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COMPREENSÃO LEITORA E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS MATEMÁTICOS

KÁTIA LEAL REIS DE MELO (UFPE), JULIANA SIMPLÍCIO DE MELO.

Resumo
Este trabalho busca investigar a relação entre compreensão leitora e resolução de
problemas matemáticos, focando a leitura como instrumento para outras
aprendizagens. As pesquisas das últimas décadas têm evidenciado que muitas das
dificuldades dos alunos, ao longo da escolaridade, são provenientes do fato de que
muitos não compreendem o que leem. Sabendo que é papel do professor criar
oportunidades que permitam o desenvolvimento de processos cognitivos que levem
à compreensão leitora, destaca–se a importância do mesmo perceber no problema
de matemática um gênero textual a ser abordado tanto nas aulas de língua
portuguesa, como nas de matemática, já que a capacidade de entender e produzir
textos são fundamentais em qualquer disciplina. Com a intenção de verificar se os
alunos que têm boa compreensão leitora têm melhor desempenho na resolução de
problemas matemáticos, foram realizadas, individualmente, com alunos do 1º ano
do 2º ciclo do ensino fundamental atividades de compreensão leitora de um texto
do gênero “história“ e após estas atividades foi proposto que resolvessem
problemas matemáticos. Enquanto resolviam os problemas, foi feita a observação
para identificar possíveis estratégias que os alunos viessem a utilizar para construir
sua compreensão. Após a resolução de cada problema, era solicitado que
“narrassem/explicassem“ como tinham chegado àquela solução. Os dados desta
pesquisa apontam para uma relação entre o desempenho nas atividades de
resolução de problemas e de compreensão leitora, caracterizada pelo fato de que os
alunos que apresentaram melhor compreensão leitora também tiveram melhor
desempenho tanto na compreensão dos enunciados como na resolução dos
problemas matemáticos. Levando em conta os dados trazidos por este trabalho,
constata–se a necessidade de se investir em práticas de letura que trabalhem com
a leitura e compreensão do gênero textual “problemas matemáticos“, bem como o
ensino de estratégias que ajudem os alunos na compreensão deste e de outros
gêneros textuais.

Palavras-chave:
compreensão leitora, resolução de problemas matemáticos, interdisciplinaridade.

Segundo Cagliari (1989), a maior parte das dificuldades que os alunos


encontram ao longo dos anos de estudo é proveniente dos problemas de leitura.
Isto fica evidenciado nos dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica (SAEB) de 2001, realizado com crianças de 4ª série, onde 58,9% dos que
fizeram a prova só são capazes de ler frases simples e 95% não compreende o que
lê (FRUET, 2003). Estes problemas com a leitura afetam o indivíduo tanto na
construção de sua cidadania já que esta depende, também, das habilidades do
sujeito de ler e compreender as diversas informações disponíveis no seu meio
social, como também na sua vida escolar dificultando o acesso e a compreensão do
conhecimento de outras áreas (história, geografia, matemática etc.)

Fruet (2003) ressalta que, algumas vezes, o aluno não resolve problemas
de matemática não porque não saiba matemática, e sim porque não sabe ler ou
não consegue compreender o enunciado do problema, fato este que dificulta a
escolha dos procedimentos adequados para a resolução do problema. Cabe, então,
um questionamento: quem deve se ocupar de ajudá-lo no desenvolvimento de
compreensão leitora na resolução de problemas matemáticos?
Essa é uma questão difícil de responder considerando que os professores
de português acreditam que trabalhar com problemas de matemática é
responsabilidade dos professores de matemática, e segundo estes ler e
compreender um texto é problema para o professor de português. Quando um
mesmo professor é responsável pelas duas áreas, esse também enfrenta conflito
em abordar essa questão nas aulas de português ou nas de matemática.

