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1.

Os fundamentos religiosos
da ascese intramundana

Os portadores históricos do p rotestantis m o ascético (no sen-


tido em que a expressão é usada aqui) são essencialm ente de q u a-
tro espécies: l^ ò calvinism o; na for m a que assu miu nas p rincipais
regiões [da Europa ocidental] sob sua d ominação, p articular m en-
te no decorrer do século xvn; 2.jo pietis m oj 3.jo metodisrpo; 4. as
seitas nascidas do m ovim en to ^ nabatista]1 N enh u m desses m ovi-
m entos se achava absolu ta m ente isolado dos outros, e nem m es-
m o era rigorosa sua separação das igrejas protestantes não ascéti-
cas. O m eto dism o só surgiu em meados do século xvni no seio da
Igreja estatal da Inglaterra e, no intento de seus fu n dad ores, não
era para ser u m a nova Igreja, mas sim u m novo desperta m ento do
es p írito ascético d entro da a ntiga, e foi só na se q ü ência de seu
desenvolvimento, notad a m ente ao ser levado para a A mérica, que
ele se separou da Igreja anglicana. O pietism o b roto u de início no
solo do calvinism o na Inglaterra e especialm ente na H olan d a, p er-
m anece u liga do à ortodoxia, passan do por transições im p ercep tí-
veis até que, ao final do século xvn, sob o influxo de Spener fez seu
ingresso no lu teranism o, revisan do para ta nto, m as a penas p ar-

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cialmente, s11d fu n dam entação d ogm atica. Manteve-se com o u m OU de u m a co m b in a çã o d e várias delas. Verem os que m áxim as éti-
m ovim e nto no interior da Igreja, e só a corrente fundada por Zin- Cas m uito p arecid as p o d ia m estar vincula d as a fu n da m entos dog-
zen dorf, con dicionad a p or ecos de influências hussitas e calvinis- m á ticos d iv er g e n tes. [As obras literárias de ap oio, destina d as a
tas que persistiam na fraternida de dos irm ãos morávios ( “hern u- Subsidiar o exe rcício da cu ra de alm as e com certeza influe ntes,
tenses ), foi im pelid a, a contragosto co m o o metodismo, a virar p a rticular m en te] o s co m p ên d ios cas uísticos das diversas confis-
u m a espécie m u ito particular de for m ação sectária.)Qalvinismo e sões, acabara m ta m b é m p o r contagiar-se m utu a m ente no decor-
an abatism o enfrentaram-se ris pidam ente no começo de seu desen- rer do te m p o, d e m o d o q u e neles se enco ntra gran de se melhança,
volvim en to, m as tornara m -se m uito p róxim os um do o u tro no apesar das n o tó ria s diferenças na práxis da con d uta de vida. Quase
seio do m ovim en to batista do final do século xvn, sendo que já no daria para p ensa r, d ia n te disso, que seria m elhor se ignorássem os
in ício d aq u ele m es m o seculo, nas seitas dos indepen dentes na totalm ente os fu n d a m en tos d ogm áticos, e assim ta m bé m a teoria
In glaterra e na Holanda, o trânsito religioso entre um e outro se ética, e nos ativ ésse m os p u ra m ente à práxis m oral, na medida em
fazia de for m a gra d u aliCom o se vê no caso do pietismo, o trâ nsi- que esta ú ltim a p u d er ser registrad a. Mas as coisas não são be m
to para o lu tera nism o ta m be m era grad ual, o mesmo ocorren d o assim . As raízes d o g m á tica s [recip roca m en te diferencia d as] da
entre o calvinism o e a Igreja an glicana, p arente do catolicism o em m oralida de ascé tica, eis a verdade, após lutas terríveis acabaram se
seu ca ráter de exteriorid a d e e n o es pírito de seus adeptos m ais estiolan do. E n t re t a n to, a ancoragem origin al da práxis m oral n es-
con seq ü en tes. Aquele m ovim en to ascético que foi cham ado de ses dogm as d eixo u fo rtes vestígios na ética “não d og m ática s u b-
“p u rita nis m o” no sentido m ais a m plo dessa expressão polivalen- seq ü ente, e é so m e n te o co n h ecim en to daq ueles co n te ú d os das
te ataco u os fu n dam entos do an glicanis m o, na massa de seus fiéis idéias p rim o r d iais q ue vai p er m itir que se co m p reen d a o m od o
e particula r m ente na pessoa de seus pala dinos mais conseqüentes, co m o aquela m o ralid a d e p rática se p ren dia à idéia de u m Outro
m as tam bé m nesse caso os antagonism os so se aguçaram pouco a M u ndo (id éia q u e domin ava, absoluta, as pessoas mais in tern ali-
p ouco, na luta. E m esm o se deixam os de lad o as questões de co ns- zad as d a q u ele t e m p o), sem c u ja es m aga d ora ascen d ência na
tituição e organização que n ão nos in teressam diretamente aqui, época não teria se co ncretiz a d o n en h u m a renovação m oral que
o estado de coisas co m tanto m ais raz ao— se m a ntém tal e qual. influísse seria m en te na p ráxis vital. Porq u e evide nte m e nte não
As d iferenças d og m á ticas, m es m o as m ais im p orta n tes, co m o nos im p orta aq uilo qu e era ensina d o teórica e oficialm ente nos
aquelas concern entes a d o u trin a da p re destin ação e à dou trina da co m p ên d ios p or assim dizer éticos da ép oca3 — p or m ais qu e
ju stificaçao, assu miam u m as as for m as das outras nas m ais varia- tivessem significação p rática por con ta da influência da disciplina
das co m bin ações e já n o início do século xvn im pedia m de m od o eclesiástica, da cu ra de alm as e da p regação — m as a ntes [algo
geral, regra essa não sem exceção, a preservação da u nid ade in ter- totalm en te d ive rso:] r as tre ar [a q u eles] estím ulos p sicológicos
na das co m u nid a d es eclesiais. E acim a de t u d o: o fe n ô m en o da [cria d os pela fé religiosa e pela p rática de u m viver religioso] que
con d uta de vid a m oral, que para nós é im p orta nte, enco n tra-se de davam a d ireção da co n d u ta de vid a e m a n tin h a m o in divíd u o
igual m od o entre os seguidores das m ais diversas d eno m in ações ligad o nela. M as esses estím ulos brotava m , em larga m edid a, da
que b rotara m seja de u m a das qu atro fo ntes m encion a d as acim a p eculiarid a d e das p ró p rias rep resen tações d a fé religiosa. O
h o m e m de en tão andava preocu pado com dogm as a p aren te m e n- vista e nos in d agar m os p orta n to sobre a significação a ser conferi-
te abstratos n u m a medida que, p or sua vez, só se torn a co m p ree n- da a esse d og m a n o que tange a seus efeitos h istó rico-cu lt u r ais,
sível qu an d o identifica mos sua conexão co m interesses religiosos co m certeza essa h á de ser das m ais n otáv eis.7 O K u lt u rka m p f
p ráticos. Inevitável, pois, o desvio p or alg u m as co n sid erações m ovid o p or Oldenbarneveld t acabou em fracasso por causa desse
dogm áticas,4 desvio que ao leitor p ouco afeito à teologia co m ce r- d og m a; a cisão d a Igr eja in glesa to r n o u -se inco n to r n á vel sob
Jaim e 1 pelo fato de a Coroa e o p u ritanis m o n utrirem divergências
teza p arecerá tã o penoso qu anto p recipita d o e s u perficial p od e
ta m bé m d og m á ticas — e ju sta m en te e m relação à d o u trina da
p a recer ao estudioso de teologia. E só po d em os fazê-lo a p resen-
p redestinação — e foi esse dogm a a p rim eira coisa no calvinis m o
ta n d o as idéias religiosas com a consistência lógica de u m “tip o
a ser consid era d a u m perigo pa ra o Esta do e co m batid a pelas a u to-
ideal”, que só raram ente se deixa e nco ntrar na realida de histórica.
rid a d es.8 Os gra n d es sín o d os do século x v ii, sobret u d o os de
Precisam e nte p o r causa da im possibilidade de traçar limites n íti-
D o r d rech t e W est m inster, a p ar de u m se m -n ú m ero de o u tros
d os na realidade histórica, nossa ú nica espera nça ao pesquisar as
sínod os m enores, p useram n o centro de seu trabalho a definição
m ais coeren tes de suas form as é a tin a r co m os seus efeitos m ais
de sua validade can ônica; a in ú m eros heróis da ecclesia m ilitans ele
específicos.
serviu de p orto segu ro [e, no século xvm com o no xix, provocou
‐‐{ a . C A L V I N I S M O f* cism as eclesiais e fornece u palavras de or dem aos gran des su rtos
O calvinism o5foi a fé6e m to r n o da qual se m overa m as g ran- de d es p erta m e n to p rotesta n te]. N ão p o d e m os passar ao largo
des lutas políticas e cultu rais dos séculos xvi e xvii nos países ca pi- desse dogm a, e de saída — já que hoje não dá mais para su p ô-lo
talistas m ais desenvolvid os — os Países Baixos, a In glater ra, a con hecid o de to d a pessoa bem for m a d a— tem os de to m ar co n ta-
Fr ança. E é p or isso que nos ocu p a m os dele e m p rim eiro lugar. to co m seu conte ú d o a u têntico tal co m o consta da Confissão de

Consid erava-se n a época e de m od o geral se considera ain da hoje Westm inster, de 1647, a qual nesse p on to foi sim plesm ente repeti-

a d o u trin a da predes tin ação co m o o m ais ca r acterístico dos da nas profissões de fé dos in depen dentes e dos batistas:9
dogm as do calvinism o. O que tem sido debatid o é se esse dogm a
era o “m ais essencial” da Igreja refor m a da ou se era u m a “ten d ên- Ca pítulo ix (da livre vo n ta d e), nB3 :0 ho m em , p or sua queda
n o esta do de peca do, perdeu p or inteiro to d a a capacid ade de sua
cia”. O ra, juízos sobre a essencialidad e de u m fenô m en o histórico,
vontade para q ualq uer bem espiritual que o leve à salvação. Tanto
ou são juíz os de valor, ou são juízos de fé — nota d a m ente qu an do
que u m h o m em n atural, estan do totalm ente afastado desse be m e
se tem em m ente aq uilo que nele p or si só “tem interesse” ou que
m o rto no peca do, não é capaz, por seu p róp rio esforço, de conver-
p or si só “tem valor” d u ra d ou ro. O u quan d o se tem em m ente sua
significação causal em virtu de de sua influência sobre ou tros p ro- ter-se ou de p re parar-se para tanto.
Ca pítulo ui (d o decreto eter no de De us), na 3:JPor decreto de
cessos históricos: trata-se então de juízos de im p u tação histórica.
Deus, para a m anifestação de Sua glória, alguns h o m e n s j...) são
Mas se partir m os, co m o h á de ocor rer aqui, deste últim o p on to de
pre destin ados (predestin ated) à vid a eter n a, e o u tros p reor d ena-

* Os in te rtít u los entre chaves são u m a idéia de Parsons (1930) p ara facilitar a lei-
dos ( foreordained) à m orte eter n a, n" 5: Aqueles do gênero h u m a-
tu ra deste ca pít ulo. (N . E.) no que estão predestina d os à vida, Deus, antes de lançar o fu n d a-

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m e n to do m u n do, de acord o com Seu desígnio etern o e im utável, dou trina e e m qu ais contextos de idéias da teologia calvinista ela
S u a secreta deliberação e o bel-p razer de Sua vonta de, escolheu-os se insere. Fo r a m p ossíveis dois ca m in hos para chegar até ela. O
em Cristo para Sua eterna glória, p or livre graça e por am or, sem sen tim e n to religioso de red enção é u m fe nôm eno que, precisa-
q u alq u er previsão de fé ou de boas obras, ou de persevera nça n u ma m ente n os m ais ativos e apaixonados dentre os grandes hom ens de
e nou tras, o u qu alq uer outra coisa na criatu ra, co m o con dições ou oração q u e a histó ria do cristia nism o viu nascer desde Agostinho,
ca usas que O movessem a ta nto, e tu do em lou vor da Sua gloriosa está ligad o à sensação certeira de que tu do se deve à eficácia exclu-
graça, n2 7: Aprouve a Deus, segundo o desígnio inson d ável de Sua siva de u m a p otê ncia objetiva, e não, o m ínim o que seja, ao valor
p ró p ria vonta de, pela qual Ele concede ou nega m isericór dia com o pessoal: u m exu bera nte estado interior de ditosa certeza invade as
be m Lhe apraz, deixar de la d o o resto dos ho m ens para a glória de pessoas q u a n d o elas se descarregam do pavoroso espasmo do sen-
Seu poder soberano sobre Suas criaturas, e or dená-los à desonra e tim e n to d e p eca d o, e isso lhes sobrevêm sem a parentem ente
à ira por seus pecados, para louvor de Sua gloriosa ju stiça. nen h u m a m e diação que passe p o r elas e anula qualquer possibili-
Ca pítulo X (da vocação eficaz), n2 1: Todos aqueles que Deus dade de se cogita r que esse inaudito dom da graça possa se dever
p red estino u à vida, e som ente esses, ap rouve-Lhe cha m á-los efi- de algu m m o d o à sua próp ria coo peração ou a seus p róp rios atos
cazm ente (...) p or Sua palavra e Seu es pírito, na h ora ap onta d a e ou às qu alid a des de sua fé e de sua vonta de. Em sua fase de extre-
ap raza d a, retira n d o-lh es o cor ação de p e d ra e d a n d o-lhes u m m a genialida de religiosa, n a qual Lutero esteve à alt ura de escrever
coração de carne; renovan do-lhes a vontade e, p or Sua o nip otê n- sua F reiheit eines Christen m enschen {Liber d ade de u m cristão},
cia, deter m in an d o-os para o que é b o m (...). ta m bé m ele d e m onstrou a mais fir me convicção de que era o “m is-
Ca pítulo v (da Providência), n2 6: Q u a n to aos ho m ens maus terioso d ecreto” de Deus a fonte absoluta m ente ú nica e inexplicá-
e sem fé, a que m Deus, ju sto ju iz que é, cega e en d urece p or seus vel de seu esta do de graça religioso.12 Mais tarde ele não chegou a
peca dos passad os, a esses Ele n ão a penas sonega Sua graça, pela aba n d on ar for m alm ente essa idéia, só que ela deixou de ocu par
qual p oderiam ter sido ilu min a d os em seus intelectos e expa n di- p osiçã o ce n tr al em sua o br a, se n d o relega d a ca da vez m ais ao
dos em seus corações, cativados, m as ta m bém às vezes lhes retira segu ndo plan o q u a nto m ais ele,co m o político eclesiástico respon-
os dons q u e p oss u ía m e os exp õe a o bjeto s que sua cor r u pçã o sável, se via obriga d o a se dobrar h “R ealpolitik”lMe \ an ch th on deli-
tra nsfor m a em ocasião de pecado e, alé m do mais, aba n d on a-os à bera d a m ente evitou incluir essa dou trina “perigosa e obscu ra” na
p ró p ria devassidão, às ten tações do m u n d o e ao p o d e r de Satã: Confissão de A ugsburgo, e para os pais fundad ores da Igreja lu te-
pelo que se dá que eles p ró p rios se en d u rece m , até p o r aq ueles ra na era dog m a assente que a graça pode ser perdida ( am issibilis =
m eios de que se vale Deus para e nternecer a o u tros.10 perdível) e p o d e ser recu perad a co m a h u m ild ade p eniten te e a
co n fia n ça cheia de fé na palavra de Deu s e nos sacra m entos.
“Posso ir para o inferno, m as u m Deus co m o esse ja m ais terá Exatam e nte o co n trário foi o processo em ÇalyioQ,13 com u m sen-
o meu respeito” — eis o célebre juízo de Milton sobre a d ou trina sível a u m en to da sig nificaçã o dessa d o u trin a ao lo n go de suas
da pre destin ação.11 Mas n ão nos interessa aqui u m a valoração, e p olê m icas co m alg u ns a d versários em m atéria de d ogm a. Ple-
sim co m o o dogm a se p ôs historica m e nte. N ão p od em os porém n a m en te desenvolvida ela só se encon tra na terceira edição de sua
nos deter, a n ão ser brevem ente, n a questão de co m o surgiu essa In stit u tio {1543}, m as ela só passa a ocu p ar sua posição central

