
qualquer coisa, é um conjunto de manchas dispostas numa certa ordem. Tal
raciocínio teria sido apropriado posteriormente por diferentes intelectuais
para construir uma narrativa totalizante que encontraria seu ápice na arte
abstrata, dentro da qual haveria alternâncias morfológicas, que, no entanto,
manteriam irredutível a premissa da autorreflexão dos meios – o sentido de
bidimensionalidade na pintura, de volume na escultura e daí por diante.
Se tal retrospecto crítico das teorias das formas guarda certa verdade,
convém reler suas práticas, a fim de compreender a razão pela qual esse
modelo assumiu tamanha importância. As origens dele, conforme o
conhecemos recentemente, remontam a uma dupla tensão da crítica de arte
francesa no século XIX. Por um lado, há a cogitação de uma experiência
da arte que pode abdicar da interpretação temática – o entendimento
da representação de uma cena qualquer – em prol de um mergulho nas
profundezas das sensações. Essa seria a visão de Baudelaire, derivada de
posições lançadas por Delacroix em seus diários. Por outro, passados alguns
anos, a mesma defesa de uma abordagem da experiência não contaminada
flertaria com pretensões cientificistas na crítica de Zola, que, na voz de seu
alter-ego, o candidato a escritor e crítico Sandoz do romance L’Oeuvre,
declara a necessidade de um relacionamento com a arte livre dos excessos
de sentimentos românticos sofridos por sua geração.
[ 54 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Nos dois casos, para além da briga com o discurso oficial da academia,
coloca-se um problema fundador: saber lidar com o universo sensível quando
este se encontra desamparado em um mundo secular. Questão adicional:
mediar sua relação numa sociedade desejosa de firmar-se democraticamente,
o que significa detectar os códigos formativos do sujeito moderno. Isso
corresponde a um desenho no qual a individualidade – do artista e do
espectador – e a universalidade – das condições de juízo – não se cancelam
mutuamente. Tal equacionamento entre público e privado havia sido
sistematizado outrora por Locke e por Kant e, no campo da arte, foi testado
desde o início por Diderot, Schiller e outros. Esse programa não se furta,
entretanto, a conviver desde suas origens com as contradições reconhecíveis
nas abordagens de Baudelaire e Zola, visto que o último procura executar
uma manobra evolutiva em relação ao predecessor: o caráter subjetivo se
torna passível de ser decantado, passando da interiorização individual para
a socialização positiva do rigor naturalista. Ainda assim, há algo não menos
importante a assinalar na crítica formalista do século XIX: a relação com a
arte, vista como protótipo de superação da natureza – a arte se desprende da
mímesis, de seu vínculo com um mundo condenado às aparências acidentais
–, e o descortinar da essência, que se apresenta como restituição de uma
experiência original e autêntica. A crença na manifestação inata da forma
como princípio judicativo conciliava várias demandas: ao poder tanto
anteceder quanto concluir a história, essa tecnologia do sensível alinharia
extremos, fazendo deles partes de um mesmo processo. A forma é vista como
uma energia primordial replicada trans-historicamente.

***

Mudando de ponto de vista, e já lidando com a fronteira entre os séculos


XIX e XX, não é uma coincidência notar que as primeiras sistematizações
formalistas coincidem com estudos de diversas áreas em formação, como
a antropologia, a psicanálise e o interesse crescente pela arte primitiva. Se
pensarmos por analogias, todas elas funcionam a partir do mecanismo de
executar desrecalques da cultura ocidental.
Esse encontro chocante consigo aconteceria tal como em uma passagem
descrita pelo personagem Marlow no romance Heart of darkness, de Conrad,
que, ao narrar o ingresso nas profundezas da floresta, afirma deparar-se
com a alvorada da humanidade. Tanto o formalismo quanto o fascínio
Arte, pensamento e forma [ 55 ]

pela arte primitiva compartilhavam a perplexidade de testemunhar em


ato uma inventividade primeira, uma experiência crua, vivenciando um
momento de análise da civilização. A preservação dessa espécie de grau
zero da criação seria a base da teoria da forma significante de Clive Bell,
que acreditava demonstrar o elo secreto cristalizado entre diferentes séculos
e culturas. Tal vínculo repercutirá em diversas teorias-manifesto e escritos
que apresentavam a similaridade entre cabanas tribais e moradias modernas,
máscaras rituais e pinturas das mais avançadas. A verbalização dessa premissa
fundamenta suas raízes nos círculos neokantianos da virada do século XIX
para o XX – composto por nomes como Fiedler, Hildebrand, Marees e
Fry –, que redefinem termos familiares ao mundo da arte, como espaço,
tempo, plano, volume, harmonia, contraste e equilíbrio, em parâmetros de
descoberta da essência plástico-sensível de interpretação do real. No método
historiográfico derivado dessas bases, há simultaneamente uma apologia da
técnica linguística que não só converge com os programas construtivistas
como os espelha: ambos proclamam o controle das operações elementares como
uma ciência estética apta a reescrever e projetar a história e o mundo. O
apelo à pura visibilidade e seu distanciamento crítico da realidade tátil – uma
racionalidade objetiva – acabariam em seguida por tornar o formalismo no
século XX a teoria da arte abstrata por excelência.

A forma internacional
Junto a essas manobras podemos ainda reconhecer outros aspectos do
formalismo enquanto estratégia discursiva moderna. Ele é um dos inúmeros
esforços modernos de construção de uma cultura internacionalista
que atravessa tempos e espaços diferentes, colocando-se como chave
para superação do discurso das escolas nacionais e como alternativa ao
universalismo ainda regido pelos cânones derivados do classicismo. Ao
menos em suas intenções gerais (o que depois se mostraria diferente),
a relação entre formalismo e internacionalismo tencionava a fundação
de uma cultura sem centro como instrumento para o alcance de uma
modernidade plena.
Ressalte-se, contudo, que o internacionalismo formalista não existe
sozinho. Foi antes uma das numerosas modalidades de diversos projetos que
viram nesse ato de ultrapassagem de fronteiras a chave para a implantação de
suas poéticas, entre os quais poderíamos lembrar o funcionalismo, o dadaísmo
e o surrealismo. No entanto, apesar de enormes divergências, há em comum
[ 56 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

entre eles o fato de conferirem uma primazia ativadora, axial, à forma.


Opõem-se as circunstâncias e motivações defendidas – a pulsão transgressora
do inconsciente para os surrealistas, a exacerbação da racionalidade para o
funcionalismo –, mas essa centralidade permanece como condição sine qua
non. Vê-se, inclusive, o quanto, em certos casos, o limite entre esses rivais se
torna incerto, particularmente na antítese formalismo versus funcionalismo.
As recíprocas acusações de formalismo de intelectuais e artistas entre si são
demonstrativas da confusão, pois o conflito não está na certeza da forma,
mas em como obtê-la ou determinar seu papel.

Esquemas de uma gaia ciência


O método formalista se desenvolve por meio de um movimento dialético:
culturas técnicas e morfológicas revezadas em contínua reinvenção de suas
configurações. Nisso podemos notar sua ambígua relação com o problema da
matéria: sua presença é decisiva para interpretar o tipo de espaço em jogo –
linear x pictórico, por exemplo –, mas sua percepção sempre fica circunscrita
ao domínio do olho, havendo uma interdição háptica. Ou seja, há um vacilo
em como esses objetos se localizam em relação ao espaço dito real, pois, se a
forma pura atesta uma nova leitura do real, ela precisa se acautelar em sua
contaminação com o mundo. Há, por um lado, a geometrização do mundo
pelos movimentos construtivistas; por outro, no entanto, sobretudo no pós-
guerra, as abordagens formalistas norte-americanas insistirão na segmentação
do espaço da arte, de modo a preservar a experiência subjetiva intacta aos
acidentes externos. É uma reinvenção do horizonte, pois seu real opera por
um deslocamento. Em princípio, seu raciocínio estrutural se preocupa menos
com o questionamento daquilo que se vê do que com o funcionamento da
percepção. Porém, esse real continua como um espaço de promessa, isto é,
sempre se anuncia como um vislumbre.

Formalismo e imagem
Paradoxalmente, essa operação se mostra, no século XX, cada vez mais
atrelada à imagem e dependente dela, ainda que tente suprimi-la a todo
momento. Seu procedimento discursivo é o de uma narrativa tecida pela
conjugação de imagens, uma textualidade visual. Vale notar o quanto se lança
mão de diagramas, montagens e sequências para demonstrar seus teoremas,
compondo uma espécie de esperanto ótico.
Arte, pensamento e forma [ 57 ]

O recalque da imagem, ainda tomada como vestígio de uma arte


figurativa que portaria os ranços da confusão de meios, compele o olhar
formalista a contínuos entraves: grosso modo, por trás da manobra de
repressão aos simulacros, há um engolfar do desejo e de sua capacidade
de desequilibrar a estabilidade do juízo desinteressado. Quando a imagem
se torna capital – ou reafirma tal condição vinda das Passagens parisienses
do século XIX – e libido e consumo se fundem, o discurso da forma pura
tende a desintegrar-se. Isso ocorre por três fatores. o primeiro é o fato de
a incapacidade de resolver o dilema da tautologia moderna aparentemente
desaguar naquilo que havia renegado. Visto o problema em seu contexto, a
arte dos anos 1960 era naquele momento lida como um retorno à figuração,
ainda por cima calcada em elementos da chamada baixa cultura. O segundo
é a percepção de uma opacidade do sensível, isto é, o reconhecimento de
sua construção histórica, bem como a retirada da potência interiorizada do
objeto, que o capacitava antes a se distinguir dos objetos banais. É um impasse
decorrente das releituras do ready-made e da apropriação do sistema como
matéria. O terceiro provém do conflito entre a universalidade do sensível,
proclamada pela arte abstrata, e a ubiquidade da indústria cultural. Como
exemplo, podemos citar Andy Warhol, que declarou em uma entrevista
que o mais interessante visto em Paris e Veneza, entre outros lugares, foi o
McDonald’s, ou, ainda, Robert Venturi, com seu Aprendendo com Las Vegas.
Isso significa a disputa desigual com outro internacionalismo.
Ainda no que diz respeito à dependência do formalismo pela imagem,
a onipresença desta última é decisiva para a formação de inúmeras de suas
versões, uma vez que a circulação de segunda ordem dos objetos prolifera o
surgimento de museus imagéticos a cada defesa da arte abstrata. Isso mais uma
vez reflete o princípio internacionalista da arte moderna – a modernidade se
pretende um fenômeno horizontal – e seu élan salvacionista. Das vanguardas
construtivistas europeias às conferências de Flávio de Carvalho na São Paulo
dos anos 1930 (“O período final, o auge, que é um período de purificação,
pertence principalmente aos abstracionistas. Os abstracionistas repelem a
natureza e a imundície ancestral do inconsciente como sendo coisas baixas
e vulgares [...] Conquanto altamente em vida com suas criações, eles se
purificam pelo pensamento” – Aspecto psicológico e mórbido da arte moderna,
1937), dos primeiros textos de Greenberg aos manifestos pela arte concreta
mundo afora (a página do Manifesto neoconcreto é tão genealógica quanto a
macieira de Mondrian), repete-se a confiança no poder transformador da arte
[ 58 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

abstrata como momento culminante. Diferem as obras e artistas assumidos


como referenciais, mas o roteiro sequencial vislumbrado permanece. Ver
corretamente é progredir e consertar o mundo.
O terceiro aspecto da relação formalismo x imagem encontra-se no fato
de que ambos se entrincheiram no mesmo dilema entre a sedução do olhar e
o impalpável do toque. No caso da imagem, isso seria tomado pelo formalismo
tanto como rendição ao falso – seja no âmbito do simulacro, seja no dos
meios inadequados – quanto como rebaixamento da experiência estética
ao domínio das finalidades pragmáticas. A ótica formalista é de contenção.
De um modo ou de outro, algo que fica evidente diante da arte dos
anos 1960, a encruzilhada imagem/real/impureza das sensações, é crucial
para explicitar a desconfiança do visível, da arte retiniana preconizada pelas
teorias formalistas. Não se trata apenas da crise de uma arte que caberia no
olho, mas da suspensão elevada que justificava esse ato de distanciamento.

Desestetização universal (um lugar na história)


As diferenças internas das genealogias da forma moderna acentuam, com
suas verdades antagônicas e certezas irrefutáveis – visto que o formalismo
precisa se traduzir em fórmulas generalizantes –, haver por trás de seu
humanismo uma disputa de centros. Dois pontos: 1) saber quem detém a
autêntica herança – fenômeno que abrange tanto a oposição entre Europa
e Estados Unidos quanto entre Norte e Sul – significa demarcar quem
lidera a cultura ocidental; 2) indagar a objetividade do gosto – tema de
um dos seminários de Greenberg – pretendia, no fim das contas, concluir
pelo consenso de que, se certas obras se tornam canônicas graças a uma
coincidência de juízos, isso indica a existência de uma história real da
arte – uma história construída diretamente pelo gosto. No entanto, esse
domínio do gosto aponta desde sempre o problema de sua apropriação,
atenuada na naturalização de um esquema em detrimento do outro (por
exemplo, atribuir a continuidade legítima da arte moderna europeia ao
expressionismo abstrato e não à arte concreta) e ainda na prescrição de que
tipo de sujeito moderno – o liberal, o socialista, o revolucionário, o proletário
etc. – controla corretamente aqueles instrumentais e pode arrogar-se ao
direito de universalidade. Existe uma relação intrínseca entre a potência
desse sujeito e sua linguagem imperativa, uma vez que o primeiro se confere
de autoridade inconteste de enunciar a progressão certa da história. O
discurso da forma pura e sua neutralidade empírica inata, sobretudo desde o
Arte, pensamento e forma [ 59 ]

pós-guerra, acabam por acionar outro processo de fetichização do objeto, ao


equalizar os eventuais distúrbios do sensível. A experiência desinteressada
é convertida em experiência liberal.

***

O formalismo não é só uma história de formas, mas a tentativa de


entender a forma na história. Quando identificada a irmandade entre esses
dois termos, evidencia-se uma contradição de nascença em sua teoria: ao
mesmo tempo que a lógica formalista quer transcender a história com suas
constantes, ela quer se tornar sua guia e, mais além, só pode existir dentro
da história – ao menos, como a última era entendida na modernidade, um
olhar apto a aferir uma totalidade. O esquema formalista, além de dialético,
é binário, não comporta opções alheias a esse modelo – afinal, ele é oriundo
dos manifestos –, razão pela qual se mostra incapaz tanto de lidar com o
cenário disperso da arte contemporânea quanto mesmo de ensaiar uma teoria
da forma depois de sua hegemonia. O formalismo foi a última modalidade
do raciocínio estilístico, mesmo quando esse formulou sua possibili-
dade conturbada no universo moderno.
Quais seriam as hipóteses para a forma depois do formalismo? Parece
desnecessário apontar sua permanência na produção contemporânea,
muitas vezes valendo-se do mesmo processo dialógico vivenciado durante
a modernidade. Reconheceríamos nesse fato três questões. A primeira diz
respeito ao dado peculiar de a historicidade da arte contemporânea não
se organizar mais em um esquema de antagonismo simples, excludente e
sucessivo, ou seja, suas linhas divisórias oscilam e têm espessuras diferentes,
de modo que seus processos globais se constituam por passagens e histórias.
Naturalmente, poderíamos apontar uma alteridade similar na arte moderna,
mas – ao menos aparentemente e à diferença dessa última – elas não se fixam
mais em torno da demarcação de um paradigma, tal como fora o cubismo,
por exemplo. Tratar-se-ia de uma historicidade formada por placas tectônicas
em movimento recíproco. Nesse sentido, é sempre válido reiterar a imagem
de campo, segundo a qual a produção contemporânea é tratada.
A segunda questão, decorrente da anterior, diz respeito à própria
condição da forma e seu modelo de experiência quando ela sai de sua posição
hierárquica privilegiada. Conforme vimos, isso não significa sua extinção, e,
sim, a eventualidade de que ela, inclusive, assimile outras modalidades antes
[ 60 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

desconsideradas. Em outras palavras, estamos lidando com a indagação da


forma como índice.
O esforço de leitura do lugar da forma na situação contemporânea
envolve riscos. Por um lado, a tentação de produzir por meio dela manobras
de recuperação que, em vez de examinarem rigorosamente o grau dos dilemas
de hoje, optariam por conformá-los em um quadro teórico já dominado e
instrumentalizado, passível de provocar a atrofia de tensões ainda em aberto
e não coercíveis das aproximações usuais. Por outro, há também o desafio
de nos expormos à dúvida do quanto efetivamente somos dissimilares da
modernidade – algo insinuado no termo pós-modernidade, apontando que,
de certo modo, continuamos atrelados a ela, enfrentando eventuais tabus
ou mitologias de ruptura.
Não saberia aqui ensaiar a resposta, até pela incerteza da pertinência
de tais perguntas. De todo modo, elas dão o lastro para chegarmos à
terceira questão, que viria a ser a outra condição e constituição da forma.
Presenciamos logo de início o descompasso entre ela e a certeza em uma
autoridade positiva do olho (como em Eureka/Blindhotland de Cildo Meireles
e Waltercio Caldas), resultante das estratégias duchampianas. O caráter
negativo da forma não corresponde à sua aniquilação, outrossim o teste do
limite da naturalização (artificial) de sua potência inata. Algo semelhante
poderia ser indicado nas várias investidas conceituais nas quais o sistema
adquire uma consistência de ordem quase matérica na nomeação da obra.
Permitiríamo-nos cogitar uma autorreferência às avessas em parte
da produção contemporânea imediatamente pós-greenberguiana –
especificamente no caso da arte conceitual –, pois, apesar da disjunção da
experiência sensível e da desmaterialização do objeto – a saber, a desinvestida
de sua qualidade plástica enquanto verdade primeira e última –, a proposição
assume estrutura formal, bem como o sistema, enquanto configuração. O
sistema se torna um meio. Trata-se de uma forma não mais assentada no
parâmetro da materialidade física, por mais que a fisicalidade e a opacidade
lhe sejam inerentes.

Quando o artista se torna forma


Tomada essa opacidade da arte como campo ampliado e da forma pós-
conceitual como propositora que instrumentaliza a organização desse campo
– haveria enigmaticamente uma forma pós-duchampiana –, chegamos a um
ponto em que nos valemos das afirmações de Judd – para quem arte é aquilo
Arte, pensamento e forma [ 61 ]

que o artista afirma sê-lo – e Kosuth – arte é o enunciado de seu conceito.


O conceito/forma vincula o enunciado àquele que o pronuncia. Há uma
interdependência e interseção de dois campos ampliados que mutuamente
estruturam o jogo: o primeiro, o conceito de arte; o segundo, o de artista.
Sob esse ângulo podemos pensar os vários processos mapeados nos últimos
quarenta anos nos quais reincide a analogia do “artista como...”: o “artista
como antropólogo” (Kosuth, 1991, pp. 107-28), o “artista como etnógrafo”
(Foster, 1996), o “artista como ‘gerente’” (Buchloh, 1999, pp. 514-37, ao
falar da “estética administrativa” inaugurada pela arte conceitual), entre
outros.1 A condição do artista se coloca a partir de sua gramatologia. Não
significa dizer que o artista passa a ser um antropólogo, um etnógrafo ou seja
lá quem for, mas de perceber suas táticas como mecanismos de analogias nas
quais o significado do artista, propositalmente incompleto, é continuamente
posto e/ou lembrado de sua situação crítica. Seu método interdisciplinar de
agir “como se...” seria também passível de ser tomado como formalização
pós-conceitual para a articulação do campo. Nesse último sentido, seria
cabível perceber que o valor de uso negativo da forma, tal como apontado
anteriormente, acaba sempre por rebater todos os dados do campo da arte
como entidades imagéticas – se essa expressão for possível –, seja a linguagem,
o artista – seu corpo, inclusive –, o objeto ou o que mais for. Uma forma
antiforma, antissubstancial, maleável e apta a refutar qualquer tentação
de reconstituir uma essencialidade da arte, ou, parafraseando a certeira
expressão de Milton Machado, uma forma e uma arte que “são todas poros”.

Referências
BUCHLOH, Benjamin. “Conceptual art 1962-1969: from the aesthetic of administration to
the critique of institutions”. In ALBERRO, Alexander e STIMSON, Blake (orgs.).
Conceptual art: a critical anthology. Cambridge: The MIT Press, 1999, pp. 514-37.
FOSTER, Hal. “The artist as ethnographer”. The return of the real: the avant-garde at
the end of the century. Cambridge: The MIT Press, 1996.
KOSUTH, Joseph. “The artist as anthropologist”. Art after philosophy and after: collected
writings, 1966-1990. Cambridge: The MIT Press, 1991, pp. 107-28.

Uma reflexão sobre o postulado do “artista como” remete inevitavelmente à discussão da


1

modernidade, seja quando, em sua versão oficial, ele ainda subsiste como operador estético, seja na
leitura, redescoberta nos anos 1960, do “artista como produtor”, de Walter Benjamin. O problema
do artista e da autoria, que recai no da formulação da proposição e da linguagem, além de sua
recepção e delimitação (ou supressão) dos limites entre artista/propositor x público, propositor x
objeto da proposição, suscita ainda um paralelo à hipótese da “morte do autor”, tal como formulada
por Barthes, visto que rompe com o solipsismo, a autonomia e a onisciência do discurso.
[ 62 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Cubos, linhas, caminhos

Roberto Conduru
UERJ

Ao visitar o ateliê de Jorge dos Anjos em Belo Horizonte, no mês de


dezembro de 2007, de pronto uma escultura me intrigou. Primeiro, por nela
se enfatizar o volume, enquanto as obras do artista exploram, geralmente,
a planura com a qual conquistam o espaço. Depois, por ela apresentar um
grafismo simples, retilíneo e nada figurativo, o qual, embora não seja raro em
seu trabalho, não é nele dominante. Essa escultura é um cubo oco composto
por dois pares de três faces contíguas, articuladas em forma de “c” e rasgadas
por três incisões no sentido longitudinal, constituindo dois conjuntos
complementares de quatro tiras retas, paralelas e de iguais dimensões.
Diante do meu interesse, o artista disse que a obra pertencia a uma série
pensada em função de um princípio adotado por Amilcar de Castro em seu
trabalho, que recomendava aos alunos quase como se fosse uma lei: uma
escultura deve ser constituída a partir da matéria, de sua massa e de seu peso,
não do oco e da leveza. Tomando a teoria do mestre como um desafio a ser
enfrentado a partir de seu próprio universo, o discípulo respondeu com uma
série de cubos na qual o oco é questão central, embora a leveza não o seja
completamente. Inicialmente, elaborou as peças em papelão, em formato
pequeno, como quase sempre faz. Em seguida, constituiu duas delas em aço,
em tamanho médio.2 E me revelou ainda pretender fazer uma delas maior,
de modo a ser situada em um espaço público, para que as pessoas possam
nela penetrar a partir de uma entrada subterrânea.
Assim, essa peça dá a ver a inquietude de Jorge dos Anjos, sua variedade
de meios, a amplitude de seu trabalho. Fala de suas interlocuções, de como
ele coloca a si mesmo problemas artísticos e os responde plasticamente.
Mais do que tamanhos e escalas diferenciam as peças que constituem essa
série. Elas variam desde esculturas pequenas, leves, passíveis de serem
Na outra peça, as faces são compostas por três tiras geradas por duas incisões.
2
Arte, pensamento e forma [ 63 ]

manuseadas, a esculturas em tamanho mediano, já com peso considerável,


que podem apenas ser observadas e experimentadas em contraposição ao
corpo, ainda que sejam móveis, e a uma peça que, embora seja transportável,
se quer fixa, configurando um lugar. Transitando entre objeto, escultura,
arquitetura e paisagismo, a série situa-se no campo ampliado, tal como o
mapeado por Rosalind Krauss (1984). Um tanto diversa das demais obras
de Jorge dos Anjos, a peça aqui em foco me parece paradigmática de seu
trabalho justamente por permitir perceber como seu fazer é variado. Quase
uma exceção, ela ajuda a ver não as regras, mas os contornos expandidos
de sua pesquisa.
Esse cubo permite observar a dominância gráfica em sua obra, seja ela
em desenho, pintura, gravura, objeto, escultura, instalação ou performance
– meios dos quais se tem valido. Com certeza, reverbera no grafismo de Jorge
dos Anjos o risco incisivo, seco e dramático com o qual Amilcar de Castro
delineia, corta e dobra; exploração da linha que nos conduz da América à
Europa e de lá nos faz retornar, permitindo pensar como princípios e práticas
do concretismo foram reinterpretados no Brasil.
A positivação da linha como um dos elementos plásticos emancipados
na modernidade é um dado das obras do concretismo. No Brasil, muitas
são as pesquisas artísticas engajadas nesse processo de autonomização dos
meios plásticos. Entre os artistas adeptos do concretismo que participaram
da renovação do sentido da linha, podem ser citados Waldemar Cordeiro,
Ivan Serpa, Mauricio Nogueira Lima, Judith Lauand, Leopoldo Haar e
Lothar Charoux. No neoconcretismo, é possível ver construção plástica
com linhas livres na gravura de Lygia Pape, no desenho de Hércules Barsotti
e na escultura de Franz Weissmann. Para pensar a linha como elemento
plástico autônomo, boas entradas são oferecidas pelos poderosos desenhos
de Hércules Barsotti, nos quais ela é menos um elemento deflagrador de
ritmos na superfície onde aparece, estruturando o espaço que cria, como em
obras de Charoux, e mais um delineador de formas em aberto e um ativador
do campo plástico. Desse modo, Barsotti articula os elementos plásticos em
jogo – geometria e plano pictórico – e revê a estrutura de representação,
transformando-a em presentação, o que explicita a condição objetal da tela
de cavalete, a concretude dos meios artísticos.
Presentação que não abdica das dimensões semânticas, da reflexividade
da arte. Apresentando a obra de Hércules Barsotti em 1973, Willys de
Castro fala de como, em suas obras, o observador pode perceber “um fluxo
[ 64 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

conciso de informações de natureza puramente visual” (1973, p. 159).


No ano seguinte, ao fazer nova apresentação do trabalho do artista,
diz que ele consegue instituir na mente do observador “a tradução de
seus mais profundos significados” (1974, p. 161). Nesses textos, Willys
simultaneamente apresenta a obra de Barsotti e externa seu entendimento
da arte concreta no início dos anos 1970, um período de baixa ressonância
do concretismo. Neles, defende a arte concreta como modo de pensamento
e comunicação por meio da visualidade. É uma concepção dos fatos
plásticos como objetos reflexivos que me conduz a um poema de Amilcar
de Castro, “A pescaria”, no qual ele diz:

[...]
A linha não existe.
Mas, quando feita pela mão do
homem é desenho.
Obedece como um rio
conspirando com as margens. É pensamento pensando.
E pensa e risca e divide
e desvela justiça entremeio
entremeando espaços opostos:
mapa do seu destino [...] (2001, p. 75).

O poema me remete à pergunta: como se dá a relação entre linha


e reflexividade nos trabalhos de Amilcar de Castro e Willys de Castro?
Com certeza, a linha não aparece positivada na maioria de suas obras. Em
suas esculturas, Amilcar empreende incisões e deslocamentos em planos
e volumes. Em seus desenhos, a linha aparece como traço alargado, quase
como campo, e, sobretudo, como acontecimento, deixando seus rastros na
superfície, enfatizando a intervenção feita no plano. Como designer, Amilcar
acabou com os fios existentes nas páginas do Jornal do Brasil, argumentando
que ninguém os lia. De modo similar, em sua pintura rumo à escultura, Willys
interpõe planos de cor sobre volumes menos ou mais explicitados, jogo que
se transforma em contraposição de elementos e procedimentos das tradições
da pintura e da escultura.
Evitando a evidência da linha, Amilcar e Willys diferem de artistas
do concretismo que, em suas obras, seguem trilhas abertas por Wassily
Kandinsky, Kazimir Malevich e Josef Albers, entre outros artistas do
Arte, pensamento e forma [ 65 ]

construtivismo, que exploraram a linha como elemento plástico autônomo.


Entretanto, é possível ver linhas em obras de Amilcar e Willys, bem como
de Lygia Clark, entre outros, que, com outros meios e ações, evidenciam a
presença da linha ausente, tornando-a um elemento em negativo, embora
eminentemente ativo. Isso indica outros modos de pensar e usar a linha, de
lidar com suas dimensões intelectuais, com a racionalidade inerente à forma
configurada linearmente.
De Lygia Clark, com cujas Arquiteturas Jorge dos Anjos também se
relaciona em algumas de suas peças maiores para espaços externos como o
cubo penetrável, há o que ela concebeu, praticou e denominou como linha
orgânica. Em suas Superfícies moduladas, a linha é gerada a partir da conexão
de planos de cor idêntica, como no Quadrado branco sobre fundo branco, de
Kazimir Malevich. Essa linha, ativa embora um tanto interiorizada, ganha
corpo e explicita sua dimensão operativa, primeiro, quando se transmuta em
dobradiça nos Bichos. Depois, aumenta sua positividade, ainda que preserve
sua interioridade, e torna-se terapêutica, quando emerge do corpo humano
e forma rede orgânica na Baba antropofágica.
Limítrofe, fronteiriça, a linha surge a partir da justaposição de planos de
cor nos Objetos ativos, de Willys de Castro, assim como nas pinturas losângicas
de Hércules Barsotti. Linha que resulta, portanto, da variação cromática,
do jogo de diferenças qualitativas entre tons distintos e que, desses planos,
se estende às diferenças entre obra e espaço, objetos e ambiente. Assim,
também aparece nas logomarcas e outros projetos gráficos realizados por
Willys e Barsotti.
Nas esculturas em aço de Amilcar, a linha surge mais ou menos negativa,
a partir do corte e da dobra do plano. É ausência de matéria conformada
linearmente, o risco de vazio que faz imaginar e traz à lembrança a ação
incisiva, o corte na peça. É, também, marca linear que surge na matéria
a partir da dobra resultante da espacialização. Linhas que são, portanto,
indícios de ação e estão conectadas às linhas negativas nas esculturas em
madeira, aos traços nos desenhos, aos fios negativos que estruturam os
projetos gráficos de Amilcar.
Essas diferentes linhas de Clark, Barsotti, Willys e Amilcar, não
explícitas, evidentes como fronteiras entre planos de cor ou matéria, díspares
ou idênticos, como lapsos ou variações da matéria, não deixam de configurar
racionalmente a linha. Contudo, a configuram com modos algo duvidantes,
ora sóbrios, ora dramáticos.
[ 66 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

E como é a linha no trabalho de Jorge dos Anjos? Ainda que o cubo se


constitua com linhas negativas derivadas de corte, no conjunto de sua obra
a linha é ambígua, pois muitas vezes apresenta-se positiva para delinear
uma simbologia específica. Isso nos faz pensar outras questões abertas pelos
cubos, adentrar outras sendas.
Feitos os cubos, Jorge, um afrodescendente, se perguntou como se
relacionam ao universo cultural africano e afro-brasileiro. Matutou. Pensou
no oco existencial que sentia quando os fez, no vazio instaurado em sua
vida pelas perdas recentes de seus amigos Amilcar de Castro e Éolo Maia,
com os quais havia respectivamente estudado e colaborado. A reflexão o
conduziu ao culto dos égún, os mortos para os nagôs, com suas manifestações
por meio de vazios envoltos por tiras de panos moventes.3 Assim, uma
dimensão africana da obra se revelou para seu próprio autor, nos permitindo
ver como, muitas vezes, na arte, a obra comanda o processo de seu vir-a-ser,
chegando, por vezes, a surpreender o artista, e como as ideias se encarnam
e se desdobram no tempo e no espaço. Assim, as esculturas também se
mostraram uma homenagem de Jorge a Amilcar. Homenagem verdadeira,
porque nela o discípulo confirma o caminho próprio que vem delineando
nas trilhas abertas a partir do mestre, evidenciando filiação e autonomia.
A obra ajuda a pensar como a questão da afrodescendência em seu
trabalho é, por vezes, um dado a priori, sobretudo quando é figurativa.
Em outras ocasiões, essa referência é pensada a posteriori. No entanto,
não implica imposição à obra, pois revela-se presente já no fazer, no ser.
É, portanto, estrutural, embora deva ser procurada e até constituída.
O que ajuda a ver como, na obra de Jorge dos Anjos, assim como na
vertente artística designada como afro-brasileira,4 as conexões com
a afrodescendência são, ao mesmo tempo, naturais e construídas,
inconscientes e programadas.
Em seu “construtivismo crioulo”, como Jorge qualificou seu próprio
trabalho (apud Sampaio, 2009, p. 45), destaca-se uma dominância gráfica
que, como visto, está relacionada tanto ao risco incisivo, seco e dramático
com o qual, a partir do concretismo, Amilcar de Castro delineia suas obras,
quanto à “riscadura afro-brasileira” (Valentim, 2001, p. 29), hierática,
religiosa, de Rubem Valentim. Pois Valentim inicia seu “Manifesto ainda que
tardio”, de 1976, dizendo que sua “linguagem plástico-visual-signográfica está

A esse respeito, ver Santos (1986).


3

A esse respeito, ver Conduru (2007).


4
Arte, pensamento e forma [ 67 ]

ligada aos valores míticos profundos de uma cultura afro-brasileira (mestiça-


animista-fetichista)” (p. 28). E relata como estabeleceu essa conexão:
Intuindo o meu caminho entre o popular e o erudito, a fonte e o
refinamento – e depois de haver feito algumas composições, já bastante
disciplinadas, com ex-votos –, passei a ver nos instrumentos simbólicos,
nas ferramentas do candomblé, nos abebês, nos paxorôs, nos oxês,
um tipo de ‘fala’, uma poética visual brasileira capaz de configurar
e sintetizar adequadamente todo o núcleo de meu interesse como
artista. O que eu queria e continuo querendo é estabelecer um design
(riscadura brasileira), uma estrutura apta a revelar a nossa realidade –
a minha, pelo menos – em termos de ordem sensível. Isso se tornou
claro por volta de 1955-1956, quando pintei os primeiros trabalhos
da sequência que até hoje, com todos os novos segmentos, continua
se desdobrando (p. 28).

O que ajuda a ver o projeto de Valentim é responder, como artista, a


dois mundos plásticos impactantes e complexos, o da geometria racional do
construtivismo e o da geometria mítica das religiões afro-brasileiras. Mundos
que ele pretendeu fundir no campo da arte, com consciência crítica das
linguagens artísticas modernas em confluência com o universo religioso.
Operação oriunda de suas vivências entre a Escola de Belas Artes, as igrejas
e os terreiros na Bahia, de seu permanente trânsito entre os mundos da
cultura popular e erudita, entre Brasil, Europa e África.
O manifesto e outros textos de Valentim permitem perceber como,
seguindo as pesquisas de Alfredo Volpi e Milton Dacosta, ele articula
princípios das vertentes construtivas da arte moderna com as formas
simbólicas presentes no candomblé, na umbanda e em outras religiões. Nesse
sentido, é importante ressaltar sua experiência do concretismo, com o qual
dialogou: “Logo percebi, pelo menos entre os paulistas, que o objetivo final de
seu trabalho eram os jogos óticos, e isso não me interessava. Meu problema
sempre foi conteudístico, a impregnação mística, a tomada de consciência
de nossos valores culturais” (Valentim apud Amaral, 1977, p. 292).
Como disse Giulio Carlo Argan,
o que sua pintura, em última análise, quer demonstrar é que nas atuais
concepções do espaço e do tempo os símbolos e os signos de uma
experiência antiga, ancestral, conservam uma carga semântica não
inferior à geometria pitagórica ou euclidiana (2001, p. 37).

Valentim, porém, concentrou-se menos nos ritos das religiões afro-


brasileiras do que em sua cultura material, mais nas coisas do que nos
[ 68 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

acontecimentos. A hieraticidade sacra que esses objetos preservam ajuda


a entender a dominância da linha racional com a qual define signos de
religiosidade ambígua que remetem a um misticismo de cunho universal.
Linha que nos faz atravessar novamente o Oceano Atlântico, seguindo
fluxos da cultura artística relacionados à diáspora africana. Nessa passagem
da América à África, a questão pode ser vinculada, mais especificamente, à
arte dos ioruba, na qual, segundo Clifford Geertz, a onipresença do grafismo
deriva da condição fundamental da linha para aquela cultura. Explorando
conexões entre linguagens artísticas e estruturas sociais, Geertz defende que
não se pode “entender objetos estéticos como um mero encadeamento de
formas puras”. Assim, propõe:
Tomemos como exemplo um tema aparentemente tão transcultural
e abstrato como a linha, e consideremos seu significado na escultura
ioruba, segundo a descrição brilhante feita por Robert Farris
Thompson. A precisão linear, diz Thompson, a mera clareza do
traço, é a preocupação principal dos escultores ioruba e daqueles que
avaliam a obra do escultor. E o vocabulário de qualidades lineares,
que os ioruba usam coloquialmente e em referência a um espectro de
interesses muito mais amplo do que simplesmente a escultura, é sutil e
extenso. E não são só suas estátuas, potes e outros objetos semelhantes
que os ioruba marcam com linhas: fazem o mesmo com seu rosto.
Cortes em forma de linhas com profundidade, direção e comprimento
variáveis, feitos no maxilar, tornam-se cicatrizes em suas faces; e a[s]
terminologia[s] usada[s] pelo escultor e pelo especialista em cicatrizes
– ‘cortes’ são diferentes de ‘talhos’ e ‘espetadela’ ou ‘marca de garras’,
de ‘fendas abertas’ – são precisa e exatamente correspondentes, nos
dois casos. Mas a importância do traço não termina aí. Os ioruba
associam a linha com civilização: ‘Este país tornou-se civilizado’, em
ioruba, quer dizer literalmente: ‘Esta terra tem linhas em sua face’
(1997, pp. 148-9).

Linha ioruba, racional, dotada de significados amplos, coletivos,


que está presente na “riscadura afro-brasileira” de Rubem Valentim e no
“construtivismo crioulo” de Jorge dos Anjos.
No caso de Valentim, essa linha se conecta a linhas construtivistas e
outras. Isso porque as religiões afro-brasileiras são, em seu trabalho, bases
para a configuração de uma nova plástica cosmológica, que o fez aproximar-
se de outros sistemas plásticos vinculados a místicas religiosas: i-ching,
tarô, taoísmo, bhagavad-gita, cristianismo. Conjunção de arte e misticismo
que, nos deslocamentos continentais e marítimos deste texto focado em
Arte, pensamento e forma [ 69 ]

linhas pensantes, nos conduz a Sabará, cidade vizinha a Belo Horizonte,


de onde partimos, mais exatamente à capela de Nossa Senhora do Ó. Com
as chinesices de algumas de suas pinturas, essa capela nos remete à arte da
China, que é referência mor no que tange ao uso da linha como elemento
da arte reflexiva. Como disse James Cahill, a China fez do traço o centro de
suas preocupações: “A linha domina a pintura chinesa do início ao fim de
sua história”. Algo delineado muito cedo, pois, segundo o autor, Chouo Wen
escreve no primeiro dicionário chinês, publicado no fim do primeiro século
de nossa era, que “pintar consiste em desenhar as fronteiras” (1977, p. 11).
Ainda segundo Cahill,
na China apareceu muito cedo uma teoria estética segundo a qual a
pintura tem por função exprimir o pensamento e os sentimentos do
indivíduo que a cria, além e mesmo a despeito de toda interpretação
descritiva ou metafísica do mundo exterior. Essa concepção, que
determina um lugar secundário ao mundo exterior, não pode florescer
senão em um contexto humanista (p. 5).

Eis o que determina questões importantes para os pintores chineses, de


acordo com Cahill:
Como fazer do estilo um instrumento de expressão pessoal? Como
chegar a um equilíbrio entre descrição objetiva e comentário subjetivo?
Como carregar de conteúdo humano a matéria formal da pintura,
separar sua significação própria do sentido literal ou simbólico do
tema (p. 6)?
Essa teoria alcança um momento especial na escola wen-jen-houa,
fundada por Sou Che (1036-1101), também conhecido como Sou Tong-p’o,
e outros letrados, durante a dinastia Song (960-1275). Sou Tong-p’o escreve:
“Toda pessoa que fala de semelhança em pintura deve ser reconduzida às
crianças”. Também conhecida como “pintura de letrados”, essa escola era
marcada pelo confucionismo, que entende a poesia, a música, a caligrafia
como veículos do ser profundo de seus autores, de seus sentimentos e
pensamentos (pp. 89-105).
Trata-se de uma linha sensível e pensante que pode nos remeter
novamente à Europa, ao pensamento de Giulio Carlo Argan. Em uma
entrevista concedida a Marc Perelman e Alain Jaubert, ao falar da situação
da história da arte na Itália, no segundo pós-guerra, e da Universidade de
Roma, da qual se tornou professor devido à escolha de Lionello Venturi para
que o sucedesse, Argan diz:
[ 70 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Lá eu desenvolvi sobretudo a pesquisa que foi o objetivo de toda


minha vida: o conteúdo de ideias das obras de arte. Eu estava
persuadido, e eu estou sempre persuadido, que há toda uma cultura
que não é secundária vis-à-vis à cultura literária ou filosófica da
época, mas que não é igualmente conhecida porque evidentemente
a linguagem figurativa, a linguagem visual é muito menos difundida
do que a linguagem verbal. Eu sempre procurei reconstruir a filosofia
dos artistas, até o meu último trabalho, sobre Michelangelo, que eu
tentei descrever, assim como talvez Erasmo de Roterdã, como o maior
filósofo do século XVI (1992, p. 15).

Mais adiante, na mesma entrevista, ele complementa:


Às vezes, me reprovam por dar muita importância à cultura, às ideias,
à reflexão, à filosofia dos artistas. Dizem: ‘Mas Michelangelo nunca
refletiu sobre essas coisas’. Eu concordo. Mas eu as pensei e não as
poderia ter pensado sem Michelangelo (p. 37).

Se Argan publicou um livro intitulado, parafraseando o título de um


de seus livros, História da arte como história da cidade (1992), podemos dizer,
seguindo esse entendimento da arte como modalidade de pensamento, que
ele entende e escreve uma história da arte como história do pensamento.
Dando outro salto de espaço e tempo, este descontínuo texto retorna a
Belo Horizonte, à obra de Jorge dos Anjos. Em texto sobre ele e seu trabalho,
Ricardo Aleixo (2009) indica como o artista conjuga, no trabalho e na vida,
forças antagônicas: matéria e vazio, construção e destruição, raivas e raízes. E
finaliza dizendo que Jorge “constrói vazios” (p. 144). Essa imagem e a abertura
de um poema de Tavinho Moura – “Casa do fazer” (2009, p. 140) – constituem
boas vias de acesso ao trabalho do artista e bem podem resumir a obra com a
qual se iniciou essa leitura-viagem, fazendo-nos retornar aos planos que, com
linhas incisivas, se abrem e se articulam incorporando à matéria o seu oposto, o
vazio, para criar espaços cúbicos. A partir de “No meio do caminho”, o célebre
poema de Carlos Drummond de Andrade (2006, p. 16), podemos dizer que
no meio do caminho há não uma pedra, mas um cubo. E que esse cubo, por
meio de suas frestas, de suas linhas, abre muitos caminhos.

Referências
ALEIXO, Ricardo. “Movida a raivas”. In DOS ANJOS, Jorge. Jorge dos Anjos. Belo
Horizonte: C/Arte, 2009.
AMARAL, Aracy (org.). Projeto construtivo brasileiro na arte. São Paulo: Pinacoteca do
Estado; Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna, 1977.
Arte, pensamento e forma [ 71 ]

ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006.
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
------. Texto sem título republicado in FONTELES, Bené e BARJA, Wagner (orgs.).
Rubem Valentim: artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2001 [1966],
p. 37.
CAHILL, James. La peinture chinoise. Genebra: Skira, 1977.
CASTRO, Amilcar de. “A pescaria”. In BRITO, Ronaldo. Amilcar de Castro. São Paulo:
Takano, 2001.
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Castro. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
------. “Obras recentes de Hércules Barsotti” [1974]. In CONDURU, Roberto. Willys
de Castro. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
CONDURU, Roberto. Arte afro-brasileira. Belo Horizonte: C/Arte, 2007.
GEERTZ, Clifford. O saber local. Petrópolis: Vozes, 1997.
KRAUSS, Rosalind. “A escultura no campo ampliado”. Gávea, PUC-Rio, 1984, pp.
87-93.
MOURA, Tavinho. “Casa do fazer”. In DOS ANJOS, Jorge. Jorge dos Anjos. Belo
Horizonte: C/Arte, 2009.
PERELMAN, Marc e JAUBERT, Alain. “Interview de Giulio Carlo Argan”. In
BUONAZIA, Irene e PERELMAN, Marc (orgs.). Giulio Carlo Argan (1909-
1992). Historien de l’art et maire de Rome. Paris: Les Éditions de la Paisson, 1999.
SAMPAIO, Márcio. “Risco, recorte, percurso”. In DOS ANJOS, Jorge. Jorge dos Anjos.
Belo Horizonte: C/Arte, 2009.
SANTOS, Juana Elbein dos. “O sistema religioso e as entidades sobrenaturais: os
ancestrais”. Os nagô e a morte. Petrópolis: Vozes, 1986, pp. 102-29.
VALENTIM, Rubem. “Manifesto ainda que tardio”. In FONTELES, Bené e BARJA,
Wagner (orgs.). Rubem Valentim: artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado,
2001.
[ 72 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

A intricação de espaços na arte

Stefania Caliandro
Universidade de Roma

A complexidade espacial da arte não se reduz às suas imagens, mesmo


que, na maioria das vezes, sejam essas o meio principal, ou até o único, para
que entremos em contato com as criações. Sem querer omitir a questão
dos vários meios sensoriais em que as obras podem atuar, nem subestimar a
importância dos materiais implicados, privilegiar-se-á aqui a espacialidade
gerada pelas imagens – limite ditado por uma simplificação arbitrária e
preliminar de um âmbito, ainda assim, muito vasto.
Para uma percepção contemporânea, a construção do espaço com relação
às imagens evoca, entre outros, o problema de construir a profundidade em
uma superfície geralmente bidimensional. Talvez isso pareça remeter, em
primeira instância, à perspectiva renascentista. No sentido comum, essa
técnica teria estabelecido parâmetros exatos para representar um espaço
geometricamente contínuo, organizando e unificando as várias partes do
quadro. Uma análise mais aprofundada demonstra, ao contrário, que essa é
apenas uma das possibilidades de construir e, portanto, conceber o espaço
da arte, e que, mesmo restringindo-se a suportes planos, não somente outras
culturas realizaram obras de maneira diferente, mas essa própria forma
perspética contém, nas suas realizações, elementos da própria desconstrução.
É interessante repensar esse pretenso momento central da arte para entender
até que ponto há ou não descontinuidade relativamente às concepções
pós-modernas. Ressaltar-se-á, por outro lado, a influência da orientação
historiográfica, dirigindo e, às vezes, forçando um certo tipo de olhar na
interpretação da história da arte.
Depois de ter sido exaltada como ápice da pretensa evolução rumo à
conquista da terceira dimensão na superfície, a perspectiva linear começou
a ser denegada na história da arte a favor de novas concepções modernas
e contemporâneas do espaço. O abandono desse dispositivo, definindo um
Arte, pensamento e forma [ 73 ]

ponto de vista único e fixo, uma construção em linhas de fuga convergentes


e um espaço organizado de maneira homogênea e mensurável, teria
revolucionado a criação artística. Contudo, analisando melhor os espaços
em questão, talvez se descubra alguma continuidade inesperada no que
concerne à complexidade das obras, apesar da aparente posição de recusa
declarada pelas teorias estéticas desde o final do século XIX. Mais do que
exaltar uma ou outra solução formal, relacionada também a algum tipo de
pensamento da arte, o presente texto se propõe a focar a complexidade
espacial que atravessa as criações, reunindo diversas reflexões esboçadas pelos
teóricos da arte e assumindo, ao mesmo tempo, uma ótica pós-estruturalista
que descreva, sem nenhuma intenção exaustiva, a multidão e a variedade
das formas espaciais. Perceberemos, notadamente, a existência de espaços
descentralizados, construídos por justaposição e entrecruzamento de várias
formas perspéticas, ou, ainda, em entrelaçamentos.
A apreensão sensorial do espaço e sua representação e percepção através
de uma imagem são dois momentos distintos que a teoria da arte deveria
ajudar-nos a não superpor de maneira rápida demais. Se a ótica e as ciências
da visão constituíram referências na construção de um espaço na pintura ou,
em geral, nas artes que se valem essencialmente de duas dimensões (desenho,
estampa, fotografia etc.), há muito tempo foram reconhecidos vários modos
de representar o espaço percebido, em particular a profundidade da terceira
dimensão no suporte plano. Em “A perspectiva como forma simbólica”,
Erwin Panofsky (1975) estudou o problema de um ponto de vista histórico,
levando em conta diversos sistemas de representação e construção do espaço
anteriores à ideação da perspectiva linear.
Anteriormente a esse ensaio, o pesquisador, teólogo, filósofo e
matemático russo Pavel Alexandrovich Florensky, também conhecido
como padre Paul Florensky, escreveu, em 1919, o texto “A perspectiva
invertida”, no qual ele redimensionava a importância da perspectiva linear
com relação a outros modos de construir o espaço em culturas diferentes.
Assim, a perspectiva invertida, que Rudolf Arnheim ainda definia, cinquenta
anos mais tarde, como um dos “desvios do realismo projetivo”,5 tornou-se,
no ensaio de Florensky (1992), a via para levar em conta outras formas
espaciais na pintura.

Continua Arnheim: “Termo pelo qual designo o tipo de imagem criada por lentes, através de
5

projeção ótica”. Seu texto começa assim: “A perspectiva invertida é um fato secundário. Ocorre
de vez em quando em períodos da história da arte que não são submetidos à tirania da perspectiva
dominante” (1989, pp. 167-94).
[ 74 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

O olhar dirige-se em primeiro lugar aos ícones russos dos séculos XIV,
XV e, em parte, XVI, que transgridem a unidade espacial da perspectiva
renascentista e são, no entanto, segundo Florensky, superiores em valor
artístico aos que se adaptam a essas regras. O autor reconhece um
princípio de policentrismo, segundo o qual os diversos elementos do ícone
respondem cada um a seu próprio centro perspético, mais do que a um
ponto de vista único. De maneira parecida, as linhas de contorno que se
destacam pelo uso de cores diferentes e, em geral, os traços do desenho
colocados em ênfase, assim como a ausência de uma única fonte luminosa
e a iluminação contraditória das partes, contribuem com uma estruturação
por planos, cientemente assumida pelas obras (Florensky, 1992, pp. 67-72).
A reflexão se faz, em seguida, mais abrangente, incluindo, por exemplo,
a produção egípcia e babilônica, mostrando, então, como também outras
culturas não se submeteram ao ilusionismo preconizado pela pintura
pompeiana que a pintura italiana, de Giotto ao renascimento, iria impor.
De todo modo, a conclusão de Florensky desmente qualquer pretensão de
realidade ou de justeza – senão simbólica – da perspectiva clássica: o espaço
representado e o espaço que o representa são ambos bidimensionais, mas
incomensuráveis entre si, pois sua curvatura é diferente e varia de ponto a
ponto. Toda tentativa de superpô-los, curvando um dos dois espaços, ou,
ao contrário, achatando o espaço curvo do objeto percebido, comportaria
inexoravelmente rupturas e dobras de um dos planos. Como aponta
Florensky, “a representação é sempre antes diferente do que semelhante
ao original” (1992, p. 109, tradução minha).
Florensky se vale de todos os seus conhecimentos para demonstrar, com
recursos matemáticos, os limites da perspectiva clássica, que pressupõe: a
concepção de um espaço euclidiano, isto é, isótropo, homogêneo, infinito
e ilimitado – na acepção da geometria de Riemann – e de curvatura zero;
uma ótica kantiana determinando um ponto excepcional e único no espaço
infinito; e uma visão de um olho só, através de um ponto de vista fixo, imóvel
e imutável, excluindo todos os processos psicofisiológicos em que o visível
pode ser influenciado pelos espaços tátil, auditivo, gustativo, olfativo, do
sentimento orgânico geral etc. (Florensky, 1992, pp. 110-4).
Erwin Panofsky relançou, poucos anos mais tarde, essa correspondência
entre o espaço perspético do renascimento e o espaço geométrico euclidiano.
Uma construção homogênea, métrica e quase mensurável atuaria nas criações
daquela época, uma vez que, segundo esse historiador da arte, a respeito
Arte, pensamento e forma [ 75 ]

dos sistemas de representação anteriores, o renascimento conseguia “fazer


total abstração da estrutura psicofisiológica” do espaço para “construir um
complexo espacial unívoco e coerente de extensão infinita (no quadro da
‘direção do olhar’)” (1975, p. 156). É a estrutura de um espaço “infinito,
contínuo e homogêneo” que Panofsky encontra na perspectiva linear.
Reaproveitando o ensaio de Ernst Cassirer, citado pontual e longamente em
“A perspectiva como forma simbólica”, Panofsky contrapõe o espaço métrico
renascentista ao espaço visivo e ao espaço tátil, que são, esses, anisótropos
e não homogêneos.6
Essa dualidade entre um espaço métrico construído racionalmente e um
espaço psicofísico não homogêneo foi retrabalhada, mais recentemente, por
Jean-François Lyotard, que atacou “a organização gestaltista da percepção
visiva” como “fruto de uma racionalização secundária” (1985, p. 156,
tradução minha). Apoiando-se no ensaio La perspective curviligne, de Barre e
Flocon, e demonstrando que nenhuma forma regular, exceto o círculo, pode
realmente ser vista como tal e que a educação e o hábito levam o cérebro
a retificar as distorções da percepção, Lyotard afirma que “[a]prender a
ver é desaprender a reconhecer” e exorta dar espaço “ao lugar figural por
excelência, ao campo da visão que a atenção focalizada reprime e que implica,
em torno da pequena zona de visão distinta (zona foveal), uma vasta borda
periférica ao espaço curvo” (p. 157).
Dessa “heterogeneidade irreversível da zona focal e da periferia”, o autor
ressalta, mais do que a importância da margem, o surgimento da diferença, ou
seja, “o evento, a atemporalidade irreversível, a espacialidade não simétrica”,
“incorporando o desequilíbrio em um sistema estrutural” (p. 165).
Panofsky era ciente, pelo menos em parte, dessa questão quando
expressava que a construção da perspectiva do renascimento se descuida
dessas diferenças ou as ignora, isto é, não apenas nossa visão não é
determinada por um único olho imóvel, mas a dimensão e a forma dos objetos
são sujeitas a modificações aparentes. Por isso, as deformações laterais,
ainda que debatidas pelos teóricos do renascimento, eram retificadas no
momento da projeção geométrica sobre a superfície pictórica (1975, pp.
43-9). De acordo com Panofsky, isso teria levado os artistas a superar a
contradição entre perspectiva naturalis e perspectiva artificialis, aplanando as
incongruências (p. 67).

Cf. o longo trecho de Philosophie der symbolischen Formen (1925), de Ernst Cassirer, citado por
6

Panofsky nas páginas 42-3 de seu referido ensaio.


[ 76 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Essa idealidade do sistema perspético do renascimento não se encontra,


porém, na produção artística daquela época. Florensky foi bem cuidadoso
a esse propósito, notando que os artistas cometiam erros e que nessas
inexatidões perspéticas permanece, ao final, a força da arte (1922, pp.
91 e ss.). Por outro lado, desejoso de notar o impulso constante rumo ao
aperfeiçoamento da ciência da arte, o livro de Martin Kemp reconhece as
defasagens substanciais entre o geometrismo teórico e os modos utilizados
para os artistas procurarem dar conta, de maneira eficaz, da percepção
humana. Das primeiras experimentações renascentistas às obras que
aplicavam rigorosamente a nova técnica para representar a profundidade
na superfície, sem contar as criações que rejeitavam deliberadamente as
normas perspéticas, o autor lembra correções instintivas e arranjos empíricos
adotados pelos artistas no sentido de apropriarem-se da nova técnica e
realizarem assim os efeitos esperados (Kemp, 2005, p. 29).
Efetivamente, os artistas visavam escapar do impasse da deformação
lateral: Brunelleschi e Piero della Francesca se preocupavam, tanto nas
experiências plásticas como nos conselhos teóricos, em não ultrapassar um
ângulo de visão ocular de 53° ou, em qualquer caso, inferior a 90°, ao menos
horizontalmente. De maneira parecida, o autor do código Huygens convidava
a não empregar pontos de vista próximos demais a fim de evitar escorços
verticalmente acentuados, especialmente no que concerne às extremidades
superiores e inferiores.7 Se essas considerações permaneciam relacionadas
à construção da perspectiva linear, Leonardo da Vinci já começava a
questioná-la, ressaltando que os ângulos de visão de objetos equidistantes
entre eles se reduziam progressivamente nas partes mais afastadas do centro,
de acordo com seu esquema do plano curvo, e provocavam deformações
monstruosas – o que era preciso evitar – para um observador que não se
colocasse exatamente no ponto de vista designado. Além disso, em 1507-
1508, com seu tratado sobre o olho, Leonardo demonstrou que a visão ocular
não se concentra em um ponto, mas que diversas pirâmides óticas atingem
esse órgão. Consequentemente, nenhuma borda de objeto pode ser vista
claramente, daí a oportunidade de seu sfumato nos contornos das formas
(Kemp, 2005, pp. 55-64).
Embora nos tratados, em geral, esses artistas estudassem o modo mais
científico e rigoroso para aplicar a nova técnica perspética, suas realizações

O autor do Código Huygens, tratado norte-italiano de meados do século XVI, parece ter sido
7

identificado com Carlo Urbino de Crema (Kemp, 2005, p. 87).


Arte, pensamento e forma [ 77 ]

contradizem uma utilização fiel. Isso é evidente não apenas nas primeiras
obras, nas quais essa construção do espaço ainda estava sendo desenvolvida
– como no Banquete de Herodes (1423), de Donatello, com dois pontos
de fuga diferenciados, um para o chão e a cena em primeiro plano, outro
para a arquitetura e a parte superior do baixo-relevo –, mas também na
maioria das representações perspéticas seguintes. Até Paolo Uccello, um
dos mais fervorosos pintores de figuras em escorço, parece ter desenhado
dois pontos de fuga na luneta de Natividade (aproximadamente 1450),
cujo péssimo estado de conservação impede, infelizmente, uma adequada
compreensão a seu respeito. Ele se serviu também desse expediente em
O dilúvio universal (aproximadamente 1445), em que a construção em
dois pontos de fuga diferencia a temporalidade das duas cenas – durante
e depois do dilúvio – no interior da mesma representação (Kemp,
2005, pp. 47-9). Os artistas, de fato, não hesitavam em reunir diversos
sistemas de profundidade espacial e amalgamá-los para transmitir uma
impressão perceptiva eficaz. Assunção de São João Evangelista, esculpida
em baixo-relevo por Donatello, ou o afresco no teto da Camera degli
Sposi, de Mantegna, são outras ilustrações desse fenômeno: a ferramenta
geométrica se hibridava com outras soluções em que diversas perspectivas
– frontais, descentradas, de baixo para cima, mais ou menos acentuadas
etc. – compartilhavam o espaço, desde já plural, da imagem.
Em geral, as criações do renascimento e da época clássica manifestam
praticamente uma arquitetura espacial por imbricação e entrelaçamento
de várias formas perspéticas. Um espaço concebido como contínuo
ou homogêneo, conforme o definia Panofsky, não se encontra senão
excepcionalmente. Embora esse espaço tenha sido estudado e até planejado
do ponto de vista teórico, quase nunca foi implementado. Seria um erro
pensar que isso resulte de uma economia de meios práticos ou de uma
falta de precisão na aplicação do modelo. Em primeiro lugar, porque
a intuição estética prepondera sempre sobre a realização maquinal do
sistema geométrico. Secundariamente, porque há tratados apoiando a
hibridação do modelo. Leonardo, como mencionado acima, colocava
em questão a perspectiva linear e justapunha, a essa solução, a ideia de
uma representação espacial modificando-se na medida em que a visão
se aproxime das extremidades do campo ou, ainda, uma perspectiva
atmosférica fluidificando linhas e contornos e alterando os tons das cores
para significar a distância. Mas é interessante olhar também os desenhos
[ 78 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

teóricos de Albrecht Dürer,8 nos quais ele procura geometrizar o corpo


humano em volumes, projetando-o no espaço de acordo com suas várias
orientações e deformando, enfim, esses blocos segundo uma ondulação
curvilínea inesperada.
O rigor retilíneo da perspectiva linear, portanto, seria superado ainda
quando essa técnica começava a se difundir. A adoção de vários pontos de
vista e, por consequência, de vários sistemas perspéticos no mesmo espaço
da imagem não causava problema algum à sua apreensão estética. Assim,
prefigurando muitas soluções compósitas de tetos, a cúpula de Lodovico
Cigli na Capela Paolina, em Santa Maria Maggiore, em Roma (1510-1512),9
mostra figuras em escorço projetadas em função de um observador situado
embaixo do afresco no centro da capela, enquanto as figuras nas bordas
da cena são sujeitas a uma deformação aparente e representadas quase
frontalmente. Sobretudo a imagem da Madona não se adapta à visão geral
em escorço e toma, ao contrário, toda a sua altura quando é observada de
um ponto de vista colocado exatamente na entrada da capela. É claro que
a pintura de superfícies arquitetônicas, em que o olhar do visitante segue
um percurso móvel dependendo da acessibilidade espacial efetiva do lugar,
aumentava as possibilidades de entrelaçamentos perspéticos, que os tetos
barrocos e o uso da squadratura tornarão sempre mais articulados.
Voltando à organização gestáltica da percepção que Lyotard denunciava,
parece essencialmente que eram a crítica e a teoria da arte que procuravam
uma boa forma na complexidade espacial da arte clássica, uma espécie de
ordem ideal baseada na perspectiva linear. Se houve racionalização secundária,
ela remete então mais à história da arte do que às obras ou às reflexões dos
artistas. Por outro lado, alguns teóricos perceberam e começaram a analisar
essa articulação complexa nas obras. Em seu tratado sobre a nuvem, Hubert
Damisch (1984) esclareceu como os pintores chegavam até a integrar espaços
a princípio incomensuráveis no interior da imagem e como, valendo-se do
elemento que mais confunde qualquer sistema perspético, isto é, a nuvem,
os artistas introduziam a transcendência do figurável na representação
figurativa. Ademais, o mesmo autor introduzia a ideia de dobra no espaço
pictórico quando da análise de Narciso, de Caravaggio, confrontando-o
Como esclarece Martin Kemp (2005), os desenhos de Albrecht Dürer reunidos em Vier Bücher von
8

menschlicher Proportion (Quatro livros sobre a proporção humana), terminados por volta de 1523 e
publicados postumamente em 1528, concernem à estereometria do corpo humano com relação
a seus movimentos no espaço.
Lodovico Cardi, dito Cigoli, A Madona da Imaculada Conceição, 1510-1512, Capela Paolina ou
9

Borghese, na igreja de Santa Maria Maggiore, Roma.


Arte, pensamento e forma [ 79 ]

com o quadro de Poussin de igual tema (Damisch, 1996). Nesse sentido,


é preciso ressaltar que a complexidade espacial não é prerrogativa da
contemporaneidade e da arte atual; ela não se encontra apenas nas obras
medievais e antigas por causa de uma inexperiência em conceber um espaço
contínuo e homogêneo, mas atravessa também a produção de todas as
épocas. Constitui o desafio maior para a teoria da arte: dar conta de um
espaço que só uma abstração geométrica simplificadora pode reduzir a uma
ótica puramente linear.
Desenvolvendo as reflexões de Panofsky em âmbito semiótico, a
canadense Fernande Saint-Martin procurou esboçar uma síntese de mais de
25 sistemas perspéticos possíveis na arte e na linguagem visiva (pp. 141-84,
especialmente 164-82). De acordo com aquele historiador da arte alemão, ela
ainda vê alguma homogeneidade espacial e um paralelismo com a geometria
euclidiana na produção da perspectiva clássica. Mas a ótica se amplia
resolutamente em vista de uma compreensão da espacialidade também nas
obras de outras culturas. Percebe-se certo interesse nas formas adotadas
pelas criações modernas e contemporâneas. Nesse quadro, a preponderância
das soluções renascentistas fica relativizada, sendo finalmente a perspectiva
linear e a atmosférica apenas dois casos da tipologia proposta. Assim, a
autora inclui nos sistemas perspéticos várias técnicas e maneiras para gerar
a sensação de profundidade na arte.
Ao mesmo nível das perspectivas já reconhecidas na história da arte
– como a perspectiva axial (também chamada perspectiva em eixo de
fuga ou a espinha de peixe) e a perspectiva invertida – e paralelamente
às perspectivas isométrica ou axonométrica e à cavaleira – ambas muito
utilizadas na arquitetura, no desenho geométrico e na arte –, Saint-Martin
se inspira nas intuições plásticas e nos escritos dos artistas para designar, por
exemplo, como perspectiva ótica a profundidade gerada por justaposição de
várias cores, tons, vetorialidades, dimensões, luminosidades e/ou texturas.
Assim, a percepção desses elementos topológicos10 na pintura gera uma
profundidade ótica e um relacionamento proxémico do observador com a
obra, provocando uma flutuação dos planos (frente/atrás da tela) a respeito
do que a autora chama de plano original do quadro (apud Wassily Kandinsky,

O termo é central na abordagem de Fernande Saint-Martin (1994), definida também como semiologia
10

topológica. Ela retoma esse termo da psicologia de Jean Piaget com o intuito de pesquisar as relações
espaciais elementares entre as partes, isto é, as relações que se estabelecem entre quantificações
não métricas, denominadas por ela de coloremas, assim como suas ordens em sequência ou por
englobamento (pp. 12 e ss., especialmente 14-5).
[ 80 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

1970). Talvez a obra de Mark Rothko revele essa utilização da perspectiva


ótica, assim como, obviamente em outros aspectos, a op art.
A perspectiva paralela, pelo contrário, define-se pela apresentação de
elementos justapostos e mostrados como vizinhos, apesar de sua efetiva
proximidade espacial. Poderíamos pensar na perspectiva tectônica, como
a definia Heinrich Wölfflin, opondo as primeiras realizações renascentistas
à perspectiva barroca – outra forma perspectiva segundo Saint-Martin –,
baseada, esta, no encadeamento de planos intermediários até o fundo,
potencialmente infinito, da representação. Mas a autora vai além das
referências à arte clássica ocidental e inscreve na perspectiva paralela
exemplos oriundos da arte infantil, da produção das sociedades ditas
primitivas, da arte egípcia, grega, bizantina, chinesa etc.
Se, na lista de Saint-Martin, algumas técnicas perspéticas têm relação
com o posicionamento do ponto de vista – como a perspectiva a voo de
pássaro, a perspectiva oblíqua ou do alto (das montanhas, por exemplo), a
perspectiva aérea ou, ainda, a perspectiva focal, que coloca seu objeto ao
centro do campo visivo e na extensão por completo do suporte –, outras
implicam um ajuste que o observador deve realizar para entender a obra.
Isso ocorre: na perspectiva esférica, em que a imagem é trabalhada sobre um
suporte curvo, quase esférico; na perspectiva da anamorfose, prevendo pelo
menos um ponto de vista acentuado e estranho contraposto à visão usual;
na perspectiva reversível, cujos exemplos mais evidentes são as imagens
metaestáveis no sentido da percepção gestáltica etc.
Por diversos aspectos, é difícil acreditar que essa listagem,
declaradamente não exaustiva, proponha uma verdadeira classificação
dos sistemas perspéticos, uma vez que algumas formas parecem derivadas
de outras 11 ou se superpõem parcialmente entre si. 12 Por sua vez, a
autora já teve ocasião de argumentar que o reconhecimento do eventual
entrecruzamento ou da coexistência de diversas perspectivas na imagem
não é um problema, pois, de acordo com o pensamento de Freud no
qual ela se inspira, a contradição não tem lugar nenhum. Uma maneira
surpreendente, mas eficaz, de sair do pensamento lógico, talvez bastante
simplificador das teorizações na arte.

Vejam-se as perspectivas frontal, paralela e em pisos (perspective en étagement, faixas ou quadrinhos


11

dispostos horizontalmente, em Saint-Martin, 1994, p. 181).


Veja-se a perspectiva em voo de pássaro com a do alto ou a aérea, assim como a perspectiva de
12

levantamento (ou, por transposição, perspective de rabattement, em Saint-Martin, 1994, p. 175)


com relação à projetiva.
Arte, pensamento e forma [ 81 ]

Sem buscar estabelecer juízos no âmbito dessa tipologia de sistemas


perspéticos, parece-me oportuno ressaltar, particularmente, duas técnicas
ou maneiras de criar a profundidade às quais Fernande Saint-Martin
mostra-se atenta e cuja análise é inusitada na teoria das artes. A perspectiva
de levantamento (ou por transposição) e a perspectiva arabesca ou em
entrelaçamentos, de fato, são duas maneiras compósitas de construir e
plasmar a espacialidade da imagem. Procedem por imbricação de, pelo menos,
dois pontos de vista ou planos de projeção distintos. Implicam, assim, uma
dinamização do olhar, um efeito de movimentação das profundidades expressas
na imagem, além do deslocamento real do observador perante a obra.
Conforme escreve a autora, a perspectiva de levantamento remete à arte
persa, medieval e, de acordo com um exemplo tomado de Panofsky (1975, pp.
83-5), observa-se também na arte egípcia, mas casos evidentes encontram-
se sobretudo na arte infantil.13 Essa perspectiva une, em uma disposição
geralmente frontal, um conjunto de elementos orientados diferentemente no
espaço, como, por exemplo, de perfil e em visão cartográfica de mapa. Assim,
as linhas delimitam as figuras tanto pelos contornos verticais quanto em
seção horizontal, sem discordância aparente entre as diversas angularidades
de visão adotadas. Essa maneira articulada de pensar e dar conta do espaço,
justapondo e encaixando diversas perspectivas na mesma imagem, atesta,
já nas primeiras fases da percepção humana, a faculdade de conceber e
apresentar uma experiência visiva – e não somente visiva – complexa. Talvez
essa compenetração de formas perspéticas não seja estranha também aos
chamados erros renascentistas analisados acima, que atrapalham o rigor da
perspectiva linear com a interposição de variantes intuitivas ou expressivas,
mais funcionais à estética artística.
A imbricação heterogênea de momentos perspéticos diferentes
torna-se ainda mais sutil naquela perspectiva que Fernande Saint-Martin
denomina de arabesca ou em entrelaçamentos. Nessa, a profundidade
ótica de cores, formas, texturas etc. interage com “ondulações lineares,
paralelas ou entrecruzadas, alternativamente escavando ou levantando a
massa topológica do plano original, de frente para trás”; essa perspectiva é
assim “suscetível de desenvolvimentos, de ramificações e de diversificações
sem fim” (1994, p. 170). As referências principais se encontram nas artes
oriental, persa, egípcia e medieval, assim como nas artes ditas menores e na

Segundo o estudo, essa representação aparece nos desenhos de meninos por volta de cinco anos
13

de idade (Saint-Martin, 1994, p. 175).


[ 82 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

arte ornamental estudada por Alois Riegl. Segundo a autora, essa perspectiva
em entrelaçamentos reapareceu finalmente na arte contemporânea – “sem ter
sido reconhecida” –, na pintura de Jackson Pollock.14 A fim de compreender
melhor tanto essa forma perspética quanto a aplicação possível da tipologia
proposta, considero oportuno entrar no mérito de dois exemplos sugeridos
por Saint-Martin, incluindo assim considerações espaciais sobre a criação
não ocidental e a aborígine no quadro de um estudo atento às diversidades
e ao multiculturalismo da arte.
A pintura corporal kadiwéu (ou cadiueu), intercalando de maneira
aparentemente assimétrica motivos geométricos e trançados curvilíneos
ornados de volutas e gavinhas, dinamiza as faces das mulheres em que
ela é aplicada, com uma ondulação entre abstração e decoração que
simultaneamente esconde e exalta a figuração própria do rosto e do corpo
feminino. Nesse sentido, provavelmente a produção kadiwéu é mencionada
como um caso de perspectiva arabesca ou em entrelaçamentos na tipologia de
Saint-Martin, que remete expressamente à análise realizada por Claude Lévi-
Strauss em Tristes trópicos (1966). Nesse ensaio, o antropólogo franco-belga
detalhava alguns aspectos sociais da arte corporal em sua função de máscara.
Acrescentava também a reflexão sobre a possível não correspondência
entre a estabilidade perceptiva da obra final e o processo dinâmico de sua
criação. Desenhos de pintura corporal, simples e equilibrados na configuração
resultante, são fruto de uma imbricação progressiva e assimétrica das partes,
desvendável apenas nas irregularidades dos pormenores. O conhecimento
da técnica construtiva da imagem modifica então a percepção do trabalho
pictórico, contribuindo com a flutuação dos planos e o entrelaçamento dos
elementos colocados na obra.
É preciso lembrar, todavia, que Lévi-Strauss pesquisou muito sobre os
índios sul-americanos e que, em um ensaio anterior, inserira a análise da arte
corporal kadiwéu em um discurso mais amplo sobre algumas formas de criação
indígena.15 No belo e rico artigo “O desdobramento da representação nas
artes da Ásia e da América” (1958), republicado mais tarde em Antropologia
estrutural, a questão da espacialidade torna-se central. O desdobramento,
tanto figurativo quanto socialmente significante, de uma cabeça pintada em

Uma vez que a referência não é mencionada no texto, provavelmente Saint-Martin não conhecia
14

as reflexões espaciais de Louis Marin sobre o dripping em all over de Pollock. Todavia, a análise do
semiótico francês parece desenvolver-se de acordo com essa interpretação, aprofundando, por
outro lado, ulteriores pontos relevantes (cf. Marin, 2004).
Em Tristes trópicos, ele mesmo faz referência ao escrito precedente.
15
Arte, pensamento e forma [ 83 ]

um desenho kadiwéu – “o rosto não é realmente visto de frente; é constituído


de dois perfis confrontados” (p. 294) – leva o antropólogo a se interrogar
sobre os motivos e a persistência de uma técnica de representação da figura –
geralmente humana ou animal – difundida em culturas aborígines temporal
e geograficamente muito longínquas.16 Essa técnica da split representation (ou
desdobramento da representação) é descrita do seguinte modo por Franz Boas:17
Imagina-se o animal partido em dois, da cabeça à cauda – ... há uma
depressão entre os olhos, que vai até o nariz. Isto demostra que a
cabeça propriamente dita não deve ter sido considerada uma visão
frontal, mas que consiste em dois perfis que se unem na boca e no
nariz, que não estão em contato na altura dos olhos e da testa... ou os
animais são representados como divididos em dois, de modo que os
perfis unam-se no meio, ou uma visão de frente da cabeça é mostrada
com dois perfis unidos do corpo (Boas, 1927, pp. 223-4, apud Lévi-
Strauss, 1958, p. 289).

Mostrando várias faces da figura, recompondo-a em uma espécie de


assemblagem coerente e unitária dos diversos lados vistos, a técnica da split
representation desloca e desdobra os elementos representados, reunindo-os
em uma perspectiva composta que poderíamos definir de transposição (ou
levantamento) das partes e sua nova intricação. Gera-se, desse modo, uma
imagem que não é percebida como resultado de perspectivas contrastantes,
até incomensuráveis, mas que é estruturalmente pensada em função de sua
dimensão antropológica.
Convém ainda distinguir, como precisa Lévi-Strauss, duas formas
principais de desdobramento: uma, propriamente dita, em que o rosto
ou o indivíduo inteiro é representado por dois perfis confrontados, e
outra, pertencente igualmente à split representation, em que uma face é
flanqueada por dois ou mais corpos. Se é prudente distinguir essas duas
formas, dado que talvez elas não procedam do mesmo princípio, mostra-
se contemporaneamente, segundo o antropólogo, toda a importância
do tratamento aplicado à face, particularmente ao rosto humano. Além
disso, tanto em um caso como no outro, pode-se apontar a questão da
saliência associada à imagem. Em termos inspirados na ótica warburgiana, o

Essa maneira de representar espacialmente a figura foi achada nas criações indígenas do noroeste
16

americano e, segundo Lévi-Strauss, encontra afinidades com a produção da China arcaica, da Sibéria,
dos maori na Nova Zelândia e de outras culturas.
Ainda que a versão portuguesa do ensaio de Lévi-Strauss traduza ocasionalmente split representation
17

como “representação da divisão”, prefiro manter o termo inglês, conforme fez Lévi-Strauss, e
indicar entre parênteses a acepção que ele sugeriu.
[ 84 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

antropólogo italiano Carlo Severi define a saliência como uma intensificação


da eficácia da imagem por meio da mobilização, elaborada visualmente, de
suas partes invisíveis (2004, p. 84). Conforme escreve Severi, reelaborando
uma antiga teoria do arqueólogo australiano Emmanuel Löwy, as imagens
ditas primitivas, paralelamente às estilizadas das crianças, não são
rudimentares, são mnemônicas, exaltam os elementos constitutivos do objeto
que têm valor pela memória da consciência individual ou coletiva de quem
as criou. Assim, a intricação de elementos perspéticos que podem aparecer
como discordantes ou incoerentes desvela, ao contrário, sua pertinência
com respeito à cultura diferente na qual a imagem foi criada.
Levando em conta as variantes da split representation com relação à sua
possível origem na representação em um objeto tridimensional poliédrico ou
cilíndrico, mais do que no suporte plano,18 Lévi-Strauss sublinha como todas
essas formas se submetem à funcionalidade da criação, pois o fim não é apenas
produzir um objeto decorado: a decoração é, sim, adaptada e modificada
pela estrutura do objeto, mas determina finalmente a função dele – ritual,
ancestral, totêmica, mágica etc., e não apenas estética. Esse valor antropológico
é essencial; contudo, talvez seja oportuno enfatizar igualmente a importância
técnica das variantes aqui mencionadas. A transposição espacial da figura
gera representações por alguns aspectos de tipo similar, apesar de a imagem
ser realizada seja nos vários lados de uma caixa retangular, seja sobre uma
pulseira redonda, seja em uma superfície achatada (1958, pp. 302-3). Porém,
a complexidade da imagem aumenta ulteriormente, dependendo do emprego
de um suporte em uma ou mais dimensões. Mudam não apenas as projeções
perspéticas necessárias e a maneira de juntá-las nos planos ou nos ângulos,
mas varia também a fruição da imagem pelo observador, que vê de um olhar
por inteiro ou em modo fragmentado a figura representada. A percepção da
imagem implica, mais uma vez, a modalidade de apreensão de seu sentido,
quer dizer, sua compreensão semiótica.
A ideia de sistemas espaciais múltiplos e de perspectivas compósitas
guiou-nos para analisar a intricação de planos e profundidades representadas
que se justapõem, se entrecruzam e se transpõem um no outro. Mais dificil
é entender como um sistema perspético possa valer-se do entrelaçamento
de planos e profundidades, provocando uma ondulação ótica que
perceptivamente escave ou levante o plano do suporte. Para essa forma mais
sutil de intricação de espaços – a perspectiva em entrelaçamentos –, Saint-

A tese de Franz Boas é retomada e, em parte, discutida por Lévi-Strauss (1958, p. 302).
18
Arte, pensamento e forma [ 85 ]

Martin fazia referência explícita ao arabesco. Uma passagem muito rápida


pelas produções da arte islâmica19 ajudará então a esclarecer esse ponto
e favorecerá, ao mesmo tempo, uma abertura à riqueza desse patrimônio
cultural, apesar de ele não ser adequadamente dominado por quem procede
apenas a uma comparação espacial.
No interior da arte islâmica, o arabesco compreende, no sentido
lato, tanto a ornamentação com elementos vegetais estilizados quanto
os entrelaçamentos rigorosamente geométricos. Talvez influenciada pelo
andamento gráfico e pelo simbolismo da escritura, a trama dos arabescos
se aproxima também do efeito de textura, presente tradicionalmente na
produção nômade de tecidos e, em especial, de tapetes (Burckhardt, 2002,
pp. 61-82). Assim, os monumentos islâmicos, repletos, em sua maioria, de
decorações de azulejos e estuques, parecem quase edifícios com fachadas,
paredes e cúpulas revestidas de tapeçaria. Evocam, na prática arquitetônica,
a arte, por excelência sedentária, de algum gosto nômade pertencente a
dinastias, a fundadores de império e à aristocracia de origem beduína, oriunda
do deserto ou das estepes (pp. 107-17). Em inúmeros casos, as decorações
vegetais ou, mais ainda, as geométricas, fruto de grande maestria técnica e
sólidos conhecimentos matemáticos, especialmente da álgebra (em que os
árabes primaram),20 fundam-se no ritmo continuamente repetido e variado
da imbricação dos motivos. O entrelaçamento torna-se um elemento crucial
da decoração islâmica. No entanto, para gozar de sua força, é preciso não
apenas ver, mas percorrer com o olhar o andamento das linhas, os traçados
das formas e seus entrecruzamentos, ou seja, a lógica morfogenética que
animou e ainda dinamiza a composição.
Observe-se, para mencionar apenas alguns exemplos, o revestimento
das fachadas da necrópole de Shah-i Zinda, em Samarcanda, notadamente
a fachada do mausoléu de Ali Nesefi (aproximadamente 1380) (Hattstein e
Delius, 2004, pp. 416-25). O plano do suporte desaparece para deixar ver, em
seu lugar, a urdidura dos elementos geométricos que o revestem. A percepção
da fachada resulta movimentada, menos pelos pequenos relevos ou entalhes
aplicados do que pela brincadeira visual dos traçados que se recortam, se
A preferência do termo arte islâmica, em lugar de arte árabe, deriva não apenas da importância
19

do valor religioso dos monumentos e das obras realizadas, mas, sobretudo, do grande número de
povos que, ao longo dos séculos, contribuíram com sua produção.
No século XI, o matemático e astrônomo Al-Khwarizmi, originário do Khwarizm (atual Uzbequistão),
20

chamado a trabalhar em Bagdá, publicou Kitab al-Jabr, tratado de álgebra pelo qual ele é considerado
o fundador da disciplina. Nessa mesma época, começaram a aparecer as primeiras decorações
geométricas islâmicas (cf. Boujibar, 2007, pp. 141-8, especialmente 148).
[ 86 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

superpõem, se voltam para baixo. A textura da ornamentação altera o aspecto


rígido e achatado da parede, permitindo uma flutuação do olhar, da frente para
trás e vice-versa, um entrelaçamento de espaços que as vibrações luminosas
exaltam. Amiúde na arte islâmica, a luz torna-se de fato protagonista, as
variações de formas, cores e materiais tornam-se lugar para que ela perfure a
superfície, clareie pesos, teça volumes e até trame transparências.
A ideia de captar e difratar a luz, símbolo sagrado da unidade divina,
reencontra-se também nas muqarnas (Burckhardt, 2002 pp. 82-7). Ali a textura
da ornamentação apenas desenhada ou em leve relevo nas decorações parietais
ganha dimensão e invade o espaço ambiente. Impropriamente chamadas de
alvéolos ou estalactites, as muqarnas são séries de nichos inseridos nos tetos e
no interior das cúpulas, articulando a passagem entre elementos arquitetônicos
planos e esféricos, especialmente entre a cúpula e seu baseamento cúbico
ou octagonal. Sem valor estrutural, movimentam a percepção e relançam,
no espaço tridimensional, a brincadeira lógico-geométrica já presente nas
ornamentações planas. Diversas variantes fazem delas um motivo recorrente
em diferentes elementos arquitetônicos, geralmente para enfatizar o espaço
sagrado e a complexidade da mediação com o alto (Stierlin, 2002). Sugerem
um entrelaçamento do olhar na difração dos planos, atuando na terceira
dimensão a proliferação de formas intersticiais quase fractais.
Assim, esse breve percurso entre criações artísticas tão diversas,
produzidas por culturas igualmente distantes, não apenas mostra a
variedade e a diversidade das formas espaciais, mas também revela que a
articulação complexa de espaços na arte não é fruto somente de um olhar
contemporâneo. Evadindo as simplificações talvez até acadêmicas com as
quais o discurso crítico acompanha a análise das obras, a complexidade da
arte permanece o desafio maior para uma teoria que vise à compreensão
da riqueza estética e plástica das criações. Na tentativa de aprofundar a
questão da espacialidade, encontramos várias formas possíveis de intricação
de espaços, desde aquelas amiúde desconsideradas e quase omitidas da arte
clássica até a superposição, o entrecruzamento e os entrelaçamentos de
perspectivas e profundidades na arte e na produção de imagens por outras
culturas. Sem dúvida, muito ainda poderia ser acrescentado, ampliando a
ótica dos espaços apresentada e representada na arte a uma concepção dos
espaços da arte,21 isto é, desenvolvendo o valor da obra como meio – medium

Retorno à diferença entre espaço do quadro e espaço no quadro, proposta por Louis Marin (2004),
21

distinguindo-os também do espaço do observador.


Arte, pensamento e forma [ 87 ]

no sentido latino – e, então, sua incidência com relação à definição do espaço


do observador. É um objetivo crucial da semiótica da arte pós-estruturalista
procurar entender como o espaço é trabalhado pelas imagens ou, melhor,
como as obras criam espaços em, através e a partir de si mesmas.

Referências
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STIERLIN, Herni. Arte islamica. L’influenza dell’architettura persiana da Isfahan al Tai
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[ 88 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0
Arte e religião [ 89 ]

arte e religião
[ 90 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0
Arte e religião [ 91 ]

Sobre as irmandades de clérigos em


Portugal e na América portuguesa:
o trânsito de modelos artísticos
entre as duas margens do Atlântico
André L. Tavares Pereira
Unifesp

Sobre as irmandades de clérigos


As irmandades de clérigos são agremiações que reúnem os membros
do clero secular, congregando-os em uma corporação que, como sublinharia
o historiador inglês Charles Boxer, procurava emular a estrutura das ordens
religiosas primeiras. Embora se estruturassem ao redor da figura tutelar de
São Pedro, devoções a outros santos, como São Felipe Neri, Nossa Senhora
da Conceição ou da Assunção, eram também patrocinadas pelos irmãos.
Essas agremiações têm sua existência contínua registrada ao menos desde o
século XV, quando se funda, na catedral de Viana do Castelo, uma irmandade
de clérigos devotada a São Pedro. Em fins dos anos 1590, temos já notícias
sobre a fundação de uma irmandade similar em Salvador, com capela junto
à Sé. No século XVII, seriam fundadas outras tantas em Amarante, no Rio
de Janeiro, no Porto e em Recife.
Seria em meados do século XVIII, entretanto, que essas irmandades
alcançariam seu momento de maior proeminência, muitas delas passando
por uma verdadeira refundação. A partir da década de 1720, os irmãos
construiriam suas sedes definitivas, não raro em pontos privilegiados do
espaço urbano e contando com edifícios marcados por grande ousadia
formal. As torres elevadas e as experiências com plantas centralizadas
poligonais ou elípticas são os recursos mais sublinhados. O caso do Porto,
com risco de Nicolau Nasoni, o do Rio de Janeiro, com risco atribuído a
José Cardoso Ramalho, o de Recife, por Manuel Ferreira Jácome, e o de
Mariana, por Souza Calheiros, são significativos na constituição desse
regime de exceção arquitetônico que caracterizou as igrejas dos clérigos.
Porém, havia mais: sua implantação espetacular, dotada de apurado senso
cenográfico, as transformou em marcos monumentais onde quer que se
[ 92 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

instalassem. Sob esse ponto de vista, os exemplos da torre nasoniana do


Porto e o sítio elevado em que se erigiu a igreja dos clérigos de Mariana são
os casos mais notáveis.
A função específica dessa agremiação – como ainda é possível perceber
a partir da leitura de seus compromissos1 – era a centralização administrativa
do clero secular, processo que se aprofunda a partir do Sínodo de Salvador,
em 1707. Apesar disso, o que se percebe é que as irmandades de clérigos
organizaram-se como uma versão em ponto menor da estrutura hierárquica
eclesiástica, algo como uma Igreja de Portugal dentro da Igreja de Roma. As
inscrições nos quadros da irmandade eram feitas logo após a ordenação dos
padres, mas eram também irmãos os cônegos, bispos, arcebispos e mesmo o
patriarca de Lisboa. Não raro, os prelados eram, eles mesmos, figuras-chave
na criação dessas instituições. Assim foi com D. José Fialho, em Recife, ou
D. Sebastião Moneiro da Vide, primeiro arcebispo de Salvador. Membros de
outras ordens religiosas eram também aceitos, como no exemplo clássico de D.
José Maria da Fonseca e Évora, franciscano que se tornaria bispo do Porto em
1741 e provedor da irmandade já a partir de sua elevação ao cargo. D. Tomás
de Almeida, bispo do Porto e primeiro patriarca de Lisboa, era, igualmente,
irmão do hábito de São Pedro e mecenas particularmente ativo na constituição
do patrimônio da irmandade portuense de clérigos. Conviviam no corpo da
irmandade, no reino ou na colônia, membros dos mais diversos escalões e,
por vezes, leigos que recebiam permissão especial para isso.
No contexto europeu, grosso modo, essas agremiações tenderam a
ter papéis e estruturas distintas do que se percebe no caso português. Em
certa medida, as irmandades de clérigos, como os Oratorianos, operavam no
contexto da Península Itálica. De fato, vamos encontrar no Porto um grupo
de padres reunidos ao redor do culto de São Felipe Neri que dará origem
a um terço da nova irmandade de clérigos que se cria por volta de 1731.
O mesmo ocorreria no caso de Recife, situação em que os clérigos de São
Pedro compartilhariam, por certo tempo, o espaço gerido pelos Oratorianos
na Igreja da Madre de Deus. Agremiações exclusivamente voltadas para o
clero secular existiram também na Espanha e, em alguma medida, na América
espanhola – o caso mexicano nos é mais familiar –, mas não adquiriram nesses
ambientes o relevo que aparentemente as distinguia no caso português.

Referimo-nos, especificamente, aos livros de compromisso das irmandades de São Pedro dos
1

Clérigos de Mariana (1729, Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana) e Salvador (1853,


Arquivo da Irmandade de São Pedro dos Clérigos).
Arte e religião [ 93 ]

Além da ideia do modelo português:


a emulação de Roma
O dinamismo do ambiente artístico em Portugal entre os anos 1710
e 1750 é, em muito, resultado direto da criação, em 1716, do patriarcado
de Lisboa. Os privilégios garantidos aos patriarcas lisboetas pelos papas
diversos, de Inocêncio XI a Pio VI – e muito particularmente por Bento
XIV –, tiveram como corolário tanto o incremento no aparato de procissões,
auxiliado pela presença de um encarregado romano a zelar pela decência
do culto e outras manifestações litúrgicas, quanto a encomenda de obras a
Roma, como a Capela de São João Batista em São Roque de Lisboa, para
não falar da sofisticação dos sinais da presença portuguesa nos círculos
eclesiásticos romanos. Estudos sobre as entradas triunfais de bispos no
reino ou na América portuguesa, ou investigações sobre alfaias, ou mesmo
a mobília – tronos episcopais, objetos litúrgicos ou castiçais, por exemplo
– e peças artísticas associadas intimamente com esses personagens capitais
da igreja portuguesa poderiam revelar a mudança que representou não só
a nomeação de D. Tomás de Almeida para o posto de patriarca de Lisboa,
mas igualmente sua elevação ao cardinalato em 1737. Cada um desses
eventos determinou privilégios que se transformavam em conteúdo visual
e legitimavam, por exemplo, a utilização de elementos como o triregno – a
tríplice tiara dos papas – e as chaves – as armas papais – pelas irmandades
de clérigos. Mudada a situação do clero, alterava-se seu programa visual:
sintomáticas, nesse sentido, seriam as sucessivas encomendas de novas
imagens de São Pedro em trajes papais efetuadas pelas irmandades de Recife
e Mariana, em meados dos anos 1740, para substituir as antigas imagens
de São Pedro apóstolo que haviam servido aos padres fundadores de uma e
outra irmandade. As novas imagens, vestidas no rigor da moda eclesiástica
setecentista, envergando as vestes trespassadas por uma movimentação
de gosto berniniano, figuravam de modo eficaz a presença do Príncipe dos
Apóstolos e simulavam a centralidade nos extremos do Império.

Considerações finais
A escolha pelo tema das irmandades de São Pedro, como esperamos
ter ficado claro ao longo da visão geral que acabamos de propor, teve
como finalidade possibilitar o desenvolvimento de uma investigação que
necessariamente pudesse estender-se sobre pontos diferentes do mapa
[ 94 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

cultural português e americano – e não só sobre eles – durante o século


XVIII. Pensando numa contribuição efetiva para uma coletânea de textos
como a que ora se apresenta, que visa operar como estímulo a futuras
investigações e como um compêndio de introdução ao estudo da história das
artes, gostaríamos de concluir com algumas perguntas e hipóteses analíticas.
Não são, necessariamente, novidades absolutas. São, antes, propostas – no
sentido das propostas de Italo Calvino (1990) para o novo milênio – que
gostaríamos de ver formuladas de modo claro em um momento em que se
cuida de sugerir novos pontos de partida a pesquisadores ou aos interessados
na compreensão do desenvolvimento dos estudos sobre um patrimônio
comum a dois contextos culturais diversos mas parelhos, como é o caso dos
de Brasil e Portugal.
O processo de estruturação das irmandades de clérigos não segue
exatamente a regra da criação anterior no âmbito do reino para posterior
implantação na colônia. Sua instauração se move, no que diz respeito à
cronologia, de um lado a outro do Atlântico, resultando em grupos de
maior ou menor complexidade, dependendo dos contextos citadinos em que
surgem. Pareceu-nos, assim, que seu desenvolvimento é, de fato, processo de
múltiplas faces que se dá entre América e Europa. Nisso reside a novidade de
sua história, inclusive no que diz respeito à criação artística e aos processos de
mecenato e de fixação de um gosto local. Não se preserva necessariamente
a lógica do modelo dotado de longevidade em Portugal que se transfere
posteriormente à colônia, mas formam-se programas iconográficos e
decorativos que, embora baseados em razões similares, materializam-se – de
modo simultâneo – em uma pluralidade de soluções.
Outro ponto diria respeito ao trato dos limites cronológicos desses
estudos. O tempo de constituição efetiva do aparato decorativo das
irmandades, em algumas situações, extrapola arcos temporais razoáveis,
estendendo-se por longas durações. O caso da igreja dos clérigos de Recife
é exemplar sob esse ponto de vista. Iniciadas as obras ao redor de 1728,
o templo não seria sagrado antes de 1782. Obras de pintura de grande
significado seriam executadas em 1764, ao longo da década de 1790, e, a
seguir, entre 1802 e 1804. A talha decorativa do altar seria refeita ao longo
da década de 1860 – mas emulando modelos setecentistas – substituindo a
decoração em ruínas executada no último quartel do século XVIII. Assim, a
circunscrição temporal restritiva ou a identificação da criação artística com
momentos históricos pontuais nem sempre solucionam as questões que o
Arte e religião [ 95 ]

objeto selecionado nos propõe. A história do devir dos objetos artísticos, de


suas reutilizações, correções e eventuais restauros devem enriquecer a análise
dessas mesmas obras, dando a perceber de modo efetivo a densidade do tecido
cultural em que elas se inserem. Talvez devêssemos caminhar no sentido de
uma história de superposições e permanências, da reconstituição dos usos e
sentidos múltiplos – e superpostos – dos objetos de arte, da arquitetura, da
música ou da cenografia em vez de cuidar exclusivamente de uma abordagem
classificatória e imóvel no tempo.
As variantes locais no tratamento plástico das formas decorativas, nas
soluções arquitetônicas e na encomenda de obras artísticas tenderam a assumir,
no caso da historiografia brasileira do século XX, um viés nacionalista muitas
vezes acentuado. Entretanto, proporíamos a compreensão desses fenômenos
antes como o desenvolvimento autônomo de certos procedimentos que, ao
se confrontarem com matérias-primas diversas ou artífices com qualificações
e sofisticação distintas, acabaram produzindo novas concreções formais.
Revestir essas mutações de conteúdo ideológico, utilizando-as como mito
fundador de um caráter nacional, foi operação posterior que, por vezes,
resultou numa tópica de ruptura nem sempre proveitosa.
Unidades estilísticas compreendidas como grandes sistemas talvez
sequer tenham existido no Portugal setecentista com o rigor de clivagem
que se lhe deseja, por vezes, atribuir. O que se percebe, ao contrário, é um
grande dinamismo na construção das linguagens visuais desses contextos
artísticos. Cabe às análises futuras materializar em seus discursos esse jogo
do encontro do estilo e sua metamorfose perene. No caso do Porto, no
âmbito da irmandade dos clérigos e de seus patrocinadores, vimos como a
linguagem visual estrutura-se a partir da atuação de um artista toscano –
Nasoni – de experiência bolonhesa e com passagem por Malta ou de um
pintor como Pacchini, que acaba por introduzir os modelos de Ripa em
Portugal. O encontro de Nasoni com o granito nortenho, com a herança
gótica anterior, com as intervenções de Santos Pacheco e a decoração
exuberante da talha dourada típica da região ajudou a plasmar, ao longo de
três décadas de atividade contínua, uma província artística autônoma. Nesse
sentido, há tanta diferença entre a arte do Douro ou do Minho e aquela do
Algarve quanto entre essas e a de, por exemplo, Salvador ou, se quisermos
desenvolver o ponto, entre a Lisboa dos anos 1770 e Recife ou entre a Lisboa
joanina de 1740 e o Alentejo. A eleição de temas que possibilitem antes a
compreensão do modo com que as múltiplas fontes visuais se entrecruzam
[ 96 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

parece-nos, agora, campo mais promissor e urgente do que os exemplos de


isolamento cultural e de fixação de uma tópica localista, superando-se o ciclo
da simples identificação dos possíveis modelos portugueses para a produção
artística que compõe a herança brasileira do século XVI ao XIX.

Referências
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Arte e religião [ 97 ]

Sacrifício, mártir e imagem

Jens Baumgarten
Unifesp

Este artigo pretende analisar a ligação entre a construção do sacrifício e a


do mártir. No cristianismo, o sacrifício possui uma importância fundamental em
relação ao papel da imagem, assim como nas artes plásticas. As discussões sobre
a presença de Cristo na Eucaristia e o chamado conceito da transubstanciação
determinam não apenas os debates paleocristãos e medievais, mas estabelecem
igualmente as relações litúrgicas, estéticas, políticas, corporais e culturais entre
tais concepções. Os debates sofreram uma condensação em torno da Reforma
e Contrarreforma no início da primeira época moderna. A polêmica sobre o
“testemunho de sangue” foi inserida no discurso sobre o sacrifício, tornando-se
o martírio evidência da fé. Assim, o ato de testemunhar deve ser entendido
como referência material à religião.
O discurso sobre o sacrifício e sua relação com a imagem, no que se refere
a debates teóricos e soluções artísticas, não se restringe ao mundo ocidental
e ao cristianismo, mas abrange também outras religiões monoteístas, como
o judaísmo e o islamismo. Este artigo pretende fornecer uma visão geral dos
conceitos de sacrifício e martírio e suas respectivas representações visuais
não somente nas religiões tradicionais, mas incluindo também as posições
de religiões políticas, como o nazismo, com suas interpretações figurativas
do sacrifício e do martírio.
As representações dos mártires parecem dominar a história da arte
durante a antiguidade tardia, a Idade Média até o final do Antigo Regime,
como também as encenações do chamado barroco europeu e das Américas
a partir do século XVI. Tais representações foram interpretadas como uma
das características da cultura cristã, como apontam Bowersock (1995) e
Weigel (2007).
No entanto, a figura do mártir e suas representações ganharam nova
importância no começo do século XXI com os mártires da Revolução e do
[ 98 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

islã, sobretudo devido aos atentados de 11 de setembro em Nova Iorque.


Nesse contexto, as fotografias dos mártires no Líbano, na Palestina e no Irã
compõem apenas uma parte dos exemplos publicados e divulgados em grande
número por cartazes nas cidades e nas novas mídias, como a televisão e a
internet. Essa observação levanta duas questões: a primeira sobre a função
e a definição do mártir no cristianismo e no islamismo, a segunda acerca da
relação entre mártir e imagem. O complexo composto por imagem e mártir
inclui também os discursos sobre o sagrado e o sacrifício.
No idioma grego, o termo martys significa testemunho, cuja modificação
em latim para testemunho de sangue pode ser encontrada, sobretudo, nos
primeiros dois séculos de nossa era. Em geral, a literatura secundária afirma
que o conceito de martírio é uma invenção genuinamente cristã, negando
assim as tradições mais antigas que podem ser encontradas, por exemplo, no
texto “Ad martyres”, de Tertuliano, no qual se descreve o culto de diamastigosis
e suas representações próprias, discorrendo sobre as festas em honra à deusa
Diana. Esse culto foi praticado em memória dos sacrifícios humanos de
doação de sangue à deusa. Nesse contexto, podem ser mencionados como
padrão de martírio também o autossacrifício de Lucrécia para a glória de sua
pureza e castidade e os suicídios dos judeus contra a ocupação de Antíoco,
descritos no Livro de macabeus.
O que se intensificou nos primeiros dois séculos foi a construção
do termo mártir no sentido de morte ou de sacrifício a (e por) algo com
uma conotação de suicídio ou aceitação da morte. As diferentes formas
e interpretações nos séculos seguintes, evidentes em suas representações,
podem ser compreendidas dentro do processo de diferenciação das três
religiões monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. A qualidade
específica do mártir cristão constitui-se na conexão rigorosa entre martírio
e confissão, constância e testemunho. Por conseguinte, não é suficiente
que o mártir dê o testemunho de seu sacrifício apenas com sua morte, mas
também que essa tradição seja documentada em textos e imagens. Com
isso, o testemunho de sangue passa a ser ao mesmo tempo escrito e visual.
Chama a atenção, contudo, o fato de que as primeiras representações
de mártires sejam de mulheres, em comparação com os séculos posteriores
ou com o islamismo.
Os primeiros mártires islâmicos foram as vítimas de perseguições
religiosas em Meca. No entanto, as reações dos fiéis não foram o sofrimento
voluntário de tortura ou morte como testemunho de devoção, mas sua
Arte e religião [ 99 ]

emigração para Medina no ano 622. Duas batalhas, no ano 624 em Bar e em
625 em Uhud, ganharam, porém, importância crescente para o entendimento
do conceito de mártir. Os mortos foram entendidos como “mártires do campo
de batalha” (Horsch, 2007, p. 100; Neuwirth, 2004, pp. 258-81; Donner,
1991, pp. 31-69). Se a morte de um combatente na sociedade tribal tinha
o significado de um sacrilégio que exigia a vingança de sangue, no islã a
morte foi reinterpretada como um ato de honra a ser recompensado no
além-mundo. A figura do mártir se refere também à tradição paleocristã
com sua concepção de testemunho de fé paciente e sereno, transferindo esse
conceito ao combatente autossacrificado, que se inseriu na cultura árabe
pré-islâmica. Diferente do que acontece no cristianismo, porém, o mártir
não tinha a função de se purificar por meio da expiação e, assim, conciliar
a comunidade. Na primeira fase do islã, o mártir serviu como modelo de
comportamento, sem, no entanto, ter sido adorado em formas rituais ou de
culto. As representações mais impressionantes são encontradas a partir dos
séculos XV e XVI em miniaturas turcas.
Essa observação leva ao segundo aspecto do problema aqui tratado: a
relação entre os conceitos de imagem no cristianismo e no islã. Na perspectiva da
literatura eurocêntrica, a posição do islã parece por vezes consensualmente contra
as imagens. Do mesmo modo, as posições dentro do cristianismo experimentam
uma ambivalência entre diferentes fases, havendo períodos em que dominavam
ou a iconofobia ou a iconofilia. Referem-se todas as três religiões monoteístas
ao segundo mandamento, que aparentemente proíbe a produção de imagens.
Porém, no judaísmo, e a partir de tais discussões, os conflitos são muito mais
complexos: trata-se então da relação entre imagens materiais e imaginárias,
imagens figurativas e abstratas, imagens sagradas e profanas (Besançon, 2009,
pp. 63-146). Durante o Império Bizantino, em simultâneo a diversas polêmicas,
ocorreu no islamismo o iconoclasmo, seguido de defesas teológicas representadas
principalmente na figura de João Damasceno.2
Em um procedimento comum às religiões monoteístas, os jurídicos
criavam os conceitos em relação às imagens fundamentados em três
princípios: a proibição da adoração de ídolos, o caráter da impureza e a
ideia da insubstituição da criação divina. Como Silvia Naef atesta, o tema
da proibição das imagens não recebeu no islamismo a mesma atenção e
importância que no cristianismo, com suas discussões polêmicas. A questão

Cf. a vasta literatura sobre o iconoclasmo bizantino, como Brubaker (2001). No Ocidente, as
2

discussões podem ser encontrados nos chamados “Carolini ibri” (Besançon, 2009, p. 151).
[ 100 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

das imagens foi discutida no contexto de outros temas, não tendo sido
concebidos tratados enfocando apenas as imagens. Porém, os hadithos, que
ditavam normas para as vestimentas, o comportamento e a oração, tratavam
implicitamente das imagens. Al-Ghasâli (1058-1111), por exemplo, se ocupa
das imagens no capítulo sobre a “decência de um bom muçulmano” (Naef,
2007, pp. 25-6).
Sobretudo nos primeiros séculos dos conflitos com o cristianismo,
os líderes políticos e religiosos não apelavam à destruição de imagens
figurativas, mas dos símbolos polêmicos, como a cruz, ou daqueles que
representavam dogmas proibidos pelo Alcorão, como a Trindade. Esses
deveriam ser destruídos. Essa animosidade em relação às imagens resultou
em consequências para o uso destas. Imagens figurativas foram banidas
de locais sagrados, como mesquitas e salas de orações, e também de locais
públicos. A argumentação se fundamenta na afirmação da impureza da
imagem figurativa. O caráter sagrado de um local é definido pela ausência de
objetos impuros (Naef, 2000, pp. 289-307). Ao contrário do que ocorreu no
cristianismo até o início dos debates da Reforma protestante e da chamada
Contrarreforma, o islã distinguia a imagem de culto da imagem profana,
sem fazer, porém, referência à produção artística. Assim, representações
gráficas foram banidas dos espaços sagrados, podendo ocorrer, contudo, em
contextos profanos.
Novamente nesse caso, os objetos encontrados nos primeiros séculos
não se explicam por uma simples oposição. Os califas omíadas construíram
mesquitas em Jerusalém, a Cúpula da Rocha em 691-692, e a Mesquita de
Damasco em 706 e 714-715. Ambos os edifícios foram decorados apenas
com ornamentos abstratos, apesar de seus artistas terem recebido sua
formação nas técnicas e padrões da arte bizantina. No mesmo período,
também se encomendaram os palácios no deserto da Síria, que possuem
uma decoração rica em afrescos representando não apenas flora e fauna,
mas também figuras humanas.
À primeira vista, a suposição de uma distinção rígida parece comprovar-se.
No entanto, as pesquisas de Oleg Grabar (1977) demonstram que justamente
a situação da concorrência de um sistema iconográfico consistente e evidente
forçou o islã em suas representações sagradas e públicas a se limitar a
representações abstratas, o que se justificou posteriormente nos hadithos. Isso
significa que a ausência simultânea de imagens figurativas e de uma postura
iconofóbica veio a exigir uma explicação teológica nos séculos posteriores.
Arte e religião [ 101 ]

Devido à restrição ao tema principal, não é possível aqui sequer


esboçar as linhas gerais da história islâmica das artes plásticas. No contexto
apresentado, é interessante a existência de poucos exemplos de escultura
tridimensional. Eles representam, no xiismo, a figura do mártir Husain ibn
Ali, que pode ser considerado o protomártir do xiismo. A morte do filho
do quarto califa Ali e da filha do profeta Maomé em 680 significa também
o evento da constituição do xiismo, que se separou então do sunismo, a
corrente principal. Apenas quatro anos mais tarde, os penitentes de Kerbala
passaram a buscar a morte em tributo ao martírio de Husain.
Tais sacrifícios transformaram-se em um ritual até hoje comemorado
em territórios xiitas, como no Irã e no Iraque. Em uma procissão rítmica, os
penitentes invocam solenemente os nomes dos mártires, sobretudo aquele
do fundador Husain, e cortam a pele na região da fronte, deixando expostos
os rostos ensanguentados. Desse modo, eles não apenas representam a figura
de Husain no momento de sua morte, mas também reencenam o sacrifício.
O conceito do mártir no xiismo distingue-se das ideias do período inicial do
islamismo e de sua corrente maior, o sunismo.
A figura de Husain resume o aspecto de culto e adoração, ideal próximo
ao conceito de paixão no cristianismo. A história de Husain também é
encenada como drama de mártir – ta’ziya – durante os dez dias da tradicional
festa Ashura. Na época moderna, a figura de Husain permite também a
entrada de imagens figurativas, pelo menos virtualmente, no território do
sagrado. Pinturas de grandes dimensões conectam as estações do sofrimento
e da morte de Husain. No centro da primeira parte, encontra-se Husain
sobre um cavalo branco, na tentativa de buscar água no rio Eufrates para
aliviar a sede de seu filho. Esse ato de clemência marca o início do martírio
que resulta na morte de Husain e sua família. A última cena mostra o cavalo
branco sozinho em uma paisagem deserta: uma iconografia acerca de uma
sociedade sem governador justo.3
No cristianismo, por sua vez, ocorreu uma profunda ruptura com relação
às imagens e aos mártires no contexto da Reforma protestante e da chamada
Contrarreforma. Particularmente em Roma, desenvolveu-se durante os
primórdios do cristianismo uma tradição oposta ao princípio luterano da sola
scriptura. A atenção passou a se concentrar não apenas na restauração das
igrejas paleocristãs, sobretudo no ano jubilar de 1600, mas também na defesa
e na propagação da devoção aos santos, defendida perante os protestantes.