Levando em conta a dificuldade dos alunos com a leitura e sabendo que


é papel do professor, nesse contexto, criar oportunidades que permitam o
desenvolvimento de processos que levem à compreensão evidencia-se a
importância deste trabalho no sentido de que o professor possa perceber no
problema de matemática um gênero textual a ser abordado tanto nas aulas de
português, nas suas atividades de leitura de diferentes gêneros textuais, quanto
nas aulas de matemática, nos momentos de reflexão dos seus textos específicos, já
que a capacidade de entender e produzir textos é fundamental em qualquer
disciplina intensificando, dessa forma, a importância do papel da leitura como
instrumento de aquisição de outras aprendizagens. Assim sendo, esse trabalho
buscou verificar a relação entre compreensão leitora e resolução de problemas
matemáticos, focando a leitura como instrumento para outras aprendizagens
Para alguns autores, que têm uma compreensão de língua como uma
atividade social, histórica e cognitiva e a tratam em seus aspectos discursivos e
enunciativos, ler é:
"Um processo de interação entre o leitor e o texto; neste processo tenta-
se satisfazer [obter uma informação pertinente para]os objetivos que guiam a sua
leitura." (SOLÉ, 1998:22)
"Ler é atribuir diretamente um sentido a algo escrito... É questionar algo
escrito como tal a partir de uma expectativa real numa verdadeira situação de
vida." (JOLIBERT, 1994:15)
Dessa forma, a perspectiva de leitura adotada por estes autores é a
interativa, na qual se pressupõe que, para ler, é necessário dominar as habilidades
de decodificação e aprender as distintas estratégias que levam a compreensão.
Também se supõe "que o leitor seja um processador ativo do texto, e que a leitura
seja um processo constante de emissão e verificação de hipóteses que levam a
construção da compreensão do texto e do controle desta compreensão." (SOLÉ,
1998:24)
Compartilhando com o pensamento desses autores que deixam claro que ler
não é apenas decodificar, mas é preciso interagir com o texto atribuindo-lhe
sentido, é importante contrapor a idéia fixa e já formulada de que para resolver
problemas matemáticos basta a memorização de regras e técnicas de cálculo,
acrescentando-lhe a idéia de que é necessário que se interprete corretamente o
enunciado, ou seja, é indispensável a compreensão do problema.

Os estudos realizados sobre as práticas de leitura, a partir da década de


1970, mostram que ter o domínio sobre o código escrito estabelecendo a relação
entre grafema e fonema não se constituiu como um fator suficiente para formação
de um leitor autônomo. Dentro desse contexto, a compreensão assume um papel
privilegiado no processo de aprendizagem da leitura, implicando em uma atividade
mais complexa, com diversos procedimentos que se constituem como os
condutores para uma verdadeira compreensão leitora.

Na perspectiva interacionista de leitura, que é a adotada neste trabalho, o


texto assume um papel significativo no momento da aprendizagem. O texto é visto
como portador de sentidos e a compreensão é realizada no momento em que o
leitor consegue atribuir sentido ao texto.

Solé (1998) destaca alguns aspectos que conduzem a este processo de


compreensão: o leitor é caracterizado como um sujeito ativo que se utiliza das
informações textuais, de seu conhecimento prévio para abordar a leitura, dos seus
objetivos e da motivação referente a essa leitura, que através de um grande
esforço mental processa e atribui significados ao texto. De acordo com a autora
para compreender um texto é necessário haver uma comunicação entre o conteúdo
do texto e a história de vida do leitor, pois é impossível compreender algo
totalmente estranho ao seu conceito de mundo. Nessa relação de mão dupla, novos
conhecimentos são ativados fornecendo pistas, informações que ajudam o leitor a
estabelecer relações que o levam a compreender um texto.

Complementando este processo, os objetivos, a intencionalidade e a


motivação são vistos também como elementos indispensáveis ao ato de
compreender. São os objetivos que vão delineando a nossa maneira de ler, a
nossa ação motivadora sobre o que estamos lendo, o nosso interesse, como
também o grau de aceitação em relação aos nossos próprios sentimentos de não-
compreensão do texto.