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[p ostu m a m en te] nos grandes Kulturkämpfen a que buscaram p ôr a m ulher que acha a m oe d a que havia per dido, deu lugar aqui a um
T "T ;!’ dC Dord recht e Westminster. Em Calvino o «decre- Ser transcen dente que escapa a tod a com preensão h u m an a e que,
t u m h o r n U e n ãoé v rv ido {erlebt} com o em Lutero, ele é cogitado desde a eternid a de, p o r decretos de todo insondáveis, fixa o desti-
{erdach t}, e p o r isso cresce em sua significação à m edid a q ue no de cada in divíd uo e dispõe cada detalhe no cosm os.16 U m a vez
au m enta sua coerência conceituai na direção de seu interesse reli- estabelecido que seus decretos são im utáveis, a graça de Deus é tão
gioso focaliza do u nicamente em Deus, não nos seres h u m a n os.“ im per dível p or aq u eles a q uem foi co nced id a co m o inacessível
£âIâ ^ âÍYlQ o, n ão é Deus que existepara os seres humanos^ m as os àq ueles a quem foi recusa da.
e to do acon tecim en to _
Ora, em sua desu manida de p atética, essa d outrina não podia
incluin d o pois a! o fato para ele indubitável de que só u m a p eq u e- ter ou tro efeito sobre o estado de espírito de u ma geração que se
n a parcela dos h u m anos é chamada à be m-aventu rança eterna - ren deu à sua for mid ável coerência, senão este, antes de mais nada: 1
po de ter sentido exclusivamente como um m eio em vista do fim u m se n tim e n to de in a u d ita solidão in terior do in d iv íd u o.17 No ;
que e aa u toglorificaça o da majestade de Deus. Aplicar critérios de assu nto m ais decisivo da vida nos tem pos da Refor m a — a be m -
ju stiça terren a a seus desígnios sobera nos n ão faz sen tid o e é aventu ra nça eterna — o ser h u m ano se via relegado a traçar sozi-
u m a ote n sã a sua m aiestade 15 i ,
i > posto que ele e som ente ele é livre, n ho sua estrada ao encon tro do destino fixado desde to d a a eterni-
ou se,a, nao se submete a nenhuma lei, e seus decretos só nos
dade. N i n ^ u iiiip a d ia aju d l-Jíi Nenh u m pregador: pois som ente
podem ser compreensíveis ou em todo caso conhecidos m med;.
o eleito é capaz de com pree n der spiritualiter {e m espírito} a p ala-
da em que ele achar por bem comunica‐los a „6 s. Apenas a esses vra de Deusl N enh u m sacra m ento: pois os sacra mentos, co m cer-
fragmentos da verdade eterna p o r m o s nos ater; todo 0 resto. _
teza or denados por Deus para o au m ento de sua glória e sendo por
o sem ,do de nosso destino individual ‐ acha‐se envolto em mis‐ co nseg u in te in violáveis, n ão são co n tu d o u m m eio de o b ter a
ter,os obscuros que é impossível e arrogante sondar. Se os répro‐ graça de Deus, lim ita n d o-sea p en as a ser, subjetiva m ente, ex terna
bos quisessem se queixar do que lhes coube como algo imerecido, subsidia (a uxílios externos} da fé. N en h u m a Igreja: pois em bora a
seria com o se os a nim ais se j ~
iais se lam entassem de nao tere m nascido sente nça ex tra ecclesiam n ulla salus im pliq ue co m o sentid o que
seres hum anosj‐ois toda criatura está separada de Deus por um quem se afasta da verd adeira Igreja n u nca m ais po de pertencer aos
abismo intransponível e aos oihos dele não merece senão a morte eleitos de Deus,18 resta o fato de que ta m bém oslfeprobqs’ fazem
eterna a menos queele.paraa glorificação desua majestade, tenha p a rte da Igreja (exter na), m ais que isso, devem fazer p arte dela e
decidido de o u tra form a De nm-, ,
’ m a C01sa apenas sabemos: que u m a s ujeitar-se à sua disciplina, não para através disso chegar à bem -
parte dos seres hum anos está salva, a outra ficará condenada. avent u rança etern a — isso é im possível — , mas p orq u e, p ara a
Supor que m ento humano ou culpa hum ana contribuam para glória de Deus, eles devem ser além do m ais obrigad os pela força a
fixar esse destmo significaria encarar as decisões absolutamente observar os m an d a m entos. E, por fim, nen h u m Deu s: pois m esm o
livres de Deus, fir m a d as desdp o •j j
, _ a eternid a d e, co m o passíveis de C risto só m orre u pelos eleitos,19 aos qu ais Deus havia d ecidid o
alteraçao por obra humana: idéia im p „ssível. Do “ Pai que está no desde a eternidade dedicar sua m or te sacrificial. [Isto: a su pressão
ceu , mostrado pelo Novo T estamento de forma acessivel à com ‐ absolu ta da salvação eclesiástico-sacram en tal (q ue no lu tera nis-
preensão humana, o qual se alegra com o regresso do pecador feito m o de m od o alg u m havia se consu m a d o em todas as suas conse-
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q ü ê n cia s) era o absolu tam ente decisivo em face do catolicis m o. co ntra to d a co nfia nça na aju da e na amiza de dos h o m en s.25 Pro
A q u ele gran de processo histórico-religioso do desencan tam en to fu n da d esco nfia n ça d os amigos, inclusive do am igo m ais p róxi-
d o m u n d o20q u e teve início co m as profecias do ju d aís m o antigo e, m o, é o q ue acon selh a até mesm o o bon d oso Baxter, e Bailey reco-
e m co n ju n to co m o pensam en to cien tífico h elénico, rep u diava m en d a aberta m en te não confiar em ning uém e não confidenciar
co m o s u perstição e sacrilégio todos os meios mágicos dç.b uscâ da a nin g u ém na d a de co m p r o m ete d or: “h o m e m de co nfiança ”, só
salyaçã.o.£Jicon t ro u aqui s ua conclusão. O p u rita n o gen uíno ia ao Deus m e s m oj26 E m nítid o co n tr aste co m o lu ter a nis m o [e em
p o n to de co n d en ar até m es m o todo vestígio de cerim ônias religio- conexão co m esse estado de espírito], jaconfissão a u ricula ^ contra
sas fú nebres e enterrava os seus sem ca nto nem m úsica, só para a q ual o p ró p rio Calvino só tin ha lá suas reservas porq ue havia o
n ã o d a r trela a o a pa recim ento da superstition, isto é, da confiança risco de ser [m al] inter preta d a co m o se fora um sacram ento, nas
em efeitos salvíficos à m a neira m á gico-sacra m ental.21 N ão havia zonas de m aior penetração do calvinis m o desapareceu sem fazer
n e n h u m m eio m ágico, m elh or dizendo, m eio ne n h u m q ue p r o - bar ulho: [m as foi u m acontecim ento do m aior alcance. Prim eiro,
p orcion a sse a graça divina a quem De us houvesse decidid o n egá- co m o sin to m a do tip o de eficácia dessa religiosid ade. E, depois,
la.] E m co n ju n to com a p erem p tória d o u trin a da incon d icio n al co m o fa tor p sicológico de desenvolvim ento de sua atitu de ética. O
distância de Deus e da falta de valor de tu do q u an to não passa de m eio usado para a “ab-reação” periód ica da consciência de culpa
cria tu ra, esse isola m ento ín tim o do ser h u m ano explica a posição afetivam ente carregad a27estava rem ovido. Voltarem os a falar mais
absolu ta m en te negativa do p u ritanis m o perante tod os os ele m en- tarde das conseq üências {de u m acon tecim e nto desses} para a p rá-
tos de or de m sensorial e sen tim en tal na cult ura e na religiosidade xis m oral cotidiana. Palpáveis, entretanto, são os resultados disso
s u bjetiva— pelo fato de serem in úteis à salvação e fo m entarem as para a sit uação religiosa do co nju n to das pessoas.] Se be m que a
ilusões do sentim ento e a su perstição divinizadora da criatu ra — pe rtença à ver d ad eira Igreja fosse u m a con dição necessária in e-
e co m isso fica explica da a recusa em p rincípio de toda cultu ra dos rente à salvação,28 a relação do calvinista co m seu Deus se dava em
sentid os em geral.22 Isso p or u m lado. Por outro lado, ele constitui p rofu n do isola m e nto interiorX)u e m q uiser sentir os efeitos espe-
u m a das raízes d aq uele in divid ualis mo desilu dido e de coloração cíficos29 dessa atm osfera peculiar confira, neste que de longe é o
pessim ista23 co m o o que ain d a h oje percute no “caráter n acio n al” livro m ais lido de to d a a literatu ra p u rita n a, Pilgrim ’s Progress, de
e nas instituições dos povos co m passado p u rita no — em flagra n- Bu nvãnl30 a d escrição do co m p orta m e n to do protagonista C hris-
te co n tr a ste co m as len tes tão o u tr as pelas q u ais m ais ta rd e a tian após to m a r consciência de que se e nco n tra na “cidade da p er-
“Ilu str ação ” veria os seres h u m a n os.24 No p erío d o h istó rico do dição” e ser então sur preen did o por u m cha m a m en to que o co n -
qual nos ocu p a m os, vestígios desse influxo da do u trina da predes- cla m a a sair sem d e m ora em p e reg rin ação à cid a de celestial. A
tin ação se m ostra m co m nitidez em m a nifestações elem entares m ulher e os filhos agarram -se a ele — m as ele, tap an do os ouvidos
ta n to da co n d u ta de vid a q u a n to da co nce p çã o de vid a, ain d a com os dedos, vai em frente grita n do “Vida, vida eter n a!” [ “Life,
quan d o sua vigência co m o dog m a já estivesse em d eclínio: sim , ela eternal life!”] N ão há refin a m en to lite rário capaz de rep ro d u zir
não era senão a for m a m ais ex tre m a da exclu sividade da co nfiança m elhor que a sensibilida de ingên u a desse latoeiro — que se m ete
em Deus, cu ja análise interessa aq ui / lsso se vê, p or exem plo, na a escrever em versos na p risão e colhe o aplauso de u m m u n d o
ad m oestação ta ntas vezes repisad a na literat u ra p u rita na inglesa in teiro [de crentes] — o esta do de espírito do crente p u rita n o que

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n o fu n d o só se ocu p a co nsigo mes m o e só pensa n a p ró p ria salva- p rin d o, de sua p arte, os m an d a m e ntos Delej Mas De us q u er do
ção, co nfor m e se vê pelos diálogos edificantes que no ca m in h o ele cristão u m a obra social porqu e quer que a confor m ação social da
trava co m o u tros peregrinos m ovidos pela m esm a a m bição e que vida se faça co n fo r m e seus m an d a m en tos e seja e n d ireita d a de
le m bra m [m ais o u m enos] os Gerechter K a m m acher de Gottfrie d form a a corres p on der a esse fi m X) trabalho social33 do calvinista
Keller. É só q u an d o já está salvo que lhe ocorre a idéia de que seria n o m u n d o é exclu siva m en te trabalh o in m ajorem Dei gloriam
bo m ter a fa m ília ju n to de si. O m edo da m orte e do além -t ú m ulo {p ara a u m en tar a glória de Deus}. Daí por que o trabalho n um a
que o ator m en ta é o m esm o que se pod e sentir, tão p enetrante, em profissão que está a serviço da vida in tra m u n d ana da coletividade
Afonso de Ligór io na d escrição de D óllin ger— a léguas de distâ n- tam bé m ap resenta esse caráter. N ós vimos já em Lutero a deriva-
cia d o es pírito de org ulh osa intram u n danid ade a que Maquiavel ção da divisão do trabalho em profissões a p artir do “a m or ao p ró-
dá voz q u a n d o faz o elogio daqueles cid adãos floren tinos — em xim o”. Mas aq uilo q u e nele n ão passou do estágio de u m ensaio
lu ta co n tr a o p a p a e o in te r d ito {episcop al} — p ara os q u ais “o ain d a incerto, [de p u ra constr ução ideal], nos calvinistas torn o u-
a m or p or sua cid ad e natal estava acim a do m ed o pela salvação de se p arte ca r acte rís tica de seu sistem a ético. O “a m or ao p r ó xi-
suas alm as” [e, claro, ain da mais distante de sentim en tos co m o os m o”— já que só lhe é p erm itid o servir à glória de D eus34e não à da
qu e Richar d W agner põe n os lábios de Siegm u n d antes do co m ba- criat ura35 — exp ressa-se em prim eiro lugar no cu m p rim e n to da
te m or tal: “Salve W ota n, salve Valhala... Das ás peras delícias do missão v ocacional-profission al im posta pela lex naturae, e nisso ele
Valhala, não m e fales na da, deveras”. Só que p recisa mente os efei- assu me u m caráter peculiar m ente objetivo-im pessoal: trata-se de
tos desse m edo e m Bu nyan e Afonso de Ligório são caracteristica- u m serviço prestado à confor m ação racion al do cos m os social que
m en te b e m diversos: o m es m o m ed o q ue instiga este ú ltim o à nos circu n dai Pois co n for m ar e en direitar em relação a fins esse
h u m ilh ação de si nos lim ites do concebível in cita o p rim eiro a cos m os, que segu ndo a revelação da Bíblia e ta m bé m segu n do a
u m a lu ta se m descanso e sistem ática co m a vida. De on d e vem essa razão n atu ral está m a nifesta m ente talha do a servir à “ u tilidade ’ do
diferença?] gênero h u m ano, p er m item recon hecer co m o o trabalho a serviço
C o m o associar essa ten d ência do in divíd uo a se soltar in te- dessa utilid a de social [im pessoal] pro move a glória de Deus e, p or-
rior m e n te dos laços mais estreitos co m que o m u n d o o abraça à ta nto, por Deus é querid o. [A eliminação total do p roblem a da teo-
inco n testável s u p eriorid a d e do calvinis m o n a orga nização so- dicéia e de to das as in d agações sobre o “sentid o” do m u n do e da
cial,31 à p rim eira vista parece u m enig m a. É que, p or estra n ho que vida, em fu nção das quais o utros se dilaceravam, era para o p u ri-
possa parecer de início, tal su periorid ade é sim ples m ente res ulta- tano algo tão evidente por si só q u a nto o era — p or razões be m
do daquela con otação específica q ue o “am or ao p róxim o” cristão diversas— para o ju deu. E, aliás, ta m bé m para a religiosid a de cris-
deve ter assu mid o sob a pressão do isola m ento in terior do in diví- tã não mística, em certo sentid o. No calvinis m o, ain da u m o utro
d uo exercida pela fé calvinista. [A p rincíp io ela é de fu n d o d og m á- traço atuan d o na m esm a direção co n trib u iu para essa econ o m ia
tico.32] O m u n d o está destinado a isto [e apenas a isto]: a servir à de fo rça s. A cisão entre o “in d ivíd u o” e a “ética” (n o sen tid o de
au toglorificação de De us; o cristão feleito] existe p ara isto [e ape- Sõren Kierkegaard) não se p u nha para o calvinis m o, e m bora em
nas para isto]: para fazer crescer n o in u n d o a gló ria de Deus, c u m - m atéria de religião ele deixasse o in divíd uo entregue a si m esm o.]