Cf. Neuwirth (2007), Ayoub (1978) e Kermani (2002).


3
[ 102 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Em virtude do espaço de que dispomos, seria impossível mencionar aqui


todos os esforços dirigidos a revitalizar – ou mesmo reconstruir – a época
inicial do cristianismo, tal como fora exemplarmente formulado por Cesare
Baronio nos Annales eclesiasticae. Esses temas adquiriram especial importância
para a missão dos jesuítas, cujos noviços, procedentes do centro da Europa,
recebiam sua formação em Roma. A igreja de Santo Stefano Rotondo, um
edifício paleocristão do século V/VI situado em Monte Celio, em Roma,
estava consagrada ao primeiro mártir na sucessão de Cristo, Santo Stefano,
e servia de igreja colegial para o Germano-Humgaricum da recém-fundada
ordem jesuítica. A ordem, como toda a Igreja pós-tridentina, interpretava a
evangelização como uma guerra contra os hereges. O ciclo de pinturas murais
de Santo Stefano Rotondo consiste de trinta imagens na parede exterior do
ambulatório, afrescos de mártires, destacados pelos sanguinários guias de
viagem do século XIX.4 Esse excesso de violência jamais se encaixou nas
normas estéticas do século XIX por várias razões, entre elas seu conteúdo
violento e seu estilo arcaico.
A encenação dos episódios em Santo Stefano seguiu um padrão
tradicional: os afrescos estão marcados por pilastras e semicolunas, coroados
por uma frente lisa e posicionados sob uma janela circular pela qual a luz
incide no interior da galeria. Foram realizados no princípio dos anos 80 do
século XVI por Niccolò Circignani – chamado Il Pomarancio – e Matteo
di Siena, com a colaboração de Antonio Tempesta. Quase como em um
compêndio, os martírios mostram cronologicamente um período de 480
anos, representando cada afresco o domínio de um imperador romano. O
ciclo se inicia na área sudeste do ambulatório, próximo às capelas de São
Paulo Ermitão e Santo Stefano Rei da Hungria, e finda a noroeste, junto à
porta de entrada, no vestíbulo. Cada afresco está marcado por duas colunas.
Destacam-se especialmente o centro e os quatro braços laterais da cruz,
diante dos altares consagrados a Santo Stefano, patrono e protomártir,
Primo e Feliciano, ambos com capela própria, Francisco, Clemente e a Santa
Cruz. Os afrescos de Circignani não apresentam martírios independentes
ou retratam santos separadamente, mas combinam vários martírios em uma
só imagem.

Cf. Monssen (1981; 1982a; 1982b; 1983a; 1983b). Sobre a história da arquitetura da Antiguidade tardia
4

e da Idade Média, cf. Brandenburg (1998). A descrição mais recente da restauração pode ser lida no
volume organizado por Brandenburg e Pál (2000), sobretudo no texto de Insolera (2000), sobre a
tradição da iconografia dos mártires. Há também os textos recentes de Burschel (2003), Poletto (1989)
e Baumgarten (2004, 2007).
Arte e religião [ 103 ]

A relação estrutural entre imagem e texto segue os modelos emblemáticos


usuais. As cenas distintas que concorrem no afresco estão dotadas de letras
que remetem a inscrições latinas e italianas, a fim de tornar cada ação clara
e classificá-la cronologicamente. Ademais, as inscrições estabelecem um
nexo entre as imagens e a prática litúrgica, sobretudo por meio do vínculo
com a concepção imagética inaciana pós-tridentina. Se, frente à recusa
protestante das imagens, os teólogos católicos desenvolveram uma nova
forma de teologia das imagens e de visualização baseada em suas teorias
antropológicas, sociais e políticas, nesse exemplo parecem essenciais os
aspectos didático-mnemotécnicos dos exercícios espirituais, sobretudo a
composição do lugar.5 Para Inácio de Loyola, isso inclui a reconstrução mental
do aspecto visual de uma cena como condição essencial para a meditação
e seu conteúdo espiritual.6 Tal argumentação não procede no momento em
que relaciona esses afrescos com os textos mais próximos sem considerar o
amplo marco em que se encontra o discurso da visualização.
Assim, é necessário situar essas representações visuais em um meta-
discurso posterior ao Concílio de Trento. Entre os teólogos pós-tridentinos,
podemos destacar aqui, sobretudo, os conhecidos arcebispos Carlo Borromeo
e Gabriele Paleotti, assim como os jesuítas Roberto Bellarmino e Gian
Domenico Ottonelli, que, mais do que discorrer sobre uma estética pós-
tridentina jesuítica, redigiram reflexões teóricas contemporâneas sobre a
imagem, a visualização e suas consequências para a teoria do conhecimento.
A criação artística não deve, portanto, remeter monocausalmente às
instruções teóricas, porém, é necessário procurar entender tais obras como
um processo discursivo sobre a imagem e a percepção visual.
A concepção da teoria da arte de Bellarmino deve ser entendida sob
a perspectiva de sua “teologia do visível”, que alude a Inácio de Loyola
(Daurentiis, 1990, p. 589). O célebre applicatio sensus exige uma imaginação
religiosa que também perceba visualmente os dados visuais transmitidos
pelo texto. A uma determinada passagem textual deve corresponder
necessariamente uma imagem. Para Paleotti, tudo aquilo que o ser humano
conhece ou reconhece, seja intelectualmente ou pelos sentidos, ele o

Cf. em detalhes Fabre (1992).


5

Cf. sobretudo Smith (2002) e Baumgarten (2004). Além de Inácio de Loyola, a literatura científica
6

menciona principalmente a obra de Jerome Nadal (Evangelicae historiae imagines) e a importância


das imagens como lugar da memória e como ajuda mnemotécnica. Sobre isso, cabe consultar a
obra mais recente de Bailey (2003).
[ 104 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

experimenta por imagens.7 O arcebispo compara a necessidade das imagens


para a fé católica com aquela dos sacramentos,8 o que mostra o nexo existente
entre a arte religiosa e o sacramento: a arte religiosa não seria possível sem os
sacramentos, mas esses, por sua vez, não seriam concebíveis sem a arte. Em
sua opinião, a absolvição não pode ser concedida sem o conhecimento dos
sacramentos, e os “idioti” somente podem percebê-la por meio das imagens
(Paleotti, 1582, liv. I, cap. 24, p. 224).9 A arte pode ser assim definida como
“antecâmara” ou subcategoria dos sacramentos (Scavizzi, 1974, p. 212).10
Na representação dos mártires, era necessário que os estudantes do
colégio jesuíta se identificassem com os primeiros mártires cristãos para,
se necessário, estarem dispostos a sacrificar sua própria vida e sofrer
passivamente o excesso de violência na atividade missionária e na guerra
contra os hereges. A representação iconográfica era apoiada por textos
literários e litúrgicos escritos e recitados nesse contexto, como o breviário
romano (Noreen, 1998, p. 690). Richard Krautheimer ressalta que essas
procissões mostram o triunfo dos mártires romanos sobre seus assassinos
pagãos e a conversão de Roma em uma cidade cristã, isto é, católico-
romana (1967, p. 178).

Bellarmino (1586, t. 3, liv. II, cap. 7, p. 216): “Homo quidquid cognoscit sive sensu, sive intellectu, per
7

imagines cognoscit”. Sobre a memória e a tradição aristotélico-escolástica, cf. o capítulo 3 de Yates


(1967).
Paleotti (1582, liv. I, cap. 3, p. 137): “Come in alcumi sacramenti hanno detto i sacri teologi che, per
8

essere di somma necessità, è stata ancora instituita la materia loro tale che sia commume e pronta
al bisogno di ciascumo [seguem exemplos de diferentes sacramentos como o batismo]; così per lo
bisogno umiversale delle imagini, pare ch’ogni materia loro sia applicata”. Cf. também Prodi (1965).
Göttler demonstra a importância prática que isso tinha para Paleotti, especialmente para os
9

programas decorativos de distintas igrejas bolonhesas, entre elas S. Paolo e S. Maria dei Servi.
Com relação à doutrina do sacrifício da missa e o dogma sobre o purgatório, cf. Göttler (1994, pp.
161-2).
10
Sobre a doutrina do sacramento da Eucaristia, cf. Feld (1976, pp. 121-2). Em relação à Eucaristia na
doutrina tridentina, cf. Wohlmuth (1975). Sobre a relação entre sacramento e imagem na doutrina
tridentina, Wohlmuth demonstra que a teologia ocidental em sua tradição católica, no que se refere à
teologia dos sacramentos, aproxima-se, em que pese sua iconofilia básica, da posição dos iconoclastas
bizantinos, para os quais o sacramento, e em especial a Eucaristia, vale muito mais do que qualquer
ícone. Por outro lado, os protestantes, no que se refere ao ceticismo básico ante as imagens e à
teologia dos sacramentos, aproximam-se dos iconófilos, “porque tampouco as imagens são mais do que
imagens”. Os ortodoxos veneram os ícones muito mais do que os sacramentos. Cf. Wohlmuth (1989,
p. 117). Sobre a recepção da doutrina da Eucaristia de Orígenes durante o concílio e na época pós-
tridentina, consultar Lies (1985, pp. 101 e ss). Bellarmino destaca sobretudo o caráter representativo
da Eucaristia, que, para ele, representa a expressão sensível da graça divina (Lies, 1985). Já Michalski
(1988), em sua análise do conceito de repraesentatio, procura estabelecer conexões com a teoria
da arte para instituir nos debates sobre o símbolo uma comparação das categorias iconográficas e
das categorias análogas com o símbolo das controvérsias cristãs sobre a Eucaristia. Ver ainda Stock
(1990) e Wohlmuth (1990, pp. 87-104).
Arte e religião [ 105 ]

O ficcionalismo do mártir personalizado sofrendo o excesso da


violência requer um lugar nominável para que possa ser experimentável
emocionalmente pelo futuro seguidor potencial. Os jesuítas mudaram o
objetivo de uma das construções paleocristãs mais importantes e erigiram um
monumento à antiga ecclesia militans, a qual servia então à igreja militante
contemporânea como novo centro religioso e universal da missão. Ao mesmo
tempo, as mesmas imagens combatidas pelos protestantes eram autorizadas
e protegidas, já que por meio delas se visualizavam as torturas dos mártires.
A luta pelas imagens foi combatida, assim, pelas imagens e pela meditação
jesuítica sobre as mesmas, as quais, por sua vez, tinham de incitar à luta.11
Em um último passo, os conceitos de mártir podem ser encontrados nas
religiões políticas e nas ideologias totalitárias com seus respectivos padrões,
que herdaram no século XX as formas, os símbolos e as imagens das religiões
tradicionais. Um exemplo de tal herança são as representações, encenações
e rituais nazistas na comemoração do golpe fracassado de 9 de novembro.
Tais rituais e representações visuais não somente reinterpretaram a história,
mas também, por meio do mito nacionalista amalgamado à tradição cristã
ou, mais especificamente, à tradição católica pós-tridentina, auxiliaram
os nazistas a definir e estabelecer a violência como medida e objetivo
primordial de sua ideologia. As vítimas de 1923 foram chamadas de
“testemunhos de sangue do movimento”, o que vem a ser uma tradução
literal do termo “mártir”.
Já em 1926, Hitler havia declarado o dia 9 de novembro como o
Reichstrauertag – dia da luta nacional do partido (Behrenbeck, 1996, p.
299). Em seus discursos anuais, sempre enfatizava a importância dessa data,
aludindo à fé cristã e ao fato de que “o sangue dos mortos [...] servira como
‘água batismal’ do Terceiro Reich”, passando essa data a ser uma espécie de
Gethsemane e Golgatha para o movimento nazista (Gamm, 1962, p. 142).
Sobre a possibilidade de uma comparação mais ampla: especialmente os nazistas utilizaram em
11

suas encenações, em grande parte, ritos católicos. Não é possível partir aqui apenas de uma
recepção geral, mas do fato de sua integração localizar-se concretamente na devoção pós-
tridentina das imagens e dos mártires. Peter Reichel (1991) definiu a exaltação do herói nacional
na realidade profana, na qualidade de mártir sagrado, como uma cópia de seu simbolismo
católico pós-tridentino e como “aparência bela”. Reichel acentua que, em vista do fato de tais
celebrações e encenações terem ocorrido até o final da Segunda Guerra Mundial e de os nazistas
vincularem seus conceitos de vida a visões apocalípticas, isto é, escatológicas, aqueles somente “as
desvalorizaram pateticamente”. Os nazistas elevaram seu episódio sagrado e nacional ao caráter
alegórico-híbrido. Aqui procede questionar ainda em que medida, juntamente a essas referências
concretas, a concepção pós-tridentina específica da teologia das imagens poderia ter influído na
teologia política, por exemplo, de Carl Schmitt. Uma publicação recente sobre essa relação, porém
com outro foco, é a de Levy (2004).
[ 106 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Na interpretação de Sabine Behrenbeck, os rituais, particularmente após


a inauguração dos monumentos comemorativos na praça Königsplatz, em
Munique, passaram a representar o evento da salvação. Essa interpretação
tinha como modelo a liturgia do sacrifício cristão, isto é, a transubstanciação
e, por conseguinte, a Eucaristia.12 Posteriormente, a cena foi substituída por um
outro ato simbólico, o desfile coletivo, para garantir a ampla participação da
população no evento da salvação. Na história desse ritual, é possível distinguir
diferentes fases no desdobramento da linguagem cerimonial: um desfile breve
em 1933; o desenvolvimento do ritual até 1935, com a translação dos cadáveres
dos mortos de 1923; as grandes comemorações até 1938-1939; e, durante a
Segunda Guerra Mundial, o retorno a comemorações de caráter mais breve. A
partir de 1935, os membros do desfile portavam coroas em lugar de sarcófagos.
A alusão cristã foi absolutamente planejada pelos representantes do culto, como
demonstra a seguinte citação:
A cerimônia do dia 9 de novembro em sua monumentalidade, a
qual significa [que] o nacional-socialismo [...] é um evento sacro,
fundamentado profundamente no sentimento religioso germânico. [...]
A falta do luto na cerimônia heroica e a ideia de uma ‘guarda eterna’
enfatizam o conceito nórdico, cujo ideal não é a tranquilidade preguiçosa,
podre e covarde no outro mundo com aleluia e palmeiras (Dürr,1935,
p. 399, apud Behrenbeck, 1996, p. 300).13

Nessa citação, fica evidente que os nazistas, apesar de fazerem referência


à liturgia cristã, pretendiam antes se distanciar de todo e qualquer catolicismo
portador de teatralidade não heroica, não nacionalista. Desse modo,
aplicavam métodos semelhantes àqueles utilizados pela representação pós-
tridentina, sobretudo com relação às missões e à luta da Igreja Católica
contra os protestantes, definindo-se a si próprios como representantes da
ecclesia militans (igreja militante).
Ao sacralizar a violência por meio do conceito do mártir, representante
do autossacrifício, o nacional-socialismo vinculou-se aos discursos
pós-tridentinos. As encenações não fazem apenas referência vaga à
tradição cristã: em suas tradições imagéticas, os nazistas tiram proveito

É interessante ver, no contexto da relação entre o sagrado, a violência e o sacrifício, as pesquisas


12

e os debates de Girard (1972, 2003).


“Die Feier vom 9. November, in jener Monumentalität, die den Stil des Nationalsozialismus
13

kennzeichnet [...], war eine zutiefst im germanischen religiösen Empfinden verkerte weihevolle
Handlung. [...] Die Klagelosigkeit dieser heldischen Feier und die Idee von der ‘ewigen Wache’
unterstrichen die nordische Auffassung, deren Ideal nicht die faule und feige Ruhe in einem Jenseits
mit Halleluja und Palmwedeln ist”.
Arte e religião [ 107 ]

do sistema sofisticadamente desenvolvido de disciplinamento, poder,


emocionalização, visualização e sacralização no que se refere à violência.
Enquanto o exemplo romano da época moderna utiliza a encenação
no processo de confessionalização, o exemplo de Munique demonstra
a sacralização do mito nacional. O mártir paleocristão assume aqui o
papel de herói nacional. A alegoria religiosa e a apropriação ritual são
utilizadas para interiorizar o mito nacional excessivo, produzindo um
ritual exteriorizado da violência corporal e sacralizando-a para abusar do
sentimento de dor como expressão de uma missão, o que leva finalmente
à aniquilação corporal no sentido literal.
Uma tal aniquilação assume, em séculos altamente tecnicizados como o
XX e o XXI, proporções gigantescas, tanto quanto à qualidade da expressão do
martírio como quanto à quantidade de martirizados. Por meio de seu caráter
pontual e momentâneo, um evento como o 11 de setembro leva à ocorrência de
uma inversão daquilo que é normalmente intencionado por um ato de martírio,
uma vez que a proporção entre os mortos voluntários e aqueles compelidos
à morte difere desmesuradamente: do prisma ocidental, aqueles que deram
a própria vida pela causa islâmica passam a ser os algozes das centenas de
pessoas – mártires – que se encontravam no World Trade Center no momento
da ocorrência do atentado (Barlow, 2007; Hafez, 2006). A destruição pode
também ser interpretada como um ato clássico de iconoclasmo: a destruição
e aniquilação do “ídolo do outro” (Mitchell, 2008, p. 186).14
Na verdade, contudo, a nova dimensão do mártir apenas se apresenta com
uma nova qualidade midiática fotográfica, filmográfica – inclusive televisiva
– e da internet. Uma estrutura serial, semelhante àquela pré-configurada
nas representações de Santo Stefano Rotondo, permite uma proliferação da
violência através de suas imagens. Sigrid Weigel, referindo-se implicitamente
a Benjamin e Virilio, constata que, em uma época de reprodutibilidade das
imagens, a dinâmica das genealogias de mártires acelera-se e amplia-se (Weigel,
2007, p. 21). As encenações midiáticas dos ataques de 11 de setembro reúnem
e condensam a construção do mártir, discutindo o estatuto da própria imagem.
A título de exemplo, cite-se aqui a destruição das esculturas de Bamiyan no
Afeganistão, em março de 2001, pelos talibãs.
Assim, encontramos esse duplo uso da imagem também dentro dos debates
imagéticos acerca da destruição das esculturas budistas e sua encenação através

Cabe ver também esses debates do iconoclasmo em um contexto mais abrangente: o catálogo organizado
14

por Latour e Weibel (2002) e a obra de Van Asselt (2007).


[ 108 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

de mídias como a televisão e a internet. O primeiro ato refere-se à proibição


de imagens pelo Alcorão no primeiro período do islã, e o segundo ato reforça
a apropriação da imagem por meio da emocionalização, como aquela realizada
nas encenações pós-tridentinas e nos eventos da Munique nazista.
A sobreposição de discursos diferentes e ao mesmo tempo interligados
apresenta-se ainda nas encenações das vítimas americanas expostas nas
fotografias do Ground Zero em Nova Iorque, mostrando os bombeiros
elevando a bandeira americana sobre os destroços do World Trade Center
(Mitchell, 2008). A fotografia faz referência ao ato de içar a bandeira
americana na Segunda Guerra Mundial, após a vitória dos aliados. Em ambos
os casos, as vítimas dos ataques se transformaram em mártires. Imagens e
conceitos de mártires entraram, assim, em um conflito midiático.
A história da imagem do mártir entrou em uma fase de concorrência
renovada entre as diferentes propostas de mártires, imagens e iconoclasmos.
A superação da violência e a destruição das lógicas parecem opostas por
definição, mas na realidade são semelhantes: o que as distingue são antes sua
pontuação dos eventos e suas hierarquias – e não tanto suas qualidades. A
diferença entre o sagrado e o profano também se torna irrelevante em uma
análise mais profunda. Os ícones do Ocidente profano são conectados ao
passado sagrado desse mesmo Ocidente, como foi demonstrado no exemplo
do nacional-socialismo, reativando assim conceitos religiosos-políticos. As
concepções de um islã radicalmente político, com suas tentativas e objetivos
de restabelecer o fundamento religioso, acabam por afastá-lo de suas próprias
origens religiosas. Equiparam-no, assim, ao Ocidente, cuja postura no século
XX e XXI foi alvo de suas mais rigorosas críticas.

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[ 112 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Entre arte e ritual

Jérôme Souty
UERJ

N ossa concepção contemporânea do artista como uma pessoa


autônoma e individualista, inspirada e inovadora, não é transcultural. Isso
também vale para o conceito ocidental de estética subjacente à visão da
arte pela arte, que, por ser essencialmente avaliativo, não combina com
uma abordagem comparativa do tema.15 Portanto, como é possível estudar
ou teorizar um fenômeno como a arte, que, aliás, em muitas culturas sequer
tem nome?
Em numerosos contextos não ocidentais e/ou sem tradição
institucionalizada de belas artes, a apreciação da criatividade ou do Belo
não recai sobre uma área específica da atividade humana nem sobre um
indivíduo especializado. Nessas sociedades, a autoria é muitas vezes coletiva
e a arte não existe como uma categoria autônoma e independente. Ao
contrário, a dimensão artística impregna um amplo conjunto de aspectos
da vida social; dimensão essa que emerge, sobretudo, nas atividades rituais.
Criações culturais coletivas tal como as formas de arte que com frequência
lhes estão associadas, os rituais se caracterizam por serem praticados
seguindo sequências de atos repetitivos, carregados de significações
simbólicas e sociais. Sem se limitarem exclusivamente à esfera religiosa,
integram momentos marcantes de manifestações com carga simbólica,
como é o caso de festas ou cerimônias, celebrações de relações hierárquicas,
de trocas de bens etc.
Aqui, considero a arte um conjunto de práticas e savoir-faire, de
saberes e estratégias, de representações coletivas e crenças que fazem
parte de um sistema cultural e simbólico mais abrangente. Essa abordagem
socioantropológica permite, se não desconstruir, ao menos relativizar a visão
A estética ocidental considera, desde a obra de Immanuel Kant, que a arte é o produto do nosso
15

juízo de gosto e postula a universalidade e o caráter desinteressado dessa valoração.


Arte e religião [ 113 ]

ocidental e sua pretensão universalista de arte, pois, como todo fenômeno


social, a arte não é um dado da natureza, mas uma construção, que responde
a certas determinações.16
Neste artigo, abordo as complexas relações entre arte e ritual por meio
de dois exemplos em contextos temporais distintos: no período pré-histórico
associado à realização das pinturas rupestres e nas atuais religiões e culturas
afro-brasileiras.

As primeiras manifestações de artes gráficas


Já que não se pode definir de maneira satisfatória ou mesmo transcultural
o que seria arte, pode ser útil buscar, na longa história da hominização,
quando e como emergiram o sentimento estético e, em seguida, as práticas
artísticas propriamente ditas. Desde o início do Paleolítico,17 há 3 milhões de
anos, pode-se notar uma inegável sensibilidade estética nos representantes do
gênero homo: eles utilizavam tintas (há 1 milhão e 500 mil anos) e catavam
certas pedras, conchas ou fósseis julgados atraentes pela cor, pela forma ou
pela textura. Já no Paleolítico Médio (há 300 mil-40 mil anos), algumas
ferramentas, sobretudo aquelas feitas de pedras lascadas (chamadas bifaces),
eram talhadas respeitando alguns critérios estéticos – busca da simetria e do
belo corte – e não apenas utilitários. Isso foi chamado de estética funcional
(Leroi-Gourhan, 1965).
As atuais pesquisas científicas convergem ao afirmar que um conjunto
de comportamentos simbólicos próprios aos seres humanos emergiu na
África há cerca de 50 mil anos, momento em que teria ocorrido o que foi
provavelmente a maior revolução cultural da humanidade e que coincide
com uma radical mudança de comportamento. Desde então, um pequeno
grupo de homens passou a dispor de um sistema de pensamento e de uma
forma de linguagem que, em sua estrutura, são os que ainda hoje preservamos.

A sociologia da arte mostrou que as escolhas estéticas, longe de serem puramente subjetivas e
16

desinteressadas, variam conforme o pertencimento social. Pierre Bourdieu (1979), por exemplo,
demonstrou que a aplicação do julgamento estético, através da aquisição progressiva de um habitus
específico de classe, representa o ápice do exercício da distinção social. Mesmo os artistas ocidentais
contemporâneos, independentemente de suas tentativas de subversão, sempre são convidados a
entrar no sistema de arte – que conta seus atores, instituições, lugares, regras, carreiras, mercado –,
sob o risco de ficarem no anonimato ou de serem pouco conhecidos.
O Paleolítico, que corresponde ao período no qual o homem foi caçador-coletor, foi o primeiro e
17

mais longo período da pré-história. Ele se iniciou há cerca de 3 milhões de anos, com a aparição
do homem, e se encerrou há cerca de 10 mil anos. O homo sapiens apareceu há cerca de
100 mil anos.
[ 114 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

O homem elaborou novas técnicas e se mostrou capaz de adaptação social


e inovação cultural. Também nesse período se desenrolaram as primeiras
experiências de relação com o sagrado – ainda que formas simples de
sepulturas existam há 100 mil anos – e de condutas artísticas elaboradas.
O nascimento do que hoje podemos qualificar como arte é indissociável de
uma série de inovações cognitivas, sociais e culturais.
Há cerca de 40 mil anos, começou-se a produzir, em diferentes locais,
uma pequena arte mobiliária composta por pequenas estatuetas, colares e
armas escultadas. Com isso surgiam uma forma específica de arte gráfica, a
arte parietal, e, com ela, os primeiros grandes afrescos nas grutas ornadas.
Foi o nascimento da arte figurativa. O reconhecimento oficial dessa arte
pré-histórica só veio a se concretizar no final do século XIX; durante muito
tempo, ela foi identificada com as pinturas do sudoeste da Europa, em
particular com regiões da Espanha (Altamira) e do sul da França (Chauvet,
Lascaux, Pech-Merle, Niaux etc.). A arte rupestre europeia do Paleolítico
Superior (há cerca de 40 mil-10 mil anos) é ainda hoje a mais conhecida
e a mais documentada, embora esse tipo de arte possa ser encontrado em
escala mundial: ela foi desenvolvida entre 40 e 30 mil anos atrás em regiões
como Europa, Austrália, África do Sul, e no continente americano há 20
ou 10 mil anos.18
Nas cavernas ornadas, a arte rupestre se caracteriza por um conjunto
temático. Primeiramente, é notável a presença de figuras realistas: grandes
mamíferos mais ou menos estilizados (bisões, cavalos, leões, touros, auroques,
veados da Europa, antílopes e tipos de veados da África do Sul, girafas e
bovídeos da África do Norte); cenas de caça; e misteriosos personagens
híbridos (geralmente com corpo humano e cabeça de animal). Em todos
os continentes, também são recorrentes impressões de mãos nas paredes.
Além dessas representações figurativas de caráter realista, existem grafismos
abstratos, por vezes chamados signos: pontos, pequenos riscos e traços em
sequências horizontais ou verticais, formas geométricas.
“Agora, eu sei quem é o meu mestre!”, exclamou Pablo Picasso ao
descobrir pela primeira vez a gruta de Lascaux, na França. As grutas ornadas
paleolíticas contam com algumas das maiores obras-primas da história da
arte. Para quem pode admirar in situ esses conjuntos de afrescos, algo que
realmente impressiona e emociona, além da delicadeza, da firmeza dos traços
A arte rupestre e tribal, feita até os dias de hoje, encontra-se muito difundida no planeta. De 70
18

mil sítios recenseados em 160 países, enumeraram-se aproximadamente 45 milhões de pinturas e


gravuras rupestres em rochas e no interior de cavernas (Anati, 2003).
Arte e religião [ 115 ]

e do nível de acabamento, é a grande “modernidade” deles. São criações


atemporais capazes de dialogar conosco ainda hoje. Um mistério, porém,
permanece, dado que uma forma de alteridade inevitavelmente se exprime
através do que poderia ser chamado de uma profunda e indefinível “aura”
(Benjamin, 1969) que surge dessas pinturas.

***
Qual o contexto em que surgiram essas pinturas e gravuras rupestres?
E qual é a significação da arte pré-histórica?
1) Será que o homem pré-histórico foi um esteta tão sensível às belezas
do mundo que tentou reproduzi-las no fundo de sua caverna? A tese da arte
pela arte, defendida no fim do século XIX, foi rapidamente abandonada. Não é
possível, apenas por uma perspectiva estética, dar sentido ao fato de os homens
do Paleolítico terem escolhido lugares tão obscuros e de difícil acesso para
realizarem suas pinturas, cuja execução implicava a necessidade de se arrastar
por dezenas de metros, em plena escuridão, para se chegar ao fundo das grutas...
2) No começo do século XX, por influência do desenvolvimento da
etnografia, começou-se a formular uma teoria da arte enquanto expressão
de rituais mágicos, destinados a favorecer a caça ou a fecundidade. A
presença significativa de animais pintados nas paredes poderia indicar uma
espécie de magia da caça. Ao desenhar, os homens pré-históricos estariam
pressupondo que poderiam influenciar ações da vida concreta. Assim, um
animal representado com uma ferida – supostamente feita pelo caçador
– poderia influenciar o sucesso real de seu abate; a pintura de uma fêmea
grávida sugeria a possibilidade de carne em abundância.19 A despeito dessa
teoria, estudos mais recentes mostraram que os animais representados nas
cavernas eram pouco caçados e a caça às principais presas, como javalis,
aves, lebres, raposas e peixes, ao contrário, era pouco representada.
3) Nos anos 1950 e 1960, segundo a tese estruturalista, a arte parietal
atestaria um sistema cultural e mitológico sofisticado: nas grutas, animais
e signos geométricos seriam organizados segundo grandes princípios de
oposição, representariam simbolicamente uma visão de mundo dividida entre
masculino e feminino (o “casal primordial” cavalo-bisão ou cavalo-touro).
Porém, essa teoria, formalista demais, só se sustenta no caso de algumas
cavernas específicas. Posteriormente, a análise simbólica também buscou uma
De maneira similar, as pequenas estátuas humanas chamadas “Vênus” representariam matronas
19

grávidas participando de um rito de fertilidade.


[ 116 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

gramática comum às grutas para evidenciar a organização social, propondo


ler as representações pré-históricas como símbolos com significações
intercambiáveis, mas diretamente influenciadas pela topografia da gruta.
4) Mais recentemente, a tese do xamanismo da pré-história teve bastante
sucesso.20 De acordo com essa teoria, as pinturas e gravuras representariam
as diferentes e sucessivas visões dos xamãs durante seus períodos de transe:
pontos luminosos, sobreposição de linhas, figuras geométricas e imagens de
animais. Essas visões, obtidas por via do uso de substâncias alucinógenas –
entre outras coisas –, seriam a expressão de capacidades neurais coletivamente
compartilhadas. Alguns dados etnológicos atuais provindos dos bushmen da
África do Sul ou dos índios sul-americanos podem ser interpretados de
forma a confirmar essa hipótese. Entretanto, há também outros estudos de
neuropsiquiatria que se contrapõem a essa perspectiva ao afirmarem que
só algumas imagens representadas podem ser interpretadas como resultado
de visões. A tese sedutora do xamanismo foi também combatida pelos
representantes da análise mitológica.
5) Nas sociedades dos caçadores-coletores, que reinaram durante toda
a pré-história humana, o pensamento mítico é onipresente. Inclusive, os
cultos das atuais sociedades de caçadores-coletores – como os aborígines da
Austrália, os índios da Amazônia, os inuits da Groenlândia ou os bushmen da
África do Sul –, quando comparados a eles, apresentam algumas semelhanças
significativas. Invariavelmente, os homens inventam mitologias, cosmogonias
e narrações de mitos de origem em que se faz menção a espíritos de animais.
Esses espíritos são sempre invocados durante cerimônias coletivas e ritos
de passagem; sempre são invocadas forças do além durante sessões de
cura ou de adivinhação praticadas por especialistas. Esse parece ser um
esquema comum generalizado, existente desde o Paleolítico. Além disso, as
correspondências que às vezes existem entre a arte rupestre e as mitologias
de alguns povos contemporâneos permitem pensar que a arte pré-histórica
traduzia, em partes, as mitologias dos caçadores-coletores da pré-história.21
Provavelmente, existiu um tipo de religião das grutas, ligada a um grande

Cf., dentre outros, Lewis-Williams e Clottes (1996).


20

Por exemplo, no Saara, alguns mitos atuais, em particular os dos berberes, como o do herói
21

civilizador, que copula com elefantes, têm eco na arte rupestre pré-histórica. Nas rochas do deserto
Messak, ao sul da Líbia, estão representados humanoides com cabeça de cachorro, personagens
também presentes nas mitologias dos nômades tuaregues da região. Na Austrália, as imagens
pintadas em vários sítios rupestres incluem seres estanhos, a temática das duas irmãs ancestrais e
da serpente arco-íris, ainda hoje frequentes na mitologia aborígine.
Arte e religião [ 117 ]

conto de criação do mundo, na qual o espaço subterrâneo era impregnado


por forças e poderes sobrenaturais.22 Em algumas cavernas, consideradas
santuários possuidores de uma função genitora, eram realizadas cerimônias
sagradas, iniciáticas e talvez secretas. A associação da gruta com o útero
materno é universalmente difundida.
6) Há, ainda, outras interpretações complementares acerca das pinturas
rupestres. Por exemplo, na Caverna da Pedra Pintada, na Amazônia
brasileira, que serviu de refúgio para populações chamadas paleoíndias há
cerca de 11.200 anos, as paredes são pintadas com figuras de seres humanos
e animais.23 Ora, nas imediações da caverna foram também descobertas
pinturas em diversos paredões de rocha. Segundo algumas análises, essas
pinturas, que retratam ainda motivos celestes e marcas de mãos, poderiam
ter como motivação a necessidade de demarcar e defender territórios.

***

Mitologia pré-histórica, xamanismo, magia da caça, rituais de iniciação ou


de fecundidade, totemismo ou marcação do território: várias são as teorias que
permitem explicar o nascimento da arte parietal. Essas não são necessariamente
exclusivas, intransponíveis umas às outras. Aliás, todas as interpretações
apresentadas têm um aspecto em comum: mostram que as pinturas e gravuras
rupestres paleolíticas refletem um imaginário coletivo; que são indissociáveis das
primeiras crenças e práticas mágico-religiosas. Para os homens da pré-história,
as imagens desenhadas nas paredes das grutas foram um meio de dar vida ao
invisível. Do mesmo modo como há uma metafísica escondida nos afrescos da
Capela Sistina, em Roma, a arte das grutas paleolíticas remete a uma metafísica
própria. Pode-se afirmar que o nascimento da arte está ligado a uma forma de
transcendência associada a rituais específicos.
Embora haja diversas teorias sobre o ritual, todas se coadunam acerca
de um aspecto: todo ritual supõe uma alteridade com a qual existe uma
troca de mensagens codificadas.24 Esses ritos são fundados na crença em
Por exemplo, um importante mito da origem dos animais, universalmente difundido, à exceção da
22

Austrália, conta como os primeiros animais saíram de uma gruta nos primórdios do mundo.
Ver Schaan (2008) e Pereira (2003). Os primeiros grupos humanos adentraram a Amazônia há
23

11.200 anos. Vestígios arqueológicos dessas populações foram encontrados na Serra dos Carajás
(sul do Pará) e em Monte Alegre (baixo Amazonas). Além da Amazônia, o Brasil conta com um
conjunto de pinturas rupestres na Região Nordeste, nos cerrados goianos e na bacia do alto São
Francisco (MG).
Autores importantes e diferentes, como James Frazer, Lucien Lévi-Bruhl, Emile Durkheim, Marcel
24

Mauss, Bronislaw Malinowski, Erwing Goffman, Victor Turner, Gregory Bateson, Richard Schechner
[ 118 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

forças superiores ativas com as quais os homens tentam se relacionar a fim


de alcançar certos efeitos. Desse modo, a maioria dos ritos visa obter a ação
favorável das forças que influenciam o mundo, sacralizar algumas relações
sociais e fortalecer a coesão do grupo.

O contexto afro-brasileiro
Os rituais se referem às regras fixadas pela tradição e/ou pelo uso e
pelo hábito. Portanto, corroboram a ordem preexistente implicada em sua
execução. Contudo, os rituais dispõem também de uma capacidade sincrética
e inovadora: antes de serem estáticos, são sujeitos a uma improvisação parcial.
Assim, as práticas rituais, em suas dimensões artísticas, se reconfiguram em
permanência.
No Brasil, as atuais religiões de ascendência africana, bastante difundidas
em diversas partes do país, inscrevem-se no contexto da modernidade urbana
contemporânea. A profunda capacidade de adaptação, a “plasticidade” dessas
religiões sincréticas, foi uma das razões de sua resistência e sobrevivência
em condições tão hostis quanto a destruição das famílias, a escravidão e o
trabalho forçado, a interdição dos cultos e dos rituais festivos africanos.25 O
termo candomblé é às vezes empregado de maneira genérica para designar o
conjunto dos cultos afro-brasileiros, mesmo se ele representa somente uma
variação regional.26 O candomblé, que se tornou uma religião em meados
do século XIX na cidade de Salvador e por seus arredores, é uma crença
politeísta marcada pelo transe de possessão pelas divindades orixás ou
voduns, originárias da África. O exemplo desse culto nos permite observar,
agora in situ, a articulação entre artes e rituais:
a) A prática do candomblé é indissociável de uma estética cotidiana: gestual,
postura e técnicas corporais, savoir-faire ligados a uma cultura material;
b) Uma série impressionante de práticas artísticas vem à tona durante
os rituais religiosos: músicas – em particular as percussões – e cantos,

e Michael Houseman, realizaram análises valiosas acerca dos rituais. As mesmas não podem ser
aqui sintetizadas devido à dimensão deste pequeno ensaio.
Apesar das interdições, as divindades africanas foram celebradas desde a chegada dos primeiros
25

escravos, particularmente por via dos batuques (danças festivas) e no contexto das confrarias
de escravos.
Entre as variações regionais, distinguem-se o tambor de minas (Maranhão), o xangô
26

(Pernambuco) e o batuque (Rio Grande do Sul). Além disso, a umbanda nasce no século XX
nas grandes cidades do sudeste, resultante de uma mistura de elementos africanos, católicos,
espíritas e indígenas.
Arte e religião [ 119 ]

danças, cenografia, figurinos dos atuantes e decorações são parte dos


cerimoniais coletivos e dos ritos privados. Essas práticas se inserem num
conjunto de representações e crenças no além, num sistema simbólico
geral. Os rituais do candomblé são inseparáveis da profunda dimensão
artística que os impregna;
c) Alguns objetos ou conjuntos de objetos,27 além de suas dimensões estéticas,
existem para preencher uma função religiosa e ritual e “interagem”, em
situação, com o mundo material e espiritual. Vemos, assim, que não cabe
aqui a dicotomia, comum na arte contemporânea, entre, de um lado, a obra
exposta – criação plástica, instalação –, a ser contemplada de forma passiva,
e, de outro, a ação vivida – performance, intervenção ou happening –, com
a qual se pode interagir em diferentes níveis.

Para entender o funcionamento desses rituais artístico-religiosos, é


preciso descrever brevemente a arquitetura geral do sistema simbólico que
lhes é subjacente. A cosmologia do candomblé se articula no fato de que tudo
o que existe no mundo terreno (aiê) está constituído de materiais provindos
do mundo sagrado do além (orum). Os numerosos rituais estabelecem
assim uma comunicação entre essas duas dimensões da existência, uma
individualizada e imanente, a outra genérica e imaterial. Então, as divindades
oferecem suas benevolências neste mundo terreno na condição de que sejam
honradas e alimentadas com oferendas e sacrifícios de animais. Também há a
condição de que, chamadas por cantos e pela utilização de ritmos específicos,
elas disponham de adeptos nos quais possam se encarnar durante as danças
de possessões. Todos esses rituais e cerimônias religiosos com forte dimensão
artística se inserem notadamente numa economia geral do axé. Essa energia
mágico-sagrada está presente, em graus variáveis, nos deuses, nos seres
humanos, nos animais, nas plantas e em alguns objetos, em particular nos
assentamentos. Axé é uma força dinâmica que deve ser mantida e que deve
circular. é mobilizada e redistribuída aos fiéis por meio dos rituais, sempre
renovados. A acumulação individual do axé vai permitir alcançar o objetivo
final desses cultos: a plenitude – saúde, prosperidade material, vida longa
etc. – e a realização do ser humano para que ele se torne, no sentido pleno
da palavra, uma pessoa.

***
Altares; vasos, pedras ou objetos-suportes dos orixás, chamados assentamentos; objetos-símbolos
27

dos orixás exibidos pelos adeptos em transe.


[ 120 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Não é suficiente, no entanto, afirmar que a dimensão artística é


constitutiva, consubstancial e inerente aos rituais. É também preciso saber
em que medida a dimensão estética e artística do ritual atribui ao ato
religioso seu sentido, sua plenitude. Responder a essa pergunta implicaria,
primeiro, ultrapassar a noção ou a categoria de arte sagrada tal como a
entende a história da arte, isto é, objetos/obras de arte a serviço de um culto
religioso.28 Só então é possível interrogar amplamente acerca das relações
que unem, nesses cultos, a estética e o sagrado, o belo e a dinâmica do ritual.
Gostaria de insistir neste fato: a profunda dimensão artística e estética dos
rituais aparece como uma condição de sua eficácia mágico-religiosa. As
atuações artísticas permitem e/ou reforçam o caráter performático do ritual,
sua eficácia simbólica. Por exemplo, nos cantos, fórmulas de saudações
ou fórmulas mágicas, a poesia da letra, a forma da dicção oral, participa e
reforça a força mágica, performática, do verbo – o que o antropólogo Pierre
Verger chamou de verbe agissant. Para ter uma eficácia performativa, para
ser suporte do axé, as palavras devem ser pronunciadas em voz alta. E elas
são acompanhadas por gestos, ritmos, movimentos corporais.
Outro exemplo: durante as cerimônias públicas de possessão, a música
e os ritmos da percussão não são suficientes para fazer o adepto incorporar,
mas são, dentre outros,29 elementos indispensáveis que induzem ao transe,
que o tornam possível e facilitam seu acontecimento.
“É o olhar dos observadores que faz o quadro”, declarava o artista
Marcel Duchamp à época em que o antropólogo Marcel Mauss explicava
que são os clientes dos mágicos que, acreditando em seus poderes mágicos,
os tornam eficazes.
Alfred Gell (1998), outro antropólogo que se afastou do critério da
fruição estética e da contemplação, propôs uma aproximação entre magia
e arte, vendo em ambos os fenômenos uma manifestação do encantamento
da tecnologia. Via a arte como “agência” (agency), ou seja, como um sistema
de ação, como algo para fazer ‘fazer’, como um processo que tem efeitos
particulares, produzindo resultados práticos. Segundo Gell, a característica
das artes visuais – sejam elas ocidentais ou não – é provocar emoções. Nesse
sentido, o Belo é apenas um aspecto parcial. A arte possui uma função

A noção de arte sagrada remete a um quadro religioso que incorpora um pensamento teológico
28

ou cosmogônico e funções especificamente litúrgicas.


Como o condicionamento ritual no momento da iniciação reclusa dos noviços com uso de drogas,
29

a aprendizagem de técnicas corporais, a sensibilidade à música e ao ritmo de seu orixá etc. (Rouget,
1990; Verger, 1999).
Arte e religião [ 121 ]

nas relações estabelecidas entre agentes sociais, é um meio utilizado pelos


indivíduos para influenciar os atos e os pensamentos de seus contemporâneos.
Considerada um modo de ação, a arte se aproxima então do processo
ritual. Talvez seja aqui que arte e ritual se encontrem e se complementem,
pois uma das qualidades mais evidente da ritualização é o fato de que ela é
um modo particular de ação (Houseman, 2002). Os símbolos não somente
representam, mas transformam o mundo (Geertz, 1983); as pinturas não
somente testemunham, mas falam e agem.

***

As práticas rituais e artísticas dos cultos afro-brasileiros ultrapassam o


mero quadro religioso. Elas, e ainda outras práticas artísticas afro-brasileiras
que incluem uma dimensão ritual, se difundiram e influenciaram o resto
da sociedade e da cultura brasileira. Nesse sentido, a influência africana –
afrodescendente – é difusa, muito presente na música, na dança, nas artes
de rua ou mesmo na culinária. O samba, por exemplo, não é considerado
uma arte afro-brasileira em si. No entanto, a influência das culturas negras
em sua constituição é evidente e preponderante quanto a ritmo, dança,
relação com o corpo etc.
Existe outro tipo de arte oficialmente chamado de arte afro-brasileira.
Em poucas décadas, alguns objetos religiosos dissimulados, como feitiços,
objetos-suportes dos orixás e símbolos mágicos, passaram do estatuto de
armas do crime – já que os cultos eram proibidos e esses objetos eram
confiscados pela polícia como provas da feitiçaria e da transgressão da lei –
ao estatuto de joias da coroa, expostos em museus de antropologia e mais
recentemente em museus de arte. Essa mudança radical é intrínseca a um
processo mais abrangente de mudança histórica iniciado nos anos 1930,
que transformou o candomblé, por muito tempo proibido e perseguido, em
sinônimo de cultura afro-brasileira (Sansi, 2007).
Em paralelo a esse processo, constituiu-se recentemente uma arte afro-
brasileira autônoma e contemporânea, essencialmente uma arte plástica,
amplamente desligada de uma função ritual, cujas produções são exibidas em
museus de arte e vendidas em galerias.30 A autonomia desse campo artístico

Além disso, uma miríade de artistas e artesãos populares, muitos deles localizados na cidade de
30

Salvador, alimentam o mercado turístico com iconografias afro-brasileiras (e são desprezados pelas
elites artísticas).
[ 122 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

proporciona algumas questões. A valorização da atuação/comunicação ritual


se apoiando em práticas artísticas coletivas específicas dentro do quadro
religioso se opõe agora à concepção do poder estético ligado à capacidade
de inovação do criador defendida pela arte contemporânea. O paradoxo é
o seguinte: os produtores dessa nova arte afro-brasileira, que reivindicam de
maneira legítima o estatuto de artista e a autonomia criativa atrelada a essa
atividade, continuam a associar parte da autenticidade e da legitimidade de
suas obras à tradição dos cultos afro-brasileiros.
Além de muitos desses artistas serem iniciados espiritualmente nessas
religiões, a maior parte das obras plásticas e visuais qualificadas hoje de
arte afro-brasileira ainda conserva uma ressonância direta dos cultos, em
particular do candomblé. Isso é feito seja desdobrando-se de modos variados
a gama das representações pictóricas dos orixás, de seus símbolos e de seus
objetos associados, seja, de maneira mais criativa – e mais interessante se
nos colocarmos na ótica da arte contemporânea –, inspirando-se na estética
ligada à religiosidade politeísta para tentar reinterpretá-la e reinventá-la.31
Nesse sentido, surge a seguinte questão: até que ponto poderia existir uma
arte afro-brasileira capaz de se desvencilhar completamente da dimensão
religiosa e ritual? Inversamente, se desejássemos definir a arte afro-brasileira
contemporânea como religiosa, ou pelo menos como uma arte ligada a uma
estética religiosa, o risco seria então de reduzir seu campo de visibilidade
e limitar a receptividade da crítica e sua circulação no mercado artístico
contemporâneo, cujo acesso é reivindicado pelos artistas.

Considerações finais
Tentei rapidamente evocar, em dois contextos religiosos muito
diferentes, o ritual em sua dimensão artística. Talvez seja possível concluir
evocando a introdução de uma dimensão ritual na arte contemporânea
por via do contato não contemplativo, da ênfase colocada na interação
com o público, das situações abertas permitindo intervenções externas,
da desaparição relativa da dicotomia criador/receptor, do espectador
transformado em participador etc. Nas artes plásticas e visuais, nas
instalações, nas artes teatrais e performáticas, nos happenings e nas
intervenções urbanas, alguns dispositivos artísticos contemporâneos,
mesmo se não se confundem com o ritual, laçam pontos de contato, criam
conexões possíveis com a performance ritual. Isso se processa em particular
Cf. Thompson (1983) e Conduru (2007).
31
Arte e religião [ 123 ]

por via da busca de interatividade, da presença compartilhada, da formação


de um corpo coletivo.
Enfim, aqui também poderíamos evocar numerosos exemplos mais:
a dimensão tátil nas obras de Lygia Clark; a participação do corpo nos
dispositivos de Hélio Oiticica; as dimensões performáticas no Living Theater
ou no Teatro Oficina de Zé Celso; as propostas de interações com o público
nas performances de Marina Abramović; o conceito de arte carnal da artista
visual/performer Orlan etc. Esses dispositivos artísticos permitem, entre outras
coisas, (re)descobrir ou se (re)aproximar de uma dimensão coletiva – seja ela
convivial, lúdica, irônica, festiva ou política – e talvez também desconstruir,
finalmente (?), a seriedade altiva que durante muito tempo caracterizou o
objeto quase sagrado que é a obra de arte.32
A efervescência social e a emoção coletiva suscitadas pelas cerimônias
rituais permitem unir, mesmo que temporariamente, uma coletividade. Essa é
uma das principais funções do ritual (Turner, 1990). A partir dessa perspectiva,
podemos reconhecer uma dimensão ritualística nas artes contemporâneas:
elas são capazes, às vezes, de proporcionar uma breve coesão coletiva e até
mesmo uma forma de catarsis social. O performer mexicano, artista visual e
teórico Guillermo Gómez-Peña afirmou recentemente que somente o ritual
poderá aliviar a dor com a qual convivemos na sociedade contemporânea...

Referências
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Fayard, 2003.
ARAÚJO, Emanoel (org.). A mão afro-brasileira: significado da contribuição artística e
histórica. São Paulo: Tenenge, 1988.
BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”. In
COSTA LIMA, Luis (org.). Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro: Saga,
1969 [1936], pp. 207-38.
BOURDIEU, Pierre. La distinction. Critique sociale du jugement. Paris: Minuit, 1979.
CONDURU, Roberto. Arte afro-brasileira. Belo Horizonte: C/Arte, 2007.
GEERTZ, Clifford. “Art as a cultural system”. Local knowledge, further essay in interpretative
anthropology. Nova Iorque: Basic Books, 1983, pp. 94-120.
GELL, Alfred. Art & agency. Londres: Claredon Press, 1998.

O paradoxo é, justamente, que as artes modernas e contemporâneas se colocaram como se fossem


32

totalmente independentes de qualquer influência ou dimensão religiosa. Chamando a atenção para


a função do ritual em torno do objeto mágico ou religioso nas sociedades primitivas, Benjamin
(1969) observa que existe uma transferência desse sentido original ao culto que se presta às obras
de arte.
[ 124 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

HOUSEMAN, Michael. “Qu’est-ce qu’un rituel?”. L’autre. Cliniques, cultures et sociétés,


2002, v. 3, n. 3, pp. 533-8.
LE QUELLEC, Jean-Loïc. Arts rupestres et mythologies en Afrique. Paris: Flammarion,
2004.
LEROI-GOURHAN, André. Le geste et la parole, la mémoire et les rythmes. Paris: Albin
Michel, 1965, v. 2.
LEWIS-WILLIAMS, David e CLOTTES, Jean. Les chamanes de la préhistoire. Transe et
magie dans les grottes ornées. Paris: Seuil, 1996.
MAUSS, Marcel. Sociologie et anthropologie. Paris: PUF, 1993.
PEREIRA, Edith. Arte rupestre na Amazônia-Pará. São Paulo/ Belém: UNESP/ Museu
Paraense Goeldi, 2003.
PRICE, Sally. Arte primitiva em centros civilizados. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 2000
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ROUGET, Gilbert. La musique et la transe. Paris: Gallimard, 1990.
SANSI, Roger. Fetishes and monuments. Afro-Brazilian art and culture in the twentieth
century. Nova Iorque/ Oxford: Berghahn Books, 2007.
SCHAAN, Denise Pahl. “A Amazônia antes do Brasil”. Scientific American Brasil, 2008,
n. 1, pp. 28-35.
SCHECHNER, Richard. The future of ritual. Writings on culture and performance. Londres/
Nova Iorque: Routledge, 1993.
THOMPSON, Robert Farris. Flash of the spirit. Nova Iorque: Vintage Books, 1983.
TURNER, Victor. Le phénomène rituel. Structure et contre-structure. Paris: PUF, 1990.
VERGER, Pierre. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de Todos os Santos, no
Brasil e na Antiga Costa dos Escravos, na África. São Paulo: EDUSP, 1999.
WHITE, Randall. L’art préhistorique dans le monde. Paris: La Martinière, 2003.
Arte e religião [ 125 ]

Arte e sacrifício: Laocoonte,


Michelangelo, Marcus Curtius e a
representação do sacrifício
humano entre os astecas
Maria Berbara
UERJ

No assim chamado cortile ottagono, nos museus vaticanos, turistas do


mundo inteiro costumam deter-se diante do Laocoonte, obra escultórica
celebérrima não apenas em si mesma, mas também em virtude das reflexões
estéticas e histórico-artísticas produzidas há séculos sob seu signo. Alojado,
praticamente desde sua espetacular exumação (1506), no nicho projetado
por Giuliano da Sangallo especialmente para recebê-lo, Laocoonte é exibido
frontalmente e separado do público por uma corda que impede o observador
de circular ao seu redor. Superado o impacto inicial produzido pela beleza
e potência da obra, carregada pelo pesado lastro de centenas de outras
imagens e textos referentes a ela, o visitante talvez se pergunte por que um
homem que está, junto com seus filhos, sendo mortalmente atacado por duas
enormes serpentes permanece sentado. Além disso, onde está sentado, e por
que somente ele, e não seus filhos?
Essas perguntas – como quaisquer outras relativas ao Laocoonte –
não podem ser formuladas de maneira ingênua. São muitos os artistas e
pensadores que se vêm ocupando delas ao longo do tempo, e a questão
da contenção laocoontiana ocupa o fulcro de transeculares debates não
apenas artísticos, mas literários, estéticos e filosóficos. A questão que aqui
nos interessará, mais particularmente, é o objeto sobre o qual Laocoonte, o
sacerdote troiano que suspeitara do ardiloso cavalo abandonado pelos aqueus
diante das muralhas de sua cidade, está morrendo. Ao deslocar-se o ângulo
de visão para as laterais da obra – na medida em que a corda nos permite –,
percebe-se que se trata de um objeto quadrado, ou retangular, com dois
pequenos degraus. Àqueles minimamente familiarizados com a estatuária
greco-romana e seus revivals, a identificação do objeto não traz problemas:
trata-se de uma antiga ara, um altar sacrificial sobre o qual, na antiguidade
[ 126 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

clássica mas também em outros contextos, animais eram abatidos durante


ritos religiosos. A ara comparece em numerosos relevos greco-romanos,
como demonstra de modo imediato uma visita ao mesmo cortile ottagono,
que alberga, além do Laocoonte, diversas obras nas quais é representada, de
variadas maneiras, a antiga ara.
A presença do altar parece perfeitamente explicável, à primeira vista,
pelo fato de Laocoonte ser ele próprio um sacerdote. Mais além, segundo
Virgílio – a mais divulgada fonte literária relativa ao episódio –, Laocoonte
estava prestes a sacrificar um touro no exato momento em que foi atacado
pelas serpentes:

À sorte eleito,
O antiste Laocoon com sacra pompa
A Neptuno imolava um touro ingente.
De Tenedos (refiro horrorizado)
Juntas, direito à praia, eis duas serpes
De espiras cento ao pélago se deitam:
Acima os peitos e as sanguíneas cristas
Entonam; sulca o resto o mar tranquilo,
E se encurva engrossando o imenso tergo.
Soa espumoso o páramo salgado:
Já tomam terra; e, em sangue e fogo tintos
Fulmíneos olhos, com vibradas línguas
Vinham lambendo as sibiliantes bocas.
Tudo exangue se espalha. O par medonho
Marchando a Laocoon, primeiro os corpos
Dos dois filhinhos seus abrange e enreda,
Morde-os e come as descozidas carnes:
E ao pai, que armado acorre, ei-las saltando
Atam-no em largas voltas; e enroscadas
Duas vezes à cintura, ao colo duas,
O enlaçam todo os escamosos dorsos,
E por cima os pescoços lhes sobejam.
De baba e atro veneno untada a faixa,
Ele em trincar e nós com as mãos forceja,
E de horrendo bramido aturde os ares:
Qual muge a rês ferida ao fugir d’ara,
Da cerviz sacudindo o golpe incerto.
Vão-se os dragões serpeando ao santuário,
Arte e religião [ 127 ]

E aos pés da seva deusa, enovelados,


Sob a égide rotunda ambos se asilam (1948, pp. 130-1, grifos meus).

De acordo com a narrativa virgiliana, Laocoonte é metaforicamente


transformado de sacerdote em vítima sacrificial; Virgílio explicita esse
simbolismo ao comparar seus terríveis gritos ao da “rês ferida ao fugir d’ara”.
Na arquitetura virgiliana, a morte de Laocoonte adquire um papel
fundamental. No segundo canto da Eneida, Eneias, a pedido da rainha Dido,
recorda os atrozes acontecimentos que precederam o definitivo ataque grego
e a queda de Troia. O herói recorda como os dânaos haviam fabricado um
enorme cavalo de madeira, oco, e em seu interior escondido seus melhores
soldados. Abandonam então a costa, escondendo-se nas proximidades da ilha
de Tênedos, mas deixam o insidioso cavalo às portas de Troia. Acreditando
que os gregos haviam desistido do longo sítio e regressado à sua terra, alguns
troianos propõem aceitar o suposto presente e arrastá-lo ao interior das
muralhas de Troia. Nesse momento, Laocoonte, sacerdote de Netuno e filho
do rei Príamo, acorre com seu séquito ao local onde os troianos debatem e
proclama um célebre discurso no qual os exorta a não confiar nos gregos,
nem mesmo quando trazem presentes. Dizendo isso, Laocoonte arremessa
uma lança contra o costado do animal.
Nesse exato momento, porém, aparece, maniatado, Sínon, um jovem
grego. Com um discurso enganoso, ele explica aos troianos que os gregos
haviam decidido abandonar Troia e construído o cavalo como uma oferenda
a Minerva, ofendida por Ulisses ter profanado seu templo e roubado o
Paládio. Como severas tormentas impedissem sua partida, relata, o oráculo
determinara que “sangue de hóstia grega” fosse oferecido em sacrifício a
fim de aplacar a chuva e os ventos. Após dez longos dias, o mesmo oráculo
designou que fosse Sínon a vítima, mas ele, assustado, conseguiu escapar e
se esconder até a partida dos gregos. É nesse momento que as duas enormes
serpentes marinhas surgem do mar e se dirigem diretamente a Laocoonte e
seus filhos, estrangulando-os, mordendo-os, envenenando-os e matando-os
por fim, antes de se esconderem aos pés do simulacro de Minerva.
A morte de Laocoonte é interpretada pelos troianos como um castigo
infligido pela deusa ao sacerdote troiano por ter ele atirado uma lança contra
o cavalo de madeira; esse é o elemento que os convence, por fim, a arrastar
o simulacro ao interior das muralhas citadinas. Durante a noite, Sínon
destranca as portas que encerravam os guerreiros gregos no simulacro, e
esses abrem os portões da cidade, permitindo a entrada dos demais gregos,
[ 128 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

escondidos no exterior. Enquanto isso, Eneias, herói central do épico


virgiliano, é visitado em sonhos por Heitor, o grande guerreiro morto por
Aquiles: o destino de Troia é inevitável, diz-lhe o espectro, mas ele próprio
poderia ainda salvar-se, levando consigo os Penates de Troia.
Segue-se o massacre: soldados troianos são trucidados, casas são
incendiadas, o castelo de Príamo é invadido e o rei, assassinado por Pirro.
Eneias luta; vê Helena e, furioso, quer vingar-se dela, quando sua mãe, Vênus,
aparece-lhe em uma segunda visão, exortando-o a buscar sua mulher, pai,
filho e os Penates troianos e escapar, pois seu destino está algures. Os capítulos
seguintes da Eneida narram as vicissitudes da longa viagem que haveria de
conduzir Eneias e sua família – menos Creúsa, sua esposa, a quem os deuses
não permitem acompanhá-lo, mas que aparece a Eneias em uma terceira
visão, convencendo-o a prosseguir sem ela – à Itália, onde daria início a um
novo reino e desposaria uma mulher da nobreza local.
Como indicado pelo grande arqueólogo alemão Bernard Andreae em seu
fundamental Laokoon und die Gründung Roms (­ 1988), a sorte de Laocoonte e
seus filhos constitui o primeiro de uma série de sinais – seguidos pela aparição
de Heitor, Vênus e Creúsa – que gradualmente revelam a Eneias sua elevada
missão: salvar os Penates troianos, renovando-a no povo romano. Embora
a relação causa-efeito entre o ataque das serpentes, a fuga de Eneias e,
consequentemente, a fundação de Roma não seja explícita, a leitura atenta
do segundo livro da Eneida revela que a passagem virgiliana mantém esse
vínculo, o qual, como mostra Andreae, já existia na tradição literária grega.
A ênfase dada por Virgílio ao episódio laocoontiano, por sua vez, relaciona-
se ao fato de o poeta latino ter composto um poema celebrativo de Roma,
tendo buscado, portanto, acentuar quaisquer elementos relacionados às suas
origens míticas. Por meio de uma metáfora de máxima intensidade e valor
poético, isto é, a comparação entre Laocoonte e a vítima diante do altar, o
sacerdote troiano – que, não por acaso, sacrificava um touro no momento
em que foi atacado pelos répteis – torna-se ele próprio a vítima sacrificial
(Andreae, 1988, p. 25).33 Sua morte é o que confere credibilidade ao relato
de Sínon, convencendo os troianos a permitir a entrada do cavalo na cidade;
concomitantemente, é também o primeiro de uma sucessão de sinais que
revelariam a Eneias a inevitabilidade da destruição de Troia e ao mesmo
tempo seu próprio destino, que o levaria a renovar Troia em Roma. No

O estudioso constrói seu argumento ao longo de todo o livro, enumerando diversas fontes literárias
33

e iconográficas que, por falta de espaço, precisamos omitir aqui.


Arte e religião [ 129 ]

contexto desse magnífico poema que glorifica o povo romano e suas origens,
a morte de Laocoonte constitui o sacrifício necessário à fundação de Roma.
Na iconografia antiga, por outro lado, o vínculo entre Laocoonte e o
touro sacrificial é, com frequência, fortemente enfatizado. Em uma miniatura
num manuscrito da obra virgiliana de princípios de século V d.C. (Codex
Vaticanus Latinus 3225, fólio 18v), o episódio laocoontiano é representado
em dois momentos: à esquerda, o sacerdote, imberbe, prepara-se para imolar
o touro branco diante de um altar sacrificial; à direita, o mesmo sacerdote,
agora com barba e usando uma esvoaçante capa, é atacado pelas duas
serpentes – também representadas duplamente, aparecendo à esquerda
no mar – juntamente com seus filhos. Laocoonte, note-se, apoia-se no
mesmo altar sobre o qual pretendia sacrificar o touro, destacando-se assim
o paralelismo metafórico entre as duas vítimas.
Apesar de variações relativas à forma de figurar a morte de Laocoonte
em fontes antigas, a presença do touro e/ou do altar sacrificial reaparece
em imagens produzidas em contextos históricos muito distantes, como em
duas pinturas pompeianas a fresco do século I d.C., nas quais Laocoonte
aparece, sendo atacado pelas serpentes, próximo a um altar sacrificial e
um touro branco.34 Essas alusões sacrificiais permaneceriam presentes em
representações medievais e renascentistas do Laocoonte que precederam a
descoberta do célebre grupo escultórico, como a miniatura do Codex Vat.
Lat. 2761, a do Codex Riccardiano 492, ou a xilogravura na edição da Eneida
publicada por Johannes Grüniger em 1502 (Estrasburgo) (cf. Förster, 1906).
Abandonando agora o contexto greco-romano e observando algumas
obras produzidas durante o Quatrocentos italiano, descobre-se a presença
do mesmo altar sacrificial em obras religiosas, como na tela Virgem e menino
com santos, de Filippino Lippi.35 O trono no qual a Virgem está sentada,
entre São Martinho e Santa Catarina de Alexandria, é, na verdade, um
altar pagão, adornado com uma cabeça de bode, uma guirlanda e uma
batalha de centauros marinhos. A alusão não poderia ser mais clara: Maria
e Jesus ocupam o espaço tradicionalmente reservado às vítimas sacrificiais,
identificando-se, portanto, com elas. Nessas duas tradições – greco-romana
e cristã, durante o renascimento –, a presença da ara corrobora a concepção
do personagem central – Laocoonte ou Cristo – como uma vítima sacrificial.
Uma das pinturas é preservada in situ, na assim chamada Casa di Menandro, e a segunda, da Casa
34

di Laocoonte, encontra-se atualmente no Museu Nacional de Nápoles.


Na Capela Nerli em Santo Spirito, Florença, ca. 1487-1488, são também representados os
35

comanditários da obra, Tanai de’ Nerli e sua esposa, Nanna.


[ 130 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Seria Michelangelo, apaixonado admirador do Laocoonte e testemunha ocular


de sua exumação no Colle Oppio, em Roma, a reunir ambas as tradições
criando um Cristo na cruz que haveria de influenciar decisivamente toda
a iconografia da crucifixão: trata-se do célebre desenho realizado para sua
grande amiga Vittoria Colonna e atualmente conservado no British Museum.
Na Itália, a partir do segundo quartel do século XIII – notadamente com
as Crucifixões de Giunta Pisano e Cimabue –, o modelo de representação
de Cristo morto na cruz – o assim chamado Christus Patiens – torna-se
quase universal. Michelangelo rompe com essa tradição ao representar
Cristo com os olhos abertos, os ombros torcidos, a cabeça voltada ao
céu, em uma posição de claríssima derivação laocoontiana. Ao figurá-lo
vivo, o grande artista florentino não recorre, em absoluto, aos antigos
tipos bizantinos do Christus Triumphans, em que Cristo aparece vivo mas
sereno e completamente alheio à dor. De acordo com Ascanio Condivi,
seu biógrafo, Michelangelo
fez por amor a ela [Vittoria Colonna] um desenho de Jesus Cristo
na cruz, não morto, como é costume representá-lo, mas vivo, com o
rosto elevado ao pai e parecendo dizer: ‘Heli, Heli’; onde se vê aquele
corpo não como morto abandonado cair, mas como vivo, pelo amargo
suplício, ressentir-se e contorcer-se (1887, p. 202).

Condivi faz referência, naturalmente, à célebre passagem do Evangelho


segundo São Mateus (Mt. 27,50) que relata o sentimento de abandono de
Cristo segundos antes de morrer na cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que
me abandonaste?”.
Michelangelo funde as imagens de Cristo e Laocoonte, identificados
graças à experiência do sacrifício: o mestre florentino não utiliza o Laocoonte
apenas como um modelo formal, mas também como uma citação iconográfica.
Se o sacerdote troiano é a vítima sacrificial necessária para a renovação de
Troia em Roma, é a morte sacrificial de Cristo que permite a renovação da
antiga Roma imperial, decaída e saqueada em séculos de abandono, na nova
Roma, sede da Santa Sé, luminosa e outra vez pujante. A morte de Laocoonte
e a de Cristo, dolorosas não só física, mas também moralmente, expressam-se
magistralmente nas torções do Cristo michelangeano, inquieto e alerta. A
genial criação do mestre florentino haveria de influenciar profundamente as
gerações seguintes, definindo um novo modelo de representação de Cristo
na cruz que atravessaria muitos séculos, chegando mesmo, sempre com
importantes variações, ao momento atual. No desenho michelangeano no
Arte e religião [ 131 ]

British Museum, a citação antiga não forma, como em tantos outros exemplos
da arte renascentista, uma representação isolada, destacada da cena central,
mas funde-se a ela: Cristo e Laocoonte se tornam um.
Entre esses dois momentos – a exumação do Laocoonte, em 1506,
e a criação do Cristo michelangeano, nos anos 1530 –, o navegador
espanhol Hernan Cortés, que aportara em Hispaniola em 1504, recebeu
a missão de desbravar e conquistar o interior do atual México. Em 1518,
desembarcou na península de Yucatán, então território maia, e nos meses
seguintes realizou uma série de alianças táticas com tribos autóctones.
Graças, por um lado, a circunstâncias políticas locais e, por outro, à sua
enorme inteligência diplomática e militar, Cortés conseguiu realizar o
impensável: após meses iniciais, durante os quais intenções hostis foram
suavizadas, de parte a parte, por discursos de tom diplomático, os espanhóis
estrangularam a capital do reino asteca, aprisionaram Montezuma, seu rei,
em seu próprio castelo e, finalmente, reduziram a cinzas Tenotchtitlán,
a cidade prateada comparada por viajantes como Thevet, entre outros,
a Veneza e Constantinopla.36 Parte do tesouro de Montezuma foi levado
por Cortés à Europa e dado como presente ao imperador Carlos V; Dürer,
em sua viagem aos Países Baixos, teve a oportunidade de vê-lo no palácio
de Bruxelas e registrar em seu diário todo o seu assombro e admiração por
aqueles objetos tão belos quanto estranhos.

***

A produção artística asteca divide com a cristã a centralidade absoluta


não apenas do rito sacrificial, mas também da imagem do sacrifício e de
instrumentos relacionados a ele. Os instrumentos da Paixão de Cristo (a
coroa de espinhos, o látigo, a esponja embebida em vinagre etc.) são com
frequência empregados como uma pars pro totum relativa à morte no Gólgota.
Analogamente, no universo asteca, instrumentos que tinham por função
extirpar o coração das vítimas, as lâminas sacrificiais, ocupam um posto
central no universo pictórico. Esses objetos não são concebidos apenas como
instrumentos inanimados, mas simbolizam o próprio sacrifício. No assim
chamado Codex Borgia, por exemplo, uma lâmina sacrificial antropomórfica
A cidade de Tenotchtitlán parece ter sido conhecida também como “Nova Veneza” no século XVI,
36

como vemos na passagem de Ziletti que se refere a Cortés como “descobridor da Nova Espanha
e da grande cidade do México, agora chamada Nova Veneza por causa de sua localização, edifícios
e riqueza” (apud Gómara, 1566, pp. VII-VIII).
[ 132 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

devora suas próprias vítimas.37 Embora a prática de sacrifícios humanos tenha


sido comum a praticamente todas as culturas mesoamericanas, entre os
astecas o culto à morte sacrificial e a prática massiva de sacrifícios humanos
parecem ter atingido uma intensidade sem precedentes.
Às analogias entre as duas tradições e formas de representação sacrificiais,
contudo, contrapõem-se importantíssimas diferenças. A principal delas é que,
na tradição cristã, contrariamente à asteca e à greco-romana, o sacrifício
não envolve a morte de animais ou de vítimas humanas involuntárias. O
sacrifício cristão – seja o de Cristo ou o de santos mártires – é sempre um
exercício da vontade. Um dos maiores assombros dos cidadãos romanos que
presenciavam a execução de cristãos nos primeiros séculos da nossa era era
constatar não apenas o destemor dos mártires ante a proximidade da tortura
e da morte, mas também sua alegria face à perspectiva de emular, com o
próprio corpo, o destino de Cristo.38
A religião cristã é profundamente encarnacional: o Verbo encarna
em Cristo, e Cristo encarna na hóstia e no vinho diariamente consumidos
na Eucaristia – seu corpo e seu sangue. Seus seguidores, por sua vez,
autodenominam-se cristãos, isto é, são um com Cristo; para eles, a maior
glória que podem alcançar neste mundo é sua imitação até a morte. Sobretudo
a partir da Idade Média, o conceito de immitatio Christi torna-se cada vez
mais literal: em 1224, São Francisco de Assis experimenta a estigmatização,
isto é, as cinco feridas de Cristo são reproduzidos milagrosamente em suas
mãos, pés e coração. Nos séculos posteriores, o milagre da estigmatização
haveria de repetir-se diversas vezes, como com Santa Clara de Montefalco
ou Santa Catarina de Siena.
Contrariamente ao que se costuma pensar, a mística cristã não propõe a
separação entre o corpo e a alma, ou a superação das sensações corpóreas; o
corpo é concebido como uma via de acesso a Deus. É por meio do corpo – da
potencialização conscientemente buscada de suas percepções sensoriais –
que o cristão alcança experiências espirituais extremas. Essas experiências,
com frequência, são concebidas como sacrifícios – não no sentido literal do
termo, mas como aproximações místicas à morte sacrificial de Cristo.
No universo romano antigo, paralelamente ao sentido religioso,
o sacrifício adquiria com frequência uma função cívica. Um dos mais
célebres exemplos de sacrifício patriótico é o de Marcus Curtius, em um
O Codex Borgia, atualmente conservado no Vaticano, contém cinco códices realizados antes da
37

Conquista. Há no codex várias representações sacrificiais.


Para diversos testemunhos, cf. Musurillo, 1972.
38
Arte e religião [ 133 ]

episódio narrado por Tito Lívio (Ab urbe condita, VII, 6). Conta-se que,
em 362 a.C., o solo cedeu em pleno foro romano, abrindo-se uma enorme
cratera que não se fechava apesar de renovados esforços para cobri-la
de terra. Os sacerdotes afirmaram que, para fechar a cratera e garantir
a continuidade da república romana, seria preciso oferecer em sacrifício,
naquele mesmo local, aquilo que de mais valioso possuísse o povo romano.
Ouvindo isso, Marcus Curtius, um jovem soldado romano, afirma em voz
alta que nenhuma virtude é mais romana do que as armas e o valor militar.
Ele, então, devota-se solenemente à morte, monta um cavalo de guerra
e, armado, atira-se ao precipício. A lenda encontra paralelos nas histórias
de outros heróis romanos como Publius Decius Mus, Mucius Scaevola
e Horatius Cocles. Cícero e Sêneca os citam como modelos de conduta
moral, e Valerius Maximus os inclui em sua famosa coleção de exempla, os
Factorum et dictorum memorabilium libri novem.
Esses paradigmas de devotio romana possuem características comuns:
em primeiro lugar, o herói precisa ser virtuoso; geralmente, trata-se de um
guerreiro nobre e valente. Além disso, seu sacrifício precisa ser voluntário;
normalmente, ocorre em um contexto de guerra ou catástrofe natural ou
sobrenatural. Todos esses elementos, à primeira vista, são identificáveis
com a morte sacrificial de Cristo e dos mártires cristãos, paralelismo que
não passou despercebido aos primeiros escritores cristãos.39 A ideia de que
uma pessoa pague para salvar a comunidade, deixando-se morrer para que
se restabeleça um perdido estado de equilíbrio, é comum tanto ao martírio
cristão quanto ao autossacrifício romano. Uma morte abnegada é um sinal
de força e virtude válido em ambos os universos simbólicos.
Apesar dessas semelhanças, Santo Agostinho (1963, pp. 214-5), entre
outras vozes, procura diferenciar os sacrifícios pagãos dos cristãos: os
últimos, afirma, suportam martírios infligidos por outros; sua morte é aceita
passivamente, não escolhida ativamente. Além disso, o herói romano morre
para salvar a cidade terrena, enquanto mártires cristãos são sacrificados
pelo reino celestial. O conceito de sacrifício romano, como dito acima,
conectava-se efetivamente menos à religião do que ao patriotismo, que era,
para os romanos, um dever moral da maior ordem. Os primeiros cristãos,
por outro lado, ignoravam o apelo patriótico a favor da Cidade de Deus;
como apontado por Tertuliano, “nada lhes é mais indiferente do que a coisa
pública” (1984, p. 173).

Cf. Orígenes (1980, pp. 31-2).


39
[ 134 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Na iconografia romana, Curtius é representado de acordo com o relato


de Lívio, isto é, armado e montando seu cavalo enquanto se precipita no
abismo. Durante o renascimento, contudo, o herói, livre de quaisquer
ambiguidades morais, é com frequência representado com o mesmo pathos
espiritualizado dos próprios mártires cristãos. Em uma tela oval de Paolo
Veronese atualmente conservada no Kunsthistorisches Museum de Viena
(ca. 1535), Curtius é representado de um ponto de vista incomum, de baixo
para cima, como se o observador estivesse situado no interior da cratera na
qual o herói se lança.40 A cabeça erguida, os olhos voltados para o céu, os
braços estendidos: típicas características do mártir cristão no momento de
seu sacrifício. A atitude belicosa de Curtius, presente nas representações
antigas, desaparece por completo; ele já não segura sua espada ou as rédeas
de seu cavalo, nem parece controlar o animal, que se transforma, assim,
em instrumento de seu sacrifício. Como mencionado, uma das principais
diferenças entre o sacrifício pagão e o cristão, segundo Santo Agostinho,
entre outros, era que o primeiro é ativamente buscado pelo herói, e o segundo,
passivamente suportado pelo mártir. Veronese, contudo, retira de Curtius o
poder sobre sua própria morte, tornando-o tão passivo quanto os mártires
cristãos ou como animais levados ao altar pelos acólitos. Em sua tela, a descida
de Curtius ao mundo subterrâneo transforma-se em uma ascensão ao céu.
Os diálogos – consonantes ou dissonantes – entre as tradições sacrificiais
greco-romana e cristã, os quais se manifestam, com tanta eloquência,
nas artes visuais, não encontram paralelos transatlânticos: a riquíssima
iconografia sacrificial asteca não se infiltra na arte ocidental contemporânea,
e seria preciso esperar séculos para que os muralistas mexicanos, entre
outros, regressassem às fontes astecas, incorporando-as à própria produção
artística. Alguns historiadores e antropólogos da segunda metade do
século XX quiseram ver na imagem sanguinária da civilização asteca uma
distorção propositalmente engendrada por colonizadores hispânicos ávidos
de justificar a própria violência através da demonização do povo aniquilado.
Essa teoria, historicamente determinada, não resiste a qualquer análise:
embora as informações que nos tenham chegado sobre o sacrifício asteca
provenham majoritariamente de documentos e imagens espanhóis, basta
verificar a abundância de evidências ósseas, a infinidade de costelas portando
a marca inconfundível da lâmina, para constatar que o sacrifício humano
era praticado frequentemente na sociedade asteca, e de forma massiva.

A tela foi originalmente concebida para ser posicionada no teto.


40
Arte e religião [ 135 ]

Cento e setenta crânios perfurados,41 por exemplo, foram desenterrados em


Tlatelolco, próxima à antiga Tenotchtitlán, e nos museus de antropologia
e etnografia da Cidade do México é possível contemplar centenas de
lâminas e outros objetos destinados à prática do sacrifício. Por outro lado,
é certo que grande parte das imagens representando sacrifícios humanos
que chegaram aos nossos dias foi fortemente mediada pela cultura visual
espanhola; entre as fontes mais difundidas, encontra-se o chamado Códice
florentino, um conjunto de 12 livros organizados pelo espanhol Bernardino de
Sahagún aproximadamente entre os anos 1540 e 1580. Os livros, trilíngues
(em nahuatl, espanhol e latim), contêm aproximadamente 1.800 imagens
figurando diversos aspectos da vida asteca anterior à Conquista, entre as
quais representações sacrificiais.
Embora as imagens tenham sido produzidas por tlacuilos, isto é, astecas
cuja profissão consistia em escrever, desenhar e esculpir, do ponto de vista
técnico e formal elas revelam claramente a forte influência da pintura
ocidental contemporânea. Em uma das imagens mais célebres do sacrifício
asteca que chegou aos nossos dias, quatro acólitos seguram a vítima sacrificial
por seus braços e pernas, mantendo-a deitada sobre o altar; abaixo, uma
escada esquematizada indica que os personagens se encontram ao alto de
uma pirâmide. O sacerdote, segurando ainda a lâmina sacrificial, acaba de
extirpar o coração da vítima e oferece-o ao sol, divindade central no panteão
asteca cuja sobrevivência e funcionamento dependia essencialmente da
oferenda periódica de sangue humano.42 Os braços abertos da vítima, seu
grito, seu olhar voltado para o céu remetem às imagens cristãs de martírio
e ao próprio Laocoonte, imolado, ele também, sobre um altar sacrificial.
O sacrifício é um rito presente em todas as religiões e sistemas
civilizacionais. Nos três contextos aqui abordados – o greco-romano, o
renascentista italiano e o asteca –, o sacrifício e os instrumentos sacrificiais,
concebidos literalmente ou não, não apenas ocupam um lugar central na
iconografia; a eles é atribuído, aí sim literalmente, um valor religioso de fato:
contrariamente aos protestantes – e essa foi, recorde-se, uma das principais
causas do cisma luterano –, os católicos creem profundamente no valor
real, não simbólico, da Eucaristia, isto é, o pão e o vinho transformam-se
Os crânios eram perfurados para que pudessem ser pendurados no Tzompantli, uma estrutura de
41

madeira com uma série de estacas dispostas horizontalmente.


Estudos recentes têm demonstrado, no entanto, que a assim chamada explicação energética do
42

sacrifício asteca – isto é, a ideia de que o sacrifício servia para alimentar os deuses e assegurar o
funcionamento ordenado e equilibrado do cosmos – provavelmente não exaure a complexidade
do fenômeno. Cf. os estudos de Davies (1981, cap. 9) e, mais recentemente, de Graulich (2005).
[ 136 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

realmente, na celebração da missa, no corpo e no sangue de Cristo. Há


profundas diferenças, por outro lado, entre esses sistemas, tantas que não nos
seria possível analisá-las, mesmo brevemente, neste artigo. Sacrifícios podem
ser propiciatórios, como é frequente na tradição grega, ou expiatórios, como
no contexto hebreu. Na religião cristã, o sacrifício de Cristo, cordeiro de
Deus, ao ser perfeito e totalmente eficiente, torna desnecessária a repetição
de rituais de expiação. Já entre os astecas, o sacrifício não é individual nem
voluntário, nem basta que uma única vítima – a mais nobre – pereça para
salvar os demais.
Pesquisas realizadas entre os últimos decênios do século XIX e meados
do XX procuraram edificar uma teoria geral do sacrifício. Investigações mais
recentes, contudo, ressaltam sua complexidade e diversidade, insistindo
em que cada ritual deva ser compreendido no contexto religioso do qual
participa.43 Essas pesquisas, assim, em vez de buscar construir uma teoria
universal, propõem uma tipologia comparada dos diferentes sistemas
sacrificiais. Essa foi, de certa forma, a direção que procuramos dar a este
artigo, indicando possibilidades de abordar comparativamente rituais e
elementos iconográficos sacrificiais em culturas muito distantes entre si,
seja do ponto de vista cronológico ou geográfico.
O sacrifício envolve sempre violência; sacrificar é consagrar um objeto
à divindade, mas essa consagração implica, necessariamente, a destruição
desse objeto. Retornando a Vernant, “não há sacrifício sem mediador, e não
há mediador que não seja, de certa forma, vítima” (1981, p. 2). No caso do
catolicismo, a eucaristia não simboliza, apenas, a morte sacrificial de Cristo,
mas a revive.
A percepção da brutalidade, assim como do medo e da dor, é fortemente
mediada pela cultura. Segundo as cartas de Cortés, os conquistadores sentiam
uma genuína repulsa pela prática do sacrifício humano. Essa repulsa, porém,
encontra analogias no estupor romano dos primeiros séculos da era cristã ante
a prática eucarística, considerada por aqueles canibalística, ou na rejeição
de alguns dos assim chamados pais da Igreja pela prática do sacrifício animal
entre os antigos romanos. Durante o renascimento, Laocoonte ou Marcus
Curtius puderam ser cristianizados, isto é, seu sacrifício pôde ser incorporado
à ética e à estética cristã, assumindo novos significados e novas formas. Esse
não foi o caso da iconografia sacrificial asteca, em relação à qual se abria o
abismo de um sentimento de alteridade profundo demais.

Cf. o artigo de Vernant (1981).


43
Arte e religião [ 137 ]

Referências
ANDREAE, Bernard. Laocoonte e a fundação de Roma. Mainz: Philipp von Zabern, 1988.
CONDIVI, Ascanio. Vita de Michelangelo Buonarroti. Berlim: Frey, 1887.
DAVIES, Nigel. Human sacrifice. Londres: Macmillan, 1981.
FÖRSTER, R. “Laokoon im Mittelalter und in der Renaissance”. Jahrbuch der Königlich
preussischen Kunstsammlungen, 1906, v. 27, pp. 149-78.
GÓMARA, Francisco López de. La terza parte delle historie dell’Indie, nella quale
particolarmente si tratta dello scoprimento della província di Iucatan detta Nuova
Spagna. Veneza, 1566.
GRAULICH, Michel. Le sacrifice humain chez les aztèques. Paris: Fayard, 2005.
MUSURILLO, H. (org.). Acts of the Christian martyrs. Oxford: Oxford University Press,
1972. (Oxford Early Christian Texts).
ORÍGENES. Contra Celsum I, 31. Londres: Cambridge University Press, 1980.
SANTO AGOSTINHO. De civitate Dei V, 14. Londres/ Cambridge: Loeb Classical
Library, 1963.
TERTULIANO. Apologeticus 38, 3. Ed. e trad. T. R. Glover. Londres/ Cambridge: Loeb
Classical Library, 1984.
VERNANT, Jean-Pierre. “Théorie générale du sacrifice et mise a mort dans la υσία
grecque”.  In REVERD, O. e GRANGE, B. (orgs.). Le sacrifice dans l’antiquité.
Genebra: Fundação Hardt, 1981, pp. 1-39.
VIRGÍLIO. Eneida. Trad. Manuel Odorico Mendes. Rio de Janeiro/ São Paulo/ Porto
Alegre: W. M. Jackson, 1948.
A gravura e a religiosidade
popular: A chegada da prostituta
no céu, de J. Borges

Maria Eurydice de Barros Ribeiro


UnB

“ D iabo, mulher e cobra são as coisas que mais realçam numa


gravura” declarou J. Borges (apud Ferreira, 2006, p. 73), um dos nomes
mais importantes do cordel e da gravura no Brasil. São temas medievais
que remetem ao episódio do Gênese, quando Eva, aceitando a maçã que a
serpente lhe oferecia, deu-a a Adão, provocando a expulsão de ambos do
paraíso (Gen. 3,1-21). O diabo, a mulher e a cobra se confundem na Idade
Média em um só tema iconográfico – o paraíso perdido – graças à associação
da mulher ao demônio e à serpente pelos Pais da Igreja. Repetido pelo
clero, esse discurso apontava, na natureza feminina, a luxúria e a traição,
representadas nos manuscritos iluminados pela serpente com face humana.
A xilogravura de J. Borges A chegada da prostituta no céu (Ferreira, 2006,
p. 48) reúne a mulher e o diabo, permitindo identificar no corpus de imagens,
na composição da cena e na distribuição do espaço códigos elaborados ao
longo do medievo, como as noções espaciais, os atributos e os símbolos. Em
cima e embaixo; à esquerda, à direita ou no centro: essa distribuição permite
situar os personagens e determinar a hierarquia entre eles, enquanto os
atributos os identificam.
A produção dos códigos cristãos se abasteceu tanto na tradição
bíblica quanto na multiplicidade de culturas de origem oriental e clássica
que a cercavam. Nelas, encontrou material propício à formação de uma
linguagem plástica capaz de traduzir a doutrina cristã. Dentro desse contexto
sociorreligioso, nos finais do século XI, os teólogos conceberam a Geografia do
Além, atribuindo maior importância hierárquica ao mundo de cima, celestial,
por oposição ao mundo de baixo, os infernos. Obedecendo a essa ordem,
na parte superior da gravura de J. Borges, o céu é facilmente identificável.
À sua porta, Pedro recebe a prostituta. Situada à direita, a figura ocupa
Arte e religião [ 139 ]

quase a metade da gravura, revelando a importância do personagem cujo


atributo – as chaves que traz nas mãos – invoca a tradição bíblica do poder
(Is. 22,22). A prostituta, caracterizada pelos longos cabelos, trajando-se de
forma contemporânea com um curto vestido que expõe parte de suas coxas,
está em plena ascensão, enquanto, no mundo de baixo, o demônio tenta
deter o movimento, puxando-a para si pelos pés.
Na gravura, o modelo feminino de Eva foi afastado e substituído pelo
de Madalena. Isto é, a representação feminina não se refere à mulher
pecadora, mas sim à mulher arrependida, inserindo a xilogravura no programa
iconográfico da santa, elaborado gradualmente com base nos sermões. No
início, os livros de salmos, os missais e evangelhos iluminados representavam
Maria Madalena no contexto do ciclo da paixão de Cristo. Prostrada pela
dor, ela é uma das Marias que participam da descida da cruz. Desde então,
Madalena assumiu uma dimensão especial, transformando-se, ao longo da
Idade Média, em uma figura emblemática.44
Porém, tal conquista não a libertou da tensão ambígua própria à
imagem medieval: nos séculos XII e XIII, a sociedade cavalheiresca, embora
sensibilizada pelos sermões, associava os longos cabelos e o perfume –
atributos da santa – à luxúria. Doravante, as representações de Maria
Madalena na pintura ou na escultura se fariam segundo dois principais
modelos iconográficos: no primeiro, ela é inserida no tema maior da paixão;
o segundo, de natureza hagiográfica, se baseia nas passagens de sua vida,
como a ascensão aos céus, a penitência no deserto, ou sozinha em meditação.
É sempre representada com cabelos longos, e o vaso de perfume que traz
nas mãos – destinado, segundo os ritos judaicos, ao preparo do corpo de
Jesus – alterna-se com um crânio simbolizando a transitoriedade do mundo
terreno. Todavia, enquanto, na ascensão aos céus, não há dúvida quanto ao
caráter sagrado do momento, quando aparece sozinha, sua vasta cabeleira,
o perfume ou o crânio tornam a representação ambígua, trazendo à tona a
lembrança da mulher vinculada aos prazeres mundanos, em especial aos da
carne. Essa ambiguidade perdurou até o século XVII, podendo ser vista na
pintura de Georges de La Tour.
44
Desde o século VI, o papa Gregório, “o grande”, reconheceu a presença de Madalena na vida
de Jesus com base nos evangelhos de Lucas, João e Marcos. De todas as mulheres citadas pelo
evangelho, ela é a mais visível, aparecendo 18 vezes. A respeito dela, a narrativa evangélica é
precisa, descrevendo seus sentimentos e sua fidelidade a Cristo até o final. Ela foi a primeira
testemunha do acontecimento maior sobre o qual repousa o fundamento do cristianismo: a
ressurreição. Durante toda a Idade Média, muitos poucos ousaram questionar sua importância
(Duby, 1995).
[ 140 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

O estudo da pintura ou das gravuras que têm Madalena como tema


permite verificar a circulação dos temas em várias épocas. Constata-se que a
obra de arte, independentemente de sua forma, não é constituída apenas por
matéria, mas possui um conteúdo, introduz uma ordem cuja função exige uma
atualização como a feita por J. Borges. Na ascensão da prostituta, o gravador
combinou elementos profanos ao sagrado: acrescentou aos longos cabelos
coxas expostas e provocadoras; substituiu os anjos, presença obrigatória na
ascensão aos céus, pelo demônio, cujo gestual trouxe de volta a pecadora.
A ambiguidade medieval emergiu suavizada pela presença masculina de
Pedro abrindo as portas do céu, opondo-se ao demônio, reconhecível com
facilidade por seus chifres, patas e cauda.
Inicialmente, na gravura nordestina, as séries sagradas tornaram-se
mais importantes que as laicas, assim como havia acontecido no passado
com a produção xilográfica na Europa. Todavia, as séries brasileiras, longe
de reproduzirem a religiosidade tradicional, romana, reformada e tridentina,
adquiriram a expressão da religiosidade medieval transladada no século
XVI pelos primeiros colonos portugueses, garantindo a sobrevivência do
catolicismo medieval.
O fato de a xilogravura de J. Borges ter antecedido o texto escrito
(Ferreira, 2006, p. 49) não significa que não possuísse um conteúdo com
o qual o público se familiarizasse ao reclamar a narrativa textual. No
movimento de ascensão da prostituta, o conflito entre os mundos superior
e inferior pela sua alma é evidente. No mundo de cima, a figura de Pedro é
maior e mais poderosa. No mundo de baixo, o demônio possui quase a metade
do tamanho de Pedro e não parece amedrontador. A imagem elaborada por
Borges remete a elementos sociorreligiosos próprios à cultura popular, em
que o sagrado e o profano se conjugam.
Compreender a complexidade da sobrevivência do corpus imagético
medieval e de seus códigos na contemporaneidade exige uma reflexão que
não se limita apenas ao território da história da arte. Vai mais além, impondo
o rompimento com os paradigmas que concebem o tempo linearmente e
propondo uma metodologia interdisciplinar.
Uma imagem, cada imagem é o resultado de movimentos proviso-
riamente sedimentados ou cristalizados nela. Esses movimentos a
atravessam de um extremo ao outro; tendo cada um uma trajetória
– histórica, antropológica, psicológica – que vem de longe e continua
além dela (Didi-Huberman, 2002, p. 39).
Arte e religião [ 141 ]

Referências
DIDI-HUBERMAN, Georges. L’image survivante. Histoire de l’art et temps des fantômes
selon Aby Warburg. Paris: Minuit, 2002.
DUBY, Georges. Dames du XII siècle. Paris: Gallimard, 1995.
FERREIRA, Clodo (org.). J. Borges por J. Borges. Gravura e cordel do Brasil. Brasília: Ed.
da UnB, 2006.
[ 142 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0
Arte e política [ 143 ]

arte e política
[ 144 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0
Arte e política [ 145 ]

Uma leitura de gênero possível:


o motivo da figura feminina nua

Ana Magalhães
USP

A história da arte a partir de uma interpretação de gênero tem sua


origem nos estudos sobre a história da pintura moderna, especialmente na
análise do impressionismo. Entre as décadas de 1940 e 1970, vimos surgir
os mais importantes estudos sobre a pintura impressionista e, desde então,
a participação das pintoras Mary Cassatt (1844-1926) e Berthe Morisot
(1841-1895) nas exposições impressionistas gerava reflexões críticas acerca
de um impressionismo feminino. Tal termo havia se constituído desde as
primeiras resenhas críticas sobre o trabalho das duas pintoras do grupo
impressionista já nas últimas décadas do século XIX e procurava mapear em
suas respectivas produções determinados motivos temáticos eminentemente
femininos, isto é, dentro do locus de um papel social atribuído à mulher:
o espaço da casa, da domesticidade, da função da mulher como mãe e de
seus afazeres domésticos. Tais temas estão, na visão dos críticos da época,
associados a um certo procedimento técnico, de cores e pinceladas suaves,
que exprimiam adequadamente os motivos representados.
Com o advento dos movimentos feministas na década de 1970,
historiadoras da arte como Linda Nochlin e Griselda Pollock tiveram papel
fundamental na renovação das leituras sobre a pintura impressionista e
a contribuição dessas duas mulheres artistas. No caso de Mary Cassatt,
a retomada de sua obra e a leitura crítica de sua produção levaram
efetivamente a um resgate de seu papel no movimento impressionista e
a colocaram numa posição central em relação a abordagens inovadoras
das novas técnicas de pintura e mesmo de motivos temáticos. Griselda
Pollock dá a Cassatt o título de “pintora de mulheres modernas” (1998,
p. 30), em que a concepção tradicional de um impressionismo feminino
é desconstruída para dar lugar a uma noção de condição feminina e de
[ 146 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

como tal condição seria capaz de constituir um olhar diferenciado daquele


eminentemente masculino.1
Um tema mais do que privilegiado por essa historiografia é a relação entre
Mary Cassatt e seu amigo Edgar Degas (1834-1917). O encontro entre os
dois artistas teria acontecido em 1877, momento em que a pintora chegara
de uma longa viagem por outros países do velho continente e, mais uma
vez, frustrara-se com a tentativa de envio de uma obra para o Salão Anual
da Escola de Belas Artes de Paris. Ao conhecê-la, Degas a convidou para
participar da segunda exposição que o grupo de impressionistas organizou
naquele ano. A partir de então, Cassatt parece tomar um novo rumo e
se afirmar dentro de uma linguagem modernista de pintura. A artista
participaria ainda das exposições do grupo em 1879, 1880 e 1886.
Sua participação na última exposição impressionista, em 1886, merece
uma atenção particular, sobretudo por conta da obra Menina arrumando
o cabelo (1886, óleo sobre tela, 75,1 x 62,4 cm, National Gallery of Art,
Washington, The Chester Dale Collection), que, no conjunto geral de obras
expostas pela artista desde sua primeira participação, é de fato excepcional.
Cassatt, que começava a ganhar a atenção da crítica por suas representações
de mães com seus filhos, mulheres em seu interior lendo, tomando chá,
cuidando de crianças, abordou aqui um motivo inédito em sua obra: a mulher
em sua toilette. Tal motivo era propriamente o tema explorado nas obras
apresentadas por Degas naquela mesma exposição impressionista de 1886.2
A crítica da época é severa ao tratar das obras que Degas apresenta aqui:
suas mulheres que se lavam, se enxugam, penteiam os cabelos são tomadas
como imagens que nada devem à pornografia. Nas composições de Degas, o
voyeurismo é um dado fundamental da erotização da figura feminina, o que
até hoje – e mais do que nunca – faz dele um pintor emblemático da visão
masculina do corpo feminino e da misoginia.
Como entender, então, a versão de Mary Cassatt em relação a esse
contexto? A anedota que se conta sobre a origem de Menina arrumando o
cabelo é que, numa das inúmeras discussões entre Cassatt e Degas sobre arte,
este último teria afirmado categoricamente que mulheres não deveriam ter o
Na historiografia em língua inglesa (sobretudo norte-americana e britânica), o termo gaze (olhar)
1

passa a ser utilizado nas abordagens de gênero para tratar da construção do olhar na pintura de
um modo crítico e justamente situá-la dentro de uma cultura predominantemente masculina. Para
uma leitura de gênero de tal termo, veja-se Pollock (1992).
Desde a década de 1870, Degas vinha trabalhando com composições de figuras femininas em sua
2

toilette. A esse respeito, cf. os textos “Combing the hair” e “Women bathing”, de Kendall (1996,
pp. 218-20, 230-1).
Arte e política [ 147 ]

direito de expressar opiniões sobre estilo, pois, em sua condição feminina, elas
não tinham a menor ideia do que era estilo. Cassatt, enfurecida, se retirou
e, em seu ateliê, deu início à composição de Menina arrumando o cabelo.
Quando a tela foi mostrada na exposição impressionista de 1886, Degas
teria sido o primeiro a elogiá-la e a reconhecer-lhe o estilo. Ele se tornaria
o primeiro proprietário da tela e após sua morte, em 1917, por ocasião das
vendas de seu espólio, ela chegou a ser atribuída a ele.3
A anedota reforça o papel de Cassatt como pintora feminista e o de
Degas como um misógino. De um lado, a pintora mulher, que prova que
pode pintar como um homem; de outro, o pintor homem, que reconhece
o estilo de sua colaboradora quando ela se aproxima de seu próprio estilo,
masculino. Entretanto, se analisarmos a obra atentamente, veremos que tais
categorias se dissolvem. Degas jamais poderia ter pintado Menina arrumando
o cabelo, uma vez que a composição de Cassatt opera a desconstrução do
olhar masculino. A figura é tomada em três quartos de frente, o que nos
permite ver claramente sua feição. Trata-se, de fato, não de uma mulher,
mas de uma menina, cuja fisionomia não se adequa a um padrão de beleza
da época. No caso das representações de Degas, de mulheres em sua toilette,
dificilmente é possível distinguir fisionomias e feições. O que Degas cria são
figuras sem rosto ou de rostos obscurecidos – ou porque as figuras são vistas
à distância, ou porque nos dão as costas. O voyeurismo, nas figuras de Degas,
é justamente acentuado pelo modo como suas figuras são representadas: elas
se nos apresentam como alheias à presença de seus espectadores, nós; não
se sabem observadas. Já na composição de Cassatt, a proximidade entre a
figura e o espectador é muito grande. Aliás, esta é uma das características
das composições de Cassatt: o ângulo aproximado e fechado sobre a figura
sugere a presença, inclusive, da pintora no momento de execução da obra,
tal como assinalado por Griselda Pollock. Esse recurso é responsável por criar
um incômodo para o espectador, que se reflete frequentemente no olhar e
na posição desconcertante das figuras.
Como nas figuras de Degas, há de certo modo um gesto exagerado: se
observamos a posição dos dois braços da figura, percebemos que eles formam
com a trança do cabelo uma linha sinuosa que perpassa a figura da cabeça
ao tronco, compensado pela linha do ombro direito com a inclinação da
cabeça para trás. Tais recursos corroborariam a ideia de estilo na pintura,

Cf. Pollock (1998). A anedota é tão conhecida que é contada em publicações de grande divulgação
3

da obra de Mary Cassatt. Cf., por exemplo, a análise de Getlein (1980).