Certamente a compreensão estará comprometida se o conteúdo do texto


não despertar o interesse do leitor, seja porque não tem conhecimentos prévios
suficientes para articular com o texto ou porque o texto apresenta uma estrutura
complexa. Segundo Smole e Diniz (2001):

Compreender um texto é uma tarefa difícil, que envolve


interpretação, decodificação, análise, síntese, seleção, antecipação
e autocorreção. Quanto maior a compreensão do texto, mais o leitor
poderá aprender a partir do que lê. Se há uma intenção de que o
aluno aprenda através da leitura, não basta simplesmente pedir para
que leia, nem é suficiente relegar a leitura às aulas de língua
materna; torna-se imprescindível que todas as áreas do
conhecimento tomem para si a tarefa de formar o leitor. (p.70)

É consenso entre alguns autores (KLEIMAN,1998; SMOLE e DINIZ,2001 e


outros) que para formar este leitor competente, entre outros aspectos, é essencial
uma prática constante de leitura organizada, em torno da diversidade de textos que
circulam socialmente, além de ensinar-lhes estratégias que os ajudem a extrair o
máximo do texto. Então, o ensino de estratégias reside exatamente na condição de
exercerem ações independentes que podem ser transferidas e utilizadas em
múltiplas e variadas situações como antes, durante e depois da leitura nas quais
alunos e professores deverão fazer uso destas, nas diversas modalidades de
leitura: leituras orais, individuais, silenciosas e compartilhadas para a aquisição da
autonomia.

Destaca-se assim, a importância das atividades de leitura contemplarem


uma diversidade de gêneros textuais, procurando desenvolver um trabalho
interdisciplinar enfocando assuntos pertinentes a outras áreas do conhecimento,
como também as atividades de leituras devem ser priorizadas nas outras áreas do
conhecimento, dando ênfase ao texto como portador de sentidos, tendo em vista
que a dificuldade que os alunos apresentam em ler e compreender problemas de
matemática está relacionada, entre outros aspectos, ao fato de não haver um
trabalho mais aprimorado em sala de aula que privilegie a compreensão do texto
"problema matemático".

Percebe-se então, que a construção da autonomia diante da leitura é


uma habilidade complexa e, portanto, é de responsabilidade dos professores de
todas as áreas de ensino, já que cada área tem textos com características
específicas (FERRARI, 2005). E quanto mais cedo a criança conviver com esses
textos mais autonomia terá na sua leitura.
Se, como diz Solé (1998), a compreensão do que se lê, quando já se tem
uma razoável habilidade de decodificação, é produto de três condições _ a clareza e
a coerência do texto, o grau de conhecimentos prévios do leitor sobre o conteúdo
do texto lido e as estratégias que o leitor utiliza para intensificar a compreensão_
então as estratégias de compreensão leitora precisam e devem ser objeto de
ensino. As estratégias de compreensão leitora são necessárias para aprender a
partir do que se lê. Elas dotam os alunos de recursos necessários para aprender a
aprender e os capacitam a controlarem a própria compreensão, a estabelecerem
relação entre o que se lê e o que se sabe, a estabelecerem generalizações, dentre
outras ações. Formar um leitor competente requer que as atividades de leitura
considerem como condições para uma compreensão leitora não só o domínio da
habilidade de decodificação,mas também que os conhecimentos prévios sejam
ativados e que os objetivos de leituras estejam bem definidos.
Para tanto, como já foi dito, é preciso que as crianças se deparem com
os mais diferentes gêneros textuais que circulam socialmente, bem como com os
textos escolares específicos de cada área, para que sejam bem sucedidos em sua
vida diária, pois são os textos "que favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o
exercício de formas de pensamento mais elaborada e abstrata, os mais vitais para a
plena participação na sociedade letrada".(BRASIL, 1997:30)
Levando em conta que para formarmos bons leitores é indispensável o
contato destes com diferentes textos, é essencial que dentro do trabalho com a
diversidade textual haja uma preocupação em garantir o contato e o sucesso dos
alunos frente aos problemas matemáticos. Apesar de se caracterizar como um
gênero textual escolar, em sua vida diária os sujeitos se deparam com inúmeras
situações que remetem a este tipo de problema sendo, assim, o sucesso frente a
estas situações um elemento fundamental para o exercício da cidadania. Os
problemas matemáticos são caracterizados como "qualquer situação que exija a
maneira matemática de pensar e conhecimentos matemáticos de solucioná-la".
(DANTE, 2003:10). A resolução desse tipo de problema é muito estudada e
pesquisada devido a sua importância no ensino da matemática e sua utilidade
prática. Para Haltfield (apud, DANTE, 2003):
Aprender a resolver problemas matemáticos deve ser o maior objetivo da instrução
matemática. Certamente outros objetivos da matemática devem ser procurados,
mesmo para atingir o objetivo da competência da resolução de problemas.
Desenvolver conceitos, princípios, algoritmos através de um conhecimento
significativo e habilidoso é importante. Mas o significado principal de aprender tais
conteúdos é ser capaz de usá-los na construção das soluções das situações-
problema. (p. 8).
Apesar de ser um tema muito pesquisado, a resolução de problemas
matemáticos é uma barreira que a maioria dos alunos enfrenta no aprendizado da
matemática, em função da dificuldade em identificar a operação que deve ser
utilizada para a sua resolução. Porém, vários autores que tratam da resolução de
problemas, como Polya (citado em DANTE, 2003) e Carraher (Citada em VALLE,
1999), trazem em comum como habilidade principal para resolução de problema a
compreensão, pois apresentam para resolução de um problema as seguintes
etapas:
- Compreender o problema
- Elaborar um plano de ação
- Executar este plano
- Fazer uma verificação ou retrospecto.
Ao resolver um problema matemático, antes de fazer as "contas", é
preciso interpretar, entender o que será preciso calcular e, sendo assim, pode-se
dizer que a dificuldade em resolver problemas matemáticos não é uma dificuldade
da disciplina de matemática e sim uma dificuldade interdisciplinar, voltada para o
hábito, a prática e a compreensão da leitura.
Outros autores detalham melhor as etapas a serem seguidas para a
resolução de um problema matemático, destacando ainda mais a importância da
leitura e da compreensão neste tipo de atividade:
- Leitura geral: deve-se ler atentamente o problema, somente a leitura.
- Segunda leitura: ler com mais atenção retirando os dados considerados
importantes para a resolução e identificar a pergunta que o problema propõe.
- Identificar as operações: após separar os dados e identificar a pergunta que o
problema propõe, deve-se identificar com irá achar a resposta, ou melhor, que
operação(ões) irá realizar para solucionar o problema.
- Realizar as operações.
- Verificar o resultado: volta-se ao problema para verificar se o resultado
encontrado satisfaz a situação-problema.
Sabendo que para compreender um problema matemático o sujeito lança
mão de diversas estratégias: estabelecer relações; representar simbolicamente o
problema; fazer conjecturas; analisar o problema procurando justificativas lógicas
para sua solução fica, assim, evidente que o trabalho de ensino de estratégias de
compreensão leitora é importante tanto para a aprendizagem da língua materna
quanto na aprendizagem da matemática.