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[N ão é este o lu gar de a n a lisa r as razões para isso, co m o tam bé m] u m a significação absolutam ente p rioritá ria,41 e be m assim, on de
n ão ca be analisar aqui a significação desses p on tos de vista para o q uer que a d o u trina da predestin ação vigorasse, não faltou a ques-
r acio n alis m o p olítico e eco n ô m ico do calvinis m o. Aí reside a tão de saber se existia m m arcas certeiras co m base nas quais se
fo n te do ca ráte r u tilitário da ética calvinista, e d aí ig u alm en te p udesse recon hecer qu em p ertencia aos “electi”. Essa questão teve

a d vieram im portantes peculiarid ad es da concepção calvinista de d u rante m uito tem p o u m a significação em certo sentid o central
no desenvolvim ento d o pietismo, m ovim ento que broto u origi-
v ocação p r ofissio n al.36 — M as antes voltem os, m ais u m a vez, à
n alm ente no chão da Igreja reform ada e, em dados m o m e ntos, foi
con sid eração e m especial d a d outrina da predestinação.
u m de seus traços constitu tivos, mas não só isso: se consid erarm os
O ra, o p roblem a p ar a n ós decisivo é antes de tu do: co m o foi
a e n o r m e sig nificação p olítica e social da d o u trin a da ceia do
su portada essa d o u trina37 n u m a época em que o O u tro M u n do era
Sen h or e de sua práxis n a Igreja refor ma da, não poderem os deixar
não só m ais im p orta n te, m as em m uitos aspectos ta m bé m m ais
de falar do papel que d urante tod o o século x v ii, m esm o fora do
seguro do que os interesses da vida neste m u n d o.38 U m a questão
pietism o, a distin guibilidade do estado de graça do in divíd uo teve
im p u n h a-se de im e diato a cad a fiel in d ivid u alm ente e relegava
para a questão, digam os, de ser ad mitid o à santa ceia, ou seja, ao
.. to d o ^ os ou tros interesses a segu ndo pla no:;Serei eu u m dos elei-
ato de culto estratégico do pon to de vista da estim a [ou: posição]
tos? E co m o eu vou poder ter certeza dessa eleição?39 Para Calvino
social dos p articipa ntes.
p essoalm ente, isso não era p roblem a. Ele se sentia u ma “ferra m en- Um a vez posta a questão do estado de graça pessoal, co nte n-
ta” de Deu s e tin h a certeza do seu estado de graçg / Assim sendo, tar-se co m o critério a que Calvino rem etia e que, em p rincípio ao
para a perg u nta de co m o o in divíd uo p oderia certifica r-se de sua m enos, n u nca foi aba n dona d o for m alm ente pela d ou trina o rto-
p ró p ria eleição, n o fu n d o ele tin ha u m a resposta só: que devemos d oxa,42 a saber, o teste m u n h o pessoal da fé perseverante q ue a
nos co nten ta r em to m ar co n hecim e n to do decreto de Deus e p er- graça opera no in divíd uo,43 era no m ínim o im possível. Em p arti-
severar na co nfia nça em C risto op era d a pela verd a deira fé. Ele cular na p rática da cu ra de alm as, que vira e mexe se viu às voltas
r ejeita p o r p rincíp io q u e n os o u tros se p ossa reco n hecer, p elo com os tor m en tos p rovocados pela d o utrina. E se a rranjo u co m o
co m p orta m e nto, se são eleitos o u con denad os, p resu nçosa ten ta- pôde co m essas dificulda des, de diversas m a neiras.44 Com efeito,
tiva de penetrar nos m istérios de Deus. Nesta vid a, os eleitos em na m edid a em q ue a d o utrina da p redestinação não se altera, nem
nad a diferem exter n am ente dos con d en ad os,40 e m esm o todas as se aten ua e ne m é fu n d am entalm e nte aban d on ad a,45 surgem na
experiências subjetivas dos eleitos ta m bém são possíveis nos co n - cu ra de almas dois tipos básicos de aconselham ento, m uito carac-
den ad os — co m o lu dibria spirit us sancti {ardilezas do Es pírito terísticos e m u tu am ente relaciona dos. De u m lado, torn a-se pu ra
Santo} — , a ú nica exceção é a fir m e confiança de quem crê e per- e sim ples m e nte u m dever con siderar-se eleito e rep u dia r to d a e
severa fin aliter {até o fim }. Os eleitos são e p er m anecem , p or ta n- q ualq uer dúvida co m o tentação do diabo,46 pois a falta de con vic-
to, a Igreja invisível de Deus. O u tra, n atu ralm ente, é a p osição dos ção, afinal, resultaria de u m a fé ins uficiente e, p ortan to, de u m a
epígonos — já desde Teo doro de Beza — e m ais ain d a a da am pla atuação ins uficiente da graça. A exortação do apóstolo a “se segu-
ca m ad a do co m u m d os m ortais. Para eles a certitudo salu tis, no r a r” no ch a m a d o recebid o é in ter p reta d a aq ui, p orta n to, co m o
sentid o da distinguibilidade do estad o de graça, haveria de assu mir dever de conq uistar na luta do dia-a-d ia a certeza subjetiva da p ró-

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p ria eleição e ju s tifica çã o .E m l u g a i d o s peca d ores h u m ild es a m arca da m ente realista no plano do dado e m pírico, m as tam bé m
que m Lutero prom ete a graça quando em fé penitente recorrem a m uitas vezes, em conseq üência de sua rejeição das d outrinas dia-
Deus, disciplina m -se dessa form a aqueles “sa ntos” autoco nfia n- léticas, chega a ser p ara este um su porte direto. E in direta m ente a
tes47 co m os quais to parem os outra vez na figu ra dos co m ercia ntes m ística ta m bé m p o d e, por assim dizer, trazer be nefícios à con d u-
p u rita n os da ép oca h eróica do capitalis mo, rijos co m o aço, e em ta de vida racional. É claro, p oré m , que a esse seu m o d o de relação
algu ns exem plares isola d os do presente. E, de ou tro lado, distin- co m o m u n d o falta a valoração positiva d a ativid ad e exter n a.]
g u e-se o trabalho profissio n al sem descanso co m o o m eio m ais Além do mais, no lu tera nism o a unio m ystica se com bin ava com
saliente para se conseguir essa a utoconfiança.48 Ele, e som ente ele, aq uele sentim ento p rofu n do de in dignidade d ecorrente do peca-
dissiparia a d ú vida religiosa e daria a certeza do estado de graça. do o rigin al, que d evia m a n ter o crente lu tera n o na p oe n ite n tia
O ra, que o trabalh o profissional m u n da no fosse tid o co m o q u o tidian a d estin a d a a c u rti-lo na h u m ild a de e sim plicid a d e
ca paz de um feito co m o esse[— que ele pu desse p or assim dizer ser indispensáveis ao perdão dos peca dos. Já a religiosidade es pecífi-
trata d o co m o o m eio apropriado de u ma ab-reação dos afetos de ca da Ig reja refor m a d a, e m co m p en sação, de saíd a se coloco u
a n g ú stia religiosa — ] e nco n tr a sua explicação nas p rofu n d as [co n tr a a fuga q u ietista do m u n d o d efen did a p o r Pascal be m
peculiarid ades da sensibilidade religiosa cultivada na Igreja refor- co m o] co ntra essa form a lu terana de piedade sentim ental volta da
m a da {calvinista}, c uja expressão m ais nítida, em franca op osição p u r a m en te p ara d entro. A p e n etr açã o real do d ivino na alm a
ao lu teranis m o, está n a d o utrina da ju stificação pela fé. N o belo h u m ana estava excluída pela absoluta transcen dência de Deus em
ciclo de palestras de Sch neckenb u rger49 essas diferenças são an ali- relação a tu do o que é criatu ra: fin it u m non estcapax infiniti {o que
sadas objetiva m ente, co m ta manha sutileza e ta m an ha isenção de é finito não é cap az de in finito}. A co m u n h ão en tre Deus e seus
q u alq u er ju ízo de valor, qu e as breves observações qu e vêm a escolhidos e a to m a d a de co nsciência dessa co m u n h ão só podem
seguir vão sim ples m ente retom ar sua exposição. se dar pelo fato de Deus neles agir (operatu r) e eles tom are m co n s-
A suprem a exp eriência religiosa a que aspira a pie da de lu te- ciência disso — pelo fato, p ortan to, de a ação nascer da fé operada
ran a, tal co m o se desenvolveu nota d a m en te no cu rso do século pela graça de Deus e essa fé, p or sua vez, ser legitim ada pela q u ali-
xvii, é a u nio m ystica co m a divin dade.50 C om o já sugere a próp ria dade dessa ação. [Profu n d as diferenças q uanto às con dições deci-
exp ressão, que nesses p recisos ter m os é d esconhecid a da do utrina sivas para a salvação,51 válidas em geral para a classificação de tod a
refor m a da, trata-se de u m sentim ento substancial de Deus: a sen- religiosida de p rática, enco ntra m expressão aqui: o virt u ose reli-
sação de u m a real p e netração do divino na alm a crente, q u alitati- gioso pode certificar-se do seu esta do de graça qu er se sentin d o
vam ente igual aos efeitos da co nte m plação à m aneira dos místicos co m o receptáculo, quer co m o ferra m enta da potê ncia divina. No
alem ães e caracteriza d a p or u m cu n ho de passiv idade orienta d a a p rim eiro caso, sua vida religiosa ten de para a cultu ra m ística do
p reencher a saudade d o repouso em Deus e por u m estado in terior sen tim en to; no segu ndo, p ara a ação ascética. D o p rim eiro ti]j>o
de p u ra dis p onibilid a d e. [O ra, em si m es m a, u m a religiosid ade estava mais perto Lutero; o calvinis m o perte ncia ao segu n d o.][0_
m isticam ente o rie n ta d a— co nfo r m e ensina a história da filosofia _reform a do {o calvinista} ta m bé m q u eria salvar-se solafide. En-
— não só é p erfeita m ente com patível co m u m senso de realidade J r et a n to , dado que já na visão de Calvino os sim ples sentim entos e

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esta d os d e es pírito, por m ais sublim es que possa m parecer, são ção”,62 ou a possessio salu tis é vincula d a a elas.63 O ra, em ter m os
en ga n osos,52 a fé precisa se com provar p o r seus efeitos objetivos a p ráticos isso significa qu e, no fim das contas, Deus aju d a a q uem
fim d e p o d er servir de b ase segura para a certitudo salutis: precisa se aju d a,64 por conseg uinte o calvinista, co m o de vez em qu an do
ser u m a fidesefficax ’3 [e o ch a m ado à salvação, u m effectual calling ta m bém se diz, “cria” ele m esm cf - sua bem -aventu rança eterna —
(ter m o d a Savoy D eclaration )]. Ora, se p erg u n tar m os: e m q u ais em rigor o correto seria dizer: a certeza dela — , m as esse criar não
fru tos o reform a do { o calvinistal é ca p az de recon hecer sem so m - pode consistir, co m o n o catolicism o, n u m acu m ular progressivo
bra de d úvida a ju sta fé, a resposta será: n u m a co n d nção da vida de obras m eritórias isolad as, mas sim n u m a a u to-inspeção siste-
pelo cristão que sirva para au m ento da glória de D eus. E o que leva m ática que a cada instan te enfrenta a alternativa: eleito ou co n de-
a isso é de d uzido de sua divina vonta de direta m ente revelada na nado? Co m isso a tin gim os u m p onto m uito im p ortan te das n os-
Bíblia o u in diretam ente m anifestada nas ordens do m u n do cria- sas considerações.
das seg u n d o fins (lex n at urae).54É possível controla r seu estado de É sabido que do la d o dos lu teranos sem pre foi feita a acusa-
graça co m p aran do em especial seu p ró p rio esta do de alm a com ção de “santificação pelas obras”66 a essa lin ha de pensa m ento que
aquele q u e segundo a Bíblia era p róp rio dos eleitos, dos patriarcas co m crescente nitid ez se foi elabora n do nas igrejas e seitas refor-
p or exe m plo.55 Só quem é eleito possui a ver dadeira fides efficax,56 m a d as.67 E co m carra das de razão — p or ju stifica d o que fosse o
só ele é capaz, p or con ta d o seu ren ascim e nto ( regeneratio) e da protesto dos acusados co n tra o fato de sua posição dogm ática estar
sa ntificação (sanctificatio) da sua vida inteira, de a u m enta r a gló- sen do assimilad a à d o utrin a católica — quan do se pensa nas co n-
ria de Deus por m eio de obras boas realm ente, n ão apenas aparen- seqü ências práticas dessa conce pção para o cotidiano do cristão
te m e n te bo as. E estan d o co n scie n te de que sua co n d u ta — ao m é d io da Ig reja refo rm a d a.68 Pois talvez ja m ais h aja existid o
m enos n o toca nte ao seu caráter fu n d am ental e ao seu p ropósito for m a m ais intensa de valorização religiosa da ação m oral do que
consta n te (proposit u m oboedie n tiae) — se assenta n u m a força que aq uela p rod u zid a pelo calvinism o em seus ade ptos. Para atin a r
nele h abita57 para a m aior glória de Deus, e p orta n to [não é a pe- co m a significaçã o p rática d essa for m a de “san tificaçã o pelas
nas] d eseja d a p o r Deu s, [m as s ob retu d o] operada p o r D e u s,58 obras”, decisivo em p rim eiro lugar é saber reconhecer as qu alida-
alcança ele aquele bem s u p re m o a que aspirava essa religiosida de: des que caracteriza m essa co n d uta de vida para diferenciá-la da
a certeza da graça.59 Q ue ela possa ser alcança da é corrobora d o por vid a cotid ia n a de u m cristão m éd io da Id ade M é dia. Talvez se
2C or 13 ,5.60 E, p orta nto, por absolutam en te incapazes que sejam possa tentar for m ulá-la assim: o católico [leigo nor m al] da Idade
as boas obras de servir co m o m eio de obter a be m -avent u rança M é dia69 vivia, do p onto de vista ético, p or assim dizer “von d er
ete r n a— já que o p ró p rio eleito p er m a nece criat ura, e tu do o que H a n d in der M u n d” {“da m ão para a boca”}. Antes de m ais nada,
ele faz perm anece infinita m ente aq uém das exigências divinas — , cu m p ria co n scie nciosa m e n te os deveres tra d icio n ais. As “boas
não deixa m de ser im prescin díveis co m o sinais da eleição.61 [Elas ob ras” que p or acréscim o ele viesse a fazer p er m anecia m co m o
são o m eio técnico, não de co m p r ar a bem -avent u ra nça m as sim: ações isoladas [q ue não necessaria m ente form ava m u m co nju nto
de perder o me d o de não tê-la.] Nesse sentido, de vez em qu an d o coerente e ta m p o uco era m racionaliza d as na for m a de u m sistem a
elas são d esignad as d ireta m en te co m o “in dis pensáveis à salva- de vida], ações essas que [d epen den do da ocasião] ele executava,

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p o r exem plo, p ara co m p en sar pecados concretos o u, sob influ ên- la das, m as u m a sa n tificação pelas obras erigid a e m siste m a.72
cia d os padres ou então perto do fim da vida, co m o se fosse u m [Nem pensar no vaivém católico e a u tentica m ente h u m ano entre
p r ê m io de seguro. [Claro que a ética católica era ética de “con vic- p eca d o, ar rep en d im ento, pen itê n cia, alívio e, de novo, pecad o,
ç ã o ”. Só que era a in te n tio concreta da ação isolada q ue decidia nem pensar naquela espécie de saldo da vida inteira a ser quitado
so b re seu valor. E a ação isolada— boa ou m á— era la nçad a com o seja por penas tem porais seja p or inter m édio da graça eclesial.] A
cré d ito em favor do seu a utor, influin do no seu destino etern o e práxis ética do co m u m dos m ortais foi assim despida de sua falta
t a m bé m no tem p oral.Basta nte realista, a Igreja {católica} a posta- de plano de co nju n to e sistem aticid ade e convertida n u m m étodo
va q u e o ser h u ma no não era um to d o u nitário e não podia ser ju l- coerente de con d ução da vida co m o um todo. Não foi p or acaso
g a d o de for m a absolu ta m en te in eq uívoca, e sabia que sua vida que o rótulo “m eto distas” colo u naqueles que fora m os p orta d o-
m o r al era (nor m alm e nte) u m co m p orta m en to o mais das vezes res do ú ltim o gran de re d esp ertar de idéias p u ritan as do século
m u ito contraditório, influencia d o por m otivos conflitantes. Claro xviii, da m esm a for m a qu e aos seus antepassa dos espiritu ais do
q u e ela ta m bém exigia d ele, com o ideal, a m u d a nça de vid a em século xvii fora a plicad a, co m plena eq uivalência de sentid o, a
nível de princípios. Mas m esm o essa exigência vin h a m itiga d a d esig nação de “p recisistas”.73 Pois só co m u m a tr a n sfor m açã o
(p ara a média dos fiéis) p o r u m de seus instr u m entos m ais e m i- ra dical do sentido de tod a a vid a, a cada h ora e a cada ação,74 o efei-
n en tes de poder e ed ucação: o sacram ento da confissão, cuja fu n- to da graça podia se com prova r co m o u m arranque do status natu-
çã o estava profu n d am ente ligada à m ais íntim a das peculiarid ades rae ru m o ao status gratiae. A vida do “santo” estava exclusivam en-
d a religiosidade católica. te volta d a p ara u m fim transce n d en te, a be m -aven tu ra nça, mas
O desencanta m ento do m un do: a elim inação da m agiac orno jus tam e n te p or isso ela era racion aliz ada [de pon ta a p onta] em seu
m eio de salvação, 70 n ão foi realizado n a pied a de católica com as percu rso in tra m u n d a no e d o mina d a por u m ponto de vista exclu-
m es m as con seq ü ência s q ue na religiosid a de p u rita n a (e. antes sivo: jjjB i m t a ] ^ £ t ó n a 4e JQ e iisja â Jte r r a — jam ais se levou tão a
dela, som en te na ju d aica)^ O ca tólico71 tin h a à sua dis p osição a sério a sentença om nia in m ajorem D ei gloriam .75 E só u m a vida
graça sacram en tal de sua Igreja co m o m eio de co m p ensar a p r ó- regida pela reflexão consta nte p odia ser considerad a su peração do
p ria insuficiência: o pad re era u m m ago que operava o milagre da status naturalis: foi co m essa reinterp retação ética que os p u rita-
tra ns u bsta nciação e em cujas m ãos estava depositado o p od er das nos co nte m p orâneos delp escartes ad otaram o cogito ergo sum.1('
chaves. Podia-se recorrer a ele em a rre pen dim en to e p enitência, Essa racion alização conferiu à piedade refor m a d a seu traço espe-
que ele m inistrava expiação, esperança da graça, certeza do per dão cifica m en te ascético e co nsolid o u ta n to seu pa rentesco ín tim o77
e dessa for m a ensejava a descarga d aquela tensão enor m e, na qual qu anto seu antagonismo es pecífico com o catolicis m o. [Claro que
era destino inescapável e im placável do calvinista viver. Para este coisas do gênero n ão eram estra nhas ao catolicism o.]
n ão havia co nsolações amigáveis e h u m anas, nem lhe era da do A ascese cristã [sem d úvida abrigou em si, ta nto na m a nifes-
esperar reparar m o m en tos de fraqueza e levian dade co m red obra- tação exterior q uanto no sentido, elem entos extrem am ente varie-
da bo a vonta de em ou tras horas, co m o o católico e ta m bé m o lu te- gados. Mas no Ociden te ela,] carregou, sim , em suas for m as m ais
r a n o .] ^ Deus do calvinism o exigia dos seus, não “boas obras” iso- avançadas através da Idade M édia [e em vários exem plos já na A n-