[ 148 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

sem dúvida: são remanescentes do estudo atento da tradição da pintura,


sobretudo do período maneirista, assim como vemos também nas figuras de
Degas. Por outro lado, nessas últimas, a referência imediata às posições de
figuras femininas em cartões postais pornográficos é patente, como no caso
da grande tela Depois do banho (Mulher se enxugando) (1896 ca., óleo sobre
tela, 89,5 x 116,8 cm, Philadelphia Museum of Art), de Degas, em que a
figura feminina parece arquejar as costas descomunalmente para se enxugar,
lembrando as figuras das fotografias pornográficas de Pierre Louÿs (1870-
1925).4 No caso da figura de Cassatt, tal referência não existe. Ao contrário,
ela se desconstrói na constituição de um plano de fundo que, segundo
Griselda Pollock, é caracteristicamente um interior de domesticidade: o
quarto da criada – e não o interior do prostíbulo.
O que Pollock nos lembra é que, em países de tradição católica, mulheres
burguesas eram constrangidas a não observar seu próprio corpo – uma
das práticas comuns, inclusive, é tomar banho com um camisolão branco
fino para não deixar o corpo à mostra. Tal costume era menos observado
em mulheres da classe trabalhadora, que parece ser de onde a figura de
Menina arrumando o cabelo provém. Ainda que ela esteja de camisolão, sua
proximidade em relação ao espectador e a revelação de sua intimidade podem
efetivamente sugerir a leitura desse corpo feminino por um olhar feminino.
Tal olhar não estaria pautado por esse jogo de erotismo, mas sobretudo por
um procedimento analítico, de reconhecimento de uma condição especial,
particular.
Degas parece ter prestado uma homenagem ao estilo da amiga pintora
num pastel hoje pouco conhecido: Menina fazendo uma trança no cabelo (1894,
coleção particular). Essa composição se distancia em muitos aspectos das
inúmeras outras que ele realizou de mulheres em sua toilette. Em primeiro
lugar, Degas coloca a figura, dessa vez, num espaço de domesticidade.
São reconhecidos, na cama e nos elementos do móvel junto a ela, objetos
do quarto da criada. A figura feminina está de pé, no canto esquerdo da
composição, numa posição que parece espelhar a posição da figura no quadro
de Cassatt, e que ele relê justamente a partir da linha que cria com a posição
dos braços. Também desaparece aqui qualquer sugestão erótica, e sua tomada
à distância parece ser um indício da diferença entre seu olhar masculino
e o olhar feminino de sua amiga pintora. De fato, dentro dos parâmetros
tradicionais adotados no julgamento de um impressionismo feminino, o

Para uma análise dessa obra e sua relação com a fotografia pornográfica, cf. Magalhães (2007).
4
Arte e política [ 149 ]

pastel de Degas parece se adequar melhor do que a tela de Cassatt, que


possui linhas de composição muito bem desenhadas e cuja figura se impõe
muito mais em sua estrutura do que a de Degas.
Ao abordar as diversas composições que Degas faz sobre o motivo da
figura feminina penteando ou arrumando o cabelo, Richard Kendall (1996)
lembra a carga erótica atribuída a tal ato no contexto cultural do século
XIX, uma vez que as mulheres andavam sempre com os cabelos presos em
público. Os cabelos soltos eram, portanto, sinônimo de intimidade. Por outro
lado, Kendall assinala que representar figuras femininas no ato de arrumar
e pentear os cabelos é remeter a um longo e penoso ritual de preparação do
penteado. Além disso, tal motivo aparece já em obras da tradição da pintura,
tais como versões de Vênus em sua toilette. Outra referência importante no
caso de Degas e de Cassatt é justamente a estampa japonesa, que também
possui como motivo temático a figura feminina que arruma o cabelo. Ou seja,
apesar de sua aparente banalidade, tal motivo é carregado de significados
dentro de tradições alegóricas, literárias e sexuais.
Kendall recorda finalmente que, ao contrário de sua amiga Mary Cassatt,
Degas, por ser solteiro, tinha muito menos acesso ao estudo ao vivo da
figura feminina em tal ato – o que contradiz sua prática mais comum de
tomar sempre o estudo do modelo vivo ou ao vivo dos motivos a serem
representados. Isso também pode ser um aspecto relevante no modo de
apresentação dessas composições por um e por outro artista.
Voltemos ainda sobre essas linhas sinuosas que marcam a construção
da figura de Cassatt. Elas compõem aquilo que Degas percebe como estilo,
porque desenham a figura feminina e estabelecem, efetivamente, a linguagem
ou a assinatura de Cassatt sobre a superfície da tela. Os motivos com nus
femininos se prestariam a essa função no período que vai do advento do
impressionismo à explosão das vanguardas modernistas das primeiras décadas
do século XX. Não é à toa que vemos proliferar uma série de composições
com figuras femininas nuas reclinadas, banhistas etc. Na busca por uma
linguagem própria, artistas modernistas de várias vertentes procuraram
afirmar seu estilo por meio do estudo da figura feminina nua. No caso do
Brasil, isso também viria a ocorrer.
Entre as pintoras brasileiras do período, Georgina de Albuquerque
(1885-1956) pode ser abordada num contexto semelhante ao de Mary
Cassatt. Ana Paula Simioni lembra que a pintora brasileira se autodesignava
impressionista, e sua trajetória como artista também é emblemática numa
[ 150 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

interpretação da história da arte no Brasil à luz das questões de gênero.5 Simioni


já analisou a obra Sessão do Conselho de Estado (1922, óleo sobre tela, Museu
Histórico Nacional) e suas relações com o gênero tradicional de pintura de
história. Tal leitura nos permite traçar paralelos com o famoso projeto de pintura
mural Mulher moderna, realizado por Mary Cassatt para o saguão de honra do
Pavilhão da Mulher na World’s Columbian Exposition de Chicago, em 1893.
Mas tomemos uma obra menos conhecida de Albuquerque, Moça no
jardim (s. d., 32 x 24 cm, óleo sobre tela, coleção particular, São Paulo),
que, embora não se debruce sobre o motivo temático da figura feminina que
arruma o cabelo, pode ser tomada como um exercício na busca de seu estilo.
Nessa obra de Albuquerque, temos uma figura feminina nua, que colhe flores,
ajoelhada, tomada de lado. A representação de luzes e sombras projetadas sobre
o corpo da figura, bem como a palheta de rosas e verdes que se espalham por
toda a superfície da tela, remete a diversas versões da pintura floral do final
do século XIX e início do XX, em que a figura feminina é quase metáfora da
flor representada.6 Embora Albuquerque se aproxime da linguagem pictórica
de um Renoir em suas composições de banhistas, também desconstrói um
olhar erotizado sobre a figura, que se apresenta sem atributos evidentes que
a vinculem a um contexto social do papel da mulher. Nesse sentido, parece
vincular-se à voga da pintura floral. Entretanto, será preciso ainda um estudo
mais atento desse nu, que parece ser um estudo preparatório ou uma versão
menor de outra obra de maior porte da artista: Maracá (s. d., óleo sobre tela,
150 x 130 cm, localização desconhecida).7 Pelas próprias dimensões dessa obra,
ela se revela como um projeto mais ambicioso, tal como Menina arrumando
o cabelo, de Mary Cassatt. É curioso ver ainda o que diz João Angyone Costa
sobre esses nus femininos realizados por Georgina de Albuquerque. Ele parece
sugerir que a artista regrediu depois de feitos como a tela Sessão do Conselho de
Estado, que seria uma obra exemplar de “composições de mais responsabilidade”
(1927, p. 18, apud Itaú Cultural). Numa visão dicotômica da atuação de
mulheres artistas na primeira metade do século XX, tal reivindicação não
caberia. Assim como não caberia Mary Cassatt debruçando-se sobre a figura
feminina em sua toilette.

Cf. Simioni (2002, 2008). O segundo é o único estudo do país a partir de uma interpretação de
5

gênero sobre as mulheres artistas brasileiras.


Para uma análise desse gênero de pintura, designado como “pintura feminina floral”, que se
6

estabelece na virada do século XIX para o XX, cf. Stott (1992).


A obra está publicada no site oficial da Enciclopédia de artes visuais do Itaú Cultural, no verbete
7

“Georgina de Albuquerque”, mas não temos a referência original da imagem.


Arte e política [ 151 ]

O que essas obras analisadas à luz de uma interpretação de gênero


nos revelam é que o conjunto da obra dessas artistas parece apontar qual
o contexto social em que essas imagens são produzidas. Essa estratégia
foi, portanto, fundamental para a revisão de toda a história da pintura
impressionista e da pintura moderna em geral na medida em que deixamos
de olhar as imagens produzidas pelos artistas da virada do século XIX para
o XX como mero exercício formal de busca progressiva pela abstração e
somos capazes de ver nelas questões colocadas a partir de seu contexto
histórico. Desse modo, a interpretação de gênero contribuiu para uma nova
abordagem não só da obra de mulheres artistas, mas também da obra de seus
pares homens. Nesse sentido, uma reavaliação do significado e do papel das
inúmeras representações de figuras femininas nuas ou em sua toilette do
período ainda está por ser feita.8

Referências
COSTA, João Angyone. A inquietação das abelhas. Rio de Janeiro: Pimenta de Mello
& Cia., 1927.
GETLEIN, Frank. Mary Cassatt: paintings and prints. Nova Iorque: Abbeville Press, 1980.
ITAÚ CULTURAL. “Georgina Albuquerque”. Enciclopédia Itaú Cultural (disponível
em http://www.itaucultural.org.br).
KENDALL, Richard. “Combing the hair”. “Women bathing”. Degas: beyond
impressionism. Catálogo. Londres: National Gallery of Art Publications, 1996,
pp. 218-20, 230-1.
MAGALHÃES, Ana Gonçalves. “Ticiano, Manet, Degas: notas sobre o nu feminino na
pintura”. Revista de História da Arte e Arqueologia, jan.-jun. 2007, n. 7, pp. 53-61.
NOCHLIN, Linda. Bathers, bodies, beauty. Cambridge/ Massachusetts: Harvard
University Press, 2006.
POLLOCK, Griselda. “The gaze and the look: women with binoculars – a question of
difference”. In --- e KENDALL, Richard (orgs.). Dealing with Degas: representations
of women and the politics of vision. Nova Iorque: Universe, 1992, pp. 106-30.
------. Mary Cassatt, painter of modern women. Londres: Thames & Hudson, 1998.
SIMIONI, Ana Paula. “Entre convenções e discretas ousadias: Georgina de Albuquerque
e a pintura histórica feminina no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais,
out. 2002, v. 17, n. 50, pp. 143-59.
------. Profissão artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras. São Paulo: EDUSP, 2008.
STOTT, Annette. “Floral femininity: a pictorial definition”. American Art, 1992, pp.
61-77.

Em livro recente, Nochlin (2006) reuniu uma série de ensaios para a discussão do motivo da banhista
8

na produção modernista e contemporânea.


[ 152 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Paisagem e poder:
algumas reflexões sobre o
mito da autonomia da arte
no Ocidente e no Oriente
Claudia Valladão de Mattos
Unicamp

Nas narrativas tradicionais da história da arte, o gênero da pintura de


paisagem frequentemente aparece como protagonista do processo de condução
da arte a uma esfera autônoma e autorreferente, caracterizada como própria
da história da arte ocidental. Em seu famoso artigo “A teoria renascentista
da arte e a ascensão da paisagem”, o historiador da arte Ernst Gombrich
defenderia a ideia de que foi exatamente no campo da pintura de paisagem
que a apreciação da “arte como esfera autônoma da atividade humana” pôde
surgir. De acordo com seu argumento, foi o “sul” que soube valorizar a pintura
realizada no norte da Europa como “pintura sem um tema”, ou como pura
pintura. Enquanto em Antuérpia, por exemplo, ela ainda era valorizada por
seu tema, por menor que esse aparecesse no espaço da tela, na Itália houve
uma grande demanda por essa pintura, fundamentada em novos princípios:
A primeira condição para o surgimento de tal demanda é, evidentemente,
uma atitude estética mais ou menos consciente em relação às pinturas
e gravuras, e essa atitude, que implica a apreciação das obras de arte
por sua realização artística, e não por seu tema ou função, é certamente
um produto do renascimento italiano (1990, p. 145).

Esse mesmo princípio narrativo é também ativado quando se trata


de descrever o surgimento da modernidade na Europa. De acordo com
tal discurso, a pintura de paisagem – um gênero menor na hierarquia das
artes ainda no século XIX9 – teria encabeçado o processo de implosão
Desde o renascimento, mas principalmente a partir de sua institucionalização na Academia Francesa
9

no século XVII, o sistema de arte, e, particularmente, da pintura, era regido por uma classificação
hierárquica dos gêneros. De acordo com tal hierarquia, a pintura histórica seria a mais importante
e mais valorizada, seguida pelo retrato, pela pintura de gênero ou de cenas do cotidiano, pela
pintura de paisagem e, por fim, pelas naturezas-mortas. Essa hierarquia de gêneros baseava-se em
uma fundamentação das artes visuais no conceito de mímesis e derivada de Aristóteles, que, em
sua Poética, considerava a imitação das coisas do mundo o fim último de todas as artes. Sobre a
hierarquia de gêneros, ver Félibien (1967) e Aristóteles (2003).
Arte e política [ 153 ]

da hierarquia de gêneros que sustentava o sistema das artes, por meio de


um deslocamento do conceito de mímesis para o campo da subjetividade
do artista. O quadro A cruz na montanha (ou Tetschener altar), do artista
romântico alemão Caspar David Friedrich, pintado em 1808, é um dos
exemplos mais citados pelos historiadores da arte quando se trata de pontuar
tal mudança no conceito de obra de arte. Inspirado por discussões sobre as
relações entre natureza, religião e arte, Friedrich pintou uma paisagem para
ser instalada em um altar de igreja, dando visibilidade à ideia da paisagem
como campo privilegiado de representação dos sentimentos religiosos do
artista e, portanto, transformando-a em um gênero tão nobre quanto a
pintura de história. A paisagem como locus de expressão da subjetividade do
artista fez dela a vanguarda de uma nova arte que não buscava mais a mímesis
da natureza, adquirindo sua autonomia em relação a ela e construindo seu
próprio campo semântico.
A concepção da pintura de paisagem como cenário de realização da
autonomia da arte, considerada um fenômeno próprio da arte ocidental que
teria suas raízes no renascimento e se realizaria plenamente no início do
século XIX, começou a ser questionada há algumas décadas por estudiosos
que passaram a olhar para outras tradições artísticas, como a arte chinesa e
a japonesa. Em uma passagem do livro Pictures and visuality in early modern
China (Imagens e visualidade no início da era moderna na China), Craig Clunas
argumenta, nesse espírito, contra a análise que Philip Sohm propõe do
conceito de pitoresco:
Qualquer historiador da pintura chinesa teria, no entanto, muito
material para relativizar a conclusão confiante (e tipicamente
paroquial) de Sohm de que ‘os venezianos foram os primeiros a
explorar, mesmo de forma tateante, a proposição moderna de que
a pintura nada mais é do que tinta’. A noção de que o estilo é
mais discernível onde a pincelada é mais visível é uma ideia que, de
acordo com Sohm, foi expressa pela primeira vez por Giulio Mancini,
médico de Urbano VIII, em 1621, e certamente não provocaria
qualquer dificuldade aos teóricos chineses contemporâneos a
Mancini (1997, p. 15).

Tais releituras da história da arte evidenciaram rapidamente o caráter


eurocêntrico do discurso sobre arte no Ocidente, porém não colaboraram
para avaliar a questão da autonomia do gênero da pintura de paisagem
em novos termos. De forma geral, os novos estudos comparativos da arte
ocidental e oriental promoveram um deslocamento temporal e espacial do
[ 154 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

fenômeno de autonomização da arte em direção ao Oriente, principalmente


para a China e o Japão, inclusive abrindo novos campos de investigação sobre
a importância dessa outra tradição artística para o processo de construção
do discurso sobre arte moderna no Ocidente.10 Porém, a pressuposição de
que a pintura de paisagem seria o lugar por excelência dessa autonomia da
arte não foi ainda reavaliada. Na realidade, ela foi mesmo reforçada pela
importância da pintura de paisagem no contexto das tradições pictóricas
chinesa e japonesa.
O presente ensaio tem como objetivo lançar um ponto de interrogação
sobre a ideia da pintura de paisagem como o campo por excelência da fruição
puramente estética. Partindo da discussão metodológica proposta pelo
historiador da arte Tom Mitchell em seu livro Landscape and power (2002) e
lançando mão de alguns exemplos, procuraremos apontar para a necessidade
de uma revisão dos discursos sobre pintura de paisagem, de forma a tornar
a compreensão desse gênero mais rica e complexa. Será nossa meta insistir
nas intricadas relações entre o campo da representação da paisagem e as
demais esferas de atuação e significação humanas, sem, no entanto, incorrer
em uma redução simplificadora da esfera da arte à base social, como ocorre
em certa forma de sociologia da arte. Nossos exemplos serão retirados de
diferentes espaços geográficos, inclusive da China, procurando apontar para
o caráter universal de nosso argumento.
Na introdução de seu livro, Tom Mitchell afirma que o objetivo de seu
empreendimento é “transformar a ‘paisagem’ de um nome em um verbo”
(2002, p. 1), ou seja, desenvolver um modelo mais abrangente do campo da
pintura de paisagem que “perguntaria não apenas o que pintura de paisagem
‘é’ ou ‘significa’, mas o que ela faz, como ela funciona enquanto prática
cultural”. Trata-se aqui de atribuir um papel ativo à pintura de paisagem
como instrumento de poder. Tal poder é derivado, em primeira instância,
de sua capacidade de “passar por natureza”, de ser o locus de naturalização
de determinadas relações sociais. Ou seja, o fato de a paisagem encenar-se
como espaço despovoado de relações humanas tornou-a o local privilegiado
para a naturalização dessas mesmas relações.
Mitchell propõe um novo modelo para a análise da pintura de paisagem
que enfatiza sua condição de representação em “segunda potência”, deixando

Sobre o tema, ver, entre outros, Guth (2004).


10
Arte e política [ 155 ]

entrever sua ligação seminal com o campo do simbólico.11 De acordo


com esse modelo, a natureza tal qual presente em sua materialidade deve
ser considerada inacessível ao olhar. O que reconhecemos e chamamos
de natureza seria uma construção simbólica, uma representação mental,
permeada de relações sociais, que, em uma segunda instância, receberia
sua inscrição em pintura. A paisagem que vemos não seria, portanto, um
trecho da natureza, como nos acostumamos a pensar, mas sim um medium
legítimo de representação onde são inscritas relações de poder.12 Vale recordar
que é exatamente no jogo de apagamento de sua condição de medium de
representação que a paisagem funciona como espaço de naturalização das
relações humanas. Esperamos que os exemplos discutidos na sequência
ajudem a deixar mais claro tal argumento.

Exemplo 1: América do Norte


Nosso primeiro conjunto de exemplos será extraído do universo da
pintura americana. A tradição da pintura de paisagem nos Estados Unidos foi
grandemente marcada pela teoria do sublime, empregada para a fabricação
visual de um discurso sobre a grandiosidade da natureza do continente
americano. As impressionantes paisagens de artistas como Frederic Edwin
Church e Thomas Cole, pintadas ao longo do século XIX, tornaram-se
matéria-prima para a construção do imaginário da nação americana.
As representações, despovoadas de homens e de marcas humanas, que dão a
ver uma natureza intocada, possuem forte apelo estético e, aparentemente,
relacionam-se de forma distante com as esferas da política e da história
nacional. No entanto, ao se apresentarem como um retrato da natureza em
estado virgem, elas asseguram a existência de um verdadeiro marco zero
no processo de construção da nação sobre aquele território, mascarando a
violenta história de sua colonização. As imagens de Church e Cole funcionam
como agentes de apagamento da história de usurpação dos territórios
indígenas por imigrantes ingleses. Cada montanha, rio ou trecho de mata
representado nesses quadros certamente possuía um nome e um significado
específico para o povo que lá habitava e que efetivamente lutou para mantê-

Ao buscar um modelo teórico capaz de auxiliar na compreensão do funcionamento do campo da


11

pintura de paisagem, Tom Mitchell traça uma analogia com o esquema proposto por Lacan para
descrever o local do trauma, acompanhando a certa distância a divisão proposta por Lacan entre
os campos do “real”, do “simbólico” e do “imaginário” (2002, pp. x-xi).
Essa característica midiática da paisagem torna-se transparente na arte da jardinagem, em que o
12

artista manipula os elementos naturais da mesma forma que um pintor pinta seu quadro.
[ 156 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

los. Ainda assim, as imagens desses supostos trechos da natureza, criadas


pelos artistas, propiciam o apagamento da história, oferecendo ao espectador
a terra fértil e maravilhosamente abundante por ele retratada como uma
virgem a ser deflorada. Em sua análise do funcionamento dessas imagens da
América selvagem, o historiador da arte Jonathan Bordo chamaria a atenção
para o projeto propriamente político agenciado por elas:
Em um registro, podemos chamá-lo de político-legal, o selvagem é
parte de um aparato declaratório para a constituição de território.
A simbologia da imagem é um anteparo que oferece um álibi visual,
uma espécie de quina, ou espaçamento, entre uma cultura herdada,
saturada de lugares e nomes, e novos projetos de territorialização
que se impõem declarando que esta terra é pouquíssimo povoada, ou
mesmo despovoada – um marco zero jurídico-político (2002, p. 309).

A utilização da imagem da natureza selvagem como instrumento ativo


no processo de ocupação territorial na América do Norte irá se repetir
durante a conquista do Oeste americano. Joel Snyder argumenta que muitos
dos fotógrafos que registraram a expansão americana em direção ao Oeste
construíram esse território como “terra de ninguém” a ser conquistada pelo
colono aventureiro. As célebres fotografias de Carleton Watkins registrando
o Yosemite (1861) são bons exemplos desse projeto. Analisando a obra Cape
Horn near Celilo, Oregon (1867), do mesmo artista, Snyder comentaria: “As
fotografias de Watkins reafirmam o engajamento de seu público na crença
em um Éden americano, mas ele representa esse Jardim de forma a encorajar
o observador a vê-lo como cena de potencial exploração e desenvolvimento”
(2002, p. 189).
Tratava-se, vemos, de um paraíso (despovoado) a ser conquistado.

Exemplo 2: Brasil
A pintura de paisagem realizada no Brasil ao longo do século XIX tem
sido analisada basicamente por suas relações com a produção europeia, seja
por seu vínculo com os chamados artistas viajantes, seja pela comparação com
modelos europeus trazidos por imigrantes ao país. Muito pouco foi feito até
agora para compreender a pintura de paisagem aqui produzida em sua relação
com os contextos sociais e políticos específicos da época de sua criação. No
entanto, sem essa abordagem empobrecemos muito nossa análise. Em primeiro
lugar, porque, “em projetos de colonização do ‘novo mundo’”, como ocorreu
na história do Brasil, “a arte da paisagem é uma encenação cenográfica do
Arte e política [ 157 ]

esquecimento” (Bordo, 2002, p. 309); faz-se necessário compreender o que


está sendo esquecido em favor do que e de quem. Em segundo, porque, como
pretendemos demonstrar com único mas significativo exemplo, em certos casos
a pintura de paisagem no século XIX foi de fato compreendida como um meio
legítimo de expressão de posições políticas e sociais.
Em 1843, o artista Félix-Émile Taunay pintou um quadro intitulado Vista
de uma mata que se está reduzindo a carvão, que hoje faz parte do acervo
do Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro. Trata-se da representação de
uma parcela de floresta tropical que está sendo derrubada por mãos escravas.
Tendo em vista a proximidade de Taunay aos círculos da corte e sua posição
de diretor da Academia Imperial de Belas Artes no momento da realização do
quadro, a historiografia da arte sempre atentou, corretamente, para a relação
dessa pintura com a construção de uma imagem para a jovem nação brasileira.
Porém, lendo a obra de um ponto de vista alegórico, podemos interpretá-la
como a representação do enfrentamento entre natureza e civilização, por
exemplo (Migliaccio, 2000). Uma investigação mais detalhada do contexto
em que esse quadro foi pintado permite, no entanto, um aprofundamento de
análise e a revelação de um engajamento específico do artista em debates da
época sobre as consequências nefastas da destruição ambiental causada por
atividades agrícolas, algo não considerado em interpretações anteriores.13
Além de ser diretor da Academia, Taunay era também membro fundador
da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN) e do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), o que o situava no centro das
discussões referentes aos projetos políticos do Império. Nesse contexto,
exatamente na década de 1840, desenvolveu-se em ambas as instituições
um intenso debate sobre formas efetivas de promover o emprego de técnicas
agrícolas mais modernas, acompanhado de uma forte crítica aos meios
arcaicos ainda empregados no Brasil e associados à escravidão, que, de
acordo com muitos intelectuais, destruíam de forma irreversível o patrimônio
natural do país.
Nesse mesmo período, começa também a ser votada a primeira lei de
terras do país. Sendo a família Taunay proprietária de uma plantação de café
na Tijuca, vários de seus membros acompanhavam tal debate de perto. Um
dos irmãos de Félix-Émile, Carlos Taunay, interessou-se particularmente por
tais questões, escrevendo o Manual do agricultor brasileiro, no qual dedicava

Uma análise detalhada dessa obra e de seu contexto de produção e recepção pode ser encontrada
13

em Mattos (2008).
[ 158 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

longas passagens às consequências da destruição das matas nativas, em


especial nas regiões em torno do Rio de Janeiro. Esse livro nos parece uma
fonte de extremo valor para analisarmos o quadro de Félix-Émile Taunay.
Cotejada com ele, a pintura deixa de ser apenas uma alegoria genérica do
enfrentamento entre homem e natureza para se tornar uma espécie de
manifesto visual contra práticas concretas de destruição da floresta na parte
específica do Rio de Janeiro que ele próprio habitava – a Floresta da Tijuca.
Visto sob tal perspectiva, o quadro de Taunay, além de poder ser interpretado
como uma alegoria do embate entre natureza e civilização – o que, por sinal,
ele representa muito bem –, dirige-se ao observador como um testemunho
do envolvimento direto do artista em uma das primeiras batalhas de política
ambiental no Brasil, que, surpreendentemente, terminou vitoriosa, ao menos
momentaneamente, com o início do reflorestamento da Tijuca em 1862.

Exemplo 3: China
O terceiro e último exemplo oferecido aqui tem um peso especial em
nosso argumento a favor da tese de um comprometimento inevitável da
pintura de paisagem com os contextos sociais e políticos nos quais ela foi
praticada. Como foi discutido no início deste ensaio, há algumas décadas a
arte do extremo Oriente, principalmente a chinesa e a japonesa, conquistou
a primazia com relação ao Ocidente na invenção de um conceito de arte
autônoma, sem compromisso com a representação de um tema. Traçando
uma comparação entre essas duas tradições representacionais, o historiador
da arte Norman Bryson definiria, a arte chinesa como performática em sua
essência, em contraposição ao esforço de ocultamento do gesto do artista,
próprio da tradição artística ocidental:
Se a China e a Europa possuem as duas tradições mais antigas de
representação pictórica, essas tradições, no entanto, se bifurcam, desde o
início, no ponto da dêixis. A pintura na China é baseada na constatação
e, de fato, no cultivo das marcas dêiticas. [...] A temporalidade da
pintura representacional no Ocidente é raramente o tempo dêitico
da pintura enquanto processo, tal tempo é usurpado e cancelado pelo
tempo indeterminado do evento [representado] (1983, pp. 89-92).14

Norman Bryson (1983) toma emprestado da linguística o termo “dêitico”, que se refere aos
14

signos verbais que carregam consigo um indicador de sua posição espacial ou temporal, relativa
ao conteúdo ao qual ele se refere, como “aqui”, “agora”, “perto”, “longe”, “ontem”, “hoje” etc.
Uma pintura dêitica, nesse sentido, seria aquela que revela em sua superfície a presença corpórea
tanto do artista quanto do observador.
Arte e política [ 159 ]

Essa visão hoje popularizada da arte chinesa como avessa à ideia de


mímesis e baseada na análise e no cultivo da pincelada do artista é coerente
com uma parte significativa da historiografia da arte chinesa produzida, por
exemplo, durante a Dinastia Ming (1368-1644). Porém, como afirma Craig
Clunas, ainda não foi devidamente enfatizado que ela é igualmente marcada
por um discurso social:
[...] está ficando cada vez mais claro que a preocupação com ‘os rastros
do pincel’ é, na teoria chinesa, um discurso essencialmente social,
baseado no status de elite do artista, na possessão de um certo tipo
de capital cultural e, de uma forma geral, também em certos níveis
de capital econômico (1997, p. 16).
De acordo com o autor, a historiografia sobre a arte chinesa da Dinastia
Ming produzida tanto por especialistas chineses quanto por ocidentais adota
como verdadeiras as definições de arte dadas pelos teóricos da época. Assim,
uma massa significativa da produção visual chinesa desse período permanece
desconsiderada. Existe uma quantidade significativa de produção visual
engajada com a questão da mímesis que permaneceu desvalorizada pelo cânone
artístico da época, assim como ainda permanece pouco explorada hoje.
Partindo do campo da cultura visual e, portanto, incorporando à sua
análise um universo mais amplo de produção imagética chinesa do que
aquele ditado pelas artes de então, Craig Clunas foi capaz de identificar
importantes vínculos entre a produção da pintura chinesa e definições de
status social e de gênero. Atraído pela presença de uma produção significativa
de pintura que não seguia o padrão da dita alta pintura, mas engajava-se na
representação detalhada da realidade, o autor deparou-se com um universo
visual clivado sob a perspectiva de gênero e de classe social. De acordo com
Clunas, a pintura mimética existia principalmente para consumo feminino,
uma vez que a visão de uma elite masculina a destinava aos “socialmente
subalternos (mulheres, crianças, eunucos e príncipes mongóis), incapazes de
ir ‘além da representação’, mas que se encantam com o que veem, imitando
as (boas ou más) ações representadas para eles” (1997, p. 158).
Em contraste com tais imagens produzidas para mulheres e pessoas incultas
e socialmente desconsideradas, a elite masculina chinesa da Dinastia Ming
cunhou sua própria arte, culta, espiritualizada e não mimética. A pintura de
paisagem que reconhecemos e valorizamos hoje como autenticamente chinesa,
como Bryson, por seu caráter autorreferente e performático, deve ser lida
nesse novo contexto para que seu significado social possa vir à luz. Tal forma
de arte era parte de um repertório exclusivo dos homens das classes altas
[ 160 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

bem educadas, que, para se diferenciarem de suas mulheres e demais classes


sociais, recusavam qualquer elemento imitativo ou narrativo, concentrando-
se em um repertório extremamente restrito de montanhas, rochas e bambus,
adaptáveis ao gesto livre da mão do artista. Eis como a pintura de paisagem
funcionava e eis o que ela fazia no contexto da arte chinesa do século XVI.
Logo, no que concerne à proposição de uma relação íntima entre a
representação da paisagem e seus contextos, podemos concluir que é possível,
ao menos em teoria, pensar uma cultura que não se dedicou à representação
da mesma. Porém, esperamos ter contribuído para a visão de que, nos casos
da presença de uma tradição de representação da paisagem, em qualquer
espaço geográfico, ela não deve ser considerada uma atividade autônoma ou
puramente estética. É preciso aprender a reconhecer nesses enquadramentos
da natureza aquilo que Mitchell chamou de “um medium de troca entre o
humano e o natural, entre o próprio e o outro”, independentemente do local
em que o fenômeno venha a se manifestar.

Referências
ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Sousa. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional/
Casa da Moeda, 2003.
BORDO, Jonathan. “Picture and witness at the site of the wilderness”. In MITCHELL,
W. J. T. (org.). Landscape and power. 2 ed. Chicago/ Londres: The University of
Chicago Press, 2002.
BRYSON, Norman. Vision and painting. The logic of the gaze. New Haven: Yale University
Press, 1983.
CLUNAS, Craig. Pictures and visuality in early modern China. Londres: Reaktion Books, 1997.
FÉLIBIEN, André. Entretiens sur les viés et sur les ouvrages des plus excellens peintres anciens
et modernes. Farnborough: Gregg Press, 1967, v. 5.
GOMBRICH, Ernst. “A teoria renascentista da arte e a ascensão da paisagem”. Norma
e forma. Estudos sobre a arte da renascença. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
GUTH, Christine et al. Japan, Paris: impressionism, postimpressionism, and the modern era.
Catálogo de exposição. Washington: The University of Washington Press, 2004.
MATTOS, Claudia Valladão de. “Paisagem, monumento e crítica ambiental na obra de
Félix-Émile Taunay”. In TAVARES, Ana, DAZZI, Camila e VALLE, Arthur (orgs.).
Oitocentos. Arte brasileira do Império e da Primeira República. Rio de Janeiro: Escola de
Belas Artes da UFRJ, 2008, pp. 493-9.
MIGLIACCIO, Luciano. A arte do século XIX. catálogo da Mostra do Redescobrimento.
São Paulo: Fundação Bienal, 2000.
MITCHELL, W. J. T. (org.). Landscape and power. 2 ed. Chicago/ Londres: The University
of Chicago Press, 2002.
SNYDER, Joel. “Territorial photography”. In MITCHELL, W. J. T. (org.). Landscape and
power. 2 ed. Chicago/ Londres: The University of Chicago Press, 2002.
Arte e política [ 161 ]

A aragem da utopia

Fernando José Pereira


Universidade do Porto

Arquipélago
Diz-se correntemente que um arquipélago se encontra sempre separado
por aquilo que o une. A intencionalidade metodológica deste texto encontra
similitudes nessa metáfora. Quer, antes de mais nada, conter uma espécie de
condição experimental próxima da produção artística – sou artista plástico
e não quero nem posso desligar-me dessa condição, mesmo no âmbito
da escrita. É, aliás, uma condição que prezo muito, por conter em si uma
especificidade territorial que, por ser interna, lhe proporciona pontos de vista
diferenciados das restantes análises – chamemos-lhes satélites ou exteriores
–, vindas das várias e importantes contribuições das disciplinas teóricas.
A ideia de arquipélago é, acima de tudo, nos tempos que correm, uma
ideia com conteúdos politizados. A globalização assim o determinou. Todos
fazemos, de uma forma ou de outra, parte de alguma ilha nesse mar imenso
que é a totalização global. Diz, acertando e indo ao encontro de nossos
argumentos, no catálogo da Tate triennial, seu comissário, Nicolas Bourriad15:
“O arquipélago é um exemplo da relação existente entre o singular e o
todo. É uma entidade abstrata; sua unidade deriva de uma decisão sem a
qual nada terá significado senão a de um grupo de ilhas unidas por nenhum
nome comum” (2009).16
Nicolas Bourriaud foi-nos habituando ao longo dos anos a uma larga produção de conceitos
15

mais ou menos mass midiáticos que depois se transformam em leitmotivs para a corporização de
exposições e que, de imediato, têm seguidores por todos os lugares. Não é o meu caso. Contudo,
a honestidade intelectual determina um grau de distanciamento que permite a leitura crítica dos
textos sem preconceitos. O texto em que é apresentado o novo conceito de altermodernidade tem
componentes de análise da realidade contemporânea que me parecem ser de grande utilidade. Daí
sua utilização neste texto.
“An archipelago is an example of the relationship between the one and the many. It is an abstract
16

entity; its unity proceeds from a decision without which nothing would be signified save a scattering
of islands united by no common name”.
[ 162 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

A multiplicidade cultural encontra-se hoje homogeneizada pelo que a


une numa ampla matriz que nada tem, contudo, de fragmentário. A arte
pretende ser parte do arquipélago. A arte é parte do arquipélago.
Tomemos como exemplo para a estrutura metodológica deste texto
outro caso, retirado do interior do território das artes plásticas: a obra de
Eija-Liisa Ahtila e o caso particular de sua última obra videográfica: Where
is where? Aqui, como de resto em muitos de seus filmes, a artista finlandesa
constrói seu trabalho na base de uma narrativa que é fragmentada não em
jeito cinematográfico, isto é, no mesmo espaço e em tempos distintos. Pelo
contrário, desenvolve-se em simultaneidade temporal, mas em espaços
diferenciados. A narrativa encontra-se, nesse caso particular, estilhaçada
espacialmente em seis projeções diferentes, cada uma contendo uma
singularidade que, no entanto, pode contribuir para o entendimento do
todo. Uma coisa é certa: nenhum observador consegue ter a percepção do
todo, pois a disposição espacial não o permite. Só uma visão consecutiva da
mesma obra em sentidos de orientação diferentes permite sua visão total. O
todo é, de novo, uma abstração.
Para este texto, pretendi a mesma estrutura: um conjunto de pequenos
textos que se encontram implicitamente unidos pela mesma noção: sua
relação intensa com nosso tempo e, como especificidade natural, a discussão
estrutural do relacionamento da produção artística com o pensamento
político.
Também aqui são necessárias algumas notas explicativas, pois o pensar
do político afirma-se distante da conjuntura da política. É nesse âmbito
que deverão ser entendidas todas as referências ao político no âmbito de
sua relação com a arte, isto é, ter como ambição produzir um pensamento
de cariz estrutural, liberto das amarras do tempo,17 a partir da análise de
obras criadas na conjuntura temporal que é normalmente designada como
contemporânea, quer dizer, do nosso tempo.18

Num texto publicado no final dos anos 1990: On art, death and postmodernity, and what they do to
17

each other, Zygmunt Bauman (2000) interroga-se, a partir de Hannah Arendt, sobre o caráter perene
da obra de arte e refere que esse só se revela retrospectivamente, em uma obra que mantenha a
capacidade de suscitar emoções estéticas num espectador distinto daquele ao qual o autor poderia
estar se dirigindo em sua época.
Giorgio Agamben (2009) escreve, num pequeno ensaio intitulado “What is the contemporary?”:
18

“Those who are truly contemporary, who truly belong to their time, are those who neither perfectly
coincide with it nor adjust themselves to its demands. They are thus in this sense irrelevant [inattuale].
But precisely because of this condition, precisely through this disconnection and this anachronism,
they are more capable than others of perceiving and grasping their own time”.
Arte e política [ 163 ]

“Fuck May 68; fight now”


A certa altura de O estado de exceção, Agamben (2003) refere-se
a uma questão fundamental: o ponto de vista que, nesse contexto, é
determinado a partir de uma ordem jurídica que requer reconhecimento
por uma outra que se lhe opõe. Diz o filósofo, citando o jurista italiano
Santi Romano:
Depois de ter reconhecido a natureza antijurídica das forças
revolucionárias, acrescenta que tal só funciona desta forma em
relação ao direito positivo do Estado contra o qual se dirige, mas
isso não quer dizer que, de um ponto de vista bem diferente, desde o
qual elas se definem a si mesmas, não seja um movimento ordenado e
regulado pelo seu próprio direito. O que também quer dizer que é um
ordenamento que se deve classificar na categoria dos ordenamentos
jurídicos originários, no sentido que se atribui a essa expressão. Nesse
sentido e dentro dos limites que foram indicados, pode-se, portanto,
falar de um direito da revolução (Agamben, 2003).19

Isso quer dizer, ainda na perspectiva de Agamben, que a ideia da ordenação


jurídica do Estado ser a única que se opõe eficazmente ao que normalmente é
designado por caos é, sobretudo, redutora e falaciosa. Isto, contudo, é correto:
toda a estruturação mental relativa à dualidade exclusão versus inclusão
depende única e simplesmente do ponto de vista. E talvez esse seja o ponto mais
importante para tornar claro o relacionamento que é intrínseco e impossível
de ocultar, principalmente, porque ele é, também, a fonte da essencialidade
do político, isto é, a necessária constatação do antagonismo.
Por todo o lado na cidade de Atenas está pintada a frase “Fuck May
68; fight now!”. Testemunho físico das manifestações que aí decorreram em
dezembro de 2008, essa frase é, também e sobretudo, um sério aviso a todos
aqueles que, de algum modo, encaram o combate com o olhar nostálgico
dos que perderam o horizonte. Aliás, foi dessa forma que Jacques Rancière
se referiu, num texto lido nas Conferências de Moscou, também em 2008,
à reação da esquerda ao estado atual do mundo.
“Si la révolution est à coup sûr un état de fait qui ne peut être réglementé dans la procédure par cês
19

pouvoirs d’État qu’elle tend à subvertir et à détruire et est, en ce sens, par définition ‘antijuridique,
même quand il est juste’ (Romano 2, 222) elle ne saurait aussi apparaître telle qu’au regard du droit
positif de l’État auquell s’oppose, mais cela n’empêche pás que du point de vue bien différent par
lequel elle se présent elle-même, elle est un mouvement ordonné et réglementé par son propre
droit. Cela signifie aussi qu’elle est un système que l’on doit classer dans la categorie dês systèmes
juridiques originaires, au sens maintenant bien connu que l’on attribue à cette expression. En ce
sens, et en nous limitant à la sphère que nous avons évoquée, on peut donc parler d’un droit de la
revolution”.
[ 164 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

O significado profundo das palavras pintadas nas paredes gregas remete


para um ajuste de contas que já não é sequer identificável com o idealismo
de 1968 e que concentra em seus núcleos os ensinamentos de outras revoltas
mais recentes e muito menos contextualizadas ideologicamente. As reações
juvenis, que acontecem em todos os lugares, ao aprofundamento da invasão
globalizadora, tornaram-se o novo modus facienti de toda uma geração. A
desorganização em que se movimentam e a ausência de controle fazem
com que se tornem, de imediato, incômodas e suspeitas aos olhos das ditas
organizações políticas responsáveis, mesmo para suas organizações juvenis
– aquelas que, nas atuais condições políticas do capitalismo em crise, se
mostram totalmente alheias à vida real e às realidades que daí advêm.
Aparentemente, trata-se de um violento paradoxo, mas, como em
tudo neste nosso tempo imagético, a aparência é o lado tangível da
realidade. Vejamos: a crítica mais generalizada aos nossos jovens é a de
seu distanciamento do fenômeno do político. Alguns, contudo, militam
nas organizações juvenis dos partidos políticos ditos do poder, ou seja,
dos supostos responsáveis. Mas essa militância tem apenas uma ligação
fonética com a palavra, pois seu significado modificou-se de tal forma
que é difícil encontrar qualquer similitude. São esses que hoje ocupam os
corredores do poder aos mais variados níveis – do parlamento europeu aos
modestos e incógnitos jobs for the boys... –, exercendo aí a política como uma
profissão que, dizem-nos constantemente, deve ser respeitável. Autênticos
apparatchicks pós-políticos.
Nas ruas, os outros, jovens encapuzados – proteção essencial contra
as cargas policiais –, encarnam essa máxima do niilismo punk do no future,
“arruinando a hipótese de um estado moderno (?)”, como clamaram, em
pânico, os media, em clara sintonia com esse tempo gloriosamente assético
e maquínico de um only future, que, acima de tudo, odeia e diaboliza a ideia
de se poder não estar de acordo. Uma espécie de doença, dizem...
A palavra anosognosia refere-se a um estado patológico em que o
paciente não tem consciência de seu verdadeiro estado. O acréscimo do
prefixo des- quer significar uma dupla condição: por um lado, construindo
uma nova palavra que quer ter um significado específico; por outro, evitando
a ratoeira de utilizar uma palavra existente para significações diversas.
Queremos ser inequívocos: a palavra desanosognosia – que existe por nossa
inteira vontade a partir deste momento – quer significar uma consciência
aguda do estado das coisas; tão patologicamente aguda que descontrolada.
Arte e política [ 165 ]

Desanosognosia é uma obra realizada para o universo da rede e, como


tal, uma experiência de interação privada, isto é, para ser vista em nosso
computador e realizada por mim, a com a colaboração de Tiago Assis. Pode
ser vista em http://www.interact.com.pt/.

Giardini

It is important for me to create a still moment in the biennale,


particularly because this is a work with a beginning, a middle
and an end.
Steve McQueen, junho de 2009

A mais recente Bienal de Veneza (2009) vem colocar, uma vez mais,
questões que têm a ver com o relacionamento complexo que as obras de
arte mantêm com o contexto político que as envolve. Isso ocorre a diversos
níveis que não só aquele comumente apelidado de arte política, pois dessa
rotulação não nos interessa sequer aqui falar. Interessa-nos, antes, aquelas
obras que, de forma humilde, renunciam, quase paradoxalmente, ao bright
side majoritariamente ambicionado. É um distanciamento que as mantém
alheias às luzes intensas que emanam das chamadas propostas críticas e,
naturalmente, consensualmente aceitas. A opção as situa num território de
dissensão e, por isso, elas não utilizam a arma de arremesso político como
base de lançamento para reconhecimento e legitimação internos – porque no
fundo as opções majoritárias na arte contemporânea têm sempre um cunho
crítico ou não seria esse, talvez, o domínio mais estranhamente consensual
de nosso tempo. Ser consensualmente crítico, ou, dito de forma mais crua,
pura e simplesmente não o ser. Aquilo a que Jacques Rancière se refere de
forma muito clara como a produção de estereótipos como modelo crítico
para os estereótipos a criticar.
Uma das questões que mais nos interessam neste momento tem a ver
com o tempo. Não por acaso, o curator da Bienalle, Daniel Birnbaun, escreveu
um pequeno mas precioso livro intitulado Chronology. Nele, teoriza sobre
o problema do tempo em diferentes perspectivas, desde a permanência
deste presente cada vez mais efêmero e ao mesmo tempo perpétuo até
a problematização da temporalidade na produção videográfica, na arte
contemporânea, em obras de artistas fundamentais como Stan Douglas,
[ 166 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Eija-Liisa Ahtila e Doug Aitken. Contudo, o que nos interessa aqui é falar
de um momento que se propõe como uma temporalidade de exceção no
rodopio que é a visita a uma bienal. Esse momento é corporizado na obra
Giardini, de Steve McQueen.
No exterior do pavilhão inglês, um pequeno placard informa que a visita
só se efetua em horas certas, quer dizer, não se pode entrar e sair a qualquer
momento, como é comum nas exposições. Essa é a primeira exceção com que
somos confrontados: se queremos ver a obra, temos de esperar; e o que, a
princípio, se apresenta como consequência operativa da instalação específica
aí montada transfigura-se, no entanto, numa primeira abordagem politizada
do fenômeno do tempo: é deliberadamente exigida a paragem. No interior
negro do pavilhão, existe uma espécie de plateia que confronta o espectador
com outra exigência temporal: o estar sentado e, naturalmente, parado.
A obra propriamente dita apresenta-se em dupla projeção e desenrola-
se ao longo de 38 minutos. Uma das críticas mais populistas que se ouve a
respeito dos eventos de arte contemporânea é a de que não há tempo para
tudo, são muitos vídeos exigindo nossa atenção, tempo demais para cada
um deles etc. Uma parafernália de argumentos coincidentes com a ideia
de que nosso tempo não dá hipótese ao tempo. Ora, é no interior dessa
problemática que a obra de Steve McQueen se ergue como possibilidade
política de resistência a esse estado de coisas. A temporalidade tranquila
que exala de Giardini corporiza uma opção tão dramaticamente oposta à
velocidade contemporânea que funciona perceptivamente como estimulante,
quer dizer, provoca uma espécie de incômodo no espectador, que se encontra
fechado numa sala escura acompanhando imagens com outro tempo distinto
da realidade exterior ao pavilhão. Aí fora, quase em frente, uma das obras
mais faladas: a dupla de pavilhões nórdico e dinamarquês com a curadoria da
dupla de artistas Elmgreen & Dragset representa a oposição quase absoluta
a Giardini: ao tempo impõe-se o espaço, à reflexão impõe-se a anedota, à
complexidade impõe-se a superficialidade. Voltemos, porém, ao vídeo de
Steve McQueen. Em grande percentagem, estamos perante uma sucessão
de imagens paradas, planos longos – quase diríamos fotográficos –, onde
apenas de quando em quando se introduzem sub-repticiamente elementos
que aí vêm alterar o clima de paragem em que se encontram envolvidos,
sempre acompanhados de uma excelente banda sonora que, de algum modo,
também se distancia do frenesi contemporâneo. Ora, um olhar mais atento
e analítico à palavra paragem apreende de imediato a existência em seu
Arte e política [ 167 ]

interior de duas outras quase opostas: para – age (m). Conduzem, é certo,
a uma ideia de paradoxal convivência, e é exatamente na construção do
oximoro que queremos situar Giardini.
Nosso tempo consome o tempo de forma rápida e impiedosa e, talvez
por essa razão, cada vez temos menos tempo para ter tempo. A alteração que
está sendo produzida na temporalidade contemporânea pela catadupa de
imagens em que estamos literalmente mergulhados produziu uma inversão
conceitual que merece atenção: o estar parado potencia a ação. Essa espécie
de passividade radical é amplamente experienciada no recurso videográfico
da contemplação das imagens.20
Ao tornar necessário o tempo como fator determinante para o agir,
estamos possibilitando uma nova forma de observar: a contemplação
ativa – uma possibilidade de inserir o fator atenção no âmbito do consumo
das imagens, isto é, transformar a deriva superficial da dromologia nesse
investimento estranho ao nosso tempo que é a paragem.
Na paragem, sentimos a aragem da utopia. Resta-nos agir, ou seja,
contemplar.

Busan
Em 2008, estive envolvido em mais uma bienal, realizada na cidade
coreana de Busan. A ampla longitude do artworld potencia, e nossos dias, a
institucionalização de um circuito de bienais que se afastam cada vez mais
de qualquer estatuto canônico e, em vez disso, pretendem ser intervenientes
ativos de uma nova forma de bienal. Tal objetivo passa quase sempre pela
procura de temáticas e pessoas que possam favorecer a ideia de diferença
a que se encontram vinculadas. Todavia, é preciso não esquecer que sua
profusão produziu, também, relacionamentos pragmáticos distantes da
ideia romântica da produção artística. As organizações mantêm os pés bem
assentes na terra e introduzem em sua mecânica operativa os mecanismos
totalitários da economia liberal, quer dizer, a diferença como conceito
filosófico transfigura-se rapidamente em noção econômica mais comumente
designada por nicho. A diferenciação neoliberal assim o obriga, trazendo

As imagens produzidas pela comunicação se sucedem de forma cada vez mais veloz. Pensemos na
20

imposição da MTV para a realização dos videoclipes: o tempo máximo de cada plano é de cinco
segundos. Uma das respostas possíveis passa pelo recurso a uma contemplação, digamos, estratégica,
para podermos nos distanciar da noção tão criticada durante toda a modernidade. A contemplação
que aqui se propõe passa pelo ajuste temporal à ação de pensar e, como todos sabemos, esse ato
reflexivo leva tempo.
[ 168 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

consigo todas as regras de relacionamento que naturalmente lhe estão


associadas: de um lado, quem manda e paga; de outro, todos aqueles que,
de uma forma ou de outra, trabalham e recebem por seu trabalho.
A Bienal de Busan seria comissariada por um grupo de curadores
europeus e americanos que, no entanto, deviam uma espécie de obediência ao
diretor coreano. A uma distância temporal curtíssima, de cerca de dois meses,
a direção tomou a decisão, enviada por e-mail aos artistas, de despedir uma
das curadoras e suspender o trabalho e a consequente participação dos artistas
por ela selecionados (aprovados, entretanto, pelos restantes curadores). A
forma brutal como todos os participantes receberam o anúncio da decisão,
sem qualquer hipótese de contestação, vem trazer uma dose de realidade ao
mundo da arte que muitas vezes queremos que se mantenha em seu exterior.
O artworld e seus intervenientes ativos, apesar da cuidada forma que têm
de se publicitar, são regidos exatamente pelas mesmas regras econômicas do
resto do mercado, sejam elas de componente material ou, como nesse caso,
pessoal. A demissão da curadora e a não participação de um grupo de 25
artistas potenciaram, de algum modo, uma amarga relação com a realidade;
contudo, como em muitos outros casos, isso teve seu lado pedagógico: o
verniz estalou e a máscara deixou de existir – se dúvidas ainda existissem.
Até os demais curadores preferiram manter uma atitude distanciada, como
se dissessem “Não é nada comigo”, deixando a colega cair, mas mantendo
seus próprios lugares. Assim é o nosso mundo, mesmo o da arte.
Curiosamente, o texto que suportava conceitualmente a bienal – que,
apesar de truncada, aconteceu –, e que tinha uma forte participação da
curadora afastada, parte de uma noção de Bataille que, nesse caso particular,
ganhou outro interesse, mas mantém uma enorme relação com nosso
presente: expenditure, quer dizer, o gasto que as energias humanas despendem
livremente quando se encontram dedicadas a uma tarefa não produtiva,
iludindo, dessa forma, a racionalidade utilitária ou instrumental. Refere o
autor francês seu livro A parte maldita:
O movimento geral de dilapidação da matéria viva anima-o [ao
homem] e este não poderia detê-lo mesmo que quisesse. Inclusive,
em seu apogeu, sua soberania do mundo vivo identifica-o com esse
movimento; consagra-o de forma privilegiada à operação gloriosa, ao
consumo inútil (2007).21

“El movimiento general de exudación (de dilapidación) de la matéria viva lo anima y él no podría
21

detenerlo. Incluso, en su apogeo, su soberania del mundo vivo lo identifica con este movimiento; ella
lo consagra de manera privilegiada, a la operacion gloriosa, al consumo inútil”.
Arte e política [ 169 ]

Numa sociedade totalmente concentrada na ideia de ganho e de


produtividade, tal noção é naturalmente subversiva. Sua aplicação ao
trabalho artístico é da maior relevância, pois, ao prolongar o ideal kantiano
de interesse desinteressado, potencia um distanciamento perante a lógica
economicista que medeia toda a atividade, incluindo-se a realização desses
megaeventos artísticos. Não saberei nunca como teria sido a bienal – fui
um dos excluídos –, mas tenho uma certeza em torno desse assunto: não se
pode desligar de forma alguma o território internalizado da arte da atividade
econômica, embora muitos o tentem fazer e até provar. Pela parte que me
toca, jamais tive ilusões a esse respeito; e, se estou muito interessado na
“aplicação” desses conceitos ao trabalho artístico, a mesma se faz com a
consciência de sua impossibilidade.
Toda a problemática aqui descrita tem naturalmente como consequência
um necessário acréscimo do discernimento para, ainda assim, conseguir o
distanciamento indispensável ao visionamento dos trabalhos propostos pelos
artistas. Um artista que me parece determinante nesse contexto é Francis Alÿs.
Analiso à luz desses conceitos uma obra desse artista que tive a
oportunidade de ver: When faith moves mountains, de 2002. Ele pediu a ajuda
de quinhentos voluntários peruanos para moverem o perfil de uma duna dez
centímetros para o lado. Para tal, cada um deles começou a mover um pouco
de areia, desde sua base e em linha, com a ajuda de pás. O movimento contínuo
foi realizado num sentido ascendente até chegar ao topo, sendo o resultado
fotografado e montado em cima da imagem original, bem como registrado em
vídeo. Dizia o artista belga que uma das impressões mais fortes que deteve
desde sua chegada à América Latina, onde vive, foi a de uma quase inversão
das habituais premissas econômicas de desenvolvimento. Ainda segundo
ele, aí existe uma máxima para os procedimentos econômicos: o máximo
esforço para o mínimo resultado. Como facilmente se depreende, essa é uma
condição antieconômica, especialmente por se apresentar como portadora
de uma forte reação às estratégias de crescimento e empreendedorismo
associadas aos ditos bons desenvolvimentos econômicos. Alÿs já tinha testado
essa condição de “desperdício de energia” anteriormente, em sua já famosa
peça de vídeo Paradox of práxis I, de 1997, na qual empurrava ao longo da
Cidade do México um enorme bloco de gelo que, com o passar do tempo,
se dilapidava e terminava em nada, quer dizer, numa pequena poça de água.
O que Francis Alÿs está experimentando é essa possibilidade que a arte
tem de se mobilizar em torno da parte maldita, aquela condição essencial
[ 170 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

também analisada por Giorgio Agamben (2007) num texto recente que
remete diretamente a uma ideia possível de resistência à imposição totalitária
da economia neoliberal. O filósofo italiano refere que a arte tem, em alguns
momentos, a possibilidade de adquirir um significado político: “A arte é
em si própria constitutivamente política, por ser uma operação que torna
inoperantes e contempla os sentidos e os gestos habituais dos homens e,
dessa forma, os abre a um novo possível uso”. Essa ideia de inoperância é
extremamente importante para a produção artística, pois, por si só, introduz
a possibilidade de “desativar suas funções comunicativas e informativas para
abri-la a novo possível uso”.
Temos então uma dupla condição para a existência da obra de arte.
Por um lado, há a desativação dos mecanismos econômicos ditos positivos,
ou seja, todo aquele universo de intencionalidade – e a arte não quer ser
intencional – que fomenta a existência de produtividade e que “faz avançar
o mundo”. Dito de outra forma, mais simples e direta: sua integração nos
territórios de desenvolvimento econômico neoliberal. Por outro lado, a
aparente inércia em que se mantém ao desligar-se de tal contenda torna
internalizada toda a operação que condiciona qualquer intencionalidade
de poder agir ou fazer na recusa de uma operatividade que lhe seria sempre
exterior e impositiva. Contudo, essa aparente inércia é enganosa, pois é aí
nesse lugar de paragem – e já vimos que a paragem não equivale a estagnação
– que se fomentam as possibilidades em aberto para que a obra possa existir
numa ambicionada condição de exílio voluntário e, em contrapartida,
como sabemos, tornada impossível. A obra de arte torna-se, assim, o campo
experimental privilegiado para a consecução dessa utópica condição que
Derrida tão afincadamente procurou: possibilidade da impossibilidade.

Infâmia
– Bem-vindo sejas, meu filho. Estava pensando nos benefícios da
revolução. Tenho a impressão de que há mais movimentos, mais
atividades no bairro. Ouço as pessoas rirem e se interpelarem com
graça, como se para elas a vida tivesse se tornado uma coisa agradável.
Alivia-me constatar em cada dia que a felicidade já não é apanágio
dos poderosos (Cossery, 2000).

A poderosa metáfora elaborada por Cossery, em seu livro As cores da


infâmia, através das palavras de um pai que ficou cego por ter recebido um
golpe de bastão da polícia numa manifestação muitos anos antes, numa
Arte e política [ 171 ]

época anterior ao golpe dos militares e em que não se conhecia a realidade


agora em vigor na estória do escritor egípcio, afirma-se como uma espécie
de declaração sobre o discernimento. A ideia de crença na mudança tantas
vezes elaborada e experimentada com o fracasso correspondente que lhe está
associado produziu o que inicialmente seria entendido como desencanto.
Mas, se numa pura condição experimental nos propusermos a aplicar-lhe,
também, a possibilidade da operação inoperativa anteriormente apresentada,
esse se transfigura em discernimento – uma espécie de atenção que configura
a obra como campo de tensões e, dessa forma, a potencia como lugar de
dissensão. Sua dimensão política encontra-se no estabelecimento das
coordenadas desse lugar infame – topos – que, por ser na maioria das vezes
não lugar – u-tópos –, se afirma como motor incessante nessa busca.
A territorialidade infame afirma radicalmente a dissensão. É nesse lugar
que devemos concentrar nossa atenção e não em suas confluências limítrofes.
A categorização, sempre subjetiva, dos conteúdos por estas introduzidos e
utilizados apresenta-se, assim, como profundamente secundarizada em relação
ao imenso poder do lugar infame. Acima de tudo, porque esse se apresenta
sempre como amoral, longe da lógica unívoca da razoabilidade moralista ou,
então, de sua oposição polar imoral, ambas faces da mesma moeda.
Algumas tradições de comemoração do carnaval na região de Trás-
os-Montes, no norte de Portugal, a que populares de aldeias vizinhas se
opõem verbalmente, utilizando os mais variados e fortes insultos, afirmam-
se como uma curiosa estruturação espacial. Esse território fronteiriço,
formalizado pela frontalidade simétrica de dois lugares altos, dois montes,
separados por um vale, apresenta-se como uma fortíssima metáfora da
democraticidade antagonista. No entanto, afirma Slavoj Žižek que um dos
problemas das democracias liberais contemporâneas é a transformação da
ideia de antagonismo em possibilidade unicamente agonística, isto é, uma
pacificação “bem comportada” da anterior noção de combate. É nesse
ambiente adormecido que surge o potencial da infâmia, porque, por isso
mesmo, sua conotação negativa lhe permite um posicionamento radical.
Debaixo do fogo “politicamente correto”, o território infame afirma uma
vitalidade e um protagonismo que lhe é oferecido em nome próprio. O
alastramento do politicamente correto a todas as esferas da vida – a arte
incluída – determina, então, uma espécie de nova transparência22 consensual
Entretanto, não devemos esquecer que, como afirma Juan Luís Moraza, nada é mais invisível que a
22

evidência, pois essa funciona como um marcador contextual que desvia o olhar daquilo que deve,
supostamente, permanecer oculto.
[ 172 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

em que tudo se encontra dentro dos limites, naturalmente deixando de fora


a nomeação exterior da infâmia.
As razões são sempre as mais importantes, as mais próprias, as mais
razoáveis; apesar disso, apetece sempre estar como reduplicatio, isto é,
numa posição que nunca se ajusta verdadeiramente ao seu lugar. Na
contemporaneidade light e liberal, é esse o território da infâmia.
Como refere Alain Badiou (2004) em suas duas últimas “[Quinze] teses
sobre arte contemporânea”:
14. Posto que se encontra seguro da sua capacidade para controlar
todo o campo do visível e do audível através das leis que governam
a circulação comercial e a comunicação democrática, o Império já
não censura nada. Toda a arte e todo o pensamento estarão perdidos
se aceitarmos essa permissão para consumir, para comunicar e para
desfrutar. Deveríamos, por isso, convertemo-nos em cruéis censores
de nós próprios.

15. É melhor não fazer nada a contribuir para a criação das estruturas
formais que permitem tornar visível aquilo que o Império já reconhece
como existente.23

A arte pode corporizar o lugar infame. Não é fácil assumir a dissensão.


Utilizemos, uma vez mais, a escrita corrosiva de Cossery (2000): “Tirando a
gatunagem, que não se preocupava com política e preferia por princípio as
trevas da clandestinidade aos sóis doentios da fama, não conhecia ninguém
que correspondesse a esta descrição”.
Ainda assim, esta é uma tarefa estimulante. Pelo prazer de arriscar. Como
a arte o sabe fazer tão bem... quando quer.

Referências
AGAMBEN, Giorgio. État d’exception – homo sacer. Paris: Seuil, 2003.
------. “Arte, inoperatividade, política”. Crítica do contemporâneo, conferências
internacionais. Porto: Fundação de Serralves, 2007.
------. “What is the contemporary?”. What is an apparatus? Califórnia: Stanford
University, 2009.
Badiou, Alain. “Fiftheen thesis”. Lacanian Ink, 2004, n. 23.
“14. Since it is sure of its ability to control the entire domain of the visible and the audible via
23

the laws governing commercial circulation and democratic communication, Empire no longer
censures anything. All art, and all thought, is ruined when we accept this permission to consume,
to communicate and to enjoy. We should become the pitiless censors of ourselves.
15. It is better to do nothing than to contribute to the invention of formal ways of rendering visible
that which Empire already recognizes as existent”.
Arte e política [ 173 ]

BATAILLE, Georges. La parte maldita. Buenos Aires: Las Cuarenta, 2007.


BAUMAN, Zygmunt. On art, death and postmodernity, and what they do to each other.
Londres: Phaidon, 2000.
BOURRIAUD, Nicolas. “Altermodern”. Altermodern, tate triennial. Londres: Tate
Publishing, 2009.
COSSERY, Albert. As cores da infâmia. Lisboa: Antígona, 2000.
[ 174 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Arte e política

Paulo Knauss
UFF

Ponto de partida
Os laços entre arte e política são profundos. Primeiramente, porque
os Estados e seus governantes têm um papel importante na construção dos
sistemas de arte. Ao longo da história, o mecenato do Estado foi decisivo
para o desenvolvimento das artes. Por meio de suas encomendas, o Estado
definiu a participação das artes na vida política, seja em contextos palacianos
aristocráticos de corte ou em contextos de afirmação da esfera pública. Assim,
coube também às artes representar as formas de governo. Até os dias de hoje,
reconhecemos o Egito dos faraós da antiguidade pelas suas pirâmides e seus
monumentos, como a Esfinge. Do mesmo modo, o Partenon nos oferece a
imagem da Grécia clássica, assim como o fórum romano permite configurar
uma ideia do que era a Roma antiga. A história das monarquias europeias, por
sua vez, pode ser contada em grande medida pela história dos palácios reais.
Na França, as diferentes partes do palácio do Louvre identificam diferentes
reinados, assim como o Palácio de Fontainebleau representa o governo de
Francisco I. Na Espanha, o Palácio do Escorial representa o período da
dinastia dos Habsburgos, assim como o Palácio de Madri encarna a época dos
Bourbon. Em Portugal, os palácios de Sintra representam diferentes épocas
da monarquia portuguesa, assim como o Palácio de Mafra é a imagem do
governo de D. João V, e o Palácio de Queluz, a da época da “viradeira” do
reinado de D. Maria I. As grandes obras públicas certamente ofereceram
um amplo campo de ação de artistas. A arquitetura era representada nessas
grandes construções – resultado do encontro de inúmeras artes –, que
também eram enriquecidas por atividades artísticas que povoavam a vida
palaciana. Desse modo, as formas artísticas dos governos com frequência
definiram estilos plásticos que permitem reconhecer as características das
Arte e política [ 175 ]

obras de arte de seu tempo. Por sua vez, o gosto oficial influenciou igualmente
os parâmetros da vida das elites políticas, que reproduziam em escala menor
o gosto dominante do Estado.
Mas no contexto da política também há muita divergência e
concorrência de poder. Por isso, frequentemente as artes também serviram
para exibir as tensões entre grupos políticos. No século XVII, o luxo
excessivo e as formas artísticas inovadoras da arquitetura externa e de
interior, assim como a dos jardins, do palácio privado de Vaux-le-Vicomte
foram interpretados pelo rei francês como um sinal de rivalidade política,
levando seu proprietário, o ministro Nicolas Fouquet, à desgraça política.
Esse evento marca a nova era do reinado do rei Sol, após a morte do
cardeal Mazarino, quando o rei extingue o cargo de primeiro-ministro e
assume diretamente o controle do governo. O monarca acaba convocando
os artistas de Vaux-le-Vicomte para realizar a construção do Palácio de
Versalhes, que entraria para a história como o símbolo do reinado de Luís
XIV. Já no contexto pós-Revolução Francesa, Napoleão mandou erigir, na
ponte da Concórdia, em Paris, estátuas em homenagens a generais mortos
nas campanhas de guerras promovidas pelo seu governo, substituídas
posteriormente no contexto da Restauração por estátuas de personagens da
história da monarquia. É nesse mesmo contexto de disputas políticas que
um grupo de artistas neoclássicos, marcados pelo ostracismo em sua terra
natal, foi organizado e deu origem à chamada Missão Artística Francesa,
que chegou ao Rio de Janeiro em 1816 renovando a cena artística do Brasil
e afirmando a estética neoclássica da monarquia nos trópicos. Importa frisar
que os movimentos da política frequentemente resultam na promoção das
artes, entrelaçando a vida política e a artística.
No entanto, os vínculos entre arte e política estabelecem também
referências para o pensamento da política e fundam, em certa medida,
a disciplina da história da arte. Voltaire, no contexto de sua filosofia da
história, tomava as artes como medida da razão de Estado e da afirmação
da civilização.

Historiografia
A interrogação sobre as relações entre arte e política aponta também
para duas outras direções possíveis. A primeira conduz a problematizar
a autonomia da historiografia da arte colocando em questão o campo
disciplinar da história da arte. A segunda coloca em questão a própria
[ 176 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

autonomia do objeto e da experiência artística e de seus eventuais limites


ou condicionantes e leva a um questionamento do papel do artista enquanto
sujeito da arte.
É comum dizer que a história da arte, ao menos no Ocidente, se inaugura
com a publicação, em 1550, de A vida dos artistas, de Giorgio Vasari (1511-
1574), fundando uma abordagem evolutiva da arte europeia. No contexto do
século XVIII, identifica-se a tendência do pensamento das luzes para afirmar
a autonomia da arte, ao lado de uma teoria da beleza objetiva. Nesse sentido,
a referência comum é a obra de Johann Joachim Winckelmann (1717-1768),
com seus livros que enfocam a arte da antiguidade clássica – Reflexões sobre
a imitação das obras gregas na pintura e na escultura (1755) e História da arte
antiga (1764). Contudo, nesse mesmo contexto do iluminismo, a arte foi
tomada também como uma medida importante da história das civilizações.
Voltaire, por exemplo, dedicou um capítulo às belas artes em seu famoso
livro O século de Luís XIV. E foi nos Ensaios sobre os costumes e o espírito das
nações que o filósofo francês sublinhou a importância das belas artes para
abrandar as forças da tirania. Fundamentalmente, o que se colocava era a
possibilidade de compreender a política a partir da cultura. Nesse caso, as
artes não eram apenas expressão da civilização, mas também revelavam o
poder de promovê-la. Assim, Voltaire identificou a experiência artística
com sua capacidade de intervenção social, estabelecendo um vínculo entre
arte e política.
Mas foi na passagem do século XIX para o XX que a história da arte
se definiu como disciplina científica propriamente dita. Se, de um lado,
o problema da atribuição levou à constituição do método objetivo que
contribuiu para afirmar o lugar da análise estilística e identificar o historiador
ao perito, por outro, o estudo das linguagens artísticas também serviu à
valorização dos significados da expressão. Logo, datar obras de artes se
tornou um desafio, assim como compreender os sentidos dessa obra. Nesse
contexto, a obra de Heinrich Wölfflin – Conceitos fundamentais da história
da arte (1915) – se consagrou ao conceituar os esquemas de visualidade
para reconhecer os padrões do desenvolvimento das formas, constituindo
bases de sua leitura. Contudo, não se pode esquecer que um dos mestres de
Wölfflin foi o suíço Jakob Burckhardt, autor de A cultura do renascimento
na Itália (1860). Em sua introdução, Burckhardt indica que sua pesquisa,
inicialmente, tinha como propósito tratar da arte do renascimento. Porém,
ele foi conduzido a caracterizar os contornos espirituais de uma época. Na
Arte e política [ 177 ]

primeira parte, terminava afirmando que a forma de Estado da Itália do


renascimento conformava “criação consciente e calculada, enquanto obra de
arte” (1991, p. 22). Ele retoma essa mesma imagem mais adiante ao também
caracterizar a guerra como obra de arte naquele contexto histórico italiano.
Cabe destacar que a arte conduziu o tratamento da vida cultural de modo
abrangente, afirmando a configuração espiritual de uma época, conforme
Burckhardt. No pensamento histórico do autor suíço, o Estado e a religião se
definiam como potências estáveis da história, devido ao seu caráter universal,
enquanto a cultura se caracterizava como potência móvel, pois é o mundo da
liberdade e do que não é necessariamente universal. Burckhardt não propõe
qualquer hierarquia entre as três potências, mas sublinha: “O espiritual é
mutável, mas não perece” (1983, p. 48). Dentro dessa linha de pensamento,
inclui (de modo original) no universo da cultura, ao lado das línguas, artes
e ciências, a sociabilidade, a moral e o comércio. A característica desse
universo é “exercer uma incessante ação modificadora e desregradora sobre
as instituições estáveis” – a religião e o Estado (1983, p. 102). Isso situa a
importância do estudo das artes em seu pensamento histórico.
O pensamento de Burckhardt interroga de que modo a cultura e as artes
se relacionam com outras estruturas sociais. Em seu desdobramento, essa
pergunta vai provocar a discussão, no século XX, sobre o papel do artista
diante da sociedade. Sob inspiração marxista, Herbert Read, por exemplo,
vai afirmar que a criação se coloca entre a alienação e a ação revolucionária.
No limite de seu argumento, Read diz que a arte “é sempre perturbadora,
permanentemente revolucionária”. Ao final, o artista é definido como “um
perturbador da ordem estabelecida”, demarcando igualmente uma definição
de arte (1983, p. 27).
Interessa ressaltar o fato de que a definição da disciplina da história da
arte coloca constantemente a si mesma a questão da autonomia da arte frente
à ordem social e, consequentemente, interroga o papel político do artista e
da obra de arte. A questão, na verdade, é chave para definir o objeto e os
limites disciplinares da história da arte. Em certa medida, responder a essa
interrogação significa ir ao encontro do que Argan e Fagiolo anotaram, ao
considerar que cabe à história da arte “estudar a arte não como reflexo, mas
como agente da história” (1994, p. 18).
Por outro lado, não se pode esquecer que também o discurso disciplinar
especializado é muitas vezes atravessado por disputas políticas, inserindo-se
num campo alargado de condicionantes. A história das disputas pelo valor
[ 178 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

de obras artísticas muitas vezes ilustra essa situação em que a crítica de arte
se baseia em disputas de ordem extra-artísticas.
A história da famosa Vênus de Milo, pertencente ao acervo do Museu
do Louvre, o mais importante museu de arte francês, caracteriza bem
como política e crítica de arte se entrelaçam.24 A escultura foi descoberta
em 1820, na ilha de Milos, na Grécia, pelo oficial de marinha francês
Olivier Voutier. Depois disso, foi levada para a França, onde foi exposta
sem os fragmentos dos braços e de parte do soco. A discussão sobre os
fragmentos foi decisiva para revelar o valor artístico da obra. A qualidade
do trabalho escultórico dos braços e a inscrição do soco definiriam a peça
como do período helenístico, genericamente caracterizado pela crítica
especializada como período de decadência da arte grega antiga. Ao
contrário, sem esses elementos complementares, era possível considerar a
peça como uma obra-prima da época clássica, vista como período de maior
valor artístico. Casualmente, os fragmentos desapareceram e deixaram o
debate em aberto.
A questão ganhou destaque ao ser envolvida numa querela de amplas
consequências para a historiografia. Como, em 1817, o príncipe Ludwig
da Bavária havia comprado o teatro de Milos, ele se sentiu no direito de
reivindicar a posse da estátua que foi exposta na França, pois seria parte do
complexo. Os franceses, por sua vez, argumentaram que a estátua nada tinha
a ver com o teatro. Na sequência, os críticos germânicos promoveram certo
ceticismo em relação ao verdadeiro valor da estátua, caracterizando-a como
do período helenístico, e não como do período clássico, como pretendiam
os franceses. Dois nomes proeminentes da historiografia da arte na época
se confrontaram: do lado alemão, Adolf Furtwängler; e, do lado francês,
Salomon Reinach. Ainda que o soco perdido tenha reaparecido em 1900,
confirmando a data e a autoria da obra, a querela entre os especialistas não
terminou. O resultado foi um avanço grande na erudição sobre a arte grega
da antiguidade. Contudo, a discussão pública rendeu na medida em que
envolvia uma disputa entre os dois países sobre a proeminência no campo
da cultura. A França não tinha nenhuma obra-prima em suas coleções
do período clássico da arte grega da antiguidade, enquanto a Inglaterra
tinha os mármores de Elgin e os frisos do Partenon, o Vaticano tinha o
Apolo Belvedere e a Alemanha, os achados arqueológicos de Micenas. Os
usos do passado da arte ultrapassavam, com isso, o espaço da disciplina

Para conhecer a história dessa escultura, cf. Curtis (2004).


24
Arte e política [ 179 ]

e transportavam o debate da crítica de arte para o campo das relações


internacionais.

Usos da imagem
Ao tratar da história da imagem antes da era da arte, Hans Belting (1996)
chama a atenção para o fato de que nem sempre o estatuto do objeto artístico
foi o mesmo. Assim, a rigor, a ideia de arte que se estende até nossos dias
pode ser definida como uma construção posterior à Idade Média e que se
associa à criação individual, ou autoral, e a uma dada teoria do belo. A era
da arte, segundo Belting, está enraizada nas consequências do movimento
iconoclasta do período das reformas religiosas, responsáveis pela destruição
de inúmeras imagens e pela produção de novas imagens para completar as
coleções destruídas. Em seu desdobramento, isso significa admitir que a
história da arte não pode se basear na naturalização do objeto artístico. Além
disso, é preciso admitir que a ideia de arte se relaciona aos usos da imagem.
Os usos da imagem, porém, são muito diversificados e envolvem
também seus usos artísticos, o que confere um estatuto especial à imagem,
distinguindo-a de outras formas de arte. Há uma construção social que está
baseada na afirmação de um sistema de artes, que define as características
do circuito da criação, produção, exposição, fruição e recepção do objeto
artístico, conduzindo à sua institucionalização. Isso implica um jogo de
posições no sistema de artes que se relaciona com a ordem política da
sociedade. Há um entrelaçamento entre ordem política e sistema das artes.
De todo modo, os usos da imagem estão submetidos aos seus padrões
de visualidade, ou “regimes escópicos”, para usar a expressão de Martin Jay
(1999, pp. 66-9), que caracterizam as diversas sociedades. Isso equivale a
dizer que em torno de imagens se afirmam formas de controle social que
têm a visualidade como referência. O controle social implica não apenas
restrições e interdições, mas também formas de promoção de imagens. A
censura e a propaganda caminham muito perto uma da outra. Sempre que
há imagens censuradas ou proibidas, há imagens a serem difundidas.
Um bom exemplo pode ser acompanhado no estudo original de Nazli
Aytuna que interroga os efeitos da interdição ao uso de imagens nos cartazes
de propaganda eleitoral na Turquia. É preciso considerar que o cartaz político
aparece tardiamente na vida turca, sendo contemporâneo da implantação da
democracia representativa em 1946, e representa a passagem ao pluralismo
político que substituiu a velha ordem autoritária. Apesar da afirmação
[ 180 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

do estado laico, a tradição da interdição da imagem por motivações


religiosas caracterizou a história turca. Mesmo assim, pode-se dizer que a
transformação social da Turquia foi acompanhada pela mudança dos usos
da imagem. As eleições de 1950 foram acompanhadas de uma lei eleitoral
que estabeleceu as regras da propaganda e dos cartazes políticos, a qual
proibiu até 1979 qualquer presença visual ou recurso a símbolos, como
a bandeira nacional, ou símbolos religiosos. A falta de imagens se torna
uma característica peculiar dos cartazes eleitorais turcos. Desse modo,
uma forma simbólica da língua se desenvolve em torno dos cartazes. As
palavras dominam a composição e afirmam valores. Procurando compensar
o impacto da ausência de imagens elucidativas, as mensagens se tornam
longas, multiplicando a presença de letras. O resultado foi a criação de um
grafismo especial que caracteriza os cartazes eleitorais turcos da época, que
se valem da diversidade tipográfica, do tamanho e do colorido de letras,
animando a comunicação visual apesar das restrições impostas (Aytuna,
2008). Nesse caso, observa-se como a censura ao uso de imagens promove
a criação de novos tipos de imagens no campo das artes gráficas, que
demarcam uma criação original.
Contudo, ao longo da história ocorrem movimentos que irrompem
contra imagens estabelecidas e confrontam regimes visuais vigentes. A
iconoclastia se contrapõe, assim, às formas condicionadas de promoção de
imagens ou de iconofilia. O que se configura não é apenas um campo de
disputas de sentidos, mas também de disputas sociais, que caracterizam uma
“guerra de imagens” (Bredekamp, 1975). Conforme aponta Dario Gamboni
(1997), estudar os movimentos iconoclastas é uma forma de interrogar a
historiografia da arte e sua tendência a ser normativa e programática. Desse
modo, a iconoclastia sempre foi tratada como uma atitude de blasfêmia ou
ignorância, sendo estigmatizada a priori. Mas, ao contrário, segundo o autor,
a iconoclastia não deve ser entendida como mero vandalismo errante, e sim
como algo que frequentemente se baseia num gesto intencional de uma
doutrina organizada e que pode ser definido também como um fenômeno
de expressão. Nesse sentido, o problema do recorte da noção de “destruição
da arte” que envolve a iconoclastia é pressupor que o alvo atingido seja
necessariamente o objeto artístico e, por consequência, considerar que o
objeto de discussão do ato historicamente demarcado seja a arte. Todavia,
com frequência, o objeto das ações iconoclastas nada tinha a ver com as
qualidades artísticas, e sim com outras qualidades relacionadas às imagens.
Arte e política [ 181 ]

Em tempos recentes, a destruição das estátuas dos heróis da construção das


sociedades do socialismo real, como Lênin e Stalin, certamente se explica
antes por sua natureza política que artística. O fato destruidor também
envolve novos conceitos acerca da imagem e da arte. Portanto, a destruição
da arte representa, sobretudo, processos sociais de manipulação de emblemas
e operações simbólicas que envolvem a arte. Por seu turno, a arte moderna e
contemporânea também faz usos de processos iconoclastas, subvertendo os
sentidos estabelecidos em torno de imagens e objetos – ora dessacralizando
o objeto artístico conhecido, ora conferindo aura artística a objetos que não
são vistos como obras de arte.
Em 1917, Marcel Duchamp, com a Fonte, colaborou para afirmar os
ready-mades no campo das artes, descobrindo arte onde esta não era vista.
O mesmo autor, em 1919, pintou sobre uma reprodução do famoso quadro
da Monalisa um bigode e uma pêra, além de uma inscrição provocadora,
discutindo os sentidos da arte.
Cabe salientar ainda que os processos sociais de perseguição ou
destruição de certas imagens, em geral, correspondem a processos correlatos
de promoção de outro tipo de imagens. No contexto artístico da França sob
a ocupação nazista, por exemplo, desenvolveu-se a perseguição à arte de
vanguarda do século XX, considerada degenerada, ao mesmo tempo que se
convivia com a promoção da arte valorizada pelo pensamento social nazista.
As esculturas de Arno Becker foram expostas com pompa, difundindo o
padrão de gosto oficial do regime nazista na França. Esse mesmo padrão de
gosto caiu no ostracismo no contexto posterior à Segunda Guerra, mas em
outros movimentos artísticos daquele contexto buscou-se reconhecer formas
de resistência (Bertrand Dorléac, 1986).
Contudo, é recorrente o uso de obras de arte para afirmar certa pedagogia
cívica e uma mitologia nacional. A pintura histórica é um caso exemplar
conhecido da história do Brasil, em especial no caso dos quadros das grandes
batalhas do século XIX. Em outras situações históricas, a pintura colaborou
para consagrar os mitos políticos. Na República do Congo, a imagem de
Patrice Lumumba, herói da resistência anticolonial e primeiro-ministro do
país independente, se perpetua em telas de produção popular vendidas às
centenas no mercado livre das ruas, transformando a paixão pelo líder em
lembrança da promessa de libertação não realizada, tornando-se emblema
de denúncia e reivindicação. A pintura transporta o mito da política e afirma
uma exigência de justiça (Jewsiewicki, 1996).
[ 182 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Em resumo, a política pode ser um campo de promoção e de perseguição


de imagens da arte, assim como a arte pode servir para sustentar a política.

Referências
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READ, Herbert. Arte e alienação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1983.
Arte e política [ 183 ]

Liberdade, representação e poder

Sheila Cabo Geraldo


UERJ

Como escreve Hannah Arendt (2006), a ideia da coisa política surge


na pólis grega, onde é idêntica à liberdade. Divergindo de Aristóteles,
para quem a política é inerente ao homem, a pensadora diz que a política
não surge no homem, mas no entre-homens, que são diferentes, plurais.
A política surge, então, no intraespaço e se estabelece como relação.
Baseia-se, assim, na pluralidade dos homens e trata da convivência entre
diferentes. Sua função seria organizar e regular o convívio. A liberdade e
a espontaneidade dos homens é que seriam, desse modo, os pressupostos
para o surgimento de um espaço para o livre agir em público, que é o
espaço original da política. Se a ideia de política surge da lembrança
da pólis grega, para Arendt a política sempre poderia ser realizada de
novo, porque dependeria da capacidade do livre agir do homem, que a
reinventaria. A política, porém, apareceu raras vezes na história nesse
sentido. Os sistemas de governo baseados no controle, especialmente os
totalitários, são as formas mais extremas de desnaturação da coisa política,
pois suprimem a liberdade humana, submetendo-a à determinação
ideologizante, pela qual a resistência individual livre é violentamente
vetada. A relação entre arte e política, portanto, não pode ser entendida,
como alguns alardeiam, como um modismo do final do século XX. É uma
relação que pode ser identificada em diferentes espaços e temporalidades,
tomando configurações diversas em que tanto a política quanto a arte
encontram-se entre a liberdade de agir – individual ou coletivamente
– e o controle (Foucault, 2007) – seja dos aparatos de Estado, seja dos
sistemas econômicos e culturais, como o sistema de arte, que inclui os
museus, as galerias, o mercado, a crítica, os historiadores de arte, o ensino
de arte e de história da arte (Fraser, 2008).
[ 184 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Muitas vezes, a política toma a forma do poder e, não raro, da violência.


Em arte, o poder e a violência, explícita ou veladamente, podem ocorrer
enquanto representação de acontecimentos sociais e eventos políticos
ou na própria condição de produção e circulação da arte. Uma das mais
reconhecidas manifestações de produção enquanto representação simbólica
do poder em arte está na forma da arquitetura monumental, usada de maneira
bastante clara pelos regimes totalitários modernos, mas que também nos
remete ao antigo império egípcio.
Os egípcios antigos viviam sob uma constituição de sociedade agrícola
que os impelia para a concepção de uma eternidade cíclica – ciclos em eterna
reiteração – presidida pelo deus solar, assim como para uma eternidade
linear, feita de momentos que se sucedem sem começo nem fim, comandada
pelo deus dos mortos. A mitologia acentuava, acima de tudo, que o rei
era descendente direto do deus criador do universo e, portanto, dono do
mundo e de tudo o que esse contivesse. Na criação do universo, o caos –
líquido, ilimitado e informe – fora ordenado, mas não extinto, continuando
como ameaça. A mitologia cria, assim, deuses que incorporam as noções de
verdade, justiça, medida, equilíbrio e ordem. Fortalecer com oferendas os
deuses e, desse modo, adiar o fim dos tempos era o principal encargo do rei
do Egito, que se tornava também um deus coroado como humano e divino.
Cada pessoa também deveria colaborar nessa tarefa para assegurar a ordem,
acatando a tarefa do rei, contribuindo com impostos e prestando a corveia.
O templo egípcio, segundo Ciro Flamarion Cardoso (1999), foi “concebido
como um modelo de maquete do universo organizado”. Era uma espécie de
residência, “a mansão entre os homens de alguma divindade”. Esses eram
templos dedicados ao culto do rei no sentido de promover e celebrar a união
do faraó reinante com o divino. Alguns deles assumiam, entre outras, a
função funerária em favor do rei morto. Ainda segundo Cardoso, uma estela
de Amenhotep III, do século XIV a.C., mostra que seu enorme e suntuoso
templo elevado na Tebas ocidental era visto pelo faraó como monumento
para seu pai Amon, o senhor de Tronos das Duas Terras (Karnak), fazendo
para ele um templo divino e esplêndido no lado oeste de Tebas. Além disso,
tinha a função de renovar os poderes de Amon e do rei. Karnak, o principal
templo de Amon, era um domínio sagrado, cercado por um muro, que
continha outras edificações, formando o Reino Novo. Junto com o templo
de Luxor, Karnak dominava Tebas tanto por suas edificações majestosas
quanto por estas se situarem em um terreno mais alto do que a zona habitada
Arte e política [ 185 ]

pelos comuns mortais. Na 19a dinastia, que seguiu a dinastia de Amenhotep


III, o templo ganhou uma enorme sala com 122 colunas de 15 metros de
altura, colocadas em volta da colunata central original, que constava de 14
colunas de 22 metros de altura. Todo o conjunto era brilhantemente colorido
(Stadelmann, 1990 apud Cardoso, 1999) e, como escreve ainda Cardoso,
só a Babilônia e as capitais assírias do primeiro milênio poderiam rivalizar
com Tebas em magnificência monumental.
No México, na cidade de Teotihuacan,25 que teve seu ocaso no século
VIII d.C. e foi descrita pelos espanhóis do século XVI, destacam-se duas
grandes e importantes construções em forma de pirâmides que serviam de
base para templos e se referiam à própria criação mitológica do mundo dos
homens. A pirâmide, que em arquitetura é uma forma elementar, na sua
escala sugere a ideia de estabilidade e durabilidade, o que impõe aos comuns,
em sua transitoriedade, a força do poder desigual. Enquanto construção
monumental, afirma um sobre os demais. As pirâmides são ainda uma
representação de mundo onde mitologia e história estão inextricavelmente
associadas. Segundo relatos do padre franciscano Bernardino Sahagún, que
chegou ao México em 1529 e recolheu dos astecas muitas lendas, em suas
plataformas estariam os ídolos do Sol e da Lua, feitos de pedra coberta de
ouro. A pirâmide do Sol é a maior de Teotihuacan, com 65 metros. A da
Lua, menor que a do Sol, com 45 metros, foi construída em um elevado,
alcançando-a em cota. Ambas dominam simbólica e miticamente o espaço
onde se desenvolveu a antiga cidade (Bazin, 1980).
Entretanto, a história da representação do político na América
nem sempre está associada às manifestações simbólicas de poder pelo
arquitetônico. Associa-se também com a conquista e a violência. Há no
Museu de Belas Artes de Buenos Aires um conjunto de “tablas”26 que relata
a conquista do México desde o desembarque espanhol de Hernán Cortés em
San Juan de Ulúa, em 1519, até a caída de Tenotchtitlán, a capital asteca, e
a prisão do último imperador indígena, Cauthémoc, em 1521. As imagens se

Teotihuacan é hoje um sítio arqueológico localizado a 40 km da Cidade do México, no atual município


25

de San Juan de Teotihuacan. Foi a maior cidade conhecida da época da América pré-colombiana,
exercendo influência em grande parte da Mesoamérica. O primeiro povoado dessa região data de
600 a.C. Para os astecas, a cidade era um local lendário, onde havia sido criado o Quinto Sol, ou
Quinto Mundo, época actual.
Alejandro Mackinlay comprou as Tablas de la Conquista de Mexico em Londres, em meados do
26

século XIX, e mais tarde as doou para a fundação do primeiro Museu Público da Argentina, atual
Museu de Ciências Naturais. Desde 1898, integram o patrimônio do Museu de Belas Artes de
Buenos Aires.
[ 186 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

baseiam na crônica do século XVI escrita por Bernal Díaz del Castillo e foram
confeccionadas pelo mexicano Miguel Gonzáles, ao final do século XVII e
início do XVIII, com uma técnica chinesa de incrustação de madrepérola
(nácar) que lhes dá um brilho e uma luminosidade particulares.27 Desde o
século XIX, integram o acervo do museu. A sequência mais surpreendente
é a da relação política entre Cortés e Montezuma. Como escreveu Todorov:
“[...] como explicar que Cortés, liderando algumas centenas de homens,
tenha conseguido tomar o reino de Montezuma, que dispunha de várias
centenas de milhares de guerreiros?” (1996, p. 51). As explicações são muitas
e ambíguas. De acordo com Bernal Días: “Achamos que Montezuma estava
arrependido [do começo das hostilidades] [...] Mas na verdade Montezuma
procurava apaziguar seus súditos e pedia que cessassem seus ataques”.
Montezuma, diante dos inimigos, prefere não usar seu poder, como se não
tivesse certeza de querer vencer, escreve Gomarra, capelão e biógrafo de
Cortés (apud Todorov, 1996, p. 54).
As Tablas da Conquista do México são representações que seguem
tecnicamente não só as hibridações culturais entre Oriente e Ocidente,
mas também a forma narrativa dos códices produzidos entre os povos da
Mesoamérica desde o século VIII d.C.28 Essa representação em narrativa, seja
ideográfica ou pictográfica, nos informa tanto sobre as relações mitológicas
quanto as políticas ao longo da história. A forma narrativa dos códices,
no entanto, foi também conhecida na Grécia desde a era antiga tardia,
tendo se desenvolvido significativamente na Idade Média latina. A pintura
moderna herda em muitos aspectos essa narrativa, que depois, no período do
renascimento, toma a forma da representação naturalista (Byington, 2009).
É possível reconhecer uma impressionante representação pictórica das
relações sociais enquanto relações políticas modernas no quadro A ronda
noturna, de Rembrandt, no qual estão figurados 18 cidadãos de Amsterdã. O
quadro é um retrato de grupo e os guerreiros são personagens determinados,
que pertencem à unidade da guarda cívica do capitão Frans Banning Cocq,
senhor de Purmerland, e de seu tenente Willen van Ruytemburg, senhor de

Segundo as referências museológicas, a aplicação de madrepérola (nácar) se fez conhecida no


27

México por meio do comércio com a Ásia. A frota espanhola do Galeão de Manila, ou Nau
da China, percorria a rota Acapulco-Manilha entre 1565 e 1815. Trazia para a América sedas,
marfim, jade, porcelana e biombos chineses e japoneses, difundindo na América a técnica do
encochado.
Grande parte dos códices encontrados pelos conquistadores da Mesoamérica foi destruída.
28

Apenas três chegaram à atualidade: o códice de Madri, o de Dresden e o de Paris. Por meio desses
documentos, é possível conhecer a história e a mitologia desses povos.
Arte e política [ 187 ]

Vlardingen. São os arcabuzeiros, também chamados arqueiros, pertencentes


a uma tradição medieval das antigas irmandades de atiradores, que seguiam
sendo o contingente militar da burguesia, reservado para a intervenção bélica
em tempos difíceis e que normalmente cumpria um papel representativo em
atos solenes. Na Holanda, onde se formou o primeiro esboço da forma estatal
capitalista, a milícia cidadã teve durante muito tempo uma grande importância
político-social. Foi lá que, como escreveu Alois Riegl (apud Bauch, 1981),
desenvolveu-se o retrato de grupo. Pintaram pela primeira vez os grupos e as
representações sociais que constituem a população de uma cidade. Já com
Frans Hals, os retratos de grupo são pintados independentemente dos conceitos
ideológico-humanísticos, não mais sob a figura simbólica do príncipe e dos
nomes históricos de patronos nobres ou eclesiásticos. Entretanto, soam como
pintura de gênero, de fatos triviais. Com A ronda noturna, Rembrandt vai além
e pinta a existência das milícias de cidadãos com igualdade de direitos em uma
forma retratística coletiva, que não era apenas a reunião de retratos individuais,
mas de um grupo de cidadãos que desempenhavam uma ação comum e em
que, consequentemente, os gestos eram significativos, referindo-se cada um a
um outro ou a outros. Ali fica criado o que Riegl chamou de unidade interior
do quadro, ou seja, ordenações que submetem os indivíduos a um conjunto,
que unem os representados no tempo e no espaço.
As representações das relações entre desiguais, não como liberdade, mas
como poder e violência, se intensificam na era das revoluções (Hobsbaum,
2008), sobretudo na França e na Inglaterra, e acirram-se com a expansão
napoleônica. Atingiram até mesmo o Brasil, onde a corte portuguesa se refugiou
e para onde contratou artistas identificados com a revolução, agora ameaçados
com a Restauração monárquica de Luís XVIII. Por intermédio do embaixador
extraordinário de Portugal junto à corte francesa, o marquês de Marialva, e
de Alexandre van Humboldt, naturalista alemão que estivera no Brasil, foi
contratado Joaquim Lebreton, secretário recém-demitido da Academia de Belas
Artes do Instituto da França, que seria, desde então, o organizador e chefe de
Nicolas Antoine Taunay e Jean-Baptiste Debret, entre outros que chegam ao
Brasil em 1816 para dar início à academia de artes em terras tropicais.
Se na França A morte de Marat, de Jacques-Louis David, A jangada da
Medusa, de Théodore Géricault, e A liberdade guia o povo, de Eugène Delacroix,
são exemplos de pinturas marcadas pela era das revoluções, o Caçador na
floresta, de Caspar Friedrich, e o Fuzilamento, de Francisco Goya, referem-se
explicitamente à política expansionista de Napoleão, remetendo à condição
[ 188 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

do homem em sociedade sob o domínio e submissão ao terror. São exemplos


da “arte em tempos de exceção”, como escreveu Giorgio Agamben (2004).
A restauração monárquica na França abala o universalismo iluminista e
revolucionário, fazendo nascer no âmbito mais geral do romantismo, que incluía a
ideologia ética neoclássica, um romantismo histórico que se opõe violentamente
à racionalidade já em crise – como é o caso de Gericault e depois Delacroix, que
empreendem um verdadeiro choque do indivíduo com a história. Na Alemanha,
o romantismo histórico é um processo que se constrói, sobretudo, a partir das
invasões napoleônicas, das quais a pintura Caçador na floresta, pintada em 1812
por Caspar Friedrich, é um exemplo. Apesar de, num romantismo nacionalista,
tratar-se diretamente da invasão do exército francês, trata-se também e,
sobretudo, da perplexidade do soldado de Napoleão diante da natureza nórdica,
revelando-se uma constante da pintura na Alemanha: a reflexão que se mostra
como desejo de transcendência, ganhando contornos de liberdade. Enquanto os
franceses, como Delacroix, tentam a realização da utopia libertária procurando
no Oriente real o Oriente mítico, Friedrich, cuja pintura tem um caráter mais
reflexivo que ético-ativo, procura a liberdade em uma abertura para o infinito.
É uma pintura a serviço de uma ética profunda. É uma lição de moral fechada
na aparência dos seres e da natureza oculta na pintura.

A vanguarda e a nova práxis vital


Peter Bürger (2008) descreve a vanguarda sob dois planos: um que diz
respeito à intenção dos movimentos históricos de vanguarda, a de destruição
da instituição arte, que se mostrava dissociada da práxis vital; e outro em
que a concepção de obra de arte é colocada em questão. No que se refere à
obra, alerta-se para a contradição na aplicação do conceito de obra de arte
aos produtos da vanguarda, quando a “dissolução da unidade tradicional da
obra pode ser comprovada de maneira bastante formal como característica
comum da modernidade” (Bubner apud Bürger, 2008, p. 117). A concepção
mesma de arte como criação individual de obras únicas, em vigor desde o
renascimento, é questionada. Citando Adorno, Bürger escreve: “As únicas
obras que contam hoje são aquelas que não são mais obras”.29 Mesmo
que se observe a resistência da arte, é sempre de forma negativa que os

Bürger (2008) esclarece que a concepção de obra que Adorno está empregando é aquela identificada
29

como orgânica, em que não há mediação entre a unidade do geral e do particular (arte simbólica).
Na obra não orgânica (alegórica), como no caso das obras da vanguarda, defende, trata-se de uma
unidade mediada, que, se for produzida, só o será pelo receptor.
Arte e política [ 189 ]

movimentos de vanguarda se relacionam com a categoria da obra, sendo


o caso mais famoso disso o da ação de Marcel Duchamp (2008) nas duas
primeiras décadas do século XX. Entretanto, é impossível não reconhecer
que as obras continuaram a ser produzidas e a instituição arte se mostrou
resistente ao ataque.
Uma importante questão nessa descrição do sentido da vanguarda para
o entendimento da relação entre arte e política diz respeito ao que Bürger,
discutindo a intenção de destruição da instituição da arte, chamou de
“negação da autonomia pela arte de vanguarda” (2008, p. 101). Partindo
do problema que se instaurou na modernidade com o conceito de obra de
arte autônoma, faz uma análise dos termos da arte que vai da produção de
arte sacra à arte cortesã e depois burguesa. Propõe uma tipologia histórica
em que aparecem três elementos: finalidade de aplicação, produção e
recepção. A arte sacra, que é produzida de maneira artesanal, servia como
objeto de culto – finalidade – e estaria associada à instituição social da
religião, sendo recebida coletiva e institucionalmente. A arte cortesã tem
finalidade representativa e é parte da práxis vital do homem de fé, embora
nela se perceba a libertação da vinculação sacra, como em Frans Hals e
Diego de Velásquez. Se a arte cortesã permanece coletiva na recepção, no
que diz respeito à produção, entretanto, difere substancialmente da arte
sacra, sendo produzida individualmente, sob consciência da singularidade
do fazer artístico. Já a arte burguesa se define substancialmente como
a arte da autocompreensão de classe e corresponde à “satisfação de
necessidades residuais”, que se poderia identificar como a forma de aliviar
as pressões das transformações históricas e que se reuniria, enquanto ideal,
sob a capa de valores como verdade, alegria, humanidade, solidariedade
(Habermas apud Bürger, 2008, p. 103), presentes, por exemplo, na pintura
de Vuillard. Como escreve Bürger, a recepção burguesa é individual. Só a
aproximação solitária possibilita a fruição desses valores, como no romance
novecentista. Contudo, no que diz respeito à produção, há na arte burguesa
um virada fundamental em relação tanto aos objetos de culto quanto aos
de representação, que tinham finalidade de aplicação. A arte burguesa
teria essa finalidade reduzida às satisfações residuais. Assim, a separação
de arte e práxis vital se institucionaliza como autonomia da arte.30

É importante ressaltar, diz Bürger, que se está falando do status da obra na sociedade, o que não
30

inclui o conteúdo da obra. O conteúdo das obras está sujeito, nesse caso, a um processo histórico
que culmina com o esteticismo, em que a obra é conteúdo de si mesma.
[ 190 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Os movimentos europeus de vanguarda definiram-se, assim, como um


ataque ao status da arte na sociedade burguesa, negando a instituição arte
como instituição descolada da práxis vital. Porém, o fato de os vanguardistas
exigirem que a arte se tornasse prática não quer dizer que o conteúdo devesse
ser socialmente engajado, nem que a arte tivesse de se integrar na práxis vital
burguesa – um mundo ordenado pela racionalidade-voltada-para-os-fins.
O que querem é ordenar, a partir da arte, uma nova práxis vital. Só uma
arte abstraída da sociedade estabelecida, que entre os burgueses se tornou
esteticismo, pode, como propuseram os dadaístas e os vanguardistas russos,
efetivamente ser a fonte de uma nova práxis.
Como escreve Argan (1992), as vanguardas históricas apresentaram-
se, em geral, como rebelião contra a cultura oficial, aproximando-se dos
movimentos políticos progressistas. Entretanto, apesar dos propósitos
revolucionários, muitas vezes aproximaram-se de extremismos polêmicos,
como foi o caso do futurismo italiano, que reclamava a destruição dos museus
e das velhas cidades. Desejando a revolução industrial ou tecnológica,
pregavam a nova cidade e a nova arte como uma máquina em movimento.
Nessa máquina, os artistas e os intelectuais seriam a fonte ou o impulso
de gênio para salvar a cultura mundial. No caso italiano, defendiam um
nacionalismo belicoso, o que aproximará alguns de seus participantes do
fascismo pós-primeira guerra mundial, como é o caso de Marinetti. A
concepção de vanguarda desenvolvida pela análise teórico-histórica de
Bürger parece se explicar melhor diante da produção que se desenvolveu
na Rússia com o suprematismo e, sobretudo, com o construtivismo. Ali se
instaurou a tensão necessária não só para a negação da autonomia, mas
também para a afirmação da produção e da recepção coletivas (Benjamin,
1985). Malevich idealizou uma possibilidade efetiva de nova práxis em que
a arte e a vida estivessem ligadas.31 Todavia, sua proposta nega tanto a pura
esteticidade da arte – sua autonomia – quanto sua utilidade social. Propõe,
de acordo com a revolução social e política na qual está inequivocamente
enredado, uma transformação radical em que o mundo estaria destituído de
objetos, assim como as noções de passado e futuro seriam suspensas. Parte
para uma espécie de grau zero na arte e na civilização em que a pintura
O artista, de grande projeção na cena vanguardista russa desde o início do século XX, tratou a
31

história da herança da visualidade russa não sob o filão do éthos popular, mas buscando o significado
primário dos símbolos e signos. Estudando o cubo-futurismo, retirou dali a combinação de módulos
formais geométricos, chegando à formulação do suprematismo: identidade entre ideia e percepção,
fenomenização do espaço simbólico em um espaço geométrico, propondo uma abstração absoluta
(Argan, 1992, p. 324).
Arte e política [ 191 ]

corresponderia a um signo que define a equação entre mundo interior e exterior,


ou seja, entre sujeitos e objetos. O quadro enquanto estrutura, enquanto
instrumento mental, seria socialmente revolucionário porque instauraria não
só uma nova arte, mas um novo homem, já que a concepção de um mundo
sem objetos implica em não propriedade das coisas e noções, como parece
ficar expresso em sua pintura suprematista (Branco sobre branco) de 1918.32
Desde 1921, entretanto, um novo conceito de vanguarda revolucionária
se desenvolve na Rússia sob o nome de construtivismo (Foster, 2004). Tendo
Tatlin e Rodchenko como principais artistas, o construtivismo foi definido
como um modo científico de organização no qual não seria envolvido nenhum
excesso de materiais ou elementos. Tatlin desenvolve mesmo a defesa da
verdade dos materiais. Assim, a forma e o sentido deveriam ser determinados
e motivados pela relação entre os vários materiais, e a construção deveria
ser um signo motivado, cuja arbitrariedade fosse limitada. As esculturas
suspensas de Rodchenko poderiam ser consideradas demonstrações do
método científico – que, naquela época, queria dizer método dialético,
materialista, comunista (Nunes, 2000-2001). Não havendo qualquer
concepção a priori, o trabalho era determinado pelas condições materiais.
Considerando os movimentos de vanguarda em uma rede maior que a
europeia, parece importante observar de que maneira acontece na América
Latina, e mais especialmente no Brasil, essa tentativa em arte de uma nova
práxis vinculada à vida. Apesar de o movimento modernista poder ser
considerado um marco nesse processo, foi com o Manifesto antropófago de
1928, segundo Oswald de Andrade, que se teria concretizado uma divisão
política, levando a cabo o que teria sido, em 1922, um ensaio de vanguarda.
A vanguarda antropofágica, como escreveu Benedito Nunes (2000-2001),
enquanto símbolo de devoração, foi, simultaneamente, uma metáfora do
repúdio à estética acadêmica, da assimilação das vanguardas europeias e da
superação dessas, no sentido do esforço empreendido para alcançar certa
independência intelectual e artística no Brasil. Foi, assim, a negação das
determinações da autonomia burguesa, nos termos de Bürger, mas também
a assimilação do movimento cubo-futurista, assim como uma tentativa de
superá-lo. Foi, ainda, como escreveu Nunes, uma terapêutica, visto que,
Sua utopia urbanista-arquitetônica, que se iniciou em 1919 na Escola Unovis, em Vitebsk, e
32

prosseguiu no Instituto para o Estudo da Cultura da Arte Contemporânea, em São Petersburgo,


então Leningrado, também segue o princípio segundo o qual na sociedade futura haveria uma
forma única de expressão para sujeitos e objetos, o que vai gerar posteriormente aquilo que ficou
conhecido em arquitetura como estilo internacional. Mas a arquitetura de Malevich, assim como
sua pintura abstrata, logo seria reprimida na Rússia Soviética (Foster, 2004).
[ 192 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

pela reação violenta e sistemática contra os hábitos cultos, os modelos


sociopolíticos e as expressões artístico-literárias, seria liberada a consciência
coletiva – por meio da adoção daquilo que Oswald chamou de “instinto
caraíba” (Andrade, 1990).