Embora os problemas matemáticos apresentem linguagem própria, a sua


compreensão requer procedimentos similares aos dos textos específicos da área de
língua portuguesa. Por isso é importante que os problemas matemáticos sejam
objeto de ensino e reflexão, tanto nas aulas de língua materna quanto nas de
matemática, nas quais os professores, utilizando diferentes estratégias de ensino
podem abordar a estrutura deste gênero textual, os conceitos que estão envolvidos
no problema, os termos específicos do problema, além de passar para os alunos a
idéia de que resolver um problema pode ser comparado a vencer um jogo.

Fica clara a importância de se investigar, e é a isso que este trabalho se


propõe, se a dificuldade dos alunos na resolução de problemas matemáticos está,
de fato, relacionada a dificuldade em compreender o enunciado do problema.

METODOLOGIA
Participaram deste estudo alunos do 1º ano do 2º ciclo de uma Escola
Pública, da Rede Municipal do Recife.
Com a intenção de verificar se os alunos que têm boa compreensão da
leitura têm melhor desempenho na resolução de problemas matemáticos, bem
como para saber se estes utilizam estratégias de compreensão na resolução desses
problemas realizou-se, individualmente, com os alunos uma atividade de
compreensão leitora de um texto do gênero história (ANEXO1), que consistia em
responder algumas perguntas envolvendo questões de natureza inferencial e literal
sobre o texto lido (ANEXO2). De posse desses dados, as respostas foram
classificadas com base na categorização proposta por Marcuschi (1996). Para cada
tipo de resposta foi atribuída uma pontuação que variou de 0 a 4 pontos, como
pode ser visto a seguir:

Tipo 1 (incongruentes)- respostas do tipo "não sei" ou que, embora façam sentido
em termos da experiência da criança, não apresentam relação com a história lida. A
pontuação atribuída às respostas incongruentes foi zero;

Tipo 2 (gerais ou parciais)- respostas com nítida relação com a história, mas que
são ou um tanto genéricas, holísticas sem detalhamento, ou incompletas, ainda
que não entrem em contradição com elementos explicitamente afirmados no texto
e, portanto, receberam 1 ponto;
Tipo 3 (literais)- respostas precisas, mas que, por apenas reproduzirem trechos
presentes no texto, receberam 2 pontos;

Tipo 4 (parafrásicas)- respostas que, apesar de também serem consideradas como


literais, envolvem a reformulação da resposta através do uso de palavras e
expressões sinônimas, recebendo 3 pontos;

Tipo 5 (inferenciais)- respostas que, pelo fato de exigirem um nível mais alto de
elaboração, em que a criança além de integrar partes do texto, deve lançar mão do
seu próprio repertório de conhecimentos, indo além do que é oferecido pelo texto
em si para construir uma resposta. Este tipo de resposta recebeu pontuação 4.

Ao final da categorização foi feito o somatório da pontuação de cada


criança. Tomando por base a pontuação obtida nesta tarefa de compreensão leitora
foram constituídos dois grupos com 5 alunos cada um, ou seja, um grupo com os
alunos que conseguiram as 5 (cinco) mais altas pontuações (GA), e o outro com os
que alcançaram as 5 (cinco) mais baixas (GB). Em seguida, para certificação da
compreensão leitora destes alunos, foi realizada uma segunda atividade de
compreensão que consistia em recontar o texto lido. Os recontos foram
classificados de acordo com a categorização elaborada por Brandão e Spinillo
(1998), as quais permitem avaliar a relação entre as informações reproduzidas e as
informações da história original, ajudando a analisar a compreensão dos alunos
sobre o texto lido.

As categorias utilizadas estão descritas a seguir:

Categoria 1- reproduções desconexas de anedotas ou de histórias diferentes


daquela lida, ou narrativas que se restringem à frase inicial ou final da história.
Estão incluídas, nesta categoria, as crianças que dizem não saber ou não lembrar a
história lida.

Categoria 2- reproduções que embora envolvam alguns personagens e certos


eventos existentes em determinados blocos da história lida, acrescentam
informações ausentes no texto original, sendo uma produção diferente do texto
apresentado.

Categoria 3- reproduções fragmentadas, desarticuladas, que se limitam a


reproduzir eventos de alguns blocos da história, sem uma preocupação com a
articulação entre os eventos.

Categoria 4- reproduções globais e com certa articulação, mas incompletas. Há


referência ao problema central e ao desfecho da história. Observam-se omissões e
trocas de informações e a cadeia causal que estrutura a história não é totalmente
reproduzida.

Categoria 5- reprodução completa, em que as idéias centrais são reproduzidas de


maneira articulada. A narrativa segue um eixo, no qual o problema é apresentado e
resolvido, reproduzindo-se os meios para tal.

A opção por estes dois procedimentos metodológicos para analisar a


compreensão dos alunos foi baseada em Brandão e Spinillo (1998). Segundo as
autoras, não é possível supor que um único instrumento revele todos os
mecanismos envolvidos na compreensão e que possa ser considerado como aquele
que melhor retrata essa habilidade de compreensão.
É importante destacar que tanto os recontos como as respostas foram
gravadas, para que a escrita da criança não comprometesse suas respostas e o
entendimento e análise destas.

Após essas atividades de compreensão foi proposto, individualmente, a


cada um dos alunos dos grupos (GA e GB) que resolvessem 4 problemas
matemáticos (ANEXO 3). Logo após resolverem cada problema, solicitava-se que
"narrassem" como tinham chegado àquela solução, ou seja, que caminho tinham
percorrido até chegarem aquele resultado. Esses depoimentos foram gravados e
transcritos.

Para análise das respostas dos alunos acerca do texto lido foi feita a
categorização e somatória dos pontos com base nas categorias propostas por
Marcuschi (1996) e encontrou-se os seguintes dados: a pontuação máxima
alcançada foi 21 pontos e a mínima 2 pontos. A partir dessas pontuações (Máxima
e Mínima) foram formados os dois grupos: um grupo de alunos que alcançaram
uma pontuação entre 21 e 14 pontos, indicativa de uma boa compreensão do texto
lido (GA); e outro grupo, também com cinco alunos, que alcançaram uma
pontuação entre 6 e 2 pontos, que foram classificados como tendo uma má
compreensão (GB).

Na análise dos recontos do texto a partir das categorias elaboradas por


Brandão e Spinillo (1998) verificou-se que as crianças do GA fizeram recontos que
se enquadraram entre as categorias 3 e 5. Já os recontos do GB se enquadraram
entre as categorias 1 e 2. Isso demonstra que os alunos do GA têm uma melhor
compreensão do que lêem, isto é, além de alcançarem uma alta pontuação nas
respostas sobre o texto, conseguiram reproduzir oralmente as idéias centrais dele,
apresentando um aspecto significativo e coerente com o texto lido. Já as crianças
do GB não alcançaram esta mesma compreensão do texto, pois, além da baixa
pontuação, produziram um reconto com informações incompletas ou desconexas.

Comparando os grupos A e B no que se refere à categorização das


respostas dadas sobre o texto, obtivemos os seguintes resultados, como mostra o
gráfico1 (ANEXO 4).

Como se pode observar a maior parte das respostas do GA concentra-se na


categoria 5, ou seja, são respostas inferenciais que exigem do aluno uma maior
elaboração das informações lidas e uma articulação disso com os seus
conhecimentos prévios, indo além do que o texto oferece, como mostra o exemplo
da resposta do aluno (A) à pergunta feita pelo examinador(E):

E- Como era Quipu?

A1-Diferente dos outros habitantes. Igual às pessoas.

De acordo com a análise das respostas pode-se dizer que os alunos do GA


tiveram uma boa compreensão do que leram. Ao contrário do GA, as respostas dos
alunos do GB concentram-se na categoria 1(respostas incongruentes) que não
apresentam relação com a história lida, ou quando dizem "não saber". Segue um
exemplo dessas respostas.

E- Como era Quipu?

A6-Andava com as mãos no chão.


Os alunos deste grupo mostram não ter uma boa compreensão, pois além
de não conseguirem responder essas perguntas que exigem a produção de
inferências, também não conseguem responder perguntas literais, e quando
conseguem é de forma incompleta.

Outro ponto importante com relação às respostas das crianças do GB é que


estas não conseguem elaborar nenhuma resposta parafrásica, ou seja, não
conseguem elaborar respostas que, apesar de serem literais, envolvem a
reformulação das informações lidas com o uso de palavras ou expressões
sinônimas. O que não ocorre no GA, onde encontrou-se 4 respostas deste tipo.

Com relação às respostas literais, que são consideradas as respostas mais


fáceis de serem dadas, pois os alunos estavam com o texto em mãos e poderiam
consultar, observa-se, como pode ser visto no gráfico 1, que os alunos do GB só
deram 2 respostas que se enquadram nesta categoria enquanto que o GA
apresenta 9 respostas.

Após as várias considerações feitas acerca da compreensão desses alunos,


pode-se concluir que esses grupos se diferenciam no que se refere à compreensão
leitora.

No que se refere à resolução de "problemas matemáticos", na qual a


intenção era analisar a compreensão dos alunos do texto problema matemático e
verificar o desempenho na resolução dos mesmos, identificou-se que o GA ,de fato,
conseguiu uma melhor compreensão dos enunciados dos problemas matemáticos
que o GB, como mostra a Tabela 1(ANEXO 5).

Como pode ser visto na tabela 1, dos quatro problemas apresentados, só


dois alunos do GB conseguiram acertar um desses problemas. Isso parece indicar
que os alunos desse grupo não conseguem construir uma compreensão do que
lêem, o que pode ser comprovado nas suas narrativas sobre o caminho percorrido
para chegarem a solução do problema

Já o GA apresentou um melhor desempenho na compreensão dos


problemas: dois alunos conseguiram compreender todos os problemas propostos,
como mostra a Tabela 1. O GA demonstra uma coerência entre as idéias e o
enunciado do problema, como pode ser visto no exemplo abaixo:

E - Como é que você descobriu que é 17 vezes 6?

A3- Porque ele toma em 3 meses 6 banhos e em cada banho ele usa 17 sabonetes.

E - Como é que a gente sabe que são seis banhos? Onde é que tá dizendo?

A3 - Aqui tá dizendo. Ele toma dois banhos em um mês. Ele quer saber em três
meses... Num mês ele toma dois, no outro mais dois e no outro mais dois e deu 6.
(Fragmento da explicação da resolução do problema 3 - ANEXO 3)

Os fragmentos da fala dos alunos deixam mais evidente a dificuldade de


compreensão do grupo GB, pois os alunos que tem boa compreensão leitora(GA),
ao "narrarem" o caminho percorrido até a solução do problema, fazem referência
ao texto problema matemático, mais especificamente aos dados que os problemas
trazem e que são necessários à solução, demonstrando que a leitura que fazem dos
problemas lhes possibilita a compreensão do texto e a escolha dos procedimentos
adequados.
Dessa forma, a leitura cumpre uma de suas funções que é proporcionar a
aprendizagem, como destaca Smole e Diniz : "Em qualquer área do conhecimento,
a leitura deve possibilitar a compreensão de diferentes linguagens, de modo que os
alunos adquiram uma certa autonomia no processo de aprender." (2001:69).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em conta os dados trazidos por este trabalho, constata-se que há


uma necessidade de se investir em práticas de leituras que trabalhem com a leitura
e compreensão de "problemas matemáticos", bem como o ensino de estratégias
que ajudem os alunos na compreensão desse e de outros gêneros textuais.
Sabendo que o texto problema matemático tem a sua especificidade, que requer
uma leitura mais cuidadosa e seleção das informações que são essenciais para
compreensão e resolução, fica claro que esse gênero textual deve ser trabalhado
tanto nas aulas de português como nas de matemática, pois, além de suas
especificidades, os problemas matemáticos estão presentes em diferentes situações
do cotidiano, e se a intenção é formar cidadãos ativos em sua vida social é preciso
favorecer o seu êxito frente essas situações.

Os dados e as análises dessa pesquisa apontam para uma relação entre o


desempenho na resolução de problemas matemáticos e a compreensão leitora,
caracterizada pelo fato de que os alunos que tiveram melhor compreensão leitora
(GA) também tiveram melhor desempenho na resolução de problemas
matemáticos. Contudo, os elementos que determinam e influenciam esta relação
não ficaram totalmente claros, exigindo um maior aprofundamento na investigação
dessa relação. Para tanto, seriam importantes pesquisas com um maior
quantitativo de sujeitos, bem como estudos de intervenção.

Este trabalho também traz uma importante contribuição: para diminuir as


dificuldades que os alunos enfrentam em extrair o significado do texto "problema
matemático" por falta de compreensão do enunciado, esse gênero textual parece
ser um elemento central de uma proposta interdisciplinar. Entendendo que dentro
de uma perspectiva de letramento em que o sujeito deve ser inserido em diferentes
práticas sociais de leitura e que por meio dessas leituras ele seja capaz de
selecionar o que é mais adequado à sua finalidade de leitura, o texto problema
matemático deve ser visto como objeto de estudo e reflexão tantos pelos
professores de língua portuguesa, como pelos professores de matemática.

O trabalho reflexivo de leitura e compreensão de problemas matemáticos é


um passo importante para o combate à alienação, "facilita ao gênero humano a
realização de sua plenitude. Dessa forma, caracteriza-se como sendo uma atividade
de questionamento, conscientização e libertação" (SILVA, 1985:22-23) na medida
em que possibilita aos alunos a reflexão e o êxito em situações de sua vida diária,
escolar ou não, que remetam a problemas matemáticos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, A.C.P. e SPINILLO, A.G. Aspectos gerais e específicos na compreensão


de textos. Psicologia: Reflexão e Crítica. Vol.11. nº 2, 1998, p. 253-272.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:


língua portuguesa. Brasília, 1997.

CAGLIARI, L. C. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione, 1989.


DANTE, L.R. Didática da resolução dos problemas de matemática. 12ª Edição. São
Paulo: Ática, 2003.

FERRARI, M. Variar textos: a melhor receita para formar leitores. Nova Escola. São
Paulo, abril/2005, nº 181, p. 32-33.

FRUET, H. Todos podem compreender. Nova escola. São Paulo, agosto/2003, nº


164, p. 38-39.

JOLIBERT, J. Formando crianças leitoras. Vol. 1. POA: Artes Médicas, 1994.

KLEIMAN, A. Oficina de leitura: aspectos cognitivos da leitura. 6ª Edição. São


Paulo: Pontes, 1998.

MARCUSCHI, L. A. Exercício de compreensão ou copiação nos manuais de ensino da


língua? Em aberto. Brasília, ano 16, nº 69, 1996.
SILVA, E.T. Leitura e realidade brasileira. 2ª Edição. Porto Alegre: Mercado aberto,
1985.

SMOLE, K. S. e DINIZ, M. I. Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas


para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001.

SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6ª edição. POA: Artmed, 1998.

VALLE, V. C. Resolução de problemas de matemática na EJA: Leitura, Interpretação


e Determinação da Operação. UFPE. Recife,1999.
ANEXO 1
(Texto utilizado na atividade de compreensão)
O DESEJO DE QUIPU
Em um planeta distante, muito diferente da terra, moravam seres esquisitos
que andavam com as mãos no chão, tinham os corpos cobertos de penas
coloridas e olhos salientes presos aos pés.
Neste lugar morava Quipu, um habitante que se sentia muito infeliz por ser
diferente dos outros. O seu maior desejo era que todas as pessoas do seu
planeta fossem iguais a ele.
Certo dia, um grupo de crianças construiu uma espaçonave e saiu da Terra em
direção ao planeta Xanci, onde vivia o habitante infeliz. Quando o encontraram,
Quipu ficou muito contente por finalmente conhecer pessoas semelhantes a ele
e decidiu juntar-se ao grupo indo morar na Terra, desistindo de tentar modificar
as pessoas do seu planeta.
ANEXO 2
(Perguntas da atividade de compreensão)
1- Em que planeta morava Quipu?
2- Como eram os habitantes do planeta Xanci?
3- Qual o desejo de Quipu?
4- Como era Quipu?
5- Com quem as crianças se encontraram no planeta Xanci?
6- Por que Quipu desistiu de modificar as pessoas de seu planeta?
7- Como ele viajou para terra?
ANEXO 3
(Problemas matemáticos)
1) Gabriel trabalha vendendo ingressos do campeonato brasileiro de futebol da
série “B”. Veja como foram as últimas vendas:
1º jogo 2º jogo
Santa - 74 ingressos Santa - 62 ingressos
Náutico - 87 ingressos Náutico - 93 ingressos
Agora responda: Em qual jogo Gabriel vendeu mais ingressos?
2) João coleciona figurinhas de futebol. Ele resolveu comprar todas as
figurinhas que faltavam na sua coleção. O álbum para estar completo deve ter
85 figurinhas. Ele já colou 58 figurinhas. Seu irmão deu a ele 12. Quantas
figurinhas ele ainda precisa comprar para completar seu álbum?
3) Dumbo, um elefante equilibrista, é a principal atração do Grande Circo. Por
ser a atração principal, Dumbo precisa estar sempre limpo. Para tomar banho
ele usa 17 sabonetes e 22 esponjas. Dumbo toma banho 2 vezes ao mês.
Quantos sabonetes ele gasta em três meses?
4) Senhor Paulo tem uma Kombi escolar. Ele leva diariamente para casa 21
crianças. Hoje ele só poderá levar 3 crianças de cada vez. Quantas viagens ele
terá que fazer da escola para casa até levar todas as criança?
GRÁFICO 1 – CATEGORIZAÇÃO DAS RESPOSTAS DAS CRIANÇAS
SOBRE O TEXTO LIDO.
25

20

15
Grupo GA
Grupo GB
10

0
Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Tipo 4 Tipo 5
TABELA 1: DESEMPENHO NA COMPREENSÃO E RESOLUÇÃO DOS
PROBLEMAS MATEMÁTICOS
Resolução do Compreensão Resolução do Compreensão
problema do texto problema do texto
problema problema
matemático matemático
GA Erros Acertos Erros Acertos GB Erros Acertos Erros Acertos
A1 2 2 0 4 A6 4 0 4 0
A2 2 2 1 3 A7 3 1 3 1
A3 0 4 0 4 A8 4 0 4 0
A4 1 3 2 2 A9 3 1 3 1
A5 3 1 2 2 A10 4 0 4 0
Total 08 12 5 15 Total 18 2 18 2

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