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REVISTA
42 de ECONOMIA POLÍTICA
e HISTÓRIA ECONÔMICA
Ano 15 – Número 42 – julho de 2019
Índice
05
O Capitalismo Regido Pelas Finanças e a Grande Recessão
Caio V. F. Vilella
16
Desafios Éticos Contemporâneos das economias de mercado
Alexandre Lyra Martins
36
O Processo de Concorrência Capitalista em Marx
João Daniel Poli
Luciano Costa Souza
51
O Banco de Compensações Internacionais (BIS) e a unificação monetária europeia
Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli
Fernando Roberto Freitas Almeida
Luiz Eduardo Simões de Souza
68
Integração Regional na América Latina: debatendo os fundamentos sócio
históricos da dependência estrutural e da unidade latino-americana
Mariana Davi Ferreira
Alexandre César Cunha Leite
Jaime Cesar Coelho
88
A inserção Externa da Argentina: uma análise a partir do comércio intra-industrial
com Brasil, Estados Unidos e China
Virginia Laura Fernandez
Marcelo Luiz Curado
109
Bases Históricas do Desenvolvimento Mexicano (1876 - 1940)
Eduardo Gonzales Silva
Ivan Colangelo Salomão
123
A Crise Asiática de 1997 e a Imunidade Taiwanesa: um estudo sobre a
estruturação do setor externo de Taiwan
Ben Lian Deng
135
O comércio de abastecimento de carnes verdes para o Rio de Janeiro no início do
século XIX: uma via para a acumulação mercantil
Pedro Henrique Pedreira Campos
154
A trajetória da economia capixaba entre 1985 e 2009
Heldo Siqueira da Silva Junior
Gustavo Rocha Bulgareli Ferreira
181
A Inserção Feminina no Mercado de Trabalho sob o Contexto Capitalista nas
Regiões Metropolitanas do Brasil do Período 2003 - 2014
Alana Paula de Araújo Aires
André Cutrim Carvalho
199
O Brasil e a necessidade de um New Deal
Cássio Silva Moreira
220
GALA, Paulo. Complexidade econômica: uma nova perspectiva para entender a antiga
questão da riqueza das nações. Rio de Janeiro: Contraponto; Centro Internacional Celso
Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2017.
http://rephe01.googlepages.com
e-mail: editoriarephe@gmail.com
2
Expediente
Número 42, Ano 15, julho de 2019.
Uma publicação semestral do GEEPHE – Grupo de Estudos de Economia Política e História Econômica.
http://rephe01.googlepages.com
e-mail: editoriarephe@gmail.com
ISSN: 1807 – 2674 (versão física); 2674 – 5666 (versão online).
Conselho Editorial:
Edição:
Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli
Autor Corporativo:
GEEPHE – Grupo de Estudos em Economia Política e História Econômica.
A REPHE – Revista de Economia Política e História Econômica – constitui mais um periódico acadêmico que visa
promover a exposição, o debate e a circulação de ideias referentes às áreas de história econômica e economia
política. A periodicidade da REPHE é semestral.
Editorial
Fátima Previdelli
Editora
Editorial
This 42th issue of the Journal of Political Economy and Economic History
begins its fifteenth year of continuous publication, always in defense of the
exposition, debate, and circulation of ideas in Political Economy and Economic
History.
Consistent with the editorial line adopted a few issues ago, the twelve articles and
reviews presented here are organized into three thematic axes, namely: (I)
International Political Economy, (II) Contemporary World Economic History, and
(III) Applied Studies in Economic History of Brazil.
Fátima Previdelli
Editor
4
Ficha Catalográfica
Revista de Economia Política e História Econômica / Grupo de
Estudos em Economia Política e História Econômica - Número
42, Ano 15, julho de 2019.
Semestral
5
Caio V. F. Vilella2
Resumo
As crises, recorrentes ao sistema capitalista, ganham força e intensidade com a preponderância das
finanças sobre as demais atividades, tornando-a capaz de alterar a lógica de funcionamento e a estratégia
dos agentes. Dessa forma, com as inovações financeiras, a finança é capaz de estender o movimento de
expansão do capital num período de boom, mas com o preço de gerar dívidas com montantes que
reduzem a eficiência do gasto governamental sobre a demanda agregada em períodos de crise. Ao passo
em que a dívida privada é transferida para dívida pública, a deflação dos ativos privados passa a ser
deflação dos títulos das dívidas públicas, colocando os países periféricos da zona do euro em um risco de
solvência após adotarem austeridade fiscal.
Abstract
The crises of the capitalism became strongest and more frequently with the preponderance of finance over
other activities, making it capable of altering the operative logic of the system and the strategy of the
agents. Thus, with financial innovations, finance were able to extend the movement of capital expansion
in boom period, but with the price of generating debt with amounts that reduced the efficiency of
government spending on aggregate demand in crisis times. As private debt was transferred to public debt,
the deflation of private assets became deflation of government debt securities, putting peripheral eurozone
countries at risk of solvency after to get in fiscal austerity.
1
Artigo apresentado em 02/03/2018. Aprovado em 30/06/2018.
2
Mestre em economia pela Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp). Doutorando em economia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ).
6
1. INTRODUÇÃO
3
Essas eram operações de crédito estruturado usados para repartir os riscos e tornar passivos ilíquidos de alto risco
em ativos líquidos prontos para serem negociados.
9
subiu e/ou porque a renda caiu, reverteram sua posição financeira frente à incerteza manifestada
e os calotes começaram a ocorrer em todas as formas de crédito, trazendo todo o risco à tona.
As unidades altamente alavancadas, encontraram-se em uma situação de liquidez mais
vulnerável do que imaginavam. Nesse momento, todas foram ao mercado se desfazer de seus
títulos, derrubando os preços e gerando um grave problema de liquidez. Pelo fato de muitas
unidades enfrentarem problema de liquidez simultaneamente, o fluxo de pagamentos das
vívidas foi interrompido, causando um problema de solvência generalizado (MENDONÇA E
DEOS, 2009).
Com o decorrer desse processo de deflação dos ativos, o Banco Central americano é
chamado a intervir no mercado e socorrer as instituições com risco de solvência. O primeiro a
ser resgatado foi o Bear Stearns em maio de 2008. Porém, o ápice da crise veio com a falência
do Lehman Brothers, em setembro do mesmo ano, que não foi socorrido pelo Federal Reserve
(FED). Mostrando toda a descompartimentalização característica de um sistema finance-led, a
falência de um banco impulsiona a deflação dos ativos e coloca em risco a solvência de algumas
outras instituições que também possuíam os ativos deflacionados em seus balanços.
Dessa forma, o Governo americano foi obrigado a intervir na economia, injetando forte
liquidez para que o crédito voltasse a circular após ser paralisado com a falência do Lehman.
Apenas a redução na taxa de juros e na taxa de redesconto não foram suficientes, para evitar
problemas de liquidez o Fed teve que atuar imediatamente após a falência do Lehman
disponibilizando um fundo de US$ 800 bilhões para instituições bancárias afetadas (FARHI,
2012).
Porém, como já mencionado, um sistema finance-led é caracterizado por uma atuação
financeira mais intensa de empresas não financeiras. Não tardou até o tesouro ter que ampliar o
fundo para que pudesse alcançar quaisquer empresas em dificuldades afetadas pela crise que
começou no lado financeiro. Tal medida foi essencial para salvar empresas não-financeiras
como Chrysler e a General Motors (FARHI, 2012). Além de ampliar o alcance, foi necessário
ampliar o tamanho do socorro, transformando dívida privada em pública. Segundo Farhi (2013,
p.120): “Os planos de resgate dos EUA atingiram US$ 7,4 trilhões, incluindo o Troubled Asset
Relief Program (US$ 700 bilhões, gerido pelo Tesouro), segundo estimativas da Bloomberg”.
Uma vez estancada a deflação dos ativos e restabelecido os ganhos financeiros, ou seja,
dada a volta do “business as usual”, as atenções se voltam para o tamanho da dívida do Estado.
Os agentes privados começaram a questionar-se diante da capacidade do governo em honrar
seus compromissos. Devido ao “privilégio exorbitante” dos EUA em serem o emissor da moeda
chave do sistema, sua capacidade de pagar as dívidas raramente é questionada, com exceção de
um impasse jurídico em 2011 que foge ao escopo desta breve discussão 4. Assim, os ataques
especulativos contra as dívidas soberanas, que em última análise tem seus preços de mercado
representados pela expectativa do mercado na solvência do país, vão ocorrer em países
periféricos mais vulneráveis ao fluxo de capital que se mostra instabilizador, dada as
características já destacadas de um sistema marcado pela dinâmica finance-led.
4. A CRISE DO EURO: SEGUNDA RECESSÃO
Entre 2007 e 2009, a crise se deflagra pelo mundo. As lições da grande depressão
pareciam ter sido aprendidas e as políticas dos países do G20 foram expansionistas e visavam a
recuperação econômica na maior parte do mundo até 2010. Contudo, essa recuperação veio de
forma lenta e a passos vagarosos, enquanto que após estancada a deflação dos ativos, a situação
fiscal começou a aparecer no radar como algo a ser acompanhado de perto pelas autoridades.
O tamanho das finanças dentro dessa nova dinâmica capitalista reduziu a eficiência
marginal do Gasto Público. Uma injeção de bilhões de dólares de gasto público, talvez tivesse
impacto maior durante as crises anteriores, mas dentro da dinâmica finance-led, esse valor não
4
Para maiores informações, ver matéria do Valor de 02 de agosto de 2011 (disponível nas referências deste trabalho).
10
se mostrava nem perto de cobrir somente a posição que a seguradora AIG tinha assumido no
mercado de derivativos, onde o valor nocional girava em torno de US$2,7 trilhões (FARHI,
2012).
Dessa forma, a expansão do déficit público mostrou uma aceleração maior do que a
recuperação da economia, acendendo um sinal de alerta no radar das autoridades europeias.
Entre 2010 e 2012, os EUA continuavam a praticar sua política expansionista, comprando
títulos do tesouro e jogando moeda no mercado para garantir a liquidez, enquanto o Tesouro
gastava para retomar o nível baixo de desemprego. Por outro lado, a União Europeia começava
a questionar os níveis da dívida fiscal praticada por seus membros. Com isso, a austeridade
fiscal e o equilíbrio das contas públicas tomaram o lugar central que antes era dado à retomada
do crescimento. Essa preocupação fiscal acaba mergulhando a economia europeia em uma
segunda recessão.
Com a Alemanha optando por uma política anticíclica baseada em acordos sindicais de
arrocho salarial para dar competitividade à suas exportações, os demais países da zona do euro
assistem a uma deterioração sistêmica de seus termos de troca, uma vez que a Alemanha
consegue aumentar a competitividade de seus exportados através da redução dos custos do
trabalho.
Se de um lado a Alemanha registrou superávits em conta corrente, do outro, países da
periferia do euro fizeram a contraparte ao registrarem déficits sistêmicos em conta corrente. Se
os países tivessem uma moeda soberana estariam em uma crise cambial tal qual Rússia, México
e Brasil nos anos 1990. Mas, por fazerem parte da União Europeia, esses países não podiam
desvalorizar sua moeda relativamente ao país superavitário. A alternativa que resta, apesar de
não ser prontamente adotada pelos países, era fazer um ajuste interno reduzindo a atividade
econômica e impactando negativamente nas importações a fim de melhorar o saldo comercial
(FARHI, 2012). Dessa forma, o que seria uma crise cambial, se manifesta como uma crise de
solvência financeira depois da contração econômica.
No gráfico 1 é possível verificar que o gasto público, tomado como percentagem do PIB
que vinha crescendo gradativamente desde o início do século, acelerando no imediato pós-crise,
mas permanecendo estável, quando não decrescendo, após 2010:
11
20%
0%
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 0 1 2 3 4
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 1
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Fonte: http://www.tradingeconomics.com/greece/government-bond-yield
Figura 2 – Juros do título da dívida Italiana
Fonte: http://www.tradingeconomics.com/italy/government-bond-yield
É possível ver nitidamente o efeito das políticas austeras praticadas entre 2010 e 2012
na taxa de juros dos títulos gregos e italianos. As taxas de juros mais elevadas refletem um
aumento do risco da dívida pública desses países. A agência de classificação de risco Moody’s
atribuía uma nota A3 para os títulos gregos em abril de 2010, após anos de políticas austeras,
reavaliou sua classificação para C em março de 2012. Essa mesma agência rebaixou a nota do
título italiano de Aa2 em junho de 2011 para Baa2 em apenas 13 meses de políticas austeras.
13
Por sua vez, os rebaixamentos da classificação de risco que em partes reflete o aumento
da taxa de juros destes títulos, também é responsável por reduzir o preço destes títulos no
mercado secundário.
Não obstante, ao se depararem com uma desvalorização dos títulos que estão em sua
carteira, os agentes internacionais vão ao mercado se desfazer desses títulos que estão
deflacionando para recompor sua carteira com títulos dos países centrais, considerados mais
seguros e líquidos.
Finalmente, não demorou até que essa corrida para se desfazer dos títulos públicos
desses países se generalizasse e acabasse deflacionando o ativo daquele país no mercado
internacional tal como um processo de deflação de ativos descrito por Fisher (1933), porém, em
vez de ser uma empresa, era um país que estava no alvo da especulação.
5. CONCLUSÃO
Portanto, a Grande Recessão pode ser dividida em uma primeira recessão gerada pelas
inovações financeiras que prometiam quantificar o risco de forma que o agente pudesse calcular,
diversificando-o na mão de diversos pequenos agentes, mas que na prática, acabaram
camuflando o risco e o concentrando na mão de grandes instituições que quando não eram
grandes demais para falir, se mostravam interconectadas demais para falir (AGLIETTA, 2008).
Seguida de uma segunda recessão, onde após a deflação dos ativos privados ser estancada, a
prioridade que era dada ao crescimento, passa para o controle da dívida pública, gerando um
ciclo vicioso de deflação dos ativos públicos e desconfiança dos agentes na capacidade dos
governos honrarem seus compromissos.
Finalmente, pode-se concluir que esse sistema econômico com as finanças dominando
as decisões e estratégia dos atores econômicos, levou à uma recessão puxada pelas inovações
financeiras que permitiram um nível de alavancagem tão alto que acabou reduzindo a eficiência
marginal do gasto público, obrigando o governo a fazer um esforço fiscal muito maior para
impulsionar o crescimento. Enquanto que os países que optaram por focar no controle da dívida
promovendo a austeridade fiscal, acabaram entrando em uma segunda recessão que ainda não
mostrou seu fim.
14
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Resumo
O objetivo deste trabalho é discutir os desafios éticos de natureza econômica aos quais as sociedades
ocidentais modernas se colocam ao escolher um projeto político de certa orientação econômica para o
governo. Para isso recorre-se às concepções éticas das escolas referenciais do pensamento econômico,
que, como regra, fundamentam os projetos políticos mais frequentemente nos governos das economias de
mercado. O trabalho constata que, apesar de uma confluência em alguns pontos, os desafios éticos se
distinguem, indo do aprofundamento dos valores do mercado ao encaminhamento de formas de
acompanhamento da gestão de grandes empresas.
Abstract
The objective of this paper is discuss the ethical economic challenges of the modern western societies,
which are placed when choosing a political project of some economic orientation to the government. In
order to do this, we have recourse to the ethical conceptions of the reference schools of economic thought,
which, as a rule, are the basis of the most present political projects in the governments of the market
economies. The work shows that, despite a confluence in some points, the ethical challenges are
distinguished, from the deepening of market values to the referral of ways of monitoring the management
of large companies.
1
Artigo apresentado em 01/08/2018. Aprovado em 11/08/2018.
2
Doutor em Economia pela Universidade Técnica de Lisboa. Professor associado da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB).
17
A ética econômica foi por muito tempo tema pouco abordado na discussão teórico-
científica de economia e na estrutura curricular acadêmica dos cursos de ciências econômicas no
Brasil e no mundo, porém a situação tem mudado. O nascimento da ciência econômica está
ligado às questões éticas, uma vez que Adam Smith escreveu uma obra teórica referencial sobre
o assunto, a Teoria dos sentimentos morais (adiante denominada TSM), que antecedeu e
forneceu alguns fundamentos para a construção de seu livro fundador da ciência econômica: A
riqueza das nações3. Depois disso, o paradigma neoclássico trilhou caminhos que, na maior
parte das vezes, relegou a ética a um segundo plano ou abandonou esse elemento da construção
teórica, contudo, mais recentemente os estudos sobre ética e economia nessa vertente foram
retomados, principalmente a partir da consagração do trabalho de Amartya Sen.
Do outro lado do arco teórico, esforços têm sido realizados no sentido de explicitar e
revelar elementos éticos na obra marxiana, que diferentemente de Smith, não mostra referências
diretas sobre a questão em seus textos, como atestam Cunha e Dias (2016) e Quiniou (2012).
Partindo da crítica aos clássicos4, os estudos sobre a ética em Marx se baseiam em dois livros
em que há alguns elementos relacionados: A ideologia alemã e o Para a crítica da economia
política. Na sequência cronológica, após Sen, Galbraith (2004) se destaca nos estudos
posteriores de Keynes desenvolvendo uma teoria ética inspirada na contribuição keynesiana,
investigando problemas éticos associados ao capitalismo do século XX. Essa retomada dos
estudos sobre a ética econômica fornece substrato para discussões diversas, e aqui, em
particular, se pretende discutir quais seriam os desafios éticos das economias mercantis nas
sociedades ocidentais no limiar do século XXI, a partir das referências teóricas econômicas
supracitadas, que fundamentam os projetos políticos que ascendem ao poder.
3
Ainda que haja algum debate, tem prevalecido a tese da complementariedade entre essas duas obras
referenciais, como atestam Bianchi (1988, 104-106), Feijó (2007, 114) e Passos (2006).
4
Nesse caso, em particular, a Smith, devido à sua contribuição na área discutida.
18
Antes de ser reconhecido como o fundador da ciência econômica, Adam Smith já era
um filósofo moral relativamente reconhecido como tal. Acadêmico, discutiu ideias com outros
filósofos como Voltaire e Hume, se posicionando ao lado desses e de Locke na defesa da
sociedade constituída a partir da liberdade individual, em oposição a Hobbes, que acreditava
mais na força do caráter desagregador da liberdade, gerando uma sociedade cheia de conflitos
em torno dos interesses particulares, e que, por consequência, seu marco fundador deveria ser o
próprio Estado, a partir de leis que garantiriam a convivência social de diferentes interesses.
Tanto Smith se alinhava com esses pensadores que os princípios fundamentais do iluminismo 5
também são seus fundamentos, norte das ideias que veio a desenvolver sobre ética e,
posteriormente, sobre economia, tendo como um de seus principais pontos de partida a crítica à
fábula das abelhas, poema marco de Mandeville (2018), para os estudos posteriores na área, do
que pode ser denominado de egoísmo ético (Fonseca, 1993, 134).
A força da fábula das abelhas reside em boa parte na criatividade do autor e na forma
como executou bem sua inusitada ideia de uma fábula para falar da prosperidade da economia
mercantil ironicamente. Smith simpatizou com a estória das abelhas, porém detectou algo
equivocado na leitura da moral reinante. Para ele, o problema central de Mandeville foi associar
toda ação humana motivada pela vantagem econômica ao vício, à corrompção, sempre imbuída
de má fé, algo ligado aos pecados capitais; a ganância, a avareza, a gula, etc. Smith percebeu
que ele não teve o cuidado de qualificar as paixões, o que traria implicações distintas. A
ganância ou qualquer outro desejo humano pode ser levado para lados opostos, para direções
antagônicas no campo da moral, acarretando em consequências de igual rumo. Podem ser
negativas, se houver uma perda do controle ou se o que as mover for a má fé, e assim também
seriam seus frutos, improdutivos, resultando em prejuízo social de alguém ou de algum grupo,
por outro lado podem ser positivas, quando, mesmo não havendo uma boa intenção direta (a
vontade do produtor no mercado é beneficiar a si próprio), o indivíduo deixa um benefício às
pessoas, caracterizando uma boa intenção indireta, que gera reconhecimento social. A ganância
do produtor, portanto, é diferente da ganância do ladrão ou do fraudador, é positiva porque gera
empregos, bens e serviços para consumo das pessoas, configurando-se numa virtude, mas pode
ser negativa se no próprio ato de produzir, for desvirtuada, trapaceando a concorrência para
obter preços mais baixos (adotando qualquer recurso ilícito, como por exemplo, trabalho
escravo) ou mais altos (se o objetivo for suprimir a concorrência). Trata-se de mercados livres,
mas tendo a própria liberdade por referência, os jogadores têm limites relacionados a ela, assim,
só uma disputa leal seria eticamente justa e garantiria os resultados esperados pela sociedade
para essa forma de organizar a produção e a circulação de mercadorias. Já no âmbito do setor
público, quem se candidata a algum emprego deve estar compromissado com o interesse
coletivo e servir bem aos demandantes daquele serviço, com interesse financeiro restrito ao
salário que vai receber pelo cargo.
5
Os fundamentos filosóficos do iluminismo são sintetizados e discutidos em Rouanet (1992).
19
mais específicas que geram benefícios para si e para a coletividade. As sociedades estabelecem
consensos em torno dos valores que consideram positivos, desejáveis, no caso da economia
mercantil, principalmente em torno do enriquecimento através da produção, ao mesmo tempo
em que rejeita a riqueza obtida por meios desvirtuados. Smith afirma que uma economia de
livre mercado é formada a partir da identidade com o outro, que é estabelecida com base nos
benefícios do convívio social e econômico alcançados a partir das inciativas individuais. Esta é
a ideia central da TSM: no convívio social são reforçados os laços sociais por meio das
afinidades morais entre os participantes, ou seja, através da simpatia, e esses são repassados às
gerações futuras por meio de reprodução de valores positivos dentro dos ambientes sociais e
familiares, onde a afinidade é natural como regra, já que a família é o esteio emocional e
econômico dos indivíduos.
Fechando a TSM, aparecem os sentimentos como elemento central, a base das decisões
acerca do que é certo ou errado, em função do que as ações provocam no indivíduo: um bem-
estar ou mal-estar. O racional é mediado pelo sentimento (o hedonismo é uma das bases da
razão no iluminismo), a reação humana às próprias atitudes e às de terceiros passa pelas
conexões nervosas e cerebrais, mas a resposta decorre do padrão moral construído, formado a
partir do que se sente em relação a elas. Note-se que a razão humana é marco crucial da
construção iluminista, que anuncia a evolução do homem racional ao perceber que pode separar
o divino da vontade humana, inaugurando uma capacidade de discernimento que lhe permitirá
conviver com a liberdade, gerando desenvolvimento científico e social, mas ela é instrumento a
partir do qual os sentimentos fluem e definem os juízos morais 6.
6
Cerqueira (2006) faz uma breve exposição acerca da discussão entre racionalistas e empiristas, reforçando o aspecto
deontológico da concepção smithiana, em que as percepções morais são definidas a partir dos sentimentos.
7
Papel que no capitalismo moderno do século XX várias vezes foi desvirtuado para proporcionar o enriquecimento
fraudulento de agentes financeiros em grandes crises.
20
formação do valor, incluindo aí a atividade empresarial, pois sem esta não teríamos a economia
de mercado nem a própria divisão do trabalho, de forma que seu papel é crucial para o
estabelecimento do novo paradigma de produção.
Por este paradigma, a sociedade e a economia liberais são fundadas no indivíduo que
defende o valor fundamental da liberdade e assim, prevalece a vontade da maioria que segue as
virtudes e condena os vícios, persegue os valores construtivos e deplora os destrutivos. As
pessoas são capazes de separar o mérito das ações e valorizar as ações virtuosas, as que geram
benefícios a terceiros, um parâmetro que tende a ser reproduzido, copiado, bem como a antipatia
a atitudes fraudulentas ou trapaceiras. Ainda que Smith tenha uma percepção histórica de sua
época, entretanto, ele enxerga apenas valores positivos na realidade, os quais procura explicar,
mas a capacidade de discernimento necessária dos agentes reflete isso, numa percepção parcial
do mercado. Tudo que é do mercado leva a melhoria, sua ausência resulta em privações
materiais, e daí o mercado precisa ser desenvolvido, por meio do exercício da liberdade, para se
alcançar maior produção e produtividade. Esta ausência de uma dimensão crítica, estreita e
diminui o desafio do paradigma, mas ele ainda existe.
Em verdade, este primeiro desafio ético relacionado ao principio crucial da liberdade foi
resolvido de forma absoluta, uma vez que a escravidão histórica foi abolida como valor de
forma consensual, para, entretanto, ser substituída por sua relativização, a escravidão moderna,
modalidade praticada com alguma frequência por grandes grupos que cruzam fronteiras a
procura de economias frágeis dispostas a ofertarem trabalho em condições próximas à
escravidão, com sub remuneração, elevadas jornadas de trabalho e ambiente de trabalho
precário.
O segundo capítulo é a ameaça da liberdade por parte dos próprios homens de negócio.
Smith já atentava para o perigo das associações de produtores, que visam aumentar preço e
lucro por mecanismos de controle de mercado. O atentado à liberdade pode, portanto, partir dos
que, teoricamente, seriam os maiores interessados na defesa da liberdade como principal regra
do jogo econômico, quando incorrem em recaídas a protecionismos ou cartelizações. Smith vê
8
Trata-se da discussão sobre a produtividade dos tipos de trabalho, ponto em que havia divergências entre os
economistas clássicos e onde Malthus se destacou por perceber que serviços poderiam ser produtivos.
9
Conforme Buarque (2007, 22) e Rouanet (1992, 150).
21
que valores menores podem se sobrepor ao valor ético maior em nome da garantia de um lucro
maior ou da manutenção de costumes morais anacrônicos, e aqui volta o desafio ético maior do
mercado: insistir e aprofundar o ideal da liberdade perante as tentativas de reduzi-la, para que os
problemas econômicos da humanidade sejam resolvidos, senão, ao menos encaminhados. Este
capítulo também não foi resolvido plenamente com uma mudança geral da moral nesse sentido,
de forma que paira sobre o sistema a sombra de cartéis e mecanismos outros para aumentar
lucros superando a concorrência, que são encaminhados caso a caso, quando descobertos.
10
No qual as virtudes são a base da construção do projeto social, e as armadilhas da natureza humana são alertadas
para serem enfrentadas.
11
Ver Fonseca (1993), Sen (1999), e Silva (2007).
22
na decisão de aquisição de uma mercadoria não importa se vai escolher entre a loja A ou B, mas
sim se o consumo é final ou produtivo, e que a mobilidade social é mais ideológica, pois é
mínima, do que real. Os valores individuais são aparência, são o que o sistema mostra, mas se
forem retiradas as máscaras para ver o que sustenta essas aparências, chega-se à essência,
determinações sociais maiores, muitas vezes imperceptíveis ao olhar do investigador liberal; ele
próprio investido de valores morais do sistema em que habita. Por esta perspectiva crítica, não é
possível compreender o homem dissociado de seu contexto histórico e social, determinante do
conjunto de valores mais significativos para compreensão do conjunto e do indivíduo.
As mercadorias aparecem no capitalismo com uma força maior que sua objetividade
confere, como algo mágico, porque o trabalhador foi separado dos meios de produção,
desapropriado, passando a atuar apenas parcialmente no processo de trabalho, num setor
específico da fábrica, isso quando trabalha numa fábrica, pois quando trabalha em outro setor da
economia seu distanciamento é ainda maior. A divisão do trabalho no capitalismo faz com que o
trabalhador não domine mais o ofício como um todo, não sendo capaz de compreender mais a
mercadoria como resultado de seu processo de trabalho, daí as mercadorias começam a exercer
um maior fascínio nos homens e esses fazem de tudo para tê-las como símbolo de status e
poder. O processo de trabalho já não importa mais, o que é valorizado é o fim, apenas o
resultado do processo, a posse dos objetos. De outro lado, a classe dominante é também
submissa ao capital e seu ímpeto inerente de acumular, não tem alternativas e termina
coisificada no processo, servindo obediente à lógica do capital sem possibilidade, por exemplo,
de alterar os parâmetros de exploração; que são dados pelo mercado. Resta apenas continuar
acumulando e consumindo coisas, contribuindo com o sistema, sem se importar com a distância
crescente com a classe que move o processo produtivo. Trata-se dos movimentos de coisificação
das pessoas e personificação das coisas decorrente do fetiche das mercadorias.
Disto se conclui que todos são submetidos à dinâmica do capital e, portanto, a ética
seria do sistema, do capital, e não do capitalista. Marx fala em interesses das classes, opostos,
mas o que foi começado pela iniciativa do capitalista, com o processo de acumulação, se perde
o controle e esse passa para o capital, tornando o capitalista passageiro, apenas representante da
ética do sistema, sua personificação. O lucro aparece como núcleo central do modo de produção
baseado na relação capital/trabalho, a relação de exploração que sustenta a produção de mais-
valia (o trabalho não remunerado apropriado pelo capitalista) e o questionamento ético principal
da economia política marxiana emerge: a distribuição de renda. Diferentemente dos clássicos,
23
por essa abordagem não seria possível reconhecer a legitimidade do lucro, uma vez que ele e o
capital são resultados, em última instância, de apropriação indevida de remuneração não paga
aos trabalhadores, acobertada por toda a complexa superestrutura. Nesse processo, todos são
servos do capital, porém, os capitalistas ficam com os bônus e o trabalhador com o ônus.
Adotar o paradigma marxista como paradigma implica em ter um desafio ético inicial e
anterior à própria consagração de em projeto político, que seria ultrapassar a superestrutura e a
disseminação generalizada dos valores da classe dominante, para alcançar a sociedade como um
todo e convencê-la da possibilidade de uma alternativa crítica ao sistema de mercado.
Convencida uma maioria da sociedade a adotar o referencial marxista, segue um desafio oposto
ao aprofundamento nos valores do sistema proposto por Smith, que seria justamente o de
superar a ética (de acumular) do capital, porém o encaminhamento dessa questão pode ter
direcionamentos diferentes. O entendimento histórico corrente seria a solução que o próprio
(jovem) Marx ajudou a elaborar: a construção de um sistema alternativo, o socialismo, com a
substituição de toda lógica do sistema de mercado, produtiva e de valores, por outra que
socialize a economia, via Estado, e prevaleça o coletivismo ao invés do individualismo. Ocorre
que as experiências de socialismo real baseadas nesse parâmetro fracassaram, manifestando a
falta de preparo humano (que implica em mudança e introjeção de valores), tecnológico e
político (em razão da guerra fria) para tal empreitada, no contexto histórico de referência. Tendo
em vista esta frustração histórica, uma segunda via de inspiração marxiana seria a superação
relativa da ética do capital com uma ética social que resguarde o interesse da população,
construindo uma agenda de convivência com o capital, controlando seu ímpeto acumulador, até
que sejam criadas as condições para uma eventual rediscussão acerca da transformação social e
econômica. Só o desenrolar do processo diz seu alcance, se as tensões vão aumentar ou se diluir
com o tempo, a depender da maior ou menor resistência e conscientização de ambas classes
acerca do processo histórico, das tendências da exploração, de exaustão de recursos, etc.
24
Hoje as sociedades capitalistas são bem mais regulamentadas, bem menos destrutivas,
muito diferente da época em que o capitalismo nasceu e sobre a qual Marx teorizou, pois a
sociedade já incorporou diversas conquistas que protegem a coletividade da vários abusos do
capital, mas as observações continuam válidas devido a contradições imanentes ao capital, há
muito por ser construído, tanto no campo dos valores (construção e disseminação do conceito de
desenvolvimento social sustentado), quanto no lado produtivo (especialmente na distribuição da
renda). Problemas éticos persistem e são mais frequentes em sociedades pobres, decorrente da
internacionalização da exploração da força de trabalho, por meio da qual os países
desenvolvidos aumentam a qualidade de vida e a proteção social às custas do aumento da
exploração da força de trabalho em países pobres 12.
utilitarismo deve ir além, afinal não faria sentido falar de caráter ético em comparações de
estados de bem-estar individual. Sen (1999, 76) em sua crítica a esta concepção, afirma que a
dificuldade maior é a subjetividade da categoria central, mas, de forma geral, quando a
subjetividade impera, as escolhas individuais são soberanas (o que é bom para alguém pode não
ser assim classificado por outra pessoa) e os consensos sociais são resultados das buscas pelas
realizações individuais. A partir da liberdade de escolha e do respectivo livre arbítrio, mercados
sintetizam preferências individuais na concorrência perfeita, que geram ótimos de Pareto. Cada
mercado específico seria um todo bem resolvido em termos econômicos, mas isto não diz muito
acerca da questão ética, mesmo do ponto de vista neoclássico, principalmente por
desconsideração da variável externalidade.