Arte e discurso como política


O sentido de política em seu conceito mais remoto pode ser compreendido
melhor enquanto um sinônimo de liberdade. Não a liberdade do eu consigo
mesmo, e sim aquela que diz respeito à possibilidade de agir entre diferentes,
enquanto ação livre. A ação artístico-política enquanto exercício de
liberdade, como escreveu Mário Pedrosa, revelou-se contundente entre
os artistas dos anos 1960 e 1970, sobretudo para aqueles cuja arte não
foi mais exercida como elaboração de obras, mas como crítica discursiva,
especialmente no campo institucional, que definiu a própria arte no período
moderno.
Como se constata desde a segunda metade do século XX – especialmente
na ação de artistas como Hans Haacke, Daniel Buren e Marcel Broodthaers
(cf. Buchloh, 2004), que se remetem historicamente à ação crítica de
Duchamp –, o que constitui a arte nesse momento é o mesmo campo da
política: o jogo livre do discurso, que, no caso, questiona a ontologia da arte
e sua relação com as instituições e o espaço público, ou seja, problematiza
a si problematizando os limites da instituição e a maneira como se insere
em sociedade.
Os questionamentos sobre o objeto autônomo e o espaço puro do
modernismo, que se evidenciaram com a arte minimalista, desdobram-se
em debates sobre o site specific (Kwon, 2004) e passam, nas décadas de 1960
e 1970, a requerer uma relação indivisível entre o trabalho, sua localização
e a experiência fenomenológica do observador. Esse apego à realidade do
lugar, assim como a exigência de uma experimentação corporal da obra,
se dá concomitantemente à vontade de exceder os limites não só das
linguagens, mas também do cenário institucional. Todo esse processo teve
como consequência, necessariamente, a afirmação de uma arte conceitual,
assim como a que ficou conhecida por arte de crítica institucional.33 A

A crítica institucional, referindo-se mais diretamente aos espaços de exposição, reforça o fato
33

de que o espaço moderno é ideológico, mas disfarçado de neutro. Esse espaço neutro seria a
representação simbólica da dissociação entre o espaço da arte e o espaço mundano, reforçando o
imperativo idealista da arte e da instituição, que se definiam como desinteressadas.
Arte e política [ 193 ]

crítica institucional reclama um deslocamento epistemológico que vá do


significado interno das obras para as contingências do contexto. Afirma,
dessa maneira, que o lugar na/da arte não é físico, mas cultural, ou seja, é
definido pelas instituições de arte, que incluem não só museus e galerias,
mas o ateliê, a crítica de arte, a história da arte, o mercado de arte. Assim,
para a crítica institucional, também o corpo participante não só é físico, mas
social, de classe, de gênero, de raça, sexual. Na década de 1980, a crítica
institucional fica cada vez menos apoiada nos debates sobre os parâmetros
físicos do “cubo branco”. O lugar da arte deixa de ser um espaço literal. Passa
da condição física para o sistema de relações socioeconômicas e políticas.
Michael Asher, por exemplo, avança no conceito de lugar para abranger
dimensões históricas e conceituais. Os locais de exposição não só geram
expectativas e narrativas, como passam a ser instituídos como discursos.
O lugar da/na arte se torna aquele das intervenções críticas em um espaço
amplo, que inclui as instituições artísticas e não artísticas.
Portanto, a grande questão deixa de ser o confinamento cultural da
arte para ser a busca de um enorme engajamento com o mundo externo
e com a vida cotidiana, uma crítica da cultura que inclui os espaços não
especializados, instituições não especializadas e questões não especializadas
em arte. Meshac Gaba, artista que nasceu no Benim em 1961 e vive
hoje na Holanda, desenvolve uma prática artística que, embora possa se
concretizar em instalações, esculturas e pinturas, estrutura-se em torno do
debate relacionado ao poder econômico, à globalização e ao mercado. Seu
trabalho tem como característica fundamental o exame dos códigos culturais
e econômicos, assim como a relação de troca entre a África e os continentes
ocidentais, como a Europa e as Américas. Na XVII Bienal de São Paulo, em
2006, depois de uma residência em Recife, criou como instalação uma cidade
de açúcar, que remetia tanto à relação de escravidão que envolveu a África,
o Brasil e a Europa, como às relações de afeto e tolerância multicultural e
multinacional que o doce metaforiza. Como imigrante, Gaba empreende
em arte o debate do franco-argelino Jacques Derrida (2005) em torno da
hospitalidade e do perdão.
Na exposição Africa remix, de 2005, no Centro Georges Pompidou,
Meshac Gaba mostrou sua Padaria africana, uma instalação com vídeo e
vitrines em que discute o colonialismo reproduzido no fato de a baguete
francesa ser um dos principais constituintes da alimentação básica em
um país como o Benim, onde sequer se produz trigo. Entre 1997 e 2001,
[ 194 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

concebeu o que talvez seja seu projeto mais instigante e que tem a
instituição artística sob a mira de seu discurso crítico. O Museu de Arte
Contemporânea Africana é um projeto desenvolvido em uma série de
instalações que inclui salas representando partes de um museu ficcional,
como o Restaurante, a Arquitetura, o Salão. Cada uma de suas 12 partes
é apresentada separadamente e em cada exposição Gaba focaliza uma área
do museu enquanto espaço de negócios. São sempre lugares de troca, seja
financeira, intelectual, cultural ou social. Desconstrói, assim, a hierarquia
espacial dos museus, em que, pretensamente, a sala de exposições seria o
espaço central. Usa esses espaços para propor sempre alternativas radicais
ao uso costumeiro dos espaços do museu. Na Documenta 11 (mostra que
acontece a cada cinco anos na cidade de Kassel, na Alemanha), conforme
relata em entrevista a Lisette Lagnado (2006, p. 176), o museu era constituído
pelo painel Espaço Humanista, que dispunha de bicicletas para aluguel, cuja
renda seria remetida ao Benim. Conforme explica o artista, o museu abrangia
ainda outros setores, como a biblioteca e a loja. Em 2005, Gaba apresentou
dez partes desse museu fictício em Londres, espalhando as salas em várias
galerias e museus. Na sala chamada “A arquitetura”, os visitantes podiam
construir seus museus imaginários usando blocos de madeira. Nessa ocasião,
Gaba ocupou uma segunda galeria na Tate, com a instalação Glue me piece,
inspirada pelo Prêmio Nobel da paz.

Ações em arte e micropolíticas


Remetendo-se ao texto de Walter Benjamin (1985), que avalia, na
década de 1930, o sentido da obra de arte na era da reprodutibilidade
técnica, ou seja, as mudanças que a tecnologia mecânica moderna traz para a
compreensão e a fruição da arte, Hal Foster (2005) escreve “O artista como
etnógrafo”, artigo sobre as mudanças paradigmáticas que a arte sofre na época
do debate antropológico e cultural acerca do processo de espetacularização
mundializada em decorrência da globalização, como escreveu Guy Debord
(1997) ainda nos anos 1960. Esse processo só se acelera nas décadas de
1980 e 1990, sobretudo com o crescimento do número de bienais e mostras
internacionais de arte.
No sentido de possibilitar uma reflexão sobre o que Foster (2005)
chamou de uma mudança discursiva na arte contemporânea, que a tornou
perigosamente política, parece interessante levantar aqui os debates formados
durante a Documenta 12. Os curadores desse evento o organizaram a partir
Arte e política [ 195 ]

de três plataformas. Uma delas referia-se ao problema que vem atormentando


os teóricos e historiadores, sobretudo desde os anos 1980, e que está
relacionado com a discussão do fim da modernidade, coincidente com o
fim da história, com a morte da arte e da história da arte. Há quem diga
que essa é uma discussão ultrapassada, associada ao moribundo conceito de
pós-modernismo em arte. Mas a modernidade continua colocando problemas
para a história da arte, que, enquanto disciplina, é, em si, moderna. Coloca
problemas, sobretudo, quando as fronteiras desta, assim como as da história
em geral, passam à condição de permeabilidade, o que possibilitou a criação
de campos híbridos, ou campos de transição, entre a história e diversas outras
disciplinas, como a antropologia – que também é uma disciplina moderna.
Dessa condição híbrida surgiu, então, a discussão política que passa pela
pergunta sobre a ocidentalidade do conceito de modernidade. Como escreveu
Okwui Enwezor no catálogo da Documenta 11, qualquer discussão sobre arte
hoje teria de partir da concepção de história da arte como campo ampliado,
o que inclui a diversidade de culturas e as noções de espaço e tempo não
só para a cultura europeia e norte-americana, mas também para as culturas
sul-americanas, asiáticas, africanas e da Oceania.
O processo que impeliu Foster a identificar e colocar sob suspeita
aqueles que chamou de artistas-etnógrafos, que se identificam com o
debate das identidades culturais, com o problema do outro cultural e com
a questão do pós-colonial, recai no antigo receio de Benjamin, na década
de 1930, com a instrumentalização política dos russos adeptos do proletkult.
Independentemente dessa referência, que agora se transforma em receio de
ver a arte e a história da arte desvirtuarem-se em estudos culturais, no sentido
de uma politização da arte enquanto idealização da alteridade, Foster não
pode deixar de reconhecer que, no cômputo geral dos discursos modernos, a
elaboração dos conceitos de identidade e alteridade pela antropologia e pela
psicanálise foi crucial para as práticas críticas da arte e da história da arte,
que tomaram configurações de críticas políticas. Identificando o processo
contemporâneo da arte, reconhece que o “mapeamento na arte atual tende
na direção do sociológico e do antropológico, a ponto de o mapeamento
etnográfico de uma instituição ou comunidade ser uma forma primária de site-
specific hoje” (2005, p. 144). Foster prossegue pontuando que procedimentos
de artistas como Martha Rosler, que descreve alcoólatras indigentes em The
bowery in two inadequate descriptive systems, ou Alan Sekula, nos documentais
com preocupações geopolíticas, são, em arte, formas de “geografias materiais
[ 196 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

e imaginárias do mundo capitalista avançado”, um mapa cognitivo de nossa


ordem global.
Outro importante debate levantado pela curadoria da Documenta 12, e
que, sem dúvida, está ligado ao primeiro, diz respeito ao que em inglês se designa
como bare life, que pode ser traduzido por vida nua ou vida crua. Destacava-se
como um projeto de debate nesse tópico o vídeo Voracidade máxima, feito em
Barcelona pela dupla MauWal, que sublinha a vulnerabilidade do ser em suas
escolhas individuais, sejam elas do nível econômico e cultural, sejam do nível
da sexualidade e do prazer. Enquanto debate sobre a vida nua, mostraram-se
também significativas as fotografias The transport of KnaNdebele, de David
Goldblat, feitas na década de 1980, na África do Sul, em que homens e seus
corpos banidos e punidos são fotografados no processo de going to work e going
home. A dimensão de não estar, coincidente com a de não ser, registrada nas
imagens, nos leva a uma leitura da autoridade e do modo como se age sobre
os direitos individuais. Trata-se de uma leitura do mando e seu oposto, que é
a vida nua, como nos explicou, independentemente de políticas culturais de
defesa de minorias, Giorgio Agamben (2002).
As relações do poder soberano, ou seja, daquele que se exerce em
estado de exceção sobre os corpos e mentes, evidenciavam-se na maioria
dos trabalhos da mostra internacional de Kassel. A implicação dessa
evidência parece ser o reconhecimento da inexorável condição do homem
contemporâneo, como escreve Agamben (2002), quando já não existe a
diferença entre a existência individual enquanto existência política e a
existência anônima e anômica fora da norma e da lei. Assim, o que parece
perpassar a produção contemporânea de arte nas diversas culturas, nos
variados lugares, é o imponderável de uma vida sem qualificação, ou seja,
do homem em estado de exceção e, sobretudo, o estado de banimento que
o poder soberano impõe, no qual, nas palavras de Agamben, “a relação
originária da lei com a vida não é a aplicação, mas o abandono”. As relações,
assim, passam a ser as de força, em que a justiça é aplicada em seu ausentar-
se, deixando espaço à violência do homem sobre o homem.
Em Vigiar e punir, Foucault (2007) alerta para a possibilidade de
controle em um nível que definia como sistema panóptico: controle de
comportamentos não só sociais, mas corporais: controle da vida. É no
sentido de identificar alternativas a esse controle que Deleuze e Guattari
(2004) escrevem sobre as micropolíticas como formas de ação que, em arte,
corresponderiam a uma reinvenção dos espaços da crítica institucional sobre
Arte e política [ 197 ]

a base das políticas de subjetividade. Como escreveu Benjamin Buchloh na


obra supracitada, a crítica institucional já havia há tempos se transformado
em institucionalização da crítica. Nesse sentido, as táticas artísticas como
definidas por Michel de Certeau (2007) poderiam hoje ser mais bem
identificadas com o que Bourriaud (2006) chamou de uma estética relacional,
que, guardando especificidades, Suely Rolnik (2008) percebera nas ações
de Lygia Clark, sobretudo em trabalhos em que a casa é o corpo, mas que
também se pode identificar nos projetos de convivência artística e ações
colaborativas, como o trabalho do artista suíço Thomas Hirschhorn ou do
coletivo de artistas turcas Oda Projesi (Bishop, 2008). O que as micropolíticas
em arte desvendam é uma possibilidade de arte nos espaços que sobram,
que podem ser o do fazer cotidiano, como explicita Certeau, mas também o
do jogo, o do corpo, o do encontro, o do estar junto, o da sexualidade livre
(Aliaga, 2007), que, não desconhecendo as regras da institucionalização
voraz, sempre encontram formas de agir, o que nos faz recordar a concepção
de Arendt sobre a política de como agir em liberdade entre diferentes.
A exposição do controle da vida, que se configura, como escreveu
Foucault, um fato biopolítico (apud Deleuze, 2005), nos leva ainda à
identificação dessa outra forma de política em arte, já designada como
micropolítica e perceptível na maneira de expor o sujeito até que a
subjetividade quase inexistente se torne, porque ínfima, uma resistência ao
processo de encruecimento, como aparece no trabalho de Tseng Yu-Chin,
Who’s listening n. 5. Nele, a mãe e seu filho de quatro anos são filmados
em uma situação cotidiana de afagos. Podemos ainda pensar em quando
AiWeiwei convida 1.001 chineses para Farytale, um trabalho em que esses
homens e mulheres se expõem uns aos outros e também aos visitantes, mas
no sentido de estabelecer uma forma de convívio a que não tiveram jamais
acesso. AiWeiwei trama ali uma espécie de empoderamento dos sujeitos
chineses de província, que por décadas estiveram em situação de banimento.

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[ 200 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0
Arte e sistema de arte [ 201 ]

arte e sistema de arte


[ 202 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0
Poéticas conceituais e espaços
expositivos: algumas experiências

Dária Jaremtchuk
USP

Jean-François Chevrier chama a atenção para como as experiências


conceituais do final da década de 1960 foram fundamentais para que se
manifestasse de maneira explícita a oposição entre fotógrafos e artistas
que utilizam a fotografia. Seriam cada vez mais frequentes, por exemplo,
as declarações como de Gilbert e George: “Não somos fotógrafos, usamos a
fotografia” (apud Chevrier, 2006, p. 148). Já Dominique Baqué destacou o
papel da fotografia conceitual como instrumento teórico nas investigações
sobre a natureza da obra, do autor e do receptor. Ou seja, ambos sinalizam
a relevância das fotografias conceituais para a inserção da fotografia no
âmbito das artes visuais.
Foram numerosos os trabalhos conceituais que exploraram características
da fotografia como procedimento mecânico, objetivo e neutro, ou como registro
documental destituído de preocupações estéticas ou sofisticação formal. As
imagens caracterizavam-se muitas vezes por aspectos visuais pobres, com
resoluções descuidadas, mal enquadradas, desfocadas. Os temas também
contribuíam para torná-las insípidas e próximas às imagens vernaculares.
Subvertiam-se princípios fotográficos como profundidade de campo, precisão,
detalhe e plano focal, colocando em xeque seu caráter icônico. Apresentando-
se sem qualidades artísticas ou técnicas, com aspectos triviais, insignificantes
e desglamourizados, esse conjunto de trabalhos distanciava-se dos cânones
tradicionais da fotografia de arte e da fotografia documental. Da mesma forma,
as experiências conceituais alargaram o sentido da relação da imagem impressa
com os textos, não mais circunscrita à condição descritiva ou ilustrativa. Pode-
se acrescentar que, além de promoverem um novo tópos para a fotografia,
dilataram as atribuições e as relações com os espaços expositivos. Dito de
outro modo, os trabalhos conceituais colaboraram para desestabilizar fronteiras
tradicionais do campo artístico.
[ 204 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

É dentro desse universo de questões que o trabalho Os/As meninos/


as de Júlio Plaza pode ser pensado, pois problematiza os espaços físicos,
sociais e simbólicos da arte. Realizado em 1977, consistia em um conjunto
de seis fotografias dispostas nas paredes da Galeria Global em São Paulo.
Observadas à primeira vista, confundiam-se com espelhos, porque pareciam
refletir o ambiente circundante. Passado o primeiro instante, o observador
compreendia tratar-se de imagens realizadas a partir do próprio ambiente da
galeria. Contudo, pela forte ligação entre as fotografias e o espaço, a impressão
de reflexividade e a conexão não se dissolviam facilmente.
Percebida a simbiose entre as imagens e a sala de exposição, o trabalho
deixava de se relacionar com a experiência física do observador – de
percepções sobre a escala, reconhecimento do tema e localização – e dava
lugar a especulações em torno da condição da fotografia como instrumento
teórico. A operação proposta por Plaza não se restringia ao movimento
tautológico, que relacionava a imagem à galeria e vice-versa, mas ia além,
propondo um olhar mais amplo para o universo das imagens mecânicas no
âmbito do sistema de arte. Da mesma forma, a forte ausência de aspecto
subjetivo acentuava sua condição descritiva e informativa, fazendo
igualmente referência à precisão e à objetividade próprias da tradição
histórica da fotografia.
Também a conexão entre as imagens e seu lugar de exibição potencializava
uma mirada crítica para a moldura institucional. As bordas de cada fotografia
eram insuficientes para demarcar sua unicidade, assim como sua transferência
para outros espaços tornava-as sem sentido. Foram realizadas para aquele
locus, e sua existência estava condicionada ao período de extensão da mostra,
impossibilitando-as de serem transformadas em objetos ou mercadorias.
É possível também estabelecer conexões desse trabalho com Fototrilha,
de Victor Burgin. Realizado em várias versões entre 1967 e 1969, consistia
em um conjunto sequencial de fotografias em escala de 1:1 realizadas a partir
do próprio ambiente em que as imagens seriam expostas. Ou seja, a cada
nova mostra, as imagens eram refeitas. Colocadas sobre o chão sem qualquer
sinalização ou enquadramento, observadas a uma certa distância, eram
frequentemente confundidas com material transparente. Pela aproximação,
as imagens se diferenciavam pela materialidade e textura do suporte e
contrastavam com a madeira do assoalho fotografado.
Em ambos os casos, de Plaza e de Burgin, a especificidade e a aderência
do trabalho ao espaço da galeria revelavam a dependência de qualquer
Arte e sistema de arte [ 205 ]

trabalho de arte a um campo específico. Ao mesmo tempo, possibilitavam


uma leitura do espaço da arte não como mero receptáculo e circuito de
exibição, mas como um lugar privilegiado que elabora narrativas e referenda
e potencializa objetos singulares.
Meses mais tarde, Plaza realizou Câmara obscura no MAC/USP.
No texto que acompanhava a mostra, pode-se entender melhor seu
posicionamento sobre o tema. Para ele, a máquina fotográfica deve ser
entendida como um objeto
auxiliar da percepção, observação e pesquisa [...]. Câmara obscura
é uma metáfora da câmara escura e também das relações entre
espaços e ambientes que o espectador tem que observar, perceber e
mentalizar, se quiser decodificar o trabalho. Câmara obscura são todas
as inter-relações desses espaços e imagens rebatidas, umas contra as
outras, ora espelhando-se, ora transparentando-se, interiorizando
o exterior e vice-versa. [...] Também a comparação das imagens
rimadas ou similares, mas não idênticas, cria esta relação através das
sutis diferenças. A relação de posição no espaço e a ação de calcular,
medir, comparar, qualificar, assinalar um percurso, permite um estar
e ocupar ativamente o espaço: um uso antropológico do espaço, uma
cultura (1977, s. p.).

O título do trabalho de Plaza tampouco deixa de ter conexão com a


história da arte, já que é quase homônimo à obra Las meninas, de Velásquez,
com a pequena diferença de introdução de gênero, Os/As meninos/as.
Além da analogia com o título, a remissão ao pintor espanhol diz respeito
às ligações entre a cena pintada e o espectador localizado frente a ela em
um ponto específico de observação. Como já observou Foucault a respeito
da obra:
Dos olhos do pintor até aquilo que ele olha, está traçada uma
linha imperiosa que nós, os que olhamos, não poderíamos evitar:
ela atravessa o quadro real e alcança, à frente da sua superfície,
o lugar de onde vemos o pintor que nos observa; esse pontilhado
nos atinge e nos liga à representação do quadro. [...] o olhar do
pintor, dirigido para fora do quadro, ao vazio que lhe faz face, aceita
tantos modelos quantos espectadores lhe apareçam; nesse lugar
preciso mas indiferente, o que olha e o que é olhado permutam-
se incessantemente. Nenhum olhar é estável, ou antes, no sulco
neutro do olhar que transpassa a tela perpendicularmente, o sujeito
e o objeto, o espectador e o modelo invertem seu papel ao infinito
(1999, p. 5).
[ 206 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Se, no caso de Velásquez, os papéis são instáveis e intercambiáveis entre


observados e observadores, numa relação de envolvimento espacial, no
trabalho de Plaza essa inversão acontece apenas no plano cognitivo, pois a
interação é inferida pelo sujeito após perceber a conexão entre as fotografias
e seu entorno. O observador não interage com a cena fotografada porque
é mantido fora da equação das paralelas estabelecidas entre as imagens e o
espaço que se replicam.
Making time (2007), realizado por Tomas Struth no Museu do Prado, em
Madri, também está vinculado ao universo da fotografia como um dispositivo
que aciona questões em relação à percepção e à reflexão sobre os espaços
expositivos.1 O trabalho do fotógrafo alemão – o primeiro artista vivo a expor no
museu espanhol – possibilitava a criação de uma nova narrativa museográfica
para a tradicional coleção. Além disso, a iniciativa revelava o desejo do Prado
de se desvencilhar de uma imagem fortemente associada à identidade nacional,
favorecida pelo significativo número de pintores espanhóis em seu acervo,
como José de Ribera, Velásquez e Goya. Em época de União Europeia, é quase
inevitável a busca de um perfil mais contemporâneo e globalizado.
Normalmente, as obras do Prado são exibidas sob parâmetros
consagrados da museografia e da história da arte, priorizando padrões
geográficos e cronológicos. As obras são dispostas de acordo com seu tema,
seu autor e suas dimensões físicas. Era dentro desse contexto que a mostra
de Struth propunha um ruído na trajetória de “obras-primas”. Para isso,
foram removidas algumas pinturas de várias salas diferentes e suas fotografias
passaram então a coabitar com suportes e temas diferenciados, assim como
dividiam sem hierarquia o mesmo espaço simbólico.
A exposição obteve recepção comedida nos periódicos e na crítica
especializada. Surgiram questionamentos conservadores: por que convidar
um alemão para ser o primeiro artista vivo a expor no Prado? Por que
fotografias, suportes tão comuns, para acompanhar os exemplares da
coleção? Com a experiência da mostra, foi possível constatar que, mesmo
legitimada pela crítica e pelos museus, a participação da fotografia dentro
de um acervo tradicional recuperou igualmente antigos conceitos como o
de “obra de arte” e o de fetichização da pintura e da expressão, bem como
a questão unicidade versus cópia.

O trabalho se compunha de duas partes: a primeira, formada por 11 fotografias que ele havia
1

realizado dentro de museus, incluindo o próprio Prado, dispostas ao lado das obras da coleção
do museu; já a segunda, formada por 15 imagens, inauguraria a nova ala do Prado aberta em maio
daquele mesmo ano.
Arte e sistema de arte [ 207 ]

Não obstante as apreensões citadas, o resultado foi surpreendente até


mesmo para Struth. Ele escolheu pessoalmente os locais que receberiam suas
imagens. O conjunto englobava um ensaio feito dentro do próprio museu:
fotografias do público observando as próprias pinturas do Prado, assim como
outras tomadas realizadas ao longo de anos em museus de diferentes países.
A harmonização entre as fotografias e o acervo foi notável, pois não houve
apenas uma integração no conjunto, mas também uma provocação de
novos sentidos na disposição territorialista e biográfica do Prado. Todavia,
a adequação e a correspondência deviam-se especialmente às características
dos trabalhos de Struth: o aspecto de fotografia-quadro de largas proporções
e a primorosa apresentação formal.
Igualmente notável foi a presença de Self-portrait, alte pinakothek, que
consiste em uma perspectiva de Struth visto de costas. A ausência de
traços fisionômicos não subtrai a identificação, pois o fotógrafo observa um
autorretrato de Dürer (de propriedade do museu de Munique) e os atributos
do retrato aparecem de modo espelhado. Ou seja, se o próprio rosto deixou
de ser parte privilegiada, a opção por se apresentar pela imagem do pintor
alemão promoveu pertencimento do fotógrafo à história da arte e à tradição
alemã, acentuado ainda mais pela disposição do trabalho no Prado, colocado
ao lado de outro autorretrato do mesmo pintor.
Foram vários os encontros surpreendentes, como o ocorrido entre a imagem
realizada por Struth no Museu de Arte de Tóquio, Liberdade guiando o povo,
de Delacroix, e a obra de Goya, Os fuzilamentos: 3 de maio. Colocados frente
a frente, os dois emblemas iluministas da cultura ocidental se apresentavam
como ícones reatualizados da liberdade política. Para além da aproximação
temática, as relações estabelecidas entre um emblema da história espanhola
em solo espanhol confrontado ao quadro do pintor francês fotografado em um
museu japonês também diziam respeito ao universo contíguo entre as artes e
o mundo das ideias. A vinculação entre os processos poéticos e os processos
políticos mostra-se pertinente também no mundo contemporâneo.
Interessa a Struth se perguntar sobre o sentido desses espaços reservados
aos ícones da civilização:
O museu é um cemitério de produtos feitos pelas pessoas ou são obras
de arte que respiram e sentem e se comunicam com pessoas vivas,
contemporâneas? Minha intenção foi abarcar essa ponte entre as
obras e os visitantes e chegar a encenar com modelos vivos parte da
ação que existe nos quadros.
[ 208 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Para isso, diz ele, “utilizo uma câmera de grandes dimensões situada
no alto com um negativo de 8 x 10. Enfoco e espero para ver quem chega.
Reconheço em seguida o que quero” (apud Trenas, 2007).
Tal como no conjunto de imagens de Plaza, os trabalhos de Struth
instauram uma experiência com o espaço da arte, recolocando um olhar sobre
os códigos de recepção e os fluxos perceptivos. O próprio fotógrafo declara:
Quando comecei a expor em museus, me indaguei sobre a diferença
que existe entre os lugares que acolhem as pessoas, como aeroportos
ou centros de arte. Me perguntei como obras de arte sobrevivem como
tais, sem que lhes seja arrancada parte dessa aura que têm precisamente
pela quantidade de gente que as observa (apud Trenas, 2007).

No entanto, apesar de a fotografia servir nesses dois casos como


instrumento de análise para a realidade artística, para a moldura institucional
e para as práticas discursivas, na mostra de Julio Plaza a potencialidade
crítica ganha relevo quando as condições de objeto e de mercadoria são
fortemente negadas. O teor crítico da proposição se acentua e a conformidade
e a espetacularização passam ao largo de seus objetivos. Em contraposição,
as imagens de Struth se mantêm autônomas e participam, inclusive, de
diferentes mostras do fotógrafo. Talvez estejam demasiadamente relacionadas
com a orquestração de grandes exposições e de peregrinações massivas aos
acervos museológicos. Porém, nesse paralelo, não é demasiado relembrar
que Plaza e Struth pertencem a contextos históricos distintos e que negar
a autonomia e a comercialização da arte na década de 1970 era uma forma
de ativar a criticidade e negar qualquer sujeição ao mercado de arte.
Vinculada a esse mesmo universo de práticas em que a fotografia
promove novas leituras em acervos tradicionais está a mostra Realidades,
que ocorreu no Museu de Belas Artes de Sevilha, entre 2006 e 2007. Dessa
vez, o convidado foi o fotógrafo Pierre Gonnord. Conhecido retratista,
surpreendeu por estabelecer uma similitude entre suas personagens hodiernas
e as personagens das pinturas barrocas exibidas no museu. Lado a lado, a
proximidade entre elas possibilitava pensar que as fotografias tinham sido
realizadas a partir do acervo, o que não era verdade. De qualquer forma, o
resultado harmônico e dinâmico não deixou de ser uma lufada de ar fresco
em um conjunto de pinturas históricas. A experiência atraiu outros públicos,
além dos assíduos escolares e turistas.
Retornando outra vez à década de 1970 e às discussões diretamente
relacionadas às poéticas de caráter desmaterializado, a VI Mostra Jovem
Arte e sistema de arte [ 209 ]

Arte Contemporânea (VI JAC) pode ser colocada entre as propostas


mais radicais do período. Organizada pelo MAC2 em 1972,3 foi um ensaio
diretamente sintonizado não só com as novas práticas artísticas, como
também com algumas das mais emblemáticas exposições da história da arte
contemporânea. Partilhava, por exemplo, princípios apresentados por Live
in your Head. When Attitudes Become Form (Berna, 1968) ou, então,
Happening und Fluxus (Colônia, 1970), ambas sob a orquestração de
Harald Szeemann. Em 1972, ele também foi o responsável pela visionária
Documenta 5 de Kassel (Alemanha), que se caracterizou como uma mostra
antiforma por excelência e que, apesar de dividida em distintas partes,
colocou atitudes, processos e conceitos no centro das discussões. Essas
mostras tiveram em comum, entre outras coisas, a participação do artista no
desenvolvimento ou montagem dos trabalhos. Com isso, a formação de uma
rede internacional com vários pontos de contatos e de intercâmbios dissolve
a ideia de centros irradiadores de ideias. Assim, quando o MAC apresenta
uma prática institucional inovadora como a VI JAC, demonstra estar em
sintonia com essas perspectivas, assim como com as poéticas processuais.
Ou seja, como se verá adiante, define-se como um espaço de debate e se
arrisca com o ainda não legitimado.
Antes mesmo de se avaliar a referida mostra, é importante destacar
que a administração do professor Walter Zanini contou com a presença
dos artistas, que não só contribuíram de forma efetiva nas atividades da
instituição, como deixaram impressas suas utopias na própria história do
museu. Por isso, não havia ineditismo em se colocar no centro da atenção
os artistas. Isso era quase um desdobramento natural da política do museu,
com a diferença de que as ações deles passariam a ser os próprios trabalhos.
Já em setembro de 1972, Zanini defendeu na reunião do Comitê
Internacional dos Museus de Arte Moderna, na Polônia, a ideia de museu
como “espaço operacional”, em que a atuação deveria ser concomitante ao
fazer do artista (Boletim Informativo, 1972, n. 180). No mesmo ano, o MAC
realizou as mostras Acontecimentos e Ambiente de Confrontação, que podem
ser compreendidas como laboratórios para a VI JAC. No primeiro caso,
houve happening, performance e intervenção no próprio espaço das exposições
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC). Também se utiliza a sigla
2

MAC/USP.
As mostras para jovens artistas remontam aos primórdios do surgimento do MAC/USP. Em 1963,
3

foi criada a mostra Jovem Desenho Nacional, que se intercalava anualmente com a Jovem Gravura
Nacional. Em 1967, ambas deram lugar à Jovem Arte Contemporânea (JAC). Sua última edição
ocorreu em 1974.
[ 210 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

temporárias. Em Ambiente de Confrontação, realizou-se uma experiência de


cunho teatral no recinto da mostra. A referência dessa vez foi a peça Gracias
señor, de José Celso Martinez Correa. Desse modo, a VI JAC pode ser mais
bem compreendida também se ligada aos processos que se desdobravam
dentro das histórias de suas próprias mostras. Seus propósitos eram claros:
Deslocar a ênfase do objeto produzido para os processos de produção,
apresentando assim um largo confronto das iniciativas processuais da
linguagem contemporânea com suas diferentes cargas informacionais,
conteúdos semânticos e motivações interdisciplinares (Boletim
Informativo, 1972, n. 173).

Sua maior diferença em relação aos salões e às mostras tradicionais


diz respeito ao fato de a inclusão e a exclusão não seguirem critérios de
qualidade ou especificidade nos trabalhos. Todos que quisessem poderiam se
inscrever, fazendo jus a uma máxima do período que sustentava que qualquer
indivíduo poderia ser um artista. Assim, a escolha deu-se por sorteio, haja
vista a pertinência de alguma subtração, pois nem todos os interessados
poderiam participar. Outra mudança refere-se à disposição do espaço, pois
o museu não colocou seu próprio espaço físico para a realização do evento.
A extensão destinada às mostras temporárias foi delimitada e entregue
aos contemplados. Assim, ao menos em tese, cada sorteado receberia um
lote dentro do museu e desenvolveria seu trabalho no prazo de duas semanas,
dentro dessa delimitação espacial.4
A inexistência de qualquer critério na seleção dos trabalhos ou dos
participantes dava lugar à possibilidade do surpreendente. As propostas
sorteadas também poderiam apresentar riscos, sobretudo porque o MAC
se colocava numa posição mais receptiva do que ativa. Walter Zanini não
deixou de percorrer diariamente o evento, tentando abrandar ânimos e
aplacar ações que apresentavam algum tipo de perigo, tanto ao acervo como
ao prédio. Alguns exemplos podem dar ideia da borbulhante atmosfera dessa
inusitada experiência.
Animais vivos e mortos estiveram por lá. Paulina Rabinovich e Roberto
Smith cercaram com tela o espaço do lote que receberam e inseriram nele 25
galinhas new hampshire. Já Paulo Fernando Novaes apresentou Boi encantado,
que consistia na apresentação de uma peça de carne de 30 kg sobre uma
mesa colocada no lote. A ideia era apresentar o processo de putrefação da
Os alunos do curso de Comunicação Visual da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), sob
4

coordenação do professor Laonte Klawa, dividiram o espaço de 1.000 m2 das exposições temporárias
em 84 lotes. Foram recebidas 210 inscrições. Cf. Jaremtchuk (1999).
Arte e sistema de arte [ 211 ]

carne no lugar da própria arte em processo. Para diminuir os desagradáveis


efeitos olfativos, aplicava-se diariamente uma injeção de formol. Mas isso
não foi suficiente para minimizar a deterioração, o que provocou a elaboração
de um abaixo-assinado entre os participantes da JAC pedindo a remoção
do trabalho. O fato não deixou de promover outra mobilização, daqueles
que eram solidários ao autor, mas, como era de se esperar, eles não foram
atendidos. No entanto, antes da remoção da carne, alguns artistas decidiram
assar e ingerir parte dela, utilizando um fogão presente em um dos lotes no
museu. Tal fato causou acalorado debate e o autor do trabalho manifestou sua
indignação publicamente, qualificando o ocorrido como ação desrespeitosa
à sua proposição.
O clima frenético identificado na VI JAC não deixa de apresentar
conexão com o momento político brasileiro. Naquele período, qualquer
manifestação coletiva ou mesmo individual era inviável devido às restrições
colocadas pela ditadura civil-militar. Assim, muito do que ocorreu no MAC
pode significar insatisfação e até mesmo extravasamento de emoções. As
ações que ali ocorreram podem ser mais bem compreendidas se tivermos
como horizonte o momento específico da vida política, em que as insatisfações
deveriam ser contidas e controladas na vida pública.
Dentro da diversidade do que se viu naquelas duas semanas, a proposta
Incluir os excluídos, desenvolvida por Lydia Okumura, Genilson Soares e
Francisco Inarra, destaca-se por ter valorizado o espírito colaborativo. Esse
grupo foi bastante ativo no período e não somente se apresentou no MAC
diversas vezes, como na Bienal e em outros museus de São Paulo e do Rio
de Janeiro. Na apresentação de propostas para a VI JAC, Arthur Luiz Piza,
Jannis Kounellis, Jean Castex e Sérvulo Esmeraldo não foram sorteados.
Okumura, Soares e Inarra tomaram para si a empreitada de desenvolver as
propostas enviadas por eles. O trabalho de Jannis Kounellis, por exemplo,
consistia na execução intermitente da peça Va, Pensiero, Sull’Ali Dorate, de
Verdi. Os pianistas Carole Gubernikoff e Manuel Paiva se revezavam na
tarefa. O resultado tornou-se insuportável, não apenas pela péssima acústica
do pavilhão do Ibirapuera, mas, sobretudo, pela intermitência do som. Para
Zanini (1999), a execução se transformou em algo paranoico. Já para muitos
outros presentes, a repetição tornava-se uma tortura alucinante.
Uma discussão em que cada ocupante do espaço comentasse sua
experiência havia sido prevista para depois do término das duas semanas
destinadas ao desenvolvimento de processos nos lotes. Seria uma
[ 212 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

oportunidade para um balanço dos acontecimentos, sobretudo porque foram


inúmeros os desentendimentos, assim como muitas atividades foram mal
compreendidas e até confundidas com ações cotidianas. Em carta a Hélio
Oiticica, Zanini afirmou que
uma parte da imprensa não entendeu a exposição/manifestação.
Acharam que o que os rapazes e moças fizeram era brincadeira. Um
cara do Estado achou lindo uma senhora tocar piano: era a proposta
de Kounellis. Havia uma forte integração no sociológico que muitos
não perceberam. Foi forte, dramático, no conjunto. Vai trazer
consequências (1972).

Observando a documentação produzida pelo museu, é possível dizer que


nem todos os participantes tiveram maturidade suficiente ou compreenderam
as dimensões da mostra. Vários trabalhos refletiram de modo ingênuo
as proposições, assim como muitos desrespeitaram regras básicas, como
delimitar o trabalho às dimensões do lote recebido e não estendê-lo às áreas
do museu. Das inúmeras ações desenvolvidas, para os que observavam de
longe, era quase impossível discernir as atividades. A própria configuração do
evento era pouco atrativa para os críticos de arte, que não se dispuseram a um
acompanhamento diário. Dito de melhor forma, como a característica central
dessa experiência foi o tempo, que por si só não pode se objetivar, também o
controle e a especulação da recepção tradicional eram impraticáveis.
Portanto, se a VI JAC não ocorreu conforme o planejado ou não promoveu
os efeitos desejados, não deixou de contaminar as subsequentes atividades
do MAC. As mostras temporárias que ocorreram em seguida, como as duas
outras edições das JACs, a Prospectiva e a Poéticas Visuais, assim como as
duas edições da Bienal de São Paulo (de 1981 e 1983),5 todas organizadas por
Zanini, colocam-se como práticas curatoriais críticas às convenções. A esse
respeito, também foram significativas as experiências que utilizaram a fotografia
como dispositivo de análise dos espaços da arte e de suas práticas discursivas.
Se pensarmos, como Zygmunt Bauman (1999, p. 90), que a sociedade
de consumo promove o esquecimento e não o aprendizado porque abole a
durabilidade, talvez esse conjunto de exposições e trabalhos que colocam
o tempo e os processos como questões centrais possa ser compreendido
como forma de resistência a essa condição da sociedade contemporânea. E,
obviamente, essas exposições e trabalhos não deixam também de se opor à
espetacularização, tão em voga no circuito das artes de hoje.
Essas duas edições das bienais, além de trazer novamente credibilidade ao certame, foram
5

organizadas sem critérios geopolíticos ou representações nacionais.


Arte e sistema de arte [ 213 ]

Referências
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1999.
BOLETIM INFORMATIVO. São Paulo, 1o jul. 1972, n. 173.
------. São Paulo, 13 set. 1972, n. 180.
CHEVRIER, Jean-François. La fotografía entre las bellas artes y los medios de comunicación.
Barcelona: Gustavo Gili, 2006.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São
Paulo: Martins Fontes, 1999.
JAREMTCHUK, Dária. Jovem arte contemporânea no MAC da USP (dissertação).
ECA/ USP, 1999.
PLAZA, Julio. Câmara obscura. Exposição. 3-5 set. 1977. Espaço B, MAC/ USP.
TRENAS, Mila. “El fotógrafo Thomas Struth, primer artista vivo que entra con sus
obras en el Museo del Prado”. El Mundo, 6 fev. 2007 (disponível em http://www.
elmundo.es/elmundo/2007/02/06/cultura/1170785434.html).
ZANINI, Walter. Carta de 3 de novembro de 1972 a Hélio Oiticica em Nova Iorque,
1972.
------. Depoimento concedido à pesquisadora em São Paulo, 12 abr. 1999.
[ 214 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Localização e deslocamento
da obra de arte no contexto
de exposição

Elisa de Souza Martínez


Unb

Every exhibition responds to a situation at a given moment. Each


one needs to be seen in its specific temporal context and, since it
consists of a collection of objects and artifacts, each exhibition is a
very different thing from a theoretical discourse or a set of intellectual
abstractions, although it may be influenced by these.
Jean-Hubert Martin

A interpretação de uma obra de arte é contextual e pressupõe uma


disponibilidade recíproca: de ver e de ser visto. Podemos afirmar que
olhar é um ato de escolha, que se realiza a partir da disponibilidade dos
objetos aos sentidos. Se acreditarmos que a escolha do olhar é unilateral,
teremos de considerar que, no processo interpretativo, quem olha tem
precedência sobre o que está ao alcance de sua percepção. Entretanto,
o processo interpretativo ocorre em um espaço no qual o significado da
obra se configura. Se considerarmos ainda que cada obra é percebida em
uma situação na qual suas qualidades são relacionadas às predisposições
interpretativas circunstanciais e provisórias de um sujeito que a olha, bem
como às qualidades do ambiente em que é percebida, afirmamos que o
resultado do processo interpretativo, apreensão do significado da obra, é
sempre provisório.
Ainda que o quadro inicial pareça inviabilizar qualquer tentativa de
inventariar um conjunto de fatores que agem sobre o processo de significação
de uma obra de arte, nossa abordagem busca traçar o modo pelo qual aspectos
contextuais agem sobre esse mesmo processo.
O conjunto de elementos que constitui o espaço em que as
qualidades da obra são percebidas configura, na interpretação de seu
Arte e sistema de arte [ 215 ]

significado, uma moldura institucional. Essa afirmação nos conduz


a um questionamento: o fenômeno artístico pode ter sua origem em
circunstâncias ou contextos externos ao sistema de arte? Caso seja
possível, a que condições deve atender para ser admitido no sistema de
arte? Prosseguimos na cadeia especulativa que irá nortear nossa reflexão
introduzindo aqui mais um aspecto pressuposto na percepção da obra
no contexto expositivo: sua inserção é decorrência de uma escolha. A
decisão configura um modo pelo qual a posição da obra se insere em
um formato institucional e um discurso sobre a arte a ser apresentado
ao público. A amplitude conceitual com a qual algumas exposições
paradigmáticas e até mesmo transgressoras têm sido realizadas a partir
da década de 1980 está apoiada em projetos curatoriais que abrangem
acervos cujas fronteiras não se definem a partir das coerções do sistema
de arte consolidado pela tradição.
A abrangência da circulação de ideias sobre o campo da arte e a
capacidade inesgotável que o sistema de arte possui para incorporar propostas
e formatos ao seu domínio tornam quase impossível falar, nos dias de hoje,
em arte que não seja institucional. A ampliação das fronteiras coercitivas da
prática artística se manifesta em revisões da história, da crítica e, sobretudo,
daquela mesma prática. As fronteiras se autodefinem como provisórias ou
temporárias. Cada nova obra crítica ou historiográfica que é publicada
contribui para a afirmação da arte como um estado resultante de um olhar
que permanentemente se desloca ao redor de um objeto, sendo esse, por sua
vez, circunstancial e efêmero.
A obra de arte é vista em uma determinada situação de exposição.
No ateliê do artista, no museu ou no livro de história da arte, entre
outras possibilidades, a obra é interpretada no contexto em que é vista.
Seria possível definir um local ideal em que a obra seja apreciada em
sua plenitude? É o ateliê, que a contextualiza a partir de relações de
parentesco com os demais objetos criados por seu autor? Se na atualidade
o ateliê não corresponde necessariamente a um espaço físico íntimo do
artista, mas sim ao local no qual o processo e a execução da obra são
desencadeados, todas as nossas considerações sobre o espaço de criação
devem contemplar também as situações em que esse é, muitas vezes,
inacessível. Seria esse o espaço em que a obra está livre das projeções
interpretativas de quem a vê no mundo? Por outro lado, algumas
obras só existem em uma situação única e, devido à condição de site
[ 216 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

specificity, deixaram de existir.6 Nesses casos, sobrepõem-se as instâncias


de concepção, confecção e exposição de modo definitivo e único.
Existem também obras confeccionadas a partir de processos nos quais a
participação de agentes externos – que não são necessariamente pessoas – é
prescrita pelo artista para que a obra se realize. O tempo de execução da obra,
bem como o espaço de sua gênese, extrapola a situação do ateliê e engloba
as situações de exposição em que é percebida. Ainda que nesses casos a
precedência autoral do artista seja camuflada, ela subsiste no encadeamento
de ações previstas. A obra que resulta do processo colaborativo do público
também reflete as contingências institucionais que influenciam o processo
de significação. A partir do momento em que tratamos das instituições da
arte, o processo criativo é sempre institucionalizado.
Para pensar na obra de arte em situação pública, é preciso distinguir as
condições e as características de sua localização no espaço institucional.7
Cada situação expositiva constitui uma combinação de fatores que motivam
percursos interpretativos únicos, irreiteráveis. Quando a obra é deslocada do
local de criação e realização para o de exibição, ela e sua interpretação são
atualizadas em relações espaciotemporais elaboradas por quem a vê. Nesse
caso, consideramos a visão um sentido que precede os demais no processo
interpretativo de uma obra de artes visuais. Entretanto, esclarecemos que
a visão, em alguns casos, pode estar em segundo plano ou até mesmo ser
irrelevante,8 ao admitirmos que a obra de arte é atualizada por meio de
um processo interpretativo que não se repete; portanto, ela se encontra
permanentemente exposta em uma situação única – porque vista como

Para exemplificar essa afirmação, podemos citar o trabalho Spiral jetty, de Robert Smithson, que
6

atualmente existe apenas em registros fotográficos. A elevação do nível da água, que passou a
cobri-lo e, consequentemente, ocultá-lo, é um dado que passa a compor a existência da obra no
seu próprio tempo após o momento de conclusão estabelecido pelo artista. No Brasil, do evento
em que as 14 Trouxas ensanguentadas (T.E.) de Artur Barrio foram encontradas no Parque Municipal
de Belo Horizonte, só existe a documentação fotográfica. O trabalho, realizado em 20 de abril
de 1970, é reconstituído hoje pelo conjunto de fotografias acompanhadas de um relato no qual o
artista descreve a preparação, a colocação das trouxas, a chegada das pessoas que as descobriram
e as intervenções da polícia e do corpo de bombeiros no local.
A publicação recente dos livros de Douglas Crimp (1993) e Brian O’Doherty (1999) em português
7

ocorre com um certo atraso. As ideias de Crimp sobre a hegemonia de um modelo expositivo
implantado pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e as de O’Doherty sobre o papel do
espaço da galeria na valorização das qualidades plásticas da obra exposta antecedem a criação
de instituições e a realização de eventos internacionais que ampliam o repertório de situações
institucionais paradigmáticas. Embora possa parecer uma obra recente, esse livro de Crimp está
apoiado em seu trabalho crítico sobre o mesmo tema publicado anteriormente, do qual destacamos
“The postmodern museum” (1987).
Naturalmente, essa ressalva deve ser avaliada caso a caso.
8
Arte e sistema de arte [ 217 ]

um fenômeno. A seguir, identificamos um elenco mínimo de questões que


podem influenciar nosso modo de perceber e compreender a arte tendo em
vista uma certa variedade de contextos espaçotemporais.

1
Partindo do princípio de que o processo de significação desencadeado
na situação em que a obra de arte é exposta ao público tem como um de seus
componentes sua localização, é necessário distinguir diferentes maneiras de
caracterizar o contexto espacial de um fenômeno artístico. Esse contexto
espacial para a obra pode ser configurado a partir de diferentes fatores:
o espaço expositivo no qual é vista, a procedência geográfica de seu autor ou o
espaço institucional a que esse e sua obra pertencem no sistema da cultura.
Esses fatores não são mutuamente excludentes e podem ser combinados em
gradações variáveis conforme o enfoque da interpretação.
O local em que a obra é exposta sobredetermina, em uma dimensão
sensorial, sua interpretação. O desenho de uma exposição tem por objetivo
criar hierarquias, produzir destaques, relacionar, subordinar, contrastar ou
romper com as expectativas de associação da obra a um local predeterminado
na história da arte. Esses efeitos de sentido constituem a imagem da instituição
na qual a obra é exposta e o discurso curatorial em que sua pertinência é
contextualizada. O conjunto de valores imperantes na instituição expositora
não é, necessariamente, afirmativo de uma abordagem tradicionalmente
consolidada pela história da arte. Sua missão pode ser expor o paradoxo, gerar
polêmica ou criar um posicionamento divergente em relação à abordagem
das demais instituições.
As decisões tomadas para caracterizar o ambiente em que a obra é
exposta são estratégias para produzir efeitos de sentido. A configuração do
lugar determina o modo pelo qual os valores institucionais são transmitidos
a quem vê a obra. A aparência do lugar gera e reflete uma identidade
institucional. Isso pode ser constatado na visitação tanto às coleções
permanentes dos museus quanto a mostras temporárias. A identidade de
uma instituição é marcada por meio de seus elementos físicos, ainda que esses
não tenham como finalidade produzir uma unidade estilística homogênea.
A coleção dos museus Castro Maya, no Rio de Janeiro, ao mesmo
tempo em que reflete o ecletismo e o cosmopolitismo do gosto modernista
no Brasil, relaciona-se a um modo de colecionar existente há vários séculos,
típico da nascente burguesia da Europa ocidental no século XV. Distribuída
[ 218 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

entre duas residências do colecionador – o Museu do Açude e o Museu da


Chácara do Céu –, a coleção de Raymundo Ottoni de Castro Maya (1894-
1968) abrange períodos e regiões que compõem, simultaneamente, o gosto
pelo antigo,9 pela arte de seu tempo10 e pelo exótico.11
Sobre o hábito de colecionar antiguidades, ainda que documentos
antigos demonstrem que já existiam, no período helenista, colecionadores
que valorizavam os objetos da Grécia arcaica, é na Renascença italiana
que podemos encontrar personalidades determinadas a formar acervos que
fomentariam o estudo e, por meio desse, o renascimento do espírito antigo em
seus contemporâneos. As coleções eram formadas por objetos que, ao serem
considerados exemplares, deveriam ser fonte de estudo e inspiração para a
criação artística. Além disso, a extensão dos horizontes de um colecionador
demonstrava seu cosmopolitismo.
No caso de Castro Maya, tanto o Museu do Açude quanto o Museu da
Chácara do Céu têm ambientações para a exposição da coleção permanente
que proporcionam ao visitante certa intimidade com um modo de ver obras
e objetos de arte em espaços que preservam uma aparência doméstica.12 São,
em certa medida, casas-museu, que se caracterizam como um prolongamento
da imagem de seu proprietário e expressam um modo de vida excêntrico.13
Outro exemplo desse tipo de instituição encontra-se na sede da Fundação
Maria Luisa e Oscar Americano, em São Paulo, onde há uma proposta
semelhante à do Museu do Açude: a preservação do patrimônio artístico
tem tanta relevância quanto a preservação do patrimônio natural do terreno
em que a casa é construída.14
9
No Museu do Açude, encontra-se uma coleção de azulejaria holandesa, espanhola e portuguesa
dos séculos XVII ao XIX.
10
O papel de mecenas é atribuído a Castro Maya por sua atuação na Sociedade dos Cem Bibliófilos
do Brasil, criada em 1943, na Sociedade dos Amigos da Gravura, fundada em 1952, e no Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro, fundado em 1948, do qual foi o primeiro presidente.
11
Isso pode ser comprovado na coleção de arte oriental, com objetos da China, da Índia e do Vietnã.
12
Sobretudo no Museu da Chácara do Céu, em que os ambientes da sala de jantar e da biblioteca
foram mantidos como se ainda fossem utilizados pelo morador da casa.
13
No século XVI, os comportamentos de apreciar e colecionar eram considerados indispensáveis para
a formação do que hoje denominaríamos um homem do mundo. Havia tratados que ensinavam aos
cavalheiros como proceder, dos quais se destacam as lições de Sabba da Castiglione (1480-1554)
sobre os diferentes tipos de gabinete que uma residência deveria ter, conforme o gosto pessoal
de seu dono.
14
Criada em 1974, tendo suas portas abertas ao público em 1980, a Fundação Maria Luisa e Oscar
Americano possui um acervo de pinturas dos séculos XVII a XX, mobiliário, objetos de decoração
e arte sacra brasileira do século XVIII. De acordo com seu site, a amplitude do acervo é creditada
ao “sentimento de brasilidade que nele está presente” (cf. http://www.fundacaooscaramericano.
org.br/fundacao20a.html).
Arte e sistema de arte [ 219 ]

Ainda que a vida íntima do colecionador não seja exposta ostensivamente


como as obras de arte e os objetos, é possível ver como a escolha de alguns
itens da coleção tem relação com o desenho e a decoração do espaço em que
são preservados. Para valorizar a pertinência de coleções como a de Castro
Maya, é preciso admitir que os critérios para a formação de uma coleção não
são universais, seja essa reunida para deleite de um proprietário extravagante
ou para a educação pública de uma nação. Assim como podemos diferenciar
entre coleções privadas – sejam elas expostas nas páginas das revistas de
decoração ou em residências históricas abertas à visitação pública –, também
as coleções públicas dos grandes museus e seus projetos museográficos podem
ser comparados na busca de um repertório de tipologias museográficas.15

2
Em 1996, a Pinacoteca do Estado de São Paulo realizou, no Palácio
do Planalto, em Brasília, a exposição Expressões do Corpo. Tratava-se de
uma mostra de esculturas de Auguste Rodin (1840-1917), Bruno Giorgi
(1905-1993), Ernesto de Fiori (1884-1945), Victor Brecheret (1894-1955)
e Francisco Leopoldo e Silva (1879-1948). O evento comemorava a recente
incorporação de sete esculturas de Rodin ao acervo da Pinacoteca.16 O
Palácio do Planalto é um dos prédios mais representativos da arquitetura
modernista de Oscar Niemeyer e faz parte do conjunto arquitetônico da
Praça dos Três Poderes. No conjunto de obras expostas com ênfase no corpo
humano, que, segundo o autor do projeto, deveria “servir como mote para
uma discussão mais ampla sobre a escultura brasileira” (Araújo, 1995), a
decoração dos elementos da montagem contrastava com a arquitetura do
Palácio, arrojada e sem adornos. Na montagem, cada uma das esculturas foi
colocada sobre pedestal branco com frisos nas bordas. Além de introduzir
na amplidão do saguão do Palácio uma escala diferenciada, os pedestais e
painéis se destacavam no percurso de visitação. Os elementos utilizados
na montagem das esculturas na sede da instituição em São Paulo foram
O termo museografia é utilizado aqui para que possamos tratar o modo específico com qual um
15

projeto museológico é implementado. Assim, contém os aspectos materiais da configuração de


uma instituição: suportes expositivos, sinalização, iluminação, bem como recursos que garantem a
proteção das obras e a circulação do público. Inclui também recursos didáticos e material impresso
de apoio à visitação.
Segundo Emanoel Araújo (1995), a mostra foi concebida para “celebrar o Projeto Rodin entre a
16

Associação dos Amigos da Pinacoteca e o Banco Safra na aquisição de cinco esculturas de Auguste
Rodin para o acervo da Pinacoteca do Estado, apoiado pela Lei de Incentivo à Cultura do Ministério
da Cultura, fato importante e pioneiro na compra de obras para o acervo do museu”.
[ 220 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

transpostos para o Palácio, modernista. Em vez de marcar o modernismo da


escultura, de Rodin a Bruno Giorgi, a montagem se caracterizava por uma
aparência tradicionalista. O contraste ficava ainda mais evidente para o
visitante, que via pelo vidro da fachada do prédio a escultura de Bruno Giorgi
na Praça dos Três Poderes. Essa obra, incorporada há décadas à ocupação
informal do espaço da Praça, está fixada diretamente no chão, sem qualquer
tipo de base ou pedestal.
Com a finalidade de estabelecer “uma linha de continuidade entre a obra
do grande mestre francês Rodin e a produção dos quatro artistas brasileiros”
(Weffort, 1995), a exposição situava um passado por meio dos elementos
da montagem: os frisos dos pedestais e as fotografias em preto e branco17
marcavam uma ambientação tradicionalista. Algumas das fotografias nos
mostravam obras de Rodin em execução, no ateliê, e proporcionavam ao
visitante da exposição a possibilidade de vê-las na situação em que foram
criadas, há aproximadamente cem anos.
Apresentavam-se, portanto, dois caminhos. Ao compreender a
antiguidade do processo técnico da escultura em bronze, relacionava-se
ao conjunto de obras exibidas na exposição e na Praça dos Três Poderes
uma tradição artística de vários séculos. Reunidas em torno de um tema
comum – o corpo humano –, as obras expostas exemplificavam diversos
graus de aderência ao exemplo deixado por Rodin. Se considerássemos
apenas o tema e a técnica como elementos unificadores do conjunto, a
exposição era clara. Se, entretanto, buscássemos no grupo de escultores
brasileiros a continuidade – ou o desdobramento adaptado à tradição
nacional – do tratamento dado por Rodin à forma humana, sobretudo na
relação parte/fragmento em que explorou os limites do equilíbrio formal
e físico da estrutura dinâmica, o conjunto não sustentava a proposta
curatorial. Se considerássemos que a fachada envidraçada do Palácio do
Planalto proporcionava ao visitante uma continuidade entre a situação
expositiva e a Praça dos Três Poderes,18 onde as esculturas participam

Realizadas sob encomenda de Rodin, são, segundo Pinet, as imagens de “um mundo inanimado, pois
17

em nenhuma dessas imagens se vê a equipe de artesãos que trabalham no ambiente do escultor:


moldadores, ampliadores, práticos são excluídos das imagens e, consequentemente, do imaginário.
Essas fotografias que não guardam qualquer traço da presença humana sustentam o mito do artista
solitário, do demiurgo isolado do resto do mundo, e parecem proclamar bem alto: ‘É ele, e apenas
ele, que é a origem desse universo’” (2001, p. 141).
Nessa Praça, além de Os guerreiros (1959), de Bruno Giorgi, encontramos as esculturas Herma de
18

Tiradentes (Bruno Giorgi, 1986), A justiça (Alfredo Ceschiatti, 1961), Herma de Israel Pinheiro (Honório
Peçanha, s. d.), Cabeça do presidente JK (José Alves Pedroza, 1960) e A pomba (Marianne Peretti).
Arte e sistema de arte [ 221 ]

do cotidiano da cidade, seria ainda mais evidente o contraste entre a


montagem no saguão do Palácio e o despojamento da instalação das
esculturas a céu aberto.19 A opção por um determinado estilo de montagem
marcou a identidade institucional da Pinacoteca do Estado de São Paulo20
no segmento transplantado temporariamente para Brasília.
Se considerarmos as diferenças arquitetônicas e as respectivas identidades
institucionais, como conciliar a Pinacoteca e o Palácio? A Pinacoteca é a
instituição cujo valor está associado à antiguidade e à tradição de sua história,
sobretudo quando comparada à do Palácio do Planalto. A tradição é também
o valor que perpassa a escolha do tema – a figura humana – e a técnica – a
escultura em bronze – que nortearam o projeto de exposição de Emanoel
Araújo. A caracterização do ambiente por meio de um elenco de soluções
formais tradicionais despertaria no público um interesse por informações
a respeito da ancestralidade do modernismo com o qual cotidianamente
convive em Brasília?
O saguão do Palácio do Planalto não é uma galeria. Embora tenha um
acervo de obras de arte, esse não é acessível ao público. Cada obra está
instalada em um local do prédio, em que pode ser vislumbrada apenas nas
imagens de divulgação de cerimônias oficiais. Não há, portanto, um formato
convencional para a montagem de exposições ali. Portanto, a iniciativa da
Pinacoteca não poderia ter sido comparada a outras, uma vez que não tinha
antecedentes.

3
A configuração neutra do ambiente expositivo é um recurso para
minimizar e até mesmo anular a tensão produzida pela presença das obras
de arte e seus respectivos vínculos aos contextos em que foram produzidas.
O universalismo proclamado pelo pensamento modernista, se considerarmos
a longa história da produção de bens artísticos pela humanidade, é uma
tendência recente e que parece estar próxima do fim na medida em que as
recentes discussões em torno da relação global/local têm se multiplicado no
campo da arte.

A escultura de Bruno Giorgi é o local preferido pelos turistas para compor o cenário de suas
19

fotografias na Praça dos Três Poderes. Como uma imagem-símbolo de Brasília, Os guerreiros são
reproduzidos em vários materiais e formatos por artesãos locais e adquiridos em lojas de souvenir
espalhadas pela cidade.
O primeiro museu da cidade de São Paulo.
20
[ 222 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Há uma tensão entre a abordagem formalista e a interpretação do


conteúdo da obra de arte vinculado a um contexto de origem externo à
exposição. Desde o início do século XX, o contato de artistas como Paul
Gauguin (1848-1903) e Pablo Picasso (1881-1973) com objetos provenientes
de culturas primitivas tem sido admitido na história da arte como a
incorporação de novas soluções formais. Ainda que essa abordagem esteja
condizente com as intenções dos artistas, o olhar que se lança aos objetos
que são matéria-prima para investigações formais ignora a existência de
outras qualidades, pertinentes a funções que esses mesmos desempenham nos
contextos socioculturais em que foram criados. Na história da arte, os objetos
primitivos são valorizados apenas por terem contribuído para a expansão do
repertório de soluções formais consideradas, assim, primitivistas. Quando a
exposição Primitivism in 20th century art: affinity of the tribal and the
modern foi realizada no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA)
em 1984,21 o que se considerava inédito não era apenas justapor a obra de
artistas como Constantin Brancusi (1876-1957), Emil Nolde (1867-1956),
Paul Klee (1879-1940), Alberto Giacometti (1901-1986) e Henry Moore
(1898-1986) às suas “fontes” primitivas, muitas das quais eram objetos
pertencentes a coleções particulares dos artistas. A contextualização era
feita de tal modo que nos parece colocar os pintores e escultores europeus
como os credores de uma dívida eterna: são eles os benfeitores da inclusão
do “outro” no espaço institucional do MoMA.22
O objeto proveniente do contexto tribal é primitivo porque guarda
ainda um conjunto de qualidades que não são pertinentes em uma análise
eminentemente formalista. Serve para alguma coisa, tem um uso específico
muitas vezes determinado por um ritual no qual é um adereço ou objeto
mágico necessário para o êxito da performance de quem o utiliza. No museu,
é descontextualizado a ponto de, desprovido de função mágica, ser objeto
unicamente da apreciação estética. Embora haja uma diferença entre a
maneira pela qual Gauguin talhou objetos em madeira para parecerem
primitivos e a realização das esculturas de Henry Moore com um resultado
primitivista, nenhum dos dois escultores foi orientado por uma necessidade
que não fosse essencialmente plástica. Consequentemente, ambos foram

Após a montagem no MoMA, a exposição também foi realizada no Detroit Institute of the Arts e
21

no Dallas Museum of Art, ambos nos Estados Unidos. Entretanto, o foco de todas as críticas é a
exposição realizada no MoMA.
Organizado por William Rubin, diretor da exposição, o catálogo possui textos de Kirk Varnedoe,
22

diretor assistente da exposição, Donald E. Gordon e Rosalind Krauss, entre outros.


Arte e sistema de arte [ 223 ]

igualmente inseridos na exposição do MoMA. A aproximação é estilística e a


perspectiva etnológica é, nesse contexto, irrelevante. Diante dessa exposição,
que glorificava a universalidade formal em detrimento das relações que se
estabelecem entre os objetos e os modos de vida dos povos que os criaram,
Thomas McEvilley pergunta:
Após cinquenta anos [desde a publicação do livro Primitivism in modern
painting, de Robert Goldwater] de convívio com as relações dinâmicas
entre objetos primitivos e modernos, não estamos prontos para começar
a entender as intenções reais das tradições nativas, para finalmente
permitir que essas culturas silenciadas nos falem diretamente (1984,
p. 59, tradução minha)?

Objetos reunidos em uma mesma exposição, pertencentes a tradições


culturais independentes, instauram uma relação polêmica ao evidenciar
um vínculo entre o sistema de valores artísticos declaradamente neutros e
o contexto ideológico a que estão, de fato, subordinados.
Sobre o confronto entre tradições artísticas, existe uma extensa produção
bibliográfica que tem fundamentado a revisão crítica da história da arte
eurocêntrica. Ainda que alguns desses textos não apresentem uma abordagem
que possa substituir a referência historiográfica sedimentada por meio de uma
rede de instituições oficiais e agregados circunstanciais como debates públicos
e periódicos, seu papel pode ser constatado na ampliação do repertório de
questões que passaram a compor o debate sobre arte e contexto artístico.

4
Quando analisamos a dimensão espacial nas exposições, consideramos
não apenas a configuração do espaço em que as obras são vistas, os
enquadramentos da visão, mas também a relação entre os territórios
geopolíticos de onde procedem. Nesse aspecto, consideramos que, tanto
nas exposições permanentes dos acervos dos museus e suas expografias
paradigmáticas quanto nas exposições temporárias, os vínculos dos objetos
de arte com os contextos de procedência não são totalmente apagados.23
Talvez esse aspecto se torne mais evidente quando analisamos as exposições
temporárias nas quais ao contexto original de produção da obra é acrescido
outro, que pode até mesmo suplantá-lo: o local institucional ao qual a obra
Ainda que o objetivo central tenha sido demonstrar a existência de “afinidades” entre a pintura Still
23

life of masks, realizada por Emil Nolde em 1911, e a cabeça humana transformada em troféu pelos
índios munduruku do Brasil, da coleção do Museum für Völkerkunde, em Berlim, o parentesco
entre os objetos era apenas formal.
[ 224 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

pertence. Além disso, a reunião de um conjunto de objetos ou obras de arte


de procedências variadas pode suscitar questionamentos quanto ao seu real
parentesco artístico, como ocorreu na exposição organizada por William
Rubin, uma vez que já não é imprescindível atestar uma origem no campo
institucional da arte para que algo seja legitimado nesse mesmo território.
Os territórios da arte são demarcados a partir de fronteiras que excluem
objetos cuja função predominante não é estética. É uma fronteira instável e
recente na história das instituições museológicas. O motivo principal de sua
instabilidade é o que permite compreender a abrangência de projetos curatoriais
que, sobretudo desde meados da década de 1980, têm reunido conjuntos de
objetos cujas procedências definem concepções de arte incompatíveis.
Na história da humanidade, as coleções tornaram-se objeto de
curiosidade por diversas razões. As coleções dos templos da antiguidade24
eram visitadas por peregrinos e turistas que buscavam conhecer as obras
mais primorosas realizadas pelos célebres escultores gregos. Essas obras, assim
como os demais objetos, estavam relacionadas ao culto de divindades. O
interesse público por obras de arte no final do século XX é, segundo Bazin
(1967), semelhante ao da Roma antiga. Com o fim do Império Romano, o
espírito público em relação às obras de arte e aos tesouros entrou em declínio
e somente a partir do século XVIII passou a ser lentamente recuperado.
São também da antiguidade os registros mais remotos sobre a formação de
coleções com o espólio das conquistas dos povos, sobretudo com as pilhagens
sofridas pelos gregos sob o domínio romano.25 A adoração de imagens e
objetos não havia sido totalmente abandonada quando as ordens religiosas
da Idade Média começaram a formar vastas coleções ou tesouros. Surgiram
também nas cortes laicas da Europa coleções que reuniam esculturas, objetos

A lenta acumulação de ex-votos nos templos da Grécia antiga pelos devotos é considerada a
24

origem dos acervos de obras de arte. Como atividade integrada a um sistema no qual as coleções
estavam sob os cuidados do guardião do templo, responsável pelo inventário e pela manutenção
de um conjunto de objetos heterogêneo, esses acervos continham obras executadas pelos mais
importantes artistas da Grécia. Os inventários, realizados por um hieropei responsável pelos
tesouros do templo, continham, entre outras informações, dados sobre a nacionalidade do doador
(Bazin, 1967, p. 12).
Foi por meio da conquista da Grécia no século II a.C. que os romanos adquiriram o gosto por
25

obras de arte. O espólio da guerra, depois de ser exposto à multidão em procissões triunfais, era
distribuído pelos templos ou comercializado entre ricos colecionadores. As coleções privadas
incluíam: cópias ou originais de esculturas gregas, objetos de ouro ou prata, marfim ou casco
de tartaruga, móveis de bronze, cedro, cipreste, arbovitae ou maple, tapetes orientais tecidos
com fios de ouro, e baixos-relevos. Os templos, abarrotados de objetos, transformavam-se em
lojas de curiosidades. O segundo marco importante na formação das coleções foi a realização
das Cruzadas.
Arte e sistema de arte [ 225 ]

de arte26 e livros preciosos. Na Ásia, tesouros foram também acumulados


no Islão, na China e no Japão. Vistas como tesouros a serem preservados, as
coleções eram protegidas dos riscos da guerra e depositadas em locais seguros
que em nada se assemelhavam aos museus27 de hoje.

5
Embora seja imprescindível admitir que há uma história da arte
eurocêntrica, a realização de exposições temporárias ou permanentes nos
museus tem tornado evidente que não há um conjunto homogêneo de
cânones artísticos ou um paralelismo universal entre as tendências artísticas.
A apropriação de qualidades estéticas atribuídas a obras do passado ou a
objetos produzidos por outras culturas, bem como a busca por exemplos a
serem admirados ou motivos que, copiados, serviriam para a renovação de
estilos artísticos, não é exclusiva da arte do século XX em diante. Ainda
que seja atribuída à Idade Média a preferência por colecionar tudo o que
estivesse relacionado às vidas de Cristo, da Virgem Maria e dos santos,
encontra-se também nesse período um grande interesse em guardar
objetos remanescentes da antiguidade ou provenientes do Oriente.
Esses objetos eram preservados devido a qualidades que o homem medieval
admirava, mas não se considerava capaz de imitar. Dos altares medievais
na Europa ocidental, acredita-se que apenas a quarta parte tenha sido
originalmente executada por artífices contratados pelas ordens religiosas
que os possuíam (Bazin, 1967). A maioria das peças pode ter sido levada
do Oriente bizantino, árabe ou chinês.
O ecletismo das coleções que contêm objetos provenientes de regiões
distantes, valorizados por seu exotismo, foi impulsionado pelas relações de
comércio e dominação entre os povos. Como exemplo, a partir da tomada de

Utilizamos a expressão “objeto de arte” como tradução do termo francês objet d’art, que
26

designa uma obra de arte de valor material intrínseco superior às qualidades estéticas. Pode
ser atribuído a qualquer tipo de artigo decorativo e precioso, mas geralmente denota objetos
relativamente pequenos, como porcelanas, bibelôs e pratarias, encontrados, sobretudo, em
coleções particulares.
Museu tem sua origem nos termos museion, em grego, e museum, em latim. Na Grécia, museion
27

era o termo atribuído a santuários, academias filosóficas ou instituições de estudo avançado, ou


pesquisa científica, presididos pelas musas. Para os romanos, museum era o termo utilizado para
denominar as villas designadas para a discussão filosófica. Bazin (1967) compara o zelo dispensado
pelos romanos às obras de arte produzidas por outros povos ao que é atualmente característico
do cuidado que os norte-americanos manifestam com relação às obras-primas produzidas pela
civilização ocidental, sobretudo ao ostentar condições econômicas e políticas excepcionais para
adquiri-las e preservá-las.
[ 226 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Constantinopla pelos turcos em 1453, os mercados europeus foram inundados


com obras e objetos obtidos por meio de pilhagem, tendo sido Veneza seu
mais importante ponto de revenda.28 Após a separação, no século XIX, das
coleções de artes das demais coleções – históricas, científicas, etnográficas,
entre outras –, tornou-se improvável incluir em um evento artístico objetos
que não tenham sido produzidos conforme uma única tradição artística. Se
tomarmos como referência as coleções do século XVI, perceberemos que
havia naquela época um sistema de valores no qual as obras de arte, sobretudo
as pinturas, possuíam um valor extremamente inferior ao que era atribuído
às “bizarrices” da natureza, ainda que estas fossem forjadas.29
Outro fato importante é o contato com os objetos levados para a Europa
pelos viajantes que, a partir do século XV, percorriam os territórios do Novo
Mundo. A obsessão maneirista, no século XVI, por penetrar os mistérios
da natureza deu origem a coleções em que “bizarrices” eram populares. A
variada coleção de Cosimo de Médici (1389-1464) incluía um gabinete de
história natural no qual eram encontrados animais, conchas, fósseis, minerais,
moldes da natureza feitos por Lucca della Robia (1400-1482) e álbuns de
desenhos de fauna e flora. Na Itália, apesar de numerosos, esses gabinetes
– denominados museo naturale – não eram tão cobiçados quanto os que
continham objetos criados pelo homem. Correspondiam aos que eram, na
Alemanha, denominados Wunderkammer e, na França, chamber des merveilles.
Ainda que a fauna e a flora europeias fossem objeto de curiosidade, no
século XVI, exemplares das “Índias” passaram a ser colecionados em grandes
quantidades, como demonstração de gosto cosmopolita. A palavra gabinete,
que se origina do latim cavea, inicialmente denominava uma peça de
mobiliário na qual eram guardados objetos pessoais de pequenas dimensões,
como joias e cartas. Posteriormente, passou a designar os aposentos nos quais
objetos raros e preciosos eram guardados (Bazin, 1967). Na segunda metade
do século, o padre franciscano André Thévet (1502-1590), que tinha viajado

Afirma-se que nove décimos do tesouro da Basílica de San Marco, em Veneza, são formados pelo
28

espólio da última Cruzada, composto de objetos preciosos acumulados pelos imperadores bizantinos
desde a Antiguidade. Oficialmente, Veneza nasceu Bizantina e assim permaneceu por séculos. Era
considerada a mais típica cidade oriental no Ocidente.
No inventário de Lourenço, “o magnífico”, feito em 1492, encontrava-se a prova da discrepância
29

nos valores atribuídos aos objetos: trinta florins por uma pintura de Jan van Eyck (São Jerônimo),
três florins por uma escultura de Desiderio as Sattiagrano e 6 mil florins por um chifre de unicórnio.
Obviamente, tratava-se de um objeto forjado por um comerciante inescrupuloso a partir de um
dente de narval. É nessa mesma coleção que o termo museu é pela primeira vez atribuído a uma
coleção: museo dei codici e cimeli artistici. Na ocasião, a palavra denominava o acervo de livros e
gemas (Bazin, 1967, p. 44).
Arte e sistema de arte [ 227 ]

ao Brasil (1555-1556), tornou-se o curador da coleção de curiosidades do


rei Carlos IX, que incluía objetos recolhidos em suas viagens30 e oriundos
de países como Turquia e China.
No século XIX, o gosto pelo exótico, estimulado por uma necessidade
de abrir mercados e postos de comércio, deu origem a uma nova vitrine
para o cosmopolitismo europeu: as exposições universais. Assim como os
museus passaram a ser instituições fundamentais para a identidade do Estado
moderno, as exposições universais foram criadas no século XIX para afirmar
um modelo de supremacia das nações industrializadas.
Após a Revolução de 1789, os objetos de arte que pertenciam à realeza
francesa deviam ser confiscados e obrigatoriamente enviados para o Palácio
do Louvre. Embora tenha sido um marco importante para a fundação de
museus públicos, a abertura da coleção real teve como principais beneficiários
os artistas, que há muito tempo exigiam acesso às obras para estudá-las.31
As primeiras montagens de exposições no Louvre não tinham um princípio
classificatório. A montagem evidenciava os contrastes entre as obras para
que o valor individual se tornasse mais evidente. O resultado era caótico
e, na Grande Galeria, a localização de pinturas e objetos de arte não seguia
uma ordem cronológica ou a divisão por gêneros. Essa montagem foi alterada
durante a primeira reforma; quando a Grande Galeria foi reaberta em 1799, as
pinturas se viam agrupadas de acordo com as diferentes escolas representadas
na coleção. A essa classificação seguiu-se outra, mais abrangente, que de
certo modo justificou a necessidade de fundar outros museus. Existiam outras
coleções que, caso fossem assimiladas à do Louvre, teriam sido inseridas em
uma relação hierárquica na qual ocupariam uma posição inferior. Justifica-
se, portanto, a criação de duas instituições específicas. Em Versalhes foi
reunida uma coleção dedicada exclusivamente à arte francesa, e em Paris
foi fundado o Museu de Monumentos Franceses,32 dedicado à preservação
de monumentos da velha França monarquista e religiosa. Assim como se
Antes de viajar ao Brasil como capelão da frota de Villegaignon (1510-1571), Thévet realizou, entre
30

de 1549 a 1554, uma viagem de exploração a Ásia, Grécia, Palestina e Egito.


A cada dez dias aberto, os artistas tinham cinco dias de acesso exclusivo, sendo os demais divididos
31

pela limpeza – dois – e pelo público em geral – três. Devido ao grande número de copistas que passou
a frequentar o Louvre, sua admissão passou a ser limitada mediante a exigência de apresentação de
uma licença, limitada ao número de cem, que expirava em seis meses (Bazin, 1967).
Seu primeiro diretor, Alexandre Lenoir, definia-o como “o único lugar onde é possível estudar o
32

nascimento, a evolução e o eventual florescimento das artes em um contexto”. A montagem de


“salas de época” era obtida por meio da fabricação artificial de monumentos a partir de fragmentos
de monumentos reais para evocar períodos históricos (Bazin, 1967, p. 173). O museu foi destruído
em 1815.
[ 228 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

tornou o repositório do acervo da França, o Louvre se tornou também o


destino de todas as obras de arte e antiguidades pertencentes aos estados
derrotados em guerra.
Como locais em que todas as influências estrangeiras eram incorporadas
a um cenário de reflexão sobre a cultura nacional, os museus no século XIX
eram também instrumentos para a implementação de projetos políticos
nacionalistas em diferentes países da Europa. Nesse contexto, considerando
o papel dos museus na formação de uma visão de mundo a partir de um
local fixo, com fronteiras nacionais bem definidas, a amplitude das coleções
era objeto de debate. Na Alemanha, existiam duas posições antagônicas
explícitas. Por um lado, defendia-se que os museus deveriam conter apenas
as obras-primas da antiguidade e das grandes escolas europeias. Por outro,
valorizava-se o museu como um lugar para a preservação de um universalismo
que deveria incluir a cultura e a história de todos os povos, sem restrições
geopolíticas, inclusive a nacional.
A tendência universalista, na primeira metade do século XIX, era
alimentada também pelo culto ao passado histórico e pelas descobertas
arqueológicas. O olhar para o passado não apenas alimentava a apreciação
pelos tempos idos, mas também proporcionava um entendimento mais
sólido de uma trajetória, de um percurso evolutivo da humanidade. A
evolução é vista no século XIX como a consequência lógica de um processo
civilizatório progressivo. Nesse contexto, as exposições universais são
eventos eminentemente didáticos, com a função de fornecer à sociedade
industrializada da Europa uma experiência domesticada com o novo e
com o exótico, e de prepará-la para o futuro. Na exposição universal, as
novidades mais admiradas eram a máquina mais recente, o invento mais
surpreendente e os produtos industrializados prestes a serem incluídos nas
rotas internacionais de comércio.
Ainda que a realização das exposições universais33 possa parecer distante
e até mesmo incompatível com a formação das instituições museológicas,
ela é exemplar do modo pelo qual um evento que deveria promover o
congraçamento entre as nações era, de fato, mais uma oportunidade para
evidenciar diferenças.

A primeira foi realizada em Londres, em 1851, e denominada The Great Exhibition of the Works of
33

Industry of All Nations. Para sua realização, foi construído o Palácio de Cristal (The Crystal Palace),
projeto de Joseph Paxton que se tornou um marco das amplas construções em ferro e vidro do
século XIX.
Arte e sistema de arte [ 229 ]

Seu formato deveria configurar um panorama das realizações humanas,


considerando tanto o acúmulo de conhecimento ao longo da história
quanto a expansão geográfica a que a visão do visitante seria submetida
em um contexto universalista. Partindo do princípio de que as exposições
eram a oportunidade que se oferecia pela primeira vez a um público
curioso, que desconhecia grande parte do que lhe era apresentado, e que
deveriam cumprir um dever positivista de difundir o saber, as exposições
desempenhavam, tanto quanto os museus, uma função didático-pedagógica
(Pesavento, 1997). Ao mesmo tempo que eram expostos a uma grande
variedade de produtos de procedências inesperadas, os visitantes também
deveriam ser convencidos de que a vitória do espírito científico era restrita
ao território, politicamente definido, das nações industrializadas. A indústria
era o símbolo da civilização.34 A promessa de visitar terras distantes sem sair
de uma única cidade era materializada por meio da construção de pavilhões
para exibição dos países e das indústrias tais como eram entendidas no
século XIX.35 Essas construções efêmeras tinham também um papel simbólico,
associado à identidade do que deveriam conter e exibir.
Para a exposição universal de Paris em 1889, comemorativa do
centenário da Revolução, foi construída a Torre Eiffel, objeto de polêmicas,36
e, abaixo dessa, um conjunto escultórico intitulado A morte tentando parar
o gênio da luz, que se esforça para iluminar a verdade, inspirado na Fonte dos
quatro rios37 (1651), de Bernini. Era uma alegoria dos cinco continentes, cada
um associado a um estereótipo: à Oceania correspondia o homem primitivo;
à África, o homem com sinais de contato precário com a civilização; à Ásia, a

Na exposição de 1862, na Inglaterra, evidenciava-se “o contraste entre o avanço técnico-científico


34

das nações ditas avançadas e o exotismo e a barbárie do mundo não europeu” (Pesavento, 1997,
p. 110), apesar de terem sido amplamente admiradas nesse evento as porcelanas da China e os
objetos laqueados do Japão.
É necessário esclarecer que, no século XIX, o termo indústria tinha, conforme afirma Pesavento,
35

um sentido mais amplo do que o que lhe é atribuído na atualidade: “Os critérios da época associam
à palavra toda e qualquer forma de atividade humana, independente do grau de beneficiamento,
do emprego de tecnologia ou das relações sociais subjacentes. Assim, a agricultura ou a criação de
gado são classificadas como indústrias, e atividades meramente extrativas ou de coleta simples de
materiais da natureza também o são” (1997, p. 105).
Embora essas tenham dificultado sua construção, não foram suficientemente contundentes a ponto
36

de impedir que se tornasse um monumento permanente após o fim do evento.


Esse conjunto encontra-se na Piazza Navona, em Roma, e é composto por alegorias dos quatro
37

continentes, cada um associado a um rio: a Europa é representada pelo Danúbio (o rio mais longo
próximo a Roma), a Ásia, pelo Ganges, a África, pelo Nilo, e a América, pelo Rio da Prata (com
um duplo sentido, indicando as riquezas que proporcionaria à Europa por meio da exploração de
metais preciosos).
[ 230 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

odalisca sensual; à América,38 o homem à procura de fortuna; e à Europa, os


símbolos de superioridade intelectual que se propagam a outros continentes – o
livro e a imprensa (Pesavento, 1997). No centro do conjunto, encontrava-se
a França, sede do evento, irradiadora de progresso e cultura civilizada. A
visão eurocêntrica era plenamente justificada pela necessidade de afirmar
a importância do progresso industrial para o desenvolvimento das nações e
dos continentes, sobretudo os que ainda se encontravam mais próximos de
um estado de barbárie.
Os modos de expor objetos nas exposições universais têm relação com os
modos de expor obras de arte a partir do século XIX. Existe uma semelhança
entre a configuração dos gabinetes, cuja ambientação proporcionava a
mobilização dos sentidos, a construção das “salas de época” nos museus
históricos e a edificação dos pavilhões nas exposições universais.

6
O modelo de exposição que se organiza a partir de representações
nacionais, típico das exposições universais, foi adotado pela Bienal de
Veneza. Criado em 1895, esse evento paradigmático para a história das
exposições internacionais de arte, cuja influência sobre a concepção da
Bienal de São Paulo é evidente, apoia-se na autonomia de cada nação para
indicar os artistas mais representativos de sua produção contemporânea.39
Seu surgimento coincide com o momento em que o cosmopolitismo que
caracterizava o século XIX dava lugar ao universalismo que predominou
no pensamento moderno da primeira metade do século XX.40
O pressuposto universalista não substituiu, entretanto, a hierarquia
dos valores artísticos estabelecida pela tradição da Europa ocidental, que,
após a Segunda Grande Guerra, passa a ser também defendida pelos Estados
38
Ao mesmo tempo que o evento ostentava uma visão simplista, considerando provavelmente
apenas os Estados Unidos, a representação desse país no evento incluiu também uma grande
dose de exotismo com a presença de Buffalo Bill em pessoa, acompanhado de outros índios
de sua tribo, cowboys, cavalos selvagens, búfalos, cervos e coiotes, para o entretenimento do
público.
Sejam esses artistas os autores da produção de destaque do momento em que a bienal é realizada
39

ou, até mesmo, os que tenham realizado obras a serem homenageadas à luz de sua influência sobre
os caminhos da atividade artística nacional na atualidade.
Sobre essa mudança, Argan define o contexto no qual surge o expressionismo como tendência que
40

despreza uma retórica progressista em favor da liberação de “impulsos autenticamente progressistas”


no campo da arte. No contexto mais amplo, o cosmopolitismo modernista e a utopia do progresso
universal dariam lugar à “superação dialética das contradições históricas, começando naturalmente
pelas tradições nacionais” (1992, pp. 227-8).
Arte e sistema de arte [ 231 ]

Unidos. A relação desigual entre as nações se prolonga ao campo da arte, onde


existem fronteiras para separar a produção dos centros hegemônicos daquela
dos países periféricos. Foi a permanência dessa hierarquia que justificou a
criação de denominações para novos segmentos de produção material que,
embora pudessem ser comparados às mais valiosas realizações artísticas da
cultura eurocêntrica, mantêm o vínculo com um contexto original e exótico.
Distingue-se uma grande variedade de termos para definir objetos que, embora
eventualmente sejam exibidos em instituições artísticas, serão plenamente
compreendidos apenas no momento em que sua definição a partir de um
subcampo específico for considerada: arte das crianças, arte naïf, arte pública,
arte utilitária, arte política, arte de guerrilha e tantos outros. A neutralidade da
visão universal da arte é, desse modo, limitada. Essas classificações pressupõem
a circulação dos objetos, que também podem ser denominados artísticos em
outros sistemas de produção cultural.

7
A partir da afirmação de que a relação hierárquica no sistema de arte
é necessária, surgem dois argumentos contrários ao desmembramento
do campo da arte em territórios funcionais. O primeiro tem relação com
uma visão evolucionista e linear na qual a qualidade artística é atributo
inquestionavelmente superior de um objeto. Apesar de seu uso, ele pode
passar a ser visto, acima de tudo, como obra de arte.
A outra posição denuncia a existência de liberdade e tolerância
ilimitadas no sistema de arte, gerando a situação na qual todas as tendências
são equitativamente acolhidas. Sem a orientação hierárquica, o pluralismo
conduz a uma ineficácia generalizada. Nessa perspectiva, é como se existisse
um estado superior, herdeiro do universalismo modernista, em que tudo o
que se produz está livre das coerções de linguagens e das convenções dos
códigos. Deslocada de contextos históricos ou políticos, a arte se desvincula
do compromisso com uma temporalidade histórica específica e passa a tratar
o tempo como um tema e todas as épocas precedentes como se fossem
igualmente acessíveis. Indiferente ao momento histórico em que vive e à
historicidade das condições que marcam o sistema de arte de seu tempo,
o artista abraça o pluralismo como um novo estágio. A ingenuidade dessa
atitude, segundo Hal Foster (1982), gera um problema. Ao ignorar diferenças
de valor e contexto, o artista, na busca desesperada por um lugar no mercado
de arte, produz uma obra inofensiva.
[ 232 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Como assumir posições diante do argumento de que as classificações


– ou a afirmação de funções diferenciadas para os objetos artísticos – são
muitas vezes utilizadas para justificar deficiências de qualidade estética?
Essas classificações podem, por outro lado, ser justificadas simplesmente
pela necessidade de conceber novas formas para expor e preservar coleções
que, embora sejam mantidas por museus, ocupam um espaço marginal em
relação às coleções de arte. Os objetos que pertencem a essas coleções são
geralmente utilizados quando há necessidade de compor um cenário de
época, uma ambientação para simular o modo de viver típico em determinado
período histórico. Mesmo assim, existem museus que resistem ao modo
de parecer histórico. Em 1991, o MoMA realizou a exposição Art of
the Fourties. Combinaram-se objetos de dois departamentos: “Pintura
e Escultura” e “Arquitetura e Design”. Embora, nesse caso, o espírito de
uma época fosse reconstituído a partir, também, de objetos utilitários
assinados por designers reconhecidos, a relação funcional entre os objetos
era situada em espaços que não se assemelhavam a ambientes domésticos
ou de uso cotidiano.
A visão integradora deixa de lado a valorização de uma relação específica
entre cada obra e seu contexto de produção. Todavia, se os territórios da arte
podem ser subdivididos indefinidamente, o que há em comum após sucessivas
diluições do vínculo inicial entre tudo o que pode ser denominado arte?
Busca-se, de fato, um equilíbrio. Sem deixar de considerar a multiplicidade
de contextos possíveis para a produção de arte, é necessário perguntar
sempre qual é a pertinência dessa grande categoria para a identidade e a
função de um objeto.

8
Em 1989, no bicentenário da Revolução Francesa, a exposição Magiciens
de la Terre foi organizada para substituir a Bienal de Paris, tornando-se o
mais recente paradigma internacional para a exibição de obras de arte em
um sistema globalizado. Idealizada por Jean-Hubert Martin,41 foi considerada
“a primeira apresentação de artes visuais verdadeiramente internacional”.42
41
Desde 1988, Jean-Hubert Martin era diretor do Museu de Arte Moderna do Centro Georges
Pompidou, em Paris.
Essa afirmação de Eleanor Heartney, embora apoiada em um sincero entusiasmo pela iniciativa de
42

Martin, que evitou a fórmula recorrente de nomear uma exposição “internacional” a partir apenas
de um conjunto de obras de artistas europeus, norte-americanos e japoneses, não está baseada
em uma análise aprofundada de outros eventos internacionais, como a Bienal de São Paulo.
Arte e sistema de arte [ 233 ]

Teria sido essa uma ocasião para evocar a visão pluralista da Europa
cosmopolita, representada na exposição universal de 1889 em Paris? Há
cem anos, a exposição universal foi realizada para demonstrar, também, a
amplitude da visão eurocêntrica.
O trabalho dos curadores43 pode ser visto de dois modos: ao percorrer
um país para selecionar obras que demonstrassem a hipótese de Martin, era
necessário querer ver algo além daquilo que as representações oficiais dos
países preferem oferecer a um evento de grande visibilidade internacional.
Entretanto, para atingir o resultado pretendido, era preciso realizar
apenas as escolhas que garantiriam a reiteração do tema, ou seja, que
arte é magia. Em defesa desse argumento, Martin estabelece a diferença
entre sua proposta curatorial e a abordagem formalista da exposição de
William Rubin:
Parece-me importante enfatizar os aspectos funcionais no lugar dos
aspectos formais da espiritualidade. Afinal, as práticas de magia
são funcionais. Os objetos que têm uma função espiritual para a
mentalidade humana, que existem em todas as sociedades, são os
que interessam em nossa exposição. Afinal, a obra de arte não pode
simplesmente ser reduzida a uma experiência retiniana. Ela possui
uma aura que provoca essas experiências mentais (apud Buchloh,
1989, p. 155, tradução minha).

A repercussão dos resultados, no entanto, proporcionou o surgimento


de uma tendência que, ao banalizar-se, tem assumido outros papéis: a visão
do curador que, exposto ao deslocamento geográfico e ao descentramento
de seu sistema de valores, abre-se para novas possibilidades de compor um
evento temporário.
Diante do aumento do número de exposições temporárias e itinerantes,
Germain Bazin (1967) apresentava, na qualidade de conservador-chefe do
Museu do Louvre, críticas aos eventos que definiu como mera estratégia
de fins didáticos para facilitar o contato com obras de arte, de fins políticos
para favorecer funcionários públicos ou de fins exibicionistas para promover
curadores. Todavia, a efemeridade cria uma margem de segurança que
preserva os museus dos efeitos mais radicais que esse tipo de evento poderia
gerar. O papel do curador de museu não corresponde ao do curador de
exposições temporárias.

Martin teve como colaboradores Mark Francis, J. S. Mauban e Jan Debbaut.


43
[ 234 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

O tipo de curador internacional, promovido a partir da exposição de


Martin, que viaja para realizar seu trabalho, não está necessariamente
comprometido com a consolidação de uma visão institucional pública da arte.
O que garante a visibilidade de seu gesto – e do critério que o fundamenta44
– é uma oportuna independência em relação ao sistema de valores artísticos
consolidado pela tradição. Uma de suas estratégias explícitas era escolher
predominantemente instalações ou obras que jamais haviam sido mostradas
em museus. Em Magiciens, o inesperado estava na justaposição de 50 artistas
“do centro” a 50 artistas “da margem”. A partir do evento, as obras de
artífices que participavam pela primeira vez de uma exposição internacional
começaram a circular no mercado de arte.45
A exposição era distribuída entre o Centro Georges Pompidou e
o Grande Halle do Parc de La Villete. No Grande Halle, sem o peso
institucional do Georges Pompidou, encontrávamos dois pares de obras que
exemplificavam o paradoxal sistema de valores “inclusivo” da curadoria
que cria equivalências e ambiguidades. O primeiro caso é a combinação,
na montagem, de dois trabalhos efêmeros. O círculo do inglês Richard
Long, pintado com lama diretamente sobre a parede, é efêmero por motivos
pertinentes a um determinado conceito de arte. O outro trabalho era uma
obra coletiva, criada in situ por seis artistas da comunidade yuendumu
(Austrália), executada com terra tingida e outros materiais. Esse trabalho
era efêmero porque, no sistema cultural em que tem origem, deve cumprir
uma função simbólica a partir de determinações estabelecidas pela tradição.
Enquanto a mágica é obtida na obra de Long por meio do desdém pelo
código tradicional, que define as qualidades que toda pintura mural deve
apresentar para ter permanência material e, necessariamente, artística, na
obra do grupo yuendumu é a obediência à tradição que garante a eficácia
simbólica do que foi realizado. Paradoxalmente, ainda, é a obra, que se
realiza apenas em sua efemeridade, que é protegida da ação destrutiva do
público por meio de uma corda de isolamento.

Na entrevista concedida a Benjamin H. D. Buchloh, Martin afirma: “pretendo selecionar esses


44

objetos de várias culturas de acordo com minha própria história e minha própria sensibilidade”
(1989, p. 153).
Essa possibilidade havia sido aberta anteriormente, na medida em que o sistema de arte passou a
45

ter uma perspectiva pluralista.


Arte e sistema de arte [ 235 ]

Outra dupla de obras a ser contrastada é a de figuras recortadas em


ferro, de Christian Boltanski (França) e Gabriel Bien-Aime (Haiti). Nesse
caso, é ainda mais evidente que o contexto institucional a que o artista está
vinculado determina um modo de olhar a obra. Enquanto a obra de Boltanski
está vinculada a uma narrativa que é, ao mesmo tempo, individual e mítica,
o trabalho de Bien-Aime emerge de um contexto ritualístico.46 Transportadas
para a exposição, suas obras são, de certo modo, descontextualizadas, a ponto
de apenas poderem despertar um interesse formal ou um estranhamento que
as reduz ao lugar de uma imagem meramente exótica. Seriam, entretanto, suas
qualidades formais suficientes para que passassem a pertencer a um panorama
artístico universal? Tendo em vista suas afinidades formais, qual a relevância
do conceito de magia na distinção das especificidades de cada obra?47
A exposição, como um evento antropológico,48 pode ser vista em uma rede
de práticas que contribuem para a consolidação de uma identidade cultural
coletiva. Convencido de seu valor, o público que a vê tem certeza de sua
universalidade e da durabilidade de sua contribuição para o sistema de arte.
Enquanto o contexto do século XIX era o da expansão neocolonialista da
Europa, no final do século XX, após a queda do muro de Berlim, o contexto
era de assimilação de manifestações artísticas cuja diversidade era também
identificada no panorama artístico de cada país.
As discussões sobre representatividade e inclusão no campo da arte
também se refletem na realização de eventos restritos às fronteiras nacionais.
Uma das características da produção artística da década de 1980 nos Estados
Unidos é a recorrência à investigação das fronteiras do conceito de identidade.
A exposição The decade show; frameworks of identity in the 1980s,
Na religião vodu do Haiti, as figuras recortadas em ferro são, geralmente, representações de
46

espíritos – Iwa –, que podem ter uma grande variedade de formas humanas ou não humanas.
Para a exposição Trópicos – visões a partir do centro do globo, os curadores Alfons Hug, Viola
47

König e Peter Junge afirmaram ter adotado critérios estéticos e não científicos. Por isso, a exposição
realizada no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília parecia resgatar mais do espírito da
exposição de William Rubin do que o da de Jean-Hubert Martin. Os grupos temáticos – Natureza,
Antepassados e Imagens Humanas, Poder e Conflito, Cores, e Instrumentos Musicais – dificilmente
poderiam ter origem em parâmetros estéticos universais. Além disso, a expografia não fornecia ao
visitante qualquer tipo de informação para que os objetos fossem relacionados a um contexto artístico
amplo, internacional, além das fronteiras do Museu Etnográfico de Berlim, instituição à qual pertencem.
Sobre essa perspectiva, Martin declarou que “colaborou com muitos antropólogos e etnógrafos na
48

preparação dessa exposição. Essa colaboração provou ser muito fértil, já que nos ajudou a abordar o
papel do artista individual nas várias sociedades tanto quanto a entender as atividades especializadas
dos artistas e as funções de suas linguagens formais e visuais. A propósito, nossa exposição acontece
no momento em que muitos antropólogos começam a se perguntar por que eles tradicionalmente
privilegiaram mito e linguagem em vez de objetos visuais” (apud Buchloh, 1989, p. 153, tradução
minha).
[ 236 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

realizada em 1990, tomava como ponto de partida as diferenças de identidade


nas constituições dos três museus de Nova Iorque que se propuseram a
formar o panorama da década. Reuniram-se nesse projeto o Museum of
Contemporary Hispanic Art,49 The New Museum of Contemporary Art
e The Studio Museum of Harlem, representando, respectivamente, três
segmentos da comunidade artística cuja produção não tinha destaque nas
coleções dos museus tradicionais.50 Buscava-se, por meio do intercâmbio de
curadores, coleções e públicos, encontrar uma maneira nova de ver e de ser
visto, tendo em perspectiva um mapeamento do conceito de identidade. Na
opinião de Márcia Tucker, então diretora do New Museum, havia também
um confronto de histórias institucionais e expectativas frente ao sistema de
arte que não poderia ser minimizado. O paradoxo – ou o constrangimento
– era exemplificado com o relato de Tucker do encontro com a diretora
do Studio Museum, cuja comunidade é composta predominantemente por
afrodescendentes:
Eu me lembro, Kinshasha [Holman Conwill], que quando você viu
que a missão do New Museum era tentar rachar o cânone, ou seja,
posicionar-se em oposição ou fora do mainstream, você fez uma piada:
‘Vocês querem se livrar do cânone justo no momento em que nós
estamos prestes a entrar nele!’. Para mim, essa foi uma declaração
importante, porque eu não tinha pensado nisso desse modo. Pensar
em destruir o cânone é uma maneira de inadvertidamente falar por
outros (Peraza, Tucker e Conwill, 1990, p. 11, tradução minha).

Essa preocupação, que atravessa todo o projeto interinstitucional de


The decade show, pode ser resumida pela seguinte afirmação de Tucker:
“Sinto, às vezes, que nós no New Museum estamos falando sozinhos quase
o tempo todo, ou, o que é ainda pior, que algumas vezes temos a tendência
de falar pelos outros” (p. 11, tradução minha).

O MoCHA, como era chamado, foi um museu alternativo inaugurado no SoHo, em Nova Iorque,
49

durante a ascensão do multiculturalismo em 1985, como uma vitrine para a arte da América Latina
e para a arte realizada pela comunidade de artistas latinos atuante nos Estados Unidos. Tendo sido
auspiciada pela associação Friends of Puerto Rico, suas atividades promoviam, sobretudo, os artistas
de ascendência latina que residiam nos Estados Unidos.
Nos museus de referência, embora as coleções incluíssem artistas que pertenciam a grupos
50

minoritários, como afrodescendentes e hispânicos, as obras eram submetidas a uma abordagem


predominantemente formalista e eurocêntrica. Referimo-nos especialmente aos Metropolitan
Museum of Art, Whitney Museum, Guggenheim Museum e Museum of Modern Art.
Arte e sistema de arte [ 237 ]

9
Uma das consequências de Magiciens de la Terre foi, segundo um ponto
de vista eurocêntrico, a multiplicação de eventos internacionais, sobretudo
bienais, que passaram a ser realizados em países que não ocupam posição
hegemônica no sistema de arte. Um desses eventos é a Bienal de Dacar, no
Senegal, criada em 1992. De acordo com a autocrítica feita por seu diretor,
Yacouba Konaté, curadores internacionais, membros de uma comunidade
artística que não é nem senegalesa nem africana, selecionam obras tendo
em vista a aprovação de seus colegas europeus. Desse modo, a partir de
uma pré-validação eurocêntrica, a Bienal de Dacar tem representado uma
etapa na trajetória de artistas africanos em direção aos mercados europeus
e norte-americanos.
Talvez tenhamos que reiterar aqui um questionamento anterior: qual é
o verdadeiro local de um objeto? Se as máscaras africanas são matéria-prima
para a investigação formal das esculturas cubistas de Pablo Picasso, hoje
as obras de Willie Cole ironicamente levam ao circuito da arte um certo
modo de apropriar-se de objetos produzidos em escala industrial para criar
formas semelhantes às de objetos de culto das sociedades primitivas. Isso só
é possível porque a inserção de objetos mágicos nos museus de arte já não
causa surpresa e é até mesmo esperada quando a instituição assume algum
tipo de posição crítica frente à hegemonia eurocêntrica. As esculturas feitas
a partir de sapatos de mulher assemelham-se a pequenos totens com títulos
que, graciosamente, evocam a função da arte da antiguidade.51
A cultura ocidental modernista apropriou-se de um conjunto de
valores estéticos que pertenciam a tradições artísticas excluídas do cânone
acadêmico. Gravuras japonesas, imagens populares, motivos da arte popular e
ídolos africanos encontram-se entre os muitos objetos cujas soluções formais
foram incorporadas ao repertório “universal” europeu. No século XIX, os
tesouros levados do Egito por Napoleão rapidamente se tornaram fonte de
inspiração para o estilo império, ao qual também foram agregados elementos
ornamentais copiados dos monumentos da antiguidade clássica, que era
muito apreciada na França pós-revolucionária.
Além disso, existe desde o início do século XIX um tipo de primitivismo
na obra de Gustave Courbet (1828-1885), que buscava, ao abandonar as
Como exemplo podemos citar Black patent leather Venus with scarification (1993) e Pink leather
51

Venus (1993). Os títulos, aparentemente descritivos, explicitam a relação “natural” que se estabelece
entre qualquer objeto associado à moda feminina e a reiteração de um ideal clássico de beleza
eurocêntrica – o da Vênus.
[ 238 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

convenções acadêmicas, produzir imagens de apelo popular. O tratamento


das figuras deveria ser condizente com a escolha dos temas, geralmente
extraídos das situações da vida simples e das atividades laborais de um
segmento da sociedade que ainda não havia sido influenciado pelo processo
de industrialização. O gosto pelo rústico francês em Courbet difere da atração
que os românticos, seus contemporâneos, sentiam pelo exotismo dos povos
histórica ou geograficamente remotos.52
Na atualidade, os trabalhos de artistas como Willie Cole e Fred Wilson
são respostas irônicas à afirmação de que a transposição de objetos dos
museus etnográficos para os museus de arte os integra a uma coleção de
fetiches subjugados à precedência do gosto ocidental. McEvilley pressupõe
que haja uma “interpretação desses objetos, longe das intenções originais de
seus criadores, extirpando seus desígnios para integrá-los na intencionalidade
do desígnio alheio, e fazendo o mesmo com seu gosto” e, consequentemente,
“uma violação perpétua da integridade da cultura estrangeira” (2006, p. 180).
Essa crítica à “violação perpétua da integridade da cultura estrangeira”
reflete, ainda que não tenha sido essa a intenção de seu autor, um princípio
modernista. A intenção original do artista está acima dos processos
interpretativos desencadeados pelo contato com sua obra? Se admitirmos
que essa é uma verdade inquestionável, o que fazer com objetos deixados por
culturas sobre cuja estrutura social, dinâmica econômica, sistema de crenças
religiosas, costumes alimentares ou visão de mundo não há informação?
Poderiam ser mantidos em uma instituição artística ou etnográfica? Afinal,
há sempre o risco de cometer equívocos durante sua classificação. O que
fazer? Qual é a real validade desse suposto contexto original de produção
de um objeto?
Cabe ressaltar que o paradigma do cubo branco não é tão universal
quanto parece. Inúmeras exceções ao modelo são justificadas pela
necessidade de aproveitamento das estruturas arquitetônicas existentes para
a instalação de um museu. A inauguração do Musée d’Orsay em Paris foi um
marco no aproveitamento de estruturas arquitetônicas preexistentes para
a acomodação e preservação de coleções públicas. A “aparência do velho”
passou a ser considerada na museografia contemporânea. Talvez esse tenha
sido um dos episódios mais significativos para a afirmação da identidade
nacional dos museus no final do século XX.