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tig ü id a d e] um ca ráter racional. Nisso repousa a significação histó- aler ta, co n scie n te, clara, ao co ntrário do que se fala em m uitas das
rico-u n ive rsal da co n d u ta de vida m o n ás tica ocid e n tal em seu Representações p o p ulares, era a.meta; elim ina r a esp on taneid a de
co n tr as te com o m on asticis m o oriental [— não em seu conju n to, d o gozo im p ulsivo da vid a, a missão mais urgente; b otar ordem na
m as em seu tipo geral]. E m p rincípio, já na regra de são Bento, e co n d u ta de vid a de seus seguidores, o m eio m ais im p ortan te da as-
m ais ain d a entre os m onges cluniacenses e [m ais ain da entre] os cese. Tod os esses p o n tos de vista, que são decisivos, encon tram -se
ciste rcien ses e, fin alm ente, da for m a m ais p erem p tória, entre os esta m pad os nas regras d o m onasticis m o católico84 tan to qu anto
jes u ítas, ela se e m ancip ara seja da fuga do m u n do desprovida de nos p rincípios de co n d u ta de vid a dos calvinistas.85 Nessa abor d a-
pla no de conju nto, seja da virtu osística tort ura de si. Tornara-se gem m etó d ica do ser h u m a no p or com pleto é que m or a m , n u m e
u m m éto d o sistem aticam ente arquiteta do de co n d ução racional n o u tro caso, seu en or m e poder de triu nfar do m u n d o e, sobretu-
da vid a co m o fim de s u pla ntar o status nat urae, de s u btrair o do no calvinis m o e m com p aração com o lu teranism o, sua ca p aci-
h o m e m ao poder dos im p ulsos irracio nais e à d ep en dência em dade de assegurar o lo n go fôlego do protestantis m o co m o ecclesia
relação a o m u n do e à natureza, de s ujeitá-lo à su prem acia de u m a militans.
vonta d e orienta d a p or u m plano,78de s ubm eter p er m anentem e n- Fácil ca ptar, p or o u tro la do, em que p on to se dava o contras-
te suas ações à a u to-in speção e à pon deração de sua envergad ura te entre a ascese calvinista e a m edieval: na supressão dos consilia
ética, e dessa form a ed ucar o m onge — objetiva m ente — co m o evangelica e, co m isso, n a transfor m ação da ascese em ascese p u ra-
u m o perário a serviço do reino de Deus e com isso lhe asseg u rar— m en te infra m n n d áBaP N ão q ue n o seio do catolicis m o a vid a
s ubjetiva m ente — a salvação da alm a. Esse [— ativo — ] d om ínio “m etó dica” tivesse p er m a necid o circu nscrita às celas de mosteiro.
de si, m eta visada pelos Exercícios espirituais de Santo Inácio e, de N ão foi esse o caso, ne m teorica m e nte, nem na prática. Já se salien-
m o d o geral, pelas for m as m ais requinta d as das virtu des m o n ásti- tou acim a que, apesar da m aior m o d eração m oral do catolicis m o,
cas,79 foi ta m bé m o id eal de vid a p rá tico decisivo do p u rita nis- u m a vid a ética sem cu n h o sistem ático n ão chegava a atingir os
mo.*° No p rofu n do desdém co m que os relatos dos interrogatórios m ais altos ideais para os quais ele apontava — m es m o em se tra-
dos m ártires p u rita nos co n tr ap õe m ao bar ulhento falatório dos ta n d o da vid a in tr a m u n d a n a.86 A O r d e m Terceira de São Fr an -
nobres prelados e fu ncio n ários81 a reserva serena e calm a de seus cisco, p or exem plo, foi u m a vigorosa tentativa na direção de u m a
fiéis, já se n ota a q uele a p reço p elo a u toco n trole reserva d o que p en etração ascética d a vid a cotid ian a e, co m o se sabe, n ão foi a
ain d a h oje caracte riz a os m elh o res tip os do ge n tle m a n inglês e ú nica. Livros co m o a Im itação de Cristo, p recisa mente pela m a nei-
a n glo-a m erica n o m esm o dos dias de h o je.82 Fala n d o em jargã o ra co m o exercera m sua forte influência, revelam co m o a espécie de
co r r en te:83 a ascese p u rita n a — co m o to d a ascese “r acio n al” — con d u ta de vid a que aí se prega era percebid a co m o estan do um
trabalhava com o fim de tor n a r o ser h u m a no capaz de en u nciar q u ê a ci m a do m ín im o co n sid era d o s uficie n te, m ostra n d o p or
afir m ativa m ente e fazer valer, em face dos “afetos”, seus “m otivos o utro la do que este ú ltim o n ão era me did o pelo m etro de que dis-
constantes”, em p articular aqueles que ela m es m a lhe ‘inculcava”: p u nha o p u rita nism o. E ap rá x isd e certas instituições eclesiásticas,
— co m o fim, porta n to, de e d ucá-lo co m o u m a “personalida de”, p a rticu la r m en te a das in d ulgências, q ue na ép oca da Reform a,
neste sentido da psicologia form al. Poder levar u ma vida sem pre ta m bém por isso, n ão foi sentid a sim plesm ente co m o u m abuso

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p eriférico mas co m o o p io r de todos os m ales, não tin h a co m o não constituíd o de rép robos desde to d a a eternidade, p or u m abism o
tolher co n sta n tem en te os recorrentes arro u bos de ascese in tra- em princípio in tra nsp o nível e ain d a mais in quietante em sua invi-
m u n d a n a sistem ática^ Mas isto é que foi decisivo: o in divíd uo que sibilidade91 do que o do m on ge medieval a partado do m u n do —
p a r e x celle n celevava u m a vida m etódica n o sentido religioso era e u m abis m o sulcad o co m áspera agudez em todos os sentim entos
co n tin u o u sendo, ú n ica e exclusivam ente, o monge, e p orta n to a sociais. É que para esse esta d o de graça dos eleitos e, p ortan to, san-
ascese, q u a n to m ais in te ns a m en te tom ava co n ta do in divíd u o, tos pela graça divin a, n ão era adequ ad a a solicitu d e in d ulgente
m ais o apartava da vid a cotidiana, já que a vida es pecifica m ente co m os peca d os do p róxim o a poia d a na co nsciência da p róp ria
santa co n sistia m es m o em suplan tar a m oralid ad e intra m u n d a- fraq ueza, m as sim o ó dio e o desprezo por u m inim igo de Deus,
jx a ^ 7Q u e m primeiro d eixou isso de lado — e não co m o quem rea- alguém que portava em si o estigm a da per pétua dan ação.92 Esse
liza alg u m a “ten dência de desenvolvimento im a ne n te”, m as a p ar- m od o de sentir era suscetível de u m agravamento tal, que d epen-
tir de exp e riê ncia s a bsolu ta m en te pessoais, [n o co m eço aliás d en d o das circu n s tâ ncias d esem bocava n a for m ação de seitas.
ain d a h esita n te em relaçã o às co n seq ü ências p r á ticas,] d epois Esse foi o caso qu an d o — a exe m plo das correntes “in depen den-
im p elid o pela situação política — foi Lutero. E o calvinis m o não tes” do século xvii — a crença gen uinam ente calvinista de que a
fez m ais q u e lhe seguir os passos.88 [A be m da verdade, a p rop ósi- glória de Deus exigia subm eter os con dena dos à Lei p or m eio da
to dessa for m a de religiosidade Sebastian Fra nck já havia acertado Igreja foi sobre p uja d a pela con vicção de q ue era para Deus u m
no alvo, qu an do divisou a significação da Refor m a no fato de que u ltraje q ua n do u m não regenerado se encontrava em m eio ao seu
agora cada cristão devia ser u m m onge ao longo de to d a sua vida.] re ba n h o e to m ava p arte nos sacra m e n tos o u até m es m o — no
J J m diq ue foi erguido pa ra im pedir que a ascese contin u asse a des- cargo de p astor— ministrava sacra m e ntos.93 [Foi o que aconteceu
bor d ar da vid a cotidia na em m eio ao m u n do, e àquelas naturezas q u an d o, em d ecorrê ncia da idéia de co m p rovação, em ergiu u m
inter naliza d as e p assion alm ente sérias que até então haviam fo r- co nceito de Igreja de cu n ho donatista, valha a palavra, co m o foi o
necid o ao m o n acato os seus m elh ores rep resen tantes agora era caso entre os batistas calvinistas.] E m esm o qu an do não se im pôs
ensin a do que se devotassem a ideais ascéticos den tro da vida p ro- a exigência [de u m a Igreja “p u ra” en qu a nto com u nid a de de rege-
,fissio n al m u n d a n a / Só q ue o calvinis m o, na seq ü ência de seu nera d os co m p rova d os] em suas [ú ltim as] conseq ü ências, [a sa-
desenvolvim ento, acrescento u a isso u m aporte positivo: a idéia da ber], a for m ação de u m a seita, for a m m últiplas e diversas as co n fi-
necessidade de u ma com provação d a f é na vida p rofissional m u n- g urações de co nstituição eclesiástica que resultaram da tentativa
d an a.89 Fornecia assim [a am plas ca m a das de nat urezas com p e n- de sep arar os cristãos regenerados dos não regenerados — estes
dor religioso] o estím ulo positivo da ascese e, u m a vez ancora da sua últim os, cristãos não m ad uros para o sacra m ento — [de reservar
ética na d o u trin a da p red estinação, a a ristocr acia espiritu al dos aos p rim eiros o governo da Igreja ou em tod o caso u m a posição de
m onges situada além e acim a do m u n d o cedia lugar à aristocracia destaque] e de a d m itir com o pregadores a penas os regenerad os.94
espiritu al dos santos no m u n do desde to da a eternid a de p redesti- ^Evide nte m e nte, a Bíblia forneceu a essa con d uta de vida ascé-
nados por Deus,90 aristocracia essa que co m seu character indele- tica a n or m a fixa pela qual ela sem pre p odia se orien tar e da qual
bilis (caráter in d elével} está se p a ra d a do resto da h u m a nid a d e, m a nifesta m e nte p recisava. E na tão pro palad a “bibliocracia” do

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calvinis m o, o im p o r ta n te para n ós está no fato de que: o A ntigo do de graça.99 É certo que o diá rio ín tim o religioso no qual eram
Testa m e n to erguia-se d e igual p a ra igual co m o Novo em m atéria registra dos p or extenso ou m es m o e m form a de tabelas os peca-
de d ignid a d e,porq ue tão in.spiralo quanto o Novo em seus p re- dos, as tentações e os progressos feitos na graça era co m u m à devo-
ceitos morais escrito s, salvo aqueles visivelm ente aplicáveis s o- tio m odern a católica (no m ea d a m en te na Fra nça), criada em p ri-
m e n te às con dições históricas do ju d aísm o o u revoga dos exp res- m eiro lu gar pelos jes uítas, e à es piritu alid a d e dos círculos mais
sa m en te por C risto, P ara os cren tes calvinista s, a Lei fora da d a zelosos da Igreja refor m a d a.100 Mas e nq u anto no catolicism o ele
co m o n or m a ideal, ja m ais totalm ente executável e n o entanto váli- servia à finalid a de de u m a confissão integral, ou oferecia ao direc-
d a,95 ao passo q u e Lu tero — em seus p rim órd ios — havia, pelo teur de Vâme {diretor es piritu al} os ele m entos para u m direcion a-
co n trá rio, celebrado co m o u m privilégio divino dos fiéis a liberda- m ento a u toritário do cristão [o u (o m ais das vezes) da cristã], com
d e fre n te à s u bser viência à Lei.96 P od e-se se n tir em to d a a sua a aju d a do diário o cristão refor m a d o “tom ava o p ulso” de si m es-
atm osfera devid a o efeito da sabedoria hebraica de vida, plena de m o. Todos os teólogos m orais de relevo o m encion am , e u m exem-
Deu s e entretanto plena m ente sóbria, que se expressa nos livros da plo clássico é d a d o pela co n ta bilid a d e sin ó p tica de Ben ja m in
Bíblia m ais lidos p elos p u rita n os: os P rovérbios de Salo m ão e Fra nklin trazen do e m tabelas as estatísticas de seus progressos em
deter m ina d os salm os. Em p a rticular o caráter racional: o abafa- ca d a u m a das virtu d es.101 E de o u tro la d o, a velha im agem m ed ie-
m e n to [dos aspectos m ísticos e em geral] dos aspectos sen tim en tais val (já p resente na A ntigüid ade) da contabilid ade feita por Deus,
da religiosidade rem onta, com o bem noto u Sanfor d,97 à influência q ue Bu nyan reto m a na co m p aração de característico m au gosto
d o A n tigo Testa m en to. Em si, n ão obsta n te, esse r acio n alis m o que faz da relação entre o peca d or e Deus co m a relação entre u m
vétero-testa m entário era, co m o tal, essencialm ente de cu n ho tr a - clien te e o shopkeeper. u m a vez no ver m elho, o devedor poderá,
d icio n alista p eq u en o-b u r g u ês, e além do m ais n ão se altern ava co m a receita de to d os os seus ga n hos in d ivid uais, a m or tiza r
so m en te co m o in te nso pathos dos p rofetas e de m uitos dos sal- q u an d o m uito os j u ros incid entes, n u nca porém saldar o p rinci-
m os, m as ta m bé m co m elem entos que já na Idade M édia haviam p al.102 Mas, a exem plo do que fazia co m seu p ró p rio co m p o rta-
for n ecid o os p on tos de p a rtid a para o desenvolvim ento de u m a m en to, m ais tar de o p u rita n o p asso u a co n trolar ta m bém o de
religiosid a d e es p ecifica m e nte se n tim e n tal.98 N o fim das contas, Deus e enxergava seu dedo em ca da p or m enor da vida. E daí, co n-
foi m ais u m a vez o caráter que individualiza o calvinis m o, a saber: tr a ria m ente à ge n uín a do ut rin a de Calvino, sabia p or que Deus
seu caráter fu n d a m entalm ente ascético, que acabo u p or selecio- to m ara tal ou qu al disposição. A san tificação da vida qu ase chega-
nar e assim ilar os elem entos [da espiritu alidade] do Antigo Testa- va assim a assu m ir u m caráter de a d m inistração de em p resa.103
m en to que lhe era m congeniais. U m a cristianização que penetrava a existência in teira foi a co nse-
Àquela sistem atização da con d u ta de vida ética, que a ascese qü ência dessa m e tódica da con d u ta de vida ética exigida pelo cal-
do p r otesta n tis m o refo r m a d o [o u : calvinista] te m em co m u m vinis m o, em co n tr aste co m o lu tera nis m o. [Para co m p ree n d er
com as for m as racionais da vid a m o n acal católica já se faz ver, em direito co m o foi o efeito do calvinis m o, cu m p re m a nter sem pre
seu aspecto p u ra m ente externo, n a m aneira co m o o “p reciso” cris- diante dos olhos que essa m etódica da con d u ta de vid a ética, exigi-
tão refor m a d o [o u: p u ritano] con trolava co ntin u am e nte seu esta- da pelo calvinis m o mas n ão p elo lu teranis m o, foi decisiva para