Os homens podem ter preferências distintas, podendo exercer essas preferências apenas
num contexto de múltipla oferta. Só vai ser produzido o que o consumidor desejar, o que ele
enxergar que tem utilidade, fator determinante para a compra. Para a economia pura 14, portanto,
o mercado resolve os problemas econômicos da melhor forma possível, em regra a eficiência
econômica vem da motivação para produzir (proporcionando bem-estar à população) resultando
em ganhos; maior remuneração. O homo economicus é egoísta, mas esse egoísmo é construtivo,
produtivo, e revertido em produção boa e barata para a sociedade, que os consumidores vão
sancionar ao realizarem suas escolhas.
14
Terminologia ampla que aglutina os seguidores do individualismo metodológico e a teoria do valor utilidade.
15
Ver Buarque (2007, 49 e 50).
26
automotores. Sempre há interações entre indivíduos na economia e o direito do outro de não ser
prejudicado deve ser resguardado, trata-se de princípio universal das modernas democracias
ocidentais e aceitando isso, os parâmetros éticos devem ser incorporados aos sistemas político e
econômico. Numa sociedade liberal as pessoas têm o direito de ter iniciativa e de ter sua
integridade preservada, e isso inclui o aspecto econômico, de forma que a sociedade deve
acordar quais são os limites das ações, afinal não se pode contar apenas com o bom senso de
todos. A história da humanidade e o estudo do homem mostram que sempre podem surgir
pessoas mal-intencionadas ou alteradas por efeitos danosos do consumo de alguma mercadoria
para prejudicar terceiros, de modo que há necessidade de se estabelecer regras de convívio para
a preservação da moral social, econômica e dos direitos individuais.
Outro elemento crucial para a discussão dos parâmetros éticos básicos neoclássicos é o
livre arbítrio, uma vez que o exercício da escolha só é absoluto quando as pessoas estão em
pleno gozo de suas faculdades mentais, portanto, situações ou mercadorias que eventualmente
corrompam a soberania na capacidade individual de escolha minam um princípio ético do
funcionamento do sistema. Nesta abordagem, em regra as mercadorias não afetam o consumidor
de nenhuma forma além de proporcionar a satisfação pretendida, contudo algumas mercadorias
podem afetar a capacidade de discernimento e esse poder deve ser evitado, num julgamento
ético coerente e decorrente dos pressupostos de uma perspectiva liberal.
Na ótica neoclássica não há os juízos de valor sociais de Smith, esses foram substituídos
pelo julgamento da utilidade das coisas, baseado na integridade do livre arbítrio e no respeito às
liberdades individuais, que devem ser lidas aqui de modo reverso: preservação da liberdade e
integridade de terceiros. A ética do trabalho smithiana é substituída pela ética da utilidade, as
pessoas devem ponderar o certo e errado do consumo de algo, o que pode gerar julgamento da
produção a partir da natureza do bem ou serviço produzido. A diferença fundamental é que o
julgamento neoclássico dos agentes é individual, mas como foi visto, os indivíduos têm de ter
autonomia para decidir, e não podem prejudicar a autonomia dos outros. Por fim, na economia
de mercado não haveria problema em produção monopolista ou oligopolista, ainda que não
sejam o ideal, desde que essas estruturas sejam as melhores e mais eficientes para os mercados,
uma vez que há os ganhos de escala e alguns mercados só comportam grandes ofertantes.
De saída, volta o desafio de uma sociedade liberal, que é ressaltar a liberdade individual
como referência maior, porém, a nova abordagem, em virtude das diferenças metodológicas,
conceituais e instrumentais, tem elementos mais específicos para tratar. Silva (2007, 95) coloca
que o valor ético da liberdade no mercado é relativamente esquecido entre os economistas, mas
isso ocorre também dentro da vertente neoclássica, posto que aqui a discussão ética é deslocada
para a finalidade da atividade produtiva, a utilidade, caracterizando uma abordagem
consequencialista (Silva, 2007, 11). De acordo com esta abordagem o que importa para as
pessoas no mercado é a utilidade dos bens e serviços, mas não as ações em si, o julgamento
acerca do mérito dos resultado prevalece e a liberdade do mercado está a serviço das maiores
demandas da sociedade, quaisquer que sejam elas, seu valor é ser o fundamento das escolhas,
mas não se explora maiores discussões éticas em torno da liberdade, que é o que proponho a
seguir.
Pesquisas científica de áreas diversas, por sua vez, contribuem e devem ser referência
no pacto social ao definir objetivamente os efeitos do consumo das mercadorias, e assim, por
exemplo, restringir o acesso das crianças e adolescentes a certos mercados pode ser considerada
uma política de fundo neoclássico, bem como a elevação da tributação em bebidas alcoólicas
por seu demérito devido ao seu potencial para gerar problemas e aumentar custos sociais
(relativos a agravamento nos acidentes de trânsito). De outro lado, essa perspectiva não vê
problemas éticos na desigualdade sócio econômica, uma vez que a alocação dos fatores busca a
eficiência tomando as condições materiais disponíveis e acredita que o aprofundamento do livre
mercado é que gerará melhorias de renda no médio, longo prazo. Para uma sociedade disposta a
tomar a vertente neoclássica como paradigma principal, portanto, o desafio para melhoria dos
salários é de longo prazo e depende do aprofundamento dos valores do mercado, sendo
impertinentes regulamentações em torno de salário mínimo, por exemplo, posto que deveria
predominar a liberdade dos agentes no mercado de trabalho e a consciência de que o mercado
encaminha a solução desse problema.
16
Entretanto esta via tem sido considerada, incoerentemente, pela força de ditames morais sociais conservadores de
segmentos expressivos da sociedade (as vezes ditos liberais), muitas vezes, novamente, influenciados por matizes
religiosas.
28
As grandes corporações são diferentes das médias e pequenas empresas por sua
projeção e importância para a economia. As médias e menores empresas são insignificantes do
ponto de vista macro (devido ao baixo volume comercializado ou produzido e contingente
empregado), já os grandes grupos tem elevado volume negociado e de funcionários contratados,
de forma que suas ações têm repercussão relevante na atividade produtiva e na geração de
empregos da economia. Todos são acossados pela concorrência, mas os pequenos e médios
empresários não incorrem em riscos elevados por suas limitações de capital econômico e
político, enquanto os grandes capitais são mais susceptíveis ao risco, o que é acentuado
decisivamente pela contratação de gestores profissionais específicos para aumentar seus
resultados. O porte significativo da grande empresa deveria solicitar prudência de seus
administradores, pois um grande navio não tem a agilidade dos pequenos barcos, suas manobras
demandam todo um planejamento, não se pode mudar planos rapidamente e uma decisão errada
pode arruinar todo um processo de acumulação anterior, mas essa que seria a postura ética
correta (e de acordo com a racionalidade econômica) foi suprimida nessas gestões agressivas
por um comportamento predatório que se disseminou em parte significativa das corporações nas
crise de 1929 e nas crises mundiais mais recentes da economia capitalista (já no século XXI).
Galbraith lista uma série de mecanismos adotados pelos gestores profissionais que
subsidiam a análise do problema, entre eles a contratação de especialistas em marketing e
psicologia para manipular propagandas, a criação de fundos de investimento para especular com
quase todo volume do capital (aplicando em empresas de alto risco), a realização de negócios de
risco elevado fadados ao fracasso com a posterior socialização de prejuízos por meio da criação
de empresas fantasmas, a especulação em torno do valor das ações da própria empresa em cima
de informações privilegiadas (compra na baixa, valorização especulativa com decisões
empresariais inconsequentes e venda subsequente na alta, antes da queda significativa de seu
valor), manipulação por meio da marcação a mercado (anunciar e lançar no balanço atual lucros
previstos para exercícios futuros decorrentes de investimentos irresponsáveis, prometidos ou
iniciados e posteriormente interrompidos), compra de auditoria externa (empresas cuja
importante função é analisar criticamente os balanços e demonstrações financeiras das
empresas, balizando o mercado, eram subornadas, por meio de gerentes e funcionários, para
emissão de relatórios fantasiosos favoráveis para encobrir prejuízos contábeis), e compra de
gestores de bancos para concessão de empréstimos inviáveis que capitalizariam a empresa, além
de outras ações pontuais17. Em suma, o sistema foi corrompido e desvirtuado em nome da
17
No caso da ENRON, empresa que atuava no ramo da energia, especulando com a geração de energia por meio da
exportação de energia elétrica entre Estados, causando escassez e apagões no Estado original, para elevar
substancialmente o preço da energia. Tendo isso se passado na Califórnia, foi apenas um capítulo de uma estória
30
liberdade e a favor de ganhos extraordinários sem base real e no centro do problema estão os
profissionais especializados do mercado, em particular do financeiro, que nesse processo
tiveram suas remunerações multiplicadas por atuações que resultaram em prejuízos à suas
empresas em particular e à economia como um todo devido à repercussão de suas ações. O
mercado de trabalho mudou e os diferenciais salariais, que deveriam acompanhar as respectivas
produção e produtividade, foi levado por uma irracionalidade sistêmica e danosa que a
desregulamentação proporcionou.
O início da crise de 2002 vem da década anterior, quando a economia americana entrou
numa fase denominada de exuberância irracional 18. Hoje já se sabe, por meio da revisão das
estatísticas, que a exuberância era artificial, que o Banco Central norte-americano (FED)
subsidiou o crescimento com juros baixos e os bancos emprestaram irresponsavelmente o
crédito fácil e barato, gerando a bolha especulativa no setor imobiliário que veio a estourar na
crise de 2008. A desproporção constante entre valores financeiros e mercado real também se
anunciou no nascente mercado virtual, inflado demais por manobras arriscadas, formando
prematuramente uma crise no novo mercado. Se as ações principais foram governamentais,
entretanto, é preciso lembrar que essas decorrem da pressão dos grandes grupos econômicos e
financeiros num contexto de liberalismo exacerbado, determinantes, em última instância, dessas
ações.
As duas crises da década de 1970 divergem do padrão por terem origem no controle e
manipulação do mercado de energia fóssil por suas grandes protagonistas, as empresas de
petróleo do oriente médio, mas as crises de 2002 e 2008 se adequam bem a esse perfil,
acompanhando a lógica de 1929, também antecedida de anos de crescimento significativo na
produção. Após o trauma de 1929, as economias e os agentes diminuíram as práticas
imprudentes e passaram praticamente 60 anos sem esse problema, que voltou depois do fracasso
do socialismo real e o retorno às ideias mais liberais. Em cima do crescimento real os segmentos
predatórios do setor financeiro agem e contaminam o ambiente com expedientes desvirtuados
para alimentar ganhos sempre mais elevados, e os mecanismos vão se sofisticando com o tempo
justamente para escapar da fiscalização do poder público, que vai assimilando e só mais tarde
elaborando novos parâmetros para o jogo nesse setor, para proteger a economia como um todo,
os funcionários das empresas e os aplicadores desavisados que têm baixo conhecimento sobre o
mercado financeiro e confiam em empresas de investimento, em empresas de auditoria externa e
agências de risco.
A crise de 2008 ficou marcada pela disseminação dos créditos do tipo subprime, que
eram empréstimos concedidos a tomadores que não tinham garantias suficientes para o
empréstimo corrente, a taxas de juro maiores. Encontrando-se a economia norte-americana
numa fase de alta liquidez, o mercado financeiro desvirtuou ainda mais o processo vendendo
papéis de alto risco por baixo risco (endossado novamente pelas auditorias externas e agora
pelas agências de risco), estimulando excessivamente o mercado imobiliário, até a hora em que
o ciclo se rompe com a inadimplência dos mutuários e a crise se instala.
exemplar de desrespeito a diversos protocolos éticos empresariais, permeada por relações estreitas com o poder (o
presidente da companhia era antigo amigo da família Bush), que culminou com o aproveitamento da situação de caos
energético durante o mandato de um governador democrata, viabilizando a candidatura de um republicano popular
(Arnold Schwarzenegger). Este que foi o maior caso de falência coorporativa norte-americano é relatado e discutido
em Stiglitz (2003, 255-279) e Swart e Watkins (2003).
18
Expressão cunhada inicialmente por Alan Greenspan para se referir à possibilidade de uma fase de elevado
crescimento coincidir com movimentos especulativos que a deixariam sem bases reais de sustentação, posteriormente
incorporada na literatura especializada para se referir à década de 1990, em particular nos EUA, que foi tema de
trabalhos diversos, como o de Stiglitz (2003), por exemplo.
31
19
De acordo com Galbraith (2004, 52).
32
NOTAS CONCLUSIVAS
alguma regulamentação econômica, para preservar as boas práticas do mercado e punir agentes
predadores (os acontecimentos recentes contemplam e resgatam as preocupações de Smith).
A investigação mostrou que a discussão não se encerra aí, sendo necessário agregar dois
elementos que permeiam todo processo: o desenvolvimento científico de outras áreas de
conhecimento e a plena informação. O paradigma científico em áreas diversas é fundamental
para delinear o que é o direito à liberdade do outro (como no caso dos cigarros) e a plena
informação justificaria o direito ao consumo de mercadoria que danifique a pessoa, já que não
seria função do Estado zelar pelo bem-estar individual, sendo coerente a adoção de uma política
de redução de danos. No acordo social liberal cumpre ao Estado garantir a segurança, a justiça e
a correção das falhas de mercado, o que remete à discussão dessas, mas não deve intervir nas
escolhas individuais, nem nos preços dos mercados em geral, sendo possível se chegar
remunerações muito baixas em algumas conjunturas e estruturas econômicas.
A segunda grande referência, Marx, construiu uma teoria nova a partir da desconstrução
do referencial clássico, vislumbrando um problema ético maior na própria lógica de acumulação
capitalista, que, para alcançar seus objetivos, deixava de remunerar adequadamente os
trabalhadores. As agendas socialistas inicialmente optaram pela ruptura absoluta com o sistema,
entretanto, essa redundou em fracasso histórico, restando uma alternativa de ruptura parcial com
o mercado, acatando suas práticas, mas impondo parâmetros sociais mais rígidos no sentido de
proteger os cidadãos em geral da gana do capital, investindo em toda uma rede pública de
saúde, educação e proteção social. O desafio maior aqui é de adequação do projeto socialista à
contemporaneidade, incluindo dois itens em sua agenda: 1. respeito a instituições ocidentais, em
particular, a propriedade privada e a democracia, e 2. capacidade de gestão macroeconômica,
que envolve esforços pontuais da população (evitados no curto prazo resultam problemas
maiores de longo prazo). Em relação ao primeiro desafio, falta credibilidade nos projetos
políticos de inclinação marxiana em torno dessa atualização necessária do paradigma, devido ao
apego histórico desses às experiências socialistas recentes, o que precisa ser conquistado com
compromissos efetivos com uma nova agenda e em relação ao segundo desafio, fica o dilema de
compatibilizar políticas macroeconômicas que envolvem ajustes recessivos com políticas
salariais generosas ou reajustes em preços básicos na economia, uma vez que as melhoras nas
condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores são seu diferencial principal em relação
a projetos liberais (que tem aceito os outros papéis do governo, mas não aceitam a intervenção
estatal nesse ponto).
Por sua tônica crítica em relação à economia de mercado, os projetos de cunho
marxiano, de outro lado, têm um desafio inicial e anterior de demover os valores individuais e
liberais do mercado em favor da justiça social e econômica, o que significa enfrentar toda uma
superestrutura e ideologia predominante para alcançar a sociedade e convencê-la da coerência
da perspectiva teórica, da fragilidade do livre arbítrio (o padrão de consumo é similar e
previsível) e do livre mercado (como são importantes as estruturas oligopólicas para o
capitalismo moderno), e da possibilidade de projetos políticos nela baseados.
A última perspectiva estudada, a keynesiana, possibilitou uma reinterpretação das crises
por dentro do sistema marginalista, apontando para uma expansão do papel do Estado nas
economias de mercado. A revisão desses parâmetros implicou na diminuição relativa do espaço
privado em benefício de uma demanda pública maior, dado o aumento do interesse coletivo na
produção de bens e serviços, no entanto, isto gerou um desafio ético crucial para as economias
de mercado contemporâneas inspiradas neste paradigma: assegurar a prevalência do interesse
público nas demandas do Estado, posto o maior mercado que este passou a representar (não
permitindo a determinação destes gastos pelo capital). Em economias que são baseadas na
liberdade há um segundo desafio relacionado que é de administrar a necessidade de maior
intervenção, posto que os governos resistem em reduzir os gastos depois do esforço para sair da
crise. As sociedades ocidentais historicamente têm perdido estes desafios éticos para a
comodidade do aumento de gastos públicos, pouco acompanhados e com baixa transparência,
34
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36
Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar a dinâmica da concorrência capitalista em Marx. De modo geral, há
na literatura a uma análise equivocada por parte da ortodoxia da concorrência capitalista. Além disso,
existem algumas lacunas nas abordagens heterodoxas, especificamente na marxista. Porém nos últimos
anos o tema ressurgiu no Brasil através dos trabalhos de Maldonado Filho (1990), Herrlein Jr. (1997), e
Augusto (2012). Neste sentido, o artigo buscou mostrar que não é possível fazer uma análise da
concorrência, que é tida para Marx como um fenômeno aparente, sem compreendermos a essência do
capital (as leis de movimento do capital); como também buscou demonstrar que o processo de
concorrência capitalista enquanto fenômeno aparente determina não o valor, mas o preço da mercadoria
(preço de produção e preço de venda), e o mais importante à redistribuição da mais-valia entre os
capitalistas.
Abstract
The main purpose of this article is to present and defend the thesis that Stuart Mill, following the tradition
of the sequence of the theories of the forms of government and state of Hobbes, Hume and Bentham,
constructs a theory of the forms of government and State that is a Between Hume's approach in which
state institutions are forged through a natural history of customs, tradition and jurisprudence, and, on the
other hand, the approaches of Hobbes and Bentham, for whom a theory of forms Of government and state
are constructions fruit of the human reason, constructed through a science of the artificial, that forges as
much technologies for the intervention in the nature as in the human political and social interactions. One
of these political and social technologies are the emergente proportional electoral system proposed by
Mill in order to compete with the majoritarian system to solve the problem of the interest conflict
brought up by the ascension of the popular classes.
1
Artigo apresentado em 15/08/2018. Aprovado em 10/10/2018.
2
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Economia – PGE, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
Graduado em Ciências Econômicas pela mesma universidade. E-mail joaodpoli@gmail.com.
3
Professor Doutor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. E-mail
lucianosouzacosta@hotmail.com.
37
1. Introdução.
A concorrência é própria da natureza mercantil da sociedade burguesa, é um processo de
luta de todos contra todos em busca de uma fatia maior de lucro ou de mais-valia. Ao contrário
do caráter harmônico e do estado de calma da noção de equilíbrio, a concorrência é um processo
turbulento e conflituoso, uma verdadeira guerra de todos contra todos, no qual cada um, ao
buscar a realização de seu interesse, não garante o sucesso de sua reprodução como proprietário
privado. A concorrência se dá entre capitalistas do mesmo ramo e entre estes contra os
capitalistas de outros ramos de produção, por isso Marx afirmava que a concorrência é um
processo de luta generalizada.
O caráter social da produção capitalista se impõe para cada capital particular por meio da
concorrência, começando, primeiramente pelo reconhecimento das diferenças nos métodos
produtivos dos capitais e, consequentemente, na diversidade dos níveis de produtividade dos
capitais. Cada produtor decide de maneira individual e sem interferência de outros produtores
quais técnicas empregar na produção; com técnicas diferentes os capitais particulares utilizam
quantidades de trabalho diferente para produzir a mesma mercadoria, originando diferentes
valores individuais das mercadorias. Como as mercadorias são vendidas pelo valor de mercado
esta diferença entre os valores individuais das mercadorias gera uma redistribuição da mais-
valia, os capitais que produzem mercadorias abaixo do valor de mercado, se apropriam da
parcela de mais-valia gerada pelos trabalhadores cujos capitais fabricam mercadorias com valor
individual acima do valor de mercado. Os capitais que produzem mercadorias com valor
individual igual ao valor de mercado, somente realizam a mais-valia gerada pelos seus
trabalhadores. Na busca pela apropriação da mais-valia do concorrente, os capitais buscam
reduzir seus custos, fazendo assim o valor individual de sua mercadoria cair também; o meio
para que isso ocorra é a introdução de novos métodos de produção, métodos estes mais
produtivos, ou seja, os capitais sempre buscam a mais-valia extraordinária, não se contentando
em chegar ao nível médio de produtividade.
A disputa pela mais-valia não se restringe a concorrência dentro de um único ramo de
produção, ela se estende por toda a estrutura social de produção. Entre os ramos de produção
existem diferentes taxas média de produtividade e de lucro. Ramos com composição orgânica
maior que a média geram lucros menores que a média – o inverso também é verdadeiro -, essas
desigualdades nas taxas de lucro e produtividade geram uma disputa global pela mais-valia,
ramos de produção que tenham taxas de lucro abaixo da média sofrerão um êxodo de capitais
para ramos mais rentáveis, gerando assim uma tendência a equalização da taxa de lucro,
chegando ao nível médio de lucro. Porém a tendência à equalização das taxas de lucro é fictícia,
pois o processo concorrencial tende a eliminar as desigualdades entre os produtores recriando-
as, e diversos fatores impedem o movimento de equalização: o tempo de rotação nos diversos
ramos, as barreiras criadas para dificultar a mobilidade de capitais, as diferenças de
produtividade impedem que se estabeleça uma taxa uniforme de lucro; levando assim a uma
modificação na estrutura da taxa de lucro inter-ramos.
4
Quanto mais tempo demorar para produzir uma mercadoria mais essa mercadoria custará.
5
Tempo médio para a produção de determinada mercadoria.
39
uma cesta de bens 6que garanta sua subsistência, e que também garanta sua reprodução, gerando
assim uma nova geração de trabalhadores.
O capitalista é movido pelo puro desejo da acumulação, ele quer produzir uma
mercadoria que tenha além de valor de uso, um valor mais elevado possível do que o conjunto
das mercadorias utilizadas na sua produção. Conforme Marx (2014. p. 249): “a mais-valia
produzida pelo capital desembolsado C no processo de produção ou aumento do valor do capital
desembolsado C patenteia-se, de início, no excedente do valor do produto sobre a soma dos
valores dos elementos que o constituíam”.
De acordo com Marx a fórmula do capital desdobrado é:
D – M (MP e FT)...... P.......M’ – D’
O capitalista possuidor do capital dinheiro (D) compra as mercadorias (M) necessárias
para a produção, que são meios de produção (MP) e força de trabalho (FT), com isso parte-se
para o processo produtivo (P), ao término do processo produtivo temos uma nova mercadoria
(M’), então se pode inferir que a mais-valia é criada no processo de produção da mercadoria, já
com seu novo valor criado pelo trabalho, após ser vendido o capitalista volta a ter capital
dinheiro em mãos (D’), porém agora acrescido da mais-valia, então a mais-valia é a diferença
entre D e D’, ao fim do processo nota-se que o processo de criação da mais-valia só se realiza
em sua totalidade quando a mercadoria é vendida, de nada adianta produzir uma mercadoria que
não será vendida. De forma resumida, a mais-valia é criada no processo produtivo, e se realiza
na circulação quando a mercadoria é vendida. Sobre isso Bittencourt (2008. p. 13) diz, “a mais-
valia é, portanto, fonte de lucro do capitalista. Assim, não poderia haver lucro sem tirar proveito
da força de trabalho, pois os lucros são baseados na exploração”.
Como é sabido, a mais-valia é gerada pelo capital variável (força de trabalho) durante o
processo produtivo. A relação entre a quantidade de capital variável e de mais-valia gerada
Marx chama de taxa de mais-valia; segundo Marx, esta mede o grau de exploração da força
trabalho7. Sobre a taxa de mais-valia, nos diz Marx (2014. p. 252):
7
A taxa de mais valia é, por isso, a expressão do grau de exploração da força de trabalho pelo capital ou do
trabalhador pelo capitalista. (MARX, 2014. P. 254).
40
se apropriando de 12 horas de mais-valia e não somente mais de 2 horas como antes do aumento
da jornada de trabalho.
Para Marx o conceito de mais-valia relativa trata de um aumento da mais-valia gerada
pela força trabalho contraindo-se o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção e
reprodução da força trabalho. A contração do tempo de trabalho socialmente necessário se dá
por um aumento de produtividade, alterando-se o processo produtivo em si, no qual o
trabalhador produz mais no mesmo tempo de trabalho.
Para exemplificar utilizaremos uma jornada de 8 horas de trabalho, nela um sapateiro se
vale de 6 horas de trabalho para produzir uma bota e consequentemente receber o valor diário
para sua subsistência, se houver uma revolução tecnológica 9e o trabalhador passar a produzir
uma bota em 4 horas e seu tempo necessário para produzir e reproduzir sua força de trabalho
cair para 5 horas, o capitalista se apropriará de uma hora a mais de mais-valia gerada pelo
trabalhador.
Sobre esses conceitos, nos diz Marx (2014. p. 366):
9
Por revolução tecnológica entende-se a implantação de novos métodos de produção, ou utilização de
maquinaria mais eficiente.
10
Por usualidade, utilizaremos sempre neste trabalho uma taxa de mais-valia de 100%.
41
Marx (2013. p. 2010): “O preço de produção da mercadoria é, portanto, igual ao preço de custo
mais o lucro que percentualmente se lhe acrescenta correspondente à taxa geral de lucro, ou
igual ao preço de custo mais o lucro médio”. O preço de venda da mercadoria irá depender das
relações que se estabeleçam no mercado na hora da venda. A oferta e a demanda irão fazer com
que o preço de venda varie entre seu valor e seu preço de custo, obviamente que, o capitalista
sempre quer vender sua mercadoria pelo valor dela, porém nem sempre isso é possível, veremos
na sessão a seguir que o capitalista tem muitas opções de vender sua mercadoria abaixo de seu
valor, porém com lucro. Para uma melhor compreensão, tem-se o preço de produção, o valor, e
o preço de custos constantes, porém o preço de venda das mercadorias é influenciado pelas
forças de oferta e demanda, e varia de acordo com essa influência. Ora o preço de venda pode
estar acima do preço de produção, objetivando uma boa acumulação de mais-valia, ora ele pode
somente fazer o preço de custo da mercadoria produzida. Nenhuma força econômica garante
que o preço de venda tenha uma tendência uniforme ao longo de uma série econômica.
Conforme já dito, as empresas que se apropriam de mais mais-valia tendem a suportar melhor,
ou por mais tempo estas oscilações do preço de venda, as empresas que absorvem menos mais-
valia, ou que até mesmo perdem mais-valia tendem a não suportar este processo, sendo forçadas
a fechar as portas, ou serem absorvidas pelas empresas mais eficientes.
A seguir apresenta-se no Quadro 1 as fórmulas do valor, preço de custo, preço de
produção e preço de venda. O valor que é c + v+ m; preço de custo que é c +v; o preço de
produção que é c +v +l’; e o preço de venda que é c + v + l’, porém a taxa de lucro do preço de
venda depende das relações entre oferta e demanda do mercado.
só o quanto e como produzir, levando assim a uma produção sem planejamento. O processo
decorre das diferentes composições orgânicas dos capitais que compõe esse ramo, essa
diferença leva a diferentes quantidades de trabalho empregadas na produção, gerando diferentes
quantidades de mais-valia, e consequentemente diferentes valores. De acordo com Augusto
(2012. p. 15), “com métodos produtivos, dispares, os diversos capitais particulares despendem
quantidades de trabalho desiguais para produzir a mesma mercadoria, originando, assim,
diferença no valor individual das mercadorias”. O quadro 2, nos mostra essa relação, cada
capital individual, dentro de seu ramo, e cada qual com sua composição orgânica de capital,
estabelece sua taxa de mais-valia (nesta análise é 100%) e, consequentemente, sua mais-valia;
após isso, somando a mais-valia com o capital investido (preço de custo) teremos o valor de seu
produto e, consequentemente, sua taxa de lucro. No Quadro 2 são apresentadas as diferentes
composições orgânicas dos capitais e a formação do valor das mercadorias.
Após esse processo, os capitais irão se defrontar uns com os outros, para que se forme
uma taxa média de lucro, porém esse processo não ocorre mais dentro do seu ramo, os capitais
que se defrontam são de todos os ramos da economia, e a partir daí passamos a parte da
concorrência inter-ramos. De acordo com Herrlein Jr. (1997. p. 337), “A concorrência pela
apropriação do valor não se limita a mercados isolados, é um processo generalizado pelas
relações econômicas entre os próprios capitalistas, entre estes e os consumidores individuais e
entre estes últimos”. A concorrência inter-ramos é a concorrência que ocorre entre os diferentes
ramos de produção. Como na concorrência intra-ramos, o processo decorre das diferentes
composições orgânicas de capitais, firmas ou capital (dinheiro) tendem a migrar para setores
com taxa média de lucro maior, até que as taxas média de lucro se equalizem, começando todo o
processo novamente. Diz-nos Augusto (2012. p. 17), “A disputa pela mais-valia, no entanto,
estende-se por toda a estrutura social de produção não se restringindo aos diferentes ramos da
divisão social do trabalho”. Para que a concorrência inter-ramos se realize em sua plenitude é
necessário que se tenha mobilidade de capital. Existem limitações para que pátios industriais se
convertam para outro ramo de produção, ou até mesmo para uma nova tecnologia, esse processo
tem um grande dispêndio de tempo, porém com o advento do mercado financeiro surge uma
nova modalidade que é a migração de capital dinheiro para outro ramo. Segundo Maldonado
(1990. p. 4): “a mobilidade de capital se constitui em um fator central do processo de
equalização das taxas de lucros setorial. Se a mobilidade for bastante limitada não haverá
nenhum mecanismo eficaz que tenderá a equalizar a taxa de lucro entre indústrias”. No Quadro
3 são apresentados a formação da taxa média geral de lucro, e os preços de custos das
mercadorias.
44
Cada um desses cinco diferentes capitais tem uma composição orgânica de capital
diferente, porém todos eles geram uma mais-valia de 100%. A soma dos cinco capitais é igual a
500, é a soma da mais-valia gerada é de 110; para encontrarmos a taxa média de lucro temos
que, primeiramente encontrar a composição orgânica média desses capitais, então se o total do
capital é 500, e sua mais-valia gerada é 110, temos que o capital variável é 110 (pois temos uma
mais-valia de 100%), e portanto subtraindo 110 de 500, temos 390 como capital variável,
resumindo 500 = 390c + 110v; dividindo essa equação por 5 ( número de capitais) para obter-se a
500=390 c +110 v
média aritmética, ter-se-á = 100 = 78c + 22v. Então a composição média
5
desses cinco capitais é 78 de capital constante mais 22 de capital variável, que gerará uma mais-
valia também de 22, e uma taxa média de lucro de 22% 12.
Depois da formação do valor da mercadoria, dos preços de custos e da definição da taxa
média de lucro do mercado as firmas se voltam novamente ao seu ramo e formem seus preços
das mercadorias13 (preços de produção), e retornem a olhar todos os ramos para a repartição da
mais-valia igualmente entre os capitais, e seus respectivos ramos, e com isso obter-se-á o desvio
do preço em relação ao valor de cada mercadoria. De acordo com Herrlein Jr (1997. p. 344):
13
“O preço de produção da mercadoria é, portanto, igual ao preço de custo mais o lucro que percentualmente
se lhe acrescenta correspondente à taxa geral de lucro, ou igual ao preço de custo mais o lucro média.” (MARX,
2013. p. 210).
45
Esses dois fatos ocorrem logicamente porque quanto mais capital variável uma firma tiver
em sua composição orgânica, mais mais-valia ela gerará, porém em contra partida, por ter
menos aparatos tecnológicos, ou mesmo uma tecnologia mais obsoleta que a firma mais
intensiva em capital, ela consequentemente produzirá menos e seus preços serão menos
competitivos, sendo assim, quando as mercadorias produzidas pelas duas firmas se
confrontarem no mercado, a mercadoria da firma mais intensiva em capital se realizará mais
vezes e/ou mais facilmente que a da firma menos intensiva em capital, gerando assim o
processo de transferência de mais-valia 15, se uma mercadoria tem mais-valia de mais a outra tem
14
”A concorrência reparte o capital da sociedade entre os diferentes ramos de produção, de maneira tal que os
preços de produção em cada ramo se constituem segundo o modelo dos preços de produção nos ramos de composição
média....” (MARX, 2013. p.229).
15
“Os capitalistas dos diferentes ramos, ao venderem as mercadorias, recobram os valores de capital
consumidos para produzi-las, mas a mais-valia (ou lucro) que colhem não é gerada no próprio ramo com a respectiva
produção de mercadorias, e sim a que cabe a parte da alíquota do capital global, uma repartição uniforme da mais-
valia (ou lucro) global produzida, em dado espaço de tempo, pelo capital global da sociedade em todos os ramos.”