Sobre a ética de Courbet, ver Schapiro (1996).


52
Arte e sistema de arte [ 239 ]

A Estação d’Orsay, construída originalmente para receber os visitantes


da Exposição Universal de 1900, foi transformada no museu inaugurado
em 1986. Sua coleção é composta majoritariamente por obras realizadas na
segunda metade do século XIX, instaladas no museu de um modo dinâmico
e ruidoso, condizente com o espírito de uma estação ferroviária. A relação
entre o período a que as obras pertencem e a ambientação do museu53 é
determinante a ponto de justificar a composição de sua coleção a partir das
coleções de três instituições: Museu do Louvre, Museu do Jeu de Paume e
Museu Nacional de Arte Moderna.54
Existem atualmente museus e alas de grandes museus que explicitam
a necessidade de contextualizar de modo espacialmente adequado uma
coleção de arte. Entretanto, as marcas institucionais e o gosto que essas
simbolizam também viajam, parecendo reviver o movimento civilizatório
de integração do Ocidente europeu e norte-americano. Isso ocorre
sobretudo com o movimento expansionista de museus como o Louvre e
o Guggenheim.
A construção de um complexo turístico em Abu Dhabi, capital dos
Emirados Árabes, representa um passo na direção de um circuito globalizado
de museus de arte. Os altos preços alcançados pela arte contemporânea têm
levado alguns museus norte-americanos a adquirir obras com fundo comum,
sendo previsto que a propriedade compartilhada de um acervo garanta a
cada instituição o direito de expor, em períodos alternados, as obras que lhe
pertencem parcialmente. Entretanto, o empreendimento de Abu Dhabi tem
outras características.
A participação dos museus do Ocidente no projeto de Abu Dhabi inclui
o Louvre Abu Dhabi55 e o Guggenheim Abu Dhabi.56 Como contrapartida
pela concessão de sua marca por trinta anos, o Louvre recebe algumas

Esse aspecto é questionado por Claude Lévi-Strauss: “Os arranjos internos procuraram
53

sistematicamente a ruptura, quando todas as obras pediam uma apresentação que as colocasse
em harmonia com o edifício; harmonias diferentes segundo os gêneros e os períodos, é certo, mas
que, com um pouco de tato e gosto, poder-se-ia obter” (1988, p. 159).
Parte da coleção desse museu foi para o Centro Georges Pompidou, que recebeu apenas as
54

obras de artistas nascidos após 1870. Esse critério de distribuição, meramente cronológico, não
favorece as obras de alguns artistas, que, embora nascidos após 1870, não podem ser plenamente
compreendidos sem uma ampla visão de seus antecedentes. Por outro lado, há artistas na coleção
do Musée d’Orsay cujas obras são imprescindíveis para a compreensão da relação entre arte e
cultura popular que se consolida no século XX.
O prédio projetado pelo arquiteto Jean Nouvel deverá ter 8.600 m2.
55

O projeto é de Frank Gehry, o mesmo do projeto do Guggenheim em Bilbao, na Espanha.


56
[ 240 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

recompensas financeiras.57 O Louvre Abu Dhabi deverá abrigar uma


coleção universal, ou seja, formada por obras de todos os períodos e regiões
geopolíticas, incluindo o mundo islâmico. Como parte do acordo, o governo
de Abu Dhabi investe na remodelação de uma ala do Pavilhão de Flore para
a exposição de arte internacional.58 As vantagens políticas e econômicas são
bilaterais e pertencem ao momento histórico em que a visibilidade positiva
dada às ações culturais do mundo islâmico na Europa acompanha a tendência
geral de abordar a produção artística como um patrimônio transnacional e
a-histórico.59 Nessa direção, outras ações importantes são a construção de
uma ala específica para a coleção de aproximadamente 10 mil objetos de
arte islâmica pertencentes ao Museu do Louvre a partir de uma doação da
Arábia Saudita e da inauguração da Jameel Gallery (Galeria de Arte Islâmica)
do Victoria and Albert Museum, em Londres. Nesses espaços, uma imagem
da sofisticação cultural do mundo islâmico deve substituir os estereótipos
difundidos pelos meios de comunicação de massa do Ocidente.

10
Inicialmente, quando consideramos a multiplicidade de contextos para
a experiência artística na atualidade, admitimos que a passagem de uma
perspectiva cosmopolita para outra, universalista, nas proposições artísticas
da passagem do século XIX para o XX tem sido superada por uma nova visão
pluralista, definida por Hal Foster como a que dá origem a um estado no qual
tudo é igualmente sem importância. Acontece um estado de abolição das
relações hierárquicas que, materializadas na realização de eventos públicos,
haviam fundamentado um modo de ver no qual as obras de arte eram
apreciadas a partir de sua localização numa escala de valores hegemônicos –
um modo de ver, portanto, universalizante. Consequentemente, na medida
em que a definição da arte na modernidade, segundo um conjunto de
pressupostos plásticos universalizantes, passa a compreender gradualmente

Essas incluem o pagamento de 520 milhões de dólares pelo uso do nome Louvre por 30 anos,
57

747 milhões de dólares pagos desde o início de 2007 pelo empréstimo de obras e consultoria
administrativa para a gestão do museu em Abu Dhabi e a doação de 32,5 milhões para a remodelação
do Pavilhão de Flore (Riding, 2007).
Ao ser reaberto, em 2010, terá o nome de Sheik Zayed bin Sultan al-Nahayan, fundador e governante
58

dos Emirados Árabes falecido em 2004 (Riding, 2007).


Essa discussão não pode ignorar os problemas da pilhagem ou do contrabando de obras de arte
59

que assombram governos e administrações de grandes museus dos Estados Unidos e da Europa.
Arte e sistema de arte [ 241 ]

a existência de uma pluralidade de funções e definições para o fenômeno


artístico, seu potencial hegemônico é enfraquecido. Esse movimento não é
unidirecional, no sentido de uma expansão cósmica das instituições artísticas.
Entretanto, tem proporcionado uma variedade de abordagens da arte – e
de sua contextualização em eventos e publicações – que contribuem para a
contínua ampliação de seu universo conceitual.
Sobre o modelo de exposição – ou sobre o ambiente que esse configura
–, as críticas a um certo modelo hegemônico elaboradas a partir da segunda
metade do século XX pressupõem a existência de um modelo único a ser
substituído por outro ou outros. Pressupõem ainda que esse mesmo modelo
seja a síntese evolutiva de todos os demais que o antecederam. Partindo
desse princípio, a crítica tem a necessidade de justificar a divergência, assim
como sua capacidade de se adequar melhor à demanda da produção artística
heterogênea em constante colisão em museus e galerias que se propõem a
dar visibilidade à arte globalizada. O dilema prevalece: qual é o ambiente
ideal para expor uma obra de arte?
Inserida em um circuito no qual são expostos, além de obras de arte,
valores culturais que geram um ambiente de aceitação para produtos
imprescindíveis para um determinado modo de pensar e agir, a arte torna-se
também um ícone associado a um modo de ser.
Se o trânsito e o comércio de obras de arte são inevitáveis, quais as
características de um contexto ideal para a exibição de obras de arte? Para
definir esse contexto, é preciso considerar que ele depende do conceito de
obra de arte que adotamos. Podemos partir da concepção mais combatida
na atualidade, a de que a definição de obra de arte se restringe a certos
objetos produzidos conforme a reprodução de um cânone consolidado. Essa
definição excludente facilita o juízo de valor e a delimitação de uma fronteira
que separa o território da arte dos demais. Embora fácil, essa definição gera
inúmeros problemas. O primeiro, e mais importante, é que, para definir os
antecedentes que legitimam a realização de uma determinada obra de arte, é
necessário escolher uma tradição artística à qual seu sentido estará vinculado.
A procedência de uma tradição artística implica a valorização absoluta de
um único sistema cultural. Os demais, ainda que o tenham antecedido
cronologicamente, são relegados a posições periféricas. Será, então, a partir
de uma visão prototípica que as exposições serão configuradas. A crítica
reincidente sobre a arquitetura do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque
é um exemplo de que a capacidade que uma instituição apresenta para
[ 242 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

transformar suas estratégias museológicas em paradigmas internacionais não


depende da duração histórica dessa mesma instituição no cenário artístico
transnacional.
É a definição de obra de arte que vai determinar se um objeto é visto
no circuito de exposições em museus ou galerias, pertence à coleção de uma
instituição artística e tem sua contribuição para a compreensão da história da
arte abordada na literatura da área. Um mesmo objeto pode ser classificado
de modos diferentes, de acordo com a função que, na perspectiva de quem
o julga, seja predominante. Por isso, temos assistido nos últimos vinte anos
a uma modificação no modo de expor para adequá-lo ao que é exposto. Em
algumas situações, muda a maneira como as obras de uma mesma coleção,
de uma mesma instituição são expostas. Em outros casos, criam-se novas
instituições a partir de conceitos diferenciados, autônomos, que não se
adequam às fronteiras institucionais a que se opõem.

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Arte e sistema de arte [ 243 ]

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São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1995.
Academia e tradição artística

Sonia Gomes Pereira


UFRJ

Há algum tempo venho trabalhando com a chamada arte acadêmica,


tanto no Brasil quanto na Europa. A motivação para este trabalho tem sido
minha ligação com o Museu D. João VI, da Escola de Belas Artes (EBA) da
Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ).60
Na verdade, meu interesse maior ao tomar esse tema como estudo é
tentar identificar os princípios estéticos e artísticos que constituíram as
fundações da ideologia e da prática acadêmicas e analisá-los por meio de
uma perspectiva renovada.
Ao usar a palavra renovada, refiro-me a duas premissas teóricas
importantes. Uma delas é, certamente, a inserção deste estudo no grande
movimento de revisão historiográfica por que tem passado a arte do século
XIX desde pelo menos a década de 1980, recusando a crítica modernista,
que a julgou quase que por completo abominável, à exceção das obras que
anunciavam a modernidade futura.
Meu desejo, porém, não fica por aí. A outra premissa importante refere-
se à tentativa de pensar a ideologia e a prática acadêmicas em confronto
com vários problemas da crítica contemporânea. Pretendo confrontar os
conceitos que venho identificando como essenciais para o entendimento do

Sabemos que a antiga Academia Imperial de Belas Artes reuniu um acervo considerável
60

desde sua abertura em 1826. Em 1937, grande parte dessa coleção passou a constituir o
Museu Nacional de Belas Artes. Uma pequena parte – em geral material didático e exercícios
escolares – permaneceu na então chamada Escola Nacional de Belas Artes, em suas salas de
aula e ateliês. Após a transferência da Escola para a Cidade Universitária na Ilha do Fundão
em 1975, esse acervo foi reunido, dando origem ao Museu D. João VI, da EBA da UFRJ, em
1979. Desde 2005, coordeno o projeto de revitalização do Museu D. João VI, apoiado pela
Petrobras, responsável, basicamente, pela inserção do inventário informatizado do museu no
site http://www.museu.eba.ufrj.br, pela higienização de todo o acervo, pela recuperação de
boa parte do acervo de pinturas e pela nova concepção das reservas técnicas que possibilitam
o acesso do público.
Arte e sistema de arte [ 245 ]

universo acadêmico – as noções de desenho, composição, estilo, tipologia,


entre outras – com as leituras e os problemas contemporâneos da história
da arte. Logo, não se trata apenas de tentar me aproximar ao máximo de
como pensavam e como agiam os artistas acadêmicos do século XIX, mas
de abordar suas questões inserindo-as no debate contemporâneo.61
É, portanto, nesse cenário mais amplo que desejo examinar a noção de
tradição artística ou, mais exatamente, de tradição pictórica e da forma como
ela foi construída na arte ocidental a partir do renascimento.

A importância do conhecimento da tradição na formação do


artista
Sabemos que o ensino acadêmico preocupava-se primordialmente com a
introdução do aluno ao conhecimento da grande tradição artística europeia.
Isso fica muito claro nos discursos dos acadêmicos, como Félix-Émile Taunay
e Manoel de Araújo Porto-Alegre.62
Essa questão também aparece na prática intensiva de cópias no processo
de ensino: primeiro das estampas, depois das moldagens e finalmente de
obras pintadas ou esculpidas. Os alunos ganhadores do Prêmio de Viagem
da Academia tinham, entre outras atribuições, a tarefa de fazer cópias dos
grandes mestres europeus – tarefa duplamente importante. Por um lado,
eram exercícios essenciais para sua própria formação: ao copiarem, estavam
aprendendo como os grandes pintores resolveram inúmeros problemas
técnicos, compositivos e iconográficos na abordagem de seus temas. Por
outro lado, essas cópias, ao serem enviadas para o Brasil, constituíam material
didático para os alunos que não tinham a chance de viajar, replicando,
portanto, a possibilidade de entendimento da tradição artística desde o
renascimento.
O Museu D. João VI possui várias dessas cópias pintadas. É muito
interessante observar as escolhas feitas em termos de obras e artistas a serem
copiados. Predominam os mestres italianos – como Rafael, Ticiano, Veronese,
Tintoretto, Cagnacci, Zampieri e Barbieri –, mas aparecem também franceses
– Lebrun, Pagnest, Chardin, Laurens, Gros, Ary Scheffer –, o flamengo
Rubens, o holandês Frans Hals, o espanhol Murillo e o inglês Gainsborough.
Do ponto de vista cronológico, destacam-se os pintores do século XVI, mas
Para conhecer os trabalhos mais diretamente relacionados às discussões deste ensaio, cf. Pereira
61

(2003, 2005, 2007, 2008a, 2008b, 2008c e 2008d).


Ambos foram diretores da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro: Félix-Émile Taunay,
62

de 1834 a 1851, e Manoel de Araújo Porto-Alegre, de 1854 a 1857.


[ 246 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

se encontram também artistas dos séculos seguintes e até mesmo do XIX –


artistas contemporâneos românticos.
Podemos assim observar que, ao contrário do que usualmente se pensa,
há enorme diversidade entre as fontes escolhidas para cópias. Representantes
de diferentes tendências, mesmo dentro das diversas escolas regionais
da pintura europeia, essas cópias nos colocam um problema importante.
Sabendo da insistência das academias na adesão à doutrina clássica, como
entender a surpreendente escolha eclética de obras e mestres tão diversos
como Rafael e Rubens, Lebrun e Veronese, Frans Hals e Gros, só para citar
alguns exemplos?

Doutrina clássica e diversidade artística: a construção do


conceito de tradição
Na verdade, artistas e teóricos foram obrigados desde o renascimento a
conviver e tentar conciliar o ideário clássico com tendências artísticas muito
diferentes. Mesmo partindo de alguns pontos consensuais – a concepção da
arte como imitação da natureza e a excelência dos modelos dos Antigos –,
eles tinham de reconhecer a diversidade da produção artística não apenas em
seu próprio tempo – como, por exemplo, entre Rafael e Michelangelo –, mas
também entre os Antigos. Isso constituía um grande problema: como organizar
essa diversidade óbvia se os valores da arte eram eternos e imutáveis?
A concepção que temos atualmente do longo período que vai do século
XVI ao XIX como uma sequência de estilos – renascentista, maneirista,
barroco, rococó, neoclássico – é uma construção a posteriori da história
da arte.63 Não era dessa maneira que os artistas e teóricos desse período
pensavam. Quase todos os artistas se incluíam na tradição clássica, mesmo
aqueles que hoje nos parecem anticlássicos.64
Se o classicismo se apresenta tão dogmático em termos doutrinais, na
prática artística ele sempre foi elástico e flexível, tendo como solo comum

O conceito de barroco foi introduzido a partir do final do século XIX, sobretudo com a obra de
63

Heinrich Wölfflin. O de maneirismo é bem posterior, tendo surgido em meados do século XX,
especialmente com os estudos de Walter Friedlaender. Somente a partir do romantismo é que os
movimentos se autodenominaram de imediato. A escrita de Baudelaire, no Salão de 1846, é uma
evidência disso: “Quem diz romantismo, diz arte moderna, isto é, intimidade, espiritualidade, cor,
aspiração pelo infinito, expressas por todos os meios de que dispõem as artes” (apud Lichtenstein,
2006, p. 96).
“Muito surpreso ficaria Bernini se lhe dissessem que ele se afastara do classicismo; foi barroco sem
64

ter consciência disso! Só Borromini, Guarini, Caravaggio e Pietro da Cortona tiveram a vontade de
transgredir normas” (Bazin, 1989, p. 49).
Arte e sistema de arte [ 247 ]

a mediação dos modelos antigos. A construção do conceito de tradição


artística, então, corresponde a essa necessidade de resolver o problema da
dualidade entre um ideário que se acreditava eterno e imutável e uma prática
artística diversificada e, em muitos casos, antagônica.
Isso posto, vamos tentar verificar os elementos constitutivos do conceito
de tradição, que foi forjado na mesma época do surgimento das academias
na Itália do século XVI. Seus desdobramentos foram significativos tanto na
Itália quanto na França a partir do século XVII, resultando num paradigma
que norteou todo o universo acadêmico até o século XIX e o início do XX.
Quais seriam seus traços mais evidentes?

A questão da temporalidade: artistas antigos e modernos


Nessa concepção de tradição artística, a divisão cronológica mais
significativa é feita entre os Antigos – isto é, os artistas da antiguidade greco-
romana – e os Modernos – grupo no qual se incluem todos os mestres a partir
do renascimento. Trata-se, portanto, de duas longas durações, separadas
pelo que se considerava a barbárie da Idade Média.65
No interior dessas duas grandes categorias temporais – Antigos e
Modernos –, prevalece, quase de forma unânime, a concepção de um
tempo unitário, concebido como um todo orgânico – mesmo que a ele seja
aplicada a ideia de ciclo vital, isto é, a concepção de que a arte segue a
mesma trajetória dos seres vivos, atravessando o ciclo evitável de infância/
maturidade/decadência.
Vamos examinar melhor essa questão da percepção temporal no grupo
dos Modernos. Sabemos que o livro de Giorgio Vasari de 1550 – As vidas
dos mais excelentes arquitetos, pintores e escultores italianos – era dividido em
duas partes: a primeira dedicada à arte antiga e a segunda com biografias
de artistas basicamente de Florença e Roma no Trecento e no Quattrocento.
Aos dois grandes períodos em que dividiu a arte, Vasari aplicou o
modelo explicativo da evolução biológica. Assim, na história da arte antiga,
a infância estava no Egito e na Mesopotâmia; na Grécia, as artes tiveram
um desenvolvimento extraordinário, mas a perfeição da maturidade estava
reservada a Roma; seguindo-se, depois, a decadência com os bárbaros. Já
Nunca é demais lembrar que a arte no Ocidente “nasceu de um impulso que destruiu a civilização
65

antiga e tornou-se uma mistura conflitual entre a romanidade e o mundo bárbaro”. O Renascimento
entra nesse conflito francamente a favor da romanidade e querendo exorcizar o mundo bárbaro.
“Tratava-se de retomar a evolução da civilização, para eles interrompida durante longos séculos,
entre Constantino e a Toscana do século XIII” (Bazin, 1989, pp. 32-3).
[ 248 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

para a história de seu próprio tempo, Vasari estrutura a maniera moderna da


seguinte forma: a infância começou em 1250 e se desenvolveu ao longo do
Trecento; o período da maturidade começa com o Quattrocento, mas é no
Cinquecento que a perfeição é alcançada, sobretudo com Michelangelo, que
é considerado o modelo insuperável, mais elevado na escala de perfeição do
que os próprios Antigos (Vasari, 1965).
Ainda assim, é importante ressaltar que, apesar da aplicação interna
do conceito de evolução, prevalece a noção de que os chamados artistas
modernos constituem um conjunto único, isto é, uma longa duração de
artistas que foram tocados pela novidade do renascimento e a ela deram
continuidade.

O problema do espaço: a expansão geográfica da tradição


É muito interessante observar a incorporação progressiva de um número
cada vez maior de artistas, com suas variadas tendências e origens, ao núcleo
original bem reduzido daquilo que se considerava a maniera moderna.
Esse processo já aparece no próprio Vasari. Conforme citado, a primeira
edição de seu livro, em 1550, arrolava apenas artistas de Florença e Roma.
Dezoito anos depois, na segunda edição, de 1568, Vasari não apenas incluiu
artistas novos, nascidos entre 1550 e 1567, como incorporou várias outras
cidades da Itália, fazendo um quadro muito mais completo da arte italiana
de seu tempo.
Vários autores posteriores a Vasari – sempre seguindo seu método
biográfico – trataram de ampliar o repertório dos artistas – tanto na Itália
como no resto da Europa – inscritos no rol de modernos que mereciam ser
incluídos nessa tradição.66
O resultado dessa ampliação geográfica – ainda compreendida
prioritariamente como um todo orgânico – pode ser verificado na obra de
Pietro Bellori – Vidas dos pintores, escultores e arquitetos modernos –, publicada
Germain Bazin (1989) traça um extraordinário panorama dessa literatura dos séculos XVI e XVII,
66

evidenciando a progressiva incorporação de um espectro mais amplo não apenas de artistas italianos,
mas também dos estrangeiros. Karl van Mander, por exemplo, escreveu numerosas obras de caráter
enciclopédico tratando dos artistas da Itália e do resto da Europa; as informações biográficas sobre
a maioria dos pintores do Norte nos foram transmitidas exclusivamente por ele. Joachim Sandrart
concebeu uma verdadeira enciclopédia da arte: bastante eclético, admitia todos os estilos; em sua
obra, há biografias de artistas da antiguidade e de seus contemporâneos, aparecendo inclusive
o espanhol Murillo. O isolamento da Espanha nesse quadro cultural é surpreendente. O pintor
Francisco Pacheco escreveu L’arte de la pintura, em que trata de Rubens e de Velásquez, seu genro,
em 1649, mas a obra não teve grande repercussão fora da Espanha e Velásquez permaneceu
desconhecido no resto da Europa até o século XIX.
Arte e sistema de arte [ 249 ]

em 1672. Bellori preocupa-se com o conjunto de artistas modernos sem


considerar suas cronologias e nacionalidades. Analisa largamente os italianos:
elogia Rafael, Michelangelo, Giulio Romano, Dominiquino, Lanfranco,
Guido Reni e os Caracci, mas condena violentamente Caravaggio, acusado
de tentar destruir a pintura ao propor a cópia da natureza tal como ela
é, sem o processo de escolha em busca do belo ideal. Trata também de
alguns flamengos, como Rubens e Van Dyck, assim como de franceses –
especialmente Poussin, que considera o artista supremo, aquele que melhor
corresponde ao gosto clássico (Bellori, 1672).
Assim, a tradição está sendo entendida nesse momento como um grande
conjunto bem mais amplo do que o desenhado por Vasari, independentemente
da cronologia e da geografia, mas unido pelo italianismo.
A mesma concepção de tradição artística estendida geograficamente
pode ser encontrada entre os acadêmicos franceses do século XVII. Roger
de Piles, por exemplo, coloca os venezianos acima de Rafael e admite
Caravaggio. Poussin lhe parece demasiadamente preso à antiguidade e
pouco humano. Elogia Rubens, dando-lhe um lugar central por ter atingido o
perfeito equilíbrio, colocando-o acima, inclusive, de Ticiano, e comenta sobre
Rembrandt, em quem descobre afinidades com Ticiano (De Piles, 1681).
Fica bastante evidente pela leitura desses autores que se está instalando
uma concepção ampla de cultura artística europeia, fundada na experiência
italiana do renascimento e referendada pelo modelo dos Antigos.

O aparecimento da noção de escolas artísticas regionais no


interior do conceito de tradição artística
No entanto, é importante evidenciar que, nessa mesma época, a noção
de escolas artísticas regionais estava se formando no interior da ideia mais
ampla de tradição artística.
Os acadêmicos franceses – entre eles o já citado De Piles – historicizam
a escola francesa de pintura, localizando suas origens, de maneira bastante
significativa, na chegada dos artistas italianos a Fontainebleau.
Em relação à arte italiana, vários autores identificaram as diferentes
escolas regionais: romana, florentina, lombarda, veneziana, bolonhesa, usando
frequentemente o nome de ultramontana para a arte estrangeira. Esse sistema
de escolas foi fixado definitivamente pelo padre Lanzi no final do século XVIII.
Luigi Lanzi, em sua Storia pittorica dell’Italia, tentou criar grandes sínteses,
definindo os estilos inerentes aos artistas, às épocas e às escolas (Bazin, 1989).
[ 250 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

É exatamente esse entrelaçamento entre as noções de tradição artística


e de escolas regionais que vemos, de forma cristalina, no discurso de Félix-
Émile Taunay, diretor da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro
de 1834 a 1851.
Não há dúvida, para Taunay, da importância dos Antigos: “A raça
helênica, a mais favorecida entre todas as associações humanas, tanto pela
pureza de sua origem como pelo clima em que floresceu” (Ata, 1837). Ou
ainda: “Huma nação houve, a grega, que excedeu e excede a todas na cultura
das Belas Artes” (Sessão pública, 1845).
Taunay também organiza toda a diversidade da produção artística dentro
e fora da Itália, caracterizando as diversas escolas artísticas modernas e seus
principais mestres:
Seja-nos suficiente mencionar Leonardo da Vinci, Peruggino,
Giorgione, precursores das escolas de pintura florentina, romana e
veneziana, como della forão fundadores verdadeiros os Michel Angelo
Buonarroti, Raphael Sanzi e Tiziano Vecelli. Todos três influirão
umas sobre as outras. A escola romana pedio emprestada muita força
do desenho à florentina e alguma sciencia do colorido a veneziana:
nem esta deixou de se aperfeiçoar à vista das produções rivais:
entretanto, as três conservam um caráter bem distinto, análogo ao das
individualidades que presidião aos seus destinos. Quem representasse
fielmente as feições moraes de Michel Angelo, de Raphael, de Tiziano
daria a conhecer as qualidades notáveis das suas escolas: o primeiro,
triste, solitário, de gênio altivo, austero e independente, apaixonado
pelo grande; o segundo, tenro, dócil, amável, apaixonado pelo belo; o
terceiro alegre, social, brilhante, apaixonado pela harmonia exterior
e relativa. Temos a indicação dos três merecimentos especiais, força
de desenho e de claro escuro na escola florentina, pureza de formas e
de tons na escola romana, brilho, suavidade e bela fusão de cores na
escola veneziana... Da escola romana nasce a alemã contemporânea;
da florentina, a qual se liga principalmente a estatuária moderna,
nasce a escola francesa com mestre Rosso e João Cousin; a veneziana
modifica felizmente a flamenga e se infunde na hespanhola. Todas
três ellas renascem com novo esplendor na escola bolonheza.
Annibal Carracci, chefe desta, recebeu da natureza antes disposições
enérgicas que brandas, e provavelmente teria imprimido outro sello
que não a eclética maneira geral dos seus adeptos, se não tivesse
por collaboradores os seus irmãos e até por mestre o seu primo Luiz
Carracci, de gênio mais flexível e suave; entretanto, addicionou aos
meios da arte o da magia dos effeitos geraes da luz, exagerado logo
Arte e sistema de arte [ 251 ]

depois pelo Caravaggio. A mais bela expressão da escola de que


tratamos reside nas obras de Domenico Zampieri, dito o Domenichino,
victima durante a sua vida da inveja e da calunnia: ao resto ella
certamente offerece a colecção mais numerosa de nomes ilustres da
história das bellas artes: o Albano, o Guido, o Guercino, o Pesarese,
os Procaccini, e tantos outros; alguns delles fundarão novas escolas
mais ou menos chegados nos três tipos primitivos: e não devemos
esquecer a genovesa, nem tampouco a napolitana, em certo sentido
companheiro da hespanhola (Sessão pública, 1842).

Finalmente, Taunay, como os teóricos acadêmicos franceses, estabelecia


uma espécie de genealogia em que a herança dos gregos antigos passava
para os italianos do renascimento e depois para a França a partir do século
XVII. Nessa herança, poder-se-ia vislumbrar um possível futuro para uma
escola brasileira de pintura:
Temos pois estes três povos, o grego, o italiano e o francês entre os quais
nasce, se desenvolve e se conserva o bom gosto artístico [...] estudando
profundamente as feições salientes das suas nacionalidades e conferindo-
as com o caráter brasileiro [...] este povo [...] deve se sobressair e fazer-se
notável no mundo civilizado (Sessão pública, 1844).

Fica aqui bastante evidente o uso da constituição das escolas regionais na


integração das nações europeias ao italianismo predominante e na academia
brasileira no século XIX.
Para finalizar, é importante assinalar a tensão crescente na coexistência
dessas duas ideias: a abrangência histórica e geográfica do conceito de tradição
e o nacionalismo crescente que vai impregnar a noção de escolas regionais. Um
exemplo notável dessa polêmica aparece no texto de Roberto Longhi, escrito
entre 1913 e 1914 e só publicado postumamente em 1980: Breve mas verídica
história da pintura italiana. Em sua conclusão, Longhi sentencia:
Com os poucos nomes [...] de Caravaggio e Preti, de Tiepolo e
Giordano [...] encerra-se a história da arte italiana [...] Da pintura
italiana! Só faltava mais essa tristeza! Que direito ou dever tem
a pintura de se dizer italiana! Que italianidade específica vocês
sentiram em Pollaiolo, em Ticiano ou em Caravaggio? Quero dizer
que isto também deve ficar claro para vocês: ‘a importância nula das
características étnicas na arte’. A etnicidade é um dos elementos usuais
que servem aos falsos críticos para ambientar – dizem eles – a arte, já
que não a sabem interpretar. Mas os artistas estão fora de qualquer
ambiente, a não ser aquele puramente artístico; ou seja, eles se dão
as mãos para formar a cadeia de tradição histórica; mas esse simples
[ 252 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

contato basta pra elevá-los magicamente muitos palmos acima do solo


da terra natal, onde estão a agricultura, a indústria e o comércio – isto
é, acima da etnicidade e do ambiente [...] Em suma, não é preciso que
o espírito se deixe manietar pela geografia ou pela topografia [...] Pois
bem: a história da arte italiana continuou no exterior, e esse simples
fato demonstra que o belo solo italiano não tinha mais o que fazer
por ela (2005, pp. 114-5).

Esse texto polêmico de Longhi 67 revela, de forma exemplar, a


permanência do conceito de tradição artística ainda no início do século
XX, mesmo que ele esteja sendo usado, agora, em nome de outro valor – o
da autonomia da arte.

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João VI da Escola de Belas Artes da UFRJ”. Anais do XXVII Colóquio do Comitê
Brasileiro de História da Arte. Salvador: CBHA, 2008a, pp. 350-61.

67
Luciano Migliaccio (2005), em seu posfácio à edição brasileira do livro de Longhi, chama a
atenção para o fato de esse texto iconoclasta ser uma obra da juventude, que revela, sobretudo,
uma grande insatisfação com a situação da crítica e da história da arte na Itália da época. Invoca,
inclusive, o fato de Longhi não tê-lo publicado em vida. Contudo, a grande circulação do texto
ainda mimeografado revela a força dessa polêmica e – para o que nos interessa diretamente
neste ensaio – a permanência do conceito de tradição histórica da arte europeia no início do
século XX.
Arte e sistema de arte [ 253 ]

------. “Depois do moderno e em plena contemporaneidade, o desafio de pensar a arte


brasileira do século XIX”. VIS – Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes
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VASARI, Giorgio. Lives of the artists. Middlesex: Penguin Books, 1965.
Álbum de família:
coleções e museus de arte

Vera Beatriz Siqueira


UERJ

Por volta de 1523, Il Parmigianino pinta o Retrato de um colecionador,


uma obra um tanto enigmática, mas significativa. A figura severa, em
contraposto, do colecionador aparece entre duas esferas nitidamente
diversas: a natureza, ao fundo, e os objetos culturais sobre a mesa. Entre essas,
porém, uma relação de continuidade se insinua, questionando a oposição
mais óbvia. Na formação rochosa à esquerda, um alto relevo mostra Vênus,
Marte e Cupido. Entre um reino e outro, surge o colecionador, igualmente
parte da natureza e dela diferenciada por suas vestes pesadas e pose austera,
mas especialmente por trazer em sua mão um livro ricamente encadernado,
obra da inteligência e da habilidade humanas. À sua frente, no primeiro
plano, objetos esparsos sintetizam o ideal colecionista de então: moeda,
medalhões, estatueta de Vênus.
Nessa descrição do personagem central de um gabinete de curiosidades,
estabelece-se a concepção da base comum de colecionador e naturalista, típica
desse período. Os gabinetes se estruturam como um repertório enciclopédico
de objetos, no qual o tempo é esvaziado em prol da apresentação simultânea de
curiosidades naturais, obras de arte antigas, artefatos recentes, instrumentos
técnicos, autômatos. Porém, curiosamente, esse apanhado aparentemente
disparatado de objetos, se não possui um sentido propriamente histórico,
começa a delimitar uma reflexão sobre a sucessão temporal de objetos
naturais, esculturas antigas, obras recentes e instrumentos mecânicos, como
propõe Horst Bredekamp, apresentando visualmente essa possibilidade de
elo histórico entre uma esfera e outra. Segundo o autor, ao erguerem um
“inventário de habilidades técnicas e artísticas do homem, em duas áreas
distintas e separadas – escultura antiga e máquinas modernas” (1995, p. 9)
–, os gabinetes de curiosidades deram origem a um tipo de reflexão histórica
Arte e sistema de arte [ 255 ]

dinâmica, mostrando visualmente que natureza e arte possuíam histórias.


Assim, essas coleções se tornaram momentos cruciais na história intelectual
e cultural no início da modernidade.
No retrato de Il Parmigianino, a repetição da Vênus no relevo na rocha
e na pequena estatueta sobre a mesa aponta para essa transição: de forma
seminatural a objeto colecionável, pequeno e caprichoso como o anel
que porta no dedo mínimo da mão direita (anéis são os primeiros objetos
colecionáveis); da Vênus forma ideal, eterna e absoluta à Vênus artefato,
construída pela habilidade humana e inserida entre outros objetos. Tudo
justificado pela presença do livro, objeto símbolo da criação do intelecto
humano. A conversão da arte em objeto de coleção, especialmente por
meio das esculturas e pinturas sobre tela de encomenda privada, corre
paralela à sua própria transformação em objeto estético. O colecionador,
identificado com a figura do expert de formação humanística, desempenha
papel preponderante nesse processo.
É certo que em outras culturas, como na China da Dinastia Han (206
a.C. a 220 d.C.), se não existia a figura do colecionador com seus contornos
ocidentais e modernos, já encontramos o estímulo à contemplação privada
de objetos de arte. Os aristocratas, com responsabilidades públicas, tinham
o direito de se recolher à contemplação privada de objetos artísticos. Havia
obras extremamente requintadas, feitas especialmente para a meditação
privada, como as famosas pinturas de rolo. Na realidade, o que chamamos
hoje de pintura chinesa, cujo nascimento geralmente é atribuído a Gu Kaizhi,
ativo na corte chinesa entre 345 e 400, diz respeito a essa tradição. Seus rolos,
como a célebre representação de A ninfa do rio Luo, inspirada em poema
antigo, não apenas eram compostos com extremo cuidado e refinamento
intelectual, como se destinavam a pessoas especiais, em momentos especiais,
fora das cerimônias públicas. Os rolos de seda contendo poemas, letras ou
pinturas eram geralmente trocados entre os membros da elite da sociedade
mais letrada do mundo, dando aos espíritos educados a possibilidade de
apreciar essa arte que se percebia como superior.
Outros objetos também eram feitos para a contemplação privada dos
nobres, como os boshan (cuja tradução literal é “montanha de fadas”) – vasos
em formato de montanhas –, os azulejos pintados, os cavalos de bronze, as
figuras de terracota ou jade, entre outras peças cujo destino comum era o
túmulo de seus proprietários. Toda uma rede de artesãos e artistas se ocupava
da confecção dessas obras, que vieram a formar uma rica coleção funerária.
[ 256 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

A mais conhecida de todas é a do túmulo do imperador Qin, falecido em


210 a.C., no qual foram encontradas as estátuas de terracota em tamanho
natural de 6 mil guerreiros, perfeitamente individualizados. Se o caráter
essencialmente íntimo da arte e da coleção chinesa difere do crescente
sentido público dos gabinetes de curiosidades – alguns deles eram abertos ao
público mais geral e chegavam até a cobrar ingresso –, há nessa comparação
algo importante a destacar: em ambos os casos, o contexto do colecionismo
é central para a compreensão da arte como objeto estético comparável à
poesia ou à retórica.
Também no mundo árabe, em particular na Pérsia, o ápice da produção
das iluminuras se deu quando o gosto por livros ilustrados se transformara no
desejo de possuí-los sob a forma de álbuns e fólios. No século XV, sob forte
influência da pintura chinesa, muitos dos artistas iluminadores e calígrafos
produziam diretamente sob encomenda de monarcas bibliófilos, em cujas
bibliotecas trabalhavam. As várias cópias dos Shahnamas – livros dos reis,
que narram a história persa de forma épica – mostravam como a produção
também se destinava a um público burguês local e à exportação. O escritor
contemporâneo Orhan Pamuk fala, em seu romance Meu nome é vermelho,
desse universo das iluminuras cercado de mistério e magia durante o Império
Otomano. A morte de um dos iluminadores, a encomenda de uma obra
secreta para o sultão, um romance proibido, os múltiplos pontos de vista
da narração: tudo enfatiza a névoa de encantamento e segredo que cerca
a história desses livros ilustrados. É um mundo de poesia contemplativa e
prazeres íntimos que se vê fatalmente ameaçado pela influência do realismo
renascentista italiano e de sua relação com a exterioridade.
Podemos ainda falar em coleções de objetos artísticos na cultura dos
povos de Papua Nova Guiné, que desenvolvem o Kula, um complexo sistema
cerimonial de troca de colares e braceletes entre ilhas vizinhas. Aquele que
conseguisse atrair e guardar uma grande quantidade de objetos de valor se
tornava particularmente famoso na região. Para tal, desenvolveram também
uma arma em especial. As canoas Kula, nas quais esses homens circulavam,
eram adornadas com as famosas tábuas de proa, de decoração luxuriante,
cuja função era causar espanto e desmoralizar o habitante da ilha em que
a embarcação aportava, fazendo seus habitantes entregarem mais anéis e
braceletes, em quantidade e valor superior ao que comumente entregariam
– recurso mágico que serve, portanto, para estimular as trocas e incrementar
o valor das posses de certos homens.
Arte e sistema de arte [ 257 ]

Em todos os casos citados, colecionadores italianos, nobres chineses,


bibliófilos persas ou melanésios do sistema Kula exercem uma função
cultural importante: a posse privada é parte essencial no processo de
transformação da arte em objeto estético. Georg Simmel, ao tratar do
problema do valor, fala da posse como a realização de um desejo por um
objeto que oferece resistência a ser possuído, seja por seu elevado valor
de mercado, seja pelo elevado valor cultural ou ritual que o cerca. A
fonte do valor do objeto seria justamente essa dificuldade de adquiri-
lo, que produz um efeito de encantamento, de ordem mágica, sobre o
sujeito que o deseja.
Georges Bataille, por sua vez, fala da perda como um elemento essencial
das relações comerciais em geral e, em particular, da aquisição de obras de
arte. Seu conceito de despesa improdutiva destaca a propriedade positiva
da perda na atribuição do valor significativo de um objeto. A perda – ou sua
possibilidade – seria a função última da própria riqueza. No mundo moderno,
a fortuna da nobreza deveria ser sacrificada em despesas sociais improdutivas,
como festas, espetáculos, jogos e arte. Mesmo no mundo burguês de controle
racional de gastos e de privilégio da noção de utilidade, são as despesas
improdutivas que, segundo o autor, asseguram alguma possibilidade de
liberdade e transgressão.
O objeto artístico valeria, portanto, tal como os anéis e colares da troca
cerimonial melanésia ou as riquezas trocadas pelos índios norte-americanos
dentro do contexto das potlatchs analisadas por Marcel Mauss e citadas por
Bataille, pelo seu caráter sacrificial ou de perda. Pelo menos em um caso
de colecionador moderno, no Brasil, podemos identificar a dificuldade e a
perda como origem da própria coleção.
Raymundo de Castro Maya, industrial carioca, legou ao patrimônio
público duas residências com sua coleção de arte: os atuais museus Castro
Maya – o Museu do Açude, no Alto da Boa Vista, e o Museu da Chácara
do Céu, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Conta ele que estava em Paris,
no início dos anos 1920, com dinheiro recebido do pai para a compra de um
carro, quando passou pela vitrine de uma galeria e viu uma tela de Henri
Rousseau mostrando uma floresta tropical com duas panteras. Tentou
adquiri-la, mas seu valor era superior à soma que possuía. Na construção
desse mito iniciático, Castro Maya identificou na não concretização de seu
desejo – de forma definitiva, já que jamais adquiriu um Rousseau – a fonte
de sua paixão pelos objetos.
[ 258 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Máscaras
Era assim, como um apaixonado pelos objetos de arte, que Castro
Maya queria ser reconhecido. Preferia ser chamado de amante das artes
que de colecionador. Isso demonstra a insuficiência poética desse termo,
capaz de aproximar o interesse científico do colecionador naturalista do
cálculo financeiro do proprietário de antiguidades, o caráter metódico e
compulsivo de um colecionador de selos do juízo valorativo de um amante
das artes. Descartá-lo significaria apagar os traços mundanos deixados pelo
valor de mercado das obras. Entretanto, recuperando Simmel e a particular
interpretação que Alfred Gell faz de sua Filosofia do dinheiro, o elevado custo
de um objeto artístico é elemento compositivo de seu valor, não apenas em
sentido bruto, mas, sobretudo, por anexar mais uma ordem de resistência
ao desejo (2005, p. 49).
Outras dificuldades vêm se anexar, como a originalidade da obra,
especialmente no caso de objetos antigos. No atual Museu da Chácara do
Céu, antiga residência do colecionador Castro Maya, vemos em sua sala de
jantar, diante de uma ampla janela que dá para o jardim, um torso grego
feminino cujo atestado de autenticidade afirma tratar-se de escultura advinda
do mesmo sítio arqueológico no qual se encontrou a escultura da Vitória de
Samotrácia. Também o material usado – mármore branco com veios verdes
– e a evocação da semelhança estilística com trabalhos do escultor Scopas
da Macedônia são citados para garantir a origem e atestar a antiguidade da
peça. Somados esses dados, começa a se delinear sua significação na coleção.
De seu assento à cabeceira da mesa, podia apreciar o torso como a passagem
entre o interior e o exterior: o ponto de fuga de sua experiência singular, a
abertura para o universo antecedente da natureza e da história.
É também uma figura feminina, uma espécie de Vênus moderna, que
aparece no retrato que Renoir faz do marchand Ambroise Vollard por volta
de 1908. Nessa tela, Vollard apoia seus cotovelos sobre uma mesa e contempla
demoradamente uma pequena escultura feminina. A tela apresenta uma
espécie de inversão ideal do retrato do colecionador por Il Parmigianino. A
natureza deixa o fundo e se transforma no motivo vegetal e animal da toalha,
do vaso e dos tecidos sobre a mesa. O fundo se torna abstrato: apenas duas
áreas delimitadas de vermelho e laranja, que parecem concentrar os tons que
se dividem a partir do motivo central da toalha no primeiro plano e reforçam
a oposição entre as duas figuras. Do lado vermelho está o colecionador, com
todos os atributos masculinos e contemporâneos: terno, gravata, barba,
Arte e sistema de arte [ 259 ]

careca. De outro, a escultura feminina esguia, maleável e atemporal em sua


nudez branca. Entre os dois, uma troca de afetos: se Vollard contempla a
estatueta, essa parece devolver-lhe a atenção carinhosa, correspondendo
fisicamente a seu toque e olhar. Novamente, a figura abstrata da Vênus
aparece como possibilidade de abertura de todo o universo histórico e
anterior da arte.
É claro que nesse exemplo moderno estamos falando de outro tipo de
colecionador. Vollard era, antes de tudo, um marchand, um comerciante
de arte. Em várias épocas e culturas, podem ser pinçados exemplos de
comercialização de objetos artísticos. Seja pela encomenda de nobres ou
eclesiásticos, seja pela venda em feiras – como as de Colônia, Avignon
ou Namur, que atraíam os artistas medievais e curiosos – ou nos ateliês,
artistas como Poussin, Rubens e Rembrandt estabeleciam preços e vendiam
suas obras diretamente aos colecionadores. A partir do século XVIII,
começam a surgir casas especializadas na venda de objetos artísticos,
geralmente comercializados junto a outros artigos de luxo, como tecidos,
perfumes, porcelanas, prataria etc. Em plena vigência do sistema acadêmico,
comerciantes como o célebre Le Brun na França vendiam os quadros de
artistas que já eram admirados e respeitados pelo público e pela crítica.
Na modernidade, contudo, a insistência dos artistas em produzir de forma
independente, recusando as tradicionais regras acadêmicas, gera outro tipo
de marchand: Vollard passa a apostar em valores instáveis e cambiantes,
apoiando artistas que só seriam incorporados ao mercado e às instituições
artísticas tempos mais tarde. Aproveitando-se dos preços baixos das obras
modernas, desprezadas pelo público e pelo mercado tradicional, aproximou-
se de artistas como Cézanne, Degas, Pissarro, Gauguin, Renoir e o jovem
Picasso, comprometendo-se com a divulgação de seus trabalhos.
Estabelecendo relações pessoais e próximas com artistas e eventuais
compradores, Vollard não vendia apenas obras de arte. Vendia também uma
parcela de seu próprio gosto privado – na contramão do gosto tradicional,
público –, donde a importância de ser também um colecionador e um homem
de cultura. Em 1895, realizou a primeira grande mostra de trabalhos de
Cézanne, arrasada pela crítica. Mais tarde, tornou-se um editor de livros
ilustrados, encomendando a Picasso, por exemplo, as gravuras que ilustram
a novela de Honoré de Balzac A obra-prima ignorada. O colecionador se
identifica com as obras com as quais convive. Delas extrai as qualidades
que passam a ser também suas: modernidade, vanguarda, ousadia e beleza.
[ 260 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Picasso também fala, de outro modo, dessa relação ambígua de


identificação de colecionador e arte, em seu retrato de Gertrude Stein, de
1906. A encomenda do quadro não foi confortável nem para a retratada
nem para o pintor. Picasso não pintava um retrato a partir de um modelo
desde sua adolescência. Stein tampouco havia posado para um retrato. Do
incômodo de ambos surgiu uma pintura que permaneceu inacabada por um
ano. Picasso largou a tela sem completar o rosto, ainda em 1905. Apenas
no ano seguinte, quando já havia se interessado pelo estudo da escultura
africana e ibérica – estando completamente envolvido com os estudos para
sua grande tela Les demoiselles d’Avignon –, completou a obra, criando um
rosto em tudo diverso do corpo e das mãos. Àqueles que comentavam que
Gertrude não se parecia com o retrato, teimava em responder: “Um dia se
parecerá”. É apenas nesse futuro que a colecionadora viria a se parecer com
o retrato. Não um futuro provável ou realizável. Ao contrário, um futuro que
sempre se coloca à sua frente como um desafio. Ali, onde a colecionadora irá
ser buscada após seu desaparecimento e quando os critérios de semelhança
física já não mais importarem. Ali, onde vai existir para sempre como arte.
Comparado com o retrato de Il Parmigianino, o de Picasso preserva a
severidade da figura do colecionador, com seus trajes pesados. Não há nada,
porém, como nessa ou nas obras de Renoir, que identifique a atividade da
colecionadora. Uma poltrona antiga, a parede lisa ao fundo, nenhuma
concessão a elementos característicos. Mesmo o famoso casaco marrom de
Gertrude Stein e sua saia predileta acabam perdendo toda peculiaridade
nessa pintura substantiva. A figura feminina deixa de ostentar significações
tradicionais – beleza ideal, a própria arte. O colecionador não é mais uma
figura de mediação entre o mundo da cultura e sua anterioridade. Com
direção invertida, aponta para o futuro incerto e sombrio do homem
enquanto ser natural e cultural – algo que os olhos profundos de Stein
parecem antever. A história é interna ao próprio quadro, percebida nas
pinceladas mais claras que corrigem o contorno da cabeça ou no rosto que
se coloca como um problema posterior para toda a pintura. Tudo indica esse
caráter futuro, essa posteridade da arte que escapa da própria coleção para
se situar no seu devir. Torna-se uma espécie de destino – ou antidestino – a
que se entregam artista e colecionadora, dedicados a persegui-la sem que
consigam jamais detê-la.
Compreende-se que Picasso tente preservar esse absoluto da arte.
Afinal, as coleções, encaradas como destino da produção artística moderna,
Arte e sistema de arte [ 261 ]

transformavam a obra de arte em objeto raro e precioso, que só podia ser


histórico ao perder sua peculiar historicidade, ao ser colocado fora do circuito
da vida. Isso só vem a se acirrar quando as coleções dão origem a instituições
museológicas. Paul Valéry já havia anotado esse sentido destruidor dos
museus, em sua formidável ambiguidade. Por um lado, garantiam que as
obras de arte seriam apreciadas em sua pura existência, ainda que no tumulto
causado pelo excesso e pela convivência forçada de obras que disputam sua
atenção. Por outro, impunham uma vivência que combina silêncio religioso,
certo esnobismo e pretensa função didática, em tudo distinta da confusão da
cidade, da maneira como experimentamos esteticamente o mundo.
Contra os muros do museu vêm bater as ondas da alteridade. Lá fora
estão o mundo, a vida, o movimento, o barulho, a cidade e a natureza
desafiando os limites dessa instituição moderna. Gertrude Stein disse, com
ironia: “Sempre gostei de visitar museus, porque a vista das janelas dos
museus é geralmente muito agradável”. Pronunciada por uma colecionadora
moderna, essa afirmação fala de certa decepção experimentada no interior
dos museus, em cuja origem parece estar o próprio vazio ou a morte que
produzem, assim como de suas aberturas para esse universo do que não é
arte, sem o qual – ainda que por contraste – não pode existir.

Origens
Alfred Gell propõe discutir a arte como parte de um sistema técnico ou
tecnológico, o que amplia muito a noção de sistema de arte que costumamos
adotar, geralmente restrita ao ambiente mais profissionalizado das instituições
e do próprio gosto. Para ele, o valor estético atribuído ao objeto artístico
não difere do valor moral, na medida em que supõe a fé no esteticismo
universalmente válido. Instituições culturais como museus, teatros, livrarias
e galerias de arte seriam equivalentes recentes das igrejas e santuários. O
mundo moderno teria sacralizado a arte e transformado a estética em uma
sorte de teologia. A relação histórica entre coleções e encantamento parece
corroborar esse argumento, sempre tão antipático – ou indiscreto – aos nossos
olhos de amantes das artes.
Schlosser aponta como, na Idade Média, muitas igrejas se converteram
em verdadeiros museus de antiguidades, reunindo objetos preciosos, pedras
talhadas, relicários e, eventualmente, até ídolos pagãos, aos quais se associava
caráter sagrado e simbólico. Na Espanha, por exemplo, a descrição de
Ambrosio de Morales da Câmara Santa da Catedral de Oviedo destaca,
[ 262 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

entre os objetos mais apreciados: um pedaço da vara de Moisés, dois espinhos


da Paixão de Cristo, um denário romano, a pele de São Bartolomeu, uma
sandália de São Pedro, a cruz ornamentada usada pelo rei Don Pelayo
em suas batalhas, a caixa do santo sudário, joias e cálices. Outras igrejas
ibéricas reuniam animais empalhados e ossadas, como o crocodilo dissecado
da Catedral de Sevilha ou o casco de tartaruga da igreja de Guadalupe,
que serviam para expulsar monstros e demônios dos lugares sagrados.
Combinando o prestígio da antiguidade com o valor dos materiais preciosos
e a origem mística ou exótica, esses objetos tornavam-se veneráveis por sua
própria raridade e inacessibilidade.
Muito desse encantamento mágico e religioso dos objetos se preservou
nos gabinetes de curiosidades entre os séculos XVI e XVIII. Horst Bredekamp
fala da natureza lúdica desses gabinetes, que, além de incorporar em
suas coleções instrumentos musicais, tabuleiros de xadrez e autômatos,
apresentavam-se como desprovidos de objetivo ou utilidade para além do
próprio prazer e desinteresse do conhecimento e da apreciação, mantendo um
elo importante com a ideia de contemplação religiosa. Também Leibniz, em
1675, lança seu projeto para um “teatro da natureza e da arte”, capaz de reunir
“toda a sorte de coisas”. Ele começa o texto pela narrativa da apresentação
de uma máquina de andar sobre as águas que vira em Paris. Busca ampliar a
ideia de uma “representação pública” para todas as formas de artes e ciências.
Poetas, pintores, engenheiros, matemáticos, livreiros, tipógrafos, gravadores,
relojoeiros e tantos outros apresentariam suas “belas curiosidades”: lanternas
mágicas, maravilhas óticas, fogos de artifícios, palhaços, acrobatas, cavalos,
invenções, jogos de damas e xadrez, instrumentos musicais, teatros de
marionetes, loterias, pigmeus etc. Tudo isso abrigado em várias casas e lojas,
formando uma verdadeira “Academia do Jogo e do Prazer”: “O jogo será o
mais belo pretexto para se começar algo tão útil para o público” como este
museu de tudo (apud Dagognet, 1993, pp. 133-9).
Entretanto, na edificação física e simbólica dos museus modernos,
tentou-se apagar essa fonte sagrada ou lúdica, escolhendo-se outros
antepassados mais adequados. Na edição da Encyclopédie, cujo primeiro
volume, coordenado por Diderot e d’Alembert, foi publicado em julho de
1751, encontramos sob a palavra “museu” a referência a duas fontes antigas.
A primeira delas diz respeito ao monte em Atenas nomeado a partir do poeta
ático Musee, no qual eram realizadas performances de poesia e arte. Essa
parece, contudo, ser uma origem insuficiente para os iluministas franceses,
Arte e sistema de arte [ 263 ]

incapaz de justificar ou de servir de modelo para o projeto dos museus


modernos. Era preciso acrescentar outro sentido, igualmente antigo, para a
palavra museu: o Museu de Alexandria, no Egito, hoje desaparecido.
Esse musaeum era em tudo diferente ou oposto ao templo das musas.
Em vez de ser um espaço natural, aberto, de circulação livre, era descrito
como “uma grande edificação ornada de pórticos e galerias para caminhar,
grandes salas de conferência e conversas sobre assuntos literários e um
salão particular onde os sábios comiam juntos”. E a Encyclopédie conclui:
“Este edifício era um monumento à magnificência dos ptolomeus, amantes
e protetores das letras” (apud Dagognet, 1993, p. 106). Essa definição se
consolida no volume sobre arquitetura da Encyclopédie methodique, escrita por
Quatremère de Quincy, publicada em 1800: “Museum. Este era o nome de
um estabelecimento literário fundado na Alexandria pelos ptolomeus” (apud
Young Lee, 1997, p. 389). Museu é visto como uma edificação palaciana
que reúne indivíduos devotados ao conhecimento e oferece um modelo não
apenas para o gabinete de curiosidades ou o museu moderno, mas também
para a própria cidade iluminista.
Muito da força dessa interpretação de museu foi possibilitada justamente
pelo desaparecimento do palácio do Bruchion, onde se situava. Isso, junto à
escassez de fontes, contribui para a disseminação de narrativas, em múltiplas
versões, por vezes fabulosas. O museu de Alexandria se converteu em
importante motivo da imaginação acadêmica nos séculos XVIII e XIX. Em
todas essas narrativas, o museu é descrito como uma espécie de universidade
dedicada às letras e às ciências, reunindo biblioteca, observatório, anfiteatro
de anatomia, jardim botânico, zoológico, coleções várias. Nele circulavam
poetas, filósofos, historiadores, matemáticos, astrônomos, tradutores,
críticos, físicos, filólogos, arqueólogos. Abrigava pessoas de todas as raças –
romanos, gregos, egípcios, orientais –, de todos os credos – pagãos, cristãos,
muçulmanos, judeus – e de todas as escolas de pensamento – céticos, estoicos,
cínicos, peripatéticos etc. O estudo de sua arquitetura, possivelmente
repetindo a fusão de estilos egípcios, gregos e árabes da cidade de Alexandria,
servia para corroborar essa ideia de convivência do múltiplo.
Na realidade, esse imenso museu mítico, originário, é a concretização dos
ideais éticos e estéticos dos iluministas: a reunião harmônica de todos sob a
luz da razão. E seu desaparecimento lembra a necessidade de engajamento
diante da possibilidade real de destruição por guerras civis ou religiosas.
É assim, com esse sentido programático, que o Museu de Alexandria é
[ 264 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

percebido como a fonte dos museus modernos. Nos projetos Museu e


Biblioteca do rei, feitos pelo arquiteto neoclássico francês Etienne-Louis
Boullée na década de 1780, o ideal iluminista de museu encontra tradução
literal, inclusive por se tratar de planos que parecem feitos para não serem
executados. Em seus desenhos, a referência ao clássico deixa de possuir
um sentido estilístico ou iconográfico para ganhar caráter moral. Como ele
mesmo costumava dizer, “aparecer grande é anunciar qualidades superiores”.
Suas colunatas, escadarias, fachadas e frisos alegóricos celebram atributos
intangíveis, valores ideais que o arquiteto encontra não apenas na Grécia
antiga, mas em seu próprio tempo e nas culturas babilônicas e egípcias que
tanto lhe interessavam. A própria alusão, no projeto Biblioteca do rei, à tela
Escola de Atenas, de Rafael, antes de ser uma mera citação, permite a Boullée
se posicionar como mais um elo na transformação simbólica da caverna
– que se mantém como citação em seu espaço cavernoso – em realização
triunfante do iluminismo.
Era preciso eliminar os resquícios religiosos e mágicos da relação entre
arte e caverna. Na China medieval, a caverna de Mogao era um santuário
budista na Rota da Seda que atraía vários peregrinos. Era decorada com
figuras de Buda, bodhisattvas e seus discípulos em argila pintada e, à frente,
adornada com afrescos. No ano de 366, um monge budista teve uma visão no
local – milhares de Budas sob raios dourados de luz – e deu início à escavação
da primeira caverna, que se estendeu até 1368. Hoje são 492 cavernas, com
cerca de 30 km de obras de arte – esculturas, pinturas de parede e de teto –,
além de relíquias deixadas pelos fiéis. As dinastias Sui (581 a 618) e Tang (618
a 907) são consideradas o apogeu no desenvolvimento do budismo na China
e da arte das grutas Mogao. Durante mais de mil anos, abrigavam as minorias
étnicas e representavam um local de mescla das culturas chinesas, indianas,
islâmicas e gregas que nelas deixaram seus vestígios.
No âmbito da cultura clássica, a gruta também foi objeto poético
privilegiado. Ovídio, em suas Metamorfoses, publicadas no ano 14, faz
Diana se encontrar com Actateon numa caverna maravilhosa, incapaz de
ser erguida pela arte humana, onde a natureza, em sua própria sagacidade,
simulou a arte, esculpindo um “arco natural a partir da pedra viva e dos
tufos macios” (apud Campbell, 2004, p. 64). Giacomo Sannarazo, em sua
Arcádia, de 1502, faz Ergasto exclamar, após visitar a caverna na qual se
localizava a origem de todos os rios da Terra: “Oh, maravilhoso artifício do
grande Deus”. Seja como santuário religioso, seja como arquitetura orgânica
Arte e sistema de arte [ 265 ]

na qual a natureza ou Deus agia como artífice, a caverna possuía um sentido


poético particular que certamente inspirou a colecionadora Isabella d’Este
na escolha formal da grotta como espaço para dispor sua coleção no Palazzo
Ducale, em Mântua, Itália.
Nessa construção subterrânea com teto abobadado, de caráter privado,
ligada diretamente a seu studiolo, reunia sua grande paixão: mármores,
estatuetas, medalhas e outras peças da antiguidade, além de obras de artistas
contemporâneos seus. Logo na entrada, um portal monumental esculpido por
Gian Cristoforo Romano, antes de 1503, apresenta, na face externa, relevos
de musas da história, da poesia dramática e da música, junto com Minerva. Na
face interna, seis tondi funcionam como uma espécie de ilustração à História
natural de Plínio, obra colecionada pela marquesa, fazendo referência direta
a cavernas artificiais nas residências privadas de Roma, chamadas de musea
(espaços das musas).
Essa relação entre criatividade da natureza e artifício humano, de sentido
poético e mitológico, fez com que a gruta e seu correlato arquitetônico – a
arcada – se transformassem na forma ideal do gabinete de curiosidades.
Clement Pierre Marillier, ao tentar representar visualmente o cartesianismo,
escolhe a arcada para sintetizar seu gabinete ideal. Na gravura analisada
por Bredekamp, de 1762, sob o arco simbolizando a antiguidade reúnem-
se fósseis, animais, instrumentos técnicos e livros. A figura infantil da
Melancolia senta-se sobre um crânio em pose de pensadora. À frente de
tudo, um medalhão com perfil de Descartes. Ameaçado pela natureza que
o recobre, o arco guarda a chave, pendurada em seu ponto mais alto, que
abre tanto para as criações naturais quanto para as realizações humanas.
O arco ou o teto abobadado reaparecem nos projetos de Boullée como
parte de seu programa ético de releitura da tradição clássica. Embora seu museu
jamais tenha sido erguido, o arquiteto participa da elaboração conceitual
do Museu do Louvre, contribuindo para moldá-lo como um repositório de
ideais enciclopédicos. O projeto original, previsto na Assembleia Constituinte
de 1791, declarava-o um museu nacional dedicado às artes e às ciências.
O projeto monumental dos arquitetos Molinos e Legrand não incluía só
salas de pintura, escultura, arquitetura, mas também de botânica, química,
mineralogia, medicina, zoologia, antiguidade, agricultura, entre outras artes e
ciências. Dois anos depois, o Louvre e o Jardin des plantes passaram a dividir
entre si a tarefa pretérita: o primeiro é inaugurado como museu de arte; o
segundo, como Museu de História Natural. Nessa divisão, esse assume mais
[ 266 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

claramente sua proximidade com o antigo modelo de Alexandria: apresenta-


se como abrigo de um corpo autônomo de intelectuais europeus dedicados
à pesquisa científica em todos os ramos da história natural, incluindo
jardim botânico, museu, zoológico, biblioteca, laboratórios, salas de aulas,
alojamento de professores. Suas coleções serviam a esses pesquisadores e
eram usadas em aulas de medicina, farmácia ou mesmo “arte agrícola”.
Entre 1793 e 1797, o Louvre, cujo projeto ainda parecia incerto, chega a
mudar de nome várias vezes: Museu Francês, Museu da República, Museu das
Artes, Museu Central das Artes. Por trás dessas mudanças de nomenclatura,
estava a própria modificação do conceito de coleção, que fundamentava o
museu. A coleção deixava paulatinamente de representar, em sua formação
e expansão, uma tentativa de desenvolvimento do conhecimento humano,
para se tornar, mais e mais, um conjunto especializado de objetos. Dessa
forma, o Museu de Arte precisava lidar, antes de tudo, com a própria
concepção de objeto de arte. Nesses primeiros anos de funcionamento do
museu, segundo Hans Belting, está em jogo a redefinição da ideia de obra-
prima. Por um lado, surgem os defensores do ideal atemporal da arte antiga,
pretendendo que o Louvre fosse um museu basicamente de esculturas greco-
romanas. Por outro, aqueles que encaram a missão do museu de fornecer
um panorama da evolução das artes ao longo do tempo.
Para Belting, apenas no início do século XIX essa segunda visão se torna
central. Ao se despedirem da escultura de Apolo do Belvedere, saqueada
da Itália durante a conquista napoleônica e devolvida ao país de origem
em 1815, os franceses estavam também dando adeus ao ideal atemporal
de arte. A escultura, que havia resumido o próprio ideal de obra-prima,
sendo qualificada por Winckelmann como a ideia visível do absoluto na
arte, perde seu posto depois da difusão de estudos que distinguem cópias
romanas e originais gregos. O museu passa a venerar outras formas de arte,
especialmente as pinturas europeias a partir do renascimento. O ideal de arte
se torna duplamente histórico, como produto de um certo tempo histórico
e como resultado de uma reflexão histórica sobre a arte (Belting, 2001).

Álbum de família
Em sua história particular, os museus tiveram de colocar atrás de si os
gabinetes de curiosidades, os templos das musas, as igrejas medievais, a
caverna, o Museum de Bruchion, enfim, construir seus antepassados numa
relação de superação e continuidade. A cultura contemporânea, porém,
Arte e sistema de arte [ 267 ]

não se mostra apta a colocar atrás de si, como etapa encerrada, os museus.
Não consegue produzir nada de diferente e, ao mesmo tempo, não pode se
assemelhar aos espaços que tanto critica.
Uma das estratégias atuais é recuperar as fontes esquecidas do próprio
projeto museológico, como a caverna de culto que reaparece no curioso
projeto da Cathedral d’images, em Baux de Provence, na França. As minas do
Vale do Inferno inspiraram Albert Plécy, jornalista e pesquisador da fotografia,
a criar seu peculiar museu, cuja programação alterna, desde sua fundação
em 1977, projeções de imagens de até 100 m² sobre as paredes regulares
de pedra ou o piso da antiga mina de bauxita, combinadas com música e
sonorização. A ideia é produzir, a partir da obra de um artista ou de um tema
selecionado, um ambiente de “imagem total” a partir de mais de cinquenta
fontes de projeção. Não gratuitamente, o nome da instituição evoca o
sentido sagrado, de introspecção e maravilhamento – o que é reforçado
pelos temas abordados, como “A Idade Média”, “A Índia eterna”, “As mais
belas natividades”, “Balada africana”, “Os deuses de pedra”, “Retratos da
China”, ou simplesmente pela escolha de artistas individuais célebres em
todo o mundo, como Michelangelo, Van Gogh, Cézanne, Picasso.
Outra estratégia seria recuperar o sentido lúdico e variado dos gabinetes
de curiosidades. Há cerca de vinte anos, David Wilson fundou na Califórnia
o Museum of Jurassic Technology. Sua ideia era criar um museu diferente,
muitas vezes chamado pelos críticos de pós-moderno, capaz de desafiar nossas
crenças e mesmo nossa razão. Sua proposta era retomar a concepção do
museu como a casa das musas, espaço eclético de apresentação das coleções
de história natural, arte, antropologia e ciência, que pretende – na contramão
dos pressupostos didáticos dos museus – estimular sensações de conforto e
relaxamento diante dos afazeres cotidianos.
Apenas para exemplificar as curiosas histórias que o museu apresenta,
uma de suas vitrines exibe a história fabulosa da formiga de ferrão da
República dos Camarões. Vez por outra, uma das formigas é contaminada
por um esporo de fungo que se aloja na cabeça da formiga como um chifre
de unicórnio. Confusa, a formiga sobe pelas plantas até uma determinada
altura onde se prende até morrer. Dias depois, o esporo cai para contaminar
outra formiga. Lawrence Weschler, autor do livro sobre o museu, Mr. Wilson’s
cabinet of wonder, indagou seu fundador sobre as razões de sua atração pela
saga bizarra da formiga. Ele respondeu se tratar de um duplo metafórico de
sua própria existência, moldada pela compulsão irrefreável de realizar coisas
[ 268 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

fora do padrão. Weschler conclui, no prefácio a outro livro seu sobre J. S. G.


Boggs – artista que pintava cédulas de dinheiro, o que o levou inclusive a
uma série de problemas com a polícia –, que ambos seriam semelhantes no
sentido de suas atuações:
Wilson, nos últimos anos, estaria fazendo pelos museus – e pela
autoridade dos museus – o que Boggs tem feito pelo dinheiro e
pela autoridade do dinheiro. Ou seja, em ambos os casos, você
nunca está seguro de onde está ou de onde deveria estar; o sentido
é sempre escorregadio (2000, p. xi).

O deslocamento entre ficção e verdade, a impossibilidade de se decidir


por apenas um desses lados, parece ser a tônica não apenas desse museu, mas
de outros museus contemporâneos, como já notara Marcel Broodthaers nos
anos 1970 com seu ficcional Museu de Arte Moderna – Seção das Águias.
Talvez David Wilson tenha mais razão do que gostaríamos de admitir: talvez
o museu exista somente como ficção, como motivo de nossa imaginação
histórica. Talvez toda a autoridade que lhe confiamos resida tão somente
na possibilidade de produzir a deliciosa confusão entre a verdade e a fábula.
Já em 1952, o curioso museu-casa das irmãs Comte, em Marsac, França,
falava da arbitrariedade que constitui esses espaços. Alexandre Vialatte
escreveu uma crônica curiosa sobre esse museu cujo interesse residia
exatamente em sua absoluta falta de critério. Reunia tudo o que as irmãs
possuíam, sem qualquer valor específico: do coelho empalhado ao busto
recente de Temístocles, do retrato de Vercingétorix a cabeças de cabras
modeladas e pintadas, de ovos de pássaros à escultura em bronze do deus
Marte. Tudo transfigurado pelas vitrines e etiquetas. Enfim: um “museu
do objeto qualquer”, “museu do museu”, ou melhor, “museu da ideia de
museu”, verdadeiro “metamuseu” capaz de fazer das coisas uma miragem,
de provar que “o museu é uma simples atitude de espírito” (apud Dagognet,
1993, pp. 144-8).
Talvez seja assim, como pura fantasia, que os museus se sustentem
no sistema globalizado da arte. Um signo de nossa impossibilidade de
colocá-los em nosso passado. As respostas a esse dilema, de maneira geral,
tendem a recuperar para os museus atuais um tanto do sentido mágico e do
maravilhamento de sua origem, por vezes aproximando-os temerariamente
de outra fonte – certamente mais poderosa – de encantamento do mundo:
a mercadoria. Em recente exposição polêmica no Museu de Versalhes, Jeff
Koons, artista nova-iorquino conhecido como rei do kitsch, ocupou os
Arte e sistema de arte [ 269 ]

espaços nobres do antigo palácio real com seus infláveis de aço e alumínio
pintados, aspiradores de pó, esculturas da Pantera Cor-de-rosa ou de Michael
Jackson com seu macaco Bubbles. Assume, assim, a paródia para falar da
própria situação institucional da arte.
É alguém que adota como estratégia central o espelhamento irônico
das qualidades estéticas grandiloquentes de Versalhes, essencial para que
o mundo de ídolos e objetos pop se revista de significado. Faz seu próprio
busto dialogar com aquele de Luís XIV feito pelo artista barroco italiano
Bernini, em 1665. Nesse, o rei francês é uma verdadeira força da natureza.
Seu rosto clássico, de traços fortes, contrasta com os longos cabelos
cacheados e com o movimento intenso de suas vestes. Tudo é imponência
e dinamismo. Puro êxtase. No busto de bronze de Koons, os trajes antigos e
a peruca, ao contrário, chamam a atenção para a sua própria artificialidade
e, consequentemente, para o quanto de artifício e imagem espetacular possui
o palácio. Por um lado, revela aquilo que tão ciosamente os dirigentes de
Versalhes tentaram encobrir: sua artificialidade, sua proximidade com a
cultura pop. Por outro, indica uma espécie de salvação por meio do desafio
das próprias noções de arte e artista. Luís XIV e Michael Jackson, Maria
Antonieta e a Pantera Cor-de-rosa, todos passam a fazer parte desse álbum
de família de Jeff Koons, tornam-se seus antepassados eleitos, suas máscaras.
Entretanto, quando vemos alguns exemplos recentes de museus, temos
de repensar seu papel e nos confrontar com outro problema crucial: como
se contrapor a ou se confrontar com os museus se sua forma não é fixa, se
ele parece ora se diluir, ora se refazer a um só tempo? É o caso da luta dos
indígenas brasileiros para recuperar o Museu do Índio de Brasília, cujo projeto
de Oscar Niemeyer se inspirava na casa circular yanomami, com uma praça
central. Segundo Berta Ribeiro, que elaborou o projeto conceitual do museu,
o espaço foi projetado em 1987 para render tributo aos artesãos indígenas
e apresentar sua contribuição à cultura brasileira e universal. O acervo,
rejeitando práticas espoliativas, seria formado por objetos confeccionados
pelos índios hoje. Um jardim botânico seria erguido nos espaços exteriores
para mostrar as formas de relação, classificação e manejo dos recursos
naturais pelos povos indígenas. Seria, portanto, uma inversão da tradicional
função do museu etnográfico: um distanciamento da exibição do exótico
e uma tentativa de enaltecimento da herança pluriétnica e policultural da
América Latina. Todavia, acabou sendo inaugurado como Museu de Arte
Moderna, com uma exposição do artista venezuelano Armando Reverón.
[ 270 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Inconformados com essa subversão do projeto original, os líderes


indígenas conseguiram apoio de vários intelectuais e simpatizantes de sua
causa, iniciando longa campanha para retomar o espaço. Em 16 de abril de
1999, o museu foi reaberto como Memorial dos Povos Indígenas, cujo objetivo
central é promover apresentações de tradições culturais e intercâmbio
entre os povos indígenas do Brasil e do mundo. Atende, assim, a programa
semelhante ao de outros museus, como o Museu do Índio Americano
em Washington, inaugurado em 2004 com a presença de representantes
brasileiros das tribos do Mato Grosso e Maranhão, Suyá, Kaapor e Tapirapé,
após uma longa e tediosa disputa sobre o destino de seu acervo, guardado
em depósitos no Bronx.
A rigor, um museu do índio seria a resolução imaginária de uma
contradição real que envolveu historicamente a violenta decadência da
sociedade indígena. Entretanto, é percebido pelos próprios índios como uma
forma de resistência, uma prática transgressora capaz de promover o colapso
das diferenças. Nas palavras de José Ribamar Bessa Freire (2003), os índios
descobriram que museus podem ser potencialmente explosivos, contribuindo
para a recuperação de tradições perdidas e mesmo para o reconhecimento
social da identidade indígena, essencial inclusive para a demarcação de
suas terras. Foi o que motivou, entre 1988 e 1991, a ampla mobilização
do povo ticuna para a construção do Museu Magüta, na Amazônia. Até a
museografia mais tradicional funcionava positivamente. Recusando o estigma
de primitivos para seus objetos, preferiram construir bases de madeira,
painéis e vitrines para expor o acervo, com legendas em português e idioma
ticuna. Apesar de sua existência institucional ambivalente, oscilando entre
a premiação por entidades nacionais e internacionais e o risco perene de
fechamento, o museu teve pelo menos uma repercussão cultural interessante:
a população da cidade de Benjamin Constant, onde está situado, que nunca
havia tido contato com instituições museológicas anteriormente, acredita
que “museu é coisa de índio”, oferecendo a ele as mesmas resistências que
dedica à população ticuna.
James Clifford (2003) percebeu nos museus tribais norte-americanos –
como o Centro Cultural de U’mista e o Museu Kwagiulth, em Vancouver
– um resultado totalmente inesperado produzido pela forma tradicional de
coleta e exposição de objetos indígenas. Todo o desencantado discurso de
morte das instituições culturais é substituído pelos relatos de luta, memória
e renascimento. Sem escapar do jogo entre arte, mercado e cultura, os
Arte e sistema de arte [ 271 ]

índios conseguiram subvertê-lo. Não gratuitamente, esses museus retomam


o sentido original do templo das musas, associado a espaços abertos,
performances culturais e produção artística contemporânea. O próprio chefe
kwagiulth narra a inauguração do museu nos seguintes termos: klassila, o
espírito da dança, ficara preso nos cárceres de Ottawa e depois fora jogado ao
mar; aquele que o pescou lançou na praia e ele conseguiu entrar na “morada
sagrada: o museu” (apud Clifford, 2003, p. 301).
Seria uma nova função para os museus? Uma reinvenção dessas instituições
tão criticadas na contemporaneidade? Apenas mais um discurso cultural no
meio de tantos outros? Ao menos esses novos museus parecem indicar que
não devemos perdê-los ou desprezá-los integralmente como um acontecimento
cultural pertencente a outro tempo. Muitas das críticas aos museus se ancoram
na sua conversão em passado – um lugar que imaginamos não nos pertencer
e no qual não desejamos habitar. Porém, como acontece com a própria ideia
de arte, esgarçamos seus significados, forçamos seus contornos e limites, mas
não dispomos – parafraseando T. J. Clark – “de uma imagem usável de seu fim”
(2007, p. 8), restando-nos ora a luta e a resistência, ora o trabalho irônico,
melancólico ou decadente de continuação e superação.

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Persistência do passado em
eterno devir

Viviane Matesco
UFF

Indagar-se sobre o sistema de arte nos países latino-americanos deve


necessariamente partir da problematização do termo América Latina, rótulo
impotente diante da diversidade de realidades dos países originários da
América Espanhola e Portuguesa. A heterogeneidade do desenvolvimento
econômico e geocultural de países como Argentina, México, Bolívia e
Honduras inviabiliza qualquer perfil generalizante do sistema de arte. Tal
termo mostra-se também insuficiente nos dias de hoje, pois não dá conta
das migrações maciças e das comunidades transnacionais em um mundo em
que as culturas não se definem pelo critério territorial (Canclini, 2008). Se
as fronteiras ultrapassam a noção geográfica mediante relações interculturais
que não obedecem ao conceito de nação, a situação – periférica – do sistema
de arte da América Latina, no entanto, continua problemática, pois esse
sistema permanece subordinado aos centros hegemônicos, como a outra face
do “Ocidente”, em eterna busca de afirmação.
Como caracterizar elementos comuns em um universo tão distinto?
Refletir sobre o sistema de arte na América Latina significa constatar como
esses países têm traços histórico-culturais comuns; como o passado colonial e
a busca de um lugar no mundo implicaram processos que deixaram estigmas
ainda hoje atuantes. Uma característica comum aos países da América Latina
é a sobrevivência de antigas estruturas convivendo com as subsequentes,
configurando várias camadas de significação que jamais são totalmente
ultrapassadas. A convivência de múltiplas temporalidades se reflete nas
relações do sistema de arte: o período colonial inaugurou a via do mecenato
religioso e de Estado que os processos de independência não apagaram; a
relação de subordinação entre colônia e metrópole e um sistema marcado
pela busca de adaptações artísticas europeias às condições locais constituem
uma estrutura persistente.
[ 274 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Persistências e adaptações na busca de caminho apropriado


sedimentaram uma integração no barroco, na qual convivem diversas
temporalidades. O arquiteto argentino Ramón Gutiérrez (2001) repensou o
significado do barroco americano sem converter o cordão umbilical europeu
em um rígido cabo de transmissão que explique tudo que aconteceu na
América por modelos formais externos. Se a Igreja exerceu praticamente
sozinha a tutela e o mecenato das artes, isso não se traduziu, no barroco,
em um conflito contrarreformista europeu. Trata-se de um cenário em que
as ideias centrais eram escolhidas, adaptadas e modificadas para viabilizar
o projeto de evangelização em outro contexto. Isso significa pensar o
barroco americano como fruto de uma interação cultural, como resposta
criativa a alguns programas que requerem não apenas beleza, mas também
satisfação de necessidades funcionais e espirituais. Ao analisar o sistema de
arte do século XVII, sobretudo em áreas com tradição artesanal anterior à
chegada dos espanhóis, Gutiérrez enfatiza a importância da participação
dos artesãos indígenas68 ou mestiços como mecanismo de ascensão social.
A rede formada pelos grupos de parentesco indígena em grêmios artesanais
e confrarias religiosas incorporava esses setores marginais da sociedade. A
articulação da etnia familiar com o ofício é clara nas sagas de grupos de
artesãos que cobrem secularmente a produção artística na América. Tanto
pelo sincretismo de valores religiosos do paganismo dentro do cristianismo
quanto pela manutenção de valores simbólicos do mundo pré-hispânico, vai
se produzindo uma integração em uma nova cultura barroca. O tempo do
barroco americano articula a conjunção do mundo indígena ao recuperar
os ancestrais nos cenários familiares e ao propiciar o protagonismo social a
partir de sua própria experiência participativa. A permanência de formas
arcaicas no contexto da mestiçagem cultural impõe a ideia da continuidade
do pensamento indígena, expresso pelo mágico, pelo atemporal, pelo mítico
e pelo simbólico nos rituais e nas festividades religiosas. Dessa maneira, o
barroco permite a construção de uma nova identidade superadora do conflito
da conquista, mas sem alcançar a ultrapassagem da dependência.
A riqueza de manifestações regionais que o sistema de arte barroco gerou
sofrerá uma ação homogeneizadora no final do período colonial, a partir da
fundação das academias. Da pioneira Academia de San Carlos, fundada em
1785 na Cidade do México, exemplo do rigor do ensino da norma clássica, ao
É importante ressaltar que a análise de Gutiérrez sobre a importância indígena no barroco não se
68

reduz a traços decorativos de fauna e flora locais, como defendido por uma historiografia de cunho
nacionalista.
Arte e sistema de arte [ 275 ]

tardio Instituto de Artes do Paraguai, em 1885, houve o desenvolvimento de


um modelo que promoveu relativa uniformidade na circulação da arte. Mais
famosa entre as academias hispano-americanas, a de San Carlos, como as outras
da América, era europeia seus objetivos estéticos (Ades, 1997, p. 27). O padrão
neoclássico aplicava-se a quase todos os outros países latino-americanos, o que
revela a escolha da Ilustração e da França como modelo ideológico e cultural
da América Latina, em contraposição ao colonialismo espanhol. Apesar de
parecer descarnado sem a relação com seus determinantes históricos europeus,
o neoclássico expressa os valores buscados para a reestruturação dos recentes
países, mesmo que isso implique incoerências com relação à sociedade (Martin,
2001). O ensino e a estruturação do sistema de exposições a partir das academias
simbolizavam uma modernização que se aliava à adoção do racionalismo e
do positivismo, às liberdades burguesas, ao crescimento da educação secular,
considerados conjuntamente como processo de integração à ordem mundial.
O interesse do setor rural predomina, mas o projeto era claramente urbano
e burguês. É interessante compararmos o sistema de arte do século XIX na
América Latina com aquele dos Estados Unidos, marcado pelo fracasso da
academia do Estado e pelo engajamento profissional em academias criadas
pelos próprios artistas ou em ligas.69 O sentido de comunidade proveniente da
congregação puritana colonial inglesa, caracterizada por relações voluntárias e
pactuadas entre as partes, diferencia-se da municipalidade hispano-americana,
baseada em uma identidade coorporativa que reproduz hierarquias em todos
os níveis da sociedade.70 Essa estrutura se manteve após a independência, e,
apesar das propostas liberais na constituição dos Estados da América Latina,
a sociedade permanecia atrelada ao esquema de patrocínio colonial; Igreja,
Estado e oligarquias continuavam a ser a base das encomendas. Se a fundação
de academias colocou novos valores para a cultura, a persistência de uma
sociedade analfabeta, por um lado, inviabilizava a ampliação da base cultural
e, por outro, introjetava a relação colônia-metrópole na própria hierarquização
social do sistema de arte.

A National Academy of Design era uma contrainiciativa de artistas para competir com a American
69

Academy por membros, patrocinadores e ingressos de exposições que garantissem as despesas.


Fora de Nova Iorque, várias cidades fundaram academias patrocinadas pelos próprios membros das
comunidades. Também relacionada ao espírito empreendedor norte-americano, a formação de ligas
de artistas foi a solução para o dilema do patrocínio; com subscrição, execução de gravura e sorteio
de obras, a American Art-Union passou de oitocentos membros em 1839 para 19 mil em 1849, o
que permitiu a difusão da arte em pequenas cidades do interior (Groseclose, 2000, p. 10).
A esse respeito, ver Richard Morse. “O desenvolvimento urbano na América espanhola colonial”
70

(Bethell, 2001, p. 57).


[ 276 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

É contra a homogeneização do modelo europeu promovida pelo sistema


das academias que as vanguardas modernas se insurgem no início do século
XX. Nesse momento, a fragilidade da base social da cultura e a relação colônia-
metrópole serão travestidas nos dilemas do modernismo latino-americano
diante das tentativas de articulação do nacional e do estrangeiro. Aqui a busca
de linguagens modernas e ao mesmo tempo de uma identidade originária
produz uma ambivalência de que se nutrem as vanguardas. Também era
pela adoção de modelos externos europeus que os diferentes movimentos se
davam a conhecer: manifestos, revistas e exposições reproduziam a dinâmica
europeia. As revistas propunham a renovação das artes, os novos valores, a
importação da nova sensibilidade, o combate aos valores do passado e ao status
quo das academias.71 Se a ruptura com o passado e a questão da identidade
são elementos comuns a todos, a busca de uma nova estética terá respostas
diversas dependendo da conjuntura da região. Assim, assume uma feição
indigenista e revolucionária no México, enquanto nas Antilhas afirma-se a
fusão de múltiplas raízes. Ana Maria Belluzzo (1990) analisa como as práticas
vanguardistas na América Latina deslizam para níveis diversos, ajustam-
se; operam mediante surtos e hiatos, com a coexistência de processos de
renovação artística com sistemas de patronato de Estado, como o muralismo
mexicano. Chama a atenção para o esforço de síntese cultural que vincula
modernismo artístico e modernismo cultural; o artista enfrentava um duplo
desafio: desenvolver métodos artísticos e redimensionar a cultura de seu país.
Como é possível o modernismo em sociedades pré-industriais? O
modernismo sem modernização das condições sociais tem como consequência
a continuidade dos impasses coloniais, uma vez que permanece o divórcio
entre cultura e base social. Nestor Garcia Canclini (1990) defende uma
abordagem dos dilemas culturais da América Latina a partir de uma
interpretação de história híbrida. Analisa essas contradições a partir de três
momentos. Na primeira fase do modernismo, promovida por artistas que
regressavam da Europa, não teria sido tanto o transplante das vanguardas
europeias o responsável por desenvolver a modernização plástica, mas sim
as questões dos próprios artistas para torná-las compatíveis com a realidade
que viam: foi a experiência de estranhamento que fez com que olhassem
seu país de outro modo. Apesar de tropeçarem na falta de mercado artístico
independente, no provincianismo, nas brigas com os acadêmicos e no
É o caso da Proa (1a época) e Martin Fierro (2a época), em Buenos Aires; da Revista Avance, em Havana;
71

e Válvula, em Caracas. Outras estão mais comprometidas com os processos de modernidade do


que com as vanguardas. A esse respeito, cf. Schwartz (1995).
Arte e sistema de arte [ 277 ]

regionalismo ingênuo, nenhum deles significou uma adoção mimética de


modelos importados. Suas contradições e discrepâncias internas expressam a
heterogeneidade sociocultural, a dificuldade de realizar-se em meio a conflitos
entre diferentes temporalidades históricas que conviviam no mesmo presente:
a encruzilhada de uma ordem semioligárquica dominante, uma economia
capitalista semi-industrial e movimentos sociais semitransformadores.
O segundo momento dessa cultura híbrida é aquele da política
desenvolvimentista e de maior industrialização em meados do século XX,
marcado pela diminuição do divórcio entre arte/cultura e base social. É a fase
da fundação de museus de arte moderna (1948 em São Paulo e no Rio, 1956 em
Buenos Aires, 1962 em Bogotá e 1964 no México) e também da diversificação
do mecenato nas artes, quando a burguesia industrial toma para si o papel do
desenvolvimento de instituições artísticas. A ampliação do mercado cultural
permite maior especialização e desenvolvimento experimental de linguagens,
que atingem, no entanto, apenas uma elite da população. No final do século
XX, não se pode mais pensar pelo modelo da dependência. Se continua havendo
desigualdade na apropriação dos bens simbólicos, ela já não tem a forma simples
de dominantes/dominados ou de um mundo em impérios e nações dependentes,
como parte da crítica se colocava na oposição ao imperialismo norte-americano.72
Enquanto nos anos 1950 a 1970 houve uma fratura entre as culturas de elite e
de massa e uma crescente especialização dos produtores e de públicos, nos anos
1980 as empresas se apropriaram da programação cultural para as elites e para
o mercado massificado. A introdução de fundações e centros experimentais
desloca para a iniciativa privada o papel de reordenação do mercado cultural,
o que, no entender de Canclini, ataca o cerne do projeto moderno, já que a
autonomia do campo artístico está agora subordinada à vontade empresarial.
O mundo globalizado é de reformulação radical das relações entre tradição e
modernidade, entre o culto, o popular e o massivo, o que vai muito além da
busca do mercado. Pressupõe também mudanças na constituição de identidades
coletivas, na articulação do nacional e do estrangeiro, e em quase todos os dilemas
da modernidade latino-americana.
Se, com a globalização, o conceito de identidade cultural perdeu sentido
após tudo ter resultado em um sincretismo geral, ainda se vive na América
A exemplo de Marta Traba (1977), que via a arte norte-americana como região da tecnologia que
72

produzia ativamente para atender às demandas das sociedades de consumo, produtora de sinais
que nada tinham a ver com linguagem; por isso a arte latino-americana ficaria na posição de mera
receptora. Áreas abertas (Venezuela, Brasil, Uruguai, Argentina e parte do Chile) e áreas fechadas
(áreas ancestrais mexicana e andina), tempo de entrega e arte de resistência tornaram-se temas
obrigatórios nos meios intelectuais na década de 1970.
[ 278 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Latina a precariedade do sistema de arte com traços coloniais e pré-modernos.


Os antigos impasses assumem outro registro em um período definido pela
multiculturalidade e pelo próprio questionamento das definições universais
de arte. Cada vez mais, arte e política vão interagir e contradizer-se; memória
nacional, sociedades locais e o mercado de arte desenvolvem estratégias que
raramente coincidem (Weibel e Buddensieg, 2007). Os artefatos de etnologia
podem ser relacionados à arte contemporânea e novos entrecruzamentos do
popular tradicional com circuitos internacionais transformam as questões de
identidade e do nacional. Ultrapassar concepções essencialistas da cultura,
que fomentavam visões fechadas de identidade, e buscar um lugar no
mundo mediante um conceito de espaço cultural construído historicamente
por valores comuns parece ser ainda um desafio para a América Latina
(Piñon, 2003). Na crescente desterritorialização da cultura, em que a
contaminação impede definições rígidas, continuamos convivendo com
múltiplas temporalidades e projetando um eterno devir.

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WEIBEL, P. e BUDDENSIEG, A. Contemporay art and the museum, a global perspective.
Karlsruhe: Hatje Cantz Verlag, 2007.
Arte e vitalidade [ 279 ]

arte e vitalidade
[ 280 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0
Arte e vitalidade [ 281 ]

Corpos invisíveis,
corpos que importam

Alexandre Santos
UFRGS

Criar não é uma frivolidade qualquer. O criador empenhou-


se numa aventura apavorante que consiste em assumir
pessoalmente até o fim os perigos arriscados pelas suas
criaturas.
Jean Genet

Embora o conceito de homoerotismo relacione-se à expressão do amor


ou do desejo entre pessoas do mesmo sexo, incluindo homens ou mulheres
em tal situação, neste texto interessa-me pensá-lo pelo viés do masculino.
Dessa forma, a ênfase está ligada à questão do corpo masculino visto como
um depositário de potencialidades que apontam, no plano da arte, para o
desenvolvimento expressivo do homoerotismo. Longe de esgotar uma questão
tão complexa, pretende-se trazer elementos da representação artística
responsáveis pela construção cultural de uma corporalidade específica, a
masculina. Por corporalidade, entendo o conjunto de condições e elementos
que sinalizam culturalmente o corpo, seja de forma implícita ou explícita.
A constituição de uma corporalidade homoerótica na história da arte
não pode ser vista como uma recorrência isolada. Ao contrário disso, para
pensá-la é necessário que a relacionemos com outros elementos que a
dinamizam, como a representação do corpo e as questões de gênero. No
primeiro caso, estamos no campo da própria arte, pois ao relacionar-se com
a representação do corpo o homoerotismo também gravita em torno do
conceito de nu artístico. No segundo, justamente por estar relacionado à
representação do corpo e do nu artístico, o homoerotismo acarreta discussões
que dizem respeito às questões de gênero, ou seja, ao “conjunto de valores,
papéis, comportamentos, atitudes e expectativas que cada cultura desenha
e elabora julgando homens e mulheres em função de haverem nascido com
um sexo ou com outro” (Aliaga, 2004, pp. 10-1). Historicamente, o gênero
[ 282 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

está ligado ao que reconhecemos por masculinidade e feminilidade como


aspectos antitéticos que não se devem mesclar.
A representação do homoerotismo artístico é praticamente atávica às
relações entre arte e vida, pois toca em aspectos ligados a tabus culturais
relacionados aos usos do corpo e à sexualidade. Embora a relação entre arte e
vida sempre tenha estado presente na produção artística, sobretudo quando a
ideia de autoria se afirma na renascença, no que concerne ao homoerotismo
sua manifestação foi, em geral, pouco elaborada pela historiografia da arte.
No desenvolvimento do que hoje reconhecemos como arte ocidental, do
século XV ao XIX, houve a predominância de formas ideais, responsáveis
pelo afastamento da produção artística de seu comprometimento mais direto
com o mundo real, em favor de um campo erudito autônomo e asséptico às
questões mundanas.
Em se tratando do homoerotismo masculino, houve um processo cultural
ainda mais ofensivo responsável pela retração de sua presença na arte. Isso
colaborou para escamotear essa corporalidade desejante, compreendida como
ameaça à ordem heteronormativa, que se afirma tanto com o monopólio
da moral judaico-cristã quanto com a consolidação do ideário iluminista
no Ocidente (Foucault, 1988). Ainda assim, muitos foram os personagens,
míticos ou reais, que solicitaram com frequência a imaginação homoerótica.
Na representação desses temas, houve a construção de uma linguagem de
alusões, de símbolos ou de metáforas responsável pelo desenvolvimento
da expressão discreta daquelas memórias consideradas fora das normas
idealizadas pelo discurso erudito no que concerne à sexualidade. Isso
provocou a existência de uma produção à margem, legada ao silêncio e à
invisibilidade histórica.

Corpos invisíveis e arte


É principalmente na Grécia clássica que encontramos importantes
elementos para a constituição de algumas matrizes referentes à representação
do corpo masculino na arte ocidental, inclusive na expressão do desejo
homoerótico. Ao servir como paideia, ou seja, como elemento ligado à
formação do cidadão que iria atuar nas decisões da pólis, a representação
artística era tributária da constituição de um ideal de homem no qual o corpo,
principalmente o masculino, servia como elemento de base dessa construção
cultural. Apesar de não haver pudor na prática da pederastia (Dover,
1978), esta era recomendada como ritual de passagem ligado à formação
Arte e vitalidade [ 283 ]

das virtudes morais, sociais e políticas de um jovem (erômeno), iniciado


inclusive sexualmente por um homem mais velho (erasta). A representação
explícita desse ato sexual entre homens reservava-se às formas artísticas mais
prosaicas, como a pintura cerâmica. A escultura, como arte oficial da pólis –
presente nos monumentos que ocupavam o cenário da cidade –, seguia um
modelo de representação no qual a humanidade desejante subordinava-se
aos códigos culturais da contenção.
É ao princípio apolíneo que essa produção está relacionada, no qual a
forma artística segue a noção de sophrosyne, fundada no equilíbrio e na razão,
em detrimento das formas artísticas ligadas ao seu oposto, a hybris, conceito
que remete ao desequilíbrio do princípio dionisíaco, mais próximo do mundo
real e das paixões humanas incontroláveis (Nietzsche, 1992). Isso é percebido
claramente na sofisticação formal da escultura do século V a.C, na qual o
corpo nu dos jovens atletas é uma elaboração que combina o real, como
inspiração, com o ideal, como meta artística e moral a ser atingida. Nesse
sentido, a presença de Eros tem de ser discreta, acompanhando o caráter
didático da arte, preconizado tanto por Platão quanto por Aristóteles.
Mesmo quando a relação com o homoerotismo é mais evidente,
predomina a invisibilidade dessa condição, ressaltando em seu lugar atributos
morais a ela interligados. No conjunto escultórico que revive o mito do fim
da tirania em Atenas, Harmódio e Aristógiton (477 a. C), temos claramente
a representação clássica da pederastia, em que um homem mais velho, de
barba, e um homem mais jovem, imberbe, são representados em uma mesma
cena. Ao contrário da representação mais vulgar da pederastia na cerâmica,
nessa escultura, apesar de sua nudez, os personagens são transpostos para
o plano do heroísmo cívico, como “os tiranicidas”, ou seja, aqueles que
contribuíram para exterminar a tirania. Aristógiton levanta sua capa como
a proteger o amante, enquanto Harmódio tem o braço erguido em sinal de
convicta ousadia. A pose e a nudez desses heróis funcionam como fatores
que acentuam mais privilegiadamente sua valentia e a façanha do ato
simbólico em que estão implicados do que propriamente sua afeição amorosa
(Fernandez, 2001, p. 19).
Nos relatos históricos de Tucídides sobre o fato, também narrado por
Aristóteles (Mossé, 1982, p. 20), o pano de fundo do fim da tirania se dá a
partir da história de amor e fidelidade entre os dois personagens envolvidos,
os quais se tornam emblema do fim de uma era: na Atenas do século VI a.C.,
Aristógiton, cidadão pertencente às camadas médias, estava apaixonado
[ 284 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

pelo belo Harmódio, o qual, por sua vez, foi cortejado por Hiparco, filho
do último tirano, Psístrato. Harmódio não apenas despreza a investida de
Hiparco, mas ainda arquiteta um plano juntamente com Aristógiton para
matá-lo. Condenados por Psístrato, os heróis são punidos em praça pública:
Harmódio é condenado à morte e sacrificado, enquanto Aristógiton recebe
a pena do martírio. O sacrifício desses homens é considerado o embrião do
movimento que levou à instauração da democracia em Atenas. O amor
homoerótico aqui se relaciona à ética da fidelidade masculina na Grécia
clássica, assim como ao culto do heroísmo, princípios imprescindíveis para
a organização das cidades-estado.
Na Grécia antiga, são muitos os mitos relacionados ao heroísmo
militar, em que temos constantemente a presença do amor homoerótico.
Aquiles e seu amor por Pátroclo, relatado por Homero e representado em
vasos cerâmicos, parece ser uma das referências mais evidentes. Por outro
lado, o famoso batalhão sagrado de Tebas, formado por 150 erastas e 150
erômenos, demonstra que o companheirismo militar também era uma forma
de extensão da pederastia como ingrediente que reforçava as alianças de
coragem e bravura, necessárias ao sucesso dos empreendimentos militares.
O mesmo se pode dizer do severo exército espartano. É por isso que o mais
importante pintor do neoclássico francês, Jacques Louis David, representa
uma cena de guerra envolvendo os heróis de Esparta em Leônidas nas
Termópilas (1814). Essa tela apresenta um teor homoerótico não explícito,
tributário dos cânones gregos de representação e bastante recorrente em
David, considerado um pioneiro – e, justamente por isso, alvo de críticas
em sua época – na transposição da nudez masculina, herdada da escultura
clássica, para o plano bidimensional da pintura. As críticas endereçadas a
David muito provavelmente referem-se ao caráter real de sua representação,
distanciado dos cânones frios trazidos pela nudez escultórica clássica.
Cabe ressaltar que, em O banquete, Platão refere-se a dois tipos de amor,
trazendo para sua especulação filosófica os costumes universais do mundo
grego em relação ao tema. Trata-se do Eros vulgar, pressuposto das relações
heterossexuais, e do Eros celeste, que preside as relações entre erastas e
erômenos. Se ao primeiro tipo de amor cabe a exaltação do sexo, do prazer
e da união carnal com fins de procriação, caberia ao segundo ocupar um
lugar especial ao qual corresponderiam preponderantemente virtudes da
alma em detrimento do corpo, assim como o alcance do bem moral e da
pureza. Essa noção contribuiu para destituir a representação do corpo de seu
Arte e vitalidade [ 285 ]

viés desejante, em nome da afirmação de uma forma artística cujo desfecho


carnal não interessa, já que está subordinada aos valores espirituais.
Se, por um lado, o tratamento dado ao corpo masculino como lugar da
idealização o separa da realidade por meio de um princípio que traduz sua
importância como uma espécie de ficção, por outro, esse mesmo modelo se
torna imprescindível para que se compreenda o pudor no tratamento dado
à representação dessa corporalidade pela arte no Ocidente, sobretudo se
nos remetermos aos desdobramentos e à influência dos cânones clássicos
nela presentes (Scimé, 2004). O corpo masculino na escultura grega, mesmo
quando representado sem roupa, segue o protocolo do que se convencionou
reconhecer pelo conceito de nu artístico, tornando-se descarnado e asséptico
(Clark, 1956; Berger, 1999). O mesmo acontece com as cenas escultóricas
nas quais existe a representação, sempre codificada, da pederastia. Nessa
lógica, dá-se a instauração, no plano da arte, do que proponho denominar de
“corpos invisíveis”, os quais correspondem à própria materialização da norma,
conduzindo àquilo que Butler (2000) chama de “corpos que importam”.
Na Roma antiga, o homoerotismo não era uma prática condenável,
porém, como na Grécia, sua aceitação social era restrita. A rígida hierarquia
social romana era transposta para as uniões de cunho sexual e, nessa medida,
o homoerotismo era tolerado nas relações entre senhores e escravos, sendo
que o papel ativo era recomendado ao senhor, enquanto o passivo era
protagonizado pelo escravo. Aliás, as relações passivas para um senhor eram
consideradas um crime punido pela lei. Em uma sociedade que se sustentava
na conquista militar exercida pelos homens, sodomizar alguém significava
estender a noção de poder masculino também às práticas sexuais. Assim,
mulheres e subalternos de qualquer sexo, como escravos ou pessoas que
se prostituíam, eram vistos como objetos passivos por excelência, os quais
deveriam servir ao poder e ao desejo masculinos.
Entretanto, como característica da cultura pragmática de Roma,
a arte produzida em seus domínios apresenta uma relação de maior
proximidade com o mundo real. Nesse aspecto, podemos observar uma
ligação mais ampla entre a arte e a vitalidade. Na sociedade que valorizava
o indivíduo por seus feitos, o direito reservado aos patrícios, desde o período
republicano, de cultuar a imagem de seus antepassados mortos pelo culto
às máscaras mortuárias, acaba por tornar-se o elemento que dá origem ao
hábito do retrato escultórico. Como arte fortemente calcada no realismo,
na temporalidade da representação e, sobretudo, na individualização dos
[ 286 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

personagens representados, o retrato evidencia o valor de culto legado aos


heróis eternizados em pedra.
Como extensão disso, nas artes de caráter decorativo percebe-se
uma relação que remete à representação realista dos retratos. Na pintura
parietal e nos objetos decorativos encontrados em Pompeia e Herculano, há
representações que explicitam a emergência de um corpo masculino mais
real, às vezes tocando até mesmo o bizarro. Um exemplo disso é A pesagem
do falo, afresco da Vila dos Vettii em Pompeia, que mostra um homem com
uma imensa genitália colocada sobre a bandeja de uma balança. Seu sexo se
mostra bem mais pesado do que a soma em moedas colocada no outro prato
como contrapeso. A representação é complementada, ainda, pela frase em
latim “Hic habitat felicitas”, ou seja, “Aqui habita a felicidade”.
Sinônimo de riqueza, o culto ao falo era recorrente na Roma imperial,
assim como a representação de sua turgidez, aspecto claramente desprezado e
condenável segundo os cânones gregos de representação do nu artístico. Em
Roma, o falo ereto aparece em diferentes objetos decorativos, como fontes
ou peças feitas em metal. Nesse sentido, há um distanciamento da visão
grega do nu como algo etéreo e desumanizado. Não se trata, entretanto, de
cultuar o órgão masculino no sentido homoerótico, mas de percebê-lo, em
sua turgidez, como veículo da potência e da energia vitais humanas.
Por outro lado, no que se refere aos temas mais voltados para a
representação do amor homoerótico, as diferentes esculturas de Antínoo, o
grande amor do imperador Adriano, são uma referência importante na arte
romana. Não apenas por estarem relacionadas ao amor entre um imperador e
um jovem rapaz, repetindo de certo modo o que era recorrente no mundo grego
com a pederastia, mas também por mostrarem o tema para além das questões
puramente hierárquicas. As representações de Antínoo aludem à existência
do sentimento amoroso entre os envolvidos e, de certo modo, colaboram para
fazer a apologia do homoerotismo intelectualizado e em pleno acordo com os
cânones da cultura helênica, fortemente apreciada por Adriano. As diferentes
imagens de Antínoo espalhadas pelos domínios romanos mostram o grande
amor de Adriano em representações isoladas como um Apolo idealizado,
seguindo os princípios de beleza herdados da escultura grega.1
Quando observamos a sobrevivência dos mitos clássicos na arte ocidental
a partir do renascimento, um exemplo relacionado ao homoerotismo salta
O jovem grego da Bitínia morreu afogado nas águas do Nilo e foi oficialmente transformado em
1

um deus. Além disso, Adriano faz erigir esculturas, templos e também uma cidade em memória
de seu amado: Antinópolis.
Arte e vitalidade [ 287 ]

aos olhos: trata-se do episódio mitológico da paixão de Zeus pelo jovem


pastor Ganímedes, no famoso Rapto de Ganímedes. Transformado em
águia, Zeus rapta o jovem adolescente proveniente da Frígia, levando-o
com ele para viver no Olimpo, onde substituirá a bela Hebe na função
nobre de servir vinho aos deuses. Essa iconografia, que privilegia o rapto
em si, atravessou os séculos e foi representada por inúmeros artistas do
Renascimento, entre os quais Michelangelo e Cellini, ambos extremamente
atuantes na Florença, onde emergiam as ideias neoplatônicas, a partir das
quais houve maior liberdade no tratamento dos temas pagãos. Não era
apenas pelo amor ao legado filosófico da Grécia antiga que a recorrência
do tema se apresentou na arte do período. Entre as razões para a escolha
do mito estava também a possibilidade de os artistas produzirem discursos
homoeróticos de maneira codificada, sem, contudo, carregar o peso social
de sua apologia em ambiente cristão.
Como se percebe, a relação entre questões autobiográficas e arte é
flagrante em atitudes como essas. Na correspondência de Michelangelo
com amigos, há menção ao uso desse tema em contexto diverso daquele
de sua origem pagã, mostrando, com certo escárnio, que representar tal
iconografia seria uma forma de zombar tanto dos tolos, ignorantes de seu
real conteúdo, quanto das próprias regras oficiais da idealização artística
(Fernandez, 2001, p. 49). É verdade que, sob a influência do cristianismo,
o mito do rapto de Ganímedes foi sofrendo diversas alterações até ser, por
fim, destituído de sua conotação erótica, para simbolizar a transcendência, a
iluminação divina ou a subida ao céu (Tamagne, 2001, p. 38). O tema pouco
conhecido da maioria da população poderia servir como uma homenagem
cristã a determinados santos, como São João, do Apocalipse, transportado
ao céu. Para que essa substituição fosse feita, bastaria, por exemplo, colocar
um halo sobre Ganímedes, detalhe que o faria representar o papel de São
João (Fernandez, 2001).
Entre as versões mais provocantes do tema, talvez esteja o desenho que
Michelangelo oferece a seu amigo Tommaso de Cavalieri como uma sutil
declaração de amor, hoje conhecido por meio de uma cópia de Marcello
Venusti, ainda do século XVI. Na obra, as pernas separadas de Ganímedes
são fortemente dominadas pelas presas da águia, em uma atmosfera que
sugere a sodomização do jovem, expondo certa brutalidade ligada à natureza
da relação homoerótica entre os personagens míticos. De certo modo,
continuamos na seara da representação codificada da pederastia, ainda que
[ 288 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

se trate da menção ao amor grego entre um homem mais velho e um mais


jovem. Entretanto, com Annibale Carracci a representação vai mais longe
nesse aspecto, no afresco da Galeria Nazionale d’Arte Antica denominado
A ascensão de Ganímedes (c. 1600). Apesar de seguir o mesmo modelo do
desenho de Michelangelo, a ousadia é maior ao transformar o adolescente
em um homem adulto que abraça a águia como se consentisse a entrega ao
domínio erótico do deus.

Reprodutibilidade técnica e ativismo artístico


A representação do homoerotismo seguiu obedecendo regras que a
enquadram no plano do implícito por longo tempo, sendo estas ameaçadas
somente em momentos esporádicos, seja na produção esparsa dos artistas
consagrados, seja com a entrada mais efetiva da reprodutibilidade técnica e
seus desdobramentos no mundo editorial e na vida cotidiana. A gravura foi
uma forte aliada para a representação artística mais mundana, sobretudo se
nos remetemos à sua ligação com a ilustração de livros obscenos como os
do Marquês de Sade, nos quais eram frequentes as alusões a práticas sexuais
menos ortodoxas, inclusive homoeróticas.
O advento da reprodutibilidade técnica nos séculos XIX e XX caracteriza-
se como um marco a partir do qual há novos parâmetros para pensarmos a arte
e o campo artístico. Foi principalmente com a fotografia que encontramos
uma grande e rotineira banalização da imagem. Esse processo seria ampliado
com o cinema, o vídeo e a imagem digital, transformando sobremaneira a
produção dos artistas e suas relações mais aproximadas com a vitalidade,
incluindo novas visibilidades para o corpo, assim como constituindo novas
maneiras para encararmos a própria representação artística.
O mundo autônomo da arte e suas regras veladas de representação,
como as anteriormente mencionadas no que concerne ao homoerotismo,
vão aos poucos se desmantelando. Com a imagem técnica, da idealização
e invisibilidade anteriores, passou-se, sobretudo a partir das vanguardas
históricas – e, em um grau mais elevado, a partir da contemporaneidade
artística –, a um verdadeiro processo de desvelamento paulatino do corpo;
principalmente considerando a recente capacidade de produção e difusão
rápida de imagens, bem como seu papel junto aos ativismos políticos de
toda ordem.
Ainda no século XIX, a fotografia mostra seu poder de disseminação
de novas ideias ao captar, sem distinções, tudo o quanto existe no mundo e
Arte e vitalidade [ 289 ]

é passível de se tornar imagem (Rouillé, 2005) e ao obrigar as autoridades


a impor censura ao comércio e à exposição pública de imagens obscenas do
corpo, esse grande e lucrativo alvo da própria fotografia (Freund, 1989).
Paralelamente, na passagem do século XIX para o XX se afirmam novas
relações culturais com a corporalidade, em grande parte consolidadas pela
imagem fotográfica, amplamente inserida nas mídias como dispositivo de
divulgação de hábitos e costumes da chamada cultura de massas, inaugurada
com a Segunda Revolução Industrial. O culto à saúde e o nascente hábito
do fisiculturismo deram, por meio da fotografia, uma visibilidade sem
precedentes para o corpo masculino.
Como homem forte e de músculos bem talhados, o alemão Eugen
Sandow, também conhecido como “O magnífico”, torna-se um ícone do
corpo masculino saudável. Não apenas nos espetáculos públicos nos quais
exibe sua força, encarnando personagens do imaginário masculino, mas,
sobretudo, pela disseminação de sua imagem fotográfica. Suas poses e sua
gestualidade ressaltam as qualidades da masculinidade idealizada, reforçando
as construções de gênero endereçadas ao sexo masculino desde a antiguidade
clássica. Trata-se da configuração de um corpo ligado ao poder e subsidiário
da dominação masculina (Bourdieu, 1999). Portanto, mesmo a despeito da
homossexualidade de Sandow, estamos falando de um corpo cuja representação
não permite a fragilidade, a vulnerabilidade ou a erotização. Historicamente,
essas qualidades se constituíram majoritariamente como atributos de gênero
ligados à representação do corpo feminino na arte ocidental, inclusive após o
advento da reprodutibilidade técnica (Mulvey, 1983).
Subjacente ao comércio de fotografias das proezas de Sandow, é
estabelecida uma prática de colecionismo da imagem do corpo masculino
que conhecerá seu apogeu com as chamadas “revistas para homens” da
Belle Époque, ligadas à difusão dos esportes e da saúde corporal e, portanto,
ambiguamente tributárias tanto da representação canônica grega quanto de
um homoerotismo implícito, no sentido de terem sido feitas para o deleite de
outros homens. Essa tradição é seguida pelos magazines norte-americanos
de fisiculturismo no pós-guerra, encabeçados pela pioneira Physique
Pictorial. Cabe lembrar que, nos Estados Unidos, essas revistas de imagens
flagrantemente homoeróticas eram vendidas diretamente a assinantes que
preenchiam o pedido de assinatura, recortando-o de um anúncio de jornal
e enviando-o discretamente pelo correio. Como se vê, uma atmosfera de
clandestinidade marcaria a permissão para fruir esteticamente do corpo
[ 290 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

masculino via imagens, ainda que as mesmas tivessem o álibi cultural de


terem sido produzidas para divulgar a saúde do corpo masculino.
O mascaramento da condição homoerótica se faria presente também
naquelas fotografias mais explícitas do nu masculino. Muitos foram os
fotógrafos que se dedicaram à atividade de produzir coleções de imagens da
nudez masculina em poses acadêmicas para vender aos pintores e escultores.
Com a vantagem do preço das fotografias, os artistas foram paulatinamente
dispensando seus modelos vivos e utilizando em grande escala a imagem
técnica produzida por esses profissionais especializados no tema, muitos
deles advindos da própria pintura (Scharf, 1994). Entretanto, essa prática
da produção de imagens acabou por levar alguns fotógrafos muito além dessa
premissa, realizando estudos de nu masculino com forte teor homoerótico,
como é o caso do francês Eugène Durieu.
Em se tratando de estratégias de mascaramento do homoerotismo,
aparecem ainda na Belle Époque europeia alguns fotógrafos amadores que, ao
utilizarem sua influência social, tornam-se pioneiros no registro fotográfico
de jovens nus em ambientes paradisíacos, privilegiando cenários e poses que
remetiam à cultura clássica. É o caso do barão de Taormina, Wilhelm von
Gloeden. Apesar de esteticamente duvidosas, suas imagens tinham passaporte
garantido no comércio com os turistas que frequentavam as praias da costa
siciliana, pois escamoteavam seu conteúdo homoerótico sob o código visual
do classicismo antigo. Outros fotógrafos que se dedicaram ao tema na mesma
época, como Guglielmo von Plüschow, Vincenzo Galdi e Frank Eugene
Smith, usaram a mesma tática. Em um período no qual a homossexualidade
era perseguida e vista como doença em diversos países da Europa, é provável
que as imagens mais picantes desses artistas tivessem circulação restrita a uma
rede de interessados pertencente ao círculo mais íntimo desses produtores.
Se a fotografia não foi inicialmente bem recebida pelos artistas,
não deixou de influenciá-los, do mesmo modo que deles também
recebeu influências, aspecto que nutriu tanto a modernidade quanto a
contemporaneidade artísticas. Os norte-americanos Thomas Eakins e
Fred Holland Day constituem-se exceções à regra do mascaramento da
corporalidade homoerótica e parecem estar entre os pioneiros no cruzamento
entre arte e vida tendo como linguagem o próprio dispositivo fotográfico.
Eakins realiza, com o auxílio de um assistente, na obra Eakins at 45 to 50
(1884-1889), uma série de autorretratos em que trata sua nudez de modo
realista: um corpo pouco atlético e em provocante pose feminina é mostrado
Arte e vitalidade [ 291 ]

com as nádegas voltadas para o espectador, lembrando a Grande odalisca,


de Ingres (1814). O fotógrafo pictorialista Holland Day, por sua vez, realiza
façanha parecida em sua série Estudo para a crucificação (1896): além de
figurar narcisicamente em algumas imagens, o artista abusa de nus frontais
e da languidez das poses de seus jovens modelos, quase como uma blasfêmia.
Distantes tanto do corpo masculino como construção de gênero quanto
do nu artístico subordinado ao código da contenção herdado da cultura
clássica, essas imagens de Eakins e Holland Day são ainda interessantes
pela autorrepresentação de cunho quase performático. De certo modo, elas
remetem às experimentações posteriores das vanguardas com a fotografia no
início do século XX, momento em que se consolidam as aproximações entre
arte e vida. É o caso de Marcel Duchamp, com a criação da personagem
ambígua Rrose Sélavy, encarnada pelo próprio artista em diferentes situações
e fotografada por Man Ray; ou ainda dos autorretratos de Claude Cahun
na mesma época, mostrando a artista – que posteriormente participaria
do surrealismo – ora como um rapaz bem comportado de terno e gravata,
ora como um homem calvo que veste camiseta de física e tem os olhos e
a boca pintados. Em qualquer dos casos, Cahun, tal como Duchamp, cria
personagens e interpreta identidades sexuais múltiplas diante da câmera
fotográfica, trazendo reflexões sobre os papéis fixos de gênero. O mais incrível
de tudo é que Claude Cahun reservou esta sua produção artística, feita entre
quatro paredes, a um circuito reduzido de amigos íntimos, entre os quais sua
namorada Suzanne Malherbe.
A situação de clandestinidade e/ou marginalidade da iconografia ligada
ao homoerotismo é uma recorrência que se estende até os dias de hoje,
inclusive no discurso da história da arte. Mesmo com a chamada revolução
sexual, a partir da década de 1960, o mundo ocidental não parece estar ainda
suficientemente preparado para receber nem a imagem do corpo masculino
em um sentido de exploração de seus atributos desejantes, nem a imagem
desse mesmo corpo manifestando sinais evidentes de homoerotismo. É o
caso do episódio recente do monumento às vítimas gays do Holocausto,
inaugurado no parque Tiergarten em Berlim, no qual um vídeo assinado
pelos artistas Michael Elmgreen e Ingar Dragset expõe um beijo entre
dois homens, no caso os próprios artistas. Essa obra causou desconforto ao
ministro da cultura, que censurou o convite da inauguração que apresentava
uma imagem do referido beijo.2

“Beijo gay em Berlim ainda opõe artistas e políticos”. Folha de São Paulo, 27 de junho de 2008.
2
[ 292 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Os exemplos de artistas que trabalharam esse tema de modo discreto e


paralelamente à sua carreira mais reconhecida são muitos, do mesmo modo
que outros permaneceram no limbo por se dedicarem a essa questão, inclusive
na contemporaneidade artística. O fotógrafo brasileiro Alair Gomes é um
exemplo dessa condição: ele dedicou quase toda a sua obra ao registro do
corpo masculino, tanto a partir de flagrantes cotidianos na praia de Ipanema,
no Rio de Janeiro, quanto em situações de ensaios de nus realizados em seu
estúdio improvisado, durante as décadas de 1970 e 1980. Gomes passou sua
vida praticamente invisível ao mainstream da arte, uma vez que se dedicou,
sem concessões, ao tema do homoerotismo e ousou fazer frente aos cânones
da representação do corpo masculino. Sua prática poética fora dos padrões
da época em que viveu era, por ele mesmo, considerada um trabalho de
caráter pessoal, incapaz de vislumbrar uma visibilidade mais ampla junto
ao campo artístico e seu conservadorismo.
Se durante os anos 1960 e 1970 vivemos um período imprescindível para
o avanço dos costumes, com os movimentos das ditas “minorias” – feministas,
gays e negros – influenciando também a arte em direção à questão do corpo,
os anos 1980 significaram uma etapa de ambiguidades e retrocessos no que
concerne às liberdades corporais conquistadas nas décadas precedentes,
principalmente em função da epidemia da Aids e a consequente demonização
da diferença, que teve a imprensa como aliada na promoção do pânico. A
resposta a esse retrocesso moralizante se dá no final da década, quando a
noção de diferença é ampliada a partir de movimentos ativistas nos Estados
Unidos e na Inglaterra, com grande adesão de artistas. Esses coletivos, além
de denunciarem publicamente o descaso dos governos em relação às políticas
públicas de saúde, responsáveis pela invisibilidade das vítimas da epidemia
da Aids, propunham um ativismo artístico em prol da visibilidade das
diferenças. O primeiro deles, intitulado Act Up,3 foi criado em 1987, seguido
posteriormente pela chamada Queer Nation e pela Out Rage, ambas de 1990.4
A palavra queer relaciona-se ao modo pejorativo de se referir à
homossexualidade, usada com forte carga de desprezo pelos homofóbicos.
Por outro lado, queer é também uma referência a tudo que é estranho ou
bizarro. Ao ser assumido como o nome de batismo dos grupos interessados

Aids Coalition to Unleash Power.


3

Cf. Tamagne (2001, pp. 236-53). Essas iniciativas constituíram o embrião da chamada queer theory,
4

grupo de intelectuais norte-americanos interessados nos estudos de gênero, entre os quais a crítica
literária e ensaísta Eve Kosofsky Sedwick e a filósofa da Universidade da Califórnia Judith Butler,
ambas teóricas influentes do chamado pós-feminismo.
Arte e vitalidade [ 293 ]

em discutir a diferença afirmativa, essa palavra alcança um sentido político


amplo, servindo para hipotecar as identidades fixas de gênero, legadas pela
concepção dual dos comportamentos sexuais. A politização das diferenças
trouxe uma ampliação dos estudos de gênero no sentido de reconhecer
a sexualidade em suas composições plurais – gay, lésbica, bissexual e
transgenérica –, inclusive considerando situações fluidas entre essas
orientações, bem como em relação às diferentes conformações de gênero
que se ligam ou não aos comportamentos do corpo.
Aos queer studies também foram incorporados aspectos sociais ligados à
diferença, como os problemas étnicos e os dos imigrantes ilegais na Europa
e nos Estados Unidos. Influenciados por Michel Foucault, os estudos queer
se interessam pelas micropolíticas do cotidiano e pela maneira com que
as diversas questões de gênero organizam e desorganizam a dinâmica da
sociedade. Nesse sentido, mais do que reduzir a queer theory a uma história
dos grupos relacionados a ela, temos aqui uma proposta política de reflexão
acadêmica sobre o modo como as diferentes identidades desses grupos se
confrontam, se diluem e se transformam junto ao processo histórico.
É a partir dessas discussões que emergem interesses acadêmicos sobre
diferença e gênero na arte. Desse modo, aquelas produções de artistas que
tocam pelo viés autobiográfico nos comportamentos de gênero abandonam
sua invisibilidade cultural. É o caso da produção anteriormente desprezada
de muitos artistas, como os desenhos e polaroides de nus masculinos de Andy
Warhol, que começam a emergir de sua vasta produção. Ressalte-se, aliás,
que desde os anos 1960 – através dos filmes My hustler (1965), Vinyl (1965),
Screen test (1965), Bike boy (1967) e os curtas-metragens Blow job (1964),
Haircut (1963) e Mario Banana I e II (1964) –, o artista já vinha explorando
a sensualidade do corpo masculino, aspecto que se expande ainda mais em
sua parceria de filmes com o diretor Paul Morrissey, expondo a nudez do ator
Joe D’Alessandro. A filmografia ousada de Andy Warhol não se restringe às
experimentações com as imagens; remete ao próprio universo homoerótico
que marca a obra do artista como um todo e sobre o qual a historiografia
da arte pouco atentou.
Entretanto, o artista que talvez melhor tenha ultrapassado todas as
convenções historicamente constituídas na representação do corpo masculino
e da estética homoerótica seja o norte-americano Robert Mapplethorpe,
inclusive pelo fato de que sua obra passa a ter maior visibilidade em meio à
explosão da Act Up e da Queer Nation nos Estados Unidos.
[ 294 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Com uma produção contemporânea voltada para o uso da fotografia,


Mapplethorpe traz à tona diferentes aspectos da questão de gênero,
discutindo tanto as sexualidades à margem, como o universo S&M de São
Francisco, quanto a exuberância corporal da fisiculturista Lisa Lyon ou dos
negros norte-americanos, por ele fotografados como esculturas clássicas de
ébano. Pela sua repercussão, a fotografia de Mapplethorpe se configura como
um divisor de águas capaz de abrir caminhos tanto para novas gerações de
artistas quanto para a própria crítica de arte, que experimentou um grande
desafio ao se deparar com suas provocações, sobretudo após o processo de
censura sofrido pelo artista ao ser acusado de obscenidade, no final da década
de 1980 (Meyer, 2002).
Para Douglas Crimp, “os debates sobre arte contemporânea não poderiam
mais ser os mesmos depois do furor nacional em torno das fotografias de
Mapplethorpe” (2005, p. 8). O autor se refere ao despreparo, dentro do
qual ele mesmo se inclui, de boa parcela da crítica norte-americana para
lidar com as peculiaridades da arte implicada com o tema do homoerotismo
depois de Mapplethorpe. Ou seja, caberia ao discurso crítico se desfazer dos
preconceitos para lidar mais de perto com a questão da arte e suas relações
com a vitalidade, porém com isenção de preconceitos, repetindo a mesma
naturalidade com a qual o artista trabalhava (pp. 11-4).
Cabe destacar que, quando do advento do processo de acusação de
obscenidade, em 1989, a própria defesa de Mapplethorpe ressaltou nos
tribunais as qualidades formais de sua fotografia, como se constituísse um
verdadeiro processo de apagamento da relação entre a obra e a vida do artista.
Ou seja, um apagamento da memória incômoda ligada aos componentes
autobiográficos de seu trabalho, operação muito recorrente na história da
arte quando o tema gravita em torno do homoerotismo.
O contexto explosivo da década de 1990 propicia a emergência mais
evidente da corporalidade homoerótica, juntamente com a aparição de
um grande caleidoscópio de outras corporalidades que invocam diferentes
práticas desejantes para o corpo. Desse modo, novos desafios se abrem
para a história da arte no que concerne à inserção mais agressiva do corpo
na produção artística. Em suas configurações mais contundentes, essas
corporalidades emergentes fazem frente ao discurso normativo e cutucam o
silêncio cultural programado durante séculos. Repetindo o questionamento
de Butler: “Qual desafio este reino excluído e abjeto produz para uma
simbólica hegemonia que poderia forçar uma rearticulação radical daquilo
Arte e vitalidade [ 295 ]

que ela qualifica como corpos que importam?” (2000, p. 264). Sem dúvida,
sua inserção mais efetiva na arte e na história da arte já significa um passo
fundamental para responder essa pergunta.

Referências
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BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
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Londres: Phaidon, 2000.
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CRIMP, Douglas. Sobre as ruínas do museu. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
DOVER, Kenneth J. A homossexualidade na Grécia antiga. São Paulo: Nova Alexandria,
1978.
FERNANDEZ, Dominique. L’amour qui ose dire son nom: art et homosexualité. Paris:
Stock, 2001.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal,
1988.
FREUND, Gisèle. Fotografia e sociedade. Lisboa: Vega, 1989.
MEYER, Richard. Out law representation: censorship and the homosexuality in twentieth-
century American art. Boston: Beacon Press, 2002.
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ROUILLÉ, André. La photographie: entre document et art contemporain. Paris: Gallimard,
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SCHARF, Aaron. Arte y fotografía. Madri: Alianza Editorial, 1994.
SCIMÉ, Giuliana. “Objeto: hombre”. In PÉREZ, David (org.). La certeza vulnerable:
cuerpo y fotografia en el siglo XXI. Barcelona: Gustavo Gili, 2004.
TAMAGNE, Florence. Mauvais genre? Une histoire des répresentations de l’homosexualité.
Paris: EDLM, 2001.
[ 296 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Tornar-se alferes: declarações


do eu e autoficções

Marcelo Campos
UERJ

Como alguém se torna aquilo que é? A pergunta de Nietzsche em


Ecce homo, livro em que o filósofo faz uma análise de sua trajetória, aponta
a problemática que envolve a representação do eu quando os autores,
artistas, se autorreferenciam em suas criações. Nietzsche, criticando o mito
da objetividade científica, da autonomia da ciência diante da subjetividade,
afirma: “A moral da renúncia de si trai uma vontade de fim, nega em seus
fundamentos a vida” (1995, p. 115).
No conto “O espelho”, Machado de Assis mostra as desventuras de um
cavalheiro que perde sua identidade. Ao vislumbrar a possibilidade de se
tornar alferes, passa a ter sua condição humana reduzida ou substituída pelo
título honorífico. Seus gestos e sua indumentária criam um comportamento
fundamental nessa empreitada. Eis o que podemos denominar: reflexividade.
Então, ao se ver sozinho em casa, o personagem percebe, olhando no
espelho, que não se reconhece mais. Sua imagem não corresponde ao seu
eu. Diante dessa constatação, o protagonista toma uma atitude: veste-se de
alferes e torna a se mirar no espelho. Com isso, volta a ter sua imagem em
consonância com sua autoconsciência. A partir daquele momento, sente-se
outro, torna-se “outro” (Assis, 1994, p. 328).
Tornar-se outro é um processo que ganha distintas particularidades em
culturas e épocas diversas. A hipocrisia era uma qualidade dos atores da
tragédia, louvável e estimulada. O hipócrita é aquele que consegue tornar-se
outro. Porém, quando a outridade se coaduna com o eu, como justificá-la? Em
contrapartida, será que conseguimos nos ver, diante do espelho, separados de
um personagem? Transes, máscaras, vestimentas, papéis sociais, todas essas
demarcações são recorrentes nas autorrepresentações da arte e da cultura.
George Marcus e Michael Fischer consideram que talvez o ponto mais
importante de diferenciação entre as culturas seja a concepção de pessoa,
Arte e vitalidade [ 297 ]

fundamentando as ideias acerca do “eu e a expressão das emoções” (2000,


p. 81). Na Indonésia, por exemplo, a ideia de subjetividade está restrita à
figura pública, não se diferenciando da instância privada, “muito diferente
da [ideia] do eu autônomo europeu descrito por Freud” (p. 84). Podemos
questionar, com isso, a própria noção de sujeito.
O pensamento humano, segundo a antropologia de Clifford Geertz, é
“uma atividade pública – seu habitat natural é o pátio da casa, o local do
mercado e a praça da cidade” (1989, p. 225). Em Bali, os nomes pessoais
são raramente usados, sendo substituídos por títulos públicos – e aqui
entendemos a metáfora do alferes de Machado de Assis – ou por graus de
parentesco – avó, avô, irmão. Portanto, “o nome de alguém é o que resta
para esse alguém quando são retirados todos os outros rótulos culturais”
(p. 235). Aqui, já começamos a questionar o sentido da autorrepresentação
na arte como aquele lugar prenhe de declarações subjetivas, segredadas ao
espectador. Não podemos usar tal noção transculturalmente.
A modernidade ou o colonialismo definiram uma geografia imaginária,
segundo Edward Said, moldada pelo olhar do viajante europeu. A partir
dessa nova cartografia, a noção de sujeito passa a ser ditada pela Europa.
Geertz adjetiva de egoísta nosso arcabouço de definição da personalidade.
Estaria, então, o autorretrato restrito ao sentido do sujeito colonialista
moderno? Ainda que a resposta seja positiva, a autoimagem apareceu em
distintas épocas como assunto representacional. Certamente, não estaria
somente o corpo fadado a habitar toda a personalidade dos indivíduos. Mas,
diante dele, mitos, lendas e obras de arte se dedicaram à representação. E
talvez por isso o autorretrato ganhe destaque quando se pretende a utópica
liberdade íntima do artista.
A antropologia contemporânea, chamada de experimental por Marcus
e Fischer, pode ativar um questionamento para a história da arte: “Como se
pode comunicar a intensidade da experiência de vida em outras culturas?”
(2000, p. 118). Meu objetivo, assim, é ampliar a noção de autorretrato,
exemplificando outros tipos de declarações do eu e de autoficções, conflitos
e fábulas da identidade, nas quais os artistas se autorreferenciem. Marcus e
Fischer chamam tais intentos antropológicos de autoetnografia; podemos,
então, denominar os exemplos a seguir de autoarte. As autorrepresentações
precisam escapar do mero descritivismo dos retratos.
Na iluminura datada aproximadamente de 1402 Márcia pintando seu
autorretrato, pertencente à Biblioteca Nacional de Paris, o rosto já denota
[ 298 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

um assunto instigante. Vemos a personagem diante de dois espelhos: o


real, que ela segura nas mãos, e o retrato pintado na tela sobre o cavalete.
Arthur Danto, ao tratar metaforicamente da mímesis no mito de Narciso,
nos explica que a identificação direta e simbiótica entre o menino Narciso
e o menino-do-reflexo não dá conta da construção de uma obra de arte. Se
fosse apenas a crença na cópia perfeita pela sua fisicalidade, Narciso não
se iludiria e um copista de Caravaggio seria tão genial quanto o artista. O
fato é que a artesania da cópia não define uma obra de arte, assim como
a duplicação de um sujeito diante do espelho não o define como pessoa,
como no citado exemplo do alferes que precisa se vestir para se reconhecer.
Portanto, ser apenas um espelho ou um rosto não é condição principal para
ser um autorretrato (Danto, 2005, pp. 42 e ss).
Sofonisba Anguissola, pintora contemporânea de Michelangelo,
realizou diversos autorretratos. Se autorrepresentou até a velhice, às vezes
em atividade, tocando piano, por exemplo, em uma pintura de 1561. Numa
passagem anedótica, percebemos ainda mais sua autorrepresentação nas artes
da época. Vasari conta que Michelangelo desafiou a artista a fazer o desenho
de alguém chorando. Respondendo ironicamente ao mestre, Sofonisba pintou
uma cena na qual aparece uma menina rindo de um rapaz que chora por ter
metido a mão num cesto de caranguejos. Como mulher, a artista se recusou a
pintar o sofrimento da menina. Distante das representações grandiloquentes
e categóricas da época, executadas por homens, Anguissola podia se dedicar
a representações banais, domésticas, comezinhas, até mesmo ironizando a
primazia masculina. É também a partir de representações de uma realidade
cotidiana, e nem por isso menos dramática, que Frida Kahlo constrói uma
trajetória paralela aos temas políticos, pintados em grandes painéis pelos
muralistas mexicanos. A relação entre a autorrepresentação e o universo
feminino cria importante caminho para este estudo. Louise Bourgeois, Eva
Hesse, Lygia Clark e Ana Mendieta trazem uma pesquisa material, ligando
formas assemelhadas aos órgãos genitais, metaforizando tecidos do corpo,
fluidos, líquidos, estimulando ações erotizadas em ambientes marcados pela
racionalidade masculina da geometria euclidiana.
Tratar da poética feminina é um dos desafios da autorrepresentação na
contemporaneidade, que viu, a partir dos movimentos pelos direitos civis
deflagrados nas décadas de 1960 e 1970, o lugar da mulher como foco de
protestos e de novos sintomas formais na linguagem da arte. Analisada
pelo teórico espanhol Juan Aliaga, a trajetória feminina na arte procura
Arte e vitalidade [ 299 ]

combater, até a atualidade, o androcentrismo e as violências de gênero. Isso


é atravessado tanto pela representação do lar como lugar cuja atuação da
mulher se torna imprescindível – “a casa e a consequente domesticidade
implicavam que a feminilidade se edificava em relação ao ausente marido,
que aportava os recursos financeiros para que a ansiada e publicizada
aspiração à felicidade pudesse se cumprir” (Aliaga, 2007, p. 194) – quanto
pela problemática exploração do corpo feminino como fetiche. Muito se fala
das máscaras africanas nas empreitadas do primitivismo, mas as odaliscas
de Delacroix e Matisse tornam-se emblemáticas do culto ao corpo e da
excitação androcêntrica e exótica diante da outridade. “O tema do harém
e das fantasias viris”, esclarece Aliaga, suscitou o corpo feminino “para
desfrute de um só homem” (p. 304). Com isso, as Olímpias da pintura
ganham destaque, pois configuram um dos signos explorados por Manet e
Cézanne (na passagem do século XIX para a modernidade) e reinterpretados
por Picasso, que até o último instante questionava a presença do homem
diante da cena em Les demoiselles d’Avignon, como vemos nos estudos para
a confecção da obra.
Hoje, no processo de descolonização, autorretratos, autorrepresentações
e autoficções ganham força nos trabalhos de “nativas” que acessam o sistema
de arte mundial. São exemplos disso as obras de Shirin Neshat, Ghazel, Shadi
Ghadirian e da iraniana Elahe Massumi. Assim como Homi Bhabha, Edward
Said e Anish Kapoor, essas artistas são mediadoras entre mundos distintos,
iranianas morando em Nova Iorque. A kiss is not a kiss, de Elahe Massumi, é
uma videoinstalação de 2000 sobre a prostituição infantil filmada em Nova
Déli, “em um país onde se estima que 300 mil crianças estão envolvidas em
prostituição. Em cidades como Bombaim, Déli, Chennai e Calcutá, cerca de
15% das prostitutas são crianças”. No vídeo, uma mulher bela e enfeitada,
como as odaliscas da história da arte, sofre constrangida enquanto a mão
de um homem a acaricia e a desnuda. Aqui, o contratador, em movimento,
empreende a ação. Diferente da negra que desnuda a Olímpia de Cézanne,
agora o próprio homem descobre o corpo da menor e sacia seu desejo diante
das câmeras. Como em Blow job, de Andy Warhol, o close no rosto da menina
deixa a ação subentendida. Porém, o prazer em Elahe Massumi é castrador
e unívoco, relegado somente ao homem. Esse é um dos exemplos em que
artistas nascidas em países periféricos, colonizados, fontes de imagens e
personagens do primitivismo do século XX, usam sua arte para denunciar
problemas sociais decorrentes da colonização e da situação periférica de
[ 300 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

determinadas nações no século XXI. A isso podemos chamar de reflexividade,


de autorretrato.
Aliaga alerta para o erro de enfoque ao se tentar aplicar “os postulados
feministas surgidos no contexto europeu e norte-americano [...] a outros
países com o objetivo de salvar as mulheres das atrocidades da tradição e
dos costumes tribais e religiosos e suas mentalidades atrasadas” (2007, p.
300). A chamada descolonização de países africanos e asiáticos deve levar
em consideração a especificidade dessas culturas.
Em muitas histórias autorreferentes, artistas, ao lidarem com sua própria
biografia, se colocam como personagens. Com isso, o caráter de fábula está
presente em diversas autorrepresentações. Na pintura de Pablo Picasso
A família de acrobatas, de 1905, o pintor se autorrepresentou junto à sua
amante, Fernande Olivier, como malabarista. A mulher do quadro segura um
bebê, enquanto o casal é observado por um macaco de circo. Um fato a ser
destacado é que Picasso quase nunca usava modelos profissionais posando
nos retratos. Como destaca Danto, em importante texto sobre Picasso e o
retrato, mesmo que a história e a crítica de arte atribuam ao cubismo uma
motivação puramente plástica, “a intenção global é apresentar a realidade
sentida em termos de algum equivalente visual”. Sua obra artística, afirma
o autor, é uma “vasta autobiografia pictórica” (2003, p. 264). Como uma
fábula de amor, Marina Abramović também se equilibra, tal qual malabarista,
caminhando quilômetros na Muralha da China em sentido oposto ao seu
partner e amante Ulay na performance chamada Os amantes, de 1987.
Depois de caminharem separadamente, encontraram-se no ponto central
da Muralha e se separaram definitivamente, na vida e na arte. Da ação,
restaram apenas vestígios em fotografias de terceiros. Em um fenômeno de
publicização sem igual para a arte contemporânea, Sophie Calle também faz
do amor uma fábula, saindo da esfera privada para as primeiras páginas dos
jornais. Em Cuide de você, a artista, depois de receber uma carta de seu amante
desfazendo a relação amorosa, resolve enviar a carta para que 107 mulheres a
interpretem. Segundo Calle, ela resolveu pedir ajuda a outras mulheres para
tentar esgotar o assunto antes de romper o enlace.
Hal Foster cria importante polêmica ao desconstruir a crença na relação
direta entre expressão artística e sentimento subjetivo: “A transparência
do real e do eu, tal como assumida pelo modelo expressivo da arte, se
torna problemática [...] a ideia do eu ser uma ficção é libertadora, até
mesmo subversiva” (1996, p. 105). Assim, Foster desarticula a relação dada
Arte e vitalidade [ 301 ]

principalmente pela busca expressiva da imediaticidade e do espiritual. A


partir disso, o eu se destaca como construto, por exemplo, nas imagens de
Cindy Sherman. Suas fotografias são autorretratos. Porém, entre a imagem
apresentada e a modelo (a própria artista), o que vemos são personagens
construídos teatralmente, sempre como still de um filme inexistente. A artista
assume a hipocrisia. Tal exemplo e tal afirmação nos servem para revermos,
na pintura histórica, a insistência de Rembrandt em se autoficcionar durante
toda a sua carreira artística. Vemos o artista com chapéu emplumado, com
paleta e pincel, com expressão de surpresa, com braço repousado em uma
parede de pedra. Da mesma forma, era comum artistas se colocarem em
cenas religiosas, assumindo personagens: Filippo Lippi na Coroação da Virgem,
Botticelli na Adoração do mago, Giorgione como Davi, Van der Weyden como
São Lucas desenhando a Virgem e a criança, entre outros.
Na tentativa de dar materialidade aos retratos, surgem duplos, próteses,
sombras. Em algumas interpretações de si, artistas pautados pela ampliação
da imagem bidimensional criam curiosos objetos. Antonio Manuel, eliminado
em um salão de arte no qual inscreveu a si mesmo como obra, protesta na
abertura ficando nu. Depois, cria a caixa Corpobra. Robert Morris utiliza
a verticalidade fálica da palavra “eu” – “I” – e se coloca nu, em fotografia,
transformando a letra-palavra “I” em porta que, ao ser aberta, revela o corpo
do artista, na obra I-box. Man Ray cria uma espécie de máscara mortuária
com o molde de seu próprio rosto adornado por um par de óculos. Duchamp
cria a prótese de sua própria bochecha em With my tongue in my cheek,
produzindo nessa e em outras obras um jogo de linguagem. Também é do jogo
de linguagem que Bruce Nauman constrói alguns trabalhos autorreferenciais
no intercâmbio entre imagem e reflexo. A partir da tautologia estudada por
Wittgenstein, Nauman nos devolve a todo instante a sentença do filósofo:
o que resta quando se subtrai do fato de que você levanta seu braço o fato
de que seu braço se ergue? Curiosamente, a antropologia de Clifford Geertz
também nos propõe uma clássica sentença lançando uma pergunta: como
interpretar uma piscadela? Nessa lógica da ação, criam-se vínculos entre a
linguagem do corpo e seus significados interpessoais. Coisas diferentes podem
ser ditas com gestos idênticos. Nauman, a partir disso, constrói importantes
trabalhos. Autorretrato como fonte é um dos exemplos em que ele mesmo
encena o lugar do urinol de Duchamp. O corpo, assim, pode ser o ponto de
partida para que relações artísticas se amalgamem com predicados irônicos,
pessoais, de gênero e de ancestralidades.
[ 302 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Nas propostas entre a arte e a construção da primeira pessoa, a etnicidade


atribui importantes relações a estratégias de posicionamento artístico, político
e social. Segundo Geertz, o mundo cotidiano “é habitado não por homens
quaisquer, sem rosto, sem qualidades, mas por homens personalizados”
(1989, p. 229). Nesse hiato entre o ser social e o ser individual, camadas
de cultura são sobrepostas como máscaras sobre pessoas, corpos, rostos.
Como no enigma da linguagem, a representação do eu cairá eternamente
na vacuidade de ser interior e exterior ao sujeito que fala. Na relação
entre corpo social e corpo subjetivo, a pintura corporal indígena fornece,
segundo Lúcia Andrade, “uma espécie de cartão de identidade” (1992, p.
125), marcando distintas passagens na vida de grupos como os Asurini,
por exemplo. Nos grafismos, homem, mulher, corpo, natureza, encantaria
congregam sistemas de representação e sistemas de subjetivação, éthos e visão
de mundo. Então, podemos dizer que a pintura corporal é uma espécie de
autorretrato. Na lógica da máscara africana, é também de identidade social,
cultural e religiosa que tratam os distintivos de cor, forma e, sobretudo, os
mecanismos de encenação. No processo ritual, como no alferes de Machado
de Assis, os seres são outros, tornam-se outros, mascaram-se. A moral da
máscara percorre a arte e configura importante fetiche para representações
da alteridade, desde Les demoiselles d’Avignon a artistas que refazem seus
próprios rostos como máscaras, como Jean Michel Basquiat ou Jimmie
Durham, destacando suas ancestralidades.
Jimmie Durham também faz de sua arte um “cartão de identidade”
ligando-a a seus distintivos étnicos. Descendente de índios Cherokee,
Durham nasceu em Arkansas, em 1940. Dos objetos, o artista sublinha o
caráter de fetiche, de totem, apropriando-se tanto de elementos da cultura
urbana quanto de amuletos e materiais tipicamente indígenas, como penas de
aves e peles de animais. Usa a palavra, escrevendo sobre objetos instalativos
tal qual no uso do grafite e dos escritos íntimos espalhados pelas cidades.
Faz de sua herança étnica sua política, seu protesto, aderindo a movimentos
indígenas, patrulhando exposições de arte. Para a XXVII Bienal de São Paulo,
Durham estimulou um boicote por não apresentarem nenhum espaço para
os indígenas. Em um autorretrato, o artista cria uma peça de corpo inteiro
em material que mimetiza uma pele humana. Podemos chamá-la de máscara,
já que para os indígenas a máscara muitas vezes se estende pelo corpo,
sendo composta, por exemplo, por roupas, macacões de líber, entrecasca de
árvores. O rosto, na obra de Durham, é colorido por maquiagens, as orelhas
Arte e vitalidade [ 303 ]

têm brincos classicamente indígenas. Por todo o corpo, são escritas frases
e declarações em primeira pessoa: “Olá, eu sou Jimmie Durham, eu quero
explicar algumas coisas básicas sobre mim mesmo...”. Assim, Durham vai
apresentando seu próprio corpo – abdômen, pênis, rosto – em frases críticas
e irônicas, como “Os pênis indígenas geralmente são grandes e coloridos”.
Classifica-se a si mesmo como fetiche, dividindo o corpo como o de um
animal a ser esquartejado. Durham, com isso, trabalha “com signos sociais
como discursos que devem ser superados” (Campos, 1999, p. 34). Critica
o preconceito diante da ancestralidade dos sujeitos, que muitas vezes são
classificados pela característica da pele e por seus objetos identitários e
exóticos, colocando-os como outsiders, como inimigos, principalmente
por não pertencerem às linhagens de sangue da corte, à posse dos meios
de produção da burguesia ou aos recônditos do clero – três vínculos que
definiram a história da arte até o século XIX.
O autor sempre ocupa o lugar de um morto. Benjamin, Foucault e
Agamben se dedicaram a nos fornecer pistas sobre esse hiato entre narrativa
e narrador, autoria individual e domínio público. A narrativa quer ser perfeita
a ponto de apagar de vez a autoria e o narrador que se coloca sempre às
margens do texto, manipulando fatos e dados que o precedem. No pós-
estruturalismo, aprendemos a dizer: “Eu”. O sujeito-autor, tão excluído
do discurso a favor de universalismos, autonomias da linguagem, hoje se
coloca como ser subjetivo, culturalmente inscrito. James Clifford relata a
experiência da etnógrafa Marjorie Shostak, que se dedicou a pesquisar a
condição feminina numa comunidade de caçadores-coletores. Nisa, sua
informante, lembrava e explicava a própria vida, perfazendo os fatos sociais,
coletivos. Shostak, atenta à pertinência de manter a autonomia textual de
sua personagem, vai construindo a duração de um ciclo de vida: casamento,
sexo, maternidade, perda, envelhecimento. Porém, somente quando Shostak
se dedica ao registro do trabalho de campo é que encontramos as chaves
para diversas explicações incompletas na teoria. O livro, segundo Clifford,
parte de um novo interesse do pós-estruturalismo em “revalorizar aspectos
subjetivos, mais precisamente intersubjetivos” (2002, p. 76).
Nessa construção da intersubjetividade entre Shostak e a comunidade
Ikung, numa observação a princípio distraída, a consonância entre
representação e autorrepresentação se deu. Shostak percebeu que uma
menina de 12 anos olhava insistentemente seu próprio rosto no retrovisor
do Land Rover da equipe de trabalho. A antropóloga, então, usou um modo
[ 304 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

de tratamento, uma brincadeira própria daquela comunidade que era um


elogio às avessas: “Tão feia”, disse. “Como pode uma menina desta idade
ser tão feia?”. Ao que a menina respondeu: “Não, de jeito nenhum, eu
sou bonita”. “Bonita?”, disse Shostak. “Talvez meus olhos tenham ficado
gastos com a idade, e por isso não consigo ver onde é que está essa beleza”.
A menina respondeu: “Está em todo lugar, no meu rosto, no meu corpo.
Não tem nenhuma feiura aqui” (Clifford, 2002, pp. 77 e ss.). A etnógrafa
tocara num dos distintivos mais subjetivos de classificação da alteridade, a
beleza. Segundo James Clifford, ao assumir a primeira pessoa do discurso,
despojando-se do lugar de cientista e colocando-se como personagem de
uma história, a antropóloga forneceu a profundidade que faltava para essa
alegoria etnográfica. Uma se mirando no espelho da outra. Diferenças de
idade, de destinos, de desejos e de etnicidade. Reflexividades em jogo na
construção do feminino. Dois sujeitos diante do espelho.
Diante dos espelhos, vimos cenas clássicas da história da arte. O espelho
pode ser entendido como protagonista nas encenações das bailarinas de
Degas, no quarto do casal Arnolfini, na opulência de Versalhes. Yinka
Shonibare reinterpreta essa herança da história da arte, mostrando-nos uma
dicotomia que define a primeira pessoa e ganha, cada vez mais, o interesse
da arte e da antropologia: a etnicidade. Na série fotográfica Odile e Odete,
Shonibare coloca uma cena de balé com a bailarina diante do espelho.
Porém, a imagem refletida muda a etnicidade da personagem: uma branca,
outra negra. O balé, um dos mecanismos mais usados para a constituição da
feminilidade civilizatória, é denunciado pelo artista como lugar de exclusão
social. Hoje, para alguns desde Magiciens de la Terre, as exposições de arte
se dedicam a incluir uma pluralidade de lugares e artistas para além dos
circuitos estabelecidos. Atualmente, qualquer bienal no mundo apresenta
artistas iranianos, africanos, brasileiros. Talvez isso seja um sintoma do
multiculturalismo. Yinka Shonibare é negro, nasceu em Londres e foi morar
na África com três anos de idade. É um desses sujeitos em trânsito sobre os
quais tratamos anteriormente. A roupa define o alferes de Machado de Assis
e a suposta África define Shonibare. O artista tem no tecido supostamente
africano sua marca identitária. Faz instalações com manequins vestindo
roupas de corte, porém todas em tecidos multicoloridos, estampados com
motivos africanos. Já se inicia aí sua primeira denúncia: grande parte dos
tecidos tipicamente africanos é produzida nas indústrias da Holanda. Nas
instalações, Shonibare explora cenas típicas do processo civilizador, sujeitos
sentados em escrivaninhas, assinando documentos, empunhando armas.
Arte e vitalidade [ 305 ]

Em diversas obras, o artista encena poses eróticas, mostrando personagens


tentando levar vantagens. Cita, recorrentemente, a história da arte para
denunciar a exclusão social e geográfica. Apropria-se da famosa série de
Goya, chamada O sono da razão produz monstros, e inclui um ponto de
interrogação precedido por lugares no final da frase: “O sono da razão
produz monstros na América, na Ásia, na Austrália, na Europa?”. Para cada
fotografia, o personagem sentado muda de idade e de etnicidade. Com esse
último exemplo, podemos dizer que o sono da razão também produziu uma
história da arte excludente e geocêntrica.
Tal qual o alferes de Machado de Assis, diante de mim mesmo e das
autoficções analisadas neste texto, tenho diversas imagens e declarações de
reflexividades: reproduções fidedignas? Imagens e semelhanças? Como fornecer
a construção da primeira pessoa do relato? Como inserir um texto numa
autoanálise? Entre minha imagem etnicamente mestiça, academicamente
híbrida e as imagens-de-reflexo exemplificadas aqui, insistem como presença,
ora estrangeira, ora familiar, os vazios da arte e do espelho.

Referências
ALIAGA, Juan. Orden fálica: androcentrismo y violência de gênero en las prácticas artísticas
del siglo XX. Madri: Akal, 2007.
ANDRADE, Lúcia. “A marca dos tempos: identidade, estrutura e mudança entre os Asurini
do Trocará”. In VIDAL, Lux (org.). Grafismo indígena. São Paulo: EDUSP, 1992.
ASSIS, Machado de. “O espelho”. Obra completa de Machado de Assis. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1994, v. 2.
CAMPOS, Marcelo. “Jimmie Durham, um cherokee na arte contemporânea”. Anais
do VII Encontro do Mestrado em História da Arte. Rio de Janeiro: PPGAV/ EBA/
UFRJ, 1999, pp. 29-36.
CLIFFORD, James. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio
de Janeiro: Ed. da UFRJ, 2002.
DANTO, Arthur. “Picasso y el retrato”. La Madonna del futuro. Barcelona: Paidós, 2003.
------. A transfiguração do lugar-comum: uma filosofia da arte. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
FOSTER, Hal. Recodificação: arte, espetáculo e política cultural. São Paulo: Casa Editorial
Paulista, 1996.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
MARCUS, George e FISCHER, Michael. La antropologia como critica cultural: un momento
experimental en las ciências humanas. Buenos Aires: Amorrotu, 2000.
MASSUMI, Elahe. A kiss is not a kiss, 2000 (disponível em http://www.elahemassumi.com).
NIETZSCHE, F. Ecce homo: como alguém se torna o que é. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
[ 306 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

A biografia, o gênio e a morte


do autor

Maria de Fátima Morethy Couto


Unicamp

Eu realmente penso que não sou ninguém. Se você trabalha


como artista, você se devasta. Quanto mais você trabalha, menos
você existe, e cada vez que você dá uma entrevista, uma parte
de você desaparece. Parece horrível, mas também pode ser uma
coisa boa, pois é mais fácil viver do que fazer arte.
Christian Boltanski

Os primeiros trabalhos de caráter experimental do artista francês


Christian Boltanski, realizados entre o final da década de 1960 e o início da
década de 1970, foram, em sua maioria, concebidos de modo a discutir os
limites da narrativa biográfica. Servindo-se de imagens, textos e objetos de
diferentes origens e com eles construindo pequenos livros de artista, vitrines
museológicas ou instalações, Boltanski recriou o passado de seus personagens,
atribuindo legendas falsas às suas fontes iconográficas, modificando a
cronologia dos eventos retratados, cruzando o ficcional e o documental e
embaralhando a história. A seu respeito, soube elaborar, com perspicácia,
uma versão mitificada de sua própria existência, tecendo uma narrativa de
primeira pessoa sem relação intrínseca com sua vida cotidiana.
Em Recherche et présentation de tout ce qui reste de mon enfance, 1944-1950,
seu primeiro livro de artista, editado em 1969, Boltanski reuniu imagens
diversas – fotos de família, da turma da escola, de objetos de infância – e
fragmentos de textos, identificando-os como seus por meio de legendas
precisas. Embora Boltanski afirme, na apresentação do livro, ter-lhe sido
muito difícil reencontrar aqueles poucos elementos ligados a seu passado
e declare que só foi possível “provar sua autenticidade, situá-los com
exatidão”, por meio de “questões incessantes e de uma pesquisa minuciosa”,
vários dos objetos ali reproduzidos jamais lhe pertenceram. Em 10 portraits
photographiques de Christian Boltanski 1946-1964, de 1972, temos acesso a um
Arte e vitalidade [ 307 ]

conjunto de fotografias em preto e branco de formato idêntico cujas legendas


manuscritas indicam tratar-se de registros do artista em diversas fases de
sua vida, dos dois aos vinte anos de idade. Na realidade, essas fotos foram
tiradas por sua companheira no mesmo dia, no parque de Montsouris, em
Paris, de diferentes crianças e rapazes em poses similares. Apenas a última
imagem do conjunto é de fato de Boltanski, mas sua legenda também é falsa,
pois ele teria, naquele momento, quase trinta anos de idade e não vinte,
conforme indicado.
É importante ressaltar que o artista jamais teve a intenção de esconder
por completo sua suposta farsa. No caso de 10 portraits photographiques, por
exemplo, um observador atento não demoraria a duvidar da relação entre
texto e imagem em razão da pouca semelhança entre os retratados. Em outras
ocasiões, o caráter ficcional da narrativa por ele estabelecida se faz ainda
mais evidente, como em Reconstitution d’un accident qui ne m’est pas encontré
arrivé et ou j’ai trouvé la mort, também de 1969, livro no qual ele agrupa
documentos variados que comprovam sua morte futura em consequência
de um acidente de bicicleta.
Boltanski tampouco buscou construir uma autobiografia heroica
ou gloriosa. Muito pelo contrário: ele afirma jamais ter desejado falar
verdadeiramente de si, pois o que lhe interessa de fato é “a passagem do
que é mais íntimo ao que é mais coletivo”. A seu ver, o artista é aquele que
envia uma espécie de estímulo ao observador, cabendo a este apropriar-se
da imagem/estímulo oferecida e terminar livremente a obra. O artista é
alguém que possui um espelho no lugar do rosto, no qual cada um pode ver
seu próprio reflexo. “Ao falar de si, ou de um sujeito inventado, o artista fala
de cada um, e cada um pode ali se reconhecer”, declara. A seu respeito, diz
“ter sempre tudo inventado, nunca havia nada de verdadeiro. Eu inventei
uma infância comum, a mais coletiva possível, sem a menor anormalidade”
(Boltanski e Grenier, 2007, pp. 83-4). “Grande parte de minha atividade”,
sustenta em outra ocasião, “está relacionada à ideia de biografia, mas uma
biografia totalmente falsa e dada como falsa por meio de toda espécie de
provas falsas” (apud Gumpert, 1992, p. 13).
Boltanski parece perseguir os mesmos objetivos em outras obras desse
período que não possuem caráter autobiográfico. Em Album de photos de
la famille D. entre 1939 et 1964, elaborada em 1971, ele escolhe e manda
refotografar cerca de 150 fotos de família dentre as várias que um amigo lhe
emprestara e, sem conhecer detalhes da vida das pessoas nelas retratadas,
[ 308 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

tenta reconstituir a história desse núcleo familiar compondo arranjos visuais


e ordenando as imagens da maneira que acredita ser a mais coerente. Em seus
Inventaires, instalações apresentadas ao todo em sete ocasiões distintas, de 1973
a 1989, e compostas por um conjunto variado de objetos (móveis, utensílios
domésticos, objetos decorativos e de uso pessoal etc.) que pertencem ou
pertenceram a uma determinada pessoa, em geral desconhecida do artista, ele
deixa para o espectador a tarefa de recompor a vida desse indivíduo, levando-o
assim a refletir sobre o que se pode aprender sobre alguém examinando seus
bens pessoais. Na realidade, na opinião de Boltanski, cada pessoa que entra
em contato com um de seus Inventários reencontra seu próprio eu, seu próprio
retrato. “Aprendemos mais sobre nós mesmos do que sobre a pessoa objeto do
Inventário” (Boltanski e Grenier, 2007, p. 77).
Para Didier Semin, os trabalhos de cunho autobiográfico de Christian
Boltanski contestam de forma direta uma tradição narrativa que remonta a
Vasari e seu projeto de descrever a vida dos artistas tal qual “um épico, uma
coleção de anedotas edificadoras e feitos miraculosos” e que persiste ainda
hoje. Assinalando que “a arte contemporânea, para muitos, consiste mais
na memória de ações remarcáveis feitas pelo artista do que em trabalhos
autônomos concebidos para sobreviver aos percalços do tempo”, Semin
(2008) observa o quanto o jovem Boltanski distanciou-se de outros nomes
de destaque no cenário artístico internacional dos anos 1960-1970, como
Warhol ou Beuys, ao construir para si uma identidade fictícia fortemente
estereotipada e pouco invejável. Além disso, ao manipular constantemente
suas fontes e documentos, ao confundir voluntariamente realidade e ficção,
faz-nos suspeitar de relatos pretensamente autênticos, centrados na figura
do autor/criador e sua história individual.
Para os fins deste texto, que tem por objetivo analisar as repercussões
da narrativa vasariana, calcada na relação entre biografia e obra, para a
história da arte ocidental, interessa-me ressaltar o quanto o trabalho do jovem
Boltanski, entre outros tantos exemplos desse mesmo período, obriga-nos
a refletir sobre a validade de um modelo de escrita e de pensamento que
celebra o artista por sua singularidade e concebe a história da arte como o
campo de estudo dos feitos de homens excepcionais.
Como demonstra Georges Didi-Huberman no livro Devant l’image.
Question posée aux fins d’une histoire de l’art, tratava-se então, para Vasari,
de elaborar um novo gênero de “narrativa que tivesse um sentido, ou seja,
uma direção e um fim [...] mas que também pudesse ser lida pelo príncipe
Arte e vitalidade [ 309 ]

[mecenas] e que fosse eficaz e autoglorificante para todos os artefici del


disegno” (Didi-Huberman, 1990, p. 86). Como objetivo maior, havia o
interesse em romper com a noção de arte enquanto ofício e legitimar a arte
renascente – em especial a florentina – como uma prática “nobre, coerente,
uma prática intelectual e liberal” e seus criadores como homens de elite.
Na visão de Vasari e de vários de seus contemporâneos, a Idade Média
fora um período sombrio, pois relegara os artistas da antiguidade clássica
ao esquecimento, apagando seus nomes da história, assim como seus belos
exemplos. Dentro desse espírito, Vasari empenhou-se em “salvar os artistas
de sua segunda morte” escrevendo sobre suas vidas, trajetórias e trabalhos,
tornando assim a arte inesquecível ou imortal. Renegou ainda o modelo
de aprendizado das corporações medievais, auxiliando a fundar, em 1563,
a Academia del Disegno em Florença, que “consagraria definitivamente o
métier do artista como liberal” e daria início à era das belas artes.5 O que se
constitui nesse momento, afirma Didi-Huberman,
é uma segunda religião, uma religião localizada no campo denominado
‘arte’. Ela promove seu conceito de imortalidade com base em uma
utilização glorificante da memória [...]. A religião que inventa Vasari
é uma religião de classe – e mesmo uma religião de primeira classe,
que concerne apenas os homens de elite [...]. A história da arte teria
então nascido – ou renascido – inventando um novo gênero humano:
uma elite, uma nobreza não do sangue, mas da virtude (1990, p. 83).

A valorização desse novo corpo social, dessa nova categoria profissional,


à qual o próprio Vasari pertencia, dar-se-á, portanto, por meio de diversas
estratégias de positivação, entre as quais a elaboração de relatos histórico-
biográficos plausíveis, instigantes, laudatórios e agradáveis, porém não
necessariamente verdadeiros. Em estudo no qual analisam a construção da
imagem do artista na sociedade ocidental, Ernst Kris e Otto Kruz identificam
traços recorrentes – fórmulas narrativas, anedotas artísticas, episódios
biográficos similares – que se repetem com pouca ou nenhuma variação
em diversas biografias ou crônicas sobre artistas – pintores, escultores e
arquitetos – escritas em diferentes momentos da história, algumas das quais
anteriores a Vasari. Kris e Kurz consideram haver uma raiz comum entre
Recorde-se que pintura e escultura eram até então consideradas artes mecânicas, como toda
5

e qualquer ocupação manual. Segundo tradição herdada da antiguidade clássica, formavam as


chamadas artes liberais a gramática, a dialética, a retórica, a aritmética, a geometria, a astronomia
e a música. Nathalie Heinich (1993) considera que, no caso da França, foi a fundação da Academia
Real de Pintura e Escultura, em 1648, que possibilitou o rompimento com o quadro corporativo
medieval dos chamados fazedores de imagens (imagiers).
[ 310 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

esses temas biográficos típicos e as estórias de caráter mitológico, em especial


as que tratam da saga dos heróis, e acreditam que tal associação remonta
aos primórdios de nossa história escrita, ainda que nem todas as culturas
e sociedades antigas tenham conferido um lugar especial a seus artistas
plásticos. A pesquisa de ambos busca comprovar que,
desde o momento em que o artista fez a sua aparição em registros
históricos, algumas noções estereotipadas foram relacionadas a seu
trabalho e sua pessoa – preconceitos [preconceptions] que nunca
perderam inteiramente sua importância e que ainda hoje influenciam
nossa visão do que seja o artista. [...] Apesar de todas as modificações
e transformações sofridas, elas mantiveram alguns de seus significados
originais até o passado mais recente, apenas sua origem se perdeu de
vista e deve ser minuciosamente recuperada (1979, pp. 3-4).6

Várias biografias, por exemplo, referem-se à infância do artista,


descrevendo o momento em que ele, ainda criança, teve seu talento
reconhecido por um passante – em geral alguém de renome – por conta
dos desenhos que realizara ao acaso, enquanto desempenhava suas tarefas
cotidianas. É nesses termos que Vasari relata a descoberta de Giotto, filho
de um simples camponês, por Cimabue, tecendo comentários similares
a respeito de Andrea Sansovino e de Andrea del Castagno. Semelhante
história se conta sobre o pintor japonês Maruyama Okyo, descoberto por
um samurai de passagem depois de ter desenhado um pinheiro em um saco
de papel na loja da cidade (Kris e Kruz, 1979). O artista, nesse caso, é visto
como uma criança prodígio que, em razão de um acontecimento fortuito – ou
do destino –, tem a possibilidade de mudar de status social. Afirma-se ainda,
nesse contexto, a ideia de que a criatividade artística não é determinada por
horas de prática ou de aprendizado, mas por um dom especial, um talento
inato que justificaria o pertencimento do artista à comunidade de gênios.
Outro tema – constante nos relatos biográficos dos mais variados
períodos e culturas – usado com o intuito de ressaltar a virtuosidade do
artista diz respeito à sua capacidade de imitar com destreza o real, ou mesmo
de superá-lo, corrigindo suas imperfeições e iludindo completamente o
espectador. São frequentes as passagens que descrevem situações nas quais
a obra de arte é confundida com a realidade, em que o retrato é tomado
por aquele que ele retrata, esculturas parecem dotadas de movimento ou

Todavia, os autores salientam que somente a partir do renascimento, quando o pintor e/ou escultor
6

logra romper com a tradição do anonimato e ganha reconhecimento público e status diferenciado,
a biografia do artista se consagra enquanto gênero narrativo independente.
Arte e vitalidade [ 311 ]

seduzem seus próprios criadores e animais pintados atraem aqueles que


vivem. É célebre o trecho em que Plínio narra o encontro dos pintores
Zeuxis e Parrhasios:
Zeuxis pintou uvas; alguns pardais que por ali voavam tentaram bicá-
las. Parrhasios pediu então para Zeuxis acompanhá-lo a seu estúdio,
onde ele demonstraria que poderia fazer algo parecido. No estúdio,
Zeuxis pediu para Parrhasios puxar a cortina que cobria a pintura. Mas
a cortina era pintada. Zeuxis reconheceu a superioridade de Parrhasios:
‘Enganei os pardais, mas você me enganou’ (Kris e Kruz, 1979, p. 62).

Kris e Kurz também fazem menção a escritos mais recentes, que datam
dos séculos XVI-XVIII e que se servem dos mesmos artifícios para exaltar
a mestria de alguns artistas do renascimento, como o relato de Vasari
sobre passantes que confundiam o retrato do papa Paulo III, que havia
sido colocado por Ticiano para secar em uma janela, com o próprio papa,
e o saudavam. Outro exemplo é o relato de Zuccaro sobre um cardeal que
entregou caneta e tinta para a imagem do papa Leão X pintada por Rafael,
visando obter sua assinatura, ou ainda a história contada por Aretino do
cordeiro carregado por São João Batista em um quadro de autoria de Ticiano
que provocou balidos alegres de uma ovelha.
Se é evidente que essas historietas, tais como as fábulas criadas por
Boltanski, são inverídicas e hoje nos fazem rir, seu valor como figura retórica,
como instrumento de persuasão, não deve ser menosprezado. Elas revelam
que, nas mais diferentes sociedades, a narrativa biográfica é um recurso eficaz
e poderoso de legitimação do artista.
É por outro viés que Maurice Merleau-Ponty aborda o tema da relação
entre a vida e a obra de um artista em “A dúvida de Cézanne”. Nele, o
filósofo francês nos leva a refletir sobre a impossibilidade de associarmos de
forma direta e unívoca dados biográficos, da ordem do pessoal, ao fracasso
ou ao sucesso estético de uma obra de arte, contestando as análises que
viam Cézanne como um “gênio abortado” (Émile Zola) ou como um pintor
que se entregara “ao caos das sensações (Émile Bernard), tal qual Frenhofer,
personagem da Obra prima ignorada, de Balzac. “Não teria sido o fato de
terem dado muito importância à psicologia, ao conhecimento pessoal de
Cézanne, que levou Zola e Émile Bernard a acreditarem no fracasso do
amigo?”, pergunta-se Merleau-Ponty (1975, pp. 303-16).
Cabe ressaltar que, em seus últimos anos de vida, Cézanne viu
seu isolamento e sua rotina alterarem-se em função da visita de vários
[ 312 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

admiradores de sua obra, os quais, impulsionados por sua crescente reputação,


mostravam-se interessados em conhecer suas ideias e seu método de trabalho.
Muitos desses visitantes e algumas de suas (poucas) relações mais próximas
não tardaram a publicar artigos e livros sobre seus encontros com o “mestre
de Aix”, nos quais entremeavam comentários sobre sua obra com declarações
a respeito de seu temperamento difícil, sua misantropia, suas hesitações.7 Nos
textos de Émile Bernard, por exemplo, podemos ler que “na rua as crianças
riam dele [Cézanne] e lhe atiravam pedras” (1978, p. 54). Ou ainda que, em
uma ocasião, ao tentar ajudar Cézanne a se manter de pé, o pintor
foi tomado por um acesso de cólera, começou a xingar e me destratou.
Então, correu adiante, olhando de tempos em tempos receosamente
em minha direção, como se eu tivesse tentado tirar sua vida. [...] Eu
conhecia há muito pouco tempo meu velho mestre para saber de todas
as particularidades de seu caráter (pp. 69-70).

Para Merleau-Ponty, anedotas como essas não fornecem o sentido


positivo do trabalho de Cézanne, induzindo-nos a tomar sua obra como uma
“manifestação doentia”, um “fenômeno de decadência”. Todavia, em sua
opinião, a pintura de Cézanne deve ser vista como exemplo de um encontro
bem-sucedido entre o artista e a natureza, encontro esse não mediado por
ideias preconcebidas. Talvez, afirma Merleau-Ponty, Cézanne tenha podido,
“entregue a si mesmo, olhar para a natureza como só um homem saberia
fazê-lo, [...] concebendo uma forma de arte válida para todos” (1975, p. 304).
Embora não negue que vida e obra se comunicam e defenda a importância
das intuições psicanalíticas para a compreensão do fenômeno artístico,
reportando-se de forma positiva ao texto de Freud sobre Leonardo da Vinci,
Merleau-Ponty considera que devemos partir do princípio de que não é a vida
que explica a obra, e sim que a obra a fazer exigia esta vida. A seu ver,
a incerteza e a solidão de Cézanne não se explicam, no essencial, por
sua constituição nervosa, mas pela intenção de sua obra. [...] Se nos
parece que a vida de Cézanne trazia em germe sua obra, é porque
conhecemos sua obra antes e vemos através dela as circunstâncias
da vida, carregando-as de um sentido que tomamos à obra (p. 311).

Podemos citar como exemplo, entre outros títulos publicados nas primeiras décadas do século XX,
7

os artigos de Bernard (1904), Rivière e Schnerb (1907), Borély (1926), Denis (1920) e Camoin,
(1920), além dos livros de Larguier (1925), Gasquet (1926) e Vollard (1914), primeiro marchand
de Cézanne. Todos os autores, em seus textos, falam sobre suas visitas a Cézanne e descrevem
suas impressões sobre o homem e o artista. Ressalte-se ainda que a obra de Cézanne foi objeto de
diversas interpretações psicanalíticas, destacando-se, nesse campo, os estudos de Sidney Geist,
Theodore Reff e Meyer Schapiro.
Arte e vitalidade [ 313 ]

A tese de que o sentido e o valor da obra de um artista não são


inteiramente determinados por aspectos biográficos está longe de ser uma
unanimidade no campo da história da arte, como comprovam os diversos
estudos que estabelecem relações de causa e efeito entre vida e obra e
buscam explicar a última em função da primeira. Tomo como exemplo dessa
postura metodológica as análises que consideram que o recuo formal de
Anita Malfatti após sua célebre exposição individual de 1917 foi motivado
por questões exclusivamente pessoais, engendradas pelo mal-estar causado
pelas ácidas críticas de Monteiro Lobato a seu trabalho. Em seu pioneiro
livro sobre a Semana de Arte Moderna, Aracy Amaral afirma que “a pintura
de Anita […] se debilitaria sensivelmente a partir das críticas de Lobato e a
artista [perderia] sua vitalidade nervosa de 1917” (1998, p. 250). Também
Marta Rossetti Batista, biógrafa “oficial” de Anita, considera que “as mãos
expressionistas começaram a duvidar da própria validade do caminho
seguido, das conquistas alemães às norte-americanas” (2006, p. 238), após
a publicação do texto de Lobato.
Outros autores, sem rejeitar por completo o peso da palavra de Monteiro
Lobato, propuseram uma hipótese distinta, porém de cunho igualmente
pessoal, para o progressivo distanciamento de Anita das formulações mais
radicais das vanguardas internacionais. Refiro-me à ideia de que a entrada
em cena da bela e aristocrática Tarsila acentuou a insegurança pessoal de
Anita, levando-a a retrair-se e a renegar seu engajamento vanguardista
inicial em prol de uma arte sem excessos. Gilda de Mello e Souza e Sérgio
Miceli consideram que houve um enfrentamento direto e desigual entre a
moça feia e sem afeto amoroso – Anita – e a mulher atraente e sofisticada,
de beleza esfuziante – Tarsila –, e colocam a primeira em posição nitidamente
inferior à segunda também no campo profissional.
Para Gilda de Mello e Souza, o comportamento artístico de Anita
é o de quem foi rejeitada: pela vida, que não a fez bonita; pela crítica,
que investiu contra sua arte; pela estética vigente, que não lhe permitiu
extravasar o drama pessoal; pelos companheiros, que não a trataram
como mulher (1980, pp. 269-72).

Tarsila, ao contrário, teve a seu favor “o fato de ter sido uma mulher
bonita. [...] Se isso jamais interferiu diretamente na avaliação que os
contemporâneos fizeram do seu talento, auxiliou-a sem dúvida a cumprir
seu destino” (pp. 269-72).
Sérgio Miceli, por sua vez, considera que
[ 314 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

a marca autoral de Anita tem a ver, sobretudo, com suas dificuldades


de assumir sua plenitude afetiva como mulher, em parte por conta
de suas constrições de imigrante, que a condenam ao celibato, em
parte por força da postura defensiva que se viu impelida a adotar em
virtude da mão defeituosa (2003, p. 123).

Em sua opinião, a mão deformada, sempre recoberta por um “lenço


colorido displicentemente ali esquecido”, resultou em uma “fragilidade
física” que provocou uma “fragilidade emocional” em Anita, que a impediu
de traçar um percurso uniforme e sem vacilações, ao contrário de Tarsila,
que “retornou à Europa em 1923 [...] decidida a alterar os rumos de seu
aprendizado artístico [...] e a mobilizar o que fosse preciso para afirmar sua
condição de mulher e artista bem-sucedida” (p. 130). O embate entre as duas
artistas deu-se, portanto, em bases bastante diferenciadas e a “vencedora”,
segundo o autor, não poderia ser outra:
Enquanto a estigmatizada Anita Malfatti construiu sua obra como
protocolo sofrido de um itinerário afetivo marcado pela solidão e pelo
isolamento, acossada por carências físicas e afetivas (a mão defeituosa,
o celibato), a belíssima Tarsila do Amaral desenvolveu o período de
maior criatividade de sua carreira como artista plástica nos ritmos e
conteúdos ditados pela parceria amorosa com o escritor Oswald de
Andrade (p. 97).8

É fato que, ao analisarmos Autorretrato com casaco vermelho, pintado


por Tarsila do Amaral em 1923, ano-chave em sua carreira, reconhecemos
ali uma mulher elegante, segura de si, que tem certeza de seus atributos
físicos e de seu poder de sedução. A própria pintora se mostrava bastante
consciente da impressão que causava à sua volta, conforme expôs em diversas
cartas enviadas de Paris à sua família. Em 1923, escreveria aos pais dizendo
que esteve “num jantar dos artistas do Salão das Tulherias. Muita gente.
Artistas de valor e outros medíocres. Estreei o meu vestido amarelo de chez
Patou. Parecia uma rainha. Todos os olhares convergiram para mim...” (apud
Amaral, 2003, p. 408).

Em seu texto, Miceli refere-se ainda ao amor platônico de Anita por seu amigo Mário e analisa
8

alguns de seus quadros dentro desse prisma. Já Tadeu Chiarelli critica enfaticamente a hipótese de
que a suposta fraqueza emocional de Anita foi a causa de seu retrocesso no campo das artes. Para
Chiarelli, Anita sofreu do mesmo descaso com que a história da arte oficial do século XX tratou
“os artistas que, apenas circunstancialmente, tangenciaram o projeto moderno no decorrer de
suas trajetórias e/ou que se engajaram por breve período nas correntes que contestavam tanto a
tradição quanto a própria modernidade” (1999, p. 158). O autor entende o abandono de posições
estéticas mais radicais como uma “atitude comum a outros artistas internacionais igualmente ligados
às vanguardas, como Picasso, Derain, Sironi e outros”.
Arte e vitalidade [ 315 ]

Dois anos mais tarde, em outra de suas temporadas em Paris, relataria:


Ontem fui com Betita a um baile na Ópera. Fiz sucesso como mulher
linda e dei um passo importantíssimo na minha carreira artística, pois
fui convidada pelo sr. Maurice de Valeff, diretor do jornal Paris-Midi e
uma das figuras mais importantes da imprensa daqui, para realizar minha
exposição no grande salão de festas de Le Journal (p. 185).

Ressalte-se que, em seu caso, os dois papéis – de mulher elegante e


de artista em busca de reconhecimento – se mesclam, não sendo possível
dissociar sua aceitação no restrito meio da vanguarda parisiense dos anos
1920 de seus contatos sociais. Mas, tendo em mente as colocações de
Merleau-Ponty, pergunto-me se esses comentários, do domínio do privado,
auxiliam-nos a analisar sua obra. Se Tarsila, intencionalmente, cria de si
uma imagem deslumbrante, por meio da qual revela à crítica e ao público
brasileiros sua pronta assimilação dos conselhos de seus novos mestres
franceses, enquanto Anita hesita em relação aos rumos a tomar e revê suas
filiações artísticas, declarando-se uma simples “colegial em Paris”, isso não
nos autoriza a inferir que o trabalho de uma artista é superior ao da outra.
Ademais, em que medida a imagem criada por Tarsila é mais verdadeira do
que os personagens inventados por Boltanski?
Não poderia terminar este artigo sem evocar o célebre texto de Roland
Barthes, “A morte do autor” (2004, pp. 57-64), publicado em 1968, e assinalar
suas repercussões imediatas no campo das artes visuais. Nele, Barthes decreta
a morte do autor – personagem inventado pela sociedade ocidental após o
fim da Idade Média – em proveito da figura do leitor – representante de
uma coletividade renovável – e critica o fato de que a explicação da obra
seja sempre buscada do lado de quem a produziu:
A imagem da literatura que se pode encontrar na cultura corrente está
tiranicamente centralizada na figura do autor, sua pessoa, sua história,
seus gostos, suas paixões; a crítica consiste ainda, o mais das vezes,
em dizer que a obra de Baudelaire é o fracasso do homem Baudelaire,
a de Van Gogh é a loucura, a de Tchaikovski é o seu vício (p. 58).

Barthes, ao contrário, acredita não existir um antes – o autor que nutre


o livro – e um depois – a obra: “O escritor moderno nasce ao mesmo tempo
que seu texto [...]; outro tempo não há que sua enunciação, e todo texto é
escrito aqui e agora”. Afirma que desde Mallarmé já se sabe que “é a linguagem
quem fala, não o autor”. Nesse sentido, “dar ao texto um autor é impor-lhe
um travão, é provê-lo de um significado último, é fechar a escritura”, a qual
[ 316 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

deve ser entendida como atividade múltipla e não como “a voz de uma só
e mesma pessoa [...] a revelar a sua confidência” (p. 63).
Mesmo obras como a de Proust, escritor que parece “colocar sua vida
em seu romance”, demandam análises que ultrapassem a figura do autor
enquanto criador absoluto, gênio solitário, e a visão da arte enquanto
expressão de uma personalidade singular cujos passos e pensamentos
podem ser acompanhados e desmembrados. Na opinião de Barthes, Proust,
ao contrário do que muitos pensam, logrou desorganizar a lógica ilusória
da biografia, lógica essa que segue “a ordem puramente matemática
da passagem dos anos”, subtraindo o tempo rememorado da “falsa
permanência da biografia”. Se, em seus textos, numerosos elementos de sua
vida pessoal são ainda conservados, eles estão, afirma Barthes, desviados:
“Como se vê, o que passa para a obra é, de fato, a vida do autor, mas uma
vida desorientada. [...] Proust entendeu (e aí está o gênio) que ele não tinha
que contar sua vida, mas que sua vida tinha, entretanto, a significação de
uma obra de arte” (pp. 354-5).9
A hipótese de Barthes será rapidamente contestada por intelectuais do
porte de Michel Foucault, que, em conferência proferida em 1969, busca
distanciar-se da escola estruturalista francesa que nega o sujeito, defendendo
a importância de uma análise histórica dos discursos e de suas modalidades
de existência (modos de circulação, valorização, atribuição etc.), não mais
centrada em seu valor expressivo ou formal (Foucault, 1992). A seu ver, não
se pode decretar a morte do autor ou do sujeito, embora entenda que desde
Mallarmé “o desaparecimento do autor é um acontecimento constante”.
Foucault não propõe um retorno à hipótese de um sujeito originário,
portador de sentidos próprios e desgarrado das condições histórico-sociais
de sua existência. Interessa-lhe, ao contrário, refletir sobre a constituição
e as transformações da “função autor” no contexto da cultura europeia do
período moderno, assim como investigar as condições que possibilitaram a
um determinado indivíduo desempenhar essa função momentaneamente.
Esse debate, inicialmente voltado para o domínio dos estudos literários,
reverberará rapidamente no campo das artes visuais, talvez em função de
questões colocadas por trabalhos como o de Boltanski e de outros artistas
comprometidos com uma investigação conceitual da arte e do “sistema de
arte”. Como vimos, o nome do autor parecia desvanecer-se em obras que

De modo similar à leitura de Merleau-Ponty sobre Cézanne, Barthes considera que Proust “fez da
9

sua própria vida uma obra de que o livro foi como o modelo”.
Arte e vitalidade [ 317 ]

obliteravam as marcas pessoais de seu criador e que, nos dizeres de Rosalind


Krauss, refutavam “o caráter singular, privado e inacessível da experiência
estética” (1998, p. 312), buscando com isso romper com um discurso que
defendia que a obra de arte era uma metáfora das emoções do artista.

Referências
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Verbetes [ 321 ]

verbetes
[ 322 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0
Verbetes [ 323 ]

Apropriação

Fernanda Pequeno

O conceito de apropriação se instaura decisivamente no campo artístico


com a operação que Marcel Duchamp empreende em 1913, ao tomar
posse de um objeto de uso cotidiano, uma roda de bicicleta. Até então, as
apropriações diziam respeito à apreensão culta e consciente de uma arte
ou tradição anterior, e não a objetos prosaicos do mundo contemporâneo.
O começo do século XX, entretanto, caracterizou-se pelo confronto com
inúmeros outros referenciais de mundo, o que modificou profundamente os
pensamentos plásticos e os jogos formais desenvolvidos pelos artistas. Mas,
afinal, o que diferiria a apropriação da simples influência?
Segundo Richard Wollheim, a apropriação levaria em consideração não
somente o desejo do artista, como também os espectadores, que apreenderiam
tal operação, o que a caracterizaria como algo essencialmente público,
passível de ser compartilhada, portanto, entre artista e observador. O referido
filósofo britânico, na palestra intitulada “Pintura, textualidade, apropriações”,
enuncia que, quando uma apropriação passa a integrar o conteúdo de uma
pintura, alguma parte da obra que foi exposta ou reforçada pelo motivo ou
imagem apropriado deve fazer referências também ao seu contexto original, e
é nesse sentido que uma apropriação deve conter uma descrição da fonte em
sua totalidade (2002, p. 204). Dessa maneira, a apropriação não poderia ser
confundida com herança ou influência, pois, enquanto essas seriam diretas,
não processadas, a primeira pressuporia uma escolha, uma intencionalidade,
uma opção.
Contudo, se esse tomar de empréstimo determinado motivo ou imagem
de uma arte mais antiga deve passar necessariamente pela consciência do
artista e precisa estar posto de uma maneira mais ou menos objetiva para que
o público apreenda e assimile não somente a fonte original, mas também seu
contexto, descaracterizaríamos as manobras de Braque, Picasso e Duchamp,
visto suas apropriações dizerem respeito ao mundo contemporâneo e não
a uma arte anterior? Antes mesmo da referida operação de Duchamp, as
colagens do cubismo sintético utilizaram-se de jornais, rótulos de garrafa e
[ 324 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

caracteres tipográficos como materiais com possibilidades artísticas. Além


disso, Georges Braque e Pablo Picasso apreenderam as máscaras africanas,
passando a utilizá-las formalmente em uma série de trabalhos.
Enquanto as colagens tomam de empréstimo temas e materiais do mundo
contemporâneo – e não de uma arte anterior –, a pintura Les demoiselles
d’Avignon (Pablo Picasso, 1907) faz o mesmo com relação às fontes africanas.
Nesse caso, a apropriação se instaura, embora haja recalque dos significados
simbólicos e contextuais das máscaras. O termo a que o presente verbete se
dedica, assim, se aplicaria nos dois casos, embora Wollheim pudesse argumentar
que não. Nesse sentido, a apropriação é efetivada tanto no deslocamento de
materiais do mundo – estopa, cartas de baralho, pedaços de madeira – para a
produção das colagens cubistas quanto na incorporação formal da arte negra
para a realização de pinturas por parte de Braque e Picasso.
E como poderíamos pensar nos ready-mades de Duchamp – que fariam
um elogio do acaso e da impessoalidade pela negação da ideia de gosto
– senão como apropriação? O cálculo do francês e as manobras cubistas,
dessa maneira, são pontos pacíficos, o primeiro tendo inclusive recebido
a nomenclatura de ready-made – objeto feito por máquina, sem pretensão
estética e indiferente aos olhos –, que viria a caracterizar boa parte da
busca por uma arte não retiniana e, consequentemente, da produção
artística de Duchamp.
Embora sua primeira apropriação tenha sido realizada em 1913 – a
referida Roda de bicicleta pregada de maneira invertida sobre um banco
de cozinha –, a que veio a público primeiramente e já sob o conceito de
ready-made, criado a posteriori, foi A fonte, de 1917: um urinol, datado
e assinado com o pseudônimo R. Mutt, que causou escândalo quando
enviado a um salão de artes americano e foi, obviamente, recusado. Com
seus procedimentos, Duchamp empreende uma crítica tanto formal quanto
conceitual do objeto de arte, colocando uma série de perguntas quanto à
natureza da obra de arte.
O que caracterizaria uma obra como artística? Arte é tudo o que o
artista faz? A escolha ou o encontro com um objeto por parte do artista
e seu deslocamento para o campo artístico se caracterizam como arte? As
indagações de Marcel Duchamp continuam vivas, pois inauguraram um
projeto estético que questiona a arte enquanto produção de formas e fazer
manual, marcando profundamente a cultura moderna, influenciando não
somente a visualidade, como também a música e a dança – vide John Cage.
Verbetes [ 325 ]

Esse legado foi tamanho que, nos anos 1950, Robert Rauschenberg
realizou suas Combine paintings, que são assemblages realizadas pelo acúmulo
de diversos materiais de diferentes procedências. Enquanto isso, seus colegas
da pop art, desejando estabelecer uma comunicação direta com o público,
utilizaram elementos retirados da cultura de massa e da vida cotidiana.
Para tal, apropriaram-se usualmente de imagens da publicidade e do mundo
comercial, como fez Andy Warhol, e de histórias em quadrinhos, como fez
Liechtenstein.
No Brasil, Hélio Oiticica desenvolveu sua Mesa de bilhar, d’après O café
noturno de Van Gogh em 1966 e a apresentou na mostra Opinião 66, no Museu
de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Além do referido ambiente, o artista
carioca utilizou o princípio da apropriação em seus bólides, caracterizados
por ele como transobjetos: objetos e materiais de uso cotidiano – cubas de
vidro, bacias, garrafas, latas, luminárias, caixas d’água – deslocados para o
campo da arte. Ainda no país, o mecanismo foi largamente aplicado por
Nelson Leirner, Farnese de Andrade e outros.
Ao enviar seu ready-made para a Exposição dos Independentes (Nova
Iorque, 1917), e embora não esperasse a aceitação do mictório como obra e
desejasse polemizar, Duchamp não poderia prever o amplo alcance que sua
manobra alcançaria. Dessa maneira, não foi em vão os editores da revista
October lançarem o livro O efeito Duchamp (Buskirk e Nixon, 1996),1 nem o
teórico Thierry de Duve (1989) indagar, anteriormente, sobre as ressonâncias
do ready-made. Assim, as modificações causadas pelo procedimento da
apropriação foram extremamente profundas, já que essa, enquanto operação
artística, coloca indagações quanto à originalidade, à autenticidade e à
autoria da obra de arte, questionando, a um só tempo, a instituição-arte e a
própria dificuldade enfrentada na tentativa de definição do que viria a ser
a própria arte.

Referências
BUSKIRK, Martha e NIXON, Mignon. The Duchamp effect. Cambridge: The MIT
Press, 1996.
DE DUVE, Thierry. Resonances du readymade. Nîmes: Jacqueline Chambon, 1989.
WOLLHEIM, Richard. A pintura como arte. São Paulo: Cosac Naify, 2002.

O livro foi editado na tentativa de mapear o legado de Marcel Duchamp e sua recepção por parte
1

dos artistas a partir dos anos 1950. Incluindo ensaios e entrevistas de Benjamin Buchloh, Hal Foster
e outros, investiga, inclusive, o efeito Duchamp na arte conceitual.
[ 326 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Arquitetura

Antônio Barros

O mais antigo tratado europeu sobre a arquitetura é, provavelmente,


o De architectura, escrito aproximadamente em 40 a.C. pelo arquiteto e
engenheiro romano Marcos Vitrúvio. Para ele, a arquitetura era norteada
por três princípios fundamentais: firmitas, que se refere ao caráter estrutural;
utilitas, relacionado à utilidade; e venustas, associado à beleza. Logo, a
arquitetura seria uma construção bela, bem estruturada e com uma finalidade
clara – lembrando que o conceito de beleza no universo greco-romano se
associava estreitamente à imagem e às proporções do corpo humano.
Durante o renascimento, houve uma revalorização da obra de Vitrúvio,
notadamente através dos escritos de Leon Battisti Alberti, arquiteto e autor
do tratado De re aedificatoria. Para o genovês, a arquitetura deveria acolher
o corpo humano, ou melhor, as edificações existiriam para ambientar o
homem. Alberti se interessava pelo conceito de homem segundo as ideias
humanistas que circulavam em Florença.
O próprio Vitrúvio idealizara essa arte de maneira semelhante; porém,
realizara um esforço diferente, buscando identificar as formas geométricas
no corpo humano. Em 1490, Leonardo da Vinci elabora o chamado Homem
vitruviano, no qual um círculo e um quadrado relacionam-se perfeitamente
ao corpo humano, exatamente proporcional em suas partes, tendo como
centro de gravidade o umbigo. Além disso, a área do círculo é igual à área
do quadrado, realizando um conjunto matematicamente perfeito. Para o
arquiteto romano, a arquitetura era uma questão de geometria.
Michelangelo sublinhou, décadas mais tarde, em carta a Pio da Capri,
a estreita afinidade entre a arquitetura e a própria anatomia humana,
enfatizando a simetria entre os lados opostos: “os membros da arquitetura
derivam dos membros humanos”. Dessa maneira, a figura humana seria o
modelo edificante. Logo, Michelangelo indica a anatomia como principal
referência da produção arquitetônica.
Na virada do século XIX para o XX, Antonio Gaudí retomou o problema.
O arquiteto catalão não percebia as edificações como realizações ideais
Verbetes [ 327 ]

ou proporcionais ao corpo humano, mas defendia as obras arquitetônicas


como corpos próprios, permitindo uma perspectiva mais orgânica das
construções. Baseando-se nas características dos materiais e em desenhos
pouco convencionais, Gaudí permitiu à arquitetura uma liberdade de formas
até então inimaginável, associando estilos e estruturas variados como se as
construções fossem elas mesmas responsáveis por suas escolhas. O resultado
foram edificações como corpos independentes.
No século passado, Frank Lloyd Wright sustentou que cada projeto
arquitetônico deveria ser único e desenvolvido em total harmonia com o
local escolhido. Para o arquiteto norte-americano, as obras de arquitetura
não corresponderiam a corpos estranhos na paisagem, mas, contrariamente,
deveriam atuar como corpos integrados a ela. O projeto que melhor
exemplifica esse pensamento talvez seja a Casa da cascata. Sua estética
valorizava o corpo adequado à paisagem, problematizando, assim, mais a
relevância da paisagem do que a importância do corpo edificado. No Brasil,
por sua vez, o arquiteto centenário Oscar Niemeyer continua defendendo
sua arquitetura sinuosa com afirmações como: “O que me atrai é a curva
livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso
sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida”.
[ 328 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Arte e América Latina

Elena O’Neill

Pensar a expressão “arte e América Latina” nos coloca frente a algumas


perguntas. O que entendemos por América Latina? A América Latina do
século XVI, dos anos 1850, é a mesma que a dos anos 1920, do segundo pós-
guerra, da década de 1970 e do século XXI? A expressão América Latina inclui
as populações nativas? E os objetos que essas populações originárias produziam
são considerados arte? Por outro lado, existe uma arte latino-americana? Se
os latino-americanos produzem arte, isso significa que produzem arte latino-
americana? Na suposta existência de uma identidade latino-americana,
podemos isolar aquilo que é visualmente latino-americano? Arte latino-
americana é aquela que trata de temáticas latino-americanas? Nesse caso,
poderia um não latino-americano produzir arte latino-americana? Por que
não pensar uma arte indo-afro-latino-americana?
Pensar “arte e América Latina” nos leva a enfrentar a relatividade dos
termos, as ambiguidades das classificações e, na medida em que refletimos
sobre elas, surgem mais questões e problemas. Proponho, aqui, ampliar
essas questões e pensar na relação entre arte e América, com o propósito de
investigar o impulso de construção de modernidades autóctones, alternativas
à modernidade “originária” europeia. A tentativa de Jackson Pollock e
Joaquin Torres-García de assimilar as culturas nativas permite juntar dois
aspectos que a priori parecem antagônicos e paradoxais: a modernidade e
seu aspecto primitivo a partir de um ângulo não europeu. Se na Europa o
primitivismo permitia uma ruptura com o local ou nacional, na América
o primitivo era o local.
“Pollock pintou sua homenagem final àqueles cuja arte ele estimava e
em que pensava, na sua necessidade: o índio americano, Matisse e Soutine”
(O’Hara, 1960, pp. 34-5). O próprio Pollock afirma:
No chão, sinto-me mais à vontade. Sinto-me mais próximo, mais
uma parte da pintura, já que dessa forma posso passear em torno
dela, trabalhar dos quatro lados e, literalmente, estar na pintura. É
isso parecido com o que faziam os pintores índios de areia do Oeste
(Pollock, 1947, apud O’Hara, 1960, p. 35).
Verbetes [ 329 ]

As imagens dessas pinturas de areia que passaram por seu subconsciente


são mais interessantes como materiais que como influências porque, como
assinala O’Hara, é pela qualidade plástica das obras de Pollock e não pela
analogia com as pinturas de areia que o relacionamos com os índios norte-
americanos. É através de Pollock que as pinturas desses índios se tornam
caras e reais para nós.
Confrontar as pinturas de Pollock é confrontar a esfinge, o monstro-
interrogador, frente ao qual ouvimos a pergunta fatal. Tentar responder o
“decifra-me ou te devoro” de Pollock é submeter-se conscientemente ao
poder e à violência; à massa de “energia criativa dissipada em destruição, a fé
religiosa na democracia por um lado, e a persistência do racismo e a atitude
imperialista por outro”, nas palavras de Argan (1982, p. 96). A assimilação
dos rituais e dos mitos dos índios americanos por Pollock possui este sentido:
colocar-nos num estado profundo de percepção que nos faz tomar consciência
do lado obscuro da criação, da ameaça, da destruição, da violência.
O caso de Torres-García é diferente. A tarefa de seu projeto de
primitivizar sua arte consistia na transformação da arte das vanguardas,
que, segundo ele, além de seguir tendências contraditórias, estava andando
numa direção que a levava à ruptura e ao abandono de toda perspectiva
antropocêntrica, o que provocaria a angústia do homem frente à própria
desaparição.2 A partir da década de 1930,3 buscou uma matriz indo-
americana para enfrentar o problema plástico (forma, tom e ritmo) e, na
ausência de uma tradição uruguaia, se baseou na cultura pré-incaica e na
civilização inca como fontes nas quais arraigar e afirmar sua arte.
Torres-García aportou um olhar sobre a riqueza expressiva das culturas
nativas, introduzindo elementos anímicos, simbólicos e religiosos, e não sobre
as condições de miséria do índio.4 Porém, seu projeto não privilegiava a arte
pré-colombiana nem tentava colocá-la como paradigma, mas a colocava em
pé de igualdade com outras culturas primitivas e arcaicas. Buscava uma volta à
tradição do continente não por meio de estudos arqueológicos ou pela imitação,
mas pela continuação e adaptação da tradição às necessidades presentes.

Torres-García, em La recuperación del objeto, faz uma autocrítica e questiona uma excessiva influência
2

das formas e expressões ameríndias em sua técnica construtiva. Em Universalismo constructivo,


estabelece a necessidade de não se inspirar em modelos ameríndios.
Torres-García retorna ao Uruguai em 1934, aos sessenta anos de idade, depois de passar anos em
3

Barcelona, Paris e Nova Iorque, além de outras cidades.


Segundo Manuel Aguiar, aluno da escola de Torres-García, talvez o principal aporte – além da
4

pintura, da escola e da experiência – tenha sido o elemento anímico, simbólico e religioso, e não a
questão construtiva (apud Exposição Imaginarios prehispánicos..., 2006, p. 118).
[ 330 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

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Verbetes [ 331 ]

Arte e arquivo

Adelaine Evaristo da Silva

Atualmente, artistas como o francês Christian Boltanski e a brasileira


Rosângela Rennó têm recorrido a arquivos não pertencentes ao campo das
artes ou a seu próprio repertório para a constituição de seus trabalhos. O
primeiro, com a obra 10 retratos fotográficos de Christian Boltanski – coleção
de retratos seus criando uma autobiografia fictícia –, e Rennó, com a
instalação Bibliotheca – fotografias anônimas coletadas e organizadas pela
artista –, questionam a credibilidade dos meios de produção de imagens e
sua capacidade documental.
Antes de constituir com seus ready-mades uma alegoria do fazer artístico
e das instituições que o legitimam, já em 1914 Marcel Duchamp criou o
primeiro de uma série de trabalhos cujo conteúdo arquivado em caixas
relaciona-se à sua própria produção precedente. Posteriormente, baseando-
se nos mesmos processos de apropriação, arquivamento e mapeamento de
sua própria obra, criou a Caixa verde (1934), com documentos referentes
ao Grande vidro, e as Caixas-valise (1941), que constituíam pequenos
museus para miniaturas de sua obra. Assim como Duchamp, os surrealistas
levantaram questões acerca da autoria e unicidade das obras de arte ao
apropriarem-se de imagens das mais diversas fontes. Artistas como o alemão
Max Ernst produziram colagens nas quais o choque entre visualidades lhes
conferia novos sentidos – uma alternativa às definições preestabelecidas dos
saberes modernos em sua pretensa racionalidade.
Já no final da década de 1950, indo de encontro ao formalismo
predominante até a decadência do expressionismo abstrato, inúmeros
movimentos artísticos passaram a buscar uma redução da lacuna existente
entre a arte e a vida cotidiana. Nesse contexto, Andy Warhol produziu
as Time capsules, coleções encaixotadas de objetos de seu dia a dia
que revelavam aspectos de sua própria obra e vida, além do contexto
sociocultural de sua época.
Com o intuito de questionar uma tendência à mercantilização
predominante no meio das artes no pós-guerra e buscando meios alternativos
[ 332 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

para distribuição e exposição da arte, o grupo Fluxus criou uma série de


publicações, organizadas em sua maior parte por George Maciunas, na forma
de caixas-arquivo para trabalhos de seus artistas.
Obras de site specific, como Spiral jetty (Robert Smithson, 1970) e
Lightining field (Walter de Maria, 1977), também remetem à prática do
arquivo na medida em que sua existência não depende exclusivamente de
sua forma material, mas ainda dos resíduos que explicitam seu processo de
constituição e seu modo de funcionamento: cartografia dos locais anteriores
à materialização do projeto, documentos referentes ao processo de elaboração
da obra, além de registros em imagem.
Estruturando um processo já perceptível nas obras produzidas pelas
vanguardas históricas, o mapeamento crítico das instituições legitimadoras
da arte toma forma a partir da década de 1970, por meio de artistas como
Marcel Broodthaers, que, apropriando-se de trezentas imagens de águias
das mais variadas épocas e origens, instala em Düsseldorf o seu Musée d’Art
Moderne, Département des Aigles, Section des Figures (1972). Ampliando o
campo de atuação da crítica institucional, muitos artistas contemporâneos
se aproximam de diversas áreas do saber, infiltrando-se em seus meios para
evidenciar seus limites. É o caso da norte-americana Eleanor Antin, que se
fotografou nua diariamente durante o período em que fez um regime para
a elaboração da obra Entalhe: uma escultura tradicional (1972). A partir da
narrativa criada pela coleção de imagens, foram levantadas questões sobre
os direitos e a identidade da mulher na sociedade. Mesmo não configurando
uma linguagem artística específica, a apropriação, a coleção, a cartografia e a
transferência têm sido procedimentos comuns a diversos trabalhos artísticos
na direção do que poderíamos chamar de poética do arquivo.
Verbetes [ 333 ]

Arte e China contemporânea

Felipe Abdala

Desde o fim da dinastia Qing, em 1911, a China se tornara uma


república. Nesse momento, esforços foram realizados para que o país se
alinhasse com a cultura ocidental. Tais atitudes se mantiveram até a ascensão
do Partido Comunista em 1949 e o consequente novo fechamento da
nação para o mundo. Daí a importância dos eventos de fins da década de
1980, momento no qual a China se abriu novamente. Para facilitar, pensa-
se que a China contemporânea é a pós-1979, pós-Revolução Cultural. A
China contemporânea seria, portanto, esta nação que busca se estabelecer
no cenário global, sendo a Revolução Cultural determinante para a
contemporaneidade.
Para entender como se dá a prática artística na China contemporânea,
deve-se voltar ao início do século XX. Praticado durante a primeira fase da
república e sob o regime comunista, o realismo foi uma forma de atualizar
a prática artística chinesa em relação à arte ocidental. A essa época, os
pensadores progressistas na China tentaram acabar com a arte tradicional,
que consideravam ultrapassada. Com a ascensão de Mao Tsé-Tung, há uma
tentativa de conciliação entre essas duas expressões, originando o chamado
realismo revolucionário. Por conta dessa prática realista de décadas, a arte
contemporânea chinesa ainda atribui um valor à forma, ao virtuosismo
e ao acabamento que a arte ocidental buscou abolir em suas inúmeras
experimentações.
Apesar da abertura, o regime comunista ainda vigora, e os artistas
chineses sofrem restrições ideológicas. Desse modo, é interessante pensar
que o surrealismo, nos primeiros anos da década de 1980, tenha sido uma
influência por não implicar uma experimentação formal tão radical. Assim
também será utilizada a arte letrada, já agora mesclada com outras poéticas,
e não mais falando a um sujeito distante e geral. Com todas as mudanças
ocorridas, é necessário que se formem novos valores para a nação.
A produção artística nesse novo país possui, igualmente, uma carga
de busca de identificação com o mundo que está no seio da própria
[ 334 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

cultura chinesa contemporânea. A prática artística absorvida pelo Estado,


considerada benigna, é ou o realismo revolucionário ou a folclórica
tradicional. Um terceiro grupo de artistas, independente, busca seu lugar.
Meios modernos e contemporâneos de expressão como a fotografia, o vídeo
e a performance estão presentes nessa nova produção e nesse novo país.
Também se deve notar a importância da tradução e publicação de
obras da filosofia e literatura ocidentais. Autores como Nietzsche, Freud,
Heiddeger e Wittgenstein se revelam à sociedade chinesa a partir da
segunda metade da década de 1980. Os chineses se viram inundados de
novas teorias e pensamentos sobre a arte, a sociedade e o homem. Ainda
nesse momento, houve um intenso processo de imitação da arte ocidental
pós-1960, frequentemente combinada com elementos da cultura chinesa.
Refletindo a pluralidade da própria sociedade, a arte na China
contemporânea é marcada por uma intensa e profícua convivência entre
passado e presente. A arte letrada tradicional, da pintura de nanquim e
ideogramas, tem coexistido com o realismo revolucionário ainda praticado
e com a arte contemporânea. Algumas questões têm-se mostrado frequentes
na recente produção, como a crítica cultural, a opressão interna, uma certa
estética da violência e do macabro e a sociedade de massas. Uma vez que
a nação se mostra como a nova potência econômica e geopolítica dos dias
atuais, sua produção artística não seria colocada de lado, mas considerada
tributária desse próprio processo. O processo de globalização tem feito o país
mergulhar num sem-número de novas possibilidades.
Verbetes [ 335 ]

Arte e corpo

Renata Reinhoffer França

parte s.f. (1142) 1 ARTE E CORPO morfologia <p. e extra-p. do corpo


humano> 2 ARTE E CORPO: SUBUNIDADES retratos; ex-votos;
máscaras; torsos, olhos, pés, mãos, cabeça, boca etc. 3 ARTES VISUAIS
E CORPO: FORMA olho como órgão da visualidade, objeto de pesquisa
da pintura autônoma moderna 4 ARTE E CORPO: FRAGMENTOS
violência; destruição; acaso; ruína 5 CULTURA E CORPO a negligência da
harmonia em favor da beleza estanque das partes, no Ocidente, século XXI
5 PSICANÁLISE a não percepção do corpo unificado no bebê e a questão
da gestação psíquica para a constituição de um corpo separado da mãe.

***

Desdobramentos de ‘parte [...] ARTE E CORPO: SUBUNIDADES’:


olho s.m. (sXIII) 1 ANATOMIA o órgão da visão, nos animais e no homem
2 ARTE E CORPO: FRAGMENTO SIGNIFICATIVO olhar petrificante
da Medusa de Caravaggio (1596-1597); olhos voltados para o infinito e o
terreno, respectivamente, nas estátuas funerárias do príncipe Rahotep e sua
esposa Nofret, IV dinastia do reino de Sneferu (c. 2575-2551 a.C.), que, ao
refletirem luzes de lanternas nas tumbas, dão aspecto vivo às estátuas; olhos de
Lokeshvara-Jayavarman no bosque de rostos de Bayon, templo-montanha em
Angkor Thom, que parecem abertos ou fechados dependendo da incidência
da luz e do ponto de onde são vistos 3 ARTE E CORPO: FORMA olhos
estruturais da forma: olho ciclópico da forma perspectiva linear, simbólico, mas
não representacional; olhos das máscaras africanas tomadas como signo visual
por Pablo Picasso, em Les demoiselles d’Avignon (1907); a visualidade como
objeto científico da arte moderna europeia; a questão da pureza na pintura
explorada pela história da arte de Clement Greenberg; olhos persecutórios da
Monalisa de Leonardo da Vinci e a técnica do sfumato; a crítica à arte retiniana
e o voyeurismo em Marcel Duchamp 4 ARTE E CORPO: COR a consciência
da diferença de cor embutida nos olhos de quem vive nos trópicos e no norte
[ 336 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

da Europa (o “mal do azul”, de Frans Post); as teorias das cores de Michel


Chevreul e Josef Albers; olhos em presença corpórea: Mark Rothko e a ação
muscular do olho para sustentar as massas de cor das telas, Barnett Newman
e o olhar que não abarca todo o quadro.

mão s.f. (1255) 1 ANATOMIA HUMANA extremidade do membro


superior, articulada com o antebraço pelo punho e terminada pelos dedos
2 ARTE E CORPO: FRAGMENTO SIGNIFICATIVO os cinco Budas de
arte gandhara, relevos de xisto do século III, Índia antiga, em que gestos
das mãos (mudra) expressam ensinamento, meditação e segurança; a mão
enluvada de brilhantes como retrato do cantor Michael Jackson, morto
em julho de 2009 (capa da Revista Veja – Brasil); o toque entre dedos das
mãos de Deus e do primeiro homem em A criação de Adão de Michelangelo
(afresco da Capela Sistina, Vaticano, c. 1511); as mãos esculpidas de Auguste
Rodin 3 ARTE E CORPO: FORMA o gesto de punho do pintor de cavalete
e o gesto de soltar o braço de Jackson Pollock; o fazer artístico manual e
o questionamento do conceito de artesania por Duchamp; a pirâmide da
serpente emplumada, em Chichén Itzá, cujos degraus, sob aplauso, ecoam
som similar ao do pássaro sagrado quetzal em grito decrescente (pássaro
associado ao deus Quetzalcóatl ou Kukulkcán, reverenciado no templo); a
body art de Gina Pane e o flagelo.

pé s.m. (sXIII) 1 ANATOMIA HUMANA extremidade do membro inferior


abaixo da articulação do tornozelo e terminada pelos artelhos, assentada
por completo no chão, e que permite a postura vertical e o andar 2 ARTE,
CULTURA E CORPO: FRAGMENTO SIGNIFICATIVO as diferentes
inserções culturais da sapatada recebida pelo presidente dos Estados Unidos,
George Bush, do jornalista iraquiano Muntazer al Zaidi, durante coletiva de
imprensa em Bagdá (2008); o mosaico bizantino do imperador Justiniano
em San Vitale, Ravenna (c. 547), em que pisar nos pés dos outros é sinal de
hierarquia; os sapatos do mundo da imagem de Andy Warhol (entre 1950
e 1980); a proibição de apontar os pés para Buda nos templos de Bangkok;
os pés descalços dos escravos no Brasil nas pinturas de Jean-Baptiste Debret
(1834-1839); os sapatos de Vincent van Gogh (1888) e a polêmica entre
Martin Heidegger e o historiador da arte Meyer Schapiro em torno do livro
A origem da obra de arte, de Heidegger; os pés (e as mãos) de Jesus pregados
à cruz nas imagens religiosas cristãs.
Verbetes [ 337 ]

máscara s.f. (sXV) 1 ARTE E CORPO: TEATRO E DANÇA máscaras


balinesas (topeng); a tradição italiana da commedia dell’arte; teatro de
máscaras Nô, Kabuki e danças japonesas; Kathakali; máscaras mitológicas
gregas (Górgonas etc.); máscara no teatro contemporâneo (Grotowski, Bread
and Puppet Theatre – um teatro estatuário, Mummenschanz, Putxinelis Claca
etc.) 2 ARTE E CORPO: RITUAIS máscaras indígenas brasileiras (xingu
etc.); máscara nos festejos populares: carnaval etc.; máscaras funerárias:
máscara de ouro de Agamemnom, Micenas, Grécia, e máscara egípcia de
Tutankhamon, máscara Mochica, Peru; máscaras policrômicas do Sepik,
Nova Guiné; máscaras astecas de Teotihuacán; máscara de culto aos mortos
segundo tradição ioruba, Brasil; máscaras africanas: Fang, Gabão, máscara
Bantun, Zaire, máscara Gelede, do Benin, no Brasil.
[ 338 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Arte e Egito

Evelyne Azevedo

O Egito, com suas pirâmides, obeliscos e hieróglifos, fascinou diferentes


culturas ao longo da história. Da antiguidade aos dias de hoje, dos viajantes
aos estudiosos, a antiga civilização dos faraós despertou o interesse e a
curiosidade de muitos povos e diversas civilizações.
Esse fascínio teve sua origem ainda na antiguidade com os escritos de
grandes pensadores, como o Heródoto, que cristalizou a imagem de uma
civilização animada pelas águas do Nilo. A dominação romana subjugou a
grande civilização faraônica, mas levou consigo o culto de divindades como
Ísis e Serápis – divindade de origem helênica, que agrega em si os deuses
Osíris e Hápis, esses sim egípcios – para o centro de seu império. Com isso,
tomam forma os primeiros objetos de matriz egipcizante, cuja iconografia é
claramente baseada nos modelos egípcios, mas que apresentam uma série
de elementos que não pertencem a esse contexto.
A principal obra que marca essa tradição é a Mensa isiaca. Datada do
século I d.C., mostra a deusa Ísis representada ao centro da imagem dentro
de um naos, cercada pelas figuras de outros deuses e personagens fazendo
oferendas. Essas cenas são separadas por inscrições hieroglíficas sem qualquer
significado, apenas com valor decorativo. A Mensa isiaca ganhou notoriedade
não só por suas características ímpares, mas, principalmente, pela notícia
de sua descoberta, vindo integrar, durante o Renascimento, a coleção de
antiguidades do cardeal Pietro Bembo – razão pela qual também é conhecida
como Tabula bembina.
Os séculos XV a XVII foram profundamente marcados por um crescente
interesse pelas coisas egípcias e pelo surgimento do mito de uma civilização
idealizada, origem de todo conhecimento místico e de toda verdade oculta,
em que até mesmo os gregos se inspiraram. Ao longo dos séculos XVIII e XIX,
a egiptophilia nascente nos séculos precedentes ganha ares de orientalismo e
a observação da antiguidade é associada aos estudos do Oriente moderno.
Pinturas como Mulheres taitianas sentadas em um banco (1892), de Paul
Gauguin, ou Antiguidade egípcia I e II (1890/1891), de Gustav Klimt, fazem
Verbetes [ 339 ]

parte de um mesmo cenário que se descortinava para o aparecimento da


egiptomania e da egiptologia.
O século XIX esteve, assim, dividido entre o gosto pelo Egito e suas
evocações e a ciência nascente com Champollion e sua descoberta da escrita
hieroglífica, que desvendou os antigos mistérios de uma religião há muito
soterrados pelas areias do tempo. A tradução dos hieróglifos permitiu o
estudo aprofundado da antiga sociedade egípcia, constituindo as bases para os
estudos científicos dos séculos XX e XXI. A arte egípcia continua mantendo
vívidos diálogos com formas contemporâneas de expressão artística, inclusive
em solo egípcio, com artistas como Farghali Abdel Hafiz e Abdel-Wahab
Morsi El-Sayed, que têm na antiguidade sua memória e identidade.
[ 340 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Arte e budismo

Bony Braga

O budismo é um sistema religioso nascido na Índia. Sua fundação


é atribuída a Sidarta Gautama, também chamado Shakiamuni, o buda
histórico. O budismo propôs uma série de transformações em relação ao
hinduísmo, tendo sua base no refúgio nas três joias: o buda, o darma e a
sanga. O buda é o desperto, aquele que conquistou o nirvana, libertando-se
do ciclo de sucessivos nascimentos e mortes. O darma é a doutrina do buda.
A sanga é a comunidade que vive de acordo com a doutrina. O budismo é
uma das poucas religiões sem um deus. Para entender o budismo, é necessário
compreender que ele nasceu no seio da cultura politeísta hindu. Para o buda,
mesmo os deuses que viviam nos mais altos céus estavam sujeitos ao ciclo de
nascimento e morte, motivo pelo qual o budismo rejeita o culto a qualquer
deus, sejam os deuses do hinduísmo, seja o deus das religiões monoteístas,
preferindo uma profunda abordagem da psique humana:
Tudo o que somos é o resultado daquilo que pensamos: funda-se em
nossos pensamentos, é feito de nossos pensamentos. Se um homem
fala ou age com um pensamento puro, a felicidade o segue tal como
a sombra que jamais o abandona. Ele me insultou, ele me bateu, ele me
abandonou, ele me roubou: os que não agasalharem tais pensamentos
deixarão de odiar. Porque o ódio não cessa pelo ódio em nenhum
tempo: o ódio cessa pelo amor – é uma lei antiga (tradução minha).

Uma das características mais importantes do budismo – além do tom


universalista da mensagem que propaga – é sua facilidade de adaptação às
culturas em que se instala. Talvez seja essa uma das razões de sua ampla
difusão pelo mundo.
Há uma grande gama de produtos artísticos ligados ao pensamento
budista. Podemos citar como exemplo de arte budista obras de arquitetura,
pinturas, esculturas e objetos rituais. Pode-se dizer que, em cada país em
que se implantou, a arte budista assumiu formas artísticas características
da cultura local. Assim, é possível distinguir com clareza e certa facilidade
a arte budista tibetana da arte budista chinesa, japonesa ou tailandesa,
Verbetes [ 341 ]

por exemplo. Embora as formas empregadas sejam diferentes, elementos


iconográficos importantes se repetem nas produções locais.
Podemos traçar as origens de tais elementos na arte religiosa da Índia
hinduísta. Elementos importantes da iconografia budista, como a flor de
lótus, a presença de inúmeros braços e pernas nas deidades, a multiplicidade
de cabeças e olhos das figuras, bem como sua variedade de cores, já estavam
presentes na cultura figurativa hindu. Além disso, devemos mencionar os
mudras, gestos representativos de determinados conceitos.
Na China, a iconografia budista teve muita importância não apenas
na criação de uma arte budista chinesa, mas também na formação da
arte religiosa taoísta. Antes da entrada do budismo na China, os chineses
não tinham o costume de cultuar imagens. Após a chegada da religião de
Gautama, inúmeros templos com uma suntuosa estatuária foram erguidos.
Além disso, deve-se destacar a existência na China (e também no Japão)
de uma arte de inspiração filosófica budista cujos temas não são as figuras
de culto da vida religiosa, mas sim as da pintura laica: paisagens, naturezas
mortas, animais etc.
No budismo tibetano, a produção de imagens tem um papel muito
importante. As imagens dos budas, que são representados por uma arte de
cores vivas e linhas precisas, são tratadas com extremo zelo, reverenciadas
como se fossem o próprio buda. Não se deve, contudo, considerar isso uma
espécie de idolatria. De acordo com os próprios budistas, a imagem do buda
serve como um veículo de treinamento para que se transforme a própria
mente, alcançando o nirvana. Toda a riqueza artística da pintura religiosa
tibetana deve assumir uma nova dimensão na vida mental do adepto por
meio da reverência, das visualizações e das meditações.
[ 342 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Arte e historiografia

Igor Valente

O termo historiografia traz em si um apanhado de instâncias nas


quais memória, registros documentais e método científico se coadunam
para dar corpo a uma escrita muito específica, que valida não regras e leis
naturais ou físicas, mas movimentos e organizações sociais que se fundam
na subjetividade humana. A memória se instaura enquanto ferramenta do
historiador, que, no afã de inscrever experiências pretéritas no tecido da
história, negocia constantemente com o presente, de modo a detectar os
vestígios ainda vigentes de determinados valores.
Em se tratando de manifestações artísticas, mais do que pontuar marcos
e fins de movimentos artísticos, é preciso resolver o discurso dos artistas. Se,
em seu advento, esse discurso não pode ser precisado – dado o fervor e as
paixões que comprometem uma análise imparcial –, cabe à história revelar
suas estruturas subjacentes mediante um esforço crítico do historiador.
Entretanto, essa noção de um historiador comprometido com reflexões
críticas e filosóficas só tomou corpo mais tarde, pois foi no espaço do
registro, da básica catalogação enciclopédica, que o pintor e arquiteto
Giorgio Vasari (1511-1574) fundou suas bases. Em termos gerais, pode-se
dizer que Vasari foi o primeiro historiador da arte, ou ao menos aquele
que primeiro condensou artistas e obras em um único estudo, de modo a
conter, em um único espaço, tudo o que de mais importante – segundo sua
ótica – o humanismo renascentista – tendenciosamente focado nos artistas
florentinos – produziu. Esse estudo, intitulado Le vite de’ più eccellenti
pittori, scultori e architettori (As vidas dos mais excelentes arquitetos, pintores
e escultores, 1550), é encarado como a primeira obra de história da arte e
a base sobre a qual estudos posteriores se pautaram.
A arte enquanto sistema cultural não se reduz a um fenômeno isolado,
como espaço exógeno à realidade social. Ao contrário, é, antes de qualquer
outra concepção possível, um agente da história, como defendido pelo
historiador Giulio Carlo Argan (1909-1992), segundo o qual apenas
se poderia apreender o sentido de suas imagens por meio de uma visão
Verbetes [ 343 ]

abrangente dos processos de construção da obra de arte. Essas seriam o


resíduo de experiências socioculturais, produtos de um ambiente histórico
específico. Partindo desse princípio, Erwin Panofsky (1892-1968) segmenta
a apreciação de uma obra em três instâncias metodológicas, nas quais o
nível primário constitui a simples compreensão formal de uma composição,
cabendo à análise iconográfica a determinação do espaço organizacional
da obra – no qual se determinaria o tema a partir das relações específicas
travadas pelas imagens –, e à análise iconológica a percepção do ambiente
histórico-cultural que abarca e dota de sentidos as imagens produzidas por
um artista. Porém, com a modernidade, esse aspecto plural do historiador
fica ainda mais evidente diante das constantes rupturas e problematizações
acerca da função e do espaço da arte. Teóricos como Arthur Danto (1924)
e Hans Belting (1935) discutiram respectivamente, a morte da arte e da
história da arte, assuntos que, por sua natureza interconsequente, acabam
por constituir uma mesma questão.
A morte da arte significa a morte da história, ao menos no que tangencia
seu movimento narrativo, abstraída de seu aspecto diacrônico ou mesmo
teleológico. Se a arte não segue mais uma progressão, em um movimento
contínuo, mas passa a circundar experiências passadas, diluída em esferas
diversas, chega-se a um ponto zero, no qual toda experimentação é lícita,
assim como toda geografia se mostra limitada diante da transversalidade
dessas operações, que atingem espaços éticos, políticos, filosóficos e mesmo
científicos. Cabe ao historiador da arte contemporânea enxertar nesse
vácuo insurgido pela morte da arte e da própria história práticas externas
ao universo estético, assumindo-se como agente plural, em uma sinergia
que não compreende diferenças entre o historiador, o crítico e o filósofo. É
uma consciência que acaba constituindo uma identidade possível perante
o impasse da historiografia.
[ 344 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Arte e indumentária

Larissa Carvalho

Previamente ao esclarecimento das possíveis relações existentes


entre arte e indumentária, cabe elaborar uma reflexão semântica a respeito
dessa última. De origem latina (indumentu), o termo denota a ideia de
cobertura e revestimento, evidenciando assim a equivalência entre a
noção de indumentária e a de vestuário – utilizado para cobrir o corpo –
como sua primeira significação. Em seguida, sua acepção também se refere
inusitadamente à arte do vestuário, do mesmo modo que à sua história.
É igualmente curioso perceber como o termo moda – frequentemente
utilizado na interseção entre os dois campos – também apresenta sua definição
como arte do vestuário, embora esteja ligado mais à técnica, como pode ser
observado em dicionários e enciclopédias atuais. Vale, portanto, indagar: será
que o vínculo entre arte e indumentária estaria mais próximo de uma noção
histórica, enquanto a relação entre arte e moda estaria próxima de um estudo
mais técnico de sua produção? Até que ponto é possível dizer que uma se refere
ao passado e a outra, ao presente e novo? Falar hoje em indumentária deixa
implícito que também se está falando da história do vestuário, ou, ainda, dela
como uma arte? Moda é arte? É adequado empregar o termo moda para os
vestuários antigos, renascentistas ou mesmo de outros períodos e regiões? Ele
pode ser utilizado da mesma forma que na contemporaneidade? Será que a
moda estava ou está presente em todos os lugares e povos? É possível falar de
uma indumentária dissociada da noção de moda?
Esses numerosos questionamentos fazem parte das reflexões de
historiadores e críticos de arte que buscam demonstrar a autonomia da moda
como expressão artística. Roland Barthes, Umberto Eco, Florence Muller, Gilles
Lipovetsky e Alice Mackrell, entre outros, tentaram ir além dos elementos
exclusivamente estéticos da moda, pois consideram que ela é inseparável
de suas injunções sociais, culturais, psicológicas, políticas e, sobretudo, do
Espírito do Tempo, o zeitgeist. Logo, a indumentária – e também a arte – é uma
linguagem que comunica e apresenta posições ideológicas e culturais segundo
as formas escolhidas/oferecidas para que seus significados sejam transmitidos.
Verbetes [ 345 ]

Os primeiros elos manifestos entre arte e indumentária podem ser


observados por volta do século XIV na Europa. Nos séculos seguintes, houve
o fortalecimento das atividades comerciais, do sentimento de nacionalidade e
individualidade, ocasionando uma grande mudança nos trajes – em intervalos
de tempo cada vez mais curtos –, juntamente às novas valorizações sociais
e ao posicionamento do indivíduo na sociedade. A renovação constante
das modas e das leis suntuárias eram os modos encontrados pela nobreza
para se distinguir de outras classes, sobretudo da burguesia emergente
e abastada. O mesmo acontecia em diferentes regiões, já que buscavam
singularidades que as distinguissem das demais. Os exemplos são muitos:
Pisanello desenvolveu modelos de vestuário e padrões têxteis; em seguida,
Cesare Vecellio lançou uma das primeiras publicações sobre as diferentes
indumentárias, não só europeias, como asiáticas, africanas e americanas. No
entanto, cabe questionar em que medida essas obras fornecem informações
confiáveis acerca da indumentária do passado, pois elas podem tanto ser uma
criação individual do artista quanto favorecer a identificação de personagens,
contribuindo para a significação da obra de maneira geral. Aliados ao estudo
de peças originais – caso existam –, à literatura da época e a conhecimentos
técnicos, pinturas, esculturas, relevos etc. não podem auxiliar no estudo da
indumentária?
As relações podem ser outras, ainda mais após a influência da indústria,
da publicidade e da tecnologia. O século XX trará iniciativas conscientes da
união entre ambos os campos, já que os designers de moda viam na arte de
vanguarda a produção de novas visualidades, enquanto os artistas utilizavam
a indumentária como novo suporte para suas experimentações e propostas.
O diálogo estava estabelecido: a indumentária em si poderia ser arte. Assim,
Paul Poiret empregava de forma inovadora a arte moderna em suas criações
de moda e artistas visuais lidavam com o vestuário de maneira provocativa,
teórica, funcional e experimental (Klimt, Balla, Malevich, Moholy-Nagy etc.),
unindo o estético ao vestir. No Brasil, o diálogo entre arte e moda já estava
presente até mesmo nos anos 1950, com Flávio de Carvalho, e, depois, com os
parangolés de Oiticica, as máscaras e luvas de Clark e os objetos de Gerchman.
Compartilhando cada vez mais do vocabulário e das questões artísticas,
a moda e a indumentária acabaram lidando com as mesmas – e, em alguns
casos, mais profundas – relações de poder que determinam o que é ou não arte,
o que está ou não em voga e o que faz com que uma obra ou moda seja mais
valorizada que a outra. Quem toma essas decisões, incentivando-as? A moda
pode ser concebida como serviço, expressão e linguagem, mas também é... arte.
[ 346 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Arte e islão

Evelyne Azevedo

Ainda hoje, o mundo muçulmano é misterioso aos olhos ocidentais. É


parte de nosso universo sem, contudo, integrá-lo efetivamente. A história
dos povos islâmicos entrecruza as narrativas ocidentais desde a Idade Média
até os dias atuais.
Ao longo dos séculos VIII e XV, a expansão muçulmana levou a
dominação árabe à Europa, deixando raízes profundas em Portugal e,
principalmente, na Espanha. São inúmeros os monumentos de grande
importância desse período que pontuam as regiões andaluzas, como o Palácio
de Alhambra, a Mesquita de Córdoba e a Torre Giralda.
Além da arquitetura, as artes decorativas ganharam enorme notoriedade
integrando tapetes e louças que ficaram conhecidos por toda a Europa,
propagando assim a arte muçulmana. No entanto, são pouco conhecidos
exemplos de pintura, o que não impediu que a pintura europeia, por sua
vez, buscasse, naquilo que lhe era comum, referências ao mundo árabe. Fra
Filippo Lippi, por exemplo, utilizou caracteres arábicos para decorar a faixa
que os anjos seguram em sua Coroação da virgem (1441-1447), atualmente
na Galleria degli Uffizi, em Florença.
A arte muçulmana não só secaracteriza pela grande utilização da
caligrafia, como também pelo uso de motivos geométricos e vegetais e pela
repetição das formas. Sua principal característica, porém, é o aniconismo, ou
seja, o não figurativismo, o que pode ser interpretado como uma das razões
para o uso caligráfico das passagens do Corão, por exemplo. Outro aspecto
muito presente na arte árabe é o horror ao vazio, o horror vacui, tão caro ao
assim chamado barroco europeu e hispano-americano.
Os árabes eram ainda invocados nas narrativas bíblicas cujas passagens se
referiam ao Oriente. Muitas vezes, foram associados aos povos da antiguidade,
como na Travessia do Mar Vermelho (1481-1482), de Cosimo Rosselli, em
que o exército do faraó que persegue o povo hebreu é representado como
árabes modernos, utilizando o típico chapéu turco, que pode ser visto ainda
em obras de Giotto e Tintoretto.
Verbetes [ 347 ]

Fonte inesgotável de exotismo, o “outro” não cristão foi inúmeras vezes


representado como muçulmano, inclusive quando deveria retratar o índio
americano, como mostra o Rio da Prata da Fonte dos quatro rios, na qual
Bernini representa um mouro no lugar de um índio para simbolizar a América.
Foi ao longo do século XIX que o exotismo adquiriu ares de fascínio,
representando o Oriente tal qual ele era visto aos olhos europeus: com suas
odaliscas e vistas das cidades árabes, com suas construções e comércios a
céu aberto. Uma das maiores contribuições para isso foi a tradução das Mil e
uma noites para o francês por Antoine Galland, seguida da de Richard Burton
para o inglês. Apesar de pertencer à literatura persa, a obra consiste numa
coleção de contos de diferentes tradições árabes. A tradução de Galland
privilegiou apenas aqueles que não causassem estranhamento na Europa
do século XVIII, sendo a versão mais conhecida até hoje.
O mundo árabe é, ainda hoje, cercado pela ambiguidade: de um lado, o
imaginário ocidental das odaliscas com seus véus e danças sensuais; de outro,
a religião rígida, que obriga suas mulheres a se cobrirem dos pés à cabeça.
Os vestígios arqueológicos das grandes capitais antigas – Constantinopla,
Damasco, Bagdá – convivem com projetos modernos espetaculares como
Dubai, a capital surgida em meio ao deserto. Assim como sua nova capital,
a arte muçulmana do século XX procurou incorporar outros valores e
dialogar com a arte europeia; recordemos, por exemplo, Sabri Berkel, cuja
obra foi fortemente influenciada pelo cubismo. Diálogos e confrontos entre
as culturas visuais islâmica e ocidental, portanto, permanecem no centro de
debates, reflexões e produções artísticas contemporâneas.
[ 348 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Arte e mercado

Camilla Rocha Campos

Evidenciar relações sociais. Inversão de mecanismos compostos por


aparente linearidade que subentendem as transações humanas na sociedade
como alicerce para o agenciamento individual da coletividade. O dinheiro
não é a única moeda, o comércio de lucros não baliza apenas objetos: o
poder simbólico. Na extensão do sistema de troca identificado por Marcel
Mauss (2003), estão o prestígio, a honra, a moeda, a rivalidade, o combate.
Elementos essenciais para as trocas cerimoniais em que os contratos são
adjacentes à moral e à economia, que regem essas relações. Migração de
instituições ressoadas pelos clãs envolvidos, ressoada em outros povos:
hoje. A obrigação de dar e receber, constituir o social, construí-lo através
da troca de símbolos, contratos. Sob valores diferentes, a arte se assenta em
termos semelhantes. Vista pelo comércio como um rentável investimento
monetário e simbólico, como disse Alan Dominique Perrin (apud Haacke e
Bourdieu, 1995, p. 28), presidente da Cartier, é um “instrumento de sedução
da opinião”. Carregada e utilizada como prestígio, honra, moeda, rivalidade,
combate. Campo de negociação de valores. A ideia que se estabelece como
troca ao refazer o pensamento sobre a sociedade. O valor de uma ideia
endossada no canhoto de um cheque. Hans Haacke: o mundo da arte
como espaço capaz de equalizar um mundo extrínseco a ela. A liberdade
será patrocinada agora somente em moedinhas (1990), título de uma instalação
pública do artista alemão em que transações econômicas com interesses que
circundam a guerra, a arte e o comércio são assinaladas. Revisar as lacunas
econômicas da moral endereçadas somente àqueles “ativamente engajados
em preservar seu status quo” (Haacke, 2004, p. 112). O fazer da arte perpassa
o território relativo à sociedade na qual está inserida, não apenas cooptada
por ela, mas também apontando transformações a partir dela. Migração
das instituições para que sejam intencionalmente questionadas enquanto
verdades moventes. Ocupar estados de transparência. Em Ocupação
(1999/2000), Newton Goto (1999) “reordena” adesivos com o símbolo do
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) impressos com o
Verbetes [ 349 ]

patrocínio do Estado. Regência simbólica e econômica. A contracorrente da


moeda. Ampliação; outras trocas institucionais. Ocupar uma galeria, ocupar
áreas agrícolas. A atenção irônica no reverso de uma ação. Possibilidades em
que se estabelecem trocas extensivas aos seus próprios sistemas. Evidenciar
relações sociais, inverter mecanismos compostos por aparente linearidade a
fim de alertar contra uma aceitação passiva enquanto troca, comércio ou arte.

Referências
GOTO, Newton. Ocupação (disponível em http://newtongoto.wordpress.com/
ocupacao/. Acessado em 1999).
GRASSKAMP, Walter et al. Hans Haacke. Londres: Phaidon, 2004.
HAACKE, Hans. “The constituency”. In GRASSKAMP, Walter et al. Hans Haacke.
Londres: Phaidon, 2004.
------ e BOURDIEU, Pierre. Livre troca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a dádiva”. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac
Naify, 2003.
[ 350 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Arte e Mesoamérica

Antônio Barros

O termo mesoamérica possui uma conotação mais antropológica que


geográfica; não raro, fala-se, por exemplo, de civilizações mesoamericanas no
Peru. Isso se deve ao fato de que as variadas civilizações formadas continente
afora tiveram origens semelhantes. Quase todas as culturas pré-colombianas
sofreram influência direta ou indireta dos olmecas, reconhecidos como a
primeira grande organização social do continente americano. Supõe-se
que, na mesoamérica, originou-se com os olmecas a prática de relacionar
produções artísticas a deidades sobrenaturais. Seu panteão de deuses era
numeroso e variado. Essa variedade se refletiu nos diversos materiais e
técnicas utilizados na realização de “obras de arte”.
A arte praticada em toda a mesoamérica estava intimamente relacionada
à religião, à política e à astrologia. Além disso, essa arte era marcada pela
produção coletiva, inviabilizando o registro de grandes expoentes individuais.
Talvez os calendários realizados por esses povos sejam os melhores exemplos
da unidade envolvendo a astrologia, os deuses e os governos. Relacionando
escultura, pintura e cerâmica, os calendários sintetizam a ampla associação
entre a arte e a sociedade nessas culturas.
Quanto às formas, as figuras humanas eram normalmente retratadas
de perfil e, na maioria das vezes, eram usadas cores fortes e quentes. Porém,
eram as linhas que tinham grande destaque. Elas exerciam fascínio entre
esses povos, revelando grandes sequências de figuras e de desenhos em quase
todos os artefatos. As cerâmicas tinham papel fundamental como utensílio
cerimonial e doméstico. As esculturas apresentam linhas simples e formas
vigorosas tanto nos pequenos bustos quanto nas colossais esculturas que
ultrapassam em muito a escala humana. Já as pinturas rupestres combinam
motivos humanos e zoomórficos. O amplo uso das linhas também era
empregado no planejamento das cidades. Plantas-baixas de cidades como
Teotihuacán revelam inúmeras construções de pequeno porte e poucas ruas
largas e retas; grande parte das cidades era organizada como um enorme
desenho labiríntico repleto de linhas.
Verbetes [ 351 ]

A recepção e a assimilação das artes pré-colombianas ainda continuam


seu processo. Os colonizadores europeus destruíram grande parte dessa
riqueza artística: dos astecas pouco sobreviveu, mas dos incas e dos maias
ainda resta um volume significativo de obras. Ao retornar à Espanha, Cortés
levou um grande número de artefatos do Novo Mundo. Posteriormente,
Albert Dürer relatou em seu diário um profundo fascínio por essas peças.
Entretanto, os estudos da arte mesoamericana se deram, principalmente, a
partir dos relatos de nativos e anotações de colonizadores. Alguns desenhistas
viajaram à América a fim de retratar as obras e a natureza do continente.
Durante a Revolução Mexicana, houve uma grande valorização das culturas
antigas; vários artistas de renome – entre eles Diego Rivera, que décadas
depois inaugurou um museu de pequenos artefatos astecas – envolveram-se
no chamado renascimento mexicano, que buscava retornar a essas fontes
em um movimento análogo ao do renascimento europeu em direção à
antiguidade greco-romana. Ainda hoje, novas peças continuam a ser
descobertas por todo o continente, gerando vastos estudos acadêmicos,
documentários arqueológicos e até mesmo filmes de vários gêneros. Na
arte contemporânea, as respostas a esse legado artístico e arqueológico são
variadas e provenientes de distintas regiões. O núcleo de artistas de Oaxaca,
por exemplo, tem realizado releituras dessa tradição desde a década de 1990.
Os trabalhos do artista Rolando Rojas, por exemplo, retomam a mística pré-
colombiana, e as pinturas de Gabriela Campos evidenciam a temática dos
murais das antigas civilizações.
[ 352 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Arte e psicologia

Renata Reinhoffer França

Psicanalistas afirmam que nas bases do desenvolvimento humano está


a convergência dos sentidos (Houzel, 2002), uma vez que o nascimento
biológico é marcado por um bombardeio sensorial caótico e que essa
intensa experiência estética é acompanhada de grande angústia. O
acolhimento dessa angústia primordial, fundamental para a continuidade
do desenvolvimento, dá-se pela convergência sensorial, que cria uma ilusão
de continuidade corporal com a mãe. Ou seja, no nascimento biológico
há uma explosão de sentidos gustativos, táteis, sonoros, visuais e motores
que são percebidos de forma dispersa, fazendo cada sentido unir-se à sua
melhor sensação: o ouvido ao som que mais lhe atrai, o olhar ao brilho
mais chamativo, o toque à superfície mais convidativa ao tato, e assim
por diante. Esses estímulos, entretanto, têm pouca chance de partir do
mesmo objeto externo.
A convergência sensorial começa a acontecer quando o bebê percebe
que o cheiro de sua mãe, sua imagem visual, o gosto de seu leite, o calor de
sua pele e a proteção de seu colo não são sensações independentes umas
das outras, mas que, ao contrário, estão reunidas naquela experiência de
acolhimento das angústias vitais e espaciais, contidas por sua atenção e
capacidade de devaneio. Esse momento de prazer, de acolhimento das
angústias, contudo, é interrompido quando o bebê se separa do objeto
estético, fazendo com que se desmantelem novamente as sensações.
Donald Meltzer (1980, p. 30) nomeia esse processo de “conflito estético”
e insiste ainda na importância da reciprocidade estética dessa relação, ou
seja, é preciso que à experiência estética do bebê responda a experiência
estética da mãe.
Didier Houzel (2002) concorda, mas enfatiza a importância da dimensão
dinâmica dessa relação estética primária. Para ele, não é apenas o problema
de o objeto ser belo na superfície e desconhecido no interior que causa o
conflito estético. A questão é como se vai viver a relação com o objeto
– estruturante ou destrutivamente –, já que o objeto estético é, desde o
Verbetes [ 353 ]

início, sedutor, atraindo-o irresistivelmente em seu campo gravitacional


com uma violência sentida como destrutiva caso não seja amortecida pela
reciprocidade estética. Supõe ainda que haja não apenas uma reciprocidade
estética, mas também uma sedução recíproca, que faz com que à atração do
psiquismo nascente da criança pela mãe responda a atração do psiquismo
da mãe em relação a seu bebê.
Na abordagem dinâmica do pensamento, o conceito matemático do
atrator substitui a relação continente/conteúdo proposta por W. R. Bion
em sua função de conter as angústias. Trata-se então de um processo de
estabilização do fluxo dinâmico, que conduz à morfogênese.5 O aspecto
interiorizável da relação entre os dois faz o papel de atrator dos sistemas
dinâmicos, ou seja, atua como um campo de vetores aplicados sobre um
espaço substrato que é, ele mesmo, formado e deformado sob os efeitos das
forças representadas por esses vetores. René Thom exemplifica o atrator
como aquilo que um vale é para o escoamento de água, isto é, o vale é
escavado por águas vivas e turbulentas, ao mesmo tempo que dirige e canaliza
o fluxo ao lhes oferecer estabilidade estrutural.
A força de sedução do objeto estético – e o bombardeio sensorial inerente
a ela – causa uma angústia de aniquilamento, sentida como precipitação
incontrolável e morte por queda em abismo sem possibilidade de sustentação,
à qual apenas o encontro com o objeto estético dado primeiramente pela
convergência sensorial pode oferecer sustentação, freando-a sem, no
entanto, imobilizá-la, ao conceder-lhe certa estabilidade estrutural. É o que
vai permitir a continuidade do desenvolvimento do pensamento em formas
mais complexas.
Por isso, não é então o objeto em si que é belo, mas o encontro com o
objeto. É no encontro – no acolhimento das angústias vitais – que se faz o
agrupamento sensorial. Esse é percebido não como uma função desempenhada
por outra pessoa, mas como a imagem motora do abrandamento das angústias.
A capacidade atratora do encontro com o objeto oferece uma parte estável
ao processo de abertura do espaço ao fazer convergirem os fluxos dinâmicos
em ato, permitindo a realização do novo pela manutenção de uma forma
estruturalmente estável.

Na teoria das catástrofes de René Thom (2004), o processo de invenção (destruição criadora) nada
5

mais é do que o nascimento ou a aparição de uma nova forma, isto é, um processo de morfogênese,
criação ou ruptura de uma forma preexistente e, portanto, uma zona de descontinuidade qualitativa
do processo morfogenético que dá origem a uma catástrofe do tipo dobra (destruição ou criação
de uma forma), caracterizando um salto qualitativo no movimento.
[ 354 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

A questão a ser pensada em relação à relevância da experiência estética


da arte é: como isso pode ser elaborado enquanto desdobramento do encontro
estético com a obra de arte?

Referências
HOUZEL, Didier. “Les modèles topologiques”. L’aube de la vie psychique. Issy-les-
Moulineaux: ESF, 2002, pp. 29-74.
MELTZER, Donald. Explorations dans le monde de l’autisme. Paris: Payot, 1980.
THOM, René. Parábolas e catástrofes. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2004.
Verbetes [ 355 ]

Arte e política na China

Bony Braga

“Que o senhor aja como senhor, que o vassalo aja como vassalo, que o
pai aja como pai e que o filho aja como filho”, diz um adágio confucionista.
O pensamento da China antiga fundava-se em um apreço profundo à ideia
de ordem, o que podemos constatar por algumas sentenças do Livro dos ritos:
O desejo não pode ser seguido, a vontade não pode ser plena, a alegria
não pode ser extrema [...] o caminho, a virtude, a benevolência e a
justiça, sem o espírito ritual, não serão concluídos [...] as relações
entre o senhor e o vassalo, o superior e o inferior, o pai e o filho, os
irmãos mais velhos e os irmãos mais novos, sem o espírito ritual, não
estarão estabelecidas (tradução minha).

Ora, o espírito ritual proporcionou na antiguidade chinesa a junção


das esferas artística e política.
Verificam-se, nas primeiras peças de arte produzidas sob o auspício
das casas de Shang e Zhou, valores composicionais semelhantes àqueles
valores comportamentais e éticos estabelecidos no Livro dos ritos alguns
séculos depois: deve-se observar a proporção entre as linhas que compõem
o formato de um instrumento litúrgico (como o vaso ou a espada), entre
o alto e o baixo, entre o superior e o inferior, assim como se deve saber o
próprio lugar na vida social. As peças em jade e em bronze dos Shang e dos
Zhou estão impregnadas do espírito ritual do qual Confúcio sente falta já em
seu tempo (segundo as datas tradicionais, 551-479 a.C.). Lemos no clássico
confucionista dos ritos:
Mesmo que o orangotango possa falar, não deixa de ser uma besta.
As pessoas de hoje, sem o rito, mesmo que possam falar, não têm a
mentalidade das bestas? […] Por isso, o homem sagrado emprega
o rito para educar as pessoas. Leva as pessoas, pela posse do rito, a
perceberem o que as distingue das bestas (tradução minha).

Os objetos rituais da antiguidade eram produzidos de acordo com os


parâmetros dos objetos usados no cotidiano, mas em material precioso e
com acabamento finíssimo. Quando os soberanos desejavam afirmar sua
[ 356 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

autoridade, patrocinavam a produção de inúmeros artefatos, como vasos


rituais em bronze, que recebiam inúmeras denominações, dependendo
de suas formas: ding, li, hu, zun, you, dou. Em tais vasos cerimoniais, eram
gravadas formas de pássaros, elefantes, tartarugas, peixes, motivos florais,
formas geométricas e imagens de animais míticos, como a fênix e o dragão.
O motivo principal nos vasos rituais Shang era o taotie, possuindo variadas
formas que lembram os olhos, as orelhas e a boca de um animal, sem chegar,
no entanto, a definir com precisão o desenho do rosto.
A antiga religiosidade chinesa procurava a salvação não no além-vida,
mas na vida em sociedade, definida por parâmetros éticos e protocolares,
tendo na família o seu centro. No topo dessa vida em sociedade, estava o
Filho do Céu, o imperador. Não por acaso, o Livro dos ritos e outros clássicos
confucionistas versam sobre a importância de tudo o que se relaciona
ao imperador. A própria palavra para sagrado faz referência à instituição
imperial.
Não só no confucionismo, mas também no taoísmo, a figura do
imperador possui extrema importância. O panteão taoísta possui inúmeros
deuses cujos nomes terminam com o título para imperador. O mais elevado
dos deuses, não por acaso, é chamado de Imperador Superior Augusto de
Jade. Por que motivo a jade, e não qualquer outra pedra preciosa, aparece
como um dos principais elementos da iconografia taoísta a indicarem as
relações entre o sagrado e a autoridade divina e temporal? A língua chinesa
conhece inúmeros termos para diferentes objetos feitos de jade, sendo yu
o termo geral para o material de que são feitos. Jade é o nome pelo qual
designamos dois minerais diferentes: jadeíte e nefrite, que são muito difíceis
de ser trabalhados. O primeiro dos dois minerais citados só começou a ser
usado na China durante o século XVIII, e o segundo era extraído em certas
regiões da Ásia desde a antiguidade. Dependendo da forma do objeto e da
cor da pedra, usa-se um vocábulo específico para denominá-lo, como ocorre
com bi, que designa um disco de jade plano com abertura em seu centro.
Assim como os bronzes, as peças de jade foram amplamente produzidas para
fins cerimoniais desde o Neolítico. Durante a dinastia Song (960-1279),
eruditos chineses, percebendo a relação existente entre as peças de bronze
e de jade e o poder político, começaram a coletar e a estudar artefatos
antigos. As primeiras coleções de arte chinesas nasceram sob a ideia de que
a legitimidade do poder político residiria em objetos antigos.
Verbetes [ 357 ]

Arte e taoísmo

Bony Braga

O taoísmo é uma religião nascida na China em fins da dinastia Han


(século II d.C.). Segundo a tradição, a primeira instituição religiosa taoísta
propriamente dita – a Ordem Ortodoxa Unitária – teria sido fundada
por Zhang Daoling, o Mestre Celestial. Durante os séculos seguintes,
surgiram inúmeras outras linhagens religiosas taoístas, como a Tesouro do
Espírito, Transparência Superior, Verdade Completa, Sutileza Transparente,
Nuvens Divinas etc. A religião taoísta é praticada contemporaneamente
não apenas na China continental e em Taiwan, mas também na Europa,
nos Estados Unidos e no Brasil. Pode-se dizer que as artes possuem uma
grande importância no contexto da liturgia taoísta. O próprio ritual pode
ser considerado um tipo de arte, uma prática performática guiada por
determinados princípios cosmológicos que estabelecem a relação dos seres
humanos entre si e com o espaço sagrado, que inclui o mundo natural.
Um ritual elaborado ocorre dentro de um templo. Os grandes templos
taoístas são, por si mesmos, obras arquitetônicas singulares. Um ritual, para
ocorrer, exige não apenas um local preparado para esse fim, como também
peças produzidas por pintores, escultores e sacerdotes. Além disso, empregam-
se músicos, sejam eles sacerdotes ou não. O uso de imagens nos altares taoístas
é uma contribuição do budismo, pois não se utilizavam imagens antes de sua
chegada à China. Hoje, faz-se um vasto uso de imagens pintadas e esculpidas.
De modo geral, apenas os grandes templos possuem peças de pintura e escultura
realmente valiosas e reconhecidas pelo seu alto valor artístico. É o que ocorre
no caso do Templo da Nuvem Branca, em Pequim, onde há uma excelente
representação do Senhor Celestial do Princípio Inicial.
A pintura foi considerada, no período imperial chinês, a mais importante
das artes. Pintores e sacerdotes taoístas muitas vezes demonstraram um
conjunto de crenças semelhantes, como a ideia de que há uma continuidade
entre a realidade e o mundo das imagens produzidas por ambos. Um dos
princípios básicos da pintura chinesa estipulados por Xie He no Catálogo
classificatório das pinturas antigas é o “timbre do sopro vivo e dinâmico”
[ 358 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

(tradução minha). O sopro é um conceito fundamental do pensamento


chinês, relacionado à prática das artes, da medicina, da feitiçaria, da religião
etc. O sopro seria o princípio vital subjacente à existência e à manutenção
de tudo.
Tanto o pintor chinês quanto o sacerdote taoísta acreditavam ser
fundamental direcionar o sopro para a realização das pinturas, no caso do
primeiro, e dos talismãs, no caso do segundo. Ambos usavam os quatro
tesouros da tradição chinesa: papel, pincel, tinta e pedra para preparo de
tinta. Algumas anedotas narram o poder mágico das pinturas: diz-se que
Ku, célebre pintor da dinastia Qin, estando apaixonado por uma mulher
que lhe negava amor, pintou seu retrato aplicando uma agulha na parte
correspondente ao coração da moça, que, sentindo então muita dor, suplicou-
lhe para que retirasse a agulha da pintura feita na parede de sua casa. Também
se fala na pintura de dragões feita por Chang durante o período das dinastias
do Sul e do Norte, na capital Nanjing. O pintor não dotou os dragões de
olhos. Inquirido sobre o porquê disso, Chang explicou que, caso desse
olhos aos dragões, eles voariam das paredes. Descrentes disso, as pessoas o
acusaram de fraude. Chang, então, deu olhos a dois dragões, que saíram das
paredes adquirindo vida ao som de um estrondo forte como um trovão! Essa
historieta lembra o ritual taoísta de sagração de esculturas chamado “Pontuar
os olhos para abrir a luz”. Trata-se de um rito em que o sacerdote, usando
pincel e tinta, pontua os olhos das estátuas, que passam a ser consideradas
tão vivas quanto qualquer pessoa e, portanto, dignas de veneração e respeito.
Ao contrário das pinturas, que foram feitas para ser vistas, os talismãs dos
sacerdotes são instrumentos litúrgicos que não devem ser expostos aos leigos,
sendo produzidos com fins rituais e mágicos. Diz-se que, quando Cangjie
codificou a escrita na antiguidade, os espíritos choraram. De acordo com
um adágio taoísta, aquele que desconhece a chave da escrita talismânica
desperta o riso dos espíritos, enquanto aquele que a conhece desperta seu
temor, tornando-se invulnerável. A escrita seria a primeira forma de talismã,
a primeira forma de contrato entre o ser humano e o sagrado, estabelecido
pelo uso do pincel. Tanto o pintor quanto o sacerdote creem conduzir o sopro
pelo pincel através de sua intenção. Segundo os Registros dos talismãs divinos
das três grutas (三洞神符記), compilação taoísta, “a chegada da intenção
move o pincel, o sopro uno produz o talismã” (tradução minha).
Verbetes [ 359 ]

Arte e transexualismo

Raphael Fonseca

Embora a palavra transexual tenha sido cunhada recentemente, o


mesmo não pode ser dito de andrógino e hermafrodita, que, mutatis mutandis,
podem ser incluídas em seu mesmo campo semântico: trata-se de pessoas que
“apresentam características, traços, órgãos ou comportamento imprecisos,
entre masculino e feminino” (Dicionário eletrônico Houaiss, 2007).
No campo das artes visuais, a tensão entre os sexos em um mesmo corpo
foi representada das mais variadas formas. O faraó egípcio Akhenaton,
servidor de Aton – manifestação esférica do deus-sol Rá –, é representado em
uma série de esculturas como uma figura andrógina, com o corpo construído
por curvas sinuosas. Tal opção parece justificável devido à compreensão de
Aton como o pai e a mãe de todas as coisas, ou seja, há uma relação entre
divindade e ambivalência sexual, absolutismo no poder político e religioso.
Aqui, androginia se associa a poder.
Na história ocidental moderna, porém, essa tensão é frequentemente
compreendida como algo monstruoso. Nos primeiros tratados médicos
renascentistas, o hermafroditismo é considerado uma anomalia. No tratado
de Ambroise Paré, Dos monstros e dos prodígios (1579), os hermafroditas
estão listados como aqueles que “são coisas que aparecem fora do curso da
natureza” (1997). Temer o hermafrodita é temer o outro e, portanto, tais
imagens e definições podem dialogar com a alteridade cultural. Exemplo
disso é um retrato pintado por José de Ribera (1591-1652) da família de
Magdalena Ventura, uma nobre napolitana em quem teria nascido, aos 37
anos, uma longa barba. O olhar é lançado para aqueles que se encontram à
margem. Androginia e exotismo cultural caminham juntos.
Luís XIV (1638-1715), também conhecido como rei sol, dialoga com
Akhenaton e incentiva em seus retratos de Estado a tensão entre sua posição
política e seus cabelos e vestimentas femininos. Neles, vemos a utilização
de maquiagem, perucas, saltos e estampas que saltam de seus trajes. O rei
lançou moda e é considerado um dos grandes incentivadores do dito estilo
rococó e, nos dias atuais, um protótipo do travestismo.
[ 360 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Na fotografia, temos na Rose Sélavy, de Marcel Duchamp (1887-1968),


mais uma faceta do conjunto de identidades que forma a figura do artista
francês: Duchamp enquanto modelo feminino. Andy Warhol (1928-1987),
por outro lado, fotografa e também é modelo; retratos e autorretratos de
travestis, já em outro recorte histórico, o da tomada de consciência de uma
cultura gay. Travestir-se também pode ser uma forma de realizar críticas
culturais, como no caso de Yasumasa Morimura (1951-), artista japonês que
se traveste, por exemplo, de Olympia, célebre mulher pintada por Édouard
Manet (1832-1883), e, para além de questões de gênero, nos faz pensar sobre
a geografia e os lugares das culturas ocidental e oriental.
O transexualismo se faz presente na história das artes visuais e,
contemporaneamente, marca sua presença nas mais diversas esferas da
cultura visual, sendo constante na música pop, na televisão, no cinema e
na publicidade.

Referências
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. “Andrógino”. São Paulo:
Objetiva, 2007.
PARÉ, Ambroise. “Des monstres et des prodiges”. In LANEYRIE-DAGEN, Nadeije.
L’invention du corps – la représentation de l’homme du Moyen Age à la fin du XIXe
siècle. Paris: Flammarion, 1997, p. 170.
------. Des monstres et des prodiges. Paris: L’Oeil d’Or, 2005 [1579].
Verbetes [ 361 ]

Assemblage

Rafael Souza

Cunhado em 1953 pelo artista francês Jean Debuffet no intento de


designar algumas de suas obras que, para ele, não se encaixavam na já existente
categoria da colagem, o termo assemblage somente veio a ganhar renome
internacional quase uma década depois, quando o curador do Museu de Arte
Moderna de Nova Iorque (MoMA), William C. Seitz, realizou, em 1961,
a exposição The Art of Assemblage. Seitz reuniu 138 artistas que, embora
pertencessem a diferentes tendências, apresentavam um interesse comum
no uso de elementos do cotidiano; produziam obras que, estando para além
daquelas simplesmente pintadas, desenhadas, modeladas ou esculpidas, eram
reunidas – assembled – a partir de materiais que a priori não respondiam ao
mundo da arte, fossem eles objetos ou fragmentos, naturais ou manufaturados.
À palavra assemblage, segundo o crítico Michael Archer (2001), existem
duas ideias-chave amalgamadas. A primeira é a de que as imagens e os
objetos unidos e justapostos para a produção da obra de arte jamais perdem
totalmente sua identificação com o mundo cotidiano, de onde foram tirados.
A segunda é a de que essa ligação com o cotidiano abre possibilidades para
que o artista lance mão livremente de uma vasta gama de materiais e técnicas
até então não associados ao fazer artístico.
No campo da arte, a utilização de elementos ordinários teve lugar muito
antes do advento do termo assemblage. Já em 1912-1913, Pablo Picasso (1881-
1973) e Georges Braque (1882-1963) produziram obras cubistas a partir da
colagem de papéis como rótulos de produtos e jornais sobre a superfície da
tela, prática cujo caráter inovador fez emergir questões acerca do estatuto
do objeto de arte e conduziu à necessidade de criação de uma nova categoria
artística – a colagem –, uma vez que os trabalhos abarcados por essa não
se encaixavam nas classificações existentes. Em seu desenvolvimento, a
assemblage recebeu contribuições não apenas do cubismo, mas também de
diversos outros movimentos, como o futurismo – por meio de artistas como
Umberto Boccioni (1882-1916) e Fillipo Tommaso Marinetti (1876-1944) –,
o dadaísmo e o surrealismo. Não se pode deixar, entretanto, de citar o papel
[ 362 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

do artista francês Marcel Duchamp, que, a partir da produção de seus ready-


mades, já em 1912 elevou objetos do dia a dia, como uma roda de bicicleta
e um banquinho, à condição de obras de arte.
Seitz, em sua exposição, evidenciando toda a diversidade que remetia
ao termo assemblage, apresentou ao público obras muito diferentes quando
comparadas entre si, produzidas não apenas pelos referidos “ismos”, mas
também por nomes rotulados como beat, funk, junk, cinéticos e neodadaístas,
como Kurt Schwitters (1887-1948), Ettore Colla (1896-1968), Joseph Cornell
(1903-1972), Louise Nevelson (1899-1988), Alberto Burri (1915-1995),
Arman (1928-2005), Robert Rauschenberg (1925-2008) e Marisol (1930-).
Após a grande exposição de 1961, que contou com um simpósio do
qual participaram profissionais como Richard Huelsenbeck, Rauschenberg,
Roger Shattuck, Lawrence Alloway e o próprio Marcel Duchamp, a
assemblage passou a ocupar seu lugar dentro da confusão de estilos, práticas e
materiais que caracterizam e marcam a arte do momento, que denominamos
contemporânea, aparecendo na produção de artistas das mais variadas
posições, posturas e nacionalidades.
No Brasil, a assemblage também marcou presença, surgindo em maior
ou menor grau na produção de alguns de nossos artistas, como Farnese de
Andrade (1926-1996), Rubens Gerchman (1942-2008), Wesley Duke Lee
(1931), Nelson Leirner (1932), Leda Catunda (1961) e Rochelle Costi
(1961), apenas para citar alguns.

Referências
ARCHER, Michael. Arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CHILVERS, Ian (org.). Dicionário Oxford de arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
DEMPSEY, Amy. Estilos, escolas e movimentos. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
Verbetes [ 363 ]

Caricatura

Fernanda Marinho

A caricatura é uma das expressões artísticas mais antigas da história;


no entanto, sua legitimação no âmbito da disciplina histórico-artística
ocorre apenas em meados do século XIX, num momento de maior interesse
acadêmico pelas manifestações artísticas consideradas populares. Suas
características essenciais e mais genericamente conhecidas se mantêm desde
os primeiros afrescos de Pompeia até os dias de hoje: a sátira, a deformação
e o exagero. A essas podemos acrescentar outras intensamente presentes em
suas manifestações: o discurso do embate, como belo e feio; a problematização
de conceitos contrastantes, como verdade e mentira; e o questionamento
de fronteiras tênues, como popular e erudito.
O exagero ou a deformação física se opõem já em primeira instância à
arte padronizada, preocupada em fundamentar regras de composição e em
eleger os melhores modelos naturais como fonte de inspiração, conforme
vivido nas épocas históricas fortemente regidas pelas teorias clássicas. Em
Pompeia, as caricaturas também assumiam formatos textuais sob os muros
da cidade, fosse em forma de protesto às autoridades, críticas pessoais ou
reforço da autoestima, muitas vezes de conotação sexual.
A primeira referência conhecida a essa denominação artística data do
Seiscentos e está no prefácio do livro de Giovanni Battista Agucchi, em que
Giovanni Massani analisa as caricaturas de Annibale Carracci. Já aqui, a
aplicação do termo é apresentada a partir de dois polos contrastantes muito
em voga na época: o processo criativo do artista frente ao modelo natural
e à invenção. Massani refere-se à caricatura como perfeita deformação,
procurando afirmar que tal prática permitia ao artista libertar-se do intenso
compromisso de inspirar-se nas coisas mais belas encontradas na natureza,
podendo inventar de forma igualmente bela suas criações.
Sua comicidade inerente a aproxima de um discurso aparentemente mais
fugaz e menos profundo, o que à primeira vista a confronta com as formas de
arte mais calculadas e planejadas. Sua essência sobrevive a poucos traçados,
a esboços mais intuitivos do que esquematizados. Aristóteles classifica a
[ 364 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

comédia como imitação de homens inferiores; Alberti afirma que o espaço


do riso é o não verdadeiro, e assim a caricatura, por longos anos da história,
assume um caráter de expressão abjurada, não servindo como veículo da
verdade. No entanto, podemos pensar nos estudos grotescos de Leonardo da
Vinci, extensamente identificados como caricaturas. Seu propósito era mais
que apenas a deformação, uma vez que, fortemente comprometido com os
conhecimentos científicos, procurava estudar o caráter humano através de
diversas representações fisionômicas. Algo semelhante ocorre com outros
artistas interessados em estudos fisionômicos, como Giuseppe Arcimboldo,
que, por meio de combinações vegetais, criava feições humanas.
A caricatura cumpre, em certa extensão, o mesmo papel do retrato e da
fotografia: a identificação. No entanto, nesse caso que analisamos, isso não
ocorre pela representação natural do retratado e sim por um traço além da
realidade, por um exagero peculiar. O elemento que nos permite identificar
o retrato com o retratado é um conjunto de distorções que desvendam mais
do que suas características físicas; revelam seu caráter.
Negar à caricatura o senso crítico é não perceber a intensidade da
condenação de Goya às campanhas napoleônicas nas séries Caprichos,
Desastres da guerra e Disparates e os deboches de Honoré Daumier aos
parlamentares e à burguesia francesa. Cabe, portanto, acrescentarmos
mais uma característica a essa expressão: um engajamento muitas vezes
cômico, mas intencionalmente crítico, que a faz existir entre os meandros
da sociedade.
A caricatura aparece de forma espontânea, acompanhando os
acontecimentos diários. Por muitas dessas razões, encontra-se hoje em dia
numa fronteira entre o que chamamos de popular e erudito, convidando-
nos a refletir sobre tais conceitos. No Brasil, por exemplo, foi introduzida
no século XIX, por Araújo Porto-Alegre, sob os moldes da arte francesa,
juntamente com o ensino artístico acadêmico, fazendo conviverem padrões
clássicos e liberdade criativa, formas lineares e deformações, tradições
simbólicas e novas conotações atreladas ao momento vigente. A caricatura
hoje não é mais questionada enquanto discurso crítico. Suas publicações
diárias em jornais e revistas, muitas vezes atreladas às charges, atestam a
seriedade alcançada por meio da linguagem cômica.
Verbetes [ 365 ]

Colagem

Mariana Gomes Paulse

A partir do início do século XX, a colagem se estabeleceu como


procedimento artístico por meio do movimento cubista, mais especificamente
em sua segunda etapa, denominada cubismo sintético. Essa fase, de 1912
a 1914, tornou-se um marco na história da arte por muitas de suas obras
agregarem materiais da realidade, até então estranhos à arte, dentro
do espaço plástico. Jornal, pacote de cigarro, caixa de fósforos e outros
objetos foram aderidos à tela ou a um suporte de papel. Desde então, esse
procedimento, em suas variações de fazeres e nomenclaturas – décollage,
bricolage, assemblage, fotomontagem, rollage etc. –, foi utilizado por artistas
modernos no futurismo, no dadaísmo, no surrealismo, no construtivismo,
por exemplo, e por contemporâneos como Jiri Kolar, Robert Rauschenberg
e Wolf Vostell, entre outros. De maneira geral, o procedimento da colagem
problematiza a relação que o espaço plástico pode construir com a realidade,
questionando as formas tradicionais de representação e estabelecendo muitas
vezes uma relação crítica direta com a história da arte a partir do emprego
de reproduções de obras consagradas. Em alguns casos, objetos do mundo,
como jornais e chapas de metal, são colocados sobre tela, papel cartão
ou outro suporte, distribuídos de modo a constituir formas geométricas,
assumindo um caráter mais abstrato. Dessa forma, sem perder seu caráter
de objeto do mundo, corriqueiro, cujo sentido já está dado, esses elementos
passam a ser ressignificados. Podem ser tomados em seu valor simbólico e
abstrato – representativos da imprensa ou do universo do trabalho operário,
por exemplo – e, ao mesmo tempo, estabelecer outras significações ainda
mais complexas por meio das relações internas construídas no arranjo
desses materiais da realidade no suporte, algumas vezes misturados a outros
materiais convencionais na pintura, como a tinta e os desenhos, rediscutindo
o próprio espaço plástico, as delimitações categóricas entre pintura e
escultura e os limites da arte.
Na arte contemporânea, além das questões apontadas anteriormente,
o uso da colagem se afirma como procedimento crítico privilegiado que
[ 366 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

problematiza os valores culturais, a conjuntura política e os padrões da


sociedade. As colagens podem tratar de vários temas, como a questão
do feminino, a sexualidade, o consumismo, a expansão dos meios de
comunicação, a destruição causada pelas guerras etc., tendo como ponto em
comum a relação dialética que se estabelece entre seus componentes. Esses
não constroem um todo de sentido simplificado, mas parecem apontar para a
complexidade interna do espaço plástico ao deixar em aberto ambiguidades
em suas múltiplas referências à realidade reformuladas pelos arranjos formais.
Pela particularidade de ser um juízo crítico quanto ao próprio fazer
artístico e à história da arte, pode-se traçar um paralelo entre o uso da
colagem e as escolhas entre diversos modelos efetuadas por Rafael para
compor suas obras. Destacado como um representante do classicismo e
muitas vezes identificado com valores artísticos que movimentos modernos
desejam romper, Rafael também se valia de soluções recolhidas de fontes
de artistas antigos e contemporâneos a ele para elaborar suas criações.
Distinguindo-se das colagens modernas e contemporâneas, sua obra detém
um caráter de verdade que se constrói pelo apagamento das diferenças entre
as variadas fontes – de tempos distintos e modos de fazer artísticos específicos
–, selecionando-as e combinando-as em soluções felizes. Nas obras de Rafael,
figuras humanas, arquitetura, natureza, tudo se articula harmoniosamente
para alcançar uma representação ideal do mundo.
A colagem, no entanto, discute esse tipo de representação, ressaltando
as fronteiras entre os elementos reunidos. Picasso, um dos artistas mais
destacados no estudo da colagem pela sua participação no cubismo e por
seus inúmeros trabalhos, utiliza jornais, rótulos de garrafa, papel de parede,
desenhos e outros resíduos do cotidiano para realizar seus papiers collés,
fornecendo a esses elementos o status de arte. Dentro do espaço plástico,
os recortes desses materiais são tomados como signos que podem, em
certas ocorrências, como em Guitar, sheet music and glass (1912), simular a
representação de um violão, fazendo entrever partes do instrumento musical
em pedaços de papel e desenhos utilizados, sem ser possível constituí-lo
inteiramente como numa representação tradicional. A ideia do violão e outras
noções circundantes, que não dizem respeito só à sua forma, mas também à
própria musicalidade, são dadas pelo uso de recortes de partituras e outros
elementos da obra. Nesse sentido, os historiadores da arte Rosalind Krauss e
Yve-Alain Bois entendem as partes da colagem como signos por cujas relações
internas a significação se estabelece. O tratamento que o artista dá a esses
Verbetes [ 367 ]

materiais faz com que se instaure uma dubiedade entre o que está dentro e
o que está fora, o que é figura e o que é fundo, onde há profundidade e onde
há planaridade. Outros trabalhos de Picasso que discutem a representação
falseando-a são os pastiches. Através de desenhos, reúnem corpos formados
por linhas algumas vezes sem qualquer sombreado, com rostos realistas à
la Ingres, estabelecendo uma relação irônica com a história da arte e com a
tradição. Picasso não misturava colagens de papéis de parede ou dos jornais
– ainda sem imagens – nesses pastiches. Ele separava, em sua produção, o
uso de objetos do cotidiano e o uso de referências da história da arte. Por
mais que os papiers collés problematizassem a representação e o estatuto da
arte ao inserir elementos não pictóricos no campo plástico, e por mais que
o pastiche ironizasse os modos de representação, imitando-os, falseando-
os, ainda se preservava certa separação entre a arte feita com elementos do
mundo e o pastiche feito com obras de arte.
Diferentemente de Picasso, contemporaneamente, destacamos as
colagens da série Releitura da Bíblia (1984-1990), do artista argentino León
Ferrari (1920), que põem em diálogo imagens da história da arte com outras,
veiculadas em jornais e em outros impressos. Nos trabalhos de Ferrari, essas
instâncias se combinam, têm o mesmo valor no espaço plástico: o de imagem
reproduzida e constantemente veiculada pelas mídias. Nesse sentido, são
tomadas como parte do real tanto quanto o papel de parede de Picasso. Suas
colagens reúnem, por exemplo, a imagem de um helicóptero da Guerra do
Vietnã e a reprodução de A visão de São Bernardo, de Perugino (Helicóptero,
1988); ou a imagem do Criador de A criação do sol, da lua e das plantas, de
Michelangelo, sobre a imagem do Vaticano (Incircuncisos, 1988); ou as de
anjos apocalípticos sobre a imagem da bomba atômica (Apocalipse, 1988); ou,
ainda, a Anunciação, de Fra Angelico, sobre a imagem da seção “Fecundação”
da parte de ginecologia em um livro de ciências (Fecundação, 1988). Ao
empregar reproduções de obras do renascimento e misturá-las com outras
imagens, Ferrari provoca ruídos formais e conteudísticos. A distinção entre
elas é marcada pela escala, pela organização dos próprios elementos e/ou pelas
variadas especificidades cromáticas dos recortes. Os elementos da colagem se
caracterizam pela precariedade em que se unem, sem que se harmonizem ao
todo. Nos trabalhos de Ferrari, também se estabelece uma relação dialética
entre os componentes da colagem, como visto em Picasso; além disso,
problematiza-se a compreensão geral dessas imagens na cultura de massa de
modo a construir internamente a significação da obra por meio das analogias
[ 368 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

propostas na crítica do artista quanto à intolerância da sociedade ocidental


e cristã e suas relações com a Igreja Católica. Percebemos, nessas obras, o
uso da colagem não só para discutir a relação entre o espaço plástico e as
formas de representação, mas também as associações feitas entre as obras do
renascimento e uma noção de clássico aproximada à noção de verdade, já
mencionada em Rafael, correspondente à verdade assumida pelas narrativas
bíblicas que os trabalhos de Ferrari questionam.
A colagem, entendida como problema plástico e não simplesmente
técnico, parece alterar a forma de construção da significação nas artes visuais.
O procedimento de escolha de determinadas unidades entre variadas fontes –
que se assemelha ao juízo crítico de Rafael – assume um papel privilegiado na
arte moderna e contemporânea, ao ressaltar – em vez de diluir – as fronteiras
entre os diversos elementos do mundo, incluindo nele a arte.

Referências
ARGAN, Giulio Carlo. “Rafael e a crítica”. Clássico anticlássico: de Brunelleschi a Bruegel.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 283-95.
BOIS, Yve-Alain. “The semiology of cubism”. In RUBIN, William (org.). Picasso and
Braque: a symposium. Nova Iorque: The Museum of Modern Art, 1992.
GIUNTA, Andrea (org.). León Ferrari: retrospectiva. Obras 1954-2006. São Paulo: Cosac
Naify/ Imprensa Oficial, 2006.
KRAUSS, Rosalind. Os papéis de Picasso. São Paulo: Iluminuras, 2006.
TAYLOR, Brandon. Collage: the making of modern art. Nova Iorque: Thames & Hudson,
2006.
Verbetes [ 369 ]

Desenho

Inês de Araújo

Do ponto de vista do sistema tradicional de representação visual,


que remonta ao renascimento, o desenho é valorizado por sua natureza
especulativa e mental em detrimento do conjunto de atos de desenhar e
seus resultados visíveis. Já os aspectos conceituais e práticos enfatizados em
muitos processos artísticos recentes, que atravessam ou operam questões
do desenho, sugerem direções refratárias a uma definição convencional.
Aliando atos de pensamento ou estados nascentes de processamentos
perceptivos à singularidade de seus sentidos poéticos, os processos artísticos
contemporâneos não podem ser reduzidos às figuras que os atravessam ou que
por meio deles se possam potencializar, opor, deslocar, reverter e tencionar.
Se imaginarmos rapidamente uma lista reunindo alguns dos
procedimentos que caracterizam a fluidez dessa atividade imaterial ou
material, reconheceremos a insuficiência de uma formulação conceitual
unificadora que contraia o desenho a uma definição. Por outro lado, não
podemos nos impedir de recorrer à descrição sonora de alguns termos que
nomeiam o desenho, que percorrem suas ideias e seus atos, e perfazem
vibrações sumárias de seus limites tênues e sugestivos. Uma lista revela-se
útil, pois chama a atenção para o espectro de desdobramentos e reverberações
que decorre das relações entre os modos de classificação do desenho e a
singularidade de formas incorporadas nos processos artísticos que se valem
de operações do desenho.
Entre as ocorrências do desenho, podem-se listar tanto algumas formas
de circunscrição, de diagrama, de mapa, de percurso, de estruturas formais,
de reprodução do visível, de figuração das aparências, de sistemas, de
representações lineares, espaciais, arquitetônicas, geométricas, decorativas
quanto algumas formas de inscrição, de impressão, de grafismo, de signo, de
escritura, de assinatura, de gravação, de registro, de figura, de movimentos
inacabados, de gestos, de traços, de linhas, de tramas, de cifras, de letras, de
marcas, de códigos, de ritmos, de esboços, de estudos, de anotações, de sinais
variados, de desenhos preparatórios. Mesmo esses termos não deixam de
[ 370 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

provocar novas disseminações, fazendo de outros termos novos potenciais de


desenho. Idealmente, nossa abordagem deveria levar em conta especialmente
as ressonâncias desses aspectos potenciais que nos escapam. Apenas uma
aproximação dispersiva e fragmentar ofereceria a vantagem de não reduzir
as possibilidades do olhar a uma forma de inventário de suas convenções.
No ensaio em que analisa o desenho de Degas, Valéry observa que há
uma diferença entre ver e traçar, entre uma construção do hábito ou das
convenções que determinam nossa visão e o que vemos ao desenhar não
apenas através dos olhos, mas a partir do engajamento perceptivo do corpo. O
poeta sugere também que deveríamos nos submeter ao exercício do desenho
das formas informes para acedermos às presenças singulares:
As formas informes não deixam outra lembrança senão a de uma
possibilidade. [...] o artista pode, pelo estudo das coisas informes, isto
é, de forma singular, tentar encontrar sua própria singularidade e o
estado primitivo e original da coordenação de seu olho, de sua mão
dos objetos e de seu querer (2003, p. 88).

Outra referência que nos parece convergir na mesma direção de sentido


sugerido por Valéry, que sublinha a ideia de uma possibilidade e não de um
resultado, remonta a uma das origens lendárias do desenho e da pintura.
Numa das versões de sua origem incerta, conta-se que a pintura teria se
originado do contorno de uma sombra. A versão mais conhecida dessa estória
consta do livro História natural, de Plínio, “o velho”, escrito no primeiro século
da era cristã. Uma jovem de Corinto, filha do artesão ceramista Dibutade,
teve a ideia de traçar o contorno da sombra do perfil de seu amante, que
deveria deixar a cidade por algum tempo, sobre um muro iluminado a luz
de vela. De acordo com esse relato, o desenho tomaria o lugar de uma das
possíveis matrizes da pintura, cuja origem acentuaria menos uma operação
de representação do que uma relação à presença, ou uma operação relativa
a uma lógica por contato.
A sombra implica uma operação parcial de representação, funciona
como índice de uma presença, participa de seu curso de transformações.
Distinguindo-se, igualmente, da afirmação do que é idêntico por semelhança,
o traçado de uma sombra tampouco obedece a um sistema clássico de
representação. O relato coloca em relevo uma possibilidade do desenho que
ativa um percurso de ressonâncias e que deriva de uma lógica por contato.
Vista pelo lado contrário, pensada como origem posterior, a lenda, além de
oferecer pistas para abordar operações do desenho após o desenho, contribui
Verbetes [ 371 ]

para o exame dos questionamentos contemporâneos da arte posteriores à


arte e da arte como porvir de uma origem.
Desenhista incomparável e rápido, de inigualável intensidade, Antonin
Artaud reconhece o valor plástico do sopro, dessa cavidade massiva de ar
ressentida no corpo como uma aglomeração do corpo anterior às palavras.
O poeta designa ainda como questão da escrita um problema de contorno,
de expressão visível que não representa mas introduz na superfície algo do
invisível. O contorno pode indicar uma dimensão sem fim, linha que desfaz o
cálculo homogêneo das distâncias, que se baseiam numa mesma unidade de
valor, e modificar as relações entre interior e exterior, fundo e figura, figura
e espaço, como um sopro. Num texto para Gênica, de 1926, Artaud nota
que o olhar de Paolo Ucello nada mais vê “do que a sombra imensa de um
pelo” (2004, p. 198). Relata que, ao interrogar os rostos vizinhos, o pintor
florentino veria apenas um circuito de ramificações, como uma treliça de
veias, como o rastro minúsculo de uma ruga, como a ramagem de um mar
de cabelos. “De um pelo a outro, quantos segredos e quantas superfícies!”,
exclama o poeta. Alerta que, de tal olhar, emergiria a “linha ideal dos pelos
intraduzivelmente fina e duas vezes repetida”, e anuncia ao pintor que, “com
a distância de um pelo, você se balança sobre um abismo temerário, do qual
você está para sempre separado”.
Na paradigmática figura da Spiral jetty, de Smithson, mais uma vez
pode-se observar o percurso de uma operação por ressonância. Mobilizando
relações de escala entre registros heterogêneos, o trabalho de Smithson
não deixa de se traduzir nos termos da presença ou da complexidade das
relações, por exemplo, entre o antes e o depois, o simultâneo e o distante, o
tempo e a história, o começo e o fim, a progressão e a regressão, a natureza
e a cultura, a ficção e o real, a imanência e a transcendência, a experiência
social e a mítica.

Referências
ARTAUD, Antonin. Oeuvres. Paris: Gallimard, 2004.
VALÉRY, Paul. Degas dança desenho. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
[ 372 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Escultura

Leidiane Carvalho

Parafraseando Rosalind Krauss (2008), coisas surpreendentes têm


recebido a denominação de escultura. Ou objeto, como se passou a chamar
o que é tridimensional, a fim de evitar o termo cultural “escultura” e seu peso
histórico, ou mesmo afastar-se do ato de desbastar uma pedra ou fundir um
sólido. Alguns artistas, entretanto, querem o título para si, mesmo que não
pareça lhes caber: Mathew Barney afirma ser um escultor. Ao ver sua obra,
de imediato pensaríamos que se trata de vídeo-arte, mas, ao observá-la mais
cuidadosamente, se esclarece nela uma concretude que não nos permite
questioná-lo. Do mesmo modo, podemos falar de Michelangelo: embora uma
de suas obras mais famosas seja pictórica, diz-se dele que, até quando pintava,
esculpia. Sua preferência pela escultura é (re)conhecida – o artista sempre
assinava como escultor e os corpos representados no teto da Capela Sistina
ou no Tondo Doni são tão escultóricos que comprovam essa afirmativa.
É difícil negar, contudo, o peso histórico que vem sendo construído desde
a escultura grega, cuja função era representar deuses na medida do homem,
buscando ser tão semelhante a esse quanto possível. A escultura, assim,
era principalmente vista como objeto-fetiche, e isso não se limitava à arte
europeia: África, Américas, Ásia e Oceania tinham suas esculturas-fetiche,
às quais se atribuíam poderes mágicos e de culto. Os egípcios esculpiam seus
faraós para assegurar sua vida eterna – e isso importava tanto que era dado
ao escultor o nome de “aquele que mantém vivo”.
Desde os romanos, que desenvolvem a retratística escultórica de
suas personalidades mais influentes politicamente, até o fim do século
XIX, sem diminuir nem um pouco sua importância para o pensamento da
arte, a escultura obedece particularmente à lógica do monumento – feito
comemorativo que se relaciona simbolicamente com um lugar, pessoa
ou evento – e, apesar de vir se modificando por forma e pensamento,
permaneceu dentro desse campo.
A nova escultura, então, quer se desfazer dessa relação tão estreita.
Krauss afirma que a escultura, a partir do modernismo, perde seu pedestal
Verbetes [ 373 ]

– característica essencial do monumento – e se insere no mundo, buscando


tornar-se parte dele, do mesmo modo que a pintura moderna busca desfazer-
se de sua moldura e fugir do ilusionismo de uma janela de representação.
Em lugar da solidez e da permanência, da homenagem que deveria
durar e se fazer lembrar por gerações vindouras, dos materiais nobres e do
virtuosismo da fatura sugeridos pela escultura do passado, essa nova escultura
traz a oposição: o pedestal, quando não é negado, é utilizado como elemento
diferenciado da escultura ou ainda agregado a ela. O que importa é exibir de
que modo ele transforma o sentido do objeto. Isso fica claro, por exemplo,
na Mademoiselle Pogany (segunda versão), de Brancusi, exibida sobre vários
pedestais acumulados que parecem querer ser confundidos com a suposta
obra em si. A fatura também ressalta a diferença da nova escultura: já no
início do século XX, Duchamp compreenderia que o critério de valor para a
arte de seu tempo era seu virtuosismo e, como provocação, faz ser admitida
numa exposição a famosa Fonte, o urinol invertido, cunhando o conceito de
ready-made. Há ainda a escultura abstrata, que foge de qualquer referência
anatômica, ou mesmo de uma fatura artesanal: os chamados minimalistas –
dos quais Carl Andre, Dan Flavin, Donald Judd, Sol LeWitt e Robert Morris
são os mais exponenciais – apropriavam-se de materiais da indústria, da
repetição seriada, que, através de muitas partes, tentava constituir-se como
um todo, uma obra realmente inserida no espaço, sem disfarces, redomas ou
pedestais que a tornassem superior àquele que a observava. A dificuldade
de chamar de escultura a Spiral jetty, de Robert Smithson, as Brillo boxes, de
Andy Warhol, ou o Bezerro de ouro, de Damien Hirst, nos torna, por fim,
conscientes de quão amplo o conceito pode ser e por que é, até hoje, tão
paradigmático o “campo ampliado da escultura”, conceito de Krauss que
abre este pequeno texto.

Referência
KRAUSS, Rosalind. “A escultura no campo ampliado”. Arte e Ensaios, dez. 2008, EBA/
UFRJ, n. 17, p. 129.
[ 374 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Fim e hipertrofia da arte

Camilla Rocha Campos

A expansão do campo de atuação da arte é um fato que aponta para


uma nova organização de tempo e espaço a partir de um certo alargamento,
uma espécie de hipertrofia. No panorama atual, os supostos motivos artísticos
e políticos da palavra fim procuram configurar a arte em outra situação
de relação centro-periferia. Antes, palavras, pensamentos e formas se
conjugavam num contexto linear. Cambaios, eles tinham como objetivo se
manterem suspensos numa corda bamba – lugar de visibilidade legitimadora
no tempo caduco da linha histórica cronológica. Hoje, se misturam e saltam,
a fim de ressurgirem como imagem flexível no plano horizontal de uma cama
elástica. A flexibilidade do movimento em tempo e espaço. Flexibilidade
demais, controle de menos. A insuportável demanda sucessiva, rápida e
fragmentada de acontecimentos reafirma sua força dando um nó no ponto
final. Foi assim aceita e camuflada a incapacidade de se dar conta de todas
as narrativas locais do globo. A corda “perdeu autoridade na mesma medida
em que se tornou onipresente e disponível” (Belting, 2006, p. 22). Limite
controlado. Senhoras e senhores: chegamos ao fim. A utilização do fim para
designar história, sistema narrativo e expansão de eventos locais aponta para
uma estrutura que não suporta mais, como frisa Fredric Jameson, “o peso
universalizante de um particular representativo” (2007, p. 21); substitui-se
a “história da arte única e opressora por várias histórias da arte que” passam
a existir “uma do lado das outras, sem conflitos” (Belting, 2006, p. 24). Da
corda bamba à cama elástica.
No plano, a força impressa no contato é lançada à sorte. Sua potência
é conhecida no irremediável momento em que se alcança o ápice. O ápice
é o começo da queda. Manter-se no ar por tempo indefinido não é mais
uma possibilidade. Voltar para o plano é a nova partida. Inúmeras partidas
reunidas na multiplicidade dos acontecimentos. Não importa definir história,
importa sugerir a dimensão em que se consegue suportá-la. A arte não é
mais feita com o “benefício da narrativa legitimadora” (Danto, 2006, p. 5).
A cama aparece para suprir uma condição de sustentabilidade à qual a corda
Verbetes [ 375 ]

já não mais responde. A suposta hipertrofia da arte. O “bum!” histórico


se exercita aqui, comportando seu crescimento e sua intensificação. A
prática da venda de promessas acabou. Ingressos esgotados para a linha do
futuro. O presente é o novo paraíso plano. O futuro de um passado “único
e obrigatório” (Belting, 2006, p. 29) fechou suas portas. Numa cama elástica
superlotada, os fatos exercitam sua energia – altos e baixos, rápidos e lentos.
Todos ganham elasticidade naquilo que se pode identificar como a “super-
história”, a “overdose-história” ou mesmo a “hipertrofiação histórica”.

Referências
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
BARTHES, Roland. Como viver junto. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BELTING, Hans. O fim da história da arte. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
DANTO, Arthur C. Após o fim da arte. São Paulo: EDUSP, 2006.
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo, a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo:
Ática, 2007.
[ 376 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Forma, informe, informal

Carla Hermann

A forma é comumente assumida por morfologia ou aparência. Pensando


dentro dessa definição, parece impossível existir obra de arte sem forma. Ao
restringir a noção de forma ao mero contorno aparente ou ainda à maneira
como um objeto é apresentado no espaço, atribuímos à forma a equivalência
de limite da obra. No entanto, ela não deve aprisionar. Deve operar enquanto
possibilidade de análise, permitindo trabalhar diferentes aspectos do objeto
artístico, mesmo que eles constituam absurdos ou paradoxos, e ainda que sem
a finalidade de resolvê-los. Nesse sentido, podemos nos valer da definição
levantada por Robert Kudielka (1998) da forma como a mediação entre a
obra e o espectador, sendo a abstração a instância articuladora dessa ordem de
relação. A tensão entre a composição do objeto artístico e sua contrapartida
inominada – o oposto da composição – é dotada de forma, e é por meio da
própria forma que a tensão se revela.
Se já parece complicado pensar em dualidades como composição
e contrapartida inanimada, conteúdo e aparência, torna-se quase
impossível pensar em uma separação efetiva entre dicotomias. Ao tentar
separar efetivamente o dado puramente visual do conteúdo, uma análise
formalista privilegiaria a aparência da obra para o mundo e acabaria
por fazer uma crítica incompleta ou inconsistente. Podemos evitar a
descrição pobre e simplista das formas e fugir de categorias opositivas
de análise incapazes de se comunicar. Uma obra não precisaria ser só
formal ou ter conteúdo, ser necessariamente aberta ou fechada, apenas
atrativa ou apenas repugnante. Ela pode ser aberta e fechada, atrativa e
repugnante, um e outro. Uma face da contradição não pode jamais existir
sem a outra, sem seu oposto. Um e outro não existem dissociados, um
é parte do outro e ambos são, ao mesmo tempo, partes e unidade. Em
entrevista, Yve-Alain Bois (2006) afirmou que “a forma sempre carrega
um significado, e o significado mais profundo, ou mais importante, está
sempre no nível da forma, não no nível do referente ou do conteúdo
ideológico”, marcando a impossibilidade de dissociação.
Verbetes [ 377 ]

Ademais, não precisamos resolver contradições e paradoxos – sejam


eles explícitos ou não – e podemos trabalhar categorias pelo avesso, usando,
por exemplo, o informe para a forma. Partindo da ideia de Georges Bataille,
o mesmo Yve-Alain Bois (2000) defende o informe como o elemento
operacional que inicia uma operação e produz a organização da obra. Assim,
a forma não pode mais ser encarada como definição ou formato (a maneira
como ela se organiza fisicamente); é também constituída pelo aspecto
operacional do informe. É essa dimensão operativa que permite pensar a
ambiguidade da forma e do informe: numa oposição que não se resolve.
É necessário lembrar a distinção entre informe, no sentido que estamos
levantando aqui, e aquele cristalizado como arte informal, termo utilizado
para designar as tendências artísticas dos anos que sucederam a Segunda
Guerra Mundial. Longe de ser um movimento autodeclarado, e sendo mais
uma convergência de questões formais, tendências como o tachismo, a art
brut, a abstração lírica – e, para alguns, o próprio expressionismo abstrato –,
o grupo CoBrA e o grupo japonês Gutai acabam por cair sob o selo da arte
informal. Na tradução do francês para o português, o termo informe aparece
tal como na grafia original. Segundo o dicionário Michaelis: “in.for.me. adj 1
informe, esboçado, grosseiro, imperfeito. 2 desgracioso, pesado, feio”.
Note-se a distinção para o termo informel, traduzido como informal e
para o qual o mesmo dicionário atribui a seguinte definição: “in.for.mal. adj
(in+formal) Que não é formal, que não observa formalidades”.
Informe refere-se mesmo ao que é sem forma, enquanto o informal
remeteria mais àquilo que não obedece às formalidades enquanto regras.
Considerando o contexto de renúncias conscientes de certas premissas
artísticas no qual a arte informal se desenvolveu, a tradução parece mesmo
mais adequada. Preferimos manter os dois termos em separado, cada qual
com seu significado, e não tomar o informe por informal.
Seria possível existir arte sem forma? Pensando a forma enquanto
contorno, a resposta parece fácil: não, não é possível. Porém, considerando
o sentido operativo mais amplo do informe, seria possível a obra ser formal e/
ou informal, uma vez que não houvesse a necessidade de superar a oposição
entre figuração e abstração, bem como se a oposição entre forma e informe
fosse compreendida dentro da estrutura, sem identificar objetos formais ou
informais nela.
A apropriação do termo de Bataille traz algumas dificuldades
operacionais inerentes a ele mesmo, pois não vê a distinção entre opostos –
[ 378 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

não há enfrentamento, como na dialética, e, portanto, não há superação ou


resolução. Mas também nos permite pensar um conjunto de forças que não se
cristalizam, evitando formalismos e encadeamentos lineares evolutivos. Por
não considerar a distinção entre opostos incomunicáveis, o pensamento de
Bataille não pressupõe a existência de certo ou errado, evitando escalas de
valores, muitas vezes prejudiciais para a atividade verdadeiramente crítica
perante a arte.

Referências
BOIS, Yve-Alain. “The use value of formless”. Formless: user’s guide. Nova Iorque: Zone
Books, 2000, pp. 13-40.
------. “Ideologias da forma – entrevista com Yve-Alain Bois”. Revista Novos Estudos,
nov. 2006, n. 76, pp. 237-49.
KUDIELKA, Robert. “Abstração como antítese”. Revista Novos Estudos, jul. 1998, n.
51, pp. 15-35.
Michaelis – moderno dicionário da língua portuguesa. “Informe”. São Paulo:
Melhoramentos, 1998.
Verbetes [ 379 ]

Fotografia

Elena O’Neill

Se estivesse educado, o olho humano poderia, guiando um olho de vidro,


apropriar-se de um mundo tão vasto como aquele que tem sido controlado
por mão mais ou menos exercitada guiada por um olho semifechado, disse
Man Ray, em “La photographie n’est pas de l’art” (1998, p. 69).
Nesse artigo, assim como em “La photographie peut être de l’art” (1985) e
na entrevista à Camera, na qual afirma que “l’art n’est pas de la photographie”
(1998), Man Ray mostra uma concepção de arte e fotografia como mecanismo
que deve ser montado, desmontado e remontado continuamente. Enfatizou
neles, como também em suas fotografias, o aspecto misterioso e onírico da
imagem. Nessa alusão aos mestres da pintura, poderia estar implícita a questão
de Benjamin, da arte enquanto fotografia, como uma alternativa ao debate
da fotografia como arte, numa tentativa de transpor a discussão centrada na
estética à função social. A fotografia permitiu a Benjamin pensar a cultura
moderna segundo a produção e a reprodutibilidade técnica, assim como o
modo em que os desenvolvimentos técnicos afetaram a experiência ótica e,
portanto, a experiência visual dos artistas.
No entanto, a distinção entre produção e reprodução pode ser
considerada a base da teoria sobre fotografia de László Moholy-Nagy.
Para ele, reprodução é a repetição de relações já existentes; distingue-se
da produção – ou criação produtiva –, que define em Peinture photographie
film (1925) como a produção de relações ainda desconhecidas. Segundo
Moholy-Nagy, a imagem fotográfica não é redutível à visão humana nem
a uma função reprodutora: a representação é um ato criativo e não apenas
imitação. Para ele, a fotografia era um meio de produzir novas experiências
sensoriais, em vez de registrar algo que já tinha sido apreendido pela
percepção direta, ou de representar o mundo de forma semelhante à
processada pelos sentidos. Esse modo de entender a fotografia está em
ressonância com o entendimento que Carl Einstein tem da arte. Einstein
faz a distinção entre a arte como tentativa de ordenar uma visão já dada
do mundo e a arte que, segundo ele,
[ 380 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

representa um meio de tornar visível a dimensão poética, um meio


de acrescentar concretamente a quantidade de figuras e aumentar a
desordem, um meio de reforçar o caráter absurdo e inexplicável da
existência. Assim destacamos o valor daquilo que não é conhecido,
que não é ainda visível. Não reproduzimos a existência, porém a
formamos. Isso quer dizer que incessantemente introduzimos novos
mitos no real (2003, p. 138).

Em “Por uma antropologia da imagem”, Hans Belting (2005) estabelece


uma relação triádica entre imagem, meio e corpo, baseada na configuração
de Jean-Pierre Vernant, na qual uma pessoa vive num corpo físico, tem a
experiência de uma imagem e cria um artefato. Os estudos de Vernant sobre
a antropologia histórica das imagens mostram a proximidade entre artefatos
visuais e a evolução do pensamento grego. Vernant afirma que a aparição
no grego das palavras eikon e mimésis acarretou a desvalorização do eidolon,
que, a partir de então, passou a significar cópia ou imitação inerte. Segundo
ele, a definição de imagem se deu depois dessa ruptura. Segundo Belting,
estamos condenados a viver no labirinto de nossas próprias linguagens,
que tão frequentemente restringem e mesmo cerram partes do
espectro semântico que desejamos descrever, estreitando não só nossa
terminologia como também nosso pensamento (2005, p. 72).

Se entendermos a fotografia como uma duplicação do real, ela terá a


função que Einstein atribuía à arte: estabilizar e compensar a ansiedade
causada pelo fluxo vital e a morte. Segundo ele, nas obras de arte sobrevivem
agentes ativos de ordens do passado que continuam a estruturar nossa
experiência do mundo. Para Einstein, que defendia uma arte direcionada
contra a ordem visual existente, o cubismo parecia ter o potencial de
desintegrar essa ordem e ser o signo de um ser humano visualmente ativo.
Embora não tenha escrito sobre fotografia, ele centrou sua teoria da arte na
noção de reprodução em seu aspecto negativo. Pensar a fotografia desde a
ótica de um ser humano visualmente ativo requer romper com as noções de
duplicação e imitação, criar intervalos entre a coisa e a coisa fotografada,
distinguir entre reprodução criativa e repetição.
Para Einstein, o cubismo, que mostrava algo que não existia antes da
visão e que esperava ser descoberto como se existisse anteriormente, não
aponta para a representação do objeto senão como um processo visual e
mental no qual o objeto é o resultado desse processo. Para Benjamin, a câmera
revelava aspectos não observados do objeto, do espaço ou do movimento,
Verbetes [ 381 ]

independentes do sujeito que percebe. Essas duas formas de entender a


visão permitem pensar a fotografia como modo de mostrar a função visual
e não a realidade. A construção formal de uma fotografia mostraria, então,
como ela adequa, contradiz ou desestabiliza nossa visão do mundo. Portanto,
podemos considerar a fotografia, suporte mediante o qual uma imagem se
inscreve e articula o visível com nossas imagens mentais, uma modalidade de
transformação, de metamorfose mediante a qual Eros empresta aos homens
os olhos dos deuses.

Referências
BELTING, Hans. “Por uma antropologia da imagem”. Concinnitas – Revista do Instituto
de Artes da UERJ, 2005, n. 6, pp. 64-78.
BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. Obras
escolhidas. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1996a.
------. “O autor como produtor”. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. São
Paulo: Brasiliense, 1996b.
------. “Pequena história da fotografia”. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política.
São Paulo: Brasiliense, 1996c.
EINSTEIN, Carl. Georges Braque. Bruxelas: Éditions La Part de l’Oeil, 2003.
------. “Notes on cubism”. October 107. Cambridge, Massachussets: The MIT Press,
2004, pp. 158-68.
MAN RAY. Man Ray photographe. Paris: Philippe Sers, 1985.
------. Ce que je suis et autres textes. Paris: Hoebeke, 1998.
MEFFRE, Liliane. “Note sur le Traité de la Vision de Carl Einstein”. Les Cahiers du Musée
Nationale d’Art Moderne, 1996, n. 58, pp. 28-9.
MOHOLY-NAGY, László. Peinture photographie film. Nimes: Éditions Jacqueline
Chambon, 1993 [1925].
[ 382 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Imitação

Gilton Monteiro

Passada a limpo toda uma biblioteca, o tema da imitação não se concluiria.


Insatisfatoriamente, continuaria esquivo às garras de nossos conceitos. Não à
toa, surge desconcertante na história das ideias. A imitação, como já se sabe,
tirara Platão do sério ao ocasionar um abalo profundo sobre sua concepção
de verdade. Ocorre que, em termos heideggerianos, o ateniense entrevê a
ideia como uma espécie de morada do ser, reprovando na mímese sua carga de
sensibilidade. É assim que se deve aqui operar a concepção de mímese tal qual
a compreendeu todo o período moderno, das teorias renascentistas ao sistema
kantiano, como imitatio. Banida da República, a imitação irá encontrar exílio em
Aristóteles. Isso porque era demais para Platão ajustar à ideia o poder de sua
sedução. Ancorada no suprassensível, a concepção platônica da verdade não
hesita em ver na aparência da arte uma espécie de sereia homérica, iludindo
e afastando os homens do correto aprendizado.
Porém, foi Sócrates que levou a ideia ao cabo. Sua recusa aos escritos é
prova disso. E é a pari passu que na República a ontologia platônica descreverá
com a mímese sua definição de arte. Segundo uma hierarquização típica,
Platão percebe na imitação uma espécie de fundo falso sobre o qual o que
é dado a ver não é exatamente a aparência da ideia, a verdade, e sim uma
reprodução dessa aparência, um simulacro. Estaríamos então lidando com
uma espécie de análogo de segunda ordem, um análogo do análogo, mediado
por um abismo intransponível: a distância que ali separa a arte da verdade.
É nessa perspectiva que, estratificado no desenvolvimento que conduz da
verdade à arte, tal operação caracteriza uma involução, uma degradação
moral, por ser uma distorção da realidade.
A depreciação só será amenizada, senão completamente invertida, em
Aristóteles, ao entrever na imitação certa naturalidade. Reconhecendo o
caráter espontâneo da mímese, o pai da peripatética reabilita a arte com vistas à
satisfação por ela proporcionada ao homem, e isso por meio dos sentimentos de
prazer e dor. Tomando conscientemente o modelo da natureza, sem a essa ter
de se reduzir, a imitação restitui-nos uma espécie de conformidade – o que não
quer dizer que na Poética esteja superada a distância que a separa da verdade.
Verbetes [ 383 ]

O imperativo da metafísica platônica conduzindo os termos da imitação


só viria a perder fôlego a partir do renascimento, quando o problema é
articulado frente a novos horizontes de relação com a natureza. Em Vasari,
por exemplo, a ideia supera o inatismo, tão próprio ao neoplatonismo, para
se ver originada da experiência, como intuição do real, abrindo-se as portas
para a problemática do sujeito e do objeto – ainda que, nesse caso, o problema
se encerre antes mesmo de ser elaborado. Isso se dá porque a ideia que se
manifesta no sujeito expõe concomitantemente “as intenções próprias de uma
natureza cujas produções são submetidas a leis” (Panofsky, 2000, p. 63). Tendo
origem na realidade, a ideia seria processada quase paradoxalmente pelo
sujeito a partir de si mesmo, ou seja, independe da natureza, chegando até
a auxiliá-la. Paradoxal sim, não fosse a compreensão de que, após seu parto,
a ideia passaria a viver certa autonomia, ainda que conforme à realidade
e... completando-a. Se tal concepção da ideia ignora os termos da teoria
platônica, aponta, contudo, para um sentido naturalista.
Sintetizando e aparentemente conduzindo às últimas consequências a
problemática entre imitação e suas companheiras – a verdade e a realidade
–, os movimentos da arte moderna traçarão horizontes inteiramente novos
de relações entre tais departamentos. Passando pelo realismo impressionista
e pela profunda análise da natureza em Cézanne, chegando a superar a
antinomia sujeito-objeto, ela alcança o cartesianismo cubista, acionado pelas
engrenagens do mecanicismo moderno, para encerrar um paradigma secular.
É então que os códigos que garantiam a integridade das linhas fronteiriças
entre mímese e verdade, por exemplo, não são apenas triturados para figurar
a grade das telas de Picasso e Braque, mas sim radicalmente superados,
testemunhando nas obras de Malevich e Mondrian formas inaugurais,
inéditas, mobilizando os sentidos na construção da realidade.
A ontologia de Heidegger e, antes dela, o idealismo de Hegel são testemunhas
das mudanças de relações estabelecidas entre imitação e companhia. Ao
buscarem a verdade, ambos descrevem o percurso da arte em uma época marcada
pelo utilitarismo da técnica e, no caso de Heidegger, da morte da metafísica,
diagnosticando um movimento que tem como termo o declínio pop do sentido.
Se, a partir de então, a realidade (material) ameaça exaurir a arte, não custaria
apostar em certa dose de experimentalismo para pô-la novamente de pé.

Referência
PANOFSKY, Erwin. Idea: a evolução do conceito de belo. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
[ 384 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Intervenções artísticas
afro-brasileiras

Mônica Linhares

Intervenções artísticas pretendem transformar o espaço comum em


comunicação excepcional, adotando os ambientes urbanos, paisagísticos
ou simplesmente públicos com intuito de ressignificar lugares e valores. Os
procedimentos utilizados vão desde projetos de interferências, apropriações
de imagens do cotidiano, com fotografias, jornais, lambe-lambes, outdoors,
instalações, até gestos performáticos e efêmeros, entre outros. Interiores ou
exteriores às instituições, com ou sem apoio, dialogam com os circuitos de
mídia alternativos.
Imbuídos como agentes de transformação cultural, encontraremos
também assinaturas de coletivos de artistas, propondo nova relação de
autoria e inovação na dialética entre os pares arte e sociedade, público
e privado, arte e artista. Podemos entender essas ações como mediações
na incomunicabilidade das diferentes formas de construção da realidade,
sugerindo novos comportamentos. Os mecanismos utilizados causam
estranhamento na apreensão dos fatos pelo sujeito, que, ao ser colocado em
xeque, amplia sua percepção para outros significados.
Adicionando às intervenções a prerrogativa afro-brasileira, teremos um
conjunto de ações que irão encontrar seu foco de atuação tanto sobre as
questões sociais do negro quanto sobre as religiões de matriz africana. Assim,
revelando o que estava ideologicamente oculto, somos surpreendidos pela
obra da Frente 3 de fevereiro, ao estender enormes bandeiras no Estádio
Morumbi, em 2005, com os dizeres “Brasil negro salve”, “Onde estão os
negros?” e “Zumbi somos nós”, além do projeto Zona de ação (2004), que
atuou crítica e reflexivamente sobre o racismo policial em São Paulo. Há
ainda a irônica conversão da logomarca da maior rede de varejo do país em
Lojas Africanas (2003), de Leandro Machado; os projetos Inserções em circuitos
antropológicos: black pente, de Cildo Meireles (1971); e o projeto JAMAC,
de Mônica Nador, uma intervenção estética com stencil nas periferias de
São Paulo, engendrando novas relações com as favelas. São todas ações
Verbetes [ 385 ]

que lançam um olhar sobre a exclusão, a invisibilidade e a violência desse


contexto sociocultural.
A temática religiosa afro reclama seu espaço de representação simbólica
na cidade, afirmando a diversidade e forçando diálogo com opostos por meio
de embates sociopolíticos como os cartazes Fé em Deus/ Fé em Diabo (2001) e
o portentoso Tridente NI (2006) pintado em cal atrás do Mirante do Cruzeiro,
em Nova Iguaçu, além do irreverente carro de defumação que invade as ruas
cariocas já há alguns carnavais (o Fumacê do descarrego).6 Todas são obras
de Alexandre Vogler. Mantendo o tom de mediação, há, também em Nova
Iguaçu, Tatuagens urbanas (2008), de Ronald Duarte, que utilizou o crocodilo
de duas cabeças.7 Dentre as poéticas que experimentam o efêmero, temos
as performances Nimbo de Oxalá, de Ronald Duarte, e Pérola de água doce
(2007), de Marepe, remetendo às oferendas e à proteção ambiental.
Enfim, intervenções afro-brasileiras propõem um curto-circuito
momentâneo revelador de injustiças sociais.

Referências
BUCHLOH, Benjamin H. D. “Procedimentos alegóricos: apropriação e montagem na
arte contemporânea”. Arte & Ensaio, UFRJ, 2000, n. 7, pp. 179-97.
COCHIARALE, Fernando. “A (outra) arte contemporânea brasileira: intervenções
urbanas micropolíticas” (disponível em http://www.rizoma.net/interna.
php?id=222&secao=artefato. Acessado em 10 de agosto de 2009).
CONDURU, Roberto. “Entre o ativismo e a macumba: arte e afrodescendência no
Brasil contemporâneo”. VIS – Revista do Programa de Pós-Graduação em Arte da
UnB, 2008, v. 7, n. 1, pp. 55-7.
JAMAC – Jardim Míriam Arte Clube. Coordenação de Mônica Nador. São Paulo:
Centro Cultural da Espanha, 2007 (disponível em http://www.jamac.org.br em
10 de agosto de 2009).
PRICE, Christine. “The textile arts”. Made in West Africa. Londres: Studio Vista, 1975,
pp. 15-31.
VOGLER, Alexandre. “Fé em Deus/ Fé em Diabo, ensaio de artista”. Concinnitas –
Revista do Instituto de Artes da UERJ, jul. 2007, ano 8, v. 1, n. 10, pp. 133-42.

O Fumacê do descarrego é obra do Coletivo Rradial, composto por Vogler, Ronald Duarte e Luis
6

Andrade (Conduru, 2008, p. 63).


Símbolo Adinkra Funtunfunafu – crocodilo de duas cabeças que partilham o mesmo estômago,
7

de origem Ashanti. O crocodilo vive na água e anda na terra, demonstrando uma capacidade de
adaptação às circunstâncias. Ao partilhar o mesmo estômago, torna-se signo da tolerância e da
diversidade (Price, 1975, p. 31).
[ 386 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Monumentos: África e Brasil

Mônica Linhares

Há certo continuum no espaço – que é rompido pelo homem através da


urbanização – ligando, fragmentando e configurando. Diríamos ainda que, ao
inscrever monumentos nos espaços, esses podem funcionar como uma ponte
unindo – conectando – termos dissociados, ganhando um sentido maior de
unidade pela relação com as margens, permitindo aproximações das expressões
que imprimem na paisagem sua memória, seus mitos e sua visibilidade.
Nesse fluxo entre as margens – na fruição artística entre África e Brasil –, ao
passar por Osogbo no Bosque Sagrado de Osun, Nigéria, veremos as esculturas de
Susanne Wenger (Aduni Olorisá)8 realizadas em parceria com artistas iorubas. A
materialidade das formas figurativas surge na paisagem e se integra com a terra,
plantas e árvores, utilizando os elementos naturais com tamanha propriedade que
nos perguntamos onde começa ou termina a obra. Na outra margem – outro lado
da ponte –, teremos sensação semelhante ao apreciarmos o Jardim do Nego em
Nova Friburgo, Rio de Janeiro, de Geraldo Simplício (Nego) – com suas enormes
figuras de verde e pedra, cobertas de musgo, surgidas como se encantadas da
própria terra. Nego reverbera em seus temas personagens típicos da cultura
brasileira. Com certa reverência, as esculturas do bosque em Osogbo marcam
simbolicamente o entorno do santuário e o rio dedicado ao orixá das águas doces,
protegendo a área contra avanços de construções e consequente poluição. Suas
figuras estilizadas são leituras das entidades que habitam o invisível, personagens
da cultura e da religião ioruba.
Em composições mais urbanas, vamos encontrar alguns desses
personagens representados na obra Orixás (1998), de Tati Moreno, no Dique
do Tororó, em Salvador, Bahia, além do Exu dos ventos (1992), de Cravo
Junior, na Linha Amarela, no Rio de Janeiro, ambos resistentes aos conflitos
de intolerância religiosa.
Outra ponte possível são as referências a Odudua, 9 histórico ou
mitológico, humano ou divinizado, fundador de Ilê Ifé. Além da escultura

“ A artista plástica Susane Wenger (também chamada Aduni Olorisá) é austríaca residente em
8

Oshogbo desde 1960. Faleceu em janeiro de 2009.


Oduduá incumbido por Olodumare da criação do mundo e primeiro rei de Ifé, pai de Oraniã,
9

primeiro rei (Oni) de Oyó (Ayoh’Omidire, 2005, pp. 37-41).


Verbetes [ 387 ]

em sua homenagem, de forma naturalista com elementos míticos, vamos


encontrar em Ifé o antigo monolito Opa Oranian.10 Juntos, conferem força
e respeito às antigas tradições e às esculturas escavadas em Ifé em 1910,
cujos originais e cópias causam encanto pela admirável beleza nos museus
pelo mundo. O mesmo ocorre na Praça Onze, no Rio de Janeiro, com a
ampliação feita como homenagem no Monumento a Zumbi (1986), em que
a apropriação da cabeça, em conjunto com a pirâmide na qual está apoiada,
conclama a Zumbi ancestralidades potenciais de origem africana, as quais,
conectadas à passarela do samba e à Escola Municipal Tia Ciata, distinguem
um espaço dedicado à memória do negro.
O conjunto dos monumentos apresentados, cada qual com suas
singularidades, pode ser entendido como conciliações: encontros de
diferentes formas de preservação e memória, uma vez que há uma escolha
sobre o que deve ser conservado. Esses monumentos são marcos simbólicos
que afirmam a história da cidade, ao mesmo tempo que conectam identidades
ao território nacional por meio da arte.

Referências
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
AYOH’OMIDIRE, Félix. Yorubanidade mundializada: o reinado da oralitura em textos
yorubas-nigerianos e afro-baianos contemporâneos (tese). UFBA, 2005.
CONDURU, Roberto. “Zumbido alegórico – o monumento no Rio de Janeiro e outras
representações de Zumbi dos Palmares”. In RIBEIRO, Marília Andrés e FREIRE,
Luiz Alberto Ribeiro (orgs.). Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte.
Belo Horizonte: C/Arte, 2008, pp. 292-301.
D’ADESKY, Jacques. “Acesso diferenciado dos modos de representação afro-brasileira
no espaço público”. Negro Brasileiro, Revista do IPHAN, 1997, n. 25, p. 306.
FROTA, Lélia Coelho. Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro, século XX. Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2005, pp. 54-67.
KNAUSS, Paulo. “Olhares sobre a cidade: as formas da imaginária urbana”. Anais do VIII
Encontro do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais EBA/UFRJ, 2001, pp. 9-17.
SILVA, Alberto da Costa e. “Ifé”. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. Rio
de Janeiro/ São Paulo: Nova Fronteira/ EDUSP, 1992, pp. 435-52.
WENGER, Susanne. “Osun-Osogbo sacred grove” (disponível em http://whc.unesco.
org/en/list/1118. Acessado em 20 de julho de 2009).

Opa Oraniã – atribuído ao túmulo de Oraniã. “Nenhum túmulo foi encontrado nas proximidades
10

do obelisco de granito com seis metros de altura e 125 cravos tacheados em forma de um tridente
[...] Pode ser bem mais antigo do que a época que lhe põem as tradições” (Silva, 1992, p. 444).
[ 388 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Paisagem

Carla Hermann

Os olhos repousam sobre o horizonte à frente, e o sol ilumina toda a


superfície visível, dando mais destaque a determinados aspectos e apagando
outros nas lacunas de sua ausência. Ao observador cabe a tarefa de escolher
– por algumas eleições conscientes e várias outras nem tanto – quais facetas
do espaço adiante configuram sua percepção. Vai conformando, assim, sua
visão de paisagem.
Paisagem é imagem. É uma percepção do meio, captada em determinado
instante. Cada imagem é única, pois também é única a apreensão do
momento. O espaço – seja natural ou construído – é formado por camadas.
Camadas materiais que cristalizam temporalidades e história, camadas
geológicas entranhadas na terra, camadas afetivas de vivências nele ocorridas.
A paisagem é a apreensão imagética de elementos ou de algo presente no
espaço. É, antes de mais nada, uma construção mental, a eleição de elementos
existentes no meio. Depende da existência de um observador e constitui,
antes de tudo, portanto, um ponto de vista.
Devemos nos despir do preconceito de entender paisagem somente
como imagem campestre: paisagem é tudo aquilo que o olho alcança. A
paisagem é ou pode ser urbana, assim como pode ser a reordenação de
memórias afetivas ou a retomada de experiências de vida por meio de signos,
dentre outras possibilidades. Na verdade, a imagem da cidade é cada vez
mais familiar à humanidade e nos chama de imediato à reflexão sobre o
que carrega de subterrâneo a natureza artificial construída pelo homem. A
paisagem urbana é o resultado da ação do homem e, por isso, é impregnada
de afetividades e disputas.
Tal como qualquer olhar, o do artista realiza uma seleção de paisagem.
A diferença é que a obra de arte da paisagem leva isso além. Uma pintura
de paisagem é arte do meio. É meio (mediação) do meio (físico externo,
circundante). Faz a interlocução entre a história da imagem mostrada, o
olhar que a construiu e o juízo do espectador, capaz de reinterpretar as
escolhas daquela construção/captura de acordo com seu filtro analítico
Verbetes [ 389 ]

próprio, estético e vivencial. É preciso ver a paisagem no tempo, já que


o próprio sentido de natureza faz com que a importância que o meio tem
para o homem varie ao longo da história. A função simbólica da paisagem
sofre modificações e nos leva a tentar entender os motivos dessa escolha. Por
que paisagem? Para marcar determinada visão, para relatar ambientes, para
encontrar a forma da arte nos contornos do mundo? Se infindáveis são as
leituras que os artistas fazem do meio, também são numerosas as motivações
para trabalhá-lo na arte.
Ainda pensando a relação entre arte e meio, é preciso aventar uma
brevíssima consideração sobre as intervenções artísticas acontecidas
diretamente no ambiente, seja ele urbano ou natural. A alteração do meio
também é arte da paisagem na medida em que arquiteta um ponto de vista
e interfere diretamente na imagem percebida pelo artista antes de sua
intervenção. No mundo contemporâneo, em que o espaço muda com rapidez
e a visualidade desempenha papel de destaque na vida dos indivíduos e da
sociedade, a discussão acerca da paisagem e da arte ganha crescente validez.
Não tratando a paisagem como gênero de pintura, evidentemente, e sim
como lugar de práticas e relações do meio.

Referência
WENDERS, Wim. “A paisagem urbana”. Revista do IPHAN, 1994, n. 23, pp. 181-9.
[ 390 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Perspectiva

Leidiane Carvalho

Perspectiva é, sobretudo, um ponto de vista. No âmbito das artes visuais,


a perspectiva cria seu observador ideal ou um ponto de vista ideal a partir do
qual a obra dialoga com esse observador. O ponto de vista busca dar conta de
um aspecto daquilo que o artista quer representar e tem uma estreita relação
com o modo de ver das pessoas de seu tempo, seu entendimento do que e de
como ver. Assim, é um erro recorrente dizer que a perspectiva foi criada por
volta do século XV. Antes disso, os gregos usavam a perspectiva esférica na
pintura de seus vasos; no medievo havia sobreposição sobre um plano original
com dimensões autônomas que se organizavam hierarquicamente de acor-
do com aquilo que estava sendo representado; muito depois, Cézanne pintaria
como se houvesse um ponto de vista para cada coisa representada e, tam-
bém como Rothko, utilizaria um tipo de perspectiva cromática baseando-se
em massas de cor que se contrastam e completam criando planos no quadro.
Os dois o fazem de modo diferente entre si, mas lidam com o mesmo material.
Brunelleschi é um dos criadores, de fato, de uma perspectiva: a
perspectiva linear, utilizada de modo sistemático durante o Renascimento
– técnica pictórica que, a partir do uso de linhas e pontos de fuga, permitia
representar espaços como se vistos através de uma janela que se abre no
plano e oculta o suporte sobre o qual se aplica, tratando a superfície da tela
como transparente. A perspectiva, compreendida então como arte erudita,
também era empregada por pintores e escultores que buscavam ascender ao
patamar das artes liberais em uma época na qual ainda eram considerados,
fundamentalmente, artesãos.
Leon Battista Alberti, grande representante do humanismo no
Quatrocento, via a pintura como a representação do mundo exterior baseada
nos princípios da razão, criando uma concepção de realismo a partir de uma
teoria segundo a qual todo corpo construía uma pirâmide até o olho do
observador – princípio da perspectiva linear e mais um método de representá-
la. Leonardo, por outro lado, trabalha a perspectiva aérea, que consiste na
percepção de que os objetos tornam-se, ao se afastarem, cada vez menos
Verbetes [ 391 ]

nítidos e seus contornos, mais difusos. Nessa mesma época, encontra-se outro
modo de representação perspéctica, que se opõe à linearidade albertiana.
Pintores como Tiziano optam por uma perspectiva cromática que constrói os
corpos pela modulação tonal e a relação figura e fundo também do mesmo
modo, dirigindo o olhar do observador pelo equilíbrio das cores e não pela
configuração de linhas na tela. Fica evidente que, numa mesma época, pontos
de vista convivem e produzem a riqueza de suas representações artísticas.
A perspectiva como usada durante o renascimento tornou-se
paradigmática para a história da arte e as expressões artísticas posteriores.
Desde então, apropriações, negações, desconstruções e reconstruções dela
ocorrem ao longo dos séculos, entrelaçando-se com outros pontos de vista
que se formam e se renovam.
[ 392 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Pintura

Gilton Monteiro

Do céu ao inferno, poder-se-ia dizer que ela perfez todos os caminhos


– ou quase todos. É de fato o que parece se percorremos rapidamente alguns
de seus itinerários. Nessa aventura, vemos que celebrou musas, exaltou
revoluções, tornou visíveis os seres mais excêntricos, colocou ao alcance
do olho os mitos e as maiores peripécias imaginárias. Ambiciosa, tornou
o homem uma quase testemunha da Criação, retratou realezas, registrou
paisagens, elogiou o quadrado. Recuada do infinito ao plano, viu seu papel
ser radicalmente transformado. A pintura já passou por poucas e boas. O
que admira é sua resistência atual, tendo em vista as investidas modernas
e contemporâneas.
Conquistado o reconhecimento de seu caráter mental, ela se distingue
da mera atividade artesanal, obtendo o mesmo valor das chamadas artes
liberais. Trágica, eloquente, dramática ou ascética, a pintura se torna então
companheira e termômetro da humanidade, oscilando com seus altos e
baixos, do febril ao hipotérmico.
Pintura histórica, natureza-morta, retrato ou paisagem, as especialidades
não deixaram de marcar a partir de então seus protagonistas. Os confrontos
de Velásquez com o retrato, de Poussin com cenas sacras e de Chardin com a
natureza-morta são pequenas amostras disso. Em um Cézanne, no entanto, a
passagem de um a outro motivo é fato corriqueiro, faz parte do métier. Estava
clara sua sabotagem aos preceitos que definiam as categorias dos gêneros.
Nesse contratempo, Hegel já havia cantado a pedra: incapaz de revelar
as formas absolutas do espírito, a pintura se lançaria em uma vertiginosa
empreitada no enfrentamento de sua realidade.
Enfim, sempre imersa em seu tempo, ela se deparou com situações
adversas, fosse como fiadora, fosse como a antípoda cética de uma tradição
que tem sua raiz na antiguidade clássica: sublimou a aura sacra da cultura
cristã, confraternizou a ideologia social-democrata construtiva, denunciou
o barbarismo da razão moderna, exasperou a versão cínica e desencantada
da arte como ciência europeia etc.
Verbetes [ 393 ]

Hoje a pintura se põe à prova, abrindo um campo de possibilidades e


desafios para os que se dedicam a produzi-la e estudá-la. Isso sem afastar a
sombra do obituário, essa parceira testamentária já de décadas. Se o próprio
Deus está morto, por que a pintura não padeceria desse mal de esclarecimento
moderno? No entanto, teimosa, ela aparece inflada por ares diversos. Indo
da parede ao chão, do quadro a suportes os mais inusitados, sua performance
não cessa. E, se a arte é realmente uma coisa do passado, estamos, quem sabe,
usufruindo ainda hoje dos frutos de seu velório, cumprindo essa prolongada
tarefa do luto.
Consciente de si, a pintura não apenas deixa de operar com as
noções tradicionais de representação. Contorcendo e estilhaçando a
grade perspéctica, ela inaugura uma densa sintaxe. Seja aprofundando a
investigação do plano, seja saturando a superfície, sua tarefa parecia levar
às últimas consequências seu uso e forma de vê-la e pensá-la, a ponto de se
achar ali, naquela situação de compartilhar com os demais objetos, um lugar
em um mundo já não tão afável. Esses novos empreendimentos pareciam
exigir tudo o que fosse possível para manter acesa sua chama, aparentemente
esgotando-a.
Com recortes de jornais, camas, vassouras e materiais diversos, ela
arrastou em seu vórtice tudo que estivesse ao seu alcance, cogitando
horizontes inéditos de possibilidades. Sob o imperativo do novo – levado
às últimas consequências –, parecia não haver clima para positivar tais
experimentos, para uma afirmativa convalescência da linguagem.
Teimosa sim, porém nada anacrônica, a pintura (com sua persistência)
é garantida pelo próprio senso de experimentalismo contemporâneo. Afinal
de contas, se, depois de tudo, a arte é coisa que ainda não sabemos o que
seja, é nesse excesso, nessa ignorância reservada, que reside também sua
negatividade, isto é, sua força maior.
[ 394 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Retrato

Raphael Fonseca

Retratar é a tentativa de resguardar a imagem de um ou mais indivíduos.


Todo retrato é um exercício de lembrança e está fadado ao fracasso, já que
aquela imagem permanecerá apenas enquanto for um objeto e, além disso,
nunca poderá substituir o retratado. Por essas razões, podemos afirmar que
os retratos são monumentos, já que sua origem latina, monumentum, significa
evocar o passado, perpetuar a recordação.
Retrato e memória caminham juntos e estão baseados na relação
entre quatro pontos: o retratista, o retratado, o comanditário – aquele que
encomenda a imagem – e, por fim, a finalidade. O retrato tem seu público-
alvo; desde as estátuas romanas de imperadores como Júlio César (100-44
a.C.), passando pelas miniaturas com cunho de lembrança particular, como
na corte de Elizabeth I (1553-1603), até o advento da fotografia digital. Sua
visualidade é proporcional ao seu futuro espaço expositivo público, particular
ou mesmo em ambas as instâncias.
Somado a isso, há nos retratos uma tensão entre a individualização
do retratado e sua adequação a um tipo. Na Roma antiga, por exemplo, ao
observarmos as esculturas de imperadores, por mais que exista uma vontade
de denotar uma face específica, temos em maior potência a construção de
uma figura que seja facilmente reconhecida como o governante, aquele que
merece destaque e deve ser visto por todos. Tal forma de retratar é comumente
chamada de retrato de Estado. Por outro lado, nas figuras retratadas por Goya
(1746-1828), mesmo que saibamos sua posição social – como na pintura da
família real de Carlos IV –, sua pormenorização e sua visada crítica saltam aos
olhos, tendendo mais para o particular do que para o estatal.
Não só de figuras célebres vive a retratística. Também na antiguidade
existiram os retratos de Fayum, pinturas colocadas sobre os sarcófagos
de múmias durante o poderio de Roma sobre o Egito. Nessas placas de
madeira, eram retratados os humanos correspondentes às múmias; os
rostos foram preservados, mas seus nomes próprios foram perdidos com o
correr do tempo.
Verbetes [ 395 ]

Outro subgênero da retratística é o autorretrato, em que o próprio artista


imortaliza sua imagem. Rembrandt (1606-1669) fez mais de cem obras nesse
gênero, representando-se como pintor e como um personagem bíblico. Isso
nos faz lembrar que o retratar não precisa ser individual; também pode
estar inserido dentro de obras com um cunho narrativo, como nas obras
do renascimento em que encontramos os retratos de doadores, ou seja, a
inclusão da imagem daqueles que encomendaram a obra e aparecem ali, ao
lado das figuras sacras, ajoelhados e rezando.
A memória, uma vez honrada e restrita, também pode ser instantânea,
como em um artista como Andy Warhol (1928-1987). Além de realizar uma
série de autorretratos em polaroid, ele lançou mão do cinema com cunho
documental – retratos em movimento – para eternizar/criticar a banalidade
dos mínimos atos do aqui e agora.
[ 396 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Sistema de arte na África

Tadeu Lopes

A história da arte ocidental costuma abordar a produção artística


africana por meio de sua influência plástica marcante na obra de renomados
artistas modernos, como Pablo Picasso. As máscaras, as esculturas em madeira
ou em terracota e os trabalhos em metal que lotam as salas de museus
europeus e americanos, que colecionam essas peças ditas exóticas, auxiliaram
na popularização de certos aspectos da visualidade desse continente no meio
dos estudos das artes visuais. No entanto, essas peças nascem de um sistema
de artes plural e multiforme que é pouco visitado pelos pesquisadores das
artes e da cultura e, por conseguinte, pouco conhecido.
O olhar eurocêntrico, por vezes, acorrenta a produção de arte no
continente africano à ideia de uma criação anônima, ligada unicamente à
religiosidade, em um sistema no qual a crítica não existe e em que toda a
obra segue padrões iconográficos preestabelecidos pela tradição. De fato,
a produção imagética de diferentes culturas africanas está intimamente
vinculada ao sagrado, até mesmo porque em muitas dessas culturas o
sagrado não se desvincula de nenhum dos atos cotidianos vivenciados na
comunidade, assim como perpassa cada elemento existente na natureza e
se faz igualmente presente em toda criação humana.
A arte dan, a arte ioruba, a arte chokwe e a visualidade dos diversos
outros grupos culturais são vistas pelos etnólogos como obras com padrões
iconográficos que as identificam e particularizam em relação às demais.
Contudo, dentro de cada um desses sistemas de produção existe um universo
onde a recepção da obra, a crítica e a criatividade artística transbordam,
mesmo dentro desses ditos padrões da tradição visual de cada etnia. O
sagrado, somado ao artista, à comunidade, ao consumo e à influência
imagética de outras culturas, estrutura, acrescenta e modifica a forma do
objeto artístico e o modo como ele é pensado e fruído. Paul Bohannan
narra um fato que exemplifica um processo de criação de uma escultura que
encomendara a um Tiv, o que mostra como a composição pode se transformar
a partir de sua interação com um novo pensamento crítico:
Verbetes [ 397 ]

A escultura, a qual eu encomendara, tinha por volta de 45 centímetros


de altura e, como toda escultura africana, era feita a partir de um
tronco ainda verde. Enquanto ele trabalhava – eu me sentara ao seu
lado, assistindo silenciosamente –, um jovem de sua aldeia apareceu.
O jovem, à guisa de saudação, disse algo como: ‘Avô, o senhor está
esculpindo [criando – gba] uma mulher’. O senhor respondeu que esse
era, de fato, o caso. ‘O que são esses três caroços em sua barriga?’,
perguntou o jovem. O senhor largou sua enxó e olhou o rapaz que
o havia interrompido. ‘O do meio’, disse, impaciente, ‘é o umbigo
dela’. O jovem se calou por um momento, mas voltou a falar justo
quando o senhor apanhava sua enxó: ‘Então o que são os outros dois
caroços?’. O senhor mal continha o desdém por ouvir perguntas tão
óbvias. ‘Esses aí são os seios dela’. ‘Bem lá embaixo?’, perguntou o
jovem. ‘Eles caíram!’, gritou claramente o senhor. ‘Mas, meu avô,
se eles tivessem caído, não estariam...’. O senhor agarrou sua enxó
e resmungou ‘Está bem, está bem...’, e, com três golpes certeiros, os
três caroços foram extirpados.
Na época em que registrei tal acontecimento, anotei que o rapaz, que
passara três anos na escola, aprendera uma estética do naturalismo,
algo que não ocorrera com seu avô (Bohannan, 2007, pp. 149-50).

Peter Junge, em seu texto para o catálogo da exposição África, ocorrida


em 2003 na cidade do Rio de Janeiro, traz um relato retirado do romance
Arrow of God (A seta de Deus), obra na qual Chinua Achebe narra o quanto
um artista africano chamado Edogo se preocupa com os problemas formais
de sua obra e com a recepção da mesma pelo público. Sua narrativa se inicia
no primeiro desfile de uma máscara produzida por esse artista. Os homens
que lhe fizeram a encomenda se encantaram com a peça. No entanto, o
artista se desagradara com o aspecto do nariz da máscara, que teria ficado
muito fino e destoaria do personagem mítico que buscava representar.
Como essa peça foi pensada para ser utilizada em uma performance
ritual, Edogo queria ver se com o movimento da dança os aspectos de
sua composição ficariam de seu agrado. Durante o rito, percebe que o
detalhe, que antes o incomodava, se harmonizava com a performance e
conseguia presentificar visualmente a força da entidade mítica que buscava
representar. Ele, todavia, ainda parcialmente insatisfeito, se retirou do lugar
reservado ao artista e buscou observar como as outras pessoas recebiam o
objeto criado por ele e o que elas falavam sobre essa peça, ou seja, ali ele
era um artista em busca de críticas, preocupado com a recepção de sua
criação pelo público que a fruía.
[ 398 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Existe no continente africano um complexo sistema de artes, em que a


produção visual é pensada por artistas que também buscam originalidade.
Como diz um deles, Tro, artista dos dan: “Faço obras de entalhe para que as
pessoas perguntem: ‘Quem fez isso?’, e para que assim o meu nome circule
no país” (in Himmelheber, 1960, p. 29, apud Junge, 2004, p. 29). Além
disso, a crítica, o consumo e a recepção da arte transitam em um espaço
de disputa no qual elementos da tradição resistem ao mesmo tempo que o
novo é incorporado.
Verbetes [ 399 ]

Tradição clássica

Fernanda Marinho

A ideia de tradição está ancorada em uma rigorosa concepção de


continuidade, da mesma maneira que o termo clássico parece consolidar
uma legitimação histórica. Tais relações não são incoerentes, mas passíveis
de reflexão. O classicismo do qual nos ocupamos aqui remonta, grosso modo,
à antiguidade, mas a tradição da qual falamos não se esgota nesse período
nem se repete da mesma forma nos períodos posteriores, ampliando, portanto,
o conceito do primeiro termo. Por clássico compreende-se, antes de tudo,
uma determinada relação com a natureza, uma estreita afinidade entre arte
e formas naturais, desde as rígidas figuras pintadas em cerâmica à fluidez
intuitiva da Vitória de Samotrácia ou Laocoonte. No entanto, ao associarmos
esse termo à tradição, alargamos um conceito que não se restringe mais à
esfera da imitatio, mas se expande ao estudo das diversas recepções relativas ao
mundo antigo. Não estamos, então, lidando apenas com períodos históricos
inseridos em contextos antigos específicos, mas principalmente com as
permanências e modificações de suas formas e conteúdos.
A análise da tradição clássica consiste, desse modo, no estudo das
imitações e renovações dos antigos e é exercida em duas instâncias: a
recepção e a assimilação dessas noções. Interessa-nos conhecer, por exemplo,
não apenas a descoberta do Laocoonte em 1506, mas também saber como ele
modificou o cenário cultural renascentista ao ser assimilado como exemplum
doloris. A recepção, dessa maneira, diria respeito a uma convivência material
ou conceitual entre os antigos e épocas posteriores, enquanto a assimilação
indicaria o entrelaçamento destes.
O interesse medieval pelas teorias neoplatônicas apresenta-se como
uma das bases fundadoras do cristianismo. O renascimento, por sua vez,
consistiu no período mais intensamente edificado na experiência do clássico:
as disciplinas antigas – conhecidas como studia humanitatis, geralmente
compreendiam gramática, retórica, dialética, história e filosofia moral –
tornam-se as diretrizes humanistas; nas artes plásticas, tratadistas como
Alberti resgatam conceitos fundamentais, como proporção, perspectiva e
[ 400 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

naturalismo; e grandes artistas, como Michelangelo, destacam a potência e


a força divina inerentes à figura humana. Já com Leonardo da Vinci e seu
interesse científico pelas práticas artísticas, a relação direta entre modelo e
maniera all’antica assume um desvio de referências. O exemplo antigo é posto
como motivo de superação da forma, culminando nas ditas manifestações
anticlássicas próprias das tensões dos assim chamados períodos maneirista e
barroco. A referência ao clássico permanece ainda no século XIX, seja nas
figuras femininas de Ingres ou na temática das composições de Jacques Louis
David, nas quais a forma equilibrada reaparece com grande importância
narrativa.
A recepção das tradições clássicas ocorre, assim, a partir de diferentes
experimentações do mundo antigo: da imitação – como nas manifestações
supracitadas – à renovação e ao questionamento da própria definição de
arte. Manifesta-se, por exemplo, na arte conceitual que prioriza a ideia em
detrimento da forma, como anunciam os ready-mades de Marcel Duchamp;
no hiper-realismo de Ron Mueck, que ultrapassa a vontade da natureza tão
característica dos antigos, pretendendo, mais que retratá-la, reinventá-la
em novas proporções; e nas ilusões perspécticas das anamorfoses de Julian
Bever, expandindo as noções de naturalismo introduzidas pelos clássicos na
história da arte ocidental.
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Índice remissivo

A Aleixo, Ricardo 70
Alemanha 29, 42, 178, 188, 194, 209, 
Abdala, Felipe 7, 333 226, 228
Abreu, Estela Santos 198, 408 Alexandre, O Grande 23
Abstração Al-Ghasâli 100
Geométrica 79 Ali 85, 86, 101, 187, 190, 211, 260
Lírica 377 Aliaga, José Vicente 295
Academia Aliaga, Juan 298
de San Carlos 274 Ali, Husain ibn 101
Imperial de Belas Artes 157, 244,  Al-Khwarizmi 85
245, 250, 253, 416 Alloway, Lawrence 362
Achebe, Chinua Almeida, D. Tomás de 92, 93
Arrow of God 397 Alphonsus, Luiz 29
Adamson, Glenn 49, 406 Altamira 114
Ades, Daw 275 Alves, Ephraim Ferreira 198, 406
Adorno, Theodor W. Alÿs, Francis
Afrescos de Pompeia 363 When faith moves mountains 169
A pesagem do falo 286 Amaral, Aracy 313
África Amaral, Tarsila do
do Norte 114 Autorretrato com casaco vermelho 314
do Sul 114, 116, 196, 429 América
Afrodescendência 66, 385, 406, 427 do Norte 155, 156
Agamben, Giorgio 162, 163, 170, 188,  Espanhola 273
196, 303 Latina 7, 169, 191, 236, 269, 273, 
Agucchi, Giovanni Battista 363 275, 276, 277, 278, 328, 401, 403, 
Ahtila, Eija-Liisa 406, 413
Where is where? 162 Mesoamérica 7, 185, 186, 350
Aitken, Doug 166 Portuguesa 91, 93
Albano, Francesco 251 American Academy 275
Alberro, Alexander 61, 405 American Art-Union 275
Albers, Josef 64, 336 Análise formalista 376
Alberti, Leon Battista 326, 364, 390, 399 Andrade, Carlos Drummond de 70
Albuquerque, Georgina de Andrade, Farnese de 325, 362
Maracá 150 Andrade, Lúcia 302
Moça no jardim 150 Andrade, Oswald de 191, 314
Sessão do Conselho de Estado 150 Andreae, Bernard 128
Alcorão 100, 108
[ 422 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Angelico, Fra 367 Arte


Anguissola, Sofonisba 298 Abstrata 53, 55, 57, 58, 161, 191, 
Anticlássico 370 259, 373
Antiguidade Acadêmica 244
Chinesa 355 Afro-brasileira 121, 122
Clássica 125, 176, 237, 289, 309, 392 Árabe 85
Egípcia 338, 441 Chinesa 153, 158, 159, 160
Greco-romana 247, 351 Chokwe 396
Antin, Eleanor Clássica 9, 78, 80, 86
Entalhe: uma escultura tradicional 332 Clássica ocidental 80
Antínoo 286 Conceitual 36, 60, 61, 192, 325, 400
Antropologia 13, 17, 34, 54, 87, 121,  Concreta 57, 58, 64
135, 195, 267, 297, 301, 304, 305,  Contemporânea 9, 30, 33, 59, 82, 
349, 380, 381, 403, 406, 413,  119, 122, 165, 166, 172, 194, 209, 213, 
414, 418 239, 278, 294, 300, 305, 308, 318, 333, 
Antunes, João Pedro 198, 405 334, 343, 351, 365, 385, 405, 406, 412
Anunciação 367 Corporal 44, 82
Apolo do Belvedere 266 Dan 396
Aquitetura Erudita 19, 390
Vitrúvio 24, 326 Erudita japonesa 19
Arabesco 85 Figurativa 57, 114
Araújo, Emanoel 219, 221 Francesa 53, 227, 364
Araújo, Inês de 7, 369 Gandhara 336
Araújo Porto-Alegre, Manoel de 245 Grega 24, 178
Archer, Michael 361 Informal 377
Arcimboldo, Giuseppe 364 Ioruba 396
Arendt, Hannah 162, 183 Islâmica 85, 86, 240
Argan, Giulio Carlo 67, 69, 71, 342, 416 Japonesa 20, 21
Argentina 185, 273, 277, 427 Minimalista 192
Aristóteles 26, 27, 44, 152, 183, 283,  Moderna 57, 58, 59, 67, 154, 181, 
363, 382 243, 246, 277, 335, 345, 368, 383, 418 
Arman 362 Negra 324
Arnheim, Rudolf 73 Ocidental 11, 12, 134, 152, 153, 245, 
Arquipélago 161 282, 286, 289, 308, 333, 334, 396, 400
Arquitetura Oriental 20, 218
Frank Lloyd Wright 327 Política 165, 231
Gaudí 326, 327 Pré-colombiana 329
Modernista 219 Pré-histórica 114, 115, 116
Monumental 184 Primitiva 54, 55
Oscar Niemeyer 219, 269, 327 Rupestre 114, 116
Renascimento 74, 75, 76, 77, 129,  Artesanato 38, 48, 49
134, 136, 152, 153, 176, 177, 182, 186,  Asher, Michael 193
188, 198, 218, 245, 246, 247, 248, 249,  Ásia 82, 87, 186, 225, 227, 229, 305, 
251, 266, 270, 286, 310, 311, 326, 351,  356, 372
367, 368, 369, 383, 391, 395, 399 Asselt, Willem van 107
Vitrúvio 24, 326 Assemblage 361, 362, 365
Artaud, Antonin 371 Assis, Machado de 296, 297, 302, 304, 
Art brut 377 305, 402
Astecas 6, 125, 132, 134, 135, 136, 185, 
337, 351
Índice remissivo [ 423 ]

Astrologia 350 Belas artes 32, 112, 176, 309


Ateliê 62, 147, 193, 215, 216, 220 Bellarmino, Roberto 103
Ativismo artístico Bell, Clive 55
Act Up 292, 293 Bell, Julian 11
Out Rage 292 Bellori, Pietro 248
Queer Nation 292, 293 Belluzzo, Ana Maria 276
Austrália 114, 116, 117, 234, 305 Belting, Hans 266
Autorretrato 207, 297, 298, 300, 302, 395 Benjamin, Walter 28, 61, 194
Aytuna, Nazli 179 Berbara, Maria 5, 6, 13, 14, 125
Azevedo, Evelyne 7, 338, 346 Berger, John 285
Berkel, Sabri 347
B Bernard, Émile 311, 312
Badiou, Alain 172 Bernini, Gian Lorenzo
Bad painting 48 Fonte dos quatro rios 229, 347
Balla, Giacomo 345 Bertrand Dorléac, Laurence 181
Baltar, Brígida Besançon, Alain 99, 109, 404
De repente é verde o sertão 32 Beuys, Joseph 308
Balzac, Honoré de 259 Bever, Julian 400
Baqué, Dominique 203 Bhabha, Homi 299
Barbieri, Giovanni Francesco 2, 245 Bhagavad-Gita 68
Barja, Wagner 71, 402, 419 Biblioteca Nacional de Paris (França)
Barlow, Hugh 108, 403 297
Barney, Mathew 372 Bien-Aime, Gabriel 235
Baronio, Cesare 102 Bienal
Barre, André 75 Busan 167
Barrio, Arthur de Dacar 237
Abertura I 32 de Paris 232
Trouxas ensanguentadas 216 de São Paulo 212
Barroco de Veneza 230
Americano 274, 278, 411 Bill, Buffalo 230
Barros, Antônio 7, 326, 350 Bion, W. R. 353
Barsotti, Hércules 63, 65, 71, 406 Biorgi, Bruno
Barthes, Roland 315, 344 Herma de Tiradentes 220
Bartholomeu, Cezar 5, 17  Birnbaun, Daniel 165
Basbaum, Ricardo Bishop, Claire 197
NBP 30 Boas, Franz 83
Sistema Cinema 30 Boccioni, Umberto 361
Basquiat, Jean Michel 302 Body art 336
Bataille, Georges 257, 377 Boggs, J. S. C. 268, 272, 420
Batchelor, Ray 40, 49, 403 Bogotá (Colômbia) 277
Bateson, Gregory 117 Bohannan, Paul 396
Batista, Marta Rossetti 313 Bois, Yve-Alain 11, 366, 376, 377, 
Bauch, Kurt 187 378, 404
Baudelaire, Charles 53, 54, 246, 315 Boltanski, Christian
Bauman, Zygmunt 162, 212 10 portraits photographiques de Chris-
Baumgarten, Jens 6, 97 tian Boltanski 1946-1964 306
Bazin, Germain 233 10 retratos fotográficos de Christian
Becker, Arno 181 Boltanski 331
Behrenbeck, Sabine 106 Album de photos de la famille D. entre
1939 et 1964 307
[ 424 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Inventaires 308 Bryson, Norman 158


Mythologies individuelles 29 Bubner, Rüdiger 188
Recherche et présentation de tout ce qui Buchloh, Benjamin 197
reste de mon enfance, 1944-1950 306 Buda 264
Reconstitution d’un accident qui ne Buddensieg, A. 278
m’est pas encontré arrivé et ou j’ai Bueno, Guilherme 53
trouvé la mort 307 Buenos Aires (Argentina) 185
Bonaparte, Napoleão 175, 187, 188, 237 Buonazia, Irene 71
Bordo, Jonathan 156 Burckhardt, Jakob 176, 177, 182
Borély, Jules 312 Burckhardt, Titus 85, 86, 87, 405
Borges, J. Buren, Daniel 192
A chegada da prostituta no céu 6, 138 Bürger, Peter 188
Borromeo, Carlo 103 Burgin, Victor
Botticelli, Sandro Fototrilha 204
Adoração do mago 301 Burri, Alberto 362
Bottmann, Denise 198, 242, 402 Burton, Richard 347
Boujibar, Naima Elkhatib 85 Bush, George 336
Boullée, Etienne-Louis 264, 265 Bushido 21
Bourdieu, Pierre 113, 289, 348 Buskirk, Martha 325
Bourgeois, Louise 298 Butler, Judith 292
Bourriaud, Nicolas 161 Byington, Elisa 186
Bowersock, Glen Warren 97
Boxer, Charles 91 C
Braga, Bony 340 Cagnacci, Guido 245
Branco, Miguel Rio 10 Cahill, James 69
Brancusi, Constantin Cahun, Claude 291
Mademoiselle Pogany (segunda ver- Autorretratos 291
são) 373 Caldas, Waltercio 60
Pássaro no espaço 37 Calheiros, Souza 91
Braque, Georges 324 Caliandro, Stefania 13
Brasil 7, 12, 13, 14, 29, 31, 32, 35, 42, 63,  Calle, Sophie
64, 67, 94, 96, 117, 118, 124, 138,  Cuide de você 300
141, 149, 150, 151, 156, 157, 158,  Calvino, Italo 94
175, 181, 187, 191, 193, 198, 216,  Camoin, Charles 312
217, 218, 223, 227, 235, 244, 245,  Campo Ampliado 60
252, 257, 270, 277, 295, 325, 327,  Campos, Camilla Rocha 348, 374
336, 337, 345, 349, 357, 362, 364,  Campos, Gabriela 351
384, 385, 386 Campos, Marcelo 3, 13
Brecheret, Victor 219 Canclini, Nestor Garcia 276
Bredekamp, Horst 254 Candomblé 67, 118, 119, 121, 122
Brito, Ronaldo 71 Cangjie 358
Broodthaers, Marcel Capela
Musée d’Art Moderne, Département Borghese (Igreja de Santa Maria
des Aigles, Section des Figures 332 Maggiore, Roma, Itália) 78
Museum of Modern Art, Eagles De- de Nossa Senhora do Ó (Sabará,
partment 29 Brasil) 69
Brubaker, Leslie 99 de Santo Stefano Rei da Hungria
Brunelleschi, Filippo 390 (Igreja de Santo Stefano, Roma,
Brusky, Paulo 30 Itália) 102
Índice remissivo [ 425 ]

de São João Batista (Igreja de São Celan, Paul 31


Roque, Lisboa, Portugal) 93 Cellini, Benvenuto 287
de São Paulo Ermitão (Igreja de San- Centro
to Stefano, Roma, Itália) 102 Cultural de U’mista (Vancouver,
Nerli 129 Canadá) 270
Paolina (Igreja de Santa Maria Mag- Georges Pompidou (Paris, França)
giore, Roma, Itália) 78 193, 232, 234, 239, 317, 330, 402, 404
Sistina (Vaticano) 117 Cerâmica 283, 350, 399
Caravaggio, Michelangelo Merisi da Certeau, Michel de 197
Medusa 335 Ceschiatti, Alfredo
Narciso 298 A justiça n. 18 220
Cardeal Cézanne, Paul
Mazarino 175 Olímpia 299
Pietro Bembo 338 Champollion, Jean-François 339
Cardoso, Ciro Flamarion 184 Chang (pintor chinês) 358
Cardoso, Rafael 13 Chardin, Jean-Baptiste-Siméon 245, 
Carotti, Federico 198 392
Carracci, Annibale Charoux, Lothar 63
A ascensão de Ganímedes 288 Che, Sou 69
Carracci (irmãos) 250 Chevreul, Michel 336
Carracci, Luiz 250 Chevrier, Jean-François 203
Carvalho, Flávio de 345 Chiarelli, Tadeu n.8 314
Carvalho, Larissa 344 Chile 277, 427
Carvalho, Leidiane 372 China 69, 83, 153, 154, 158, 160, 186, 
Casa 218, 225, 227, 229, 255, 264, 267, 
Shang 355, 356 300, 333, 334, 341, 355, 356, 357, 
Zhou 355 406
Cassatt, Mary Christus Triumphans 130
Menina arrumando o cabelo 146, 147,  Church, Frederic Edwin 155
148, 150 Cidade do México (México) 135, 169, 
Cassirer, Ernst 26, 75 185, 274
Castagno, Andrea del 310 Cigoli, Ludovico Cardi (dito o) 78
Castex, Jean 211 Madona da Imaculada Conceição 78
Castiglione, Sabba da 218 Cildo, Meireles
Castillo, Bernal Díaz del 186 Eureka/Blindhotland 60
Castrioto, Mônica Linhares 7, 384, 386 Cimabue 130, 310
Castro, Amilcar de Cinema 31, 34, 35, 288, 295, 360, 395, 
A pescaria 64, 71, 406 409, 411
Castro Maya, Raymundo Ottoni de 218 Circignani, Niccolò 102
Castro, Willys de 63, 64, 65, 71 Civilização
Catedral Asteca 134
Cathedral d’images (Baux de Pro- Faraônica 338
vence, na França) 267 História da
de Oviedo (Espanha) 261 Inca 329
de Sevilha (Espanha) 262 Mesoamericanas 132, 350
de Viana do Castelo (Portugual) 91 Clark, Lygia
Catunda, Leda 362 Arquiteturas 65
Cavalcanti, Carlos 12 Baba antropofágica 65
Cavalieri, Tommaso de 287 Bichos 65
[ 426 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Caminhando 31, 35 Conceito


Superfícies moduladas 65 Immitatio Christi 132
Classicismo 55, 246, 290, 366, 399 Concílio de Trento 103
Clássico 92, 107, 178, 237, 246, 249, 264,  Concretismo 63, 64, 66, 67
269, 355, 368, 370, 399, 400 Condivi, Ascanio 130
Clifford, James 270, 303, 304 Conduru, Roberto 3, 4, 5, 13, 14, 62, 71, 
Clottes, Jean 116, 124, 413 123, 385, 387, 406
Clunas, Craig 153, 159 Confúcio 355
Cocchiarale, Fernando 30, 35 Conrad, Joseph 54
Cocq, Frans Banning 186 Constant, Benjamin 270
Códice Constantinopla 131, 226, 347
Borgia 131, 132 Construtivismo 65, 66, 67, 68, 190, 
de Dresden 186 191, 365
de Madri 186 Corão 346
de Paris 146, 186, 229, 232, 297,  Cordeiro, Waldemar 63
314 Cornell, Joseph 362
Florentino 135 Corpo
Huygens 76 feminino 82, 146, 148, 289, 299
Riccardiano 129 humano 9, 10, 35, 65, 78, 114, 219, 
Vaticanus Latinus 129 220, 326, 327, 335, 411
Códigos masculino 281, 282, 285, 286, 289, 
Cristãos 138 290, 291, 292, 293
Colagens Corporeidade 38, 47, 48
Cubistas 324 Correa, José Celso Martinez
Cole, Thomas 155 Gracias Señor 210
Cole, Willie Cortés, Hernan 131
Black patent leather Venus with scarifi- Cortona, Pietro da 246
cation 237 Cossery, Albert 170, 172
Pink leather Venus 237 Costa, João Angyone 150
Colecionador 218, 219, 254, 255, 257,  Costa, Luiz Cláudio da 5, 29
258, 259, 260 Costello, Diarmuid 110, 414
Coletivo Costi, Rochelle 362
Brasil negro salve 384 Courbet, Gustave 237
CoBrA 377 Cousin, João 250
Elmgreen & Dragset 166 Couto, Maria de Fátima Morethy 7, 
Frente 3 de Fevereiro 384 306
Fumacê do descarrego 385 Crimp, Douglas 35, 165, 216, 242, 294, 
Gutai 377 295, 317, 407
Oda Projesi 197 Cristianismo 68, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 
Onde estão os negros? 384 139, 274, 287, 399
Rradial 385 Cristo, Jesus 130
Zona de ação 384 Crítica
Zumbi somos nós 384 Contemporânea 244
Colla, Ettore 362 Cultural 334
Colonna, Vittoria 130 Formalista 54
Comitê Internacional Institucional 192, 193, 196, 197, 332
de História da Arte 11 Modernista 244
dos Museus de Arte Moderna 209 Norte-americana 294
Commedia dell’arte 337 Crítica de arte 53, 178, 179, 193, 294, 
Índice remissivo [ 427 ]

300, 402, 419 Dagognet, François 262, 263, 268


Cruzadas 224 D’Alembert, Jean le Rond 262
Cubismo 59, 300, 323, 347, 361, 365,  D’Alessandro, Joe 293
366, 380 Damisch, Hubert 78, 79
Cubo-futurismo 190 Dança
Cultura Japonesa 337
Afro-brasileira 67, 121 Dantas, Denise 38, 49
Árabe pré-islâmica 99 Danto, Arthur 30, 298, 343
Artística 68, 249 Danziger, Leila
Artística europeia 249 Diários 31, 35
Barroca 274 Diários públicos 31
Brasileira 121, 269, 386 Daoling, Zhang 357
Chinesa 334 Dariano, Clovis 29
Civilizada 230 Daumier, Honoré 364
Clássica 264, 290, 291 Daurentiis, Valeria 103, 109, 407
Contemporânea 266 David, Jacques-Louis
Cristã 97, 392 A morte de Marat 187
de massa 123, 325, 367, 403 Leônidas nas Termópilas 284
Erudita 19, 47, 67, 390 Davies, Nigel 135, 137, 407
Estrangeira 238 Day, Fred Holland
Eurocêntrica 231 Estudo para a crucificação 291
Europeia 195, 316 Dazzi, Camila 160
Filosófica 70 Debbaut, Jan 233
Gay 360 Debord, Guy 194, 198, 408
Helênica 286 Debret, Jean-Baptiste 187, 336
Indiana 264 Debuffet, Jean 361
Internacionalista 55 De Duve, Thierry 49, 317, 325, 407
Ioruba 68, 337, 386, 396 Degas, Edgar
Japonesa 21, 22 Depois do banho (Mulher se enxugan-
Literária 70 do) 148
Material 5, 12, 15, 17, 18, 22, 24, 25,  Menina fazendo uma trança no cabelo
38, 67, 118 148
Moderna 324, 379 Delacroix, Eugène
Mundial 190 Liberdade guiando o povo 207
Nacional 228 Deleuze, Gilles 34, 35, 198, 344, 408
Ocidental 54, 58, 207, 237, 333 Delius, Peter 85, 87, 411
Ocidental modernista 237 Delporte, Christian 182
Popular 67, 140, 239 De Maria, Walter
Pré-colombiana 350 Lightining Field 332
Pré-incaica 329 De’Nerli, Tanai 129
Urbana 302 Denis, Maurice 53
Cúpula da Rocha 100 De Piles, Roger 249
Curador 227, 233, 234, 361 Derrida, Jacques 170, 193, 198, 408
Curadoria 10, 166, 196, 234 Descartes, René 265
Curtis, Gregory 178, 182 Desenho
Geométrico 79
D Industrial 13
Dacosta, Milton 67, 428 Design
Dadaísmo 55, 361, 365 Detroit Institute of the Arts (EUA)
222
[ 428 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

De Solla, Price, Derek J. 28, 415 Domenichino, Domenico Zampieri


D’Este, Isabella 265, 271, 405 (dito o) 251
Deus Donatello
Amon 184 Banquete de Herodes 77
Apolo 178, 266, 286 Doran, P. M. 317, 404
Aton 359 Dos Anjos, Jorge 62, 63, 65, 66, 68, 70, 
Cupido 254 71, 401, 415, 417
Eros 271, 283, 284, 381, 405 Douglas, Stan 165
Hápis 338 Dover, Keneth 282
Lokeshvara-Jayavarman 335 Dragset, Ingar 291
Marte 268 Duarte, Ronald
Netuno 127 Nimbo de Oxalá 385
Osíris 338 Tatuagens urbanas 385
Quetzalcóatl ou Kukulkcán 336 Duby, Georges 139, 141, 408
Rá 359 Duchamp, Marcel
Serápis 338 Caixas-valise 331
Zeus 287 Caixa verde 331
Deusa Fonte 36, 38, 39, 45, 181, 229, 347, 
Diana 98, 264 373
Hebe 287 Grande vidro 331
Ísis 338 Roda de bicicleta 323, 362
Minerva 127, 265 Secador de garrafas 36
Vênus 115, 128, 149, 178, 237, 254,  With my tongue in my cheek 301
255, 258, 259 Duke Lee, Wesley 362
Dhabi 239, 240 Dürer, Albrecht 78
Dialética 230, 309, 366, 367, 378, 384,  Durham, Jimmie 302, 303, 305, 405
399 Durieu, Eugène 290
Dias, Maurício 30 Durkheim, Emile 117
Dibutade (ceramista) 370
Diderot, Denis 54, 262 E
Didi-Huberman, Georges 28, 141, 308,  Eakins at 45 to 50 290
317, 408 Eakins, Thomas 290
Dinastia Eco, Umberto 344
Amenhotep III 184, 185 Edogo (artista africano) 397
Bourbon 174 Egiptologia 339
Habsburgos 174 Egiptomania 339
Han (China) 357 Egito 174, 184, 198, 227, 237, 247, 263, 
Ming 159 338, 339, 394, 406
Qin 358 Einstein, Carl 379, 381, 414
Qing 333 Elmgreen, Michael 166, 291
Sneferu 335 El-Sayed, Abdel-Wahab Morsi 339
Song 69, 356 Emirados Árabes 239, 240
Sui 264 Enwezor, Okwui 195
Tang 264 Ernst, Max 331
Documenta Escola
5 (Kassel, Alemanha, 1972) 29, 209 Bolonhesa 95, 249
11 (Kassel, Alemanha, 2002) 194,  Brasileira de pintura 251
195, 198, 408 de Belas Artes da Universidade Fe-
12 (Kassel, Alemanha, 2007) 194,  deral do Rio de Janeiro (Brasil) 13
196
Índice remissivo [ 429 ]

de Belas Artes de Paris (França) 146 Ética


dos Annales 33 Neoclássica 188
Estruturalista francesa 316 Etnografia 115, 135
Florentina 250 Euhemerus de Messina 27
Francesa 249, 250 Europa
Francesa de pintura 249 Ocidental 217, 225, 230
Municipal Tia Ciata (Rio de Janeiro, Evaristo da Silva, Adelaine 7, 331
Brasil) 387 Exposição
Nacional de Belas Artes (Rio de A Arte da Assemblage (MoMA,
Janeiro, Brasil) 244 Nova Iorque, 1961) 361
Romana 250 Africa Remix 193
Veneziana 250 África (Rio de Janeiro, 2003) 397
wen-jen-houa (China) 69 Armory Show (Nova Iorque, EUA,
Escultura 1913) 40
Africana 260, 397 Art of the Fourties (MoMA, Nova
Campo ampliado 39, 60, 63, 71,  Iorque, 1991) 232
195, 373, 412 dos Independentes (Nova Iorque,
Grega 285, 286, 372 1917) 325
Ibérica 260 Expressões do Corpo (Brasilia, 1996)
Ioruba 68 219
Esmeraldo, Sérvulo 211 Frameworks of Identity in the 1980s
Espaço expositivo 217, 394 (EUA, 1990) 235, 242, 243
Espanha 92, 114, 131, 174, 239, 248, 261,  Happening und Fluxus 332
346, 351, 385 Impressionista (França, 1886)
Estados Unidos 40, 41, 43, 58, 155, 222,  146, 147
230, 235, 236, 240, 271, 275, 289,  Individual de Anita Malfatti (São
292, 293, 336, 357, 406 Paulo, 1917) 313
Estética Live in your Head. When Attitudes
Acadêmica 191 Become Form 209
Administrativa 61 Magiciens de la Terre (Paris, 1989)
Cristã 136 232, 237, 242, 414
Dimensão Opinião 66 (MAM, Rio de Janeiro,
do naturalismo 397 1966) 325
do século XIX 73 Primitivism in 20th Century Art
Experiência 58, 317, 352, 354 222, 223
Funcional 113 The Decade Show 235, 236, 242, 243
Homoerótica 281, 282, 287, 290,  The Great Exhibition of the Works
293, 294 of Industry of All Nations 228
Neoclássica 175 Trópicos – Visões a partir do Centro
Politeísta 122 do Globo 235
Pós-tridentina jesuítica 103 Universal
Produção 18 Universal (Paris, 1889) 229
Reciprocidade 352, 353 Universal (Paris, 1900) 239
Religiosa 122 VI JAC 209, 210, 211, 212
Sensibilidade 113 VI Mostra Jovem Arte Contemporâ-
Teoria 69 nea (São Paulo, 1972) 208
Estilo 14, 24, 69, 95, 102, 147, 148, 149,  Expressionismo
150, 153, 191, 221, 237, 245, 252,  Abstrato 58, 331, 377
359, 416 Eyck, Jan van
São Jerônimo 226
[ 430 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

F Fonteles, Bené 71, 402, 419


Ford, Henry 40, 42, 49, 403
Fabre, Pierre-Antoine 103, 109, 408 Fordismo 41
Fagiolo, Maurizio Formalismo 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 
Akhenaton 359 331
Amenhotep III 184, 185 Förster, R. 129, 137, 409
Faraó 184, 346, 359 Foster, Hal 11, 12, 61, 191, 194, 195, 
Karnak 184 198, 231, 240, 242, 300, 305, 318, 
Ramsès II 199, 418 325, 409
Tutankhamon 337 Fotografia 21, 31, 33, 35, 73, 108, 148, 
Farris Thompson, Robert 68, 122, 124 203, 204, 206, 207, 208, 212, 243, 
Félibien, André 160, 408 267, 288, 289, 290, 291, 294, 295, 
Fernandez, Dominique 283, 287, 295 301, 305, 334, 360, 364, 379, 380, 
Fernie, Eric 11, 408 381, 394, 404, 411, 416
Ferrari, León Foucault, Michel 32, 34, 35, 183, 196, 
Apocalipse 287, 367 197, 198, 205, 282, 293, 303, 316, 
Fecundação 367 408
Helicóptero 367 França 7, 32, 114, 174, 178, 181, 187, 
Incircuncisos 367 188, 226, 227, 228, 230, 235, 237, 
Releitura da Bíblia 367 247, 251, 259, 267, 268, 275, 309, 
Ferreira, Clodo 141, 409 335, 352
Fetiche 299, 302, 303, 372 França, Renata Reinhoffer  335, 352
Fetichismo 42, 46, 49, 406 Francastel, Pierre 17
Fialho, D. José 92 Francis, Mark 233
Fiedler, Konrad 55 Fraser, Andréa 183, 199, 409
Fierro, Martin 276 Frazer, James 117
Filippino Lippi Freire, Cristina 30
Virgem e Menino com santos 129 Freire, José Ribamar Bessa 270
Filippo Lippi, Fra Freitas, Iole de
Coroação da Virgem 346 Elements 32
Filosofia 35, 49, 70, 87, 175, 305, 334,  Freud, Sigmund 80, 297, 312, 334
399, 404, 407, 409 Freund, Gisèle 289
Fiorentino, Rosso 250 Friedrich, Caspar David
Fiori, Ernesto de 219 A cruz na montanha (ou Tetschener
Fischer, Michael 111, 296, 297, 305, altar) 153
 413, 419 Caçador na floresta 187, 188
Flaubert, Gustave 32 Fry, Peter 55
Flavin, Dan 373 Fundação Maria Luisa e Oscar America-
Fleischer, Alain 318, 409 no (São Paulo, Brasil) 218, 410
Flocon, Albert 75 Furtwängler, Adolf 178
Florença (Itália) 9, 87, 111, 247, 248,  Futurismo 190, 361, 365
287, 309, 326, 346, 412
Florensky, Pavel Alexandrovich 73,  G
87, 409
Flores, Lívia 32 Gaba, Meshac
Fluxus 31, 332 Gabinete de curiosidades 254, 263, 
Fonseca e Évora, D. José Maria da 92 265
Fonseca, Raphael 7, 8, 250, 359, 394 Glue me piece 194
Fontainebleau 174, 249 Gainsborough, Thomas 245
Fontela, Orides 31 Galdi, Vincenzo 290
Índice remissivo [ 431 ]

Galeria Gonçalves, Luiz Roberto Mendes


Bergamin (São Paulo, Brasil) 10 243, 418
da Academia (Florença, Itália) 9 Gonnord, Pierre 208
Galleria degli Uffizi (Florença, Itália) Goody, Jack 11, 410
346 Gordon, Donald E. 222
Global 204 Goto, Newton
Galland, Antoine 347 Ocupação 348, 349, 410
Gamboni, Dario 180 Goya, Francisco José de
Gasquet, Joachim 312, 318, 410 Caprichos, Desastres da guerra e Dis-
Gaudí, Antonio 326, 327 parates 364
Gauguin, Paul Fuzilamento 187
Mulheres taitianas sentadas em um Os fuzilamentos: 3 de maio 207
banco 338 Grabar, Oleg 100, 110, 410
Geertz, Clifford 68, 297, 301 Grafismo
Gehry, Frank 239 Abstrato 114
Geiger, Anna Bella Grasskamp, Walter 349, 410, 411
Passagens 32, 57 Graulich, Michael 135, 137, 410
Geist, Sidney 312 Gravura
Gell, Alfred 120, 123, 258, 261, 271, 410 de cordel 138, 141, 409
Genet, Jean 281 Japonesa 237
Geraldo, Sheila Cabo 6, 183 Nordestina 140
Gerchman, Rubens 29, 345, 362 Xilogravura 19
Géricault, Théodore Grécia 10, 22, 23, 24, 26, 27, 32, 174, 178, 
A jangada da Medusa 187 186, 218, 224, 225, 227, 247, 264, 
Getlein, Frank 147, 151 282, 284, 285, 287, 295, 337
Ghadirian, Shadi 299 Greenberg, Clement 57, 58, 317, 335, 
Ghazel 299 407, 409
Giacometti, Alberto 222 Grenier, Catherine 307, 308, 317, 404
Gilbert & George 203 Grotowski, Jerzi
Giordano, Luca 251 Bread and Puppet Theatre 337
Giorgi, Bruno Grüniger, Johannes 129
Os guerreiros 127, 186, 220, 221 Grupo escultórico
Giorgione, Giorgio da Castelfranco A morte tentando parar o gênio da luz,
(dito o) que se esforça para iluminar a verdade
Autorretrato como Davi 250, 301 229
Giotto di Bondone 74, 310, 346 Guarini, Camilo-Guarino 246
Girard, René 106, 109, 410 Guattari, Félix 196, 198, 408
Globalização 11, 161, 193, 194, 277, 334 Gubernikoff, Carole 211
Gloeden, Wilhelm von 290 Guercino, Giovanni Francesco Barbieri
Goffman, Erwing 117 (dito o) 251
Goifman, Kiko 30 Guerra do Vietnã 367
Goldblat, David Guerra Neto, Aurélio 198, 408
The transport of KnaNdebele 196 Guggenheim, Peggy 37
Goldwater, Robert 223 Gumpert, Lynn 307, 318, 409
Gómara, Francisco López de 137, 410 Gunning, Tom 33, 35, 411
Gomarra 186 Gutiérrez, Ramón 274, 278, 411
Gombrich, E. H. 10, 152, 160, 410
Gomes, Alair 10, 292
Gómez-Peña, Guillermo 123
[ 432 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

H 246, 247, 251, 252, 271, 281, 291, 294, 
295, 297, 299, 303, 304, 305, 308, 309, 
Haacke, Hans 313, 314, 335, 342, 343, 365, 366, 367, 
A liberdade será patrocinada agora 374, 375, 391, 396, 400, 402, 403
somente em moedinhas 348 Ocidental 359
Haar, Leopoldo 63 Ocidental moderna 359
Habermas, Jurgen 189 Historicismo 10
Hafez, Mohammed M. 107, 110, 411 Historiografia da arte 11, 157, 159, 175, 
Hals, Frans 187, 189, 245, 246 178, 180, 282, 293
Harmódio e Aristógiton 283 Hitler, Adolf 105
Harvey, David 41 Hobsbaum, Eric 187, 199, 411
Hattstein, Markus 85 Hokusai, Katsushika
Hauser, Arnold 11 Ejiri na província de Suruga (Sunshu
Heartney, Eleanor 232 Ejiri) 20
Hegel, Georg Willhelm Friedrich 383,  Ukiyo-e 19, 20, 21
392 Holanda 187, 193, 304
Heidegger, Martin 336 Holman Conwill, Kinshasha 236
Heinich, Nathalie 309, 318, 411 Homem vitruviano 9, 326
Henri-Pierre, Jeudy 49, 412 Homero 26, 284
Hermann, Carla 7, 376, 388 Horsch, Silvia 99, 110, 411
Heródoto 338 Houseman, Michael 118, 124, 411
Herói Houzel, Didier 352, 354, 411
Agamemnom 337 Hug, Alfons 235
Aquiles 128, 284 Humboldt, Alexandre van 187
Aristógiton 283, 284 Huxley, Aldous 42
Cícero, Marcus Tullius 133
Cocles, Horatius 133 I
Curtius, Marcus 6, 125, 132, 133, 136
Harmódio 283, 284 I-ching 68
Laocoonte 23, 125, 126, 127, 128,  Ícone 74, 104, 241, 289
129, 130, 131, 135, 136, 137, 399, 402 Iconografia 25, 101, 102, 129, 130, 134, 
Mus, Publius Decius 133 135, 136, 287, 291, 338, 341, 356
Scaevola, Mucius 133 Idade Média 97, 102, 132, 138, 139, 179, 
Sêneca, Lucio Aneu 133 186, 224, 225, 247, 261, 267, 309, 
Ulisses 127 315, 346
Hesse, Eva 298 Identidade
He, Xie 357 Cultural 235, 277
Hieróglifos 338, 339 Institucional 217, 221
Hildebrand, Adolf von 55 Latino-americana 328
Hiparco 284 Igreja
Hiper-realismo 400 Católica 24, 106, 368
Hirschhorn, Thomas 197 da Madre de Deus (Recife, Brasil)
Hirst, Damien 92
Bezerro de ouro 373 de Guadalupe (Espanha) 262
História de Santo Stefano Rotondo (Roma,
da arte 10, 11, 12, 13, 14, 18, 19, 24, 32,  Itália) 102
53, 69, 70, 72, 73, 78, 79, 97, 114, 120,  de São Pedro dos Clérigos (Mariana,
140, 145, 150, 152, 153, 175, 176, 177,  Brasil) 92
179, 182, 183, 193, 195, 205, 206, 207,  Militante 96, 105, 106
209, 215, 217, 222, 223, 225, 242, 245,  Paleocristã 99
Índice remissivo [ 433 ]

Iluminismo 48, 176, 242, 264, 402 Itália 128, 130, 226, 247, 248, 250, 252, 


Ilustração/Iluminismo 265, 288 265, 266
Imagem
História da 108, 179, 388 J
Imperador Jackson, Michael 269, 336
Adriano 286 Jácome, Manuel Ferreira 91
Carlos V 131 Jameson, Fredric 374, 375, 412
Cauthémoc 185 Jaremtchuk, Daria 6, 203, 210
Júlio César 394 Jaubert, Alain 69, 71, 416
Justiniano 336 Jay, Martin 179
Qin 256 Jewsiewicki, Bogumil 181, 182
Império Judaísmo 97, 98, 99
Bizantino 99 Judd, Donald 60, 373
Otomano 256 Junge, Peter 235, 397
Romano 224 Junior, Cravo
Impressionismo 145, 148, 149 Exu dos ventos 386
Inarra, Francisco 211
Incas 351 K
Índia 218, 267, 336, 340, 341
Índio Kabuki 337
Americano 328, 347 Kadiwéu 82, 83
Índios Kahlo, Frida 298
Americanos 329 Kaizhi, Gu
Asurini 302, 305 A ninfa do rio Luo 255
Brasileiros 269 Kandinsky, Wassily 64, 79, 87
Cherokee 302 Kant, Immanuel 54, 112
Kaapor 270 Kapoor, Anish 299
Norte-americanos 257, 329 Kathakali 337
Sul-americanos 82, 116 Kemp, Martin 87, 412
Suyá 270 Kendall, Richard 146, 149, 151, 412, 417
Tapirapé 270 Klawa, Laonte 210
Yanomami 269 Klee, Paul 222
Inglaterra 178, 187, 229, 292 Klimt, Gustav
Ingres, Jean-Auguste Dominique Antiguidade egípcia I e II 338
Grande odalisca 291 Knauss, Paulo 6, 13, 174, 387, 412
Instalação 47, 63, 119, 166, 193, 194, 221,  Kolar, Jiri 365
238, 331, 348 Konaté, Yacouba 237
Instituto König, Viola 235
da França 187 Koons, Jeff 268, 269
de Artes do Paraguai 275 Kosuth, Joseph 61, 412
Histórico e Geográfico Brasileiro 157 Kounellis, Jannis 211
Histórico e Geográfico Brasileiro de Krauss, Rosalind 49, 71, 317, 318, 368, 
Artes da Universidade do Estado do 373, 404, 412
Rio de Janeiro (Brasil) 416 Krautheimer, Richard 104, 110, 412
Internacionalismo 55, 57 Kudielka, Robert 376
Internet 98, 107, 108 Ku (pintor chinês) 358
Islã 98, 99, 100, 108 Kurz, Otto 309, 311
Islamismo 97, 98, 99, 101 Kwon, Miwon 192
Islão 225, 346 Kyrrhos, Andronikos de
Torre dos Ventos 24, 25
[ 434 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

L Lyotard, Jean-François 75, 78


Lagnado, Lisette 194, 199, 410 M
Lanfranco, Giovanni 249
Lanzi, Luigi 249 Machado, Leandro
Laocoonte 6, 23, 125, 126, 127, 128, 129,  Lojas Africanas 384
130, 131, 135, 136, 137, 399, 402 Machado, Milton 61
Larguier, Léo 312, 318, 413 Mackrell, Alice 344
Latour, Bruno 107, 110, 413 Madri (Espanha) 32, 174, 186, 198, 206, 
La Tour, Georges de 139 295, 305, 330, 401, 403, 405, 427
Lauand, Judith 63 Magalhães, Ana 145, 148, 151
Laurens, Jean-Paul 245 Magnífico, Lourenço (dito o) 226
Leão, Lúcia Claudia 198, 408 Maia, Éolo 66
Lebreton, Joaquim 187 Maias 351
Lebrun, Charles 245, 246 Maison Européenne de la Photographie
Léger, Fernand 36, 37 (Paris, França) 10
Le Goff, Jacques 33 Malevich, Kasimir
Legrand, Guillaume 265 Quadrado branco sobre fundo branco
Leibniz, Gottfried Wilhelm von 262 65
Leirner, Nelson 325, 362 Malfatti, Anita 313, 314, 317, 403, 406
Lenoir, Alexandre 227 Malherbe, Suzanne 291
Leonardo da Vinci Malinowski, Bronislaw 117
Monalisa 181, 335 Mallarmé, Stéphane 315, 316
Leopoldo e Silva, Francisco 219, 242,  Mancini, Giulio 153
243, 402, 420 Mander, Karl van 248
Lévi-Bruhl, Lucien 117 Maneirismo 246
Lévi-Strauss, Claude 82, 83, 84, 239 Manet, Édouard
Lewis-Williams, David 116 Olympia 360
LeWitt, Sol 373 Manifesto antropófago 191, 198, 402
Lichtenstein, Jacqueline 246 Mansfield, Elisabeth C. 11, 413
Liechtenstein, Roy 325 Mantegna, Andréa
Lies, Lothar 104 Camera degli Sposi 77
Lima, Mauricio Nogueira 63 Manuel, Antônio
Linhares, Mônica 7, 384, 386 Corpobra 301
Lipovetsky, Gilles 344 Semi-ótica 30
Living Theater 123 Maomé 101
Lívio, Tito 133, 134 Mapplethorpe, Robert
Livro dos ritos 355, 356 Ajitto 10
lloyd Wright, Frank Thomas 9
Casa da cascata 327 Marchand 258, 259, 312
Lobato, Monteiro 42, 313 Márcia pintando seu autorretrato 297
Locke, John 54 Marcuse, Herbert 48
Longhi, Roberto 251, 252, 413, 414 Marcus, George 296
Long, Richard 234 Marcus Vitruvius 24
Lopes, Tadeu 8, 396 Marees, Hans von 55
Louÿs, Pierre 148 Marepe
Löwy, Emmanuel 84 Pérola de água doce 385
Lucrécia, Bórgia 98 Marillier, Clement Pierre 265
Lumumba, Patrice 181 Marinetti, Fillipo Tommaso 190, 361
Lyon, Lisa 294 Marinho, Fernanda 7, 8, 363, 399
Índice remissivo [ 435 ]

Marin, Louis 82, 86 Mercado de arte 193, 208, 231, 234, 278


Marisol 362 Merleau-Ponty, Maurice 311, 312, 315, 
Martínez, Elisa de Souza 6, 214 316, 318, 414
Martin, Jean-Hubert 214, 232, 235,  Mesopotâmia 198, 247, 406
242, 405 Mesquita de Damasco 100
Marxismo 18 Mestiçagem 274
Marx, Karl 42 Método formalista 56
Máscara México 131, 135, 169, 182, 185, 186, 273, 
Africana 302 274, 276, 277
Balinesa 337 Meyer, Richard 295
Bantun (Zaire) 337 Miceli, Sérgio 313
Egípcia 337 Micenas (Grécia) 178, 337
Fang (Gabão) 337 Michalski, Sergiusz 104
Funerária 337 Michelangelo Buonarroti
Gelede (Benin) 337 A criação de Adão 336
Indígena 337 A criação do sol, da lua e das plantas
Mitológica grega 337 367
Mochica 337 Tondo Doni 372
Mortuária 285 Micropolítica 194, 196, 197, 293, 385, 
Sepik (Nova Guiné) 337 401, 406
Massani, Giovanni 363 Migliaccio, Luciano 157, 252
Massumi, Elahe Mil e uma noites 347
A kiss is not a kiss 299, 305 Minor, Vernon Hyde 414
Matesco, Viviane 6, 273, 428 Mirzoeff, Nicholas 182
Matisse, Henri 299, 328 Missão Artística Francesa 175
Mattos, Claudia Valadão de 6, 152, 157 Mitchell, W. J. T. 110, 160, 404, 414, 418
Mattos, Claudia Valladão de 6, 152 Mitologia
Mauban, J. S. 233 Pré-histórica 117
Mauss, Marcel 117, 120, 124, 257, 348,  Modernidade 20, 33, 55, 57, 59, 60, 61, 63, 
349, 414 115, 118, 152, 167, 188, 189, 195, 
Maximus, Valerius 133 240, 243, 244, 255, 259, 276, 277, 
McEvilley, Thomas 223, 238, 242, 414 290, 297, 299, 314, 328, 343, 416
McQueen, Steve Moderno
Giardini 165, 166, 167 Artista 248, 249, 365, 396
Mecenato 94, 174, 273, 274, 277 Estado 227
Médici, Cosimo de 226 Mundo 38, 41, 257, 261
Medievo 138, 390 Período 192, 316, 382
Meireles, Cecília 31 Sujeito 54, 58
Meireles, Cildo Moholy-Nagy, László 379, 381, 414
Inserções em circuitos antropológicos: Molinos, Jacques 265
black pente 384 Mondrian, Piet 57, 383
Mello e Souza, Gilda de 313, 318, 414 Moneiro da Vide, D. Sebastião 92
Meltzer, Donald 352, 354, 414 Monteiro Jr, Gilton 7, 8, 382, 392
Memória Monumento a Zumbi 387
da cultura 34 Moore, Henry 222
Pública 30 Morales, Ambrosio de 261
Mendes, Manuel Odorico 137, 419 Moraza, Juan Luís 171
Mendieta, Ana 298 Moreno, Tati
Mensa isiaca 338 Orixás 386
Morimura, Yasumasa 360
[ 436 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Morisot, Berthe 145 de Belas Artes (Sevilha, Espanha)


Morris, Robert 208
I-Box 301 de Bruchion 266
Morrissey, Paul 293 de Ciências Naturais 185
Morse, Richard 275 de Etnografia 135
Mossé, Claude 283 de História Natural (Jardins de
Mourão, Raul 47 Plants) 265
Moura, Tavinho 70 de História Natural (Jardins de
Movimento Plants) (Paris, França) 265
Feminista 145, 292, 300 de Monumentos Franceses (Paris,
Gay 291, 292, 293, 360 França) 227
Negro 292, 294 de Munique 207
Mueck, Ron 400 de Versalhes 268
Muller, Florence 344 D. João VI 244, 245, 252, 253, 402, 
Muller, Jurandir 30 416, 418
Mulvey, Laura 289 do Açude 218, 257
Muralha da China 300 do Índio 269, 270
Murillo, Bartolomé Esteban 245, 248 do Índio Americano (Washington,
Musee (poeta) 262 EUA) 270
Museu do Índio (Brasília, Brasil) 269
Americano 270 do Jeu de Paume (Paris, França) 239
Andy Warhol Museum 29, 35 do Louvre Abu Dhabi (Abu Dhabi,
Casa das Irmãs Comte (Marsac, Emirados Árabes) 239, 240
França) 268 do Louvre (Paris, França) 178, 233, 
Castro Maya (Rio de Janeiro, Brasil) 239, 240, 265
217, 257, 428 do Prado (Madri, Espanha) 32, 206
da Chácara do Céu (Rio de Janeiro, D’Orsay (Paris, França) 238, 239
Brasil) 218, 257, 258 Etnográfico 235, 238, 269
Dallas Museum of Art (Dallas, EUA) Etnográfico (Berlim, Alemanha)
222 235
de Alexandria 263 Europeu 10, 396
de antiguidade 261 Ficcional 194
de antropologia 121, 135 Fictício 194
de Arte 12, 35, 70, 194, 199, 207, 209,  Guggenheim Abu Dhabi (Abu Dha-
216, 218, 222, 232, 239, 240, 241, 266,  bi, Emirados Árabes) 239
268, 269, 313, 325, 330, 361, 401, 415,  Guggenheim em Bilbao (Bibão,
419, 427 Espanha) 239
de Arte de Tóquio (Japão) 207 Histórico 230
de Arte Moderna 35, 70, 216, 218,  Histórico Nacional (Rio de Janeiro,
222, 232, 241, 268, 269, 325, 361, 401 Brasil) 150, 253, 416
de Arte Moderna do Centre Imagéticos 57
Georges Pompidou (Paris, França) Imaginário 194
317, 330, 402, 404 Japonês 207
de Arte Moderna do Rio de Janeiro Kunsthistorisches Museum (Viena,
218, 325 Áustria) 134
de Arte Moderna (Nova Iorque, Kwagiulth (Vancouver, Canadá) 270
EUA) 216, 222, 241, 361 Magüta (Amazonas, Brasil) 270
de Belas Artes (Buenos Aires, Memorial dos Povos Indígenas 270
Argentina) 185 Metropolitan Museum of Art (Nova
Índice remissivo [ 437 ]

Iorque, EUA) 236 Niemeyer, Oscar 219, 269, 327


Moderno 263 Nietzsche, Friedrich 283, 296, 334
Musée National des Arts Asiatiques- Nitsche, Marcelo
Guimet (Paris, França) 20 Costura de mão 32
Museum für Völkerkunde (Berlim, Nixon, Mignon 37, 49, 325
Alemanha) 223 Noble, J. V. 24, 25, 28, 415
Museum of Contemporary Nolde, Emil
Hispanic Art (Nova Iorque, EUA) Still life of masks 223
236, 242, 243, 407 Noreen, Kirstin 104, 111, 415
Museum of Jurassic Technology Nossa Senhora
(Califórnia, EUA) 267 da Assunção 91
Nacional de Arte Moderna (Paris, da Conceição 91
França) 239 Nouvel, Jean 239
Nacional de Belas Artes (Rio de Novaes, Paulo Fernando
Janeiro, Brasil) 244 Boi encantado 210
Philadelphia Museum of Art (Fila- Nova Iorque (EUA) 28, 40, 49, 98, 108, 
délfia, EUA) 148 109, 110, 123, 124, 151, 182, 198, 
The British Museum (Londres, 213, 216, 222, 236, 241, 242, 243, 
Inglaterra) 130, 131 272, 275, 299, 318, 319, 325, 329, 
The New Museum of Contem- 330, 361, 368, 378, 403, 404, 405, 
porary Art (Nova Iorque, EUA) 407, 408, 409, 410, 411, 416, 417, 
236, 242, 243, 319, 407, 420 418, 419, 420
The Studio Museum of Harlem Nunes, Benedito 191
(Nova Iorque, EUA) 236 O
Vaticano 125
Victoria and Albert Museum (Lon- Obelisco 338, 387
dres, Inglaterra) 240 Objet trouvé 36, 37, 40, 41
Música 35, 69, 95, 120, 121, 265, 267, 278,  Oceania 195, 229, 372
309, 324, 360, 409, 413,  428
Ocidente 11, 14, 99, 108, 152, 153, 154, 
N 158, 176, 186, 226, 239, 240, 247, 
273, 282, 285, 335
Nadal, Jerome 103
October 49, 325, 381, 408, 415, 418
Nador, Mônica
O’Doherty, Brian 216, 242, 415
Jamac 384, 385
O’Hara, Frank 328, 329, 330, 415
Naef, Silvia 99, 100
Oiticica, Hélio
Nascimento, Evando 198, 408
Mesa de bilhar, d’après O café noturno
Nasoni, Nicolau 91, 95
de Van Gogh 325
National Academy of Design (EUA)
Okumura, Lydia 211
275
Okyo, Maruyama 310
Nauman, Bruce
Oliveira, Ana Lúcia de 198, 408
Autorretrato como fonte 301
Olivier, Fernande 300
Nego, Geraldo Simplício (dito o) 386
Olmecas 350
Neoclássico 246, 264, 275
Olorisá, Aduni (cf. Wenger, Ssanne)
Neoconcretismo 63
386
Neoplatonismo 383
O’Neill, Elena 7, 328, 379
Nesefi, Ali 85
Op art 80
Neshat, Shirin 299 Oriente 6, 22, 152, 154, 158, 186, 188, 
Neuwirth, Angelika 99, 101, 111, 415 225, 338, 346, 347, 410
Nevelson, Louise 362
Orígenes 104, 133
[ 438 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Orlan 123 Paris (França) 10, 20, 28, 36, 57, 71, 87, 


Ottonelli, Gian Domenico 103 109, 111, 123, 124, 137, 141, 146, 
Ovídio 264 160, 172, 175, 182, 186, 199, 227, 
229, 232, 233, 238, 252, 257, 262,
P  295, 297, 307, 314, 315, 317, 318, 
Pacchini 95 319, 329, 330, 354, 360, 371, 381, 
Pacheco, Francisco 248 401, 402, 404, 407, 408, 409, 410, 
Pächt, Otto 11, 415 411, 413, 414, 415, 416, 417, 418, 
Paço Imperial (Rio de Janeiro, Brasil) 419, 420
10 Parmigianino, Girolamo Francesco Ma-
Pagnest, Amable Louis Claude 245 ria Mazzola (dito o)
Paisagem 20, 21, 101, 152, 153, 154, 155,  Retrato de um colecionador 254
156, 157, 158, 159, 160, 327, 386,  Parrhasios 311
388, 389, 392, 410, 420 Partenon 174, 178
Paisagismo 13, 63 Paulse, Mariana Gomes 7, 365
Paiva, Manuel 211 Paxton, Joseph 228
Palácio Peçanha, Horório
de Alhambra (Espanha) 346 Herma de Israel Pinheiro 220
de Bruxelas (Bélgica) 131 Pedahzur, Ami 110, 411
de Fontainebleau (França) 174 Pedroza, José Alves
de Madri (Espanha) 174 Cabeça do presidente JK 220
de Mafra (Portugal) 174 Penchel, Marcos 199, 411
de Queluz (Portugal) 174 Pequeno da Silva, Fernanda 7, 323
de Sintra (Portugal) 174 Pereira, André L. Tavares 5, 91
de Vaux-le-Vicomte (França) 175 Pereira, E. 96, 124, 252, 416
de Versalhes (França) 175 Pereira, Fernando José
do Bruchion (França) 263 Desanosognosia 164, 165
do Escorial (Espanha) 174 Pereira, Sonia Gomes 13, 244, 252, 
do Louvre (França) 227 416, 427
do Planalto (Brasília, Brasil) 219,  Perelman, Marc 69, 71, 416
220, 221 Peretti, Marianne
Ducale (Mântua, Itália) 265 A pomba 220
Paleotti, Gabriele 103, 104, 111, 416 Pérez, David 295
Pamuk, Orhan 256 Performance 48, 63, 119, 122, 124, 209, 
Pane, Gina 336 222, 300, 334, 393, 397, 418
Panofsky, Erwin 28, 87, 343, 383, 416 Perrin, Alan Dominique 348
Pantera Cor-de-Rosa 269 Personagem bíblico
Papa Eva 87, 138, 139, 298, 404
Bento XIV 93 Moisés 262
Gregório, o Grande 139 Virgem Maria 225
Inocêncio XI 93 Personagem mítico
Leão X 311 Creúsa 128
Pio VI 93 Dido 127
Pape, Lygia Ergasto 264
Eat me, a gula ou a luxúria 32 Ganímedes 287, 288
Parc de La Villete (Paris, França) 234 Heitor 128
Paré, Ambroise 359 Helena 128
Parente, André 35, 406 Narciso 78, 298
Parente, Letícia Odudua 386
Marca registrada 32
Índice remissivo [ 439 ]

Pátroclo 284 Plécy, Albert 267


Pirro 128 Plínio, o Velho 23, 265, 311, 370
Príamo 127, 128 Plüschow, Guglielmo von 290
Sínon 127, 128 Podro, Michael 11, 416
Temístocles 268 Poesia
Perspectiva 20, 21, 72, 73, 74, 75, 76, 77,  Dramática 265
78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 87, 99,  Poiret, Paul 345
103, 115, 116, 123, 132, 158, 159,  Policentrismo 74
163, 207, 223, 231, 234, 235, 236,  Política 12, 20, 22, 105, 123, 143, 
240, 242, 244, 327, 329, 335, 382,  155, 158, 162, 164, 165, 166, 170, 
390, 391, 399, 402 171, 172, 174, 175, 176, 178, 179, 
Perugino, Pietro 181, 182, 183, 184, 186, 187, 189, 
A visão de São Bernardo 367 190, 191, 192, 194, 195, 196, 197, 
Pesarese, Simone Cantarini (dito o) 251 198, 207, 209, 211, 231, 277, 278, 
Pesavento, Sandra Jatahy 229, 230, 243,  293, 302, 305, 350, 355, 359, 366, 
416 381, 401, 402, 404, 409, 427
Peterson, Elmer 36, 49, 418 Pollaiolo, Antonio 251
Piaget, Jean 79 Pollock, Griselda 145, 147, 148
Picasso, Pablo Pollock, Jackson 82, 328, 330, 336, 
A família de acrobatas 300 402, 415
Guitar, sheet music and glass 366 Polônia 209
Les demoiselles d’Avignon 260, 299,  Pomarancio, Niccolò Circignani (dito o)
302, 324, 335 102, 110, 411
Piero della Francesca 76 Ponto de fuga 20, 258
Retrato de Gertrude Stein 260 Pop Art 30, 325
Piles, Roger de 249, 252, 407 Porto-Alegre, Araújo 245, 364
Pinacoteca do Estado de São Paulo (São Portugal 91, 92, 93, 94, 95, 96, 171, 
Paulo, Brasil) 219, 221 174, 187, 346
Pinet, Helène 220, 243, 416 Pós-estruturalista 73, 87
Piñon, F. 278 Pós-modernidade 60
Pintura Pós-modernismo 318, 375, 411, 412
Chinesa 69, 153, 159, 255, 256, 357 Post, Frans 336
Corporal Poussin, Nicolas 79, 249, 259, 392
Corporal indígena 302 Preti, Mattia 251
Corporal kadiwéu 82 Preziosi, Donald 11
de gênero 152, 187 Price, Derek J. de Solla 24, 25, 385
Europeia 246, 346 Primeira Guerra Mundial 190
Floral 150 Primitivismo 237, 299, 328
Histórica 151, 152, 181, 301, 418 Princesa Nofret 335
Impressionista 145, 151 Príncipe
Moderna 145, 151, 186, 373 Ludwig da Bavária 178
Morte da 36 Procaccini 251
Mural 150, 234 Rahotep 335
Natureza-morta 392 Proença, Graça 12, 417
Pisano, Giunta 130 Proletkult 195
Pissarro, Camille 259 Proust, Marcel 316
Piza, Arthur Luiz 211 Psístrato (Tirano) 284
Platão 18, 283, 284, 382
Plaza, Júlio
Os/As meninos/as 204, 205
[ 440 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Q Rennó, Rosângela
Arquivo Universal e Biblioteca 30
Quincy, Quatremère de 263 Renoir, Pierre-Auguste 150, 258, 259, 
260
R
República do Congo 181
Rafael Sanzio Retórica 230, 256, 309, 311, 399
Escola de Atenas 264 Retratística 187, 372, 394, 395
Rainha Retrato
D. Maria I 174 de Estado 394
Elizabeth I 394 de grupo 186, 187
Maria Antonieta 269 Revolução
Ramalho, José Cardoso 91 Francesa 32, 175, 232
Rancière, Jacques 163, 165 Mexicana 351
Rapto de Ganímedes 287 Ribeiro, Berta 269
Rauschenberg, Robert 325, 362, 365 Ribeiro, Carlos Flexa 12
Ray, Man 44, 291, 301, 379, 381 Ribeiro, Maria Eurydice de Barros 138
Read, Herbert 177 Ribera, José de 206, 359
Ready-made 325 Riedweg, Walter 30
Ready-mades 33, 36, 39, 44, 181, 324, 331,  Riegl, Alois 82, 187
362, 400 Rio de Janeiro (Brasil) 10, 12, 13, 29, 32, 3
Reff, Theodore 312 5, 70, 71, 87, 91, 96, 123, 124, 
Rei 137, 151, 157, 158, 160, 175, 182, 
Carlos IV 394 198, 199, 211, 213, 217, 218, 245, 
Carlos IX 227 250, 253, 257, 271, 278, 292, 295, 
D. João V 96, 174 305, 317, 318, 325, 349, 386, 387, 
D. João VI 244, 245, 252, 253, 402,  397, 401, 402, 403, 405, 406, 407, 
416, 418 408, 409, 410, 411, 414, 416, 417, 
Don Pelayo 262 418, 419
Francisco I 174 Riscadura
Luís XIV 175, 176, 269, 359 Afro-brasileira 66, 68
Luís XVIII 187 Rivera, Diego 351
Montezuma 131, 186 Robia, Lucca della 226
Reichel, Peter 111, 417 Rocha, Camilla 348, 374
Reinach, Salomon 178 Rococó 246, 359
Religião Rodchenko, Aleksandr 191
Afro-brasileira 67, 68 Rojas, Rolando 351
Cristã 132, 136 Rolnik, Suely 197, 198, 408
Grega 24, 27 Roma (Itália) 10, 23, 69, 78, 87, 92, 93, 
Ioruba 386 101, 102, 104, 109, 110, 117, 128, 
Rembrandt van Rijn 129, 130, 137, 174, 224, 229, 247, 
A ronda noturna 186, 187 248, 252, 265, 285, 286, 394, 402, 
Renascença 10, 160, 218, 282, 410 403, 405, 411, 413
Renascimento 74, 75, 76, 77, 129, 134,  Romano, Gian Cristoforo 265
136, 152, 153, 176, 177, 182, 186,  Romano, Giulio 249
188, 198, 218, 245, 246, 247, 248,  Romantismo 188, 246
249, 251, 266, 270, 286, 310, 311,  Rosenberg, Harold 33, 35, 330, 417
326, 351, 367, 368, 369, 383, 391,  Rosler, Martha
395, 399 The bowery in two inadequate descrip-
Reni, Guido 249 tive systems 195
Índice remissivo [ 441 ]

Rosseli, Cosimo João 77, 93, 287, 311


Travessia do Mar Vermelho 346 João Batista 93, 311
Roterdã, Erasmo de 70 João do Apocalipse 287
Rothko, Mark 80, 336 Lucas 139, 301
Rouanet, Sérgio Paulo 198, 404 Marcos 387
Rouget, Gilbert 120, 124, 417 Martinho 129
Rouillé, André 289, 295 Mateus 130
Rousseau, Henri 257 Paulo Ermitão 102
Rubin, William 222, 224, 233, 235, 368,  Pedro 91, 92, 93, 96, 262
404 Primo 102
Ruscha, Edward São Paulo (Brasil) 10, 35, 49, 57, 70, 71, 
Twenty six gasoline stations 29 87, 96, 102, 123, 124, 137, 150, 151, 
Rússia 42, 190, 191 160, 182, 193, 197, 198, 199, 204, 
Ruytemburg, Willen van 186 209, 211, 212, 213, 218, 219, 221, 
230, 233, 242, 243, 252, 271, 272, 
S 277, 278, 291, 295, 302, 305, 317, 
Sade, Marquês de 288 318, 319, 325, 330, 349, 360, 362, 
Sahagún, Bernardino de 135, 185 368, 371, 375, 378, 381, 383, 384, 
Said, Edward 297, 299 385, 387, 401, 402, 403, 404, 405, 
Saint-Martin, Fernande 79, 80, 81, 82,  406, 407, 408, 409, 410, 411, 412, 
84 413, 414, 415, 416, 417, 418, 419, 
Salgado, Cristina 420
Grande nua na poltrona vermelha 47 Schaan, D. Pahl 117, 124, 415
Sampaio, Márcio 66, 71, 417 Schachter, Bony Braga 340, 355, 357
Sandow, Eugen (dito O Magnífico) 289 Schapiro, Meyer 243, 312, 336, 418
Sandoz 53 Scharf, Aaron 290, 295
Sandrart, Joachim 248 Schechner, Richard 117, 124, 418
Sangallo, Giuliano da 125 Scheffer, Ary 245
Sannarazo, Giacomo 264 Schiller, Friedrich 54
Sanouillet, Michel 36, 49, 418 Schubert, Eva 87, 404
Sansovino, Andrea 310 Schwitters, Kurt 362
Santa Scimé, Giuliana 285, 295
Catarina de Alexandria 129 Scopas (escultor) 258
Catarina de Siena 132 Secco, Maria do Carmo 29
Clara de Montefalco 132 Sedwick, Eve Kosofsky 292
Cruz 102 Segunda Guerra Mundial 105, 106, 108, 
Maria Madalena 139 377
Santo Seiler, Christiane 111, 415
Agostinho 133, 134, 137, 418 Seitz, William C. 361, 362
Inácio de Loyola 103 Sekula, Alan 33, 195
Stefano Rotondo 102, 107, 109, 110,  Sélavy, Rrose 291, 360
405, 411, 414, 415 Semana de Arte Moderna 313
São Semin, Didier 318, 319, 409, 418
Bartolomeu 262 Semiologia 13, 79
Clemente 102 Semiótica 84, 87, 428
Feliciano 102 Serpa, Ivan 63
Felipe Neri 91, 92 Settignano, Desiderio da 226
Francisco 117, 132, 294 Severi, Carlo 84, 87, 418
Jerônimo 226 Sfumato 76, 335
[ 442 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Shattuck, Roger 362 Starck, Philippe


Sheik Zayed bin Sultan al-Nahayan WW Stool 45, 46
240 Stein, Gertrude 260, 261
Sherman, Cindy 301 Stencil 384
Shonibare, Yinka Stierlin, Herni 86, 87, 419
Odile e Odete 304 Stimson, Blake 61, 405
Shostak, Marjorie 303, 304 Stott, Annette 150, 151, 419
Siena, Matteo di 102 Struth, Tomas
Signo 20, 32, 39, 45, 46, 47, 125, 191, 268,  Making time 206
335, 369, 380, 385 Self-Portrait, Alte Pinakothek 207
Símbolo 86, 104, 175, 191, 221, 229, 255,  Sunismo 101
348 Suprematismo 190
Simioni, Ana Paula 149, 150 Surrealismo 55, 291, 333, 361, 365
Simmel, Georg 257, 258, 272, 418 Szeemann, Harald 209
Siqueira, Vera Beatriz 13, 14, 254, 272, 
418, 428 T
Sistema de Arte 12, 18, 113, 152, 183,  Tachismo 377
201, 204, 215, 231, 234, 235, 236,  Tamagne, Florence 287, 292
237, 261, 273, 274, 275, 278, 299,  Taoísmo 68, 356, 357
316 Tarô 68
Site-specific 192, 195, 199, 214, 332, 412 Tatlin, Vladimir 191
Smith, Frank Eugene 103, 210, 290 Taunay, Félix Émile
Smith, Jeffrey Chipps 111, 418 Vista de uma mata que se está reduzin-
Smithson, Robert 216, 332, 371, 373 do a carvão 157
Snyder, Joel 156, 160, 418 Tavares, Ana 160
Soares, Genilson 211 Tchaikovski, Piotr Ilich 315
Sociedade Teatro
Asteca 134 de Marionetes 262
Auxiliadora da Indústria Nacional de Milos 178
157 Mummenschanz 337
Contemporânea 49, 123, 212, 407 Oficina 123
de caçadores-coletores 116, 303 Putxinelis Claca 337
Grega 27 Teixeira, Maria Teresa Lopes 199, 411
Industrial 48, 228 Televisão 34, 98, 108, 360
Japonesa feudal 20 Tempesta, Antonio 102
Ocidental 309, 315, 368 Templo
Ocidental cristã 368 Angkor Thom 335
Primitiva 123, 237 da Nuvem Branca (Pequim, China)
Romana 26 357
Tribal 99 das Musas 263, 266, 271
Sohm, Philip 153 de Amon 184
Soutine, Chaïm 328 de Bangkok 336
Souty, Jéròme 6, 13, 112 de Luxor 184
Souza, Rafael 7, 361 Egípcio 184
Spiral jetty 216, 332, 371, 373 Taoístas 357
Spivey, Nigel 23, 28 Templo-montanha 335
Split representation 83, 84 Teoria
Squadratura 78 da arte 55, 73, 78, 79, 103, 104, 115,
Stadelmann, Rainer 185, 199, 418  380
Formalista 58
Índice remissivo [ 443 ]

Teotihuacan (México) 185 V


Tertuliano 137, 419
Thévet, André 226 Valásquez, Diego
Thompson, Robert Farris 68, 122 Las meninas 205
Thom, René 353 Valeff, Maurice de 315
Tiago Assis. Colaborador de Pereira, Valente, Igor 342
Fernando José 165 Valentim, Rubem 66, 67, 68, 71, 402, 419
Tiepolo, Giovanni Battista 251 Valéry, Paul 261, 272, 370, 371, 419
Tintoretto, Jacopo Comin (dito o) 245,  Valle, Arthur 160
346 Van Dyck, Antoon 249
Todd, Jane Marie 109, 404 Van Gogh, Vincent 20, 267, 315, 325
Todorov, Tzvetan 186, 199, 419 Vanguarda 153, 181, 188, 189, 190, 191, 
Tong-p’o, Sou 69 198, 259, 315, 345, 405
Torres-García, Joaquin 328, 329 Varro, Marcus Terentius 23, 24
Traba, Marta 277 Vasari, Giorgio
Tradição Academia del Disegno 309
Alemã 207 Vaticano 132, 178, 336, 367
Árabe 347 Vecellio, Cesare 345
Artística 154, 158, 220, 226, 241, 244,  Veneza (Itália) 57, 131, 137, 165, 226, 
245, 247, 249, 250, 252 230, 410
Bíblica 138, 139 Venturi, Lionello 11, 57, 69, 419
Católica 104, 105, 148 Venturi, Robert 57
Chinesa 358 Vênus de Milo 178
Clássica 246, 252, 265, 399, 416 Venusti, Marcello 287
Cristã 105, 106, 132 Vercingétorix 268
Grega 136 Verdi, Giuseppe
Ioruba 337 Va, Pensiero, Sull’Ali Dorate 211
Japonesa 21 Verger, Pierre 124, 419
Literária grega 128 Vernant, Jean-Pierre 136, 380
Medieval 187 Veronese, Paolo 134, 245, 246
Ocidental 21 Vialatte, Alexandre 268
Paleocristã 99 Vidal, Lux 305, 401
Uruguaia 329 Vídeo
Troia 36, 127, 128, 130 Vídeo-arte 372
Tsé-Tung, Mao 333 Video-instalação 299
Tucídides 283 Vietnã 218, 367
Tucker, Márcia 236, 243 Villegaignon, Nicolau Durand 227
Tunga 30 Virgílio 126, 127, 128
Turner, Victor 117, 124, 419 Virilio, Paul 107
Turquia 179, 180, 227 Vitória de Samotrácia 258, 399
Vitruvius, Marcus 24
U Voegelin, Eric 111, 419
Vogler, Alexandre
Uccello, Paolo Fé em Deus/ Fé em Diabo 385
Natividade 77 Fumacê do descarrego 385
O dilúvio universal 77 Tridente NI 385
Ulay, Uwe Laysiepen (dito o) 300 Vollard, Ambroise 258, 259, 312, 319, 
Umbanda 67, 118 420
Urbanismo 13 Volpi, Alfredo 67
Uruguai 277, 329
[ 444 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Voltaire, François-Marie Arouet Zampieri, Domenico (ou Domenichino)


(dito o) 175, 176 245, 251
Vostell, Wolf 365 Zanini, Walter 209, 210
Voutier, Olivier 178 Zeuxis 311
Voyeurismo 146, 147, 335 Žižek, Slavoj 171
Vuillard, Jean-Édouard 189 Zola, Émile 53, 54, 311
Zuccaro, Federico 311
W Zumbi 384, 387, 407
Warhol, Andy
Bike boy 293
Blow job 293, 299
Brillo boxes 373
Haircut 293
Mario Banana I e II 293
My hustler 293
Screen test 293
Time capsules 29, 331
Vinyl 293
Warr, Tracey 295
Watkins, Carleton
Cape Horn near Celilo, Oregon 156
Weffort, Francisco 220, 243, 420
Weibel, P. 107, 278
Weigel, Sigrid 97, 107
Weissmann, Franz 63
Weiwei, Ai
Farytale 197
Wen, Chouo 69
Wenders, Wim 45
Wenger, Susanne 386
Willsdon, Dominic 110, 414
Wilson, David 267, 268
Wilson, Fred 238
Winckelmann, Johann Joachim 176, 
266
Wölfflin, Heinrich 80, 176, 246
Wollheim, Richard 323, 324

X
Xiismo 101
Xintô 21

Y
Yu-Chin, Tseng
Who’s listening n. 5 197

Z
Zaidi, Muntazer al 336
Sobre os autores

Alexandre Santos
Doutor em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS, 2006). Docente do curso de graduação e do Programa de Pós-
Graduação em Artes Visuais da UFRGS. Desenvolve pesquisas nas áreas de arte
contemporânea, história da fotografia, arte e gênero na contemporaneidade.

Ana Magalhães
Doutora em Artes pela Universidade de São Paulo (USP, 2000). Professora da
Divisão de Pesquisa em Arte, Teoria e Crítica do Museu de Arte Contemporânea
da USP. Desenvolve pesquisas nas áreas de acervos estrangeiros no Brasil,
fotografia contemporânea e arte moderna.

André L. Tavares Pereira


Doutor em História e em Artes pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp, 2006 e 2009, respectivamente). Professor do curso de história da
arte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Desenvolve pesquisas
nas áreas de história do Brasil colônia e de história da arte, da música e da
literatura coloniais.

Claudia Valladão de Mattos


Doutora em História da Arte pela Universidade Livre de Berlim (1996). Pós-
doutora pelo Courtauld Institute de Londres (2001). Professora do Instituto
de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colaboradora no
Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da mesma universidade. Desenvolve pesquisas nas áreas de história da
arte do século XVIII, Winckelmann, arte do século XIX no Brasil, arte moderna
brasileira, Lasar Segall, vanguardas europeias e expressionismo alemão.
[ 446 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Cezar Bartholomeu
Doutor em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ,
2008), com PDEE realizado na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais
EHESS Paris, França. Professor da Escola de Belas Artes da UFRJ. Artista
e pesquisador, desenvolve estudos prioritariamente no campo das imagens
técnicas, com destaque para os temas: fotografia, arte contemporânea, arte
conceitual, estética, teoria da imagem e teoria da arte, em particular as teorias
e a história da fotografia.

Dária Jaremtchuk
Doutora em Artes pela Universidade de São Paulo (USP, 2004). Professora
de história das artes da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da mesma universidade.
Desenvolve pesquisas na área de história da arte, atuando principalmente
nos seguintes temas: arte contemporânea, arte conceitual e arte brasileira
contemporânea.

Elisa de Souza Martínez


Doutora em Intersemiose na Literatura e nas Artes pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP, 2002). Professora do Instituto de Arte e do
Programa de Pós-Graduação em Arte da Universidade de Brasília (UnB). Seu
trabalho de pesquisa se desenvolve a partir dos temas: curadoria e história
da arte, relação entre arte e técnica na modernidade, discursos utópicos da
modernidade, processos de significação na arte contemporânea, semiótica visual
e semiótica dos espaços de exposição.

Fernando José Pereira


Doutor em Belas Artes pela Faculdade de Belas Artes de Pontevedra,
Universidade de Vigo, Espanha (2002). Atua como pesquisador do Centro de
Estudos de Comunicação e Linguagem da Universidade Nova de Lisboa e como
professor auxiliar na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Tem
desenvolvido estudos interdisciplinares sobre as relações entre arte e tecnologia.

Guilherme Bueno
Doutor em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ,
2005). Diretor do Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC).
Desenvolve pesquisas a partir dos temas: arte contemporânea no Brasil, arte
contemporânea, arte moderna, historiografia e arte moderna, teorias da arte e
formalismo.
Sobre os autores [ 447 ]

Jens Baumgarten
Doutor em História da Arte pela Universidade de Hamburgo (2002), com
pós-doutoramento pela Universidade Nacional Autônoma do México (2003),
pela Universidade de Dresden (2003), pela Universidade da Basileia (2004)
e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, 2005). Professor da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Desenvolve pesquisas em história
da arte e cultura visual, com destaque para a arte no Brasil colonial.

Luiz Claudio da Costa


Doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ,
1999), com curto período de pesquisa na Universidade de Nova Iorque (1999).
Professor da graduação e do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Desenvolve pesquisas na área
de arte contemporânea, investigando problemas como o tempo, a memória, os
dispositivos, as práticas de apropriação e arquivamento e as diferentes tecnologias
de reprodução e registro de imagens e som nas artes visuais.

Marcelo Campos
Doutor em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ,
2005). Professor dos cursos de graduação (artes visuais – bacharelado e
licenciatura; história da arte – bacharelado) em Artes do Instituto de Artes
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Desenvolve pesquisas
a partir dos temas: arte contemporânea, arte no Brasil, antropologia da arte,
hibridismos culturais, história e teoria da arte e curadoria.

Maria Berbara
Doutora em História da Arte pela Universidade de Hamburgo (1998), com pós-
doutoramento pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo (USP, 2004) e pela Universidade de Leiden, Holanda (2007). Professora
dos cursos de graduação (artes visuais – bacharelado e licenciatura; história da
arte – bacharelado) e do Programa de Pós-Graduação em Artes do Instituto de
Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Desenvolve pesquisas
na área de Renascimento italiano e ibérico e tradição clássica.

Maria Eurydice de Barros Ribeiro


Doutora em História pela Universidade de Paris X – Nanterre, França
(1990), com diploma de estudos aprofundados (DEA) em Civilizações do
Ocidente Medieval pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, Paris
(1989). Professora de história medieval no curso de graduação em história da
[ 448 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Universidade de Brasília (UnB) e integra a linha de pesquisa Teoria e História


da Arte do Programa de Pós-Graduação em Artes da mesma universidade.
Desenvolve pesquisas nas áreas de história e história da arte, com destaque
para o problema do retorno de determinados temas na arte e para o estudo do
espaço na Idade Média.

Maria de Fátima Morethy Couto


Doutora em História da Arte e Arqueologia pela Universidade de Paris I
– Pantheon, Sorbonne, França (1999). Professora do Instituto de Artes da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Desenvolve pesquisas na área
de fundamentos teóricos e críticos das artes, com estudos sobre os temas: crítica
de arte, arte francesa do final do século XIX, arte moderna e contemporânea,
arte de vanguarda, concretismo e neoconcretismo, pintura informal.

Paulo Knauss
Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF, 1998), com
pós-doutoramento pela Universidade de Estrasburgo, França (2006). Professor
do Departamento de História e do Laboratório de História Oral e Imagem da
UFF. Desenvolve pesquisas na área de história sobre as relações entre memória
e patrimônio cultural, explorando os campos da história da arte, história da
imagem, história oral, história urbana e historiografia.

Rafael Cardoso
Doutor em História da Arte pelo Courtauld Institute of Art, Universidade de
Londres (1995). Escritor e historiador da arte, atua como professor visitante
da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ) e do Programa de Pós-Graduação em Artes do Instituto
de Artes da mesma universidade. Desenvolve pesquisas na área de história da
arte e do design, com destaque para os temas: memória gráfica brasileira, artes
gráficas e visuais na modernidade brasileira e história do design no Brasil.

Ricardo Basbaum
Doutor em Artes pela Universidade de São Paulo (USP, 2008). Artista e
pesquisador, atua como professor dos cursos de graduação (artes visuais –
bacharelado e licenciatura; história da arte – bacharelado) e do Programa de
Pós-Graduação em Artes do Instituto de Artes da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ). Desenvolve pesquisas na área de artes visuais, com
ênfase em produção e crítica da arte contemporânea.
Sobre os autores [ 449 ]

Roberto Conduru
Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF, 2000).
Professor dos cursos de graduação (artes visuais – bacharelado e licenciatura;
história da arte – bacharelado) e do Programa de Pós-Graduação em Artes
do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
bem como do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de
Educação da mesma universidade. Desenvolve pesquisas na área de história da
arte, com destaque para os seguintes temas: arte, cultura e afrodescendência no
Brasil; arte no Brasil; arte moderna e contemporânea; e arquitetura moderna
e contemporânea.

Roberto Corrêa dos Santos


Doutor em Semiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ,
1983), com pós-doutoramento pelo Núcleo de Estudos da Subjetividade
Contemporânea da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP, 2010). Professor dos cursos de graduação (artes visuais – bacharelado e
licenciatura; história da arte – bacharelado) e do Programa de Pós-Graduação
em Artes do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Desenvolve pesquisas nas áreas de teoria e filosofia da arte, estética,
processos artísticos contemporâneos e arte e escritura expandidas.

Sheila Cabo Geraldo


Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF, 2001), com
pós-doutoramento pela Universidade Complutense de Madri (2008). Professora
dos cursos de graduação (artes visuais – bacharelado e licenciatura; história da
arte – bacharelado) e do Programa de Pós-Graduação em Artes do Instituto
de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Desenvolve
pesquisas na área de história e crítica da arte, atuando principalmente nos
seguintes temas: arte e política e arte moderna e contemporânea no Brasil.

Sonia Gomes Pereira


Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ, 1992), com pós-doutoramento pelo Laboratório do Patrimônio
Francês, Paris (CNRS, 2000). Professora titular da graduação e do Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ. Desenvolve
pesquisas na área de história da arte, com destaque para os temas: arte brasileira
do século XIX, academia, ensino artístico, cidade e urbanismo.
[ 450 ] História da ARTE – ensaios CONTEMPORÂNEos0

Stefania Caliandro
Doutora em Ciências da Linguagem: Arte e Literaturas, pela Escola de Altos
Estudos em Ciências Sociais, Paris (1999), com pós-doutoramento pela
Universidade de Aarhus, Dinamarca (1999), pela Universidade Católica
de Leuven, Bélgica (2003) e pela Universidade de Friburgo, Suíça (2007).
Colaboradora no Departamento de História e Conservação do Patrimônio
Artístico e Arqueológico da Universidade de Roma. Desenvolve pesquisas na
área de arte e semiótica estética, com destaque para os temas: teoria da arte,
arte contemporânea, metadiscurso crítico, fruição e percepção estética, sentido
e mediação cultural e espacialidade da arte.

Vera Beatriz Siqueira


Doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ, 1999). Professora dos cursos de graduação (artes visuais – bacharelado
e licenciatura; história da arte – bacharelado) e do Programa de Pós-Graduação
em Artes do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Desenvolve pesquisas na área de história e crítica da arte, com destaque
para os temas: arte moderna e contemporânea, arte moderna e contemporânea
no Brasil, historiografia da arte, arte e instituições artísticas.

Viviane Matesco
Doutora em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ,
2008). Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Desenvolve
pesquisas em história e crítica da arte, com destaque para os temas: a questão
do corpo na arte e arte moderna e contemporânea brasileira.
Formato 18 x 26
Tipologia: GoudyOlSt BT (texto) Humanst521 BT (títulos)
Papel: Couchê Matte 90g/m2 (miolo)
Supremo 250 g/m2 (capa)
CTP, impressão e acabamento: Editora Vozes

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