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in flu e n cia r a vida. Disso res ulta, de u m lad o, que so m ente essa m esm o tem p o — em lin h a de p rincípio — extraor din aria m ente
ca racterística podia exercer semelhante influ ência, mas de outro m ais “ m oder n a” que a ou tra d o utrina, m ais suave e m ais co nsoa n-
la d o resulta também q ue, qu an do seus estím ulos éticos era m an á- te ao sentim ento, que sujeitava o próp rio Deus à lei m oral. Mas
lo g os aos de outras confissões no que ta nge a este p o nto decisivo sobretu d o a idéia da com prov ação co m o ponto de partid a p sicoló-
— a saber: a idéia da co m p rovação — , elas n ão po dia m deixar de gico da m oralida de m etó dica, idéia que é fu n d am ental para n os-
o p e ra r na mesma direção.] sas consid erações, co nfor m e se constatará a cada passo, tin ha que
ser estu dad a em sua “for m a p ura” justa m ente na d ou trina da p re-
Até agora nos m ovem os no terreno da religiosidade calvinis-
destinação e em sua significação para a vida cotidiana; recorren d o
ta e, portanto, pressu pusemos a do utrina da pre destin ação co m o
m uito regular mente a essa idéia co m o esquem a do enca d ea m en-
fu n d a m e n to d og m ático da m oralid a de p u rita n a n o sentid o de
to entre fé e m oralida de nas d enom inações que ain da ire m os a na-
u m a con d uta de vida ética m eto dicam ente racionalizada. E assim
lisar, tivem os que to m ar co m o p on to de partida essa d outrina, que
fize m os porque esse dogm a per m a neceu co m o ped ra angular da
é a sua for m a m ais conseq ü e n te. No seio do p rotesta ntis m o, as
d o u trin a reformada p ara além dos círculos daquele partid o reli-
co nseq ü ências que essa dou trin a necessaria m ente acarreto u na
gioso que em to d os os as pectos m a n teve-se fixo n o solo de
co nfo r m ação ascética d a co n d u ta de vid a dos seus p rim eiros
C alvin o, os “p resbiterian os”: ele estava co n tid o n ão apenas na
adeptos constit uíra m a antítese [m ais] fu n dam en tal da im p otê n-
Sav oy Declaration, de 1658, que é in depen dente, m as igualm ente
cia m oral (relativa) do luteranis m o. A gratia am issibilis lutera na,
na H a nserd Knollys Confession, de 1689, que é batista, e ain d a no
que a tod o instante podia ser recu pera da com o arre pen dim ento e
seio do metodismo, em bora ^ oh n Wesley, o grande tale nto organi-
a p enitência, não co ntin h a em si, obvia m ente, n en h u m estím ulo
zad or do m ovim ento, fosse p artid ário da universalidade da graça,
àq uilo que aqui nos im p or ta co m o p ro d u to do p rotestan tis m o
só que o grande agita dor da prim eira geração m eto dista e seu m ais
ascético: u m a sistem ática co nfor m ação racional da vida ética em
coeren te pensador, W hitefield , assim co m o o círcu lo à volta de
seu co nju n to.105 Assim, a pie dade lu tera na golpeava m enos a vita-
La d y H u ntin g d on, q ue n u m a ce rta é p oca foi m u ito influ en te, lida de riso n h a e fra nca da ação im p ulsiva e da vid a sentim ental
eram p artid ários do “p articularis m o da graça”. D ota d a de for m i- ingên ua: faltava-lhe aquele estím ulo à a uto-ins peção constante e,
d ável concaten ação, foi essa d o u trin a q ue, na é p oca fatídica do p orta nto, à regulam entação plan ificada da vida pessoal tal co m o
século xvii, sustentou nos aguerridos defensores da “vida santa” a im plicad o na in quietante d o utrin a do calvinism o. U m gênio reli-
idéia de serem ferram enta de Deus, executores de seus desígnios gioso feito Lu tero vivia d esco n traíd o nessa at m osfera de livre
p rovidenciais,104 e evitou seu p recoce cola pso em u m a for m a de abert u ra ao m u n d o e — enq u anto lhe valeu a força das asas — sem
santificação pelas obras p u ram ente utilitária, de estrita orientação perigo de recair no status naturalisfE aquela for m a de piedade sin-
m u n d ana, que em últim a análise ja m ais teria sido capaz de m o ti- gela, refina d a e p eculia r m e nte em otiva, que o rn a m e n to u vários
var sacrifícios tão ina u ditos p or m etas irracio nais e ideais. E a co n- dos mais destaca dos tip os de lutera no, assim com o sua m oralid a-
ju nçã o da crença em nor m as incon dicion alm e nte válidas co m o de solta das am arras da Lei, ra ra m ente enco ntra paralelos no te r-
d eterm inis m o absoluto e a plena transcen d ência do su pra-sensí- reno do p u rita nis m o genuíno, m as m uito m ais no seio do suave
vel, que ela forjo u em u ma for m a a seu m od o genial, era enfim ao anglicanism o de hom ens co m o H ooker, p or exem plo, Chillin gs-

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w o rth e outros. M as para o lu teran o com u m, por m ais zeloso que coisas era m tais qu e a fo r m a de ascese do calvinis m o, não digo
fosse, nada era m ais certo que isto: ele foi tirad o do status nat ura- sem p re, m as n a m aioria das vezes, o u foi imita d a pelo resto dos
lis apenas tem porariam ente — só e n q u a nto d u ra r o influxo de m ovim e ntos ascéticos o u lhes serviu de ter m o de co m p aração e
ca d a confissão o u d e cada p rédica;. N otória é a d iferença, e tão co m p le m e n to na h or a de desenvolver p rincíp ios p ró p rios que
im p acta n te para as p essois da é p oca, entre o p adrão ético das co r- dela divergissem ou desbor d assem. \ [ On de, apesar de u m a fu n d a-
tes reais calvinistas e o das lu tera nas, tantas vezes mergulhad as em m e ntação d o u trin al divergente, ain d a assim surgiu igual coerên-
fa r ra e bebedeira,106 assim com o é célebre o desa m p aro do clero cia ascética, isso de m od o geral foi resulta do da constituição ecle-
lu te ran o, a pregar som ente a fé, nad a mais que a fé, ten do perante
siástica, e disso se há de falar no u tro co n texto.108]
si os ascetas do m o vim e n to a n a batista. Isso q u e n os alem ães
im p ression a co m o “b o m h u m o r” e “natu ralida de”, em contraste {b . p ie t is m o }
co m os anglo-am erica nos, que ain da h oje — até m es m o na fisio- H is toricam e n te, a idéia da p red estin ação foi p ara to d os os
n o m ia das pessoas — se acha m sob o signo da an ulação ra dical da efeitos p o n to de p artid a para a co rren te ascética h a bit u alm e nte
es p o n ta n eid a d e d o status natu ralis, isso q ue geralm e n te ca usa designa da co m o “pietism o”. En q u anto esse m ovim ento se m an te-
estran hez a aos alem ães com o se fosse estreiteza, falta de liberdade ve n o seio da Ig reja refor m a d a {calvin ista}, fica p ra tica m e n te
e retraim ento in terior — na verdade são antíteses de con d u ta de
im possível traçar u m a fronteira nítid a entre os calvinistas pietis-
vid a que decorrem [essencialm ente m esm o] da m en or im p reg na-
tas e os calvinistas n ão-pietistas.109 Q uase to dos os expoentes do
ção da vida pela ascese n o lu teranism o quan d o com p ara d o ao cal-
p u ritanis m o fora m vez por o u tra tidos na conta de pietistas, e é
v in is m o. São se n tim e n tos q u e exp rim e m be m a a n tip atia que
u m a o pinião perfeita m ente lícita a que vê todas aquelas conexões
n u tre pelo ascetism o o “filho do m u n d o” dado aos prazeres terre-
acim a expostas entre as idéias de p redestin ação e as de co m p rova-
nos. Faltava ao luteranism o, ju sta m ente p or co nta de sua do utrina
ção alicerçad as no interesse em obter s u bjetiva m ente a certitudo
da graça, o estím ulo psicológico para a sistem atização da con d uta
salu tisjá co m o u m a reinter p retação pietista da d ou trina origin al
de vida, sua racionalização m etó dica, Esse estím ulo, con dição do
de C alvino. [A eclosão de rea viva m entos ascéticos no seio das
ca ráter ascético de u m a espirit ualidade, pô de sem dú vida ser gera-
do, é o que verem os em breve, a p a rtir de m otivos religiosos de o ri- co m u nid a des calvinistas quase sem pre esteve ligada, n ota d am en-

gem varia d a: ia do u trin a da p re d estin açã o do calvinis m o foi te na H ola n da, a u m reaq uecim ento da d o u trina da predestinação
so m en te u m a entre m uitas p Q s s ib i lid a d e í No entanto acabam os após perío d o de m o m en tâ neo esqu ecim ento, ou a batim e nto.] Por
convencid os de que sua singularidade está não apenas em sua coe- isso, na In glaterra o m ais das vezes não se costu m a sequer em p re-
rê ncia absolu tam ente ú nica, m as ta m bém em sua eficácia p sico- gar o conceito de “pietism o”.110 O pró prio pietism o reform ado do
lógica abs olu ta m e n te fo r m id á vel.107 Os m ovim e n tos ascéticos C ontinente (nos Países Baixos e no Baixo Reno), foi de início, pelo
«Ã o-calvinistas, co n sid era d os p u ra m e n te do p o n to de vista da m enos em seu n úcleo, sim ples m ente u m a radicalização da ascese
m otivação religiosa de sua ascese, aparecem desde logo co m o ate- calvinista, a exem plo, digam os, da religiosid ade de Bailey. Ta m a-
n u ações da coerência in ter n a do calvinism o. n ha foi a ênfase que recaiu na prax is pietatis, que a orto d oxia d og-
X jM a s m es m o na realidade do desen volvim e nto histó rico as m ática passo u a segundo pla no, qu an do não se torno u, por vezes,

116 117
direta m en te in diferente. Os pre destinad os, afinal, vez p or o u tra do, em d etrim ento da lu ta ascética co m vistas a ter certeza quanto
p o dia m incorrer e m erros d og m áticos, co m o de resto em outros ao futu ro no O u tro M un do. E esse sentim ento pod ia intensificar-
p eca d os, e ensinava a experiência que in ú m eros cristãos sem se a tal pon to que a religiosid a de assu mia um caráter franca m en-
nen h u m pendor para a teologia aca dê mica ren diam os frutos mais te histérico e p rod uzia então, co nfor m e m ostra m in ú m eros exem -
m anifestos dafé, ao p asso que,p or outro lado, ficava evidente que plos, u m a altern â ncia de fu n do psicológico [n eu ro p ático] entre
o sim ples conhecim ento teológico estava longe de con d uzir por si esta dos sem iconscie ntes de êxtase religioso e períodos de letargia
só à certeza dafé com provada na m u d ança de vida.111 Não era, p o r- nervosa re-sentid os co m o “afastam ento de Deus”, cujo efeito era
tanto, pelo con hecimento teológico que se podia com provar a co n- exatam ente o inverso daquela disciplina sóbria e rigorosa na qual
dição de eleito.112 a vida santa sistem atizada do p u ritano capturava o in divíd uo: u m
Daí p or que o pietis m o, n u trin d o p rofu n da desconfia nça em enfraq u ecim ento daquelas “inibições” que escudavam a person a-
relação à Igreja dos teólogos,113 à qual — esta é u m a de suas car ac- lid a de r acio n al do calvinista co n t ra os “afetos”.115 Do m esm o
terísticas — apesar de tu do con tin u o u a pertencer oficialm ente, m o d o, a idéia calvinista de d a n ação da criatu ra, tra n s p osta em
co m eçou a recolher os a deptos da prax is pietatis em “con ventícu- form a de sen tim en to — por exem plo, o cham ado W urmgefühl
los” ap artados do m u n d o.114 O pietista queria p uxar para a terra e {“se ntim ento de ser u m ver m e” } — , p od ia dar em esgota m ento da
tornar visível algreja invisível dos santos e, recolhid o nessa co m u - energia na vid a p rofission al.116 E a idéia de p redestinação podia,
nidade, sem chegar ao ponto de for m ar u m a seita, levar u m a vida por sua vez, con verter-se em fatalism o, qu an do — ao arrepio das
m orta para os influxos do m u n do, orie ntad a em tod os os detalhes gen uínas ten dências da religiosidade calvinista racional — se to r-
para a vonta de de Deus, e assim per m anecer co m a certeza da p ró- nava u m objeto de ap ropriação por estados de espírito e sen tim en-
pria regeneração, m es m o nos aspectos externos e m ais cor riq u ei- tos.'17 E finalm en te, a pro pensão a isolar os santos do m u n do, se
ros de sua con d uta de vida. A ecclesiola dos verdadeiros conversos sofresse forte in tensificação de cu n h o sen tim en tal, p od ia levar à
desejava assim — traço co m u m a tod o pietism o em sentid o espe- for m açã o de u m a espécie de com u nid a d e conventu al de caráter
cífico — saborear já n este m u n d o, em ascese in ten sifica d a, a se m ico m u nista, co n fo rm e d em o nstra d o recor ren te m e nte pelo
com u nhão com Deu s em sua b e m -a v en t urança / O ra be m , esta pietis m o, m es m o d en tro da Ig reja refor m a d a." ^ M as en q u anto
última pretensão tin ha íntim o p arentesco com a u nio m ystica I ute- não se chegava a esse extrem o provocado pelo cultivo do fator sen-
rana e m uitas vezes levava a u m cultivo do lado sen tim en tal da reli- tim ento, vale dizer, en quanto os pietistas reform ad os ain d a b u sca-
gião mais p ron u ncia do do que na m édia do cristia nis m o refor m a- va m certifica r-se de sua salvação no in terior da vida profission al
do. Kpossível então apontar, até on d e chega nosso p on to de vista, m u n d a n a, o efeito p rá tico dos p rincíp ios pietistas res u m ia-se
que essa era a m arca decisiva do “pietis m o” no ca m po calvinista 1 p u ra e sim ples mente a u m con trole ascético ain da m ais estrito da
Pois o fator sentim ento, originalm ente estran ho à piedade calvi- con d uta de vid a na profissão, com u m em basa m ento religioso da
nista com o u m todo, p oré m in tim a m e n te aparenta do co m certas m oralida de p rofissional ain da m ais fir m e do que o desenvolvido
formas da religiosid ade m edieval, desviava a religiosidad e p rática pela sim ples “honestid ad e” m u n d ana dos cristãos calvinistas n o r-
para os trilhos do gozo da be m -aven tu ra nça eterna já neste m u n- m ais, que a “elite” pietista via co m o u m cristianis m o de segun da

118 119
o r d e n ijÀ aristocracia religiosa dos santos que se desenvolveu em de m aneira u m tan to im p recisa e m bo ra essencialmente luterana,
t o d o o leque d a ascese calvinista, q uanto m ais se levava a sério, d o que de fu n d a m e ntá-lo; ele n ão fez derivar a certitudo salutis da
m ais segura d e si se mostrava e e m seguida — esse foi o caso da santificação invocan d o a idéia da com provação, m as, em vez dela,
H o la n d a — p a sso u a se orga nizar volu ntaria m e nte n o in terior escolheu a vinculação m ais frouxa co m a fé de cu n ho lu terano,124
m e s m o da Igreja na form a de conventículos, ao passo que no p u ri- antes m encion a d a. Mas a ca da vez q u e no pietis m o o elem ento
ta n is m o inglês ela levou, em parte, a que a distinção for m al entre ascético-racio nal m a n tin h a p red om in ância sobre a p arte do sen-
cris tã o s ativos e passivos fosse incor p ora d a na constit uição da Igre- tim ento, as concepções que do n osso p on to de vista são decisivas
ja e, e m parte, co nfo r m e já dissem os antes, à for m ação de seitas. pleiteavam seu direito, a saber: 1 ) o desenvolvimento m etó dico da
O desenvolvimento do pietis m o ale m ão e m terreno luterano Simtida de. pessoal em crescente solid ez e p erfeição, controla d a a
— associa d o aos nom es d eSp ener, Francke, Zinzen do r f— afasta- p artir da Leu era sinal d o esta do de graça;'25 2Itera aP ro vidênda_dg
nos d es d e logo do terreno da d ou trina da p redestin ação. Mas sem £e u s, ^ l e “ naqiieleív-qu ^ assknseaperfeiçoayam, e.osin al
que necessaria m e nte se desviasse ela p ró p ria d aquelas linhas de
idéias de cujo co nju n to foi u m a coroação lógica, co m o atesta espe- trabalho p rofissional, tam bé m aos olh os de A. H. Francke, era o
cialm en te a influência do pietism o a nglo-holan d ês sobre Spener, m eio ascético p ar excellence]'27 ta nto ele, q ua nto — assim verem os
p or ele m es m o reivin d ica d a de voz p r ó p ria e p ro m ovid a, p or — os p u rita n os estava m fir m e m e n te co n vencid os de q ue era o
exe m plo, na leitura de Bailey em seus p rim eiros co nventículos.” 9 p ró p rio De us que abençoava os seus co m o sucesso no trabalho. E
/ Seja co m o for, d o nosso ponto de vista es pecífico, o pietis m o signi- co m o sucedâneo do “d uplo decreto” o pietism o pro d uziu para si
fico u u nica m e nte a p enetração da con d u ta de vida m eto dica m e n- representações que, de m a neira essencialm ente idêntica, se bem
te cultiva d a e co n trola d a, isto é, da condu ta á e vida ascética, até que m ais tên u e, estabelecia m u m a a ristocracia dos regenera dos
m es m o em zonas de religiosida de n ão-calvinistaj120Mas ao lu tera- pela graça p articular de De us,128 co m tod as as conseq üências psi-
nism o não era da do sentir tal ascese racional a n ão ser co m o u m cológicas acim a d escritas a p ro p ósito do calvinis m o. En tre elas,
corp o estran ho, e a falta de coerência da do u trina pietista ale mã se por exem plo, a assim cha m a d a d o u trin a do “ter m inis m o”,129 im -
explica pelas dificuldades daí decorrentes. Para a fu n d a m entação p uta da em geral ao pietism o pelos seus a dversários (sem d úvida
d og m ática da con d uta de vida religiosa sistem ática, Spener co m - inju sta m en te), ou seja, a su posição de que a graça é oferecida u ni-
bin o u lin h a s de idéias lu t ^ a n.as co m um m arca d or es p ecifica- versalmente, m as u m a ú nica vez a cada qual, n u m m o m en to bem
m ente calvinista, a saber, as boas obras realizadas e n q u a n tolais d etermin a do da vida ou n u m m o m en to qualquer, pela p rim eira e
hon ra de D e u s” 121 e co m a crença, de ressonâncias Última vez.130 Q uem p orta n to deixasse escapar aquele m o m ento,
ig ualm ente calvinistas, n a p ossibilid a de dada aos regenerados de para ele o u niversalismo da graça não valia m ais na da: estava na
alcançarem relativo grau de p erfeição cristãTf2Só que faltava j u s- situação dos rép robos da d o utrin a calvinista. Efetiva m ente m uito
ta m ente coerê ncia à teoria: o ca ráter sistem ático da con d u ta de p róxim a dessa teoria era ta m bé m, p or exem plo, a s u p osição sus-
vida cristã, q u e era essencial ta m bé m ao seu pietism o, Spener, fo r- ten ta d a p o r Fra ncke a p a rtir de experiê ncias pessoais e a m p la-
temente influencia d o pelos m ísticos,123 trato u m ais de descrevê-lo m ente difu n did a n o p ietis m o— p o de-se m uito bem dizer: a hip ó-

120 121
t e s e predominante - segundo a qual a “irru pção” {da graça} só |U p erfeita m ente à a ristocracia calvinista dos santos.135 A discuti-
p o d ia ocorrer em circunstâncias específicas, únicas e peculiares, lUsima atrib u ição do cargo de d ecan o a Cristo, em 12 de nove m -
s o bre t u d o q u an d o antecedida de u m a “ba talh a p e n iten cial”. 13' bro de 1741, ilustrava exp ressam ente algo parecido, inclusive no
M a s como, a os olhos dos próprios pietistas, nem to dos estavam tipecto externo. D ois dos três “tro p o s” da fraternid a de, além do
p re d is p ostos a essa experiência, aquele q ue por ela não passasse Uais, o calvinista e o m orávio, orien tara m -se desde o início pela
a p es a r de haver instr uções de métod o ascético destinadas a p ro vo- Itica p rofissio n al calvinista. Zin ze n d o rf ele m esm o retorq uiu a
c a la, permanecia aos olhos dos regenerados u m a espécie de cris- fohn Wesley, be m ao m od o p u rita no, que, se nem sem pre o p ró-
t ã o passivo. Por outro lado, com a criação de u m m étodo destina- prio ju stifica d o e ra ca paz de recon h ecer sua ju stificaçã o, ou tros
d o a provocar essa “batalha penitencial”, o acesso mesm o à graça ;o m certeza p o d eria m fazê-lo pela espécie de sua con d uta.136 Por

d ivin a se tornava, de fato, objeto de in stit ucionalizaçã o h u m ana ju t ro lado, no en tan to, o fator sen tim en to gan hou plano de p roe-
minência na devoção es p ecifica m en te hern utense, e Zin zen d orf
racional. Mesmo as reservas acerca da confissão auricular m anifes-
pessoalm ente p r oc u ro u sem pre m ais, digam os, in terce p ta r em
ta d as não digo por todos os pietistas - não p or Francke, por exem-
íua frater nid a d e a ten d ência à sa n tificação ascética em sentido
p lo mas co m certeza por muitos deles, até m esm o pelos curas de
p u rita no137 e infletir a sa ntificação pelas obras para m oldes lu tera-
alm as pietistas, como demonstram as interpelações volta e m eia
nos.138 Desenvolveu-se ade mais sob o influxo da con denação dos
endereçadas a Spener, reservas essas que contribuíra m para solapá-
conventículos e da m an utenção da p rática da confissão, u ma liga-
la até no próprio luteranismo, originaram-se desse aristocratis m o
ção de inspiração essencialmente lu tera na com a m ediação sacra-
da graça: o efeito visível que a graça obtid a através da p enitência
mental da salvação. Isso porque o p róp rio princípio especifica m en-
exercia sobre a condu ta santa é que devia afinal decidir quanto à via-
te zin zen d orfia no, segu n do o qual a in fan tilidade do sentim ento
bilid a d e da absolvição, e sen do assim era im possível conce d ê-la religioso era m arca de sua au tenticid a de (assim co m o, por exem -
contentan do-se com u m a simples “attritio” [ “con tritio”].132 plo, o recu rso à leitura da sorte co m o m eio de revelação da vonta-
A auto análise religiosa de Z in z e n dorf se bem que oscilasse de divina), agiu co m tal veem ência con tra o racion alis m o da con-
dependen do dos ataques qUe lhe movesse a ortod oxia, d esem bo- d uta de vida que, no conju n to, até on de alcançava a influência do
cava sempre na rep resentação de si co m o “ferra m enta”. De resto, é con de,139 os elem entos an ti-racio nais, sen tim en tais, prevaleceram
difícilatinarineq uivoca m e nteco m o p onto d ea p oioconceitu al des- na espiritualid ade da com u nid a de de H er n h u t m uito mais do que
se surpreen dente “diletante da religião” co m o o cham a Ritschl.133 no resto do pietism o, aliás.140O vínculo entre moralidade e perdão
Ele p róprio se disse, repetid as vezes, re presentante do “tro po pa u- dos peca dos na idea fid ei fratru m de Sp angenberg é tão fro uxo141
h no-lu terano” con tra o “tro p o jacobista-pietista”, que per m a necia quanto no lu tera nismo de m od o geral. A rejeição zinzen dorfiana
apegado à Lei. Entretanto, a p ró p ria com u nid a de dos ir m ãos her- d a b u sca da p erfeição ao estilo m eto d ista corres p o n d e — aqui
nutos e sua práxis, as qu ais ele acabou p or ad m itir e que fo m entou co m o em tu do o m ais— a seu ideal no fu n do eu d em onista de p er-
apesar do seu lu teranis m o explícito, profissão de fé que recor ren- m itir aos h o m ens, já n o presen te,142 ex p erim e n ta r sen tim etital-
temente fazia,»* adotavam j á em seu p rotocolo notarial de 12 de m enfeabe m-aven tu rança etern a (a “felicid ade”, co m o ele diz), em
agosto de 1729 uma p osiçã o qu e, em m uitos aspectos, corresp on- vez de instr uí-los a a dquirir pelo trabalho racional a certeza de ir

122
123
g oz á-la no Outro M un do.143 Por o u tro lado, a idéia de que o valor leria a presentar esse elem ento sentim ental com o o aspecto espe-
d ecisivo da com unidade de irm ãos, à diferença de o u tras igrejas, cífico do pietism o em oposição ao lu teran ism o.Ui Mas em co m p a-
r esid ia na intensidade de u m a vida cristã ativa, n a obra m issio n á- ração co m o calvinismo, a intensid a de da racionalização da vida
ria e — este nexo foi acrescentado — no trabalh o p rofissional,144 teria de ser necessaria m ente m enor, porq ue 0 estím ulo interno da
ta m b é m aqui tin h a per m anecid o viva. De m ais a m ais, a racion a- idéia centra d a no estado de graça a ser co m p rovado sem pre de
lizaçã o prática d a vida do p on to de vista da u tilidade era u m ele- novo, inclusive co m o gara ntia do fu t u ro eterno foi desviado senti-
m e n t o totalm en te essencial ta m bém da co nce p çã o de vida de m entalm ente para o presen te, e no lu gar da au toconsciência que o
Z in z e n d o rf.145 P a ra ele— co m o pa ra o u tros rep resentan tes do pre destinado almejava con q uistar passo a passo no trabalho p ro-
p ietis m o — ela derivava, p or u m lad o, da decidid a re p ulsa pelas fissio n al sem d escanso e be m -s u ce d id o foram coloca d as essa
especulações filosóficas qu e p u nham a fé em risco e da corres p on- h u mildade e essa frag m entação149 do ser, decorrente em parte da
dente predileção pelo saber em pírico especializa do,146 e, por outro agitação dos sen tim e n tos volta d a p u ra m e nte para experiências
lado, d e seu bom senso de m ission ário p rofissional. A co m u nid a- interiores, em parte do in stit uto lu terano da confissão, considera-
de d os ir m ãos, co m o ce n tro de ir ra d iaçã o m issio n ária, era ao do pelo pietism o m uitas vezes co m pesadas reservas, em bora tole-
m es m o tem po u m a em p resa co m ercial e, assim , guiava os seus rado de m o d o geral.150 Em tu do isso, na verdade, m anifesta-se esse
m em b ros pelos trilhos da ascese intra m u n d a n a, a qual, tam bé m m od o especifica m ente luterano de b u scar a salvação, para o qual
na vid a em geral, dem an da antes de tu do “tarefas” e em vista delas o fator decisivo é o “perd ão dos peca d os” e não: a “santificação”
co nfor m a a existência de for m a sóbria e pla nejad a. Ü nico obstá- p rática. No lu gar da b usca r acio n al e plan eja d a p ara a d q uirir e
culo é, o u tra vez, aquela glorificação — inspira d a no exem plo da conservar o conhecim en to certo da bem -aventu ra nça fut ura (no
vid a m ission ária dos a póstolos — do caris m a da pobre z a a p ostó- O u tro M u n d o), entra aqui a necessidade do sen tim en to da reco n-
lica entre os “discíp ulos” eleitos p or Deus pela “pred estinação”,147 ciliação e co m u n hão com De us já agora (neste m u n d o). Mas, do
o q ue de fato significava u m a re p ristin ação p arcial dos consilia m es m o m od o que na vida exterior, “m aterial”, [econô m ica,] a ten-
evangelica. A criação de u m a ética p rofissional racion al à m aneira d ê ncia à fr u içã o n o p resente e n tr a em lu ta co m a orga nização
dos calvinistas foi co m isso, q uan do nada, retard ada, se bem que racion al da “econo m ia”, que está ancora d a na p reocu p ação co m o
— co m o m ostra o exem plo da transfor m ação do m ovim ento a na- fu turo, assim ta m bém ocorre, em certo sentido, no ca m po da vida
batista — não totalm ente excluída [sen do pelo co n tr ário p rep ara- religiosa. Co m toda a clareza, a orientação da necessidade religio-
da espiritu alm ente por inter m é d io da idéia de tra balh ar exclusiva- sa n a direção de u m afeto sen tim en tal íntim o, situado no p resen-
m e n te“p or causa da vocação”].
te, con tin h a u m m in u se m estím ulo à racionalização da ação in tr a-
Tudo som a do, se consid era rm os o pietism o alem ão dos p o n - m u n d a n a se co m p a ra d a à n ecessid a d e de co m p rovação dos
tos de vista q u e a q ui nos in teressa m , tere m os de co n stata r no “santos” refor m ad os {calvinistas} direcio nad a som ente ao O u tro
em basam ento religioso de sua ascese u m a hesitação e u ma incer- M u n do, ao passo que, se co m parad a à crença do lu tera no or to d o-
teza que co n trasta m a olhos vistos co m a férrea coerência do cal-
xo aferrad o por tra d ição à palavra e ao sacra m e nto, certa m en te
vinism o e que em p arte se deve a influ ências lu teranas, em parte ao
estava talhad a a no m ínim o desenvolver u m plus e m pe netração
caráter sen tim e n tal de sua religiosidade. Unilateralidade, e m uita,
religiosa m e tódica da con d uta de vida.lg m seu co nju n to o pietis-

124 125
m o, d e Francke e Spener a Zin zen d orf, m oveu-se n o se ntid o de ÇOmo p ró p rio de seus seguidores: s i s te m atização “m etó d icald a
crescente ênfase n o caráter sentim ental, N ão se tratava, p orém , de COnduta de vida co m o fim de alcançar a certitudo salutis: pois aqui
nenh u m a “ten d ência de desenvolvim ento im a n en te” a expressar- ta m bém é dela que se trata desde o início, ten d o se m antid o co m o
se aí. A ntes, aq uelas diferenças resultavam de a n tago nism os do p o n to ce n tral da aspiraçãoreligiosa] O ra, o incontestável p aren-
m eio religioso (e social) de q u e p rovin h a m seus líderes. [N ão se tesco qu e, apesar de todas as diferenças, o m etod is m o tem co m
pode nesse passo descer a detalhes, da m esm a for m a q u e:] não vem certas corren tes do pietis m o alem ão156 revela-se antes de tu d o no
ao caso o m odo co m o a peculiarid ade do pietis m o alem ão ganha fato de que essa m etódica fosse usada es pecialm ente p ara provocar
expressão e m sua distribuição social egeog ráfica.15^ Cabe le m brar 0 ato se n tim en tal da “conversão”. E de fato, u m a vez que o m etodis-
aqui m ais u m a vez que as iiu ancçsijue op õem esse pietis m o senti- m o se p a u to u desde o início pela m issão en tre as m assas, nele a
m ental e a co n d uta de vida.religiosa do santo p u ritano apresen- Sentim entalid a de— e nisto Joh n Wesley teve influências her n u to-
ta m -se, natu ralm ente, em gra d ações m uito tên ues. Se fosse p reci- lu teranas — assu m iu forte caráter em ocion al, es pecialm ente em
so caracterizar ao m enos p ro viso ria m e n te u m a co n seq ü ência solo am ericano. Um a batalha penitencial que às vezes se exasperava
prática da diferença, po de-se a p on tar que as virtu des que o pietis- até os êxtases m ais es pa ntosos, e que na A m érica se consu m ava de
m o inculcava.eram antes aquelas que p o dia m p ôr em prática.» de p referência n u m a re u nião p ú blica co n h ecid a co m o “ba nco dos
u m lado, o fu ncio nário, o em pregado, o o perário e o trabalha dor angustia dos” {an xio us’ bench}, levav a à fé n a graça de Deus co m o
que p rod u z em d o m icílio152 “fiéis à sua p rofiss ão ” e„ do o u tro, d om im erecido e, ao m esm o tem po, à co nsciência im ediata da ju s-
em pregad ores de co nfor m ação p re p o n d era nte m en te p atriarcal, tificação e da reconciliação. O ra, essa religiosid ade em ocional, não
ostentando sua condescendência a fim de agra d ar a Deus (àjm anei- sem poucas dificuldades internas, acabou p or estabelecer u m vín-
ra dèZinzen d ü rf). O calvinis m o, em co m p aração, p arece ter mais culo [peculiar] com a ética [ascética] de u m a vez por todas m arca-
afinidade eletiva co m o rígido senso ju ríd ico e ativo do em presá- da co m o selo racio nal do p u rita n is m o. Prim eiro, em co n traste
rio capitalista-bu rg uês.153 O puro pietism o do sentim en to, p or fim co m o calvin is m o, q u e rep u tava co m o s us peito de ilusão tu d o
— como já ressaltou Ritschl154 — , é u m p assatem po religioso p ara q u an to p ertencesse ao sen tim en to, afir m av a-se e m ter m os de
leisure classes {classes ociosa s}. Por m enos exaustiva que seja essa p rincíp io, co m o ú nico fu n d a m e n to incon testável da certit udo
caracterização, ela correspon de a certas diferenças ain da h oje p re- salutis, u m a certeza absolu ta p u ram e nte sen tida pelo agracia d o
sentes na peculiarid ade econô m ica dos povos que estiveram sob a co m o se em anasse diretam ente de u m testem u n ho do Espírito —
influência de u m a ou o u tra dessas duas correntes ascéticas. — e cuja irr u pção, n or m alm en te ao m en os, devia ocorrer n u m dia
deter m in a d o e co m h or a m arca d a. O ra, segu n do a d o u trin a de
{C . M E T O D IS M O } Wesley, a qual rep resenta não só u m a radicalização conseq üente
A liga de u m a religiosid ade sentim ental p orém ascética co m da d o u trina da santificação, m as ta m bém u m desvio decisivo de
u m a crescente in diferença qu an do n ão rejeição pelos fu n d am en- sua versão ortod oxa, q uem dessa for m a renasce ou se regenera é
tos dogmáticos da ascese calvinista caracteriza ta m bém a co n tra- ca paz de obter já nesta vida, p or força do efeito da graça sobre si, a
partida anglo-a mericana do pietism o continental: o m etodism o.155 consciência da perfeição no sentido de ausência de pecado, através
Já seu nom e revela o que saltava aos olh os dos co ntem p orâneos de u m segu ndo processo interior, que de regra acontece à parte e

126 127
n ão r a r o de im proviso: a “sa ntificação”. Por difícil que seja atingir cola p so da co n d u ta de vid a m e tó d ica, — ou be m , no caso de
essa m e t a — o m ais das rezes só lá pelo fím da vida — , im p rescin- ;cusa a tira r essa conseq üência, u m a a u toconfiança do santo que
dível será a m bicionar por ela. Pois é ela que garante em definitivo tin gia altu ras vertiginosas:161 u m a exacerbação do tip o p u rita no
a cer tit u do salu tise põe no lu gar d a “sotu rna” preocu p ação dos cal- ela via do sen tim en to. Ante os ataqu es dos adversários, p or u m
vinistas u m a alegre certeza,157 pois afinal de con tas ao verda deiro la do b u sco u -se fa zer fren te a essas co n seq ü ência s co n fe rin d o
co n v e rti d o cu m p re provar p a r a si m es m o e p ara os o u tros ao ín aio r ênfase à validade da n or m a bíblica e à in dispensabilidade da
m e n o s isto, que o pecado “n ão m ais tem p o der sobre ele”. Apesar co m p rovaçã o,162 m as na seq üência, por o utro, elas levara m a u m
da sig nificação decisiva da a u to-evid ê ncia do sen tim en to, ficava fortalecim ento, n o in terior do m ovim e nto, da corren te anticalvi-
m a n ti d a a adesão a u ma co n d u ta sa nta de abordo co m a Lei. i Ilista de Wesley, q ue professava a am issibilid a de da graça. As fortes
Q u an d o, em sua é poca, Wesley co m batia a ju stificação pelas obras, f influências luteranas a que Wesley estivera exposto p or in ter m é-
esta v a n a verd ade reavivan do a velha idéia p u rita n a de q ue as dio das fraternid a d es her n u te nses163 reforçara m essa evolução e
obras n ã o são a cau sa real do estado de graça, m as apenas a causa f Intensificara m o caráter indeterm inado d a orientação religiosa da
do co n h ecim ento desse estado e, m esm o isso, co m a con dição de m oralid a de m eto d ista.164 Com o resultado final, fora m m a ntid os
que elas sejam realizadas exclusivam ente para a glória de Deus. A de form a co nseq ü en te so m ente os co n ceitos de regeneration —
con d u ta correta p o r si só não era suficiente, isso ele sabia por expe- este co m o fu n d a m ento indispensável, ou seja: uma certeza da sal-
riên cia p rópria: havia que acrescentar o sen tim en to do esta do de vação enq u anto fr u to da f é que se atesta im e diatam ente na for m a
graça. Ele próp rio chegou certa vez a designar as obras co m o uma de se n tim en to— e de sa ntificação, co m seu resultado que é a liber-
“co n d ição ” da graça; na d eclaração de 9 de agosto de 1771158 ele dade (ao m enos virt u al) em relação ao p o d er do peca d o, co m o
ressalto u que quem não realiza boas obras bo m crente não é [e os prova do estado de graça resultante da regeneração, en qu a nto se
m eto d istas desde se m p re e nfatiza ra m qu e d a Ig reja oficial da d esvalorizava co r res p o n d e n te m en te a i m p o rtâ ncia d os m eios
In gla te r ra eles se d ifere ncia v a m , n ão pela d o u trin a, m as pela externos da graça, em p articular os sacram entos. [E seja co m o for,
m a neira de m ostrar devoção. Para fu n d a m entar a sig nificação que 0 general aw akening {desperta m ento geral} que se seguiu ao m eto-
atrib uía m ao “fr u to” da fé, o m ais das vezes recorria m à passagem dism o em to d o canto, m es m o, p o r exem plo, na Nova Inglaterra,
da I a Epístola de João 3,9, e co m isso a m u d a nça do fiel era a p re- in dica u m a intensificação da d o u trin a da graça e da eleição.165]
senta da co m o sinal ineq uívoco da regeneração], Apesar de tu do ^ Tm eto dis m o aparece assim à nossa consid eração co m o u m a
isso, s u rgira m d ificuld a d es.159 Para aq ueles m eto d ista s q ue se- edificação apoia da em alicerces éticos tão vacilantes q uanto o pie-
g uia m a d ou trina da p redestinação, deslocar a certit udo salutis, de tisítígr Ta m bé m para ele a a m bição p or u m a higher life {vid a supe-
u m a co n sciência da graça que está co n stan te m en te sen do co m - rior}, por u ma “segun da bênçã o”, fu ncio no u co m o u m a espécie de
prova da na p ró p ria con d u ta de vid a ascética, p ara o sen tim en to s uce d âneo da d o u trin a da p re d estin ação e, crescid a no solo da
im ediato da graça e da p erfeição160 — pois afinal a certeza da per- Inglaterra, a p rática de sua ética orien to u-se inteiram ente pela do
sev eran tiapre n dia-se agora ao caráter único da batalha p enitencial cristianism o reform ad o [n atu ral dali m es m o], cujo reviva / ele p re-
— significava q u e das d uas u m a: o u bem , no caso das naturezas ten dia ser no fim das contas. O ato e m ocion al da conversão era
fracas, a in ter p retação a ntino m ista da “liberd ade cristã”, porta nto suscitad o m etodicam en te. E u m a vez alcançad o, não irro m pia u m

128 129

liil
gozo p ie d oso de estar em co m u n h ão co m Deus à m a neira do pie- co m o os batistas {p ro p ria m ente d itos}, os m enonitas e sobretu do
tis m o sentim en tal de Zinzen d orf, m as de p ro n to o sen tim en to os quakers.171 Com eles chega m os a com u nid ades religiosas cu ja
d es p erta d o era canalizado pa ra os trilhos do em p en ho racion al na ética repousa sobre u m fu n d am ento que é p or p rincípio heterogê-
p e rfeiçã o . O caráter e m ocio n al da religiosid a d e n ão con d u ziu, n eo e m relação à d o u trin a refor m a d a {calvin ista}. O esboço a
assim , a u m cristianis m o sentim ental de traço íntim o, à m aneira seguir, que por sinal realça apenas o que im p orta para nós, não será
do p ie tis m o alem ão. Sch neckenb u rger já m ostr o u, e esse segue cap az de dar u m a idéia da diversid ade desse m ovim ento. N at u-
sen d o u m ponto recorrente na crítica ao m eto dis m o, que isso esta- ralm ente, vam os o u tra vez dar o destaque p rincipal ao seu desen-
va relacion a d o a u m m en or desenvolvim ento do sen tim en to de volvim ento nos velhos países ca pitalistas. — A idéia m ais im p or-
p e cad o (e m parte trib utário ju sta m ente do a rran qu e e m ocion al da tante de todas essas com unid a d es, quer e m ter m os históricos quer
co n ve rsã o). Aqui per m anece u ter m in a nte o caráter fu n d a m en tal- em ter m os teóricos, cu jo alcance p ara o nosso desenvolvim ento
m e n te reform ado de sua sensibilid a de religiosa. A excitação do cultu ral só poderá ficar perfeitam ente claro n u m o u tro contexto,
se n tim en to assu miu o caráter de u m entusias m o apenas ocasio- nós já fizem os aflorar em ligeiros traços: a believers’ Church { igreja
nal, ain d a que entusiasm o “coribâ ntico”, que de resto não atra p a- dos cren tes}.172 O u seja: a co m u nid a d e religiosa, isto é, a “Igreja
lhava e m nad a o ca ráter racion al da con d uta de vid a.166 A regene- visível” n o ling u ajar usado pelas igrejas refor m adas,173 deixou de
ration d o m eto dis m o criou assim u m ú nico com ple m en to da pu ra ser ap reen did a co m o u ma espécie de in stit u to de fid eicom issos
salvação pelas obras: u m a a ncoragem religiosa para a con d u ta de co m fins su praterrenos, u m a instituição que abra ngia necessaria-
vida ascética na eventualida de de ser aba n donad a a predestinação. m e nte ju stos e inju stos — seja p a ra a u m en tar a glória de Deus
/Os sin ais da m u d ança de con d uta, indispensáveis para con trole da (Ig reja calvinista), seja para dispensar aos h u m anos os bens de sal-
verdade da conversão, co m o sua “con dição”, confor m e disse Wesley vação (Igrejas católica e luterana) — , e passou a ser vista exclusi-
o p ort u n a m ente, e^ram a be m da verdade exata m ente os m esmos vam ente co m o u nia com u nid ad e daqueles que se tor naram pes-
i ] i i £ o cal v in isrnc). Na discussão da idéia de vocação profissional soalm en te crentes ç regenerados, e só d estes;n o u tras palavras, não
que ve m a seguir, basica m ente po dem os deixar de la do o m eto dis- co m o u m a “Igre ja”, m as co m o u m a fseita’j j 74É apenas este, no fim
m o, u m a vez q ue, co m o fr uto tar dio,167 não co ntrib u iu com nàda das contas, o significad o sim bólico do p rincípio, em si p u ra m ente
de novo p ara seu d es d obra m ento.168 exterior, de batizar exclusiva m ente ad ultos que tivesse m enco n-
tra d o a fé em seu íntim o e a p rofessassem :175 O r a, para os a nabatis-
{d . s e it a s a n a b a t is t a s e b a t is t a s } tas, a “ju stificação ” p or essa fé, e é isso que vin ha sen do repetido
O pietism o da Eu rop a con tine ntal e o m eto dis m o dos povos insistentem ente em to das as discussões religiosas, era ra dicalm en-
a n glo-saxões, ta n to e m seu co n te ú d o co n ceit u ai co m o em seu te d istin ta da id éia de u m a im p u tação “fo ren se” do m érito de
desenvolvim ento histórico, são fen ô m e nos secu n d ários.169 Mas o Cristo, n oção im p osta pela ortod oxia d ogm ática do antigo p rotes-
segu ndo a ocu p ar, ao la do do calvinism o, a posição de p orta d or ta n tis m o.176 Consistia, antes, na apropriação in terior d e sua obra
au tônom o da ascese p rotestante é. o an abatism o, ju n to co m as sei- de re d e nçã o.[Ejm plica va rev elação in divid u al: vin h a através da
tas que dele se origin ara m d iretam ente ou que a d otaram suas fo r- ação do Es pírito divino no in divíd uo, e som en te através dela. Era
m as de p e n sa m e n to religioso ao lon go dos séculos xvi e x v i i , 170 oferecid a a to d o in divíd u o, bastan d o es perar p ersisten tem e n te

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pelo Es pírito, não resistin do à sua vinda por apego p eca minoso ao a de sa nto Egídio. Só que nessa rigorosíssim a o bser v ância da
m u n d o. Dia nte disso, entra em franco retrocesso a sig nificação da Bíblia180não se achavam bases assim tão firm es on de apoiar o cará-
fé n o sentid o d e con hecim ento da doutrina da Igreja, m as ta m bém ter p neu m ático da religiosidade. Daí que, no fim das contas, aqui-
n o se n tid o de o btenção p enite n te da graça divina, ao m es m o lo que Deus revelou aos profetas e aos apóstolos não era m esm o
te m p o q u e ocorre u m a renaissance de idéias p ne u m ático - religio - tu do o que ele po dia e queria revelar. Pelo contrário: a per petu a-
sas encontradigas n o cristia nis m o p rimitivo — claro que m o d ifi- ção da palavra, não co m o u m d ocu m ento, escrito, m as com o u m a
ca d as. Por exem plo, a seita à qual Men no Sim ons foi o p rim eiro a p otência do Es pírito Santo atu ante na vida diária do crente falan-
dar, em seu Fon dam en tboek de 1539, u m a d outrina m ais ou m enos do direta m ente ao in divíd uo que q uiser ouvi-la, era, segu ndo o
coere n te, a presentava-se, do m esm o m od o que as dem ais seitas teste m u nho das com u nid a des p rim itivas, o único signo de reco-
an abatistas, co m o sen do a verd ad eira e irrep reensível Ig reja de n hecim en to da verd a deira Igreja — co m o já ensinava Sch wen-
C risto: co m p osta, a exem plo das com unid ades p rimitivas, exclu- ckfeld co n tr a Lu tero e m ais ta rde Fox co n tra os p resbiteria nos.
s h a m e n te daqueles a quem Deu shavia pessoalm en te des pertad o e Dessa idéia de u m a revelação con tin u a d a resultou a célebre d o u-
v ocacio n a d o. Os regenera d os, e so m en te eles, são ir m ãos de trin a, mais tarde desenvolvida de for m a coerente pelos quakers, da
C risto, porqu e assim com o Cristo eles fora m gerados direta m en- significação em últim a in stância decisiva do teste m u nho interior
t e p elo Es pírito de De u s.177 Rigorosa e vitação do “m u n d o” ou scia, do Es pírito na razão e na consciência. Co m isso se p u nha de lado,
de to d o co m ércio co m as pessoas do m un do que n ão fosse estrita- n ão a valid a d e da Bíblia, m as sim sua a u tocracia e, n o m es m o
m e nte necessário, ju n to co m a m ais estrita bibliocracia com vistas passo, iniciava-se u m a evolução que varria ra dicalm ente todos os
à im itação da vida exem plar da p rim eira geração de cristãos — foi resquícios da d o u trin a da salvação por via eclesiástica e, fin alm en-
o que res ulto u p a ra as p rim eiras co m u nid a d es a nabatistas; e o te co m os quakers, su m ia co m o ba tis m o e a santa ceia. 181i[As d en o-
p rincíp io d a evitação do m u n do, enq u a nto p er m an eceu vivo o m in ações an abatistasj.ao lado dos p red estinacian os e sobretu do
espírito inicial, ja m ais desapareceu por com pleto/ 78 Desses tem as dos calvinistas estritos, consu m a ra m a m ais ra dical desvaloriza-
d o m ina ntes em seus p rim erios tem pos, per m anente p atrim ô nio, ção de todos os sacra m entos co m o m eios de salvação e assim leva-
as seitas an abatistas retiveram aquele p rincípio que — co m fu n- j a m o “d esencan ta m entò)’ religioso do m u n d o i s suas ú ltim as
d a m entação algo diversa — já chegam os a con hecer no calvinis- conseqüênçiasí'1 Som ente a “luz in terior” [d a revelação con tin u a-
m o, e cu ja im p ortância fu n d am ental não cansará de vir à tona: a da] habilitava de m o d o geral à verdadeira com p reensão das p ró-
co nde n ação inco n d icio n al de toda “divinização da criat ura ” e n - p rias revelações bíblicas de De u s.182 Seu efeito, p or o u tro la do,
q u a n to desvalorização do respeito devido s o m e n t e a D p u s 179 A podia esten der-se a seres h u m a nos que ja m ais haviam con hecido
con d u ta de vida bíblica foi pensad a na prim eira geração de a naba- a for m a bíblica da revelação, ao m enos segu n do a d o u trin a dos

tistas, tanto os da Suíça q uanto os do Sul da Ale m an ha, de for m a q u akers, que nisso for am às últim as co nseq ü ências. A m áxim a
tão radical q u anto aquela que se encontra originalm ente em são “ex tra ecclesiam n ulla salu s” só valia, p or ta n to, p ara essa Igreja
Francisco: co m o br u sco ro m pim en to co m tod o co nte nta m en to invisível dos ilu m inad os pelo Espírito. Sem a luz in terior o ho m e m
co m o m u n d o e u m a vida segun do o estrito m od elo dos apóstolos. natu ral, m esm o quan do guiado pela razão n atu ral,183 não passa de
E de fato a vid a de m uitos de seus p rim eiros representa ntes le m bra u m ser p u ra m ente criatu ra, cuja distância em relação a Deus os

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a n a b atista s, qu akers incluíd os, sentiam de m a n eira qu ase mais fer das paixões e subjetividades do h o m em “natural”; por isso ele
co n tu n d en te q ue os calvinistas. Por sua vez, a regeneração que o deve calar-se, a fim de criar na alm a silê ncio profu n do, que só no
Es pírito suscita, se persev eram os em sua espera e a ele nos entrega- Silêncio Deus pode vir a falar. Claro, a ação dessa“espera perseve-
m o s in terior m ente,p od e,porq u anto obra de Deus, con d u zir a um r a n te” p odia d esem boca r em estados histéricos, p rofecias e, en-
esta d o de superação tão co m pleta do po der do p eca d o184 que as q u a nto persistissem esperanças escatológicas, por vezes até m es-
recaíd as ou mesm o a perda do estado de graça se tor n a m de fato m o n u m a explosão de entusiasm o [q uiliástico], [com o é possível
im p ossíveis, em bora, com o m ais tarde no m etodis m o, o acesso a oco r rer em todas as m odalidades de pie d a de fu n dam entadas de
esse esta do não fosse uma regra geral, u m a vez que o gra u de per- m o d o sim ilar] e que de fato ocorreu naqu ela corrente q ue acabo u
feição do indivíd uo era passível de evolução. Todas as co m u nid a- exter m in a d a em M ünster. £4as q uan do o a nabatis m o se carreou
des anabatistas, poré m, queriam ser com unid a des ^ p u ras’’ n o sen- p ara vida p rofissional m un d an a nor m al, a idéia de que Deus fala
tid o de u m a con d uta im acula da de seus m em br os. O afastam ento so m ente q u an d o a criatu ra se cala passou a ter clara mente o se nti-
in te rio r perante o m u n d o e seus interesses e a su bm issão in co n - do de ed ucar para u m a pon deração serena da ação, orienta d a por
d icio n al ao d om ínio de Deus que nos fala à co nsciência era m as u m cuid a d oso exam e de co n sciência indivixluaL/85 Esse caráter
ú nicas m arcas infalíveis de u m a efetiva regeneração, e a con d u ta sereno, sóbrio e sobretu do consciencioso foi então a dota do ta m -
corres p on d ente, por conseg uinte, u m p ré-req uisito d abe m -aven- bém pela práxis vital das com u nid a des a nabatistas m ais tar dias,
tu ra nça. O btê-la por m érito n ão se podia, posto que d om da graça m ui esp ecificam ente a dos guakersí [O ra dical desenca n ta m ento
divin a, m as som ente àquele que vivia segu ndo sua consciência era f io m u n d o não d eita va in te rior m ejite o u tro ca m in h o a seguir a
lícito consid erar-se regenera d o. As “boas o b ra s”, nesse sentido, Hão ser a ascese in tra m u n d ana-Para com u nid a des que não quises-
era m causa sine qua non. Já se vê: estas últim as linhas de arg u m en- sem ter na d a a ver co m os po deres p olíticos e seu quefazer, daí
tação a que nos ativem os p r atica m ente se ig ualam e m Barclay à resulto u, extern am en te m esm o, que essas virtu des ascéticas co n-
d o u trin a refor m a da {calvinista} e certa m e nte fora m desenvolvi- flu íra m p ara o tr a balh o p rofissio n al.] E n q u a n to os líderes do
das ain da sob influência da ascese calvinista, com a qual depara- m ovim en to anabatista dos p rim ó dios havia m sido de_um ra dica-
ra m as seitas anabatistas na In glaterra e nos Países Baixos, e cuja lis m o br u tal em seu divórcio do m u n do, é natural que já 11a pri
a pro priação internalizad a, levada a sério, to m ou conta da prega- m eira geração a con d uta de vida estrita m ente ap ostólica n ãa m ais
ção de G. Fox em to d a a p rim eira fase de sua ativida de missionária. fosse consid erad a n ecessariam ente por todos co m o in dispensável
jVTas psicologica m ente — visto que eles co n denava m a d o u- gara dar prova de regeneração. A essa geração já pertencia m ele-
trina da predestin ação — o caráter especifica m ente m etódico da m entos b u rgueses e n din heirados e, m esm o antes de Men no, que
m oralida de dos anabatistas repousava antes de tu d o na idéia de finco u be m o pé no terreno da virtu de profissional intra m u n d ana
“espera persevera n te” pela ação do Espírito, que ain da h oje im p ri- e na ord em da propriedade privada, p estrito rigor m or al dos ana-
m e seu cu n h o ao m eeting qu aker e foi lin d a m ente analisad a p or Jbatistas. j á se havia volta do em term os práticos a esse leito, aberto
Barclay: finalida de dessa p erseverança, que deve ser silenciosa, é gela ética refo rm a d a {ca lv i n is t a }, ^ ju s t a m e n te porqu e desde
triu nfar do q u an to há de in stin tivo e irracion al em cad a u m, triu n- Lutero. a quem nes^e p on to até os anabatistas seg uira m , estava

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f o r a de cogitação ca m in h ar p ara a fo r m a m o n á s tica de ascese, atitu de dos anabatistas pera nte a vida profissional um caráter cuja
exíra m u n d a n a, porquanto n ão-bíblica e assimilada à sa ntificação gran de sig nificação para o d es dobra m ento de im portantes aspec-
p elas obras.;Acontece q ue, p a ra não falar das com u nid ades semi- tos do espírito ca pitalista só chegarem os a con hecer de perto [m ais
co m u n istas dos p rimeiros tem pos, das quais não cabe tratar aqui, adiante, e m esm o e ntão só na m edid a em que isso for possível] ao
a té os dias de h oje u m a seita an abatista — os ch a m a d os tu nker discu tir m os o conju nto da ética p olítica e social da ascese p rotes-
( do m pelaers, dunckards) — insiste na con d enação da ed ucação e tante.''J / eremos então — par a antecipar ao m en os isto — que a fo r-
d e to d a propriedade q u e exceda o lim ite vital do in dispensável, m a específica que essa ascese in tra m u n d a na assumiu entre os an a-
m a s até m esmo Barclay, por exem plo, n ão enten d e a fidelida de à b a tis tas, es pecialm ente os q uakers,Í88 a ju ízo do século x v ii já se
v ocaçã o p rofissional d e m od o calvinista, nem seq u er de m o d o m a nifestara na com provação p rática d aquele im porta n te p rincí-
lu te r a n o, m as sim to m ista, a saber, co m o u m a conseqüência “natu- p io da “ética” capitalista que se usa form ular assim: honcsty is the
rali rat ion e” inevitável do en re d a m en to do fiel n o m u n d o.187 Se best polic y { hQoestiík d e é â m ejh o r p Q iítiç a}189 e que, aliás, e ncon-
nessas visões se instalava uma diluição da concepção calvinista de
vocaçã o profissional assim co m o em m uitas afir m ações de Spener .CQ^Em co n tra p ar tid a, cabe su p or q ue os efeitos do calvinis m o
e d os pietistas ale m ães, nas seitas a n ab atistas, p o r o u tr o la do, fora m m ais na direção de soltar a energia aquisitiva n o cam po da
au m e n tav a s ubstancialm ente a intensid ade do interesse profissio- econ o m ia privad a: pois apesar de tod o o apego do “sa nto” à lega-
nal de cu n ho econôm ico, e isso p or diversos fatores. Prim eiro, pela lidade for m al, no frigir dos ovos o que para o calvinista vigorava
recu sa de assu m ir ca rgos p ú blicos, origin alm en te co ncebid a era o mais das vezes a m áxim a de Goethe: “O hom em de ação não
co m o u m dever religioso decorrente do afastam ento do m un do, tem consciência, consciê ncia só tem aquele que contem pla”.1201
recu sa que, m esm o deixan do de ser u m p rincípio, persistiu na p rá- U m o u tro ele mento im p ortan te que favoreceu a intensid a de
tica, ao m enos entre m enonitas e quakers, p or con ta de u m a estri- da ascese in tra m u n d a n a das d en o m in ações a nabatistas só pode
ta p roibição de porta r ar m as e p restar ju ra m e n to, o que desde logo ser consid era do em sua plena significação n u m o u tro con texto.
os desqualificava para os cargos p ú blicos. De braço d ado co m isso N ão obstan te, p o d e m -se a dian tar a p ro p ósito algu ns co m e n tá-
vin ha, em todas as d en om inações a nabatistas, a invencível h ostili- rios, até para ju stificar a or d em de exp osição aqui escolhida. De
dade ao estilo de vida aristocrá tico em q ualq uer de suas m od ali- caso pensado, não partim os das instituições sociais objetivas das
dades, que era em parte u m a d ecorrência da p roibição da glorifi- antigas igrejas p rotestantes e suas influências éticas, n em , em p a r-
cação da criat u ra, co m o nos calvinista s, em p arte ig u alm en te tic ular, da disciplina eclesiástica, tão im p ortante, m as dos efeitos
conseq ü ência desses p rincípios ap olíticos ou m esm o a n tip olíti- que a a pro priação subjetiva da religiosid ade ascética p or parte do
cos. Toda a m etó d ica sóbria e co n scienciosa da co n d u ta de vida indivíduo estava talha d a a s uscitar na con d u ta de vid a. E n ão só
anabatista era co m isso canalizada para os trilhos da vida p rofis- p orq ue esse lado da coisa foi de longe o m enos estu dad o até hoje.
sional apolítica. Nesse sentido, a e n or m e significação que a d ou- Mas ta m bé m porque o efeito da disciplina eclesiástica nem sem -
trin a an abatista da salvação im p rim ia à inspeção exercita da pela pre ia n a m esm a direção. O con trole eclesiástico-p olicial da vida
consciência, en q u a n to revelação in divid u al de De us, co nfe riu à do in divíd u o, tal co m o foi p r atica d o nos ter ritó rios das igrejas

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estatais cabvinistas, tocan do as raias da In q uisição, pod ia ao co n- pSta d o de graça” religioso, enco ntra d iça em todas as denom ina-
trario con trapor-se, p or assim dizer, àquela liberação das forças jÇÕes, p recisa m ente com o u m estado (status) que separa o h om em
individ uais que era con dicionada pela busca ascética da a pro p ria- d o estado de d anação em que jaz tu do q u a nto é criat u ra,194 ou seja,
ção metódica da salvação, e de fato assim ocor reu em certas cir- lepara do “m u n d o”, mas cu ja posse só se pode garantir — seja lá
cu nstancias. E do m esm o m odo que a regula mentação estatal do Como ten ha sido obtida, e isso depen de da dogm ática da respecti-
m ercan tilis m o p o dia evid ente m en te fazer valer sua disciplina ;v a d e no m in ação — [ n ão p or u m m eio m á gico-sacra m ental de
desenvolvendo in dústrias, mas não, pelo m enos sozinha, o “espíri- qualq uer espécie, ne m pela descarga na confissão nem por obras
to capitalista — m u ito pelo co n tr á rio, pois o n de assu mia u m pias isola das, mas som ente] pela com prov ação cni u ma con d u ta de
carater policial e a utoritário ela m uitas vezes paralisou o desenvol- tip o es p ecífico, in eq u iv oca m en te d istin ta do estilo de vida do
vim en to deste — , assim tam bém po dia s u rtir o m esm o efeito a i hom em “n at u ral” É daí que provém para o indivíd uo o estím ulo ao
reg u la m en taçã o da ascese pela d iscip lin a eclesiástica q u an do con trole m e tódico de seu estado de graça na con d ução da vida e,
d esenvolvia m o d os excessiva m ente p olicialescos: ela im p u n h a portanto, à sua im p regn ação pela ascese. Esse estilo de vida ascéti-
entao u m d eter minad o co m p orta m en to exterior, mas e m certas co significava, p orém , co m o vim os, p recisam ente u m a co nfor m a-
circu nstâncias paralisava os estím ulos subjetivos à con d u ta de vida ção racional de to d a a existência, orienta d a pela vonta de de Deus.
m etódica. Toda discussão desse p o n to191 deve pois levar em conta E essa ascese não era mais u m opus supererogationis, mas um feito
a gran de diferença que, em seus efeitos, havia entre a polícia m oral exigido de to do aquele que quisesse certifica r-se de sua bem -aven-
das igrejas oficiais, que era a utoritária, e a polícia m oral das seitas, tu rança. [Essa singular vida das santos, cobrad a pela religião e d is-
que repousava na submissão volu ntária. Q ue o m ovim ento anaba- tin ta da vida “n at u ral”, passava-se — o decisivo é isto — não mais
tista em todas as suas d enom in ações ten ha prod u zido fu n d a m en- fora do m u n d o em co m u n id a d es m o n ásticas, sen ão den tra d o
talm ente seitas >e n ão “igrejas”, é u m fato que de todo m od o rever- m u n d o e suas ordens. 1 Essa racion aliz ação da con d uta de vida no
teu em benefício da intensidade de sua ascese, tan to qu anto — em m u n d o mas de olho no O u tro M u n do é [o efeito d]a concepção de
gra us diversos foi esse o caso daquelas com u nid a des calvinis- profissão do p rotestantis m o ascético. '
tas, pietistas e m etodistas, que fora m im pelid as por sua situação de ~JÃ ascese cristã, que de início fugira do m u n d o para se r e tir a r '
fa t o para os trilhos da for m ação de com u nid a des volu ntárias.192 na solidão, a p artir do claustro havia d om ina do eclesiastica m ente
Dep ois que o p resente esboço p rocu ro u d eslin d ar a fu n d a- o m u n d o, en q u a nto a ele ren u nciava. Ao fazer isso, no en ta nto,
m en tação religiosa da id éia p u rita n a de vocaçã o p rofission al, deixou de m o d o geral in tacta a vida c o t i d i a n a no m u n d o co m seu
agora só falta aco m p a n há-la em seu efeito sobre a vida de negócios. caráter n atu ralm en te espontâneo., Agora ela ingressa no m ercado
Apesar de tod as as divergências no detalhe e de toda a discrepân- da vid a, fecha atrás de si as p orias do m osteiro e se põe a im preg-
cia de acen to qu e n as diversas com u nid ad es religiosas ascéticas n a p .c o m sua m etó dica ju sta m en te a vida m u n d a na de todo dia. a
recai sobre os p o n tos de vista que n os são decisivos, estes últim os tra n sfo r m á-la n u m a vid a racion al no m u ndo, não deste m u n d o,
m ostra ra m -se p resentes e eficazes em todas elas.193 Para reca pit u- não para este m u n doí Co m que resultado, a seq üência de nossas
lar: ° decisivo para nossa co nsideração sem pre foi a concepção do exposições p rocu rará m ostrar.

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