46
Outro fato que deve ser levado em consideração quando falamos de concorrência
capitalista é a lei de tendência a decréscimo da taxa de lucro, que regula a concorrência
capitalista, assim como a lei do valor regula a troca de equivalentes. Essa tendência deve-se ao
fato de que, conforme o capitalismo se desenvolve, o capital constante tende a ser relativamente
maior do que o capital variável, ou seja, tendem a serem formadas mais por capital constante do
que por capital variável, de acordo com Marx (2013. p. 282.):
Lançaremos mão da fórmula da taxa de lucro para demonstrar como essa tendência
m/ v
m l '=
ocorre, l '= essa fórmula pode ser desdobrada da seguinte forma c , na forma
C +1
v
desdobrada podemos notar a tendência que destacamos acima, a parte do capital constante está
no denominador da fórmula, ou seja, se o capital constante aumentar mais que o capital variável
a taxa de lucro irá cair. No modo de produção capitalista, os capitalistas estão sempre
procurando obter o maior lucro possível, sendo assim tendem a incorporar novas tecnologias a
sua produção, com isso aumenta-se o nível de capital constante, em um primeiro momento este
capitalista que incorporou essa nova tecnologia consegue obter lucro extraordinário, porém com
o passar do tempo os outros capitalistas tendem a incorporar esta técnica fazendo com que as
taxas de lucros se equalizem, com esse aumento progressivo da composição média de capital a
taxa de lucro média irá cair, como demonstra a fórmula. Uma das possibilidades para que essa
tendência não ocorra é a de que a taxa de mais-valia aumente mais do que proporcional ao
aumento do capital constante. .
Cabe assinalar então que a lei da tendência da queda da taxa de lucro é inerente ao
modo de produção capitalista, ela nada mais do que a expressão das condições desse modo de
produção. O capitalismo cria as condicionantes para seu desenvolvimento, porém ao mesmo
tempo cria elementos para a sua superação, como a queda gradual da taxa de lucro, de acordo
com Marx (2013. p. 283):
16
“Deve se ressaltar que a transferência intersetorial do capital é, em termos gerais, realizadas pelo sistema
financeiro.” (MALDONADO, 1990. p.4).
48
Na análise marxiana deve-se sempre atentar para os valores médios, seja para o tempo ou
para os valores, pois é a média que funciona como um centro de gravidade, que faz os valores
(preço, valor, salário, tempo, etc.) gravitarem em torno de sua média; para Marx sempre que o
capitalista produz ou investir ele analisara antes a média desse mercado para depois tomar suas
decisões.
Outro importante ponto no processo de concorrência é o tempo de rotação dos capitais.
Capitais que rotacionam menos em um dado período participam menos do processo de
concorrência do que capitais que rotacionam mais vezes. Tomemos dois capitais, o primeiro A
com 10c+5v, que rotaciona 2 vezes em um determinado período, e outro B com 10 c+10v que
rotaciona 1 vez no mesmo período. A mais-valia gerada pelos dois capitais no período de tempo
é a mesma, 10, pois o primeiro rotaciona 2 vezes então gera duas vezes cinco de mais-valia, e o
que rotaciona uma vez gerá um vez 10 de mais-valia; contudo, as chances de o capital A realizar
suas mercadorias é maior, pois ele entra duas vezes no mercado e o valor de suas mercadorias é
menor do que o capital do que o capital B (pois A é mais intensivo em capital), sendo assim,
mais atrativo aos compradores. Com isso aconteceria o referido acima, o capital B não
conseguirá competir por muito tempo com o capital A; B será forçada a parar de produzir, ou
será absorvido pelo capital A17, gerando o processo de centralização do capital.
4. Considerações finais.
18
Grifo dos autores.
50
REFERÊNCIAS
AUGUSTO, G. A. A imposição do caráter social da produção por meio da concorrência. Revista Nova
Economia, Belo Horizonte, v.22, n.1, p. 11-27, 2012.
HERRLEIN JR., R. As mediações para uma “consideração especial” da concorrência a partir de Marx.
Ensaios FEE, Porto Alegre, v.18, n.2, p. 329-361, 1997.
HUNT, E. K. História do pensamento econômico: uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política, livro terceiro: o processo global de produção
capitalista, volume IV/ Karl Marx; tradução Reginaldo Sant’Anna. – 3ªed. – Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2013.
--------------. O Capital: crítica da economia política, livro primeiro / Karl Marx; tradução de Reginaldo
Sant’Anna – 33ª Ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
51
Resumo
Palavras-chave: BIS, União Europeia, Euro, Sistema Financeiro Internacional, unificação monetária.
Abstract
The International Financial System is subject to the rules and regulations of some supranational
organizations which, in principle, because they do not belong to any country, would have impartiality and
exemption. However, there is clear interference of the interests of specific groups in the results obtained
with such regulations. One of the least-known organizations, and the oldest, in the regulatory group is the
Bank for International Settlements (BIS). The purpose of this article is to detail its participation in the
creation and implementation of the unified Europe project with a single currency under the decisions of a
supranational institution, the European Central Bank (ECB), through the retrieval of information process.
Keywords: BIS, European Union, Euro, International Financial System, monetary unification.
1
Informações mais detalhadas do processo de unificação monetária europeia, bem como dos documentos aqui
utilizados pode ser encontrada em PREVIDELLI, M.F.S.C. Expansão e crise na União Europeia: um olhar para a
economia da Zona do Euro, 2000-2010. Mauritius: Novas Edições Acadêmicas, 2015. Artigo apresentado em
20/11/2018. Aprovado em 20/12/2018.
2
Economista com doutorado em História Econômica pela FFLCH/USP. Professora Adjunta do Departamento de
Economia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da UFMA. Pós-doutoranda em
Relações Internacionais pelo INEST/UFF.
3
Doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, professor do Instituto de Estudos
Estratégicos da Universidade Federal Fluminense INEST/UFF.
4
Economista e Historiador com doutorado em História Econômica pela FFLCH/USP. Pós-doutor em Relações
Internacionais pelo INEST/UFF. Professor Associado do Departamento de Economia e do Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da UFMA.
52
1. Introdução
5
O Plano Young pretendia lidar com a questão dos pagamentos de reparação impostos à Alemanha (e em menor
medida em outros países da Europa Central) pelo Tratado de Versalhes após o fim da Primeira Guerra Mundial.
53
de 1881. Apesar de alguns autores darem o crédito de tal sugestão a Luigi Luzzatti 6, em 1907, os
registros mostram que, no ano de 1892, Julius Woff 7 submeteu um projeto tocando no assunto
na Conferência Monetária Internacional de Bruxelas, e sugestões semelhantes foram feitas por
Raphaël-Georges Levy8 no ano seguinte, 1893. Assim, o debate sobre como as relações
financeiras entre os países europeus deviam se proceder já polarizava opiniões sobre a criação
de organismos financeiros supranacionais e moedas transnacionais desde o processo de
unificação dos Estados Germânicos e o fim da Guerra Franco Prussiana em 1871. (TONIOLO,
2005)
As propostas tinham como ponto comum a criação de uma moeda internacional a ser
utilizada para empréstimos de emergência a bancos centrais. Os fundos para tais empréstimos
viriam de reservas em ouro depositadas pelos bancos centrais, e seriam geridos por uma
instituição comum, que teria neutralidade, por não pertencer a nenhum dos países-membros, ao
mesmo tempo representando todas. (TONIOLO, 2005)
Os nomes por trás da fundação do BIS são Charles G. Dawes 9, Owen D. Young10 e
Hjalmar Schacht11, este último assumiu a presidência do Quadro de Governadores até abril de
1930, sendo o primeiro presidente do BIS, após esta data, Schacht assumir o Ministério da
Economia de Hitler. Os fundos que permitiram o seu funcionamento foram fornecidos pelos
bancos centrais da Bélgica, França, Alemanha, Itália, Japão e Grã-Bretanha além de três bancos
privados nos Estados Unidos: JP Morgan & Company, First National Bank of New York e o
First National Bank of Chicago. O banco central de cada país possuía 16 mil ações e os três
bancos privados americanos tinham 16 mil ações cada. Assim, a representação americana no
6
Jurista, economista e político italiano que exerceu o cargo de primeiro-ministro de 31 de março de 1910 a 30 de
março de 1911. Idealizador em 1863 das cooperativas de crédito cujo modelo recebe seu nome, e basicamente
consiste na criação de bancos populares para difusão do crédito a pequenos empresários e artesãos. Segundo
informações disponíveis no endereço http://cooperativismodecredito.coop.br/cooperativismo/historia-do-
cooperativismo acessado em 20-08-2018.
7
Economista alemão, estudou em Viena e tornou-se professor da Universidade de Zurique em 1889 onde lecionou
estatística e economia até se transferir para a Universidade de Berlim em 1897 para lecionar sobre políticas de crédito
públicas. Defendia a criação de uma moeda internacional e bancos públicos de financiamento de pequeno porte a
juros baixos para estimular o desenvolvimento da indústria alemã. (TONIOLO, 2005)
8
Banqueiro, economista e político francês. Professor na École Libre des Sciences Politiques onde defendia o livre
comércio e a independência do banco central na virada do século XX. Em 1923 foi escolhido para o Comitê de
Finanças, e por cinco anos foi relator do orçamento das regiões liberadas. (TONIOLO, 2005)
9
Charles G. Dawes foi diretor do Departamento do Orçamento dos EUA em 1921 e serviu na Comissão de Reparação
dos Aliados, a partir de 1923. Sua obra posterior sobre “Estabilização da Economia da Alemanha”, garantiu para ele o
Prêmio Nobel, em 1925. Após ser eleito vice-presidente para o presidente Calvin Coolidge, de 1925-1929, e indicado
embaixador na Inglaterra em 1931, ele retornou à sua carreira pessoal na área bancária em 1932 como presidente da
junta de diretores do City National Bank and Trust, em Chicago, onde permaneceu até sua morte em 1951 (BACKER,
2002).
10
Owen D. Young foi um industrial americano. Ele fundou a RCA (Radio Corporation of America) em 1919 e foi
seu presidente até 1933. Ele também atuou como presidente da General Electric de 1922 até 1939. Em 1932, Young
buscou a indicação como candidato a presidente pelo Partido Democrata, mas perdeu para Franklin Delano
Roosevelt.(BACKER, 2002)
11
Hjalmar Schacht foi um economista alemão, banqueiro, político de centro-direita e co-fundador em 1918 do Partido
Democrata alemão. Ele serviu como o Comissário de Divisas e Presidente do Reichsbank sob a República de Weimar
e serviu no governo de Hitler como Presidente do Reichsbank (1933-1939) e Ministro de Economia (agosto de 1934 -
novembro de 1937). Como tal, Schacht desempenhou um papel fundamental na implementação das políticas
atribuídas a Hitler. (BACKER, 2002)
54
BIS foi três vezes maior que a de qualquer outro país. A justificativa era o maior nível de
endividamento alemão junto a esses bancos privados (LEBOR, 2014).
O Conselho do BIS consistia nos Governadores e seus suplentes dos países fundadores:
o Banco Nacional da Bélgica, Banco da França, Reichsbank alemão, Banco da Itália, Banco dos
Países Baixos, Riksbank sueco, Banco Nacional Suíço, Banco da Inglaterra, bem como
representantes do Banco do Japão, além dos 3três bancos privados estadunidenses mencionados
anteriormente (JP Morgan & Company, First National Bank of New York e o First National
Bank of Chicago). (LEBOR, 2014)
Após o final da Segunda Guerra Mundial, de acordo com a página oficial do BIS
(www.bis.org), durante a Conferência de Bretton Woods foi decidida a abolição do Banco, pois
se considerou que a organização não teria um papel útil a desempenhar quando os recém-criados
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento e Fundo Monetário Internacional
entrassem em operação. Entretanto, os banqueiros centrais europeus membros da diretoria do
BIS opuseram-se a tal visão e pressionaram com sucesso por sua permanência. No início de
1948, a resolução de liquidação foi posta de lado, mediante a condição de que o banco se
concentraria principalmente em assuntos monetários e financeiros europeus (BIS, 2017).
Os objetivos ligados à atuação do BIS e sua posição estratégica dentro das políticas
econômicas europeias não eram humanitários, tampouco idealistas, mas sim realistas, no
sentido do estabelecimento de uma realpolitik.
A análise teórica de tais movimentos no campo das Relações Internacionais pode ser
encontrada na linha dos pensadores do Globalismo, mais especificamente nos teóricos
contemporâneos das Teorias do Imperialismo e da Globalização. Assim, para Ellen Meiksins
Wood12, se até a virada do século XX tinha-se o império da propriedade com o domínio militar
sobre o território através do controle de fluxos comerciais, agora, tem-se a contradição entre
relações econômicas mediadas por mercados globais e o poder dos Estados Nacionais que usam
seus recursos militares e diplomáticos para garantir a realização de lucro dos grupos financeiros.
Grupos estes que, para William Robinson13, são a representação dos interesses de uma classe
capitalista transnacional que detém as decisões de ordem regulatória e influência direta na
política global. Desta forma, Para Michael Hardt 14 e Antonio Negri15, o Imperialismo tradicional
chegou ao fim e império passou a ser o centro territorial do poder com o declínio progressivo da
soberania nacional moderna. O império atual não possui fronteiras, funciona em todos os
registros da vida social e usa o poder militar para “defender” a paz. (JATOBÁ, 2013)
Jean Monnet, o chamado “pai da União Europeia” era fortemente ligado ao mundo das
altas finanças e bancos. Desde a década de 1910, Monnet atuava junto aos banqueiros, como
representante de empresas como a IG Farben alemã, o Banco Chase e o Bank of America, junto
a países como a China, por exemplo. Ao final da Segunda Guerra Mundial, Monnet retornou a
Paris, e deu início ao projeto de criação de organizações supranacionais, como a Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço (CECA), que viria a ser a percursora da Comunidade Europeia.
(LEBOR, 2014).
No entanto, o primeiro passo efetivo para a unificação monetária dos países europeus
ocorreu a 6 de julho de 1950, dentro da sede da Organização Europeia de Cooperação
Econômica (OECE) – criada pouco antes16, com a finalidade de coordenar o fluxo dos recursos
vindos do Plano Marshall. Naquela data, efetivou-se o acordo que instituiu a União Europeia de
Pagamentos (UEP), integrando 18 países europeus. O BIS orquestrou esse acordo, assumindo a
responsabilidade de sua implantação e coordenação. Assim, o banco que originalmente criado
para administrar as reparações alemãs aos vencedores da Primeira Guerra Mundial, passou a ter
o papel de conduzir a unificação monetária dos países do bloco europeu alinhados ao
capitalismo, buscando manter alguma independência ou mesmo autonomia do padrão-dólar
fixo, estabelecido pelos EUA, em Bretton Woods. Assim, o BIS assume uma tarefa estratégica
no projeto de integração europeia sob condições voláteis. Um equilíbrio bastante precário.
13
Professor americano de sociologia na Universidade da Califórnia. Autor de obras centradas na economia política,
globalização, e materialismo histórico como Uma teoria do Capitalismo Global, produção, classes e Estado em um
mundo transnacional de 2004.
14
Teórico literário e filósofo político estadunidense, professor da Duke University. Autor de Empire, obra escrita com
Antonio Negri em 2000.
15
Também conhecido como Toni Negri, filósofo político marxista italiano. Tradutor dos escritos de Filosofia do
Direito de Hegel, especialista em Descartes, Kant, Espinosa, Leopardi, Marx e Dilthey. Autor em conjunto com seu
ex-aluno Michael Hardt de Império, em 2000. Atua como professor convidado do Collège International de
Philosophie e da Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne).
16
Em 16 de abril de 1948.
56
os saldos comerciais bilaterais com os demais partícipes da União. A equipe do BIS, então,
calculava o saldo de cada país, como parte da UEP, dentro do todo contábil. As diferenças
contábeis, positivas ou negativas, em sua maior parte, não foram imediatamente, mas
convertidas em débitos e créditos na União. Com o tempo, a proporção de débitos e créditos
concedidos pela UEP seria gradualmente reduzida, até o final de 1958, quando foi dissolvida
(BIS, 2017).
O BIS ficaria responsável pela coordenação da resposta dos bancos centrais no âmbito
do Grupo dos Dez (G10) – Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Países Baixos,
Suécia, Reino Unido e os Estados Unidos, além da Suíça como membro associado – à política
cambial acordada em Bretton Woods. Ou seja, um contraponto sutil, mas claro, ao FMI.
A partir de 1961, esse contraponto se tornaria mais evidente. Iniciativas dos bancos
centrais do G10 incluíram a criação de um Gold Pool comum para intervir no mercado privado
de ouro (1961-1968), a criação de uma rede de swaps de moeda dos bancos centrais e repetidos
acordos de apoio cambial (por exemplo, para reforçar a libra esterlina e o franco francês) (BIS,
2018). Essas medidas visavam manter o poder das moedas europeias, agora dentro do sistema
de Bretton Woods durante a década de 1960.
17
Ocupou o cargo de primeiro-ministro da França entre 26 de agosto de 1976 a 21 de maio de 1981, sob a
presidência de Valéry Giscard d'Estaing, e vice-presidente da Comissão Europeia na Comissão Rey e na Comissão
Malfatti.
57
comum de crédito destinado a suprir as flutuações entre as moedas nacionais. Nele, também
consta pela primeira vez a primeira sugestão de um numerário comum aos países-membros, o
European Currency Unit (ECU). No Plano Barre, já estava delineada a intenção de criar uma
autoridade monetária europeia acima dos bancos centrais como se pode verificar nos artigos a
seguir:
Em síntese, pode-se definir o Plano Barre como um conjunto de diretrizes para que se
efetivasse uma União Europeia, com moeda comum, ausência de barreiras alfandegárias entre
seus membros, mobilidade de mão de obra e estabilidade de preços e câmbio. Elaborado pelos
chefes de governo e Bancos Centrais dos seis países-membros sob supervisão do BIS, o
documento serviu de base para os posteriores, que viriam a concretizar a união monetária.
Apesar da aprovação do Plano Barro se dar somente em 1969, no ano anterior, o grupo
dos Governadores dos Bancos Centrais dos países da CEE solicitou a elaboração de um
planejamento para a implantação da moeda única. A tarefa ficou a cargo de Pierre Werner,
Primeiro-Ministro de Luxemburgo, Ministro das Finanças e personalidade com atuação
destacada no BIS.
O comitê Werner era composto por economistas dos países envolvidos, técnicos dos
bancos centrais e do BIS, e terminou polarizando a questão da implantação da unificação
monetária em torno de duas visões antagônicas. Havia um grupo denominado de monetarista,
composto majoritariamente por belgas, franceses e luxemburgueses que defendiam uma
unificação monetária como forma de impulsionar a integração econômica. Em contraponto,
havia o grupo denominado de economistas, composto por alemães e holandeses que defendiam
a necessidade de uma coordenação de políticas econômicas como alicerce para a unificação
monetária. O documento resultante do comitê é entendido como um meio-termo entre as
posições dos referidos grupos.
Apresentado em 1970, o Plano Werner foi aprovado inicialmente pelo Comitê de
Governadores dos Bancos Centrais da CEE, sob consulta técnica junto ao BIS, para ser em
seguida aprovado pelos chefes de Estado das países-membros como uma formalidade.
Como previsto ao final da década anterior, em agosto de 1971, deu-se o colapso do
sistema de Bretton Woods e o abandono unilateral da sustentação estadunidense do padrão dólar
fixo.
Nesse mesmo ano, o Plano Werner foi colocado em vigor. O documento de 68 páginas
formulava um planejamento em três etapas para a unificação monetária. A primeira etapa
encontra-se detalhada com duração e decisões, conforme se pode verificar no trecho a seguir. As
demais etapas não possuíam o mesmo detalhamento.
A primeira fase terá início em 1 de janeiro de 1971 e irá abranger um período
de três anos. Além da ação aprovado pelo Conselho na sua decisão de 8 e 9
de junho 1970, implicará a adoção das seguintes medidas: (I) Os
18
Arquivo oficial de Legislações da União Europeia disponível no endereço http://europa.eu/ legislation
summaries/economic and monetary affairs , consultado em 18-10-2017. Tradução da autora.
58
Como medida adicional ao Plano Werner, em março de 1972, foi colocado em prática
um sistema alternativo a Bretton Woods dentro da CEE, chamado de a “Serpente no Túnel”: um
mecanismo de flutuação combinada das moedas (a “serpente”) no interior de margens de
flutuação estreitas em relação ao dólar (o “túnel”). Esse sistema tinha como mecanismo o uso de
margens de flutuação de 2,25% entre as diversas moedas europeias pertencentes ao sistema.
Desse modo, pretendia-se desenvolver um grupo autônomo de taxas de câmbio entre os países
da CEE que levasse à posterior eliminação das margens de flutuação entre as moedas dos
países-membros (SILVA, 2010, p.176).
Em paralelo, criou-se o Fundo Europeu de Cooperação Monetária (FECOM), cujas
reservas se destinavam a ajudar os bancos centrais nacionais a manter a paridade da sua moeda
no mecanismo da Serpente Monetária, agora alinhada ao dólar fora do sistema de
convertibilidade. O fundo era operado nas instalações do BIS na Basileia onde o banco atuava
como agente de operações e mentor técnico.
Esse sistema teria vida curta. A crise do petróleo de 1973 e a subsequente
desvalorização do dólar provocaram flutuações quase diárias entre as moedas, e levaram a
desequilíbrios nos pagamentos externos dos países integrantes. A França foi o primeiro país a
exigir que sua moeda pudesse flutuar livremente. Em seguida, Inglaterra e Itália também se
retiraram do grupo, seguidos por outros até 1978 quando estava reduzido a uma zona do
“marco”, com a participação da República Federal da Alemanha, o Benelux e a Dinamarca
(SILVA, 2010, pp.179-183).
Em março de 1979, França e da República Federal da Alemanha se uniram novamente
na tentativa de unificação monetária dos países da CEE e criaram o Sistema Monetário Europeu
(SME) baseado no conceito de taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis. As moedas de todos os
Estados-membros, à exceção do Reino Unido, participaram no mecanismo cuja
operacionalização e supervisão, mais uma vez, se dava nas instalações do BIS na Basileia.
O SME tinha como objetivo primário interligar as moedas e evitar grandes flutuações
entre os seus respectivos valores. Para tanto foi criado o Mecanismo Europeu das Taxas de
Câmbio (MET), através do qual as taxas de câmbio da moeda de cada Estado-membro
obedeciam a ligeiras flutuações (+/-2,25%) para cada lado do valor de referência. Este valor,
fixado por acordo em relação ao conjunto de todas as moedas participantes, foi chamado de
Unidade de Moeda Europeia (ECU), 1975 e era calculado de forma ponderada, segundo o peso
da economia de cada Estado-membro no total do grupo. O objetivo, mais uma vez, era
fortalecer as trocas e moedas dos países do grupo como uma etapa necessária à criação de uma
unificação monetária.
Em 1987, foi instituído o Comitê para o Estudo da União Econômica e Monetária,
presidido por Jacques Delors. Conhecido como Comitê Delors, composto por 17 membros,
entre os quais Karl Otto Pöhl (presidente do Bundesbank), Robin Leigh-Pemberton (governador
do Banco da Inglaterra), e Willem Duisenberg (presidente do Banco dos Países Baixos),
também membros do Conselho diretor do BIS. Mais uma vez baseado na Basileia, os
fundamentos técnicos para a decisão do Conselho Europeu de avançar para a união monetária
europeia foram fornecidos pelo BIS, (BCE, 2017).
19
Arquivo oficial de Legislações da União Europeia disponível no endereço http://europa.eu/legislationsummaries/
economic and monetary affairs , consultado em 18-10-2017. Tradução da autora.
59
20
Arquivo oficial de Legislações da União Europeia disponível no endereço http://europa.eu/ legislationsummaries
/economic and monetary affairs , consultado em 18-10-2017.
60
Embora a Fase I tem seu início oficial em 1990 quando se deu a abolição do controle no
nível nacional sobre as taxas de câmbio, libertando assim os movimentos de capitais no interior
da CEE. Ainda nessa primeira fase, atribuíram-se responsabilidades ao Comitê de Gestores dos
Bancos Centrais dos Estados-membros. Em março de 1990, foi definida e regulamentada a
prática de realização de consultas relativas à política monetária entre os gestores dos bancos
centrais. Para tanto, foi elaborado o documento conhecido como a Resolução 141 de 1990 do
Conselho Europeu21 que estabelecia uma supervisão multilateral a ser efetuada nos países-
membros, cobrindo todos os aspectos da política econômica, a curto e médio prazo. Assim, os
países deviam enviar relatórios periódicos com detalhamento das perspectivas e informações
das políticas monetária e orçamental; tais relatórios individuais geravam um relatório anual a ser
avaliado e aprovado pelo Comitê Econômico e Social. O presidente do Comitê dos Gestores dos
Bancos Centrais participava das reuniões e podia convocar reuniões extraordinárias do Comitê
de Gestores de Bancos Centrais para decisões ou detalhamentos que, posteriormente
apresentava ao Conselho. Mais uma vez, a tutela e supervisão do BIS estava presente na
elaboração dos relatórios feitos pelos Bancos Centrais Nacionais.
A criação do Instituto Monetário Europeu (IME) em 1994 marcou o início da Segunda
Fase da UEM e, o Comitê de Gestores dos Bancos Centrais foi extinto. As funções do IME eram
de duplo caráter: por um lado buscavam reforçar a cooperação entre os bancos centrais para que
fosse possível a coordenação das políticas monetárias (ainda que durante essa segunda fase a
política monetária continuasse a ser definida no âmbito nacional); e por outro lado, coordenava
as ações necessárias à instituição do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), a quem
caberia determinar e conduzir a política monetária única a partir do início da terceira fase
quando a autonomia da autoridade monetária europeia deixaria de se dar no nível nacional em
definitivo.
21
Council Decision 90/141/EEC of 12 March 1990 on the attainment of progressive convergence of economic
policies and performance during stage one of economic and monetary union [Official Journal L 78 of 24.03.1990]
disponível no endereço http://europa.eu/legislation_summaries economic_and_monetary _affairs/introducing_
Euro_practical _aspects /l25006_ en.htm acesso em 15-08-2017.
61
O Instituto funcionava com recursos próprios advindos dos Bancos Centrais dos
estados-membros participantes da UE em sistema de quotas de participação como se pode ver
no quadro 1. O endereço era, novamente, o BIS na Basileia.
Adicionalmente, o IME gerenciava as operações de empréstimo dentro da comunidade
para os Estados-membros que enfrentassem dificuldades em seus Balanços de Pagamento.
Assim, o IME efetuava os pagamentos resultantes destas operações ativas e passivas, verificava
as datas de vencimento fixadas nos respectivos contratos para o pagamento de juros e reembolso
do capital, relatando para a Comissão as operações efetuadas e usando os mecanismos de
transferência entre contas dos Bancos Centrais no ambiente do BIS.
Em junho de 1997, o Conselho Europeu se reuniu em Amsterdã e aprovou o Pacto de
Estabilidade e Crescimento (PEC) que criou a nova versão do Mecanismo Europeu de Taxas, o
MET II, sucessor do SME e do MET. Este somente entraria em vigor após o lançamento do
Euro na sua forma monetária. O PEC 22 continha instruções engessadoras do orçamento dos
Estados, com a desculpa de evitar endividamento dos mesmos.
O documento era composto por três partes: (1) a primeira parte visava estabelecer um
‘braço preventivo’ relativo a problemas orçamentários; (2) na segunda parte, especificava-se um
regimento dos procedimentos de supervisão das situações orçamentais; e (3) na terceira parte,
conhecida como o ‘braço corretivo” a ser aplicado no caso de um país-membro apresentar uma
situação de “deficit excessivo”.
Os objetivos do PEC em relação ao orçamento dos estados-membros eram a obtenção
de um saldo orçamental próximo do equilíbrio ou de superavit, e especificar o que seriam
circunstâncias excepcionais, e sanções ao deficit excessivo. O PEC definiu como valor de
referência para teto máximo de deficit público, 3% do PIB. Configurava como situação
excepcional, que permitiria valores superiores a esse, uma recessão econômica grave (com taxa
de crescimento anual negativa do PIB ou de uma redução cumulativa da produção durante um
período prolongado de crescimento anual muito baixo)23.
22
Conforme informações disponíveis no endereço http://europa.eu/eu- law/treaties/index_en.htm, acesso em 03-04-
2018.
23
De acordo com informações disponíveis no endereço http://europa.eu/legislation_summaries /economic_and
_monetary_affairs/stability_and_growth_pact l25019 _ pt. htm, acesso em 16-08-2017.
62
24
Conhecido como Regulamento (CE) n.º 1467/97 do Conselho, de 7 de julho de 1997, relativo à aceleração e
clarificação da aplicação do procedimento relativo aos défices excessivos. Disponível no endereço
http://europa.eu/legislation_summaries/economic_and_monetary_affairs/stability_and_growth_pact /l25020_p t .htm
acessado em 16-08-2017.
25
Conforme informações disponíveis no endereço http://europa.eu/legislation_summaries /economic_and _monetary_
affairs/introducing_Euro_practical_aspects/l25007_pt.htm acessso em 07-07-2018.
63
Com o fim dos acordos de Bretton Woods, na década de 1970, o G10 criou dentro do
BIS, o Comitê de Supervisão Bancária da Basileia (BCBS da sigla em inglês). O objetivo era ter
um comitê supranacional de autoridades de supervisão bancária dos bancos centrais dos países
do Grupo, a fim de gerar regras e normas para todo o SFI no que se refere a supervisão bancária.
Começava o embrião do que se tornaria a função primordial do BIS após a unificação
monetária europeia, com o Banco Central Europeu agindo na função de protagonista das
decisões monetárias europeias. Aos, poucos, o BIS mudaria seu papel para o de um Banco que
ditava as regras de funcionamento do SFI. Não apenas um banco dos bancos centrais, mas o
Banco que determinava como os bancos centrais deveriam agir. O posicionamento estratégico
nas décadas iniciais do pós-guerra daria ao BIS a capacidade de articular em seu redor as
instituições financeiras que construiriam posteriormente a unificação monetária e financeira da
Europa.
Nas décadas seguintes, o BCBS formulou e emitiu os chamados Acordos de Capital de
Basileia, conhecidos como Basileia I, Basileia II (2004) e Basileia III (2010). As normas
incluíam a exigência de ativos dos bancos em relação ao montante a ser investido nos mercados,
reservas mínimas a serem utilizadas em momentos de crise, regras para divulgação de
informações financeiras e restrição das atividades bancárias a determinados tipos de
investimentos usando o risco de tais atividades como parâmetros. Ao mesmo tempo, a avaliação
de risco foi delegada pelo grupo do BIS às chamadas Agências Independentes de Avaliação de
Risco (Ratting Agencies).
Na virada do século, outra mudança foi a decisão de que as quotas de suas ações
somente poderiam pertencer a bancos centrais. Assim, em janeiro de 2001, o banco divulgou
que:
26
Conforme informações disponíveis no endereço https://www.bis.org/press/p010108.htm acesso em 10-07-2018.
64
Havia cerva de 15% de ações em mãos de bancos privados, na Bélgica, Estados Unidos
e França e após divergências sanadas nos tribunais de Haia a respeito do valor das ações, o BIS
tornou-se finalmente o que apregoava, um banco dos bancos centrais. (LEBOR, 2014)
Quando se discute a atuação da chamada Troika (nome dado ao grupo formado pelo
Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia) na recente crise
de 2008, não se menciona o BIS como tendo alguma participação nas discussões do grupo. Essa
ausência do BIS nas decisões monetárias europeias pode ser entendido se pensarmos que o BIS
foi o responsável pela legitimação dada às chamadas Agências Internacionais de Risco,
entidades privadas de avaliação de crédito como Fitch, Standard & Poors e Moody. Essas
agências haviam criado o mito de que os ativos de crédito bancário podiam ser precificados e
negociados como sendo de “baixo risco” em mercados secundários e, portanto, sendo
diretamente responsáveis pela crise subprime. Fato que obrigou o Comitê dos Governadores de
Bancos Centrais do BIS a recomendar que se evite o uso de tais Agências Independentes de
Risco em 2015, oito anos após a crise dos papeis podres do Subprime.
Atualmente, o BIS passou a informar que sua missão é "(...) servir os bancos centrais
na busca da estabilidade monetária e financeira, promover a cooperação internacional nessas
áreas e atuar como banco dos bancos centrais". Quanto ao modo de operação, afirma que:
65
Mais um sinal da mudança viria na segunda metade de 2016, quando o BIS aprovou
uma alteração profunda em sua estrutura, a alteração do artigo 27 de seus estatutos que
regulamenta a composição e escolha do seu Conselho de Administração. Até janeiro de 2019, o
Conselho do BIS continuaria com 21 diretores. Os seis diretores ex officio (os Governadores dos
Bancos Centrais da Bélgica, França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Estados Unidos), que
podem nomear outro Diretor da mesma nacionalidade. Além disso, nove Governadores de
outros bancos centrais membros podem ser eleitos para o Conselho. A partir de 2019, com a
alteração estatutária, o número total de diretores será reduzido de 21 para 18. Os seis diretores
ex officio acordaram pela nomeação de um diretor - em vez de seis - de uma de suas
nacionalidades, e o número de diretores eleitos passou de nove para 11. (BIS, 2018)
6. Conclusão
Após o final da Segunda Guerra Mundial, havia um claro interesse dos representantes
dos EUA em Bretton Woods em liquidar o BIS, substituindo-o pelos então criados FMI e BIRD.
A postura dos banqueiros europeus – membros do quadro de diretores do banco que decidiram
pela sua manutenção – pode nos levar a especular sobre uma possível dissensão entre os dois
grupos, resolvida por uma divisão de tarefas entre BIS e FMI onde o primeiro defenderia os
interesses europeus e o segundo, os estadunidenses.
Os objetivos ligados à atuação do BIS e sua posição estratégica dentro das políticas
econômicas europeias refletiam um equilíbrio de forças dentro do bloco capitalista de
ingerência política no continente. A manutenção da superioridade militar e os interesses
geopolíticos estadunidenses, contra uma possível expansão soviética no território europeu,
configuravam um cenário em que potências locais decadentes veriam na sustentação do Banco
um objetivo estratégico de sobrevivência ainda que reduzida e circunstancial de sua autonomia,
tanto em caráter mais imediato, quanto no longo prazo. Por outro lado, empresários e
banqueiros dos EUA haviam investido na Alemanha, e seria necessário preservar tais ligações,
permitindo não apenas a sobrevivência imediata, mas a recuperação a longo prazo dos mercados
europeus, dada a possibilidade de colapso e provável alinhamento com o bloco soviético.
Assim, estabeleceu-se uma interação entre BIS e FMI que não é tão antagônica quanto
se poderia sugerir, à primeira vista. Pelo contrário, a atuação é integrada e complementar. O
FMI empresta dinheiro para os governos nacionais e arrecada dinheiro com as contribuições das
cotas de seus países-membros. O BIS facilita o movimento do dinheiro no SFI fazendo os
“empréstimos ponte” para os bancos centrais dos países onde o dinheiro do FMI ou Banco
66
Mundial27 foi prometido, mas ainda não liberado. Os empréstimos ponte são devolvidos pelos
governos ao BIS quando ocorre a liberação dos fundos prometidos pelo FMI ou pelo Banco
Mundial. A justificativa oficial para essa ação é evitar problemas de fluxo de caixa em
programas de financiamento do desenvolvimento.
O BIS foi criado para defender os interesses dos bancos privados norte-americanos e
dos bancos centrais europeus na obtenção das reparações da Alemanha ao final da Primeira
Guerra Mundial. Passou a defender os interesses do Reich durante a Segunda Guerra Mundial.
Frente à perspectiva de eliminação pelos EUA, após o final do conflito, adotou um
posicionamento estratégico nas décadas iniciais do pós-guerra. Isso daria ao BIS a capacidade
de articular em seu redor as instituições financeiras que construiriam posteriormente a
unificação monetária e financeira da Europa, mudando seu papel, de “banco dos nazistas”, para
arquiteto da unificação europeia. Quando o processo se encerrou com a fundação do BCE e
ocorreu a mudança geográfica do centro de decisões da Basileia para Frankfurt, mais uma vez, o
BIS passou por uma transformação em seus objetivos e se tornou o órgão máximo da
regulamentação do Mercado Financeiro Internacional, mantendo um papel de coordenação
financeira e monetária do território europeu que dura quase um século, sobrevivendo a três
padrões cambiais, duas guerras e várias crises. É difícil descartar a hipótese de que tenha
passado ao largo da responsabilidade sobre tais eventos.
27
Para ser membro, ou beneficiário, do Banco Mundial, é obrigatória a
associação ao FMI.
67
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2002
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68
Resumo
Este artigo tem como objetivo compreender a configuração da integração regional na América Latina
como um instrumento estratégico de busca por autonomia em determinadas conjunturas históricas. Assim,
objetiva-se fazer um debate sobre a relação entre imperialismo, dependência e integração na América
Latina, partindo do recorte da integração regional concebida como instrumento de resistência anti-
imperialista e de caráter latino-americanista. Para tal, busca-se retomar de maneira sucinta os principais
elementos da formação sócio histórica da América Latina, para delinear as particularidades conferidas à
dinâmica do capitalismo dependente. Em seguida, procura-se compreender como a integração configura-
se como mecanismo de busca por maior autonomia para a região e de reação à dominação externa,
levando em consideração que no seio da contradição a integração também é um instrumento disputado
pelo imperialismo, estando no espectro da disputa de projetos políticos para a região. Isto posto, a partir
da tradição do pensamento integracionista latino-americano, o debate aqui realizado debruçar-se-á sobre
as raízes e os fundamentos que dão origem a essa concepção particular de integração articulado a algumas
experiências de integração regional que se enquadram nessa concepção.
Abstract
America, starting from the cut of regional integration conceived as an instrument of anti-imperialist
resistance and Latin Americanist character. To this end, the main elements of the socio-historical
formation of Latin America are summarized to delineate the particularities given to the dynamics of
dependent capitalism. Next, we try to understand how integration is a search mechanism for greater
autonomy for the region and a reaction to external domination, taking into account that within the
contradiction integration is also an instrument disputed by imperialism, being in the of political disputes
over the region. From the tradition of Latin American integrationist thought, the debate will focus on the
roots and foundations that give rise to this particular conception of integration articulated to some
experiences of regional integration that fall within this conception.
1
Artigo apresentado em 08/05/2018. Aprovado em 08/07/2018.
2
Professora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Bacharel em Ciências Sociais (UFPB) e em Relações
Internacionais (UEPB). Mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais (UFSC). E-mail: marianadaviferreira@gmail.com.
3
Docente do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (PPGRI/
UEPB) e do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional da Universidade Federal da
Paraíba (PGPCI/UFPB). Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ásia-Pacífico (GEPAP/UEPB/CNPq). E-
mail: alexccleite@gmail.com. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-0209-2717
4
Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (UFSC). Doutor em Ciências Sociais pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: jccoelho@ineu.org.br.
69
1. Considerações Iniciais
6
O conceito de dependência estrutural aqui utilizado refere-se aos condicionantes estruturais da dependência
latino-americana, que - a partir das relações centro-periferia estabelecidas no seio do modo de produção capitalista –
70
7
Para Marini (2005) a dependência constitui-se com a consolidação do capitalismo dependente. Diferente da
leitura de Gunder Frank, para o qual a dependência se conforma desde o período colonial, no qual vigoravam as
relações entre Colônia e Metrópole. Aqui apresentam-se os elementos da formação sócio histórica da América Latina,
considerando que o período colonial estabelece as bases para a posterior consolidação da dependência como traço
estrutural da dinâmica do capitalismo latino-americano.
8
Cabe deixar claro que não se considera aqui neste artigo que a identidade latino-americana seja dada,
fechada ou reificada. Mas sim como processo e, como tal, é compreendido diferentemente por distintas correntes
teóricas.
9
Esse pensamento se constitui a partir de líderes, escritores e estudiosos latino-americanos, como Simon
Bolívar e José Martí no século XIX, posteriormente Mariátegui, teóricos cepalinos, dependentistas e outros.
71
dependente na região para que, em seguida, sejam situadas as mudanças que ocorrem nas
relações centro-periferia na fase imperialista do capitalismo. Para tal, a seção trata, de maneira
panorâmica, de três momentos históricos: a colonização, a consolidação do capitalismo
dependente na América Latina e as mudanças consonantes à fase monopolista do capitalismo. O
propósito está na busca do entendimento de como a dependência se constitui como elemento
estrutural na dinâmica do capitalismo latino-americano. Isso para viabilizar, na próxima seção, a
articulação entre essa realidade e a construção de arranjos regionais na busca por autonomia.
10
Na América, a encomienda constituía um sistema que garantia o controle total da Coroa espanhola sobre a
exploração das riquezas do território americano, por meio da conjugação entre costumes espanhóis e práticas de
cobrança típicas dos povos pré-colombianos. Configurava-se, assim, uma concessão real aos conquistadores, pela
qual a Coroa adjudicava-lhes certo número de aldeias e índios que deveriam ser catequizados e protegidos. Ao
encomendero era permitido exigir trabalho dos indígenas (encomienda de servicios), bem como a entrega de gêneros
(encomienda de tributos) (MENDONÇA & PIRES, 2012, p. 64).
72
dependentes, tendo em vista que ocorre uma repartição internacional da apropriação da riqueza
aqui produzida. Assim, “a apropriação privada do produto do trabalho das classes assalariadas
ocorre tanto em âmbito nacional como em nível internacional” (IANNI, 1974, p. 176).
As consequências da cisão no ciclo de reprodução do capital tornam ainda mais gritantes
as contradições típicas de uma sociedade de classes, resultando no caráter sui generis do
capitalismo dependente e suas estruturas sociais. Esse caráter sui generis é explicado por Marini
(2005) pela particularidade que adquire a relação capital x trabalho na América Latina, pois um
mecanismo de compensação precisa ser introduzido para sanar essa interrupção da acumulação
interna de capital. Isso se dá pelo aumento da produção de excedente, por meio da
superexploração da força de trabalho, como especificidade da dinâmica do capitalismo
dependente latino-americano.
Forjam-se então, diferentes mecanismos de aumento da exploração da força de trabalho,
quais sejam: i) a intensificação do trabalho, ii) a prolongação da jornada de trabalho e a iii)
expropriação da parte do fundo de consumo do trabalho, necessário ao operário para repor sua
força de trabalho (MARINI, 2005, p. 156). A superexploração da força de trabalho traz
implicações concretas para a população desses países, isto é, graves consequências sociais da
distribuição regressiva de renda e riqueza. (CARCANHOLO, 2012). Essas decorrências se
expressam no nível de desigualdade e de concentração da renda, da riqueza e do poder na
América Latina, que implica em condições de vida degradantes para as classes trabalhadoras
dos países dependentes.
Conforma-se, assim, a partir desses elementos, uma sociedade de classes marcada pela
“heteronomia permanente”, tendo em vista que a revolução burguesa na América Latina não
rompeu com o arcaico, e, desembocou na consolidação de uma estrutura do modo de produção
capitalista de caráter sui generis. Resulta disso a marca da constante relação entre o “arcaico” e
o “moderno” como modus operandi na sociedade de classes na América Latina (FERNANDES,
1973a). A estabilidade dessa sociedade de classes requer mecanismos de dominação que
reforçam, a partir do arcaico, a concentração da renda, do prestígio social e do poder,
exacerbando as mazelas sociais.
Nesse modelo de capitalismo, as classes sociais não cumpriram seu papel enquanto
agente histórico de transformação como em sociedade de classes fundadas pela via clássica da
Revolução Burguesa, tal qual ocorreu na Europa. Nos países europeus ocorreu a ruptura com o
antigo regime e a conformação de uma estrutura social, na qual as classes sociais cumprem suas
funções, enquanto agentes históricos de uma sociedade fundada na propriedade privada, na
formalização do Estado e do Direito (FERNANDES, 1973a). Assim, nesses países, a
consolidação da “civilização burguesa”, com a hegemonia dos interesses dessa classe, instaura
uma ordem social competitiva na qual as classes baixas utilizam os instrumentos típicos da
“estrutura democrática” - mais formal que concreta - para pautar seus interesses de classe e
efetivar-se enquanto agente histórico.
Às avessas, a burguesia latino-americana adquire um caráter débil para consolidar um
projeto democrático e nacional, pois a sociedade de classes se funda sobre estamentos
senhoriais típicos do Antigo Regime Colonial, sem conseguir superá-los (FERNANDES, 1973a,
1973b, 2006) e, ainda, com uma relação de complacência com o imperialismo, cedendo espaço
às evoluções externas do capitalismo. Nesse sentido, para consolidar sua hegemonia de classe, a
burguesia recorre a instrumentos antidemocráticos que perpetuam e acentuam a concentração
dos mecanismos de poder, as disparidades sociais e as relações de dominação externa.
Pela origem colonial, o capitalismo moderno apresenta-se na América Latina com uma
série de particularidades, sendo a condição burguesa das classes dominantes não “o requisito,
mas o produto imprevisto e quase inexorável dessa evolução”. Fernandes (1973ª, p. 91) ainda
aponta que: “a ordem social competitiva não deita suas raízes mais longínquas em um
estamento burguês revolucionário; mas em estamentos senhoriais que pretendiam usar suas
posições-chaves no controle da economia e de Nações-Estados emergentes”.
A permanência de elementos do arcaico em conexão com o moderno confere o estado
de heteronomia permanente. Fernandes (1973a, p. 55) ressalta que, como consequência desse
75
modelo, não existe possibilidade de alteração no padrão das transformações que leve da
articulação dependente ao desenvolvimento autônomo dos países latino-americanos, sendo um
constante processo de readaptação às evoluções externas. Desse modo, a dependência não
possui um caráter residual nas sociedades latino-americanas. Ao contrário, sua dimensão
inegavelmente estrutural consolida-se por meio das transformações, inerentes à dinâmica do
capitalismo periférico, que consistem numa contínua adaptação nas relações centro-periferia a
novas condições históricas. São essas modificações no seio do capitalismo internacional e nas
relações dominação-subordinação (IANNI, 1974) que levam à política imperialista, como novo
padrão de dominação externa que será tratado a seguir.
12
Nas transações internacionais para exportação de capitais, os países centrais que fornecem os empréstimos
o fazem – geralmente – com cláusulas que instituem requisitos aos países receptores, a partir das quais o credor
obtém algum proveito. Essa condição desigual na concessão dos empréstimos norteia a exportação de capitais com
vantagens concebidas aos países exportadores, seja no campo militar ou nas vantagens comerciais em relação ao
acesso ao mercado dos países subdesenvolvidos as quais concedem o empréstimo. Tais cláusulas passam a exercer o
papel de estímulo à exportação de mercadorias dos países centrais – fornecedores dos empréstimos – através de uma
relação de determinação sobre a pauta importadora dos países receptores.
13
Mercados, transferência de produção para acesso a matéria-prima, ao exército industrial de reserva que
significa mão-de-obra mais barata, desorganizada politicamente enquanto classe e disponível.
14
Como também nos relembra Celso Furtado em sua obra O Mito do Desenvolvimento.
15
Aqui o pan-americanismo se diferencia do pan-americanismo defendido por Simon Bolívar no processo de
independência das colônias hispano-americanas no século XIX. Nesse momento histórico, se inicia a definição de
dois projetos diferentes para o subcontinente: o projeto latino-americanista, que remonta à Bolívar, e o projeto pan-
americanista, que remonta à Monroe e a política imperialista dos Estados Unidos para a América Latina.
77
toda a América. A doutrina Monroe seria completada posteriormente pelo Corolário Rossevelt,
no início do século XX, que preconizava aos EUA o direito exclusivo de interferência no
subcontinente sempre que seus interesses estivessem sob risco.
Sobre a política externa estadunidense no final do século XIX, um dos momentos mais
expressivos foi a I Conferência Internacional Americana (1889-1890), que ocorreu em
Washington, com o objetivo de fomentar as relações comerciais entre os países americanos. A
Conferência ressaltou o protagonismo dos interesses estadunidenses, sob a pressão das forças
nacionais ligadas ao livre comércio (PÁDUA, 2012, p. 23).
Segundo Ianni (1974), no século XX, a relação dos Estados Unidos com a América
Latina baseia-se na combinação da diplomacia do dólar e do big stick. Diferentes denominações
são utilizadas pelos governantes norte-americanos para as relações com os países latino-
americanos: “monroísmo, pan-americanismo, não-intervencionismo, boa vizinhança, aliança
para o progresso, segurança hemisférica, interdependência, solidariedade interamericana,
associação madura, presença discreta, negligência benigna e assim por diante” (Ianni, 1974, p.
7).
Assim, “a dominação externa, graças ao capitalismo monopolista e ao recente padrão de
imperialismo total ramificou-se e intensificou-se a ponto de organizar-se a partir de dentro em
bases quase simétricas às da antiga dominação colonial” (FERNANDES, 1973a, p. 97). Passa a
vigorar o “imperialismo total” como padrão de dominação externa típico do capitalismo
monopolista, que modifica os arranjos econômicos, mas continua a ter em seu cerne a marca da
acumulação dual de capital e da apropriação repartida do excedente econômico nacional.
O “imperialismo total” ou novo imperialismo consolida-se a partir da expansão das
grandes empresas corporativas típicas das economias centrais para os territórios latino-
americanos. Nesse momento, a dominação externa se concebe de forma mais complexa e
profunda, já que há um controle interno das economias dependentes pelos interesses externos.
Mecanismos típicos das empresas monopolistas passam a ser implementados na dinâmica
econômica da periferia com investimentos em marketing, mudança do quadro administrativo
das empresas, propagandas em massa entre outras ferramentas de projeção. No âmbito
econômico, a falta de instrumentos que pudessem regulamentar e supervisionar a atuação dos
monopólios nos Estados latino-americanos resultou em um enraizamento ainda maior das
estruturas de controles externas em território nacional (FERNANDES, 1973b). Isso acabou
influenciando a falta de autonomia na gestão da política econômica dos Estados dependentes 16.
Ianni (1974, p. 163) destaca que, frente à dominação imperialista, se conformam problemas
como “a alienação dos centros de decisão, sobre a política econômica, resultante da expansão e
do fortalecimento das empresas multinacionais sediadas principalmente nos EUA”.
O “imperialismo total” torna-se ainda mais ofensivo com o término da II Guerra
Mundial. Acontecimentos desse período remetem ao i) estabelecimento da hegemonia norte-
americana no Ocidente; ii) criação de uma série de instituições internacionais
instrumentalizadas pelo imperialismo17; iii) mudança na ordem monetária internacional iv)
“ameaça” da expansão do modelo socialista com a instauração da bipolaridade enquanto
ordenamento do sistema internacional; v) a longa onda expansiva da economia internacional nos
16
Fernandes (1973b) alerta que os aspectos econômicos são apenas uma esfera das modernas tendências de
dominação externa. A incorporação dependente da periferia ao que o autor denomina o “espaço social e político das
nações hegemônicas” resulta em uma gritante influência externa dos padrões sociais do Norte na sociabilidade dos
países dependentes. Isso se dá por meio da empresa corporativa, mas também por outras instituições oficiais
(públicas) e privadas, que têm a função de reconstruir as sociedades latino-americanas de acordo com interesses
externos.
17
Formação de instituições internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) no campo político,
o General Agreement on Tariffs and Trades (GATT), no campo comercial, o Fundo Monetário Internacional (FMI),
para ajustamento de desequilíbrios das balanças de pagamentos e o Banco Mundial (BM), para financiamento do
desenvolvimento. No cenário internacional, há a instrumentalização dessas agências e instituições internacionais para
implementação de estratégias que lhes são adequadas. Segundo Braz e Netto (2012, p. 237) “O poder de pressão
dessas instituições sobre os Estados capitalistas mais débeis é enorme e lhes permite impor desde a orientação
macroeconômica, frequentemente direcionada aos chamados ‘ajustes estruturais’, até as providências e medidas de
menos abrangência”.
78
Anos Dourados, que solidificam o imperialismo total enquanto padrão de dominação externa na
América Latina.
Segundo Fernandes (1973b), a expansão do modelo socialista significou uma
“influência dinâmica decisiva” à defesa agressiva do capitalismo privado por parte das nações
capitalistas avançadas18. Entretanto, a grande onda de expansão econômica dos ‘Anos Dourados’
esgotou-se no final dos anos 1960, quando ocorreu uma queda nos índices de crescimento
econômico das economias centrais. Os déficits alcançados pela economia americana
dificultaram que o dólar mantivesse seu poder de ordenação dos movimentos comerciais e
financeiros no mundo, resultando no fim da vigência do padrão dólar-ouro, seguida por uma
desvalorização do dólar e o rompimento com regime de câmbio fixo, passando para o regime de
câmbio flexível.
Esse processo levou à financeirização – como resultado da onda recessiva – e ao boom
de excedente disponível no sistema financeiro após o choque do petróleo que resultou em uma
expansão do crédito, facilitando a concessão de empréstimos aos países do “Terceiro Mundo”.
O resultado disso para as economias latino-americanas foi um aprofundamento no
endividamento externo. Assim, para recuperação da crise, o sistema capitalista lançou mão de
três estratégias: restruturação produtiva, financeirização do capital e a ofensiva neoliberal.
Nesse contexto, as economias dependentes foram atingidas mais gravemente, sobretudo em
função da crise da dívida pública. Foi posta em prática uma série de ajustes 19 de cunho
neoliberal, veiculadas em forma de “boas práticas” e “boas instituições” pelo Consenso de
Washington, que pode ser analisado como um dos instrumentos pelos quais a burguesia
internacional imprime uma direção política de classe às estratégias de enfrentamento da crise
dos anos 1980. Castelo (2013, p. 322-3) elucida os pontos referendados no Consenso de
Washington, que remontam à publicação de 1986, o Toward Renewed Economic Growth in
Latin American, são eles: 1. Disciplina fiscal; 2. Prioridades do gasto público em educação e
saúde primárias; 3. Reforma tributária; 4. Liberalização financeira e taxa de juros; 5. Taxa de
câmbio competitiva; 6. Liberalização comercial internacional; 7. Atração de investimento
externo direto; 8. Desregulamentação/desburocratização e mercados competitivos; 9.
Privatização; 10. Garantia de direitos de propriedade, em especial dos setores informais.
Sob essas condições históricas, a dependência estrutural dos países latino-americanos
(MARINI, 2005) é reforçada na fase monopolista do capitalismo. Frente a esse cenário, a
América Latina vem construindo arranjos de resistência que se configuram de maneira diversa
ao longo da história, mas compartilham a busca por autonomia e, por consequência, contra o
imperialismo e a dominação externa. Isso culmina em uma série de experiências, como
revoluções, processos de integração regional, arranjos cooperativos, que têm como pauta
projetos de cunho nacionalista e anti-imperialista, justamente por serem esses os requisitos
centrais para a construção de autonomia na região, item que será abordado a seguir.
18
A disputa da Guerra Fria intensifica-se com a ofensiva da classe trabalhadora que levou a revoltas
populares e vitórias na China (1949) na Guerra do Vietnã (1950-1975), nos processos de libertação nacional das
colônias africanas durante o período de 1960-1975. Na América Latina, também havia uma ascensão dos movimentos
de massa com teses revolucionárias, que levaram a revoltas populares na Bolívia (1950-1954) Guatemala (1954),
Cuba (1956-1959), República Dominicana (1963-1964) e em outros países.
19
Aqui chamamos de ajustes o que, na linguagem liberal, é nomeado de reformas. Coutinho (2010, p. 35)
aponta que a palavra reforma sempre foi ligada a luta dos subalternos, adquirindo uma conotação claramente
progressista na linguagem política. Entretanto, “o neoliberalismo busca utilizar a seu favor a aura de simpatia que
envolve a ideia de ‘reforma’. É por isso que as medidas por ele propostas e implementadas são mistificadoramente
apresentadas como ‘reformas’, isto é, como algo progressista em face do estatismo, que, tanto em sua versão
comunista como naquela social-democrata, seria agora inevitavelmente condenada à lixeira da história. Desta
maneira, estamos diante da tentativa de modificar o significado da palavra ‘reforma’: o que antes da onda neoliberal
queria dizer ampliação dos direitos, proteção social, controle e limitação do mercado, etc., significa agora cortes,
restrições, supressão desses direitos e desse controle”.
79
busca por uma maior liberdade frente as potências extrarregionais e ii) o desenvolvimento
econômico (diversificação da estrutura produtiva regional). Historicamente, essas duas pautas
estiveram presentes em diferentes experiências e arranjos regionais.
A presença da busca por autonomia e desenvolvimento econômico, como pautas centrais
nos processos de integração regional da América Latina, constitui-se como uma particularidade
perante a condição de seus Estados como economias dependentes. Dessa forma, em
determinados momentos da história, a política externa desses países utiliza a integração como
um instrumento para enfrentar os problemas derivados da inserção subordinada desses países na
dinâmica do capitalismo internacional.
Compreendida a partir dessa dimensão, a integração pode ser apontada como um tema
inerente à história da América Latina, que remete à luta pela independência com Simón Bolívar,
José Gervasio Artigas e José Martí, conjugada à unidade regional. O legado desse período
constitui-se sob o acúmulo de intelectuais em obras e escritos que reivindicavam a unidade
latino-americana. A peculiaridade desse legado se dirige exatamente pela práxis que remonta a
essa experiência: o acúmulo teórico ocorreu sob o seio da luta contra o colonialismo. Nela, o
pensar se vincula às iniciativas integracionistas no plano do concreto, concebendo a integração
como instrumento na busca por autonomia, ou seja, por diminuição das relações de dominação
externa do século XIX. A meta era a defesa das novas repúblicas frente a gana material derivada
do expansionismo norte-americano (Briceño Ruiz et al, 2012).
Posteriormente, no final do século XIX, destaca-se a luta pela independência de Cuba,
que teve como protagonista José Martí. Depois de Bolívar, Martí destaca-se pela defesa do
projeto latino-americanista que “[...] não é concebível sem seu anti-imperialismo – duas
posições complementares, que fundamentam seu projeto transformador e a cuidadosa estratégia
que adotou para realiza-lo” (RODRIGUEZ, 2006, p. 8). Foi ele que inaugurou o uso da
expressão Nuestra América; segundo Rodríguez (2006) a expressão representada uma
perspectiva de identidade latino-americana, uma proposta de integração regional.
Nesse mesmo período, o crescimento da economia estadunidense e sua consequente
inserção nas economias latino-americanas resultaram no surgimento do pan-americanismo. “Em
um plano retórico, o pan-americanismo pretendia criar uma comunidade de interesses entre os
países do hemisfério ocidental, o fator econômico foi em grande medida seu eixo motor”
(BRICEÑO RUIZ, 2012, p. 33, tradução nossa). Nessa perspectiva, Santos (1993, p. 109)
argumenta que é constituinte da política internacional e da diplomacia na América Latina o
dilema entre as concepções de Bolívar e Monroe. Segundo o autor: “Bolívar, na sua luta pela
independência, concebeu uma América hispânica independente dos Estados Unidos, cujas
origens culturais distintas, poder econômico e ambições expansionistas os apartavam deste
projeto libertário”.
A síntese do pan-americanismo foi a convocação estadunidense aos Estados do
hemisfério para a Conferência Internacional Americana (1889-90), germe para a “União
Panamericana”. Essa movimentação para a integração continental continha como centralidade a
intenção dos Estados Unidos em afirmar sua hegemonia (MARINI, 1992, p. 119).
Assim, o antagonismo entre as propostas de Bolívar e Monroe demonstram a existência
de diferentes projetos políticos para a região latino-americana que se expressam nos diferentes
arranjos regionais construídos ao longo da história do subcontinente. Dessa forma, a política
externa dos Estados Unidos e suas movimentações no que tange à América Latina 20 conformam
uma variável interveniente na análise da integração regional latino-americana. Segundo Santos
(1993, p. 100) “a proposta de uma integração latino-americana tem uma longa história.
Contudo, ela contou com uma hostilidade definitiva dos Estados Unidos, que sempre se opôs à
unidade da América Latina, considerada como um rompimento da unidade maior americana”.
Dessa forma, na América Latina, a integração regional pode ser vislumbrada como uma disputa
entre as concepções de Bolívar e de Monroe.
20
Alguns exemplos desse projeto são: a Doutrina Monroe (1823), a I Conferência Internacional Americana
(1889-1890), Política da Boa Vizinhança (1930), o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) (1948).
81
21
Marini (2010) realiza uma crítica à metodologia utilizada pela CEPAL para mensurar o grau de
desenvolvimento dos países como puramente descritiva, gerando resultados tautológicos. Isso porque a diferenciação
entre desenvolvimento e subdesenvolvimento era feita por critérios meramente quantitativos, estabelecendo
“correlações verificáveis que não esclarecem de maneira alguma, por si só, as questões ligadas a causa e efeito”.
(Ibidem, 2010, p. 106).
82
os EUA. Ela cumpre dois aspectos chaves: tenta compor uma contenção antiimperialista no
âmbito político e expande as possibilidades de aumento da divisão regional do trabalho com
ganhos de escala de mercado e de financiamento.
Entre as diferentes experiências destacamos a União das Nações Sul-Americanas
(Unasul) que é, em grande medida, resultado de um desenho geopolítico brasileiro.
Adicionalmente destaca-se, já pelo lado do protagonismo venezuelano: a Comunidade dos
Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a Aliança Bolivariana para os Povos de
Nossa América (Alba), essa última trazendo em sua sigla sua clara contraposição em relação ao
projeto neoliberal da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Destacamos, aqui, a retomada da tradição do pensamento integracionista latino-
americano pelos documentos oficiais da política externa venezuelana, pois foi esse país que
buscou articular esse modelo de integração regional por meio das iniciativas supracitadas (Alba
e Celac). No documento El Nuevo Mapa Estratégico (2004), Chávez menciona a existência de
dois diferentes eixos na geopolítica regional, que representam projetos políticos opostos para a
América Latina, a saber: o Eixo Bolívar formado por Brasília, Caracas, Havana e Buenos Aires
e o Eixo Monroísta, composto pelas conexões entre Bogotá, Quito, Lima, La Paz e Santiago,
sob influência do Pentágono. Entretanto, é importante mencionar que após a eleição de Evo
Morales (2006) e Rafael Correa (2007) como presidentes da Bolívia e do Equador,
respectivamente, La Paz e Quito se tornaram parceiros prioritários de Caracas, passando a
compor o Eixo Bolívar. Nesse sentido, segundo Chávez
5. Considerações Finais
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88
Resumo
Este artigo analisa o Índice de Comércio Intra-Industrial (ICII) da Argentina com Brasil, Estados Unidos,
China e o Mundo, de 1992 a 2010. O ICII permite analisar as articulações entre os fluxos de comércio por
grupos de atividade e a tendência desse comércio. Permite também inferir sobre a integração comercial e
produtiva entre países. Os resultados do caso argentino mostram um ICII baixo, de reduzido
aproveitamento das economias de escala e de diferenciação, e de intercâmbio comercial baseado nas
vantagens comparativas de seus recursos naturais. Porém, a despeito do resultado geral negativo, é com o
Brasil que o indicador mostra valores mais elevados (0,382), com tendência crescente nos últimos anos,
em especial nas Manufaturas Não Baseadas em Recursos Naturais, o que expressa tanto a semelhança
relativa das estruturas produtivas de ambos os países, quanto certa homogeneização desde a instauração
do MERCOSUL. Em sentido diametralmente oposto, tanto o ICII com a China é muito baixo (0,097),
sobretudo em Fibras Têxteis, Minerais e Metais, quanto o dos Estados Unidos (0,186), ainda que este
tenha apresentado oscilações durante o período analisado.
Abstract
This article analyzes the Intra-Industry Trade Index (ICII) of Argentina with major trading partners of the
analyzed markets: Brazil, United States and China between 1992 and 2010. The ICII allows to investigate
the articulations between the flows of commerce by lines of activity and the tendency of that trade. In
addition, it allows inferences on trade and productive integration between countries. The results show that
Argentina maintains a low ICII in which it exploits economies of scale and differentiation very little and
bases its commercial exchange on the comparative advantages of its natural resources. However, it is with
Brazil that this indicator has the highest values (0.382) and with a growing trend in recent years,
especially in Non-Natural Resource Manufactures, which expresses the relative similarity of the
productive structures of these countries and how they have been homogenized since the establishment of
MERCOSUR. On the other hand, ICII with China, although with a growing trend, is extremely low
(0.097) and especially in Textile, Mineral and Metals Fibers. With the United States, ICII is low (0.186),
and although it had oscillations it remains stable between points.
1
Artigo apresentado em 20/06/2018. Aprovado em 29/11/2018.
2
Pós-doutora e Doutora em Desenvolvimento Econômico, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil.
Professora Universidad Nacional de Rosario, Argentina, e do Departamento de Economia da UFPR. Email:
virginialaurafernandez@yahoo.com.ar.
3
Doutor em Economia, Universidade Estadual de Campinas, Brasil. Professor da UFPR, Brasil. Email:
mlcurado@gmail.com.
89
1. INTRODUÇÃO
O começo do século XXI marca uma mudança de época para a interpretação dos
fenômenos geoeconômicos e seus impactos sobre os fluxos de comércio mundial. As grandes
transformações ocorridas com a entrada da China na OMC em 2001, os efeitos da crise mundial
de 2007/2008 sobre as economias desenvolvidas, a saída da Grã-Bretanha da União Europeia
em 2016 e a saída dos Estados Unidos do Acordo Transpacífico de Cooperação (TTP) no início
de 2017, são expressões dessa mudança. Porém, a nível regional nada é mais relevante que o
novo rumo que parece se desenhar para o Mercosul. Neste sentido, aprofundar o conhecimento
que se tem do comércio internacional argentino, mediante o Índice de Comércio Intra-Industrial
(ICII) é de grande utilidade para orientar as decisões políticas e se definir estratégias comerciais.
Um caso oposto a este tipo de comércio, e aos benefícios extras por eles gerados, é o comércio
inter-indústria. O comércio inter-indústria é o que surge quando os países estabelecem relações
de comercio internacional baseadas nas vantagens comparativas. Neste caso, um dos países
exporta alimentos e os outros bens manufaturados. Quando o que se explora é o comércio inter-
indústria, os países encontram restrições para gerar economias de escala na produção integrada.
A consequência disso é que as estruturas produtivas dos países tendem a se tornar mais
heterogêneas.
Este artigo analisa o Índice de Comércio Intra-Industrial (ICII) da Argentina com Brasil,
Estados Unidos, China e o Mundo, de 1992 a 2010. O ICII permite indagar as articulações entre
os fluxos de comércio por grupos de atividade e a tendência desse comércio. Permite, também,
inferir sobre a integração comercial e produtiva entre países. O artigo se divide em três partes.
Na primeira, faz-se uma brevíssima resenha da literatura sobre o comércio intra-industrial e se
discorre sobre a metodologia para a elaboração do ICII. Na segunda, veem-se os principais
resultados do ICII da Argentina e se complementa e aprofunda a análise sobre a inserção externa
argentina com os resultados obtidos por Fernández e Curado (2016a). Na última, realizam-se as
reflexões finais sobre a utilidade do ICII para definir as estratégias comerciais.
90
A despeito da preocupação crescente pelo tema, sobretudo pela relevância para orientar
a política comercial, são raros os estudos empíricos que analisam o comércio intra-industrial da
Argentina. De fato, os primeiros estudos foram realizados pelo Centro de Estudos da Produção
do Ministério de Economia e Produção da Argentina, em 2004, seguidos em 2007 pelo estudo
de Lucángeli, e em 2010, pelo de Grimbatt. Mais recentemente, Cicco et al (2013) publicaram
dois artigos, um sobre os determinantes nacionais do comércio intra-industrial e outro sobre as
características desse tipo de comércio durante e depois do Plano de Conversibilidade. Por fim,
De Ángelis e Porta (2014) elaboraram um estudo, com desenvolvimento metodológico e
empírico, sobre o comércio intra-indutrial argentino entre 1993 e 2012. O presente trabalho
pretende contribuir com o debate, utilizando uma nova agregação dos dados, conforme se verá,
e contemplando o saldo comercial de cada agregação. Além disso, o trabalho, ao analisar o ICII
entre Argentina e Brasil, também contribui para a discussão sobre a evolução do comércio no
Mercosul.
O ICII pode ser medido em diversos níveis de agregação. Como em todos os casos de
agregações, à medida que tratamos de informações mais detalhadas, com mais dígitos, a análise
torna-se mais exaustiva. No entanto com motivo de fazer uma análise complementária seguir-se
a a agregação utilizada em Fernández e Curado (2016), isto é, conglomerando os grupos de
Recursos Naturais -RN- (Agricultura, Fibras Têxtil Minerais e Metais-FTMM-), Energia e os de
Manufaturas (Manufaturas Baseadas em Recursos Naturais –MBRN- e Manufaturas não
Baseadas em Recursos Naturais -MnoBRN), segundo a classificação de Mandeng de 1993. Por
questões de simplicidade4, selecionou-se um país referencial para exemplificar cada destino. Os
sócios comerciais serão o MUNDO (este representando todos os países), os Estados Unidos
(representando a OCDE), o Brasil (representando o MERCOSUL) e a China (como expressão
da AD). Chamaremos os destinos de sócios comerciais, para expressar o vínculo bilateral.
Contudo, os autores também expressam que este tipo de comércio intra-industrial é mais
frequente entre países que possuem estruturas produtivas semelhantes. É por esta razão que o
comércio intra-indústria possui um papel relevante no comércio de bens manufaturados entre os
países mais industrializados. Como resultado deste tipo de comércio, existe a tendência a
homogeneizarem-se os níveis de desenvolvimento tecnológico, disponibilidade de capital e
trabalho qualificado. Destarte, Krugman e Obstfeld (2001: 144) afirmam que os países que
mantém um alto comércio intra-industrial manterão relações de capital e trabalho muito
similares em suas estruturas produtivas.
Um caso oposto a este tipo de comércio, e aos benefícios extras por eles gerados, é o
comércio inter-indústria que surge quando os países estabelecem relações de comercio
internacional baseadas nas vantagens comparativas. Neste caso, um dos países exporta
alimentos e os outros bens manufaturados. Quando o que se explora é o comércio inter-
indústria, os países encontram restrições para gerar economias de escala na produção integrada.
A causa e consequência disso, já que é um processo que se retroalimenta, é que as estruturas
produtivas dos países sejam heterogêneas.
|X − M j|
ICII j =1−( j )
( X j+ M j )
93
O ICII varia entre 0 e 1. E por sua formulação, à medida que a distância entre o valor
das exportações e importações é maior, o ICII é menor. Um índice alto expressa uma diferença
pequena entre os valores de exportação e importação dos grupos, independentemente destes
grupos serem mais ou menos expressivos dentro da balança comercial. Por este motivo, pode-se
esperar que países que possuam padrões de comércio muito especializados em poucos grupos e/
ou em grupos de baixa articulação com outros grupos da mesma agregação, apresentem um ICII
mais baixo. Quando o ICII = 0 existem somente exportações ou importações. O ICII = 1 indica
que as exportações e importações possuem o mesmo valor.
Martins (2004) afirma que o cálculo do ICII implica que o índice varie inversamente à
magnitude do saldo comercial, mesmo sendo este positivo ou negativo. Por este motivo, propõe
que uma interpretação mais sofisticada da evolução do ICII deva distinguir os produtos que
apresentam queda do índice dos que apresentam alta. Além disso, considera necessário
distinguir a natureza do saldo comercial dos produtos. Por esse motivo neste artigo estudaremos
conjuntamente a evolução do ICII da Argentina com a evolução do saldo comercial.
A base de dados utilizada foi a do COMTRADE, das Nações Unidas. Os dados foram
classificados seguindo a CUCI Revisão 3 e obtidos, ano a ano, para cada país. Importa
mencionar que originalmente considerou-se a possibilidade de estudar todos os países dos
mercados OCDE, MERCOSUL e Ásia em Desenvolvimento -AD. No entanto, a forma de
obtenção dos dados, por país, implicaria em processar o comércio de 46 países para cada um
dos anos que compõem nosso período e subperíodos. Num segundo momento, seria necessário
harmonizá-los para cada ano, o que requereria tempo adicional ao disponível para esta pesquisa.
Por sua vez, dado que os três países (Estados Unidos, Brasil e China) encontram-se
entre os quatro principais destinos das exportações argentinas desde 2001, concentrando a terça
parte das mesmas, é possível considerá-los como uma amostra representativa dos mercados da
OCDE, MERCOSUL e AD. Por fim, é importante mencionar que os grupos exportados e
importados entre Argentina e os outros países nem sempre são coincidentes, o que implicou em
tarefa adicional de verificação dos dados por grupo para cada tipo de comércio.
94
3. PRINCIPAIS RESULTADOS.
Por sua vez, a média do ICII da Argentina é baixa com a maior parte dos destinos e nos
diferentes períodos, sendo inferior a 0,400. Em 2010, por exemplo, é 0,343 para o destino
MUNDO e 0,382 para o Brasil. Entretanto, a média é baixíssima para os EUA (0,186) e mais
baixa ainda para a China (0,097). Isso revela que a Argentina mantém um vínculo comercial
muito mais inter-indústria com seus sócios, que intra-indústria. (Tabela 1)
É notável que o ICII do destino Brasil seja mais alto (e com tendência crescente) que os
dos destinos EUA e China, o que dá indícios de que as estruturas produtivas argentina e
brasileira são mais semelhantes. Neste sentido, mostra-se viável detectar e fortalecer as
agregações nas quais existem potencialidades de melhorar o comércio intra-indústria, em
especial as de MnoBRN. Outro detalhe: entre 1992 e 2000 a maior média do ICII era com o
MUNDO, seguido pelo Brasil. No entanto desde 2007, os dados de comércio intra-indústria
com Brasil assumem protagonismo. (Anexo 1 Tabelas 2 a 9)
Por sua vez, os Saldos Comercias (SC) indicam que os sócios com saldo comercial
positivo são MUNDO e China (com exceção do ano de 1992, em que ambos os destinos
demonstraram uma balança comercial deficitária para Argentina). Desta forma, observando o
interior dos agregados, as MnoBRN tiveram em todos os anos analisados saldo comercial
95
negativo para o país. O resto dos agregados teve saldo positivo, com exceção de Energia, que
foi deficitária com o MUNDO em 1992, e com a China, em 2000 5.
FONTE: Elaboração própria com base em COMTRADE 2014. Segundo a CUCI Rev. 3
reagrupada por Mandeng (1993:190)
5
Ver Anexo 1, tabelas 2 a 9 com evolução por subperíodos do ICII e dos Saldos Comerciais da Argentina.
6
O SC do grupo “Outros” é positivo com o MUNDO e com a China, mas negativo com os EUA e o Brasil até 2000.
Desde 2007, porém, é positivo com todos os países. O principal componente de Outros é o grupo 931 “Operações e
mercadorias especiais não classificadas segundo sua natureza”; em 2000, com os EUA, aparece também o grupo 961
“Moedas (exceto de oro)”, com valores muito baixos.
96
Fazendo uma análise comparativa entre a variação do ICII e do SC, entre 1992 e 2010,
podemos afirmar que com todos os sócios as variações do ICII para as MnoBRN foram
positivas. Ou seja, a Argentina teve um comércio intra-indústria crescente por estes tipos de
produtos industrializados, o que expressa que a diferença entre o valor exportado e o importado
neste agrupamento se reduziu com o tempo. Neste mesmo sentido, a variação do SC foi
crescente, ainda que numa porcentagem não tão expressiva como no resto das agregações. A
particularidade das MnoBRN é que o SC da Argentina com todos os sócios é deficitário.
Detalhando os resultados para cada sócio, vê-se que com o sócio MUNDO, somente as
FTMM e o agregado “Outros” mostraram evolução positiva conjunta – melhora do ICII e SC
positivo. Com o Brasil foram os grupos de Agricultura e “Outros”. Com os EUA, unicamente o
agregado “Outros”. Com a China, a Argentina mostra uma melhora no ICII e no superávit
comercial com os agregados FTMM, Agricultura, Energia e MBRN.
Por outro lado, a variação dos indicadores da China mostra incrementos positivos de
ICII e de SC positivo em todos os agregados, com exceção de MnoBRN, que apresenta uma
balança comercial deficitária.
É importante esclarecer que as variações dos SC foram na maioria dos casos mais
intensas que as variações de ICII. Se aceitamos a ideia de que um ICII mais alto indica mais
semelhanças nas estruturas produtivas dos países, isso poderia significar que as melhoras
obtidas na evolução da balança comercial da Argentina tiveram mais a ver com o
aproveitamento das vantagens comparativas vinculadas principalmente aos RN (FTMM,
Agricultura), à Energia e às MBRN – e menos com as economias de escala e diferenciação de
produto. No entanto, a melhora no indicador de MnoBRN mostra um esforço de mudança
estrutural efetivado na estrutura produtiva nacional, que se expressa mais fortemente com o
Brasil, que quase duplica o ICII passando de 0,290 a 0,483. (Tabela1)
Martins (2004) mostra que, na relação comercial do Brasil entre a década de 80 e 90,
tanto os grupos em que o ICII aumentou quanto os em que diminuiu mostravam um crescimento
maior das importações que das exportações. Em nosso caso, observamos que os grupos cujo
ICII aumenta apresentam ampliações ainda mais significativas de SC positivo e SC negativo (no
caso das MnoBRN, com todos os sócios; e das FTMM e as MBRN, com o Brasil). Por sua vez,
os grupos que tiveram redução de ICII tiveram também elevação maior do SC superavitário.
Além disto, em nenhuma agregação houve redução do ICII e aumento do SC negativo.
Por fim, podemos utilizar os resultados sobre a inserção externa argentina obtidos
originalmente por Fernández e Curado para complementar nossa análise do ICII da Argentina.
97
É nas MnoBRN que a Argentina apresenta seus melhores ICII. Aliás, neste setor o
índice apresenta uma tendência crescente. Isto mostra que o comércio intra-indústria mais
sofisticado apresenta o indicador mais alto. Por isto, poderíamos dizer que, ao longo do período
analisado, houve uma tendência da estrutura produtiva nacional a reduzir suas diferenças com a
estrutura produtiva do mundo. Esta constatação condiz com a melhora do padrão de exportações
da Argentina, em especial, com os destinos MUNDO e Brasil, anunciada em Fernández e
Curado (2016a). De fato, como visto, ocorreu um aumento da participação das MnoBRN nas
exportações da Argentina, tanto para o MUNDO, quanto para o MERCOSUL 7.
Com os sócios Estados Unidos e China, o incremento do ICII para as MnoBRN é tênue,
o que se assemelha aos resultados de Fernández e Curado (2016a), visto que a Argentina
mostrou uma leve melhora das MnoBRN nas exportações à OCDE. Por sua vez, houve redução
da participação desse setor no mercado dos países em desenvolvimento da Ásia.
Por sua vez, vemos que as agregações FTMM, Agricultura, Energia e MBRN alcançam
resultados muito particulares para cada sócio. Para o caso da China, todos estes agregados
mostram um ICII crescente, um SC positivo e uma tendência crescente do SC positivo. Apesar
da Argentina manter com este sócio comercial o ICII mais baixo, os maiores valores se dão nas
FTMM e Agricultura. Isso mostra que com a China, a Argentina mantém principalmente um
vínculo comercial baseado nas vantagens comparativas dos RN. No entanto, o saldo comercial
se mantém positivo e crescente.
Para o caso do Brasil, com exceção de Energia, estes agregados (FTMM, Agricultura e
MBRN) também mostram um ICII crescente, mesmo com um SC negativo e uma tendência
crescente do SC negativo. Para Energia, Argentina mantém um SC positivo e uma queda do
ICII. Com Brasil, a melhor evolução do ICII aconteceu nas manufaturas em geral, tanto nas
MnoBRN como nas MBRN, mesmo com um SC negativo e com tendência positiva da variação
do SC negativo.
Neste ponto é importante destacar que a evolução positiva do ICII para os diferentes
agregados e, em especial, para os manufaturados diz respeito ao processo de homogeneização
das estruturas produtivas de ambos os países, ainda que incipiente. Isso coincide com os
resultados de Fernández e Curado (2016a) sobre as melhoras na estrutura comercial da
Argentina com o MERCOSUL, como resultado dos esforços de criação e fortalecimento do
bloco regional desde a década de 90, na qual o Complexo Automotivo mostra a expansão do
comércio entra países, a despeito de que a Argentina não tenha podido saldar seu déficit
comercial. Poderíamos afirmar, também, que o comércio com Brasil é intra-indústria, já que o
ICII é mais alto e próximo a 0,400 e se especializa nas exportações de Agricultura e Energia,
7
Ver Anexo 2 – Tabelas 10 e 11 com estruturas de mercados (MUNDO, OCDE, MERCOSUL e Ásia em
Desenvolvimento) e estrutura comercial da Argentina para cada mercado.
98
enquanto recebe do Brasil manufaturados e FTMM. Por ser comércio intra-indústria é possível
que ambos os países obtenham benefícios extras derivados das economias de escala ou da
diferenciação de produtos para alguns grupos em particular.
Os resultados de Cicco et al. (2013: 32) também expressam que Argentina continua se
relacionando com o mundo aproveitando as vantagens comparativas dos recursos naturais
apesar das mudanças de modelo a partir de 2003. Não obstante, durante os últimos anos existe
uma tendência de melhora do comércio intraindustrial em geral com o mundo e no setor
manufatureiro durante os últimos anos, em especial no comércio com o MERCOSUL. Por sua
vez, Carmo e Bittencourt (2013: 27) ao analisar o ICII do Brasil com Argentina durante o
período 1995-2009, sugerem que a qualidade dos produtos brasileiros e argentinos tornou-se
mais similar ao longo do tempo. O que complementa e reforça a ideia da relevância do comércio
bilateral de qualidade entre Argentina e Brasil e seus impactos sobre a integração produtiva
regional.
Os resultados para com os EUA mostram que não houve grandes variações do ICII.
Podemos dizer que a Argentina mantém um comércio inter-indústria com Estados Unidos, já
que o ICII é baixo e próximo a 0,200. Este comércio se especializa nas exportações de
Agricultura, Energia e MBRN, enquanto recebe dos EUA manufaturados mais sofisticados e
FTMM. As variações positivas do ICII entre 1992 e 2010 se deram com as agregações Outros e
MnoBRN, embora neste último caso o crescimento tenha sido muito menor que o visualizado
com os demais sócios comerciais. De fato, os dados revelam a baixa integração comercial da
Argentina com os Estados Unidos durante as últimas décadas e reforçam a afirmação da tênue
evolução da participação das MnoBRN na estrutura de exportações argentinas com destino
OCDE de Fernández e Curado (2016a).
4. REFLEXÕES FINAIS
O ICII é um indicador útil para analisar a interação entre os grupos pertencentes aos
mesmos complexos produtivos. Estudar a evolução do índice ao longo do tempo nos dá indícios
sobre a existência ou não de uma maior ou menor articulação comercial entre os grupos
industriais dentro das firmas e, inclusive, intra-produtos. O índice permite visualizar se ao longo
do tempo existe algum processo de integração produtiva ou especialização por parte das
indústrias de cada país. Cabe destacar, igualmente, que a evolução deste indicador não expressa
a determinação de causas ou efeitos, apenas assinala algum tipo de tendência na intensidade do
fluxo de comércio de uma economia com seus sócios comerciais.
Entende-se que a análise do ICII não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para
verificar a qualidade da relação comercial da Argentina com seus principais parceiros
comerciais: Brasil, China e os Estados Unidos e que adquiri relevância para orientar suas
políticas produtivas e comercias visando alcançar um processo de integração produtiva onde o
comércio exceda o mero intercâmbio de bens e serviços aproveitando as vantagens
comparativas dos recursos naturais.
Por outro lado, a média do ICII da Argentina é baixa com a maior parte dos destinos e
nos diferentes períodos, sendo inferior a 0,400. Isso revela que a Argentina mantém um vínculo
comercial muito mais inter-indústria com seus sócios, que intra-indústria, em que explora muito
pouco as economias de escala e a diferenciação de produtos, baseando-se muito mais nas
vantagens comparativas de seus recursos naturais. Ainda que, é com o Brasil que o indicador
apresenta valores mais altos nos últimos anos. De fato, é com esse país que a Argentina possui
mais semelhanças na sua estrutura produtiva e na relação de utilização de seus fatores
produtivos (capital e trabalho), que com os outros sócios comerciais.
Do ICII das MnoBRN vê-se que com o Brasil o índice é relativamente alto, 0,483.
Aliás, é o mais alto ICII encontrado, que, inclusive, apresenta uma tendência crescente ao longo
da série. Por isto, poderíamos dizer que houve uma tendência da estrutura produtiva argentina a
reduzir suas diferenças com a estrutura produtiva do Brasil. Isso coincide com o exposto em
Fernández e Curado (2016a) sobre as melhoras na estrutura comercial da Argentina com o
MERCOSUL, como resultado dos esforços de criação e fortalecimento do bloco regional desde
a década de 90, na qual o Complexo Automotivo e de Autopeças assume protagonismo na
relação comercial e integração produtiva dos países.
Os resultados de Cicco et al. (2013: 32) também expressam que Argentina continua se
relacionando com o mundo aproveitando as vantagens comparativas dos recursos naturais
apesar das mudanças de modelo a partir de 2003. Não obstante, durante os últimos anos existe
uma tendência de melhora do comércio intra-indústria geral com o mundo e no setor
manufatureiro, em especial com o MERCOSUL. Finalmente, Carmo e Bittencourt (2013: 27) ao
analisar o ICII do Brasil com Argentina durante o período 1995-2009, sugerem que a qualidade
dos produtos brasileiros e argentinos tornou-se mais similar ao longo do tempo. O que
complementa e reforça a ideia da relevância do comércio bilateral de qualidade entre Argentina
e Brasil e seus impactos sobre a integração produtiva regional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALASSA, B. Tariff reductions and trade in manufacturers among the industrial countries. The
American Economic Review, 56(3): 466-473. 1966.
KRUGMAN, P. Scale economies, product differentiation, and the pattern of trade. The
American Economic Review, 70(5): 950-959. 1980
MARTINS, M. A. “O comercio exterior brasileiro nos anos 1980 e 1990: estrutura e evolução
do padrão de especialização”. Tese Doutoramento. Universidade Estadual de Campinas -
Campinas, São Paulo 2004.
FONTE: Elaboração própria com base em COMTRADE 2014. Segundo a CUCI Rev. 3
reagrupada por Mandeng (1993:190)
FTMM + + + (1992-)
Outros + + + (1992-)
MnoBRN + + (-) -
Energia - + +
MBRN - + + (1992-)
Agricultura - + +
FONTE: Elaboração própria com base em COMTRADE 2014. Segundo a CUCI Rev. 3
reagrupada por Mandeng (1993:190)
104
FONTE: Elaboração própria com base em COMTRADE 2014. Segundo a CUCI Rev. 3
reagrupada por Mandeng (1993:190)
Outros + + + (1992-)
MnoBRN + + (-) -
Agricultura - + +
MBRN - + +
Energia - + +
FTMM - + (-) -
FONTE: Elaboração própria com base em COMTRADE 2014. Segundo a CUCI Rev. 3
reagrupada por Mandeng (1993:190)
105
FONTE: Elaboração própria com base em COMTRADE 2014. Segundo a CUCI Rev. 3
reagrupada por Mandeng (1993:190)
Agricultura + + +
Outros + + + (1992-)
MnoBRN + + (-) -
FTMM + + (-) -
Energia - + +
FONTE: Elaboração própria com base em COMTRADE 2014. Segundo a CUCI Rev. 3
reagrupada por Mandeng (1993:190)
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FONTE: Elaboração própria com base em COMTRADE 2014. Segundo a CUCI Rev. 3
reagrupada por Mandeng (1993:190)
FTMM + + +
Agricultura + + +
MnoBRN + + (-) -
Energia + + + (2000-)
MBRN + + +
Outros 0 - + em 1992
FONTE: Elaboração própria com base em COMTRADE 2014. Segundo a CUCI Rev. 3
reagrupada por Mandeng (1993:190)
107
MUNDO OCDE
Participação setorial em %
1985 1990 2000 2007 2010 1985 1990 2000 2007 2010
RECURSOS NATURAIS 16,33 14,54 10,31 10,43 11,34 16,11 14,56 10,48 10,18 10,98
Agricultura 13,40 11,96 8,81 7,91 8,71 13,27 12,17 9,15 8,42 9,39
Fibras Têxtil, Minerais e Metais 2,93 2,58 1,51 2,52 2,63 2,84 2,39 1,32 1,75 1,59
ENERGIA 17,35 9,71 9,31 10,21 9,93 17,82 9,78 8,94 10,57 10,35
MANUFATURAS 64,86 73,98 77,85 71,77 70,05 64,54 73,82 77,48 71,47 69,51
Manufaturas RRNN 5,67 5,79 4,78 5,02 4,78 5,89 5,85 4,75 4,81 4,16
Manufaturas Não RRNN 59,19 68,20 73,07 66,74 65,28 58,66 67,97 72,72 66,66 65,35
OUTROS 1,47 1,78 2,53 7,60 8,68 1,54 1,84 3,10 7,78 9,16
RECURSOS NATURAIS 16,97 15,41 9,52 7,74 7,16 16,01 13,10 9,37 10,50 12,00
Agricultura 13,58 11,11 7,88 5,56 5,73 12,53 9,61 7,07 5,87 6,73
Fibras Têxtil, Minerais e Metais 3,40 4,29 1,64 2,18 1,43 3,49 3,49 2,31 4,63 5,27
ENERGIA 34,12 23,18 11,54 9,92 7,91 14,81 8,82 11,50 10,36 10,26
MANUFATURAS 48,83 61,33 78,80 73,50 77,60 67,75 76,80 78,30 72,41 70,18
Manufaturas RRNN 2,90 3,31 2,71 3,05 2,56 4,89 6,26 5,61 5,84 6,53
Manufaturas Não RRNN 45,93 58,02 76,09 70,46 75,04 62,86 70,54 72,69 66,57 63,65
OUTROS 0,08 0,09 0,15 8,84 7,33 1,43 1,27 0,82 6,74 7,57
MUNDO OCDE
Participação setorial em %
1985 1990 2000 2007 2010 1985 1990 2000 2007 2010
RECURSOS NATURAIS 68,83 59,41 49,10 59,49 55,94 71,64 67,41 60,76 69,55 65,52
Agricultura 65,77 55,81 46,57 56,39 53,06 68,24 63,66 57,13 64,41 60,82
Fibras Têxtil, Minerais e Metais 3,06 3,60 2,52 3,11 2,88 3,40 3,74 3,63 5,14 4,71
ENERGIA 6,38 6,49 17,86 7,50 7,53 6,32 5,10 12,44 5,79 5,85
MANUFATURAS 24,13 33,64 32,41 32,55 36,09 21,09 26,81 25,35 23,99 27,64
Manufaturas RRNN 6,99 7,25 5,01 3,79 5,07 7,72 9,12 7,90 5,54 9,78
Manufaturas Não RRNN 17,15 26,38 27,40 28,77 31,01 13,37 17,69 17,45 18,45 17,86
OUTROS 0,50 0,47 0,63 0,45 0,44 0,51 0,56 1,45 0,66 0,99
RECURSOS NATURAIS 54,40 49,80 31,53 28,82 25,34 74,20 49,10 79,79 85,04 85,94
Agricultura 52,37 48,03 30,01 27,37 24,55 70,68 40,94 75,39 80,73 81,19
Fibras Têxtil, Minerais e Metais 2,03 1,77 1,52 1,46 0,79 3,52 8,17 4,39 4,31 4,75
ENERGIA 13,68 7,50 19,03 5,03 4,35 0,00 3,19 4,91 6,20 4,54
MANUFATURAS 31,88 42,44 49,44 66,14 70,30 23,87 46,56 15,18 8,74 9,36
Manufaturas RRNN 9,68 4,58 2,47 2,29 1,76 6,08 6,83 6,82 3,68 4,27
Manufaturas Não RRNN 22,20 37,86 46,98 63,86 68,55 17,79 39,74 8,36 5,06 5,09
OUTROS 0,04 0,01 0,00 0,01 0,01 1,79 0,26 0,08 0,02 0,03
Resumo
País de histórica tradição mineradora, o México estabeleceu um dos maiores parques industriais da
América Latina a partir do início do século XX. As bases do desenvolvimento econômico-industrial
mexicano remontam, porém, à política de intervenção adotada durante a ditadura de Porfírio Díaz. A
Revolução Mexicana também desempenhou um papel político relevante para a configuração do
desenvolvimento econômico do país. Já nos anos 1930, o governo Lázaro Cárdenas encetou um novo
modelo de desenvolvimento baseado na nacionalização da estrutura produtiva e na inclusão de atores
sociais historicamente alijados. Nesse sentido, este artigo tem por objetivo resgatar tais bases históricas
do desenvolvimento econômico mexicano entre 1876 e 1840.
Abstract
Mexico, a country with a historical mining tradition, established one of the largest industrial parks in
Latin America since the beginning of the 20th century. The bases of Mexican development reassemble to
the interventionist policy adopted during the Porfirio Diaz’s dictatorship. The Mexican Revolution also
played a relevant political role in shaping the Mexican economic development. Lázaro Cárdenas’s
administration adopted a new development model based on the nationalization of the productive structure
and the inclusion of historically excluded social actors. This paper analyzes the historical bases of the
Mexican economic development from 1876 to 1840.
1
Artigo apresentado em 07/03/2018. Aprovado em 24/06/2018.
2
Bacharel em Economia (UFRGS).
3
Professor da Faculdade de Ciências Econômicas e do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (PPGE/UFRGS).
110
1. Introdução
A partir do final do século XIX, a economia mexicana passou por transformações
que viriam a desembocar em um processo de industrialização acelerado a partir da década
de 1930. País de histórica tradição mineradora, o México logrou estabelecer um dos
maiores parques industriais da América Latina, ao mesmo tempo em que incitou o
encaminhamento para a resolução, ainda que não definitiva, dos problemas fundiários do
país.
Foi no período em que o ditador Porfírio Díaz (1876-1911) comandou o país que
se lançaram as bases do novo modelo de desenvolvimento mexicano. Agraciado com um
significativo fluxo de capitais estrangeiros, os quais encontravam em determinadas
economias latino-americanas novas possibilidades de investimentos, o porfiriato logrou
estabelecer uma rede de infra-estrutura a qual sustentou o desenvolvimento dos setores
minerador, agrário e industrial por que passaria o país a partir de meados do século XX.
Se a atividade econômica como um todo se viu prejudicada a partir da eclosão do
movimento revolucionário de 1910, pesquisas recentes vêm demonstrando que o setor
industrial não foi direta e negativamente afetado pelos conflitos que se alastraram pelo
país. Do ponto de vista político-social, a Revolução Mexicana ainda contribuiu para a
ascensão de um novo ator social alijado do tabuleiro político até então: os camponeses de
origem indígena.
No que concerne à estrutura econômica do país, lançavam-se as bases para que se
viabilizasse o processo de industrialização por substituição de importações. No típico
movimento de economias que passaram a crescer hacia adentro, o setor industrial
mexicano encontrou no mercado interno o motor de seu desenvolvimento. Nesse sentido,
o governo de Lazaro Cárdenas (1934-1940) representou um marco relevante da história
do país ao harmonizar as condições necessárias para a formação de capital ao mesmo
tempo em que promovia a inclusão social de setores historicamente marginalizados.
Do ponto de vista teórico, tratou-se de um típico caso de industrialização
retardatária de uma economia periférica. Amparando-se em epistemologia dialética,
argumenta-se que a relação entre o setor primário-exportador e a indústria era, ao mesmo
tempo, de unidade e contradição. Unidade, pois ambos faziam parte de um mesmo
processo de desenvolvimento capitalista, que remonta ao período pré-independência,
quando o efeito transbordamento do setor minerador impulsionou outros setores
econômicos, como comércio, bancos, setor público, ferrovias, eletrificação, entre outros.
Já a contradição respondia pelos limites impostos ao desenvolvimento industrial devido à
posição dominante da economia mineradora na acumulação de capital (Silva, 1976).
Diante do exposto, este artigo tem por objetivo resgatar e apresentar as bases
históricas do desenvolvimento econômico mexicano do final do século XIX ao início do
processo de industrialização acelerada do cardenismo. Para tanto, dividiu-se o trabalho
em três partes, além desta breve introdução. A seguir, apresentam-se aspectos gerais da
economia, da sociedade e da política mexicanas no decorrer do período supradelimitado.
Na seção três, discorre-se acerca da política econômica adotada por Cárdenas del Río.
Por fim, tecem-se as considerações finais.
111
5
O governo de Díaz interrompeu o período de 55 anos marcados por alta instabilidade política desde a
independência, período em que a presidência trocou de mãos 75 vezes.
113
(2004, p. 41), o principal homem do governo Díaz, Matias Romero, já alertava para a
necessidade de reformas que viabilizassem o desenvolvimento industrial: “esta nación
posee en su suelo enormes tesoros de riqueza agrícola y minera que no pueden
explotarse por falta de capital y de comunicaciones”.
O Estado passou a outorgar concessões e incentivos financeiros para a construção
de linhas ferroviárias, as quais eram subsidiadas em até 50% do custo total. A ampliação
do sistema ferroviário aumentou o mercado, derrubou barreiras locais e regionais ao
comércio e aumentou a concorrência. Segundo Coatsworth (1978), o sistema ferroviário
aumentou de 900 a 19.000 km na década de 1880, reduzindo em 80% o custo do frete.
Os capitais externos tiveram papel-chave na política econômica do Porfiriato.
Coatsworth (1989) afirma que a partir da década de 1880 entraram no país capitais
externos americanos e europeus, na forma de empréstimos e investimentos. Novos
códigos de comércio e mineração foram promulgados a partir de 1893 com intuito de
melhorar as condições de investimento privado. Moreno-Brid e Ros (2004) argumentam
que a política industrial foi instrumentalizada pela união de proteção tarifária a produtos
específicos e diminuição de tarifas médias, o que melhorava o acesso dos fabricantes a
bens de capital e insumos estrangeiros.
O sistema bancário mexicano era bastante limitado no século XIX, se considerado
o fato de que não havia bancos no país até 1864. Por quase todo o século XIX, todas as
transações comerciais do país se realizavam por meio de grandes casas comerciais que
giravam letras de crédito e empréstimos. O acesso ao crédito para o investimento era
lento e desigual, pois apenas aqueles empresários com bons contatos conseguiam ter
acesso a esse tipo de financiamento. O mercado acionário inexistia até 1896, quando
foram negociadas as primeiras companhias mexicanas em bolsa de valores. Portanto, a
maior parte do capital investido na manufatura mexicana vinha dos grandes negociantes e
financeiros do país. Segundo Haber (1993), era o único grupo que contava com suficiente
liquidez para financiar as plantas industriais e a importação de maquinário.
A classe mais importante de industriais-negociantes-financistas que dominavam
as grandes empresas era composta, basicamente, por estrangeiros: franceses, em sua
maioria, seguidos por espanhóis, ingleses e americanos. Exerciam considerável poder
econômico sobre o governo e possuíam investimentos dispersos tanto geográfica como
setorialmente. Possuíam bônus da tesouraria do governo, eram membros das maiores
instituições financeiras do país e representavam o governo nos mercados internacionais e
nas requisições de empréstimos no exterior. Nos termos de Haber (1993), tal grupo era,
com efeito, “o próprio Estado”, de modo que o estímulo para a promoção de políticas
industriais respondia, durante aquele momento, a interesses próprios.
O acesso aos mercados mundiais, viabilizado por tais investimentos estrangeiros,
fez com que as exportações mexicanas triplicassem entre 1870 e 1913 como proporção
do PIB (MORENO-BRID; ROS, 2004). Assim como no período colonial, o setor
exportador, incentivado pela depreciação da moeda local ao final do século XIX6, voltou
a se tornar o motor do crescimento econômico mexicano.
6
Durante séculos, a prata foi o equivalente geral do peso mexicano. Devido à adoção do padrão monometálico (ouro)
pelos países avançados, porém, a demanda pela prata caiu significativamente, levando a uma desvalorização real do
peso de 26%.
114
8
Segundo Rancaño (1987), a estratégia utilizada pelos exércitos revolucionários era ameaçar as fábricas, forçando os
empresários a contribuírem com a causa da revolução. Assim, em pacto de não-agressão, a burguesia industrial teve
seus ativos relativamente preservados durante os conflitos.
117
vastas extensões de terra. Além disso, empenhou recursos vultosos para viabilizar a
produção na nova realidade, criando um Banco Nacional dos Ejidos ao qual se delegou a
tarefa de financiar a produção dos assentados.
O modelo econômico sob Cárdenas buscava favorecer o desenvolvimento
econômico sem abster-se dos compromissos políticos que o levaram à presidência. Nesse
sentido, a reforma agrária cardenista estava envolta a um caráter social. O mote do
governo era permitir o desenvolvimento do indivíduo, antes mesmo que o da economia.
Ao final de seu mandato, Lazaro Cárdenas havia estabelecido novas propriedades a
772.000 camponeses, dos quais a imensa maioria era de indígenas, sendo os ejidos
responsáveis por 18.000.000 ha. de área cultivada.
No que concernia à política industrial, as principais medidas levadas a cabo por
Cárdenas circunscreveram à produção petrolífera. Até então controlado por dois grandes
conglomerados – a Shell, de origem anglo-holandesa, e a Standard Oil, empresa norte-
americana –, o setor foi expropriado pelo governo mexicano devido à recusa por parte
das empresas em cumprir a decisão judicial que garantia o aumento de salário dos
operários. Como resposta ao que considerou um desrespeito à soberania nacional, Lázaro
Cárdenas nacionalizou todo o setor de extração de e fundou a Petróleos de México S/A
(PEMEX), empresa estatal que gozaria do monopólio da extração. A política de “boa-
vizinhança” de Roosevelt, que visava a garantir o apoio estratégico do México no
tabuleiro geopolítico pré-II Guerra Mundial, impossibilitou reações diplomáticas
arestosas por parte das potências envolvidas além de boicotes pontuais.
Do ponto de vista da condução da política econômica instrumental, o governo
Cárdenas também rompeu com a ortodoxia ao promover uma política fiscal anticíclica a
partir de 1936, conforme pode ser observado na tabela 1. Indo além, Camín e Meyer
(2000) afirmam que 56% das despesas eram direcionadas ao desenvolvimento industrial e
a programas sociais: 38% para objetivos de desenvolvimento econômico (estradas,
irrigação, crédito etc.) e 18% para gastos sociais (saúde pública e educação).
Tabela 1 – Receitas e despesas do Governo Federal (1934-1940)
(em milhões de pesos)
4. Considerações finais
Este trabalho sistematizou alguns dos principais acontecimentos político-
econômicos que embasaram o desenvolvimento econômico do México a partir do último
quartil do século XIX. País que apresentava um histórico de conflitos desde pelo menos
as guerras de independência, foi durante o porfiriato (1876-1911) que os agentes
vislumbraram a estabilidade necessária para que fosse viabilizado o desenvolvimento
capitalista no país.
Conforme procurou-se argumentar no decorrer deste trabalho, a industrialização
mexicana teve seu início ainda no século XIX durante o período do Porfiriato. Nesse
sentido, o desenvolvimento industrial observado após a Revolução Mexicana foi
possibilitado graças à capacidade produtiva já instalada no país: plantas (ociosas),
infraestrutura, ferrovias, energia, tecnologia, conhecimento técnico etc.
As políticas de Estado encetadas a partir do governo Cárdenas (1934-1940)
demarcaram um novo modelo de desenvolvimento. Envolto a um projeto nacionalista e
intervencionista, Cárdenas levou a cabo reformas estruturantes as quais não apenas
atendiam aos interesses de frações importantes da burguesia nacional, como também
contemplou as demandas de segmentos sociais historicamente excluídos. A
nacionalização do setor petrolífero representou um marco no modelo desenvolvimentista
mexicano; por seu turno, o programa de reforma agrária procurou atender ao pleito da
massa camponesa indígena pauperizada pelo crescimento concentrador das décadas
anteriores.
Sob Cárdenas, o processo de industrialização também atingiu novo patamar.
Baseado em políticas de subsídio, de proteção tarifária e preferência governamental pela
produção nacional, o governo adotou uma política econômica ativa, e anticíclica, para
proteger a renda nacional, estimular a demanda agregada e, assim, viabilizar a
manufatura mexicana.
Dessa forma, observa-se que o processo de desenvolvimento mexicano no período
em análise passou por momentos de ruptura e continuidade, fenômeno típico dos países
de industrialização tardia. A propalada vocação primário-exportadora da segunda maior
economia latino-americana obstou o desenvolvimento de seu setor secundário por meio
dos interesses e da atuação do capital transnacional. Ainda assim, o México logrou não
apenas estabelecer uma indústria competitiva, ainda que restrita a determinados
departamentos, ao mesmo tempo em que promovia reparações históricas de resgate da
cidadania de parcelas marginalizadas desde o período colonial.
122
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SILVA, Sérgio S. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. São Paulo: Editora Alfa
Omega, 1976.
Resumo
Em julho de 1997, uma onda de ataques especulativos atingiu e se alastrou sobre os principais mercados
financeiros do sudeste e leste asiático, falindo diversas corporações e levando a um grave revés
econômico nos países afetados. Entretanto, o único país da região aparentemente não afetado foi Taiwan,
que passou praticamente imune à crise. Diferentemente dos seus vizinhos asiáticos, Taiwan possuía uma
característica estrutural única, como saldo de conta corrente positiva, alta taxa de reservas de divisas
internacionais, e baixo endividamento externo, que contribuíram para a imunidade taiwanesa.
Palavras-chave: Taiwan, Crise Financeira, Crise Cambial, Crise Asiática, Fluxo Internacional de
Capitais.
Abstract
In July 1997, a wave of speculative attacks struck and spread over the major Southeast and East Asia
financial markets, bankrupting several corporations and leading to a serious economic setback in the
affected countries. However, the only country that apparently was not affected in the region by the crisis
was Taiwan, which was virtually immune to the crisis. Unlike its Asian neighbors, Taiwan possessed
some unique structural features such as a current account balance surplus, high foreign exchange reserves,
and low external debt, that contributed to the Taiwanese immunity.
Keywords: Taiwan, Financial Crisis, Currency Crisis, Asian Crisis, International Capital Flow.
1
Artigo apresentado em 06/07/2018. Aprovado em 11/08/2018.
2
Mestrando do Curso de Economia Politica Internacional, UFRJ.
124
Introdução
Em meados de 1997, o sistema financeiro tailandês passou a sofrer uma série de ataques
especulativos de hedge funds, que instintivamente apostavam contra a moeda tailandesa, o bath,
devido a existência de baixos estoques de divisas internacionais naquele país. Após uma série de
tentativas do Banco Central tailandês de tentar manter a paridade entre o bath e o dólar, o
governo foi obrigado a desatrelar o bath do dólar, e adotar o regime de câmbio flutuante,
resultando numa acentuada desvalorização do bath nos meses subsequentes. Os esforços do
governo tailandês de conter a fuga de capital resultaram uma redução drástica das reservas
internacionais tailandesas e a contração de uma enorme dívida externa, deixando o país
praticamente falido. (WU, 1998: 529)
Em seguida, a crise se alastrou por outros países asiáticos, como a Malásia, Indonésia,
Filipinas, Hong Kong e Coreia do Sul, e posteriormente, sairia desse eixo atingindo outros
países como Rússia, Brasil e Argentina. Como consequência da “falência” das economias locais,
houve uma sensível redução dos preços das ações, das taxas de crescimento econômico na
região, além dos aumentos das taxas de inflação e de desemprego. A crise asiática de 1997
atingiu principalmente a Tailândia, a Indonésia e a Coreia do Sul, e forçou o Fundo Monetário
Internacional (FMI) a intervir e socorrer estes países, que foram obrigados a adotar reformas
fiscais, políticas deflacionárias, e compressão do crédito.
Em meio à crise financeira que se instaurou na Ásia, poucos países não foram afetados,
e um deles é Taiwan. Assim como a Coreia do Sul, Taiwan foi considerado um dos New
Industrialized Countries (NICs), entretanto não sofreu os mesmos efeitos da crise como os seus
vizinhos sofreram. Por quais razões Taiwan não foi afetado pela crise de 1997? Quais foram as
características estruturais da economia de Taiwan que o “salvaram” da crise?
Com intuito de analisar as razões para a “imunidade” taiwanesa perante a crise de 1997,
o presente trabalho além de conter a introdução e a conclusão, contará também com quatro
seções. A primeira seção analisará as características e deficiências estruturais da industrialização
de Taiwan entre 1937 e 1958. Na segunda seção, analisaremos os efeitos da política de
promoção às exportações, e seus impactos sobre a balança de pagamentos. Na terceira seção, os
impactos do neoliberalismo nos países asiáticos. Na quarta seção, as peculiaridades estruturais
da economia taiwanesa pós reformas neoliberais, destacando quais foram os fatores
determinantes para a “imunidade” de Taiwan diante da crise.
Entre o período entre 1624 e 1937, a economia de Taiwan era caracterizada como
tipicamente agroexportadora, em que a captação de divisas era dependente da exportação de
commodities, servia para financiar a importação de manufaturados. Entretanto, a economia de
Taiwan passou por uma profunda reestruturação a partir do final da década de 30. Devido à
eclosão da guerra Sino-Japonesa em 1937, e à necessidade de mobilizar o império japonês para
os esforços de guerra, o governo do Japão instituiu a política de substituição de importações em
Taiwan (1937-1945), com o intuito de aumentar a capacidade industrial e fornecer manufaturas
para a expansão militar japonesa. Embora Taiwan seja escassa de matérias primas, as conquistas
japonesas na Manchúria, na China e no Sudeste da Ásia possibilitaram o abastecimento de
commodities para as indústrias locais, sem pressionar a balança de pagamentos da colônia.
(HSIAO; HSIAO, 2002: 181-184; MURAOKA, 2002: 227-230)
O modelo de substituição de importações viria momentaneamente entrar em colapso,
após a derrota do Japão na guerra, e a cessão de Taiwan para a China em 1945. Devido ao status
de guerra civil no continente chinês, o governo Kuomintang (KMT) passou a desviar grandes
somas de recursos, commodities, além de bens confiscados do governo japonês para financiar a
guerra na China. Além disso, o desmantelamento do império japonês interrompeu o
fornecimento de matérias primas, forçando a importação e pressionando a escassez de divisas. A
destruição parcial da infraestrutura durante a guerra, a política monetária expansiva e a má
gestão das firmas estatais levaram a uma profunda crise econômica que, em 1948, alcançou taxa
125
de desemprego de 15%, e a inflação atingiu 3.400%. (HSIAO; HSIAO, 2002: 184-185; CHO:
2002: 21-22)
Entretanto, a crise do modelo de substituição de importações seria revertida a partir de
1950. Após a eclosão da guerra da Coréia, os EUA, com intuito de frear a expansão comunista
pela Ásia e estabilizar a região, passaram a apoiar financeiramente o governo do KMT em
Taiwan. Entre o período de 1951 e 1968, o governo de Taipé recebeu cerca de 1,465 bilhões de
dólares em ajuda financeira americana (CHO, 2002: 17-24). Além disso, os Estados Unidos da
América (EUA) contribuíram também para os investimentos e a modernização do setor agrícola
de Taiwan, o que resultou em dois importantes fatores: a elevação da taxa de poupança, que
possibilitou o aumento dos investimentos domésticos; e o aumento das exportações de bens
agrícolas, que permitiu a captação de divisas necessárias para a importação de insumos e bens
intermediários e de capital. (RANIS, 2002: 6-8, 21)
Além da ajuda americana, o governo de Taiwan adotou uma série de medidas, como a
imposição de uma política monetária austera e alta taxas de juros, fato que auxiliou na
estabilização monetária. A imposição de políticas típicas de substituição de importações, como a
imposição da desvalorização cambial, controle sobre as importações, quotas de importação,
cambio múltiplo, empréstimos subsidiados, e altas tarifas de importações, favoreceu a proteção
do mercado interno, resultando em altas taxas de crescimento econômico, que durante o período
entre 1952 e 1958, atingiu uma média de crescimento econômico anual de 8,6%. (AMSDEN,
1987: 133)
Tabela 1: Ajuda Financeira Americana e a Balança Comercial de Taiwan entre 1951 e 1968
(milhões de dólares)
Auxílio Financeiro dos EUA Déficit em
Saldo
Ano % em relação Exp. Imp. relações as
Valor Bruto Comercial
ao PIB Exportações
1952-
266,9 6,13% 244 379 -135 -55,33%
1953
1954-
341,9 6,88% 334 606 -272 -81,44%
1956
1957-
318,6 6,48% 461 669 -208 -45,12%
1959
1960-
261,2 4,77% 577 923 -346 -59,97%
1962
1963-
255,7 3,33% 1215 1346 -131 -10,78%
1965
1966-
37,9 0,34% 1966 2331 -365 -18,57%
1968
Fonte: CHO, 2002: 19; TSAI, 2009: 185
2. Promoção as Exportações
A política de auxílio financeiro dos EUA aos seus aliados diplomáticos passaria a ser
contestada e abandonada gradualmente ao final da década de 50. Devido à política de auxílio
financeiro na Europa (Plano Marshall), e na Ásia (Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Vietnam do
Sul), os EUA passaram a acumular gradativamente, na balança de pagamentos, déficits que
alcançaram a cifra de 4 bilhões de dólares em 1958. Sob esse contexto, a partir do governo
Eisenhower, mudou-se a política de auxílio financeiro dos EUA, passando de ajuda de
contingência para estabilização econômica a curto prazo a uma política de empréstimos para
desenvolvimento econômico a longo prazo. De acordo com essa nova política, os EUA
pretendiam que seus aliados fossem se tornando gradualmente independentes da ajuda
financeira provida por Washington. (WOO, 1991: 69-72)
Em vista da insustentabilidade da manutenção da política de substituição de
importações, em 1960 o governo de Taiwan, sob supervisão da United States Agency for
International Development (USAID), formulou uma série de medidas para estimular a política
de “promoção às exportações”. Além da manutenção das medidas da política de substituição de
importações, foram adotadas as seguintes medidas: 1) incentivos fiscais; 2) crédito especial para
financiar indústrias exportadoras; 3) criação de barreiras não tarifárias; 4) controle fiscal através
do congelamento dos gastos em defesa; 5) o estabelecimento de “zonas de processamento de
exportações”, nas quais empresas recebem benefícios como isenção de impostos (através da tax
rebate scheme) e infraestrutura voltada para exportação, eliminando os custos de transação e
risco; e 6) o estabelecimento de indústrias de upstream e midstream. (CHO, 2002: 8-9, 35-39;
LI, 1994: 46-50, 159-168; RANIS, 2002: 6)
Além das políticas de incentivo às exportações adotadas pelo KMT, houve outros
fatores que favoreceram as exportações de Taiwan. A existência de uma farta oferta de mão de
obra barata a ser explorada e a inexistência de legislações trabalhistas e ambientais favoreceram
a competividade das indústrias locais. Ademais, os EUA, com o intuito de beneficiar as
economias exportadoras asiáticas, abriram o seu próprio mercado consumidor interno para as
exportações de Taiwan, assim como para o Japão e a Coreia do Sul. Como resultado, as
exportações de Taiwan cresceram rapidamente, entre as décadas de 60 e 80. (CHO, 2002: 42-50)
Tabela 2: Exportações, Importações e Saldo Comercial de Taiwan entre 1969 e 1995 (em
milhões de dólares)
Ano Exportações Importações Saldo Comercial
1969-1971 4590 4581 9
1972-1974 13110 13272 -162
1975-1977 22836 22062 774
1978-1980 48601 45534 3067
1981-1983 69938 60375 9563
1984-1986 101044 66242 34802
1987-1989 180650 136920 43729
1990-1992 224860 189578 35282
1993-1995 289785 265953 23832
Fonte: CHO, 2002: 19. Elaborado pelo autor.
O contínuo aumento das exportações também foi acompanhado pela sofisticação dos
bens exportados que eram cada vez mais intensivos em tecnologia. A partir da década de 70, o
governo de Taiwan, com o intuito de agregar mais valor adicionado as suas exportações, passou
a adotar uma série de políticas de investimentos em P&D, educação, capital humano, institutos
de pesquisa e parques tecnológicos, resultou no surgimento de uma farta mão de obra
qualificada e de infraestrutura para a indústria domestica de alta tecnologia. Como resultado
dessa política de incentivo ao upgrade industrial, Taiwan passou a endogeneizar a produção de
bens intermediários, especialmente componentes eletrônicos, que antes eram importados,
127
4. A Imunidade Taiwanesa
Um dos principais fatores que levaram aos ataques especulativos sobre o sistema
financeiro asiático de 1997 foi a extrema fragilidade das contas correntes dos países afetados
pela crise. Durante a década de 90, diversos países asiáticos registraram déficit em suas contas
correntes, indicando que estes países tiveram outras fontes de obtenção de dólares, não limitada
à obtenção de divisas através da balança comercial (severamente afetado pela concorrência
chinesa) e de serviços, para equilibrar a balança de pagamentos. A política adotada foi a
captação de capital através da atração de capital estrangeiro de curto prazo e endividamento,
sustentado por altas taxas de juros, para financiar os seus respectivos investimentos domésticos.
(WU, 1998: 534, 538)
O único país que não registrou déficit no saldo da conta corrente foi Taiwan. Desde a
década de 70, Taiwan sustentou o superávit de sua balança de conta corrente, devido ao sucesso
de sua política de promoção de exportações. Ademais, a bem-sucedida transição das indústrias
de exportação de bens intensivos em trabalho para bens intensivos em tecnologia favoreceu
Taiwan a escapar da competição chinesa durante a década de 90, e manter o saldo da conta
corrente positiva, sem ter que recorrer ao capital internacional para financiar os próprios
investimentos domésticos. (YANG, 2001: 91-92; WU, 1998: 538)
130
A questão cambial em Taiwan, porém, foi tratada de outra forma. Quando os ataques
especulativos atingiram o sistema financeiro de Taiwan a partir de julho de 1997, inicialmente o
Banco Central de Taiwan tentou defender o câmbio, realizando gastos de cerca de 7 bilhões de
dólares para manter a paridade em relação ao dólar. Entretanto, devido à insistência dos ataques
especulativos, o banco central, em 17 de outubro, abandonou a câmbio fixo para adotar o
câmbio flutuante. (CHEN C.L. 2000, 56-59; YANG, 2001: 84-85; WU, 1998: 530)
O abandono do câmbio fixo em Taiwan, entretanto, não impactou seriamente a taxa de
câmbio, comparado à desvalorização acentuada do cambio de seus vizinhos asiáticos. A
principal razão pela qual Taiwan resistiu aos ataques foi a existência de um setor externo
consolidado, com superávit persistente na conta corrente, e uma dívida externa bem inferior ao
estoque de divisas internacionais, que dificilmente sofreria o esgotamento das reservas de
divisas internacionais, o que desestimulou os ataques ao sistema financeiro de Taiwan. Entre o
período de julho de 1997 e janeiro de 1998, a Rúpia Indonésia desvalorizou 70%; o Bath
Tailandês, 55%; o Won Sul-coreano, 50%; e o Ringgit Malaio, 42%; enquanto o Novo Dólar
Taiwanês se desvalorizou apenas 15%. (CHEN C.Y., 1998: 3)
Conclusão
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135
Resumo
Este artigo analisa o comércio interno realizado no Brasil na primeira metade do século XIX, enfatizando
o abastecimento de carnes verdes para a cidade do Rio de Janeiro. Abordando a bibliografia que se dedica
ao estudo do tema, bem como acessando fontes primárias, percebemos que, ao contrário de certos antigos
postulados historiográficos, o comércio doméstico dispunha no período de razoável dinamismo e
constituiu uma via para a acumulação mercantil. Notamos que os capitais acumulados no comércio de
abastecimento da cidade do Rio de Janeiro formaram recursos que depois foram revertidos no processo de
industrialização do país, na formação do capital bancário nacional e na montagem de unidades produtoras
da economia para exportação de gêneros primários para o mercado internacional.
Abstract
This article analyzes the internal commerce carried out in Brazil throughout the 19th century,
emphasizing the supply of fresh meat to the city of Rio de Janeiro. By approaching the bibliography
devoted to the study of the subject, as well as accessing primary sources, we perceive that, contrary to
certain old historiographical postulates, domestic commerce had a period of reasonable dynamism and
constituted a way for mercantile accumulation. We noticed that the capital accumulated in the supply
trade of the city of Rio de Janeiro formed resources that were later reversed in the process of
industrialization of the country, in the formation of the national banking capital and in the assembly of
units producing the economy for export of primary products to the international market.
Keywords: Economic-social history; supply trade; Rio de Janeiro; fresh meat; 19th century.
1
Artigo apresentado em 24/05/2018. Aprovado em 30/06/2018.
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Professor do Departamento de História e Relações Internacionais da UFRRJ. A pesquisa que deu origem a este
artigo contou com o apoio do CNPq e da Faperj. Correio eletrônico: phpcampos@yahoo.com.br.
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Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva, em livro clássico datado de
1981, reservaram um capítulo inteiro para a questão da produção de alimentos em uma
economia colonial (Linhares; Silva, 1981, p. 107-170). Demonstravam que o comércio de
abastecimento para as áreas urbanas nesse tipo de economia se fazia, em geral, de forma
problemática, com crises de escassez e carestia correntes. A explicação para esse estado de
fragilidade no abastecimento estava na própria condição colonial da economia em questão, já
que os proprietários rurais tendiam a direcionar a sua produção preferencialmente para os
artigos de exportação, cujo alto preço fazia deles itens mais rentáveis que os alimentos
produzidos para o mercado interno. Se o Brasil permaneceu sob a condição de país
principalmente primário-exportador durante o século XIX, podendo assim ser considerado uma
economia colonial, não se pode afirmar que o comércio de abastecimento era irrelevante no
período, como mostraram diversos estudos recentes6.
Já no século XVIII, uma poderosa teia econômica havia sido criada para abastecer a
região das minas de ouro e diamantes no interior da América portuguesa. Reses iam do Nordeste
e, depois, do Sul para Minas Gerais; mantimentos saíam de São Paulo para a região e da cidade
do Rio de Janeiro partiam as importações, os escravos e diversos artigos básicos produzidos
nessa capitania, depois da abertura do Caminho Novo. Essa dinâmica econômica em torno da
produção das minas ativava a especialização de diversas regiões da colônia em um comércio de
3
Para isso, ver Cano, 1977; Silva, 1976; Mello, 1982; Mendonça, 1995.
4
Carne verde, ou carne fresca, é a carne obtida do gado bovino recém-abatido. Era uma forma comum de alimentação
nesse período, assim como a carne seca, obtida do gado bovino e salgada para que não estragasse.
5
Sobre o conceito de plantagem ver Gorender, 1978.
6
Para uma revisão bibliográfica dos mesmos, ver Campos, 2012, p. 17-39.
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abastecimento vigoroso integrando diversas capitanias, o que foi pesquisado pela professora
Mafalda Zemella, em um texto pioneiro (Zemella, 1990 [1951]).
Isso não implica em afirmar que não houve uma ruptura demográfica e econômica em
1808, com chegada da família real e da Corte portuguesa. Apesar da grande discussão acerca do
número de pessoas que chegaram ao Rio naquele ano, pode-se afirmar que houve ali um marco
no desenvolvimento da população da cidade, bem como do seu comércio de abastecimento.
Alguns números podem comprovar isso. Segundo os censos havidos no período, a população da
área urbana passou de 43.376 em 1799 para 79.321 em 1821, em um crescimento anual de 2,8%
da população, ao passo que, entre 1821 e 1838, o incremento demográfico foi da ordem de 1,2%
ao ano. Houve ainda um grande crescimento da área suburbana que, não computada no
recenseamento de 1799, contava com 33.374 habitantes em 1821, sendo comuns as notícias de
crescimento dessa região nas fontes do período (Linhares; Levy, 1973). Apesar dos números não
serem plenamente confiáveis, o espantoso aumento demográfico do período é confirmado por
diversos viajantes, como é o caso de Luccock (1975 [1820]).
Além de toda a família real e da corte portuguesa que se instalou na cidade, passaram a
morar e a se alimentar na urbe uma série de estrangeiros e uma grande população flutuante. A
população portuária do Rio de Janeiro aumentou muito nesse período, sendo significativo para
isso o fato de que aportaram na cidade 778 navios em 1807 e mais de 5 mil em 1811. Delso
Renault mostra como havia 90 navios estrangeiros na cidade em 1808 e um total de 422 em
1810. Esse aumento do número de navios remete ao crescimento da quantidade de visitantes na
cidade e também à elevação da demanda por alimentos e outros itens naquele momento
(Renault, 1985, p. 24-25; Linhares, 1979, p. 159-164; Lamarão, 1991, p. 37).
(Marcondes, 2000, p. 7). Outros números poderiam ser citados, mas fica evidente que 1808
representa uma ruptura em termos demográficos e econômicos para a cidade do Rio de Janeiro
que, já sendo epicentro dinâmico da América portuguesa com conexões econômicas com outras
capitanias, passa a ter um intercâmbio comercial com outras regiões intensificado a partir de
então.
Uma das mais importantes áreas de investimento desse grupo mercantil era o comércio
de abastecimento para a nova Corte, visto que, além de terem chegado à cidade milhares de
pessoas, os hábitos de consumo desses novos habitantes demandavam produtos mais
sofisticados e caros, o que possibilitava um comércio ainda mais lucrativo. Esses homens de
negócio gozavam de boas relações com membros do aparelho do Estado português instalado na
cidade, muitas vezes sendo eles mesmos titulares de cargos relevantes na hierarquia política. A
partir dessas conexões e da penetração do grupo mercantil no aparelho de Estado, os
negociantes obtiveram políticas favoráveis para o comércio de abastecimento no período
joanino e no Primeiro Império. Medidas como a proibição da presença de estrangeiros no
comércio de cabotagem e por terra, a proibição do recrutamento de tropeiros e boiadeiros que
estivessem carregando mantimentos nos caminhos e diversas isenções de impostos foram
comuns principalmente nos anos após a chegada da Corte, o que, se por um lado facilitou a
regularidade do abastecimento urbano, por outro, beneficiou diretamente o segmento mercantil
envolvido no negócio (Lobo, 1978, vol. I, p. 81-123).
No estudo clássico sobre o assunto, Alcir Lenharo afirma que, a partir de 1808, havia
três fontes de abastecimento para a cidade do Rio de Janeiro: a externa, com importações de
outros países; a interna terrestre, feita através dos caminhos; e a interna marítima, realizada no
comércio costeiro, de cabotagem (Lenharo, 1993, p. 20). As importações de outros países,
sobretudo a Inglaterra, só fizeram se intensificar a partir de 1808. Olga Pantaleão mostrou como
eram importados, no período, não só tecidos e roupas, mas também manteiga, cerveja, alimentos
diversos e até aparelhos para esquiar (Pantaleão, 1993, p. 64-99). Essa febre de produtos
estrangeiros era fruto da abertura dos portos e foi ainda mais facilitada com as tarifas de 1810.
Porém, a maioria desses produtos era consumida por uma estreita faixa dominante da
população, com maior capacidade de compra. E, mesmo assim, a maioria dos produtos
essenciais, como os alimentos, permanecia sendo suprida a partir da produção interna.
real, com a formação de uma produção de produtos básicos de alimentação para a população da
nova Corte. Chegavam da região em especial alguns produtos altamente perecíveis, como leite,
flores, frutas e verduras, que não podiam ser trazidos de regiões muito longínquas com as
técnicas vigentes naquele período. A produção era feita principalmente em grandes propriedades
com escravos e arrendatários (Motta, 1989; Motta, 1997).
Ana Maria dos Santos nota que, do porto das Caixas, situado em Itaboraí, saíam em
direção ao mercado da Corte, no início do século XIX, alimentos produzidos nas regiões de
Itaboraí, Rio Bonito, Macacu, Capivari, Saquarema, Maricá, Campos, Macaé, Cantagalo e Nova
Friburgo (Santos, 1974). João Fragoso relaciona uma série de regiões na capitania
especializadas na produção para o abastecimento no período, citando, além das regiões
indicadas por Ana Maria dos Santos, Rio do Ouro, Cabo Frio e Inhomirim (Fragoso, 1992, p.
83-93). Dentre esses locais, há o caso de Nova Friburgo, colônia de suíços criada em 1819 com
o objetivo principal de abastecer o Rio de Janeiro, que também embarcava a sua produção pelo
porto das Caixas (Gouvêa, 2005, p. 705-752; Lobo, 1979, p. 37-51; Mayer, 2003). Portanto, a
capitania, e depois província, do Rio de Janeiro, que havia perdido a sua função de produção de
artigos básicos para o abastecimento urbano em fins do século XIX, viu a reorganização desse
papel com a chegada da Corte, agora com o objetivo de abastecer a cidade do Rio de Janeiro e
não mais as regiões produtoras de ouro.
O comércio feito por terra era talvez o mais importante dos três, por envolver grandes
contingentes de tropas e boiadas. As tropas eram os conjuntos de mulas que traziam para a
cidade do Rio de Janeiro os diversos produtos oriundos de outras regiões e as boiadas, as
caravanas de bois que eram levados à capital para matança e consumo. As principais regiões que
abasteciam o Rio por terra eram Rio Grande do Sul e Minas Gerais e, em menor escala, o
continente de Curitiba e as províncias a Oeste de Minas. O continente de Curitiba fazia parte da
capitania, e depois província, de São Paulo, correspondendo aos atuais estados de Santa
Catarina e Paraná. As províncias a Oeste de Minas no período eram Goiás e Mato Grosso, que
tinham como principal atividade a produção e o envio de reses para a capital, passando por
Minas Gerais (Lenharo, 1993; Campos, 2010).
As tropas foram abordadas no estudo de Alcir Lenharo e eram trazidos nelas produtos
como toucinho, charque, farinha de mandioca, feijão, milho e outros produtos essenciais. Tão
poderosos eram os tropeiros mineiros e o fluxo comercial entre a província e a capital que, em
1842, os negociantes envolvidos nesse comércio se recusaram a apoiar os levantes liberais e as
propostas de autonomia da província frente ao Rio de Janeiro. O poder desse grupo social era
140
Carlos Eduardo Suprinyak fez um estudo mais recente sobre o mercado de animais de
carga no Brasil do século XIX, atualizando os estudos feitos anteriormente por Lenharo e
estendendo o recorte para a segunda metade do século XIX. Usando diversificadas fontes
primárias e de posse do método quantitativo, o autor desenvolveu séries sobre a passagem das
tropas no Centro-Sul do território brasileiro ao longo do Império. A partir de análise dos dados,
o autor apresenta o quadro de um comércio altamente complexo, bastante concentrado e que
tinha uma importância fundamental para o transporte de cargas do Brasil no século XIX,
servindo tanto à economia de abastecimento como à produção voltada para exportação
(Suprinyak, 2008)
Se essas tropas e boiadas eram integradas por agentes escravos e livres, o mesmo
ocorria na produção desses produtos de abastecimento. Alcir Lenharo mostra como a produção
para suprimento da capital era feita muitas vezes em médias e grandes propriedades utilizando
força de trabalho escrava. Também no Sul do país, as grandes propriedades estancieiras usavam
escravos campeiros para a produção pecuária (Maestri, 2002; Farinatti, 2006, p. 1-21),
ocorrendo o mesmo em Goiás e em outras regiões produtoras (Funes, 1983). Muitos desses
gêneros, no entanto, não eram produzidos com controle pleno dos proprietários de terra.
Eurípedes Funes e outros autores mostraram como eram comuns os chamados lotes escravos, o
que Ciro Cardoso intitulou de "brecha camponesa da escravidão" (Cardoso, 1987; Cardoso,
1982), pequenas porções da terra ou da produção pertencentes aos escravos e que, muitas vezes,
eram colocadas no mercado, chegando inclusive aos centros consumidores como o Rio de
Janeiro. Portanto, se boa parte dos itens consumidos na cidade do Rio eram produzidos em
fazendas por escravos, alguns deles foram gerados pelos cativos em seus lotes particulares,
mantidos pelos senhores como forma de diminuição de custo daquela força de trabalho
(Campos, 2010, p. 13-30).
Os caminhos que levavam à capital eram vários. De Minas Gerais vinham o Caminho
Novo, a Estrada do Comércio e a Estrada da Polícia. O Caminho Novo foi construído em 1701
devido à mineração e sofreu inúmeros melhoramentos no século XVIII, o que fez com que ele
deixasse de ser apenas um caminho de pedestres para se tornar uma grande rota para tropeiros e
boiadas que demoravam apenas 10 dias para chegar às antigas regiões auríferas (Zemella, 1990,
p. 115-120). Esse caminho tinha variantes, o Caminho do Couto e o Caminho da Terra, que
auxiliavam a integração das diversas regiões de Minas ao porto da Estrela e à cidade do Rio de
Janeiro. A Estrada da Polícia e a Estrada do Comércio foram construídas na época joanina e
projetadas pela Junta de Comércio. A primeira, que passava por São João del Rei, era a mais
importante para o comércio de boiadas, daí ser chamada comumente de caminho das boiadas
(Lenharo, 1993, p. 48-52).
A integração do Sul com o Rio de Janeiro também teve início em função da mineração.
Com a construção do Caminho Novo, São Paulo passou a ter um contato maior com o Rio de
Janeiro e um caminho foi construído entre as duas cidades em 1733. Por causa do abastecimento
de reses, mulas e cavalos do Sul para as minas, foi construída uma estrada de Viamão até São
Paulo em 1738, ligando, dessa forma, o Rio Grande do Sul e o Continente de Curitiba à cidade
do Rio de Janeiro. Essa estrada, que ligava o Rio Grande de São Pedro ao Rio, também sofreu
melhoramentos durante a época joanina (Zemella, 1990 [1951]; Campos, 2010).
O caso do comércio das carnes verdes para a cidade do Rio de Janeiro na primeira metade
do século XIX e o processo de acumulação de capital
Os gêneros mais importantes e com maior fluxo para a cidade eram os de consumo mais
difundido pela população. Assim, existia uma importante produção de farinha de mandioca na
província do Rio de Janeiro e em Minas Gerais que abastecia a cidade. Da mesma forma, vinha
do Rio Grande do Sul uma importante leva de carne seca através do comércio de cabotagem,
sendo parte daquela produção exportada para outros portos escravistas. Carne de porco vinha
viva ou conservada de Minas Gerais com as tropas. Porém, mais que todos esses produtos, o
mais significativo é o da carne verde, tão importante para o comércio que levou Maria Yedda
Linhares a afirmar que “a história do abastecimento no Brasil é a história da carne verde”
(Linhares, 1979, p. 191-192).
A carne verde era, ao lado do charque, a forma mais comum de alimentação a partir da
rês bovina, constituindo-se da carne proveniente do animal recém-abatido, que era retalhado e
tinha suas partes vendidas pelos açougues da cidade. A carne verde, também chamada de carne
fresca, tinha que ser consumida rapidamente após a compra, já que em pouco tempo ficava
inadequada ao consumo. O item era obtido a partir das boiadas que chegavam à cidade, vindas
das regiões de Minas Gerais e do Sul, já que a produção fluminense, antes concentrada na
fazenda de Santa Cruz e em Campos, não dava conta da demanda da cidade. O Rio Grande do
Sul era o principal criador de reses bovinas, mas foi o principal supridor de reses vivas à capital
apenas até 1818, quando passou a se voltar mais para a produção do charque, especialidade da
região. Desde então, Minas Gerais e as capitanias a Oeste – Mato Grosso e Goiás – se tornaram
os principais supridores da capital, enviando anualmente dezenas de milhares de bois vivos ao
Rio, o que dava a especialização de certas localidades mineiras, em torno de cidades como São
João Del Rey, epicentro econômico da região abastecedora da Corte (Graça, 1998) 8.
8
Para o comércio de abastecimento de carnes verdes para a cidade do Rio de Janeiro no período anterior à chegada da
Corte portuguesa, ver a pesquisa de Tavares, 2012.
142
O fluxo anual de bois para o Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século girava em
torno de 50.000 cabeças, o que era, entre 1810 e 1821, dirigido em última instância por uma
pessoa apenas, o arrematante do contrato das carnes verdes. Os contratos eram muito comuns na
primeira metade do século XIX, sendo uma forma do Estado português obter fundos adiantados,
de se eximir de um encargo que demandaria novos funcionários públicos e também uma forma
de favorecer os grandes negociantes cariocas, principais beneficiários dos mesmos 10. Havia
contratos também para a arrecadação de impostos, construção e demolição de bens públicos,
fornecimento de bens e gêneros essenciais para o Exército, a Marinha e a Real Uxaria, que era o
suprimento de artigos essenciais para o depósito da família real. Apesar de existir em outros
períodos e contextos, o contrato tem um significado próprio na época joanina, diretamente
relacionado ao pacto político vigente naquele momento, que dava grande destaque social e
político aos homens de negócio e também à própria conjuntura emergencial vivenciada pelo
aparelho de Estado então (AGCRJ, s/d; 1817; 1829; 1844; 1845). Tanto é válida essa tese que
com a paulatina construção do aparelho de Estado e com a exclusão cada vez mais forte dos
negociantes do pacto político, os contratos foram deixando de existir a partir da década de 1830.
O gado chegado das regiões de Minas ou do Sul não era imediatamente direcionado
para o consumo. Em função do seu mau estado, eles eram deixados ao longo de
9
Para se chegar a estes números, multiplicou-se o preço tabelado da libra da carne vendida nos referidos anos – 30
réis em 1812 e 40 réis em 1821 – pela quantidade de libras existentes em uma arroba – 32 – pela quantidade média de
arrobas existentes em um boi – 9,5 – pela quantidade anual de reses que deveriam ser mortas no matadouro – 50.050
em 1821. O valor total é aproximado, já que o contrato que regulava as vendas nem sempre era seguido à risca,
havendo outras variáveis existentes difíceis de ser mensuradas, como o mercado negro. Dados retirados de AGCRJ,
1829.
10
Helen Osório, que estudou a arrematação de contratos no Rio Grande do Sul no XVIII, concluiu que os contratos
podiam ser mais lucrativos do que a lavoura agroexportadora e até do que o tráfico de escravos, chegando a taxas de
lucro de 17 a 45%, contra os 5 a 10% da lavoura açucareira e os 19,2% em média do tráfico de escravos,
contabilidade que, ressalta a própria autora, não inclui os diversos privilégios que se tiravam dos contratos (Osório,
2001)
143
Após esse período de quarentena, o boi era levado até o matadouro público da cidade.
Houve, ao longo do século, quatro matadouros principais para suprir a urbe de carne fresca. O
matadouro de Santa Luzia ficava na praia do mesmo nome e tinha sido construído na época do
marquês de Lavradio, na década de 1770, sendo desativado em 1853. De tamanho bem inferior,
o matadouro da Cidade Nova funcionou entre os anos de 1820 e 1830. Em 1853, o principal
matadouro da capital passou a funcionar em São Cristóvão e, em 1881, finalmente a cidade
ganhou um matadouro fora do perímetro urbano principal, como era costume em outras cidades
ao redor do mundo, ficando o mesmo em Santa Cruz. Nos matadouros, trabalhavam, em geral,
vários escravos, alguns inclusive de ganho, com apenas dois funcionários livres dirigindo as
funções, além de fiscalizadores da municipalidade e do governo imperial (AGCRJ, 1830;
Gonçalves, 1952).
Essa alta disparidade social se expressava nos hábitos de consumo, também altamente
estratificados. Através da pesquisa realizada, verificamos que havia três grandes faixas de
consumo principais na cidade no que tange à alimentação. Em primeiro lugar, uma classe
dominante constituída por homens de negócio e também pelos altos funcionários públicos com
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grande poder de compra que podiam se alimentar com diversos gêneros estrangeiros e diferentes
fontes de proteínas animais, em especial a carne verde, tipo de carne de caráter relativamente
restrito. Em seguida, um setor intermediário, constituído por comerciantes, médios e pequenos
funcionários do Estado português e da Câmara, caixeiros, artesãos e outros trabalhadores livres
com alguma renda ou salário. Essas pessoas não podiam consumir produtos estrangeiros
correntemente e nem todos os tipos de carne, porém podiam consumir a carne verde
esporadicamente, em especial quando o seu preço era tabelado, apesar de não em quantidade
significativa. Por fim, os escravos e indigentes, que consumiam os produtos mais simples e
baratos, como o feijão e a farinha de mandioca. No que se refere às proteínas, consumiam a
carne seca e o toucinho, sempre em uma quantidade reduzida, sendo que a carne verde quase
nunca era consumida por esse grupo, a não ser em ocasiões de festas, fartura ou roubo (Silva,
1975; AGCRJ, 1820).
Há, no entanto, certa diversidade dentro de cada um desses três grupos em função da
grande hierarquização da sociedade escravista da cidade do Rio de Janeiro no período. O
primeiro grupo incluía o grupo dos negociantes, que se caracteriza pelo forte escalonamento de
suas fortunas e, portanto, do seu poder de compra. O grupo intermediário é o mais diverso,
contando com comerciantes com certo destaque econômico-social e também com caixeiros, que
tinham um poder de consumo bem inferior, havendo no grupo pessoas que podiam consumir a
carne verde todos os dias e outras que poucas vezes consumiam o item. E também o terceiro
grupo tinha a sua diferenciação em função da própria diversidade intrínseca à escravidão urbana
e à inclusão dos indigentes neste grupo. Essa divisão do mercado consumidor da cidade em três
grupos distintos entre si e hierarquizados internamente é fruto da sociedade escravista e retrata
um mercado que, altamente restrito, criou dinâmicas sociais próprias (AGCRJ, 1820; Campos,
2010; Gorender, 1978).
Muitas vezes, essas disputas se travestiam de disputas apenas no campo das idéias, entre
intervencionistas e liberalizantes, por exemplo. Porém, observando com maior cuidado as
condições sociais dos debatedores em questão e as minúcias das suas reivindicações e protestos,
é possível perceber interesses que eles estavam defendendo, dada a sua condição econômico-
social, já que vários vereadores eram também importantes homens de negócio da cidade
(AGCRJ, 1820).
Outro caso de crise de escassez na cidade teve lugar na década de 1850, levando o
funcionário público do Império Sebastião Ferreira Soares a escrever sobre o assunto no período.
Nesse período, houve grave crise de escassez e carestia de gêneros essenciais na cidade,
especialmente alimentos básicos e carne. Parte dos agentes do período creditaram a crise à falta
de braços sentida no país em decorrência da abolição do tráfico de escravos. Soares, ao
contrário dessa análise, entendeu que a crise se devia a outros fatores. Segundo ele, com a lei
Eusébio de Queiroz, os antigos traficantes e negociantes ligados ao comércio de escravos
passaram a investir em outros ramos, fazendo grande especulação e estabelecendo práticas
monopolistas no comércio de abastecimento para a cidade, levando à escassez e à carestia dos
11
O cunhado de Paulo Fernandes Vianna era Fernando Carneiro Leão e o negociante ligado a este era Joaquim José
de Siqueira (Gorenstein, 1993; AGCRJ, 1820).
146
alimentos. A discussão ocorrida nas décadas de 1850 e 1860 foi analisada depois por diversos
autores (Soares, 1977 [1860]; Linhares; Silva, 1981, p. 15-72).
A explicação para essas crises deve ser encontrada na própria estrutura econômica do
Brasil no século XIX. Assim como Ernest Labrousse demonstrou que a crise econômica na
economia de Antigo Regime tinha uma lógica diferente das crises capitalistas, havendo maior
influência do clima e sendo mais caracterizada como de escassez e falta e não de fartura e
superprodução (Labrousse, 1973, p. 343-344), também a sociedade escravista colonial tinha os
seus próprios mecanismos de crise. O estatuto colonial da economia fazia com que a produção
de artigos mais caros e para exportação fosse muitas vezes mais valorizada que a produção
visando o abastecimento urbano, tornando essa área, em geral, subsidiária da produção voltada
para o mercado externo. A sociedade escravista, altamente desigual e hierarquizada, além de
relativamente pouco provida de capitais, tendia a ter um comércio altamente concentrado. No
caso do abastecimento urbano da cidade do Rio no século XIX, somava-se a isso uma questão
peculiar: boa parte da produção que supria a capital de mantimentos vinha de regiões
longínquas passando por caminhos em péssimas condições e com alta taxação. Isso facilitava a
tendência de fazer com que o comércio fosse altamente concentrado, já que eram poucos os
negociantes que tinham a capacidade, por exemplo, de mobilizar boiadas vindas de Goiás para o
Rio de Janeiro ou que pudessem fazer um carregamento de charque do Rio Grande do Sul para a
Corte. Pode-se dizer, portanto, que a estrutura econômico-social, a péssima integração do
território e os impostos cobrados na circulação levavam a um alto índice de concentração do
comércio de abastecimento, principalmente em ramos mais complexos e lucrativos, como o
transporte de boiadas (Fragoso, 1992, p. 173-179).
com violência, sendo o objetivo o de excluir um rival do dito mercado, tentando monopolizar
determinado ramo do comércio.
Esse foi o caso também das agitações na época da Independência, que reuniam queixas
contra o suprimento da cidade e contra as Cortes portuguesas. A crise do I Império juntou nas
ruas, em situações como as ‘noites das garrafadas’, queixas contra a gestão de D. Pedro I e o
preço de alguns itens essenciais. O mesmo ocorreu no início da Regência, período de grande
instabilidade política e problemas no abastecimento da cidade (AGCRJ, 1837; Ribeiro, 2002).
circulação tendia a ser maior que o auferido na produção agropecuária, no que tange aos itens
que saíam do Sul de Minas para o Rio. Esses negociantes envolvidos no abastecimento
juntavam fundos e montaram fazendas, sendo muito importante a acumulação obtida no
comércio de abastecimento da corte para a montagem do complexo cafeicultor do Vale do
Paraíba, depois da doação de sesmarias a alguns desses negociantes por D. João VI (Lenharo,
1993, p. 84; 89; 92-93).
Larissa Virginia Brown demonstra em sua tese de doutorado sobre o comércio interno
para a cidade do Rio de Janeiro no final do século XVIII e início do século XIX, dentre outras
coisas, como os grandes comerciantes despontavam, além de suas atividades no intercâmbio de
mercadorias, como credores das atividades produtivas. Além de atuar na compra e venda de
mercadorias, por serem grandes possuidores de capital à disposição, eles desenvolviam
atividade creditícia, sendo eles muitas vezes associados a práticas usurárias no período (Brown,
1986). Essa assertiva reforça a tese da acumulação e concentração de capital nas mãos dos
homens de negócios envolvidos com o comércio interno naquele período.
Em vias de conclusão
Como vimos ao longo deste texto, mesmo com o predomínio da escravidão e com a
condição colonial, a economia colonial brasileira, através do comércio de abastecimento e
outros tipos de negócio – como o tráfico de escravos, as companhias de seguros, o comércio de
importação e exportação, a exploração de contratos régios etc –, foi capaz de acumular recursos
e concentrar em poucas mãos grandes fortunas. Assim, os circuitos internos da economia
brasileira no período possuíam um vigoroso dinamismo e foram responsáveis pela formação de
grandes patrimônios nas mãos dos controladores desse comércio. Tendo em vista o caráter
escravista da formação econômico-social brasileira, esse comércio de abastecimento gozava de
um significativo grau de concentração, tendendo ao monopólio, como ocorreu com o comércio
de carnes verdes na cidade do Rio de Janeiro na década de 1830. Com isso, formaram-se
grandes fortunas que foram depois invertidas em outras atividades econômicas. Dessa forma, o
comércio de abastecimento, bem como outras atividades vinculadas ao mercado doméstico,
ajudaram a acumular e concentrar recursos que depois foram investidos em projetos industriais,
na formação de empresas bancárias e na própria efetivação de grandes fazendas que usavam
13
Fábio Garcez de Carvalho estudou os investimentos dos grandes comerciantes presentes no comércio de
abastecimento no ramo da indústria no período da Primeira República. Ver Carvalho, 1992.
149
força de trabalho cativa para produção e exportação de produtos primários para o mercado
internacional.
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154
Resumo
Uma das dificuldades em realizar alguns estudos na área de economia reside na obtenção de informações.
Os dados sobre produção, diversificação econômica e preços, em alguns casos podem ser escassos ou
mesmo, ao serem atenderem a metodologias diversas, podem ser incompatíveis. O exercício deste
trabalho foi sistematizar as informações sobre a produção e os preços da economia do Espírito Santo,
desde 1985 até 2009. Além disso, foi realizada uma análise comparando a trajetória com o restante da
economia brasileira e de alguns trabalhos sobre a economia capixaba para identificação de convergências
e elaboração de conclusões sobre o tema.
Palavras-chave: Retropolação do PIB; Contas regionais; PIB estadual; Economia do Espírito Santo;
Economia capixaba.
Abstract
One of the difficulties in performing studies economics lies in obtaining information. Data on production,
economic diversification and prices in some cases can be scarce or, when made with different
methodology, may be incompatible. The exercise of this work was to systematize the information on
production and prices onthe economy of Espírito Santo from 1985 to 2009. In addition it was compared
its path with the rest of the Brazilian economy and some work on the state economy to identify
convergences and perform some conclusions on the subject.
Keywords: GDP retropolation; Regional accounts; State GDP; Espírito Santo economy; Capixaba
economy.
1
Artigo apresentado em 04/08/2018. Aprovado em 10/09/2018.
2
Mestre em economia pela Universidade Federal do Espírito Santo, Economista do Instituto de Defesa Agropecuária
e Florestal do Espírito Santo.
3
Mestrando do Programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade federal do Espírito Santo, Economista
do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo.
155
1 – Introdução
Uma parte significativa da análise econômica diz respeito à apuração de dados para que
seja possível observar as teorias na prática. Nesse sentido, o grau de abrangência das
informações e o período que cobrem são elementos que melhoram a capacidade dos analistas de
realizarem inferências sobre a sociedade. Além disso, o reconhecimento consistente da realidade
permite a tomada de decisões mais eficientes. A contabilização e o trato das informações
econômicas é custoso e difícil, de maneira que se faz importante zelar pela qualidade e correção
daquelas que já estão disponíveis.
O objetivo deste artigo é resgatar as informações para a economia do Espírito Santo, da
base de dados do IBGE para as contas regionais. Em 2002 houve uma mudança na metodologia
de apurar a produção nos estados, que vinha sendo medida a partir de uma base de dados de
1985. Essas contas apresentam dados importantes sobre a economia capixaba, dividida em 15
setores e com indicadores de variação de preços. A base de 2002 oficial já havia sido retroagida
até 1995, entretanto, a metodologia não permitia a conversão dos dados a anos anteriores.
Definiu-se, então, uma metodologia que admitisse a retração dos dados até 1985, ampliando o
horizonte de análise da trajetória econômica. Assim, buscou-se realizar uma análise da
economia estadual e uma comparação com a realidade que se viveu no país entre 1985 e 2009 e
os estudos de outros autores.
Além desta introdução, o texto apresenta uma contextualização econômica do país em
meados dos anos 1980, com as políticas focalizadas no combate à inflação. Trata-se de um pano
de fundo para a apresentação de uma comparação entre os indicadores de preços ao consumidor
no país e os índices apresentados pela economia capixaba, que é apresentada na seção seguinte.
Posteriormente, a análise dos preços é apresentada de maneira setorizada, com uma análise
pontual dos elementos que contribuíssem em cada ramo de atividade para dada trajetória. Em
seguida se busca interpretar os elementos de produção efetivos, com inferências acerca do
Volume Bruto da Produção (VBP), Volume do Consumo Intermediário (VCI), Volume
Adicionado (VA) dos 15 setores divididos entre os ramos de atividade primária, secundárias e
terciárias. Além disso, uma proposta de índice de produtividade, que leva em conta o VA e o
VBP é apresentada com seus respectivos resultados para cada setor. Conclusões gerais sobre os
estudos também são apresentadas e depois as referências bibliográficas. Em anexo encontram-se
as notas metodológicas sobre a conversão de setores e sobre o modelo matemático proposto e os
volumes brutos e percentuais em forma de gráfico.
2 – A segunda metade dos anos 1980 até a estabilização monetária
A trajetória econômica dos estados brasileiros após o regime militar sempre esteve
muito ligada ao governo central. Lopreato postulava que a reforma tributária de 1966,
O governo federal, com a centralização fiscal e com o domínio dos
recursos financeiros, tinha o controle das decisões de investimentos
porque realizava diretamente eleva da parcela dos gastos públicos e
influenciava a política de gastos dos governos estaduais – bem como
do setor privado – via concessão de subsídios e incentivos fiscais
regionais e setoriais, transferências e empréstimos de agências oficiais
(LOPREATO, 2000, p. 7).
Em consonância com essa afirmação, Morandi e Rocha (2012), ao tratarem do
desenvolvimento do Espírito Santo entre a segunda metade da década de 1970 e o início dos
anos 1980, identificam que o entendimento da economia capixaba no período passa pela
avaliação da economia nacional. Para eles,
156
4
O final do ano de 1986 ainda apresentou o episódio do Plano Cruzado II, mas que não teve influência significativa
em baixar as taxas de inflação, mas simplesmente as acelerou para o início de 1987.
157
(IPEADATA, 2014). Uma observação que pode ser feita é que as taxas de inflação oscilaram
mais que a taxa de câmbio, mesmo em resposta aos efeitos da desvalorização cambial. Ao
mesmo tempo, percebe-se que os índices de preços acompanharam a taxa de câmbio mais
claramente a partir de 2000.
Assim como no gráfico 1, é possível perceber que o índice de preços capixaba
acompanhou os efeitos do IPCA nacional. Mesmo assim, os movimentos do índice no Espírito
Santo parecem responder com uma certa defasagem em relação àquele que se utiliza como
comparação. Além disso, da mesma forma parece responder a variações na taxa de câmbio.
4 – Trajetória dos preços por atividade econômica
Ao tratar das transformações da economia capixaba no início dos anos 1980, Morandi e
Rocha (2012) apontam dois elementos de significativa preponderância. Primeiramente o
aumento da produtividade das atividades agrícolas, com a reposição da capacidade produtiva
dos cafezais, perdida nas décadas anteriores, com o aumento de 80,0% da capacidade produtiva
entre 1975 e 1980. Durante a década de 1970 e meados da década posterior também se expandiu
a área de florestas que passou de 98.388 hectares em 1975 para 156.785 em 1985. Os autores
estimavam que aproximadamente 84,5% dessas áreas destinavam-se à exploração de celulose. A
outra grande modificação na economia estadual ocorrida no período aconteceu no ramo da
indústria de transformação. Nesse caso, os destaques foram para a indústria metal mecânica, que
entre 1970/75 cresceu a taxas de 111,1% ao ano e entre 1975/80 a taxas de 33,3% ao ano e a
indústria de papel papelão que ampliou-se à taxa de 190,0% ao ano no período 1975/80.
Os aspectos estruturais da economia capixaba são importantes na medida em que dizem
respeito à cotação dos preços das mercadorias que produz. Tanto a cafeicultura quanto as
indústrias metal mecânica e o complexo de celulose e indústria de papel tem seus preços
cotados no mercado internacional. Isso implica que são mais sensíveis ao câmbio e ao mercado
internacional que outros setores. Além disso, como apontou Souza (1999) os preços de
mercadorias não transacionáveis em termos internacionais são praticamente imunes às pressões
cambiais. A tabela 1 mostra a trajetória dos preços em diversos setores do Espírito Santo entre
1986 e 2009.
161
Tabela 1 – Deflator implícito dos setores capixabas entre 1986-2009 (Períodos escolhidos) 5
Agregado por setor no Espírito Santo no período analisado 7. O gráfico 3 mostra a evolução dos
ramos de atividade como proporção do VA da economia capixaba no período.
Gráfico 3 – Evolução dos grupos de atividades econômicas entre 1985 e 2009
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009
encontra-se em anexo.
7
A nota técnica sobre a retropolação dos valores entre 1985 e 2002 encontra-se em anexo.
164
Os cortes temporais analisados no caso dos índices de preços foi utilizado para a análise
dos valores agregados. É importante salientar que o crescimento econômico capixaba foi em
média maior que o do país em todos os períodos analisados. No período de 1986-1990
identifica-se que, tanto a economia capixaba quanto a brasileira cresceram a taxas baixas. O
setor primário, referente à agropecuária caiu fortemente, essa posição corrobora com os efeitos
observados nos preços, que, como foi visto na seção anterior, ampliaram-se em média 15,4%
abaixo do estado. Ao mesmo tempo, pode-se observar que os setores mais ligados às atividades
urbanas ampliam-se de maneira mais vigorosa. As atividades secundárias, mais especificamente
a Construção e os ramos de Eletricidade, gás e água, serviços urbanos, ampliaram-se acima da
média estadual. A Indústria extrativa mineral8 expandiu-se acima da média também. Entre estas
atividades, apenas a indústria de transformação cresceu menos que a média, pois vinha de uma
expansão bastante significativa no período anterior, entre 1975 e 1985. Ao mesmo tempo, os
ramos terciários também ampliaram-se acima da média em praticamente todos os casos. Um
destaque apontado parece ter sido o setor de Comunicações9, que expande-se a taxas de 19,4%.
Outra expansão significativa foi a do segmento de Outros serviços coletivos, sociais e pessoais,
com 11,5% em média por ano. Estas atividades também estão ligadas à urbanização, uma vez
que experimentada pelo Estado no período (MORANDI e ROCHA, 2012).
O corte temporal posterior, entre 1991 e 1995, apresenta uma expansão mais acentuada
do produto nacional. No caso do Espírito Santo, a agropecuária permanece perdendo espaço,
enquanto as atividades secundárias ampliam-se em um ritmo abaixo da média. Entre os setores
do ramo terciário, as atividades imobiliárias e serviços às empresas permanecem ampliando-se
acima da média, juntamente com as Comunicações.
O período entre 1996 e 2000 marca a utilização da âncora cambial como metodologia
de política monetária. Isso implicava na manutenção do Real apreciado frente ao Dólar,
impulsionando as importações para o Brasil. Nesse sentido, um dos destaques foi o setor de
Transportes e armazenagem, que expandiu-se à taxas de 7,3% ao ano. Essa expansão deu-se
porque o estado era uma das portas de entrada das importações no país. Sobre as importações,
Mota afirma que
[...] a participação capixaba no total brasileiro, em valor, manteve-se
crescente [...]. O maior aumento nos anos 90 decorre da abertura
comercial que estimulou-as em todas as regiões. O instrumento do
FUNDAP possibilitou aos importadores operarem pelo porto de
Vitória, mascarando a participação estadual no total das importações,
visto que muitas trading, sobretudo de São Paulo, instalam-se em
Vitória com o objetivo de utilizar aqueles benefícios. Isso superestima
a participação capixaba no total brasileiro. Basta lembrar que o
Espírito Santo tomou-se o principal estado em importações de
automóvel, estimuladas pela sobrevalorização cambial promovida
pelo Plano (MOTA, 2002, p. 103).
A condução da política econômica nacional também marca esse período pelas
transformações no setor bancário, o que parece explicar a trajetória negativa da Intermediação
financeira, que decaiu à média de 0,1%. Novamente, as atividades imobiliárias e serviços às
empresas apresentam uma variação positiva bem acima da média, com 10,4%. As atividades
secundárias e a Agropecuária, apresentam novamente comportamento abaixo da média. Uma
análise a “vocação para o comércio exterior” característico do Espírito Santo, sugeriu que “as
exportações capixabas se concentraram em bens intensivos em matérias-primas, industriais
8
O setor de Indústria extrativa mineral no Espírito Santo refere-se principalmente ao comércio de rochas ornamentais
(cf. MOTA, 2002).
9
O setor de Comunicações é identificado a partir de 2002 como Serviços de informação portanto incorpora todos os
avanços em termos de serviços de informação observados nas últimas décadas.
165
semi-elaborados [ferro, ferro fundido e aço] ou tradicionais, como café e rochas ornamentais”
(MOTA, 2002, p. 100). Isso implica que a apreciação cambial é prejudicial a esses setores, uma
vez que dificulta as exportações.
O corte de tempo posterior, 2001 a 2005, é marcado por uma flexibilização na política
cambial. Os setores vinculados à exportação parecem responder positivamente a nova política
cambial, com expansão na Indústria extrativa mineral e Agropecuária expandindo-se a taxas de
médias de 11,8% e 9,8%, respectivamente. Por outro lado, o grupo de atividades terciárias
amplia-se abaixo da média pela primeira vez no período estudado. O segmento de Transportes e
armazenagem reflui de sua significativa expansão no período de câmbio valorizado para crescer
abaixo da média, a taxas médias de 3,9%. O setor de Comunicações, permanece expandindo-se
bastante acima da média, com taxas de 14,9%.
O último período analisado, entre 2006 e 2009, é marcado por nova trajetória de
apreciação cambial. Assim, os setores ligados à exportação voltam a crescer abaixo da economia
estadual, de 6,3%, com a Agropecuária expandindo-se a taxa de 1,7% e o de Indústria de
transformação à 3,1%. Em compensação, os segmentos vinculados à importação voltam a
apresentar trajetória positiva em referência ao estado, com a Indústria extrativa mineral
ampliando-se à 11,8%10 e Transporte e armazenagem à 8,0%.
Outra análise que se buscou fazer foi em relação ao percentual do VBP que
transformou-se em VA, ou seja, que não foi consumido no processo produtivo 11. Entende-se que
esse valor permita fazer alguma inferência sobre a produtividade do setor em termos
monetários12. A tabela 3 mostra a evolução deste indicador para os grupos de atividades e os
setores da economia capixaba no período analisado.
10
Utilizando outra metodologia foi possível identificar a modificação da importância relativa entre os setores das
atividades secundárias “Considerando o crescimento das atividades que constituem o setor secundário, observa-se
que a Indústria de Transformação apresentou expansão de +33,6% entre os anos de 2000 e 2010, abaixo do
desempenho registrado pelo setor de construção Civil (+52,8%) e da Indústria Extrativa, sobretudo desta última, que
registrou um crescimento expressivo de +295,7%” (INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES, 2013, p. 8). Os
valores equivalentes neste estudo, entre 2000 e 2009, foram 33,0%, 49,9% e 231,1%, respectivamente.
VA
11
A obtenção deste indicador é a simples proporção entre ( VBP )em porcentagem.
12
Não se trata de medir a produtividade dos fatores de produção que dependeriam do cálculo dos
volumes de utilização dos mesmos (cf. SAMPAIO et. ali, 2005).
166
VA
Tabela 3 – ( VBP ) em períodos escolhidos (1986-2009)
13
Entre os dados, não há registro de consumo intermediário para o setor de Serviços domésticos,
de maneira que VBP=VA para todos os períodos.
167
7 - Conclusões
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37-56.
170
Lista de setores nos arquivos originais Lista de setores utilizados no trabalho Atividade
Agropecuária Agropecuária Primária
Indústria extrativa mineral Indústria extrativa mineral Secundária
Indústria de transformação Indústria de transformação Secundária
Eletricidade, gás e água Eletricidade, gás e água Secundária
Construção Construção Secundária
Comércio e reparação de veículos e objetos Comércio e reparação de veículos e objetos
pessoais pessoais Terciária
Alojamento e alimentação Alojamento e alimentação Terciária
Transportes e armazenagem Transportes e armazenagem Terciária
Comunicações Comunicações Terciária
Intermediação financeira Intermediação financeira Terciária
Atividades imobiliárias, aluguéis e serviços Atividades imobiliárias, aluguéis e serviços
prestados às empresas prestados às empresas Terciária
Administração pública, defesa e seguridade social Administração pública, defesa e seguridade social Terciária
Saúde e educação mercantis Saúde e educação mercantis Terciária
Outros serviços coletivos, sociais e pessoais Outros serviços coletivos, sociais e pessoais Terciária
Serviços domésticos Serviços domésticos Terciária
Agricultura Agropecuária Primária
Pecuária Agropecuária Primária
Atividades imobiliárias, aluguéis e serviços
Serviços de informação prestados às empresas Terciária
Serviços prestados à família e associativas Outros serviços coletivos, sociais e pessoais Terciária
Atividades imobiliárias, aluguéis e serviços
Serviços prestados às empresas prestados às empresas Terciária
Construção civil Construção Secundária
Indústria extrativa Indústria extrativa mineral Secundária
Produção e distribuição de eletricidade, gás, água,
esgoto e limpeza urbana Eletricidade, gás e água Secundária
Comércio e reparação de veículos e objetos
Comércio e serviços de manutenção e reparação pessoais Terciária
Serviços de alojamento e alimentação Alojamento e alimentação Terciária
Transportes, armazenagem e correio Transportes e armazenagem Terciária
Intermediação financeira, seguros e previdência
complementar e serviços relacionados Intermediação financeira Terciária
Atividades imobiliárias, aluguéis e serviços
Atividades imobiliárias e aluguéis prestados às empresas Terciária
171
A partir de 2007, o sistema de contas regionais foi revisto e houve uma retropolação até
o ano de 1995. O princípio era que as variações dos índices de preço e volume permaneceram
inalteradas (cf. IBGE, 2007). Esse pressuposto foi utilizado no modelo que se apresentou com
uma modificação. Assumiu-se que, em termos globais, os indicadores de Valor Bruto Agregado
e Consumo Intermediário estavam corretos, mas que sua distribuição entre os setores estava
desbalanceada. Isso implica em afirmar que toda a variação do produto se deu entre os setores
estudados, de maneira que se houvesse uma expansão menor de um setor ela seria compensada
por outro. Assim, permitiu-se que os índices de volume fossem revistos de maneira que a
distribuição percentual dos setores em 1985 convergisse para aquela observada em 2002, sem
que se perdesse a proporção das variações dentro dos setores ao longo do tempo. Entende-se por
agregados os volumes apurados nas contas, sejam eles Valor Bruto da Produção (VBP) ou
Consumo Intermediário (VCI). O Valor adicionado é apurado a partir da subtração entre o VBP
e o VCI.
A organização entre os setores e os volumes agregados dos setores A até M de são dados pela
formalização que segue.
Setor A A 1985 A 1986 … A 2002
… … … … …
Setor M M 1985 M 1986 … M 2002
Agregado A 1985 +…+M 1985 A 1986 +…+ M 1986 … A 2002 +…+ M 2002
(1)
A suposição é que o índice que a proporção dos índices que reajusta os valores dos setores ao
longo dos anos está correto. Entretanto, a proporção desse reajuste entre os setores está
desbalanceada, de maneira que é necessário achar um vetor que normalize os valores. Ou seja,
A 1985 A 2002
as proporções e são diferentes entre si, mas ambas
A 1985 +…+ M 1985 A 2002 +…+ M 2002
verdadeiras. Nesse caso, se assume que o índice de reajuste não conseguiu captar as variações
adequadamente. Assim, o objetivo é achar um grupo de valores que garanta a convergência das
proporções entre um setor em 1985 e o seu equivalente em 2002.
A expressão que iguala os valores observados à trajetória medida entre 1985 e 2002 de um setor
específico é dado pela expressão que segue.
A 1986 A 2002
PA ( ) ( )
A 1985
…
A 2001
( A 1985 )=(1+r A )
2002−1986
( A 1985 )= A 2002
(2)
A t +1
Os fatores correspondentes a
( )At
, t como um parâmetro de tempo qualquer, são equivalentes
aos índices de volume de reajuste dos agregados. Assim, pode-se rearranjar (2) e substituir pelos
próprios índices, estabelecendo um vetor para todos os setores como em (3).
172
(1+r A )n
P A=
( Í ndice de volume A 1986 )( Í ndice de volume A 1987 ) … ( Í ndice de volume A 2002 )
…
(1+r M )n
P M=
( Í ndice de volume M 1986 )( Í ndice de volume M 1987 ) … ( Í ndice de volume M 2002 )
(3)
Aplicando-se o vetor (3) na expressão (1), pode-se reescrever impondo-se que a expressão (4)
seja verdadeira
A 1986 A 2002
Setor A PA
( )(
A 1985
A 1985 ) … PA
( )(
A 2001
A 2001 )
… … … …
M 1986 M 2002
Setor M PM
( )
M 1985
( M 1985 ) … PM
( )
M 2001
( M 2001 )
A 1986 M 1986 A M 2002
Agregado P A
( )
A 1985
( A 1985 ) +…+P M
( )
M 1985
( A 2001 ( )
M 1985 ) … P A 2002 ( A 2001 ) +…+ P M
M 2001 ( )
( M 2001 )
(4)
Assim, garante-se que os índices de volume dos setores garantem sua proporção ao longo dos
anos e sejam adequadas a ambos os estudos.
173
0,53 60,00
0,52 50,00
0,51 40,00
0,50 30,00
0,49 20,00
0,48 10,00
0,47 -
1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007
0,76 10,00
0,66 8,00
0,56 6,00
0,46 4,00
0,36 2,00
0,26 -
1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007
175
0,73 5,00
0,71 4,00
0,69 3,00
0,67 2,00
0,65 1,00
0,63 -
1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007
0,54 1,00
0,52 0,80
0,50 0,60
0,48 0,40
0,46 0,20
0,44 -
1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007
0,85 2,00
0,83 1,50
0,81 1,00
0,79 0,50
0,77 -
1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007
176
0,76 5,00
0,74 4,00
0,72 3,00
0,70 2,00
0,68 1,00
0,66 -
1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007
0,85 2,50
0,79 2,00
0,73 1,50
0,67 1,00
0,61 0,50
0,55 -
1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007
177
0,64 1,20
0,62 1,00
0,60 0,80
0,58 0,60
0,56 0,40
0,54 0,20
0,52 -
1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007
0,50 5,00
0,46 4,00
0,42 3,00
0,38 2,00
0,34 1,00
0,30 -
1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007
0,30
0,25
0,20
0,15
0,10
0,05
-
1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007
178
0,62 1,20
0,60 1,00
0,58 0,80
0,56 0,60
0,54 0,40
0,52 0,20
0,50 -
1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007
Anexo IV – Proporção de Valor Adicionado agregado por setor no Espírito Santo em períodos escolhidos (1985 a 2009)
Saúde e educação
mercantis
Serviçosdomésticos
0,44%
Transportes e
armazenagem 1985-1990
1,91% 7,22% Agropecuária
14,64%
Outrosserviços
coletivos, sociais e
pessoais
Intermediação 0,69%
financeira
Construção
6,40%
Comunicações 6,62%
0,57%
Atividades imobiliárias,
Administração pública, Indústria extrativa
aluguéis e serviços
defesae seguridade mineral
prestados às empresas Alojamento e
alimentação social 5,45%
10,15%
1,69% 12,50%
180
Comércio e reparação
de veículose objetos
pessoais Indústria de
11,08% transformação
18,51%
Administração
pública, defesae
Atividades imobiliárias, seguridade social Indústria extrativa
aluguéis e serviços 13,62% mineral
prestados às empresas Alojamento e 6,91%
11,86% alimentação
1,68%
Serviçosdomésticos 2006-2009
0,96% Transportes e
armazenagem Agropecuária
Saúde e educação 8,10% 7,42%
Outrosserviços
mercantis Construção
coletivos, sociais
2,20% 7,04%
e pessoais
1,86% Eletricidade, gás
Intermediação e água
financeira 0,69%
4,37%
Comunicações Indústria de
3,39% transformação
17,57%
Comércio e reparação
de veículose objetos
pessoais
11,47% Indústria extrativa
mineral
9,20%
Atividades imobiliárias,
Administração
aluguéis e serviços
pública, defesae
prestados às empresas Alojamento e
alimentação seguridade social
11,79%
1,69% 12,27%
Resumo
Do ponto de vista histórico, especialmente a partir da década de setenta com a ocorrência de movimentos
sociais mundiais pelo mundo, a cultura da sociedade também foi sendo alterada. O gênero feminino
passou a conquistar maiores espaços no mercado de trabalho e, consequentemente, aumentando o seu
nível de instrução, bem estar e escolaridade. No entanto, ainda sofrem com a desigualdade salarial e por
serem minoria em cargos que exigem maior grau de instrução. Nestes termos, o presente artigo busca
analisar por que mesmo com tantos avanços no âmbito econômico e social este fenômeno persiste no
capitalismo contemporâneo. Além disso, este trabalho analisou a relevância da participação feminina no
mercado de trabalho, sobretudo a sua representação econômica do ponto de vista do capitalismo
contemporâneo. Para realização desse trabalho foi utilizado o método descritivo-exploratório, utilizando
dados secundários do IBGE. Percebeu-se, portanto, que a partir de uma ação conjunta entre o Estado e a
sociedade civil organizada pode-se alcançar resultados positivos.
Abstract
From the historical point of view, especially since the seventies with the occurrence of worldwide social
movements around the world, the culture of society has also been changed. The female gender has gained
more space in the labor market and, consequently, increasing its level of education, well-being and
schooling. However, they still suffer from the inequality of wages and from being a minority in positions
that require a greater degree of education. In these terms, the present article seeks to analyze why even
with so many advances in the economic and social sphere this phenomenon persists in contemporary
capitalism. In addition, this study analyzed the relevance of female participation in the labor market,
especially its economic representation from the point of view of contemporary capitalism. For this work,
the descriptive-exploratory method was used, using secondary IBGE data. It has been realized, therefore,
that from a joint action between the State and organized civil society one can achieve positive results.
1
Artigo apresentado em 30/10/2018. Aprovado em 20/12/2018.
2
Mestranda em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local da Amazônia pelo PPGEDAM (UFPA).
Especialista em Desenvolvimento de Áreas Amazônicas pelo FIPAM-NAEA (UFPA). Economista pela Faculdade de
Economia - FACECON (UFPA). E-mail: alanah.aires@gmail.com.
3
Doutor em Desenvolvimento Econômico e Pós-Doutor em Economia pelo Instituto de Economia (IE) da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor-Pesquisador da Faculdade de Economia (FACECON) e
do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local da Amazônia
(PPGEDAM ) da UFPA e Professor-Visitante do IE-UNICAMP. E-mail: andrecc83@gmail.com.
182
1. INTRODUÇÃO
4
Segundo dados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Pesquisa Nacional por
Amostras de Domicílio (PNAD) e Ministério do Trabalho Emprego e Renda (MTb), na Região Metropolitana de
Belém, de 2005 a 2015, a participação feminina no mercado de trabalho foi extremamente pequena, uma vez que os
homens, ainda, constituem a maior parcela de participação neste sentido e as mulheres constituem a maior parte da
população desocupada.
183
Por outro lado, os resultados empíricos de Mendonça et. al (1995), embora tenham
incluído outros determinantes da desigualdade de renda no Brasil, enfatizam o papel do capital
humano nesse processo, remetendo a discussão sobre a desigualdade de renda para a oferta de
trabalho.
184
Desse modo, a hipótese em questão será discutida para posteriormente obter uma
conclusão objetivando dirimir e viabilizar se estas possibilidades ocorrem na sociedade
contemporânea e como podemos conduzi-la para assim amenizar ou até mesmo erradicar
conflitos em diversos setores da economia ocasionados por esta questão.
Na discussão histórico-teórica, de que trata o capítulo 1, já é possível perceber que o
avanço da industrialização modificou a estrutura produtiva. Concomitantemente a continuidade
do processo de urbanização também proporcionaram aumento com relação as probabilidades
das mulheres encontrarem postos de trabalho dentro da sociedade.
Existem diversas teorias debatidas na literatura no sentido de elucidar as
desigualdades de gênero existentes no contexto laboral. Segundo Abramo (2007, p.56), “tais
teorias podem ser divididas basicamente em três grupos: neoclássica, segmentação de mercado e
teoria de gênero/feminista”. A teoria neoclássica destaca principalmente as características
voltadas à educação e à experiência, isto é, o capital humano e sua representatividade no
mercado de trabalho (TOHARIA, 1999).
Stuart Mill foi um dos poucos economistas que no Século XIX já reconhecia o direito
das mulheres para independência profissional e social. Segundo Mill (1983, p. 260):
Segundo conceito da teoria neoclássica, a mulher que pensa e age de maneira racional
seria aquela que procura cargos com salários iniciais mais altos e com retornos em termos de
experiência de mercado mais baixos, tendo em vista que, por vezes, necessita trabalhar em
períodos parciais devido às suas ocupações familiares.
Por outro lado os autores marxistas, afirmavam que ao examinar a natureza de gênero
do capitalismo, evidenciam-se situações de desigualdade em relação às mulheres. Engels
enfatizou o significado da exclusão das mulheres da economia de mercado como causa de sua
subordinação no capitalismo: “Já podemos ver a partir disto que emancipar a mulher e fazer
dela igual ao homem é e permanece sendo uma impossibilidade enquanto as mulheres ficarem
fora do trabalho social produtivo” (ENGELS, 1972, p. 221).
Para responder o questionamento e coordenar a hipótese levantada para este trabalho,
a metodologia do estudo buscou o maior número possível de informações sobre a temática
utilizando a técnica de pesquisa do tipo qualitativa, que tem como finalidade ampliar as
informações sobre o assunto em questão através de livros, artigos de periódicos e outras
referências importantes. De acordo com Da Silva e Menezes (2005, p. 20):
Do ponto de vista histórico, é preciso entender que a divisão das funções entre o
gênero masculino e o gênero feminino surgiu nas sociedades primitivas, onde as atividades
executadas “fora do lar” – como a caça ou a pesca – foram exclusivamente dos indivíduos
masculinos, já as atividades domésticas foram, majoritariamente, destinadas às mulheres.
No período da Revolução Industrial, por exemplo, as mulheres ocuparam posições em
que recebiam salários baixos (e, muitas vezes, quase nada). No século XX, além do surgimento
das Leis Trabalhistas e da ocorrência da 2ª Guerra Mundial, surgiram fatores que impulsionaram
a participação feminina no mercado de trabalho capitalista.
Pelegrini et al. (2010) cita, como exemplo, as mudanças denominadas
comportamentais, tais como: a diminuição do número de filhos e a expansão da escolaridade,
fruto dos diversos movimentos feministas que colaboraram para a que a mulher continuasse no
mercado de trabalho nas décadas posteriores a estes acontecimentos.
Percebe-se que a entrada da mulher no mercado de trabalho foi capaz de representar a
emancipação feminina em diversas áreas. Neste contexto, havia uma determinação imposta pelo
sistema capitalista – que perdura até hoje – de que os homens deveriam ser considerados os
provedores da família e as mulheres organizadoras do lar. Com o advento do Estado Moderno
são modificadas as relações sociais.
Desta forma, também, são alteradas as relações de gênero, sobretudo a posição da
mulher na sociedade, tornando fundamental compreendê-la. Por outro lado, uma relação de
igualdade substancial no espaço reprodutivo e no espaço produtivo não seria do interesse e nem
faria parte da lógica do capital, que no máximo “permitiria” uma relação de igualdade formal.
186
social – porém, ao mesmo tempo, expôs as contradições oriundas da necessidade de entrada das
mulheres da classe trabalhadora no mercado formal de trabalho com seus afazeres domésticos.
Na comparação com janeiro de 2003, as diferenças entre esses indicadores foram de,
respectivamente, 0,4 ponto percentual para a PIA, 1,7 ponto percentual para a PEA, assim como
para a PO e 4,9 pontos percentuais para a PD. Além disso, de acordo com dados do IBGE, ano
2011, juntamente com a Secretaria de Políticas para as Mulheres e o Ministério do
Desenvolvimento Agrário, que fez uso dos dados do Censo de 2010, comparados com o ano de
2000, a participação das mulheres com idade ativa (16 anos ou mais) no mercado de trabalho
aumentou 50% (2000) para 55%, enquanto a participação dos homens reduziu de 80% para
76%.
Isto significa que existe um contingente potencial de mulheres que pode ingressar no mercado
de trabalho e continuar responsável pelo futuro da formação da força de trabalho do País.
No século XIX, com a consolidação do sistema capitalista, diversas mudanças
ocorreram na produção e na organização do trabalho feminino. Com o desenvolvimento
tecnológico e o intenso crescimento da maquinaria, boa parte da mão-de-obra feminina foi
transferida para as fábricas. Nas palavras de Probst (2003, p. 43), “as mulheres deixaram de ser
apenas uma parte da família para se tornarem parte de uma empresa”.
Desde 1932 existem aparatos legislativos capazes de beneficiar o gênero feminino. O
artigo 113, inciso I da Constituição Federal de 1932, deixa explícito que todos são iguais
perante a lei, afinal, não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo,
raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias
políticas.
Ainda sim, com essa conquista, algumas formas de exploração perduraram durante
muito tempo. No passado, jornadas de trabalho extenuantes, entre 14 e 18 horas, com diferenças
salariais acentuadas eram comuns. A justificativa desse ato estava centrada no fato de o homem
trabalhar para sustentar a figura feminina, ou seja, não havia necessidade do gênero feminino
auferir um salário equivalente ou superior ao gênero masculino.
Atualmente, entretanto, as mulheres exercem cargos inferiores aos dos homens e
recebem salários igualmente inferiores, mesmo quando se ocupam de cargos iguais, o salário
das mesmas acaba por ser inferior. Apesar de estar consagrado que homens e mulheres devem
obter as mesmas remunerações no desempenho da mesma função, o que acontece é que o difícil
acesso feminino a cargos de topo, com salários mais elevados leva a que se possam observar
diferenças claras na distribuição do rendimento, como constatam Mendonça et al. (2011).
Ainda segundo Mendonça et al. (2011), a segregação ocupacional define-se pelo modo
como os homens e as mulheres são distribuídos pelos diferentes tipos de emprego (Indústria,
Construção, Comércio, Serviços Prestados para Empresas, Administração Pública, Serviços
Domésticos e Outros Serviços). A verdade é que ao gênero feminino cabe o desempenho de
funções onde a força física não seja exigida, onde o poder da sedução possa ser usado, e onde os
seus cuidados possam ser aplicados.
Posto isto, no mercado de trabalho o desempenho das mulheres é mais evidente nas
áreas dos serviços e educação. De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED, 2011) e da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS, 2011) do
Ministério do Trabalho e Emprego, a participação da mulher no mercado de trabalho tem sido
crescente nos últimos anos. Os registros da RAIS em 2011, revelaram que o nível de emprego
com carteira assinada para as mulheres cresceu 5,93%, em relação ao ano anterior.
Pela RAIS (2010), o estoque de empregos femininos no Brasil era de 18,3 milhões de
postos de trabalho, e em 2011 esse estoque alcançou 19,4 milhões, um crescimento de 5,93%. O
estoque de empregos masculino cresceu no período, 4,49% passando de 25,7 milhões de postos
em 2010 para 26,9 em 2011. Outros fatores importantes contribuíram para o aumento da
participação da mulher no mercado de trabalho, no Brasil: a queda da taxa de fecundidade e o
aumento no nível de instrução da população feminina. Segundo Probst (2003, p. 06):
A taxa de natalidade no Brasil, em 1950 era de 6,2 filhos por mulher; a
redução da fecundidade ocorreu com mais intensidade nas décadas de
70 e 80 que baixou para 4,7; em 1990 caiu para 2, 6; em 2010 caiu
190
para 1,8 por mulher. Acredita-se, assim, que com menor número de
filhos as mulheres possam conciliar melhor o papel de mãe e
trabalhadora, desenvolvendo melhor as novas funções que o mercado
de trabalho lhes oferece; 2) O aumento no nível de instrução feminino
foi outro fator importante que contribuiu para a maior participação da
mulher no mercado de trabalho.
(limpeza, culinária, cuidar dos filhos etc.), as mulheres gastam mais que o dobro: 24,5 horas por
semana.
Os chamados padrões de gênero assimétricos têm implicações importantes não
somente para as mulheres, mas para toda a economia nacional. Em média, mulheres brasileiras
ganham 20% a menos do que os homens. De fato, como apontam algumas pessoas, uma parte
dessa diferença é explicada por uma série de características diferentes entre homens e mulheres.
Por exemplo: há um número menor do perfil feminino em profissões que em geral pagam mais
(como engenharia ou ciência e tecnologia), e essas diferenças nas escolhas profissionais médias
entre homens e mulheres contribuem para explicar as diferenças salariais entre os grupos.
Em 2013, um estudo realizado pela Fundação de Economia e Estatística do Rio
Grande do Sul concluiu (a partir de dados do PNAD) que as diferenças de educação, idade,
experiência, sindicalização, horas trabalhadas, geografia e características da indústria onde as
pessoas trabalham podem explicar cerca de 2/3 das diferenças salariais entre homens e
mulheres, ou seja, mesmo depois de consideradas basicamente todas as características que
podem, em teoria, influenciar seu salário, ainda persiste 1/3 da diferença salarial entre homens e
mulheres.
A influência mais direta das desigualdades de gênero sobre a economia é refletida na
menor participação feminina na força de trabalho. Com menos trabalhadores produzindo, há
menor especialização econômica, subutilização de talentos na sociedade, menor crescimento e
menos prosperidade.
Ademais, como as mulheres tendem a ter mais anos de educação em relação aos
homens, constituir um número menor de empreendedoras femininas reduz também a inovação
da economia. Embora na grande maioria dos países mulheres tenham uma participação da força
de trabalho proporcionalmente menor que a dos homens, esse efeito é mais acentuado em países
de renda média – como é o caso do Brasil.
Em países muito pobres, mulheres não têm opção senão acumular as tarefas
domésticas com um trabalho externo para garantir a subsistência de sua família. À medida que a
sociedade enriquece, mulheres passam a poder ficar em casa com os filhos, enquanto a renda do
outro cônjuge sustenta o lar.
Finalmente, quando um país acumula suficiente capital humano e amplia serviços
especializados – como creches, por exemplo -, mulheres podem voltar à força de trabalho e
contribuir para o crescimento econômico.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com a pesquisa, por meio dos dados secundários da PME (IBGE, 2014), a
participação das mulheres na população ocupada teve elevação significativa, nas capitais
analisadas, quando comparamos o ano de 2003 com 2014.
O estudo desenvolvido confirmou a hipótese, por meio da análise da PME
desenvolvida pelo IBGE, ou seja, a de que as desigualdades em torno do gênero feminino
representam, de fato, uma realidade extremamente prejudicial dentro capitalismo
contemporâneo. Além disso, tais diferenças são ocasionadas por uma herança cultural machista
e também pela entrada tardia das mulheres no mercado de trabalho.
194
A busca por igualdade, somente a partir das décadas de 1960 e 1970, contribuiu para
acentuar a desigualdade salarial existente no mundo contemporâneo, uma vez que isto ocorreu
de forma tardia quando comparamos ao homem. O gênero feminino ainda perde espaço em
determinadas empresas por estas acreditarem que terão algum tipo de prejuízo em suas
atividades por este gênero não apresentar ou pouco apresentar disponibilidade no trabalho em
função da casa ou família.
De maneira geral, no período em analisado, em todos os grupamentos de atividade
foram registrados ganhos no poder de compra do rendimento do trabalho. Em termos
percentuais, os grupamentos com os maiores aumentos foram os que tinham os menores
rendimentos.
No entanto, apesar de tantos avanços no universo político, econômico e social, a
inserção feminina ainda é menor a nível mundial, porém ainda apresentam um crescimento
maior, ainda que gradativo, para as Regiões Metropolitanas analisadas.
Esse crescimento minucioso é consequência, por exemplo, da ineficiente aplicação dos
recursos públicos. De acordo com a diretora executiva da ONU Phumzile Mlambo-Ngcuka
(2016), os recursos públicos não estão indo para a direção onde são mais necessários: por
exemplo, para a construção de creches com qualidade e serviços essenciais com mão de obra
capacitada enquanto o perfil feminino neste período pudesse trabalhar consciente de que seu
filho estivesse recebendo tratamento adequado, ou seja, de boa qualidade. Onde não há serviços
públicos, o déficit recai principalmente sobre o gênero feminino.
As disparidades entre gêneros, no capitalismo contemporâneo, ainda encontra forças
na ausência de políticas econômicas e sociais, uma vez que tais políticas precisam ser
implementadas em conjunto. Além disso, é necessária a geração de trabalho com maiores
mecanismos de proteção ao gênero feminino e a redução da disparidade salarial entre homens e
mulheres, o fortalecimento dos mecanismos de proteção social ao longo da vida, a redução e a
redistribuição do trabalho doméstico e o investimento em serviços sociais com foco nas
mulheres.
Este pouco avanço no mercado de trabalho ao longo dos anos é resultado também dos
menores salários recebidos por elas pelas mesmas funções desempenhadas pelos homens. O
relatório Progresso das Mulheres no Mundo 2015-2016: “Transformar as economias para
realizar os direitos”, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres, mostra
que no mundo, em média, os salários das mulheres ainda são inferiores aos dos homens na
mesma função.
Em linhas gerais, as mulheres continuam recebendo em todo o mundo um salário
diferente pelo mesmo tipo de trabalho, o que resulta em grandes desigualdades em termos de
recursos recebidos ao longo da vida (ONU, 2016). O estudo ratifica ainda mais a hipótese
levantada no trabalho, pois segundo o Relatório da ONU ainda em 2010, metade das mulheres
com idade para trabalhar constituíam parte da população ativa.
No caso dos homens, o índice é superior. A pesquisa revela que, em todas as regiões,
as mulheres realizam quase duas vezes e meia mais trabalho doméstico e de cuidados de outras
pessoas não remunerados quando comparado com os homens. Nestes termos, a partir de uma
ação conjunta entre Estado e Sociedade, com ações de políticas públicas eficientes que
garantam de forma efetiva os direitos fundamentais, pode-se mudar o quadro atual e garantir
maiores conquistas para o gênero feminino, dando-lhes maiores e melhores condições de
trabalho. Isto refletirá de forma positiva na sociedade como um todo.
Portanto, além de gerar uma conscientização na sociedade de maneira geral em
relação a essa inserção feminina, a partir de novas condutas em relação a este comportamento, a
melhor forma de impulsionar este processo e mudar o cenário atual (apesar de muitos avanços)
é incentivar, tanto o setor privado como o público, a adotarem práticas de igualdade de gênero.
A partir disso, estes setores passarão a perceber a importância que tais igualdades apresentam e
de que forma isto atingirá a economia positivamente e contribuirá para o desenvolvimento de
cada região e, consequentemente, do país.
195
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Sexos, Desenvolvimento e Paz no Século XXI”, Nova Iorque, 5-9 de Junho.
Resumo
O artigo sugere que o Estado tem um papel fundamental, por meio do investimento público, para a
retomada do crescimento e desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Para isso, a experiência do New
Deal, durante a administração do governo Franklin D. Roosevelt, seria uma boa fonte de inspiração para a
elaboração de um projeto nacional de desenvolvimento para o país. A historiografia econômica
geralmente classifica o governo Roosevelt como um governo que antecipou de forma prática muito da
teoria desenvolvida pelo economista inglês, John Maynard Keynes. No seu governo avançou o uso da
política fiscal como instrumento para redistribuir renda e estimular a demanda agregada, sendo um
contraponto ao liberalismo econômico na época. Mas também se preocupou em aumentar a oferta por
meio de investimentos estatais e estímulos ao investimento do setor privado. Desse modo, via a ação do
Estado como imprescindível para a retomada do crescimento diante da fragilidade que o país se
encontrava após a crise da quebra da bolsa de 1929. O artigo propõe a tese de que o Brasil necessita de
um novo New Deal, retomando, mesclando e atualizando o programa econômico adotado no inicio do
século XX. Portanto, há a necessidade do país adotar um novo pacto nacional-desenvolvimentista dentro
do contexto de mundialização do capital e de globalização da informação. Assim sendo, o artigo defende
um resgate histórico do Programa Econômico e Social implementado nos EUA na década de 1930,
todavia, adaptando a realidade brasileira do século XXI.
Abstract
The article suggests that the State plays a fundamental role, through public investment, for the resumption
of growth and socioeconomic development in Brazil. To this end, the experience of the New Deal during
the administration of the Franklin D. Roosevelt administration would be a good source of inspiration for
the development of a national development project for the country. Economic historiography generally
classifies the Roosevelt government as a government that practically anticipated much of the theory
developed by the English economist, John Maynard Keynes. In his government he advanced the use of
fiscal policy as a tool to redistribute income and stimulate aggregate demand, being a counterpoint to
economic liberalism at the time. But it has also been concerned with increasing supply through state
investment and stimulus to private sector investment. In this way, he saw the State's action as essential for
the resumption of growth in the face of the fragility that the country found after the crisis of the stock
market crash of 1929. The article proposes the thesis that Brazil needs a new New Deal, merging and
updating the economic program adopted at the beginning of the 20th century. Therefore, the country
needs to adopt a new national-developmental pact within the context of the globalization of capital and
the globalization of information. Thus, the article advocates a historical rescue of the Economic and
Social Program implemented in the US in the 1930s, however, adapting the Brazilian reality of the 21st
century.s.
1
Artigo apresentado em 11/09/2018. Aprovado em 30/10/2018. O autor agradece a colaboração do bolsista Luís
Gustavo Nunes (PIBIC-EM/IFFRS/CNPq) e dos estudantes Paola Gonçalves e Klaus Schuch, isentando-os das falhas
remanescentes.
2
Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Doutor em Economia do Desenvolvimento pela
UFRGS. E-mail: cassio.moreira@poa.ifrs.edu.br. Site: www.cassiomoreira.com.br.
200
Introdução
Diante do exposto, o objetivo geral desse artigo pode ser expresso com a seguinte
pergunta: cabe ao Estado ser o motor do desenvolvimento econômico brasileiro? Muito se
debate, atualmente, sobre o papel do Estado. Desde uns mais radicais que pregam um estado
mínimo, desde outros que salientam que o estado deve participar de atividades econômicas.
Nesse artigo adota-se a perspectiva que o Estado é o principal agente a promover o crescimento
e desenvolvimento socioeconômico.
O Estado, com o objetivo de atingir essas duas metas, além das suas três funções
clássicas: distributiva, alocativa e reguladora – deve atuar como articulador e fomentador da
inovação tecnológica e na manutenção do pleno emprego; vitais na era do conhecimento para o
desenvolvimento econômico. Portanto, além de criar um ambiente propicio a investimentos
privados, caberia ao estado ter como meta à preservação do pleno emprego e a manutenção do
crescimento econômico. Conforme Galbraith, “na economia moderna a produção é agora mais
necessária pelos empregos que oferece do que pelos bens e serviços que proporciona". Por isso,
os estados nacionais, principalmente em países subdesenvolvidos ou em vias de
desenvolvimento, devem sair do debate entre estado máximo ou mínimo, e sim, um estado forte
201
O artigo está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. Na seção 2, traz um
histórico de planejamento econômico no país de 1930 até 2014. Na seção 3, apontam-se as
principais ações do governo Roosevelt (1932 – 1944), consubstanciadas pelo New Deal. Na
seção 4, são apresentadas algumas propostas para o Brasil inspiradas no programa econômico
adotado pós-1929 nos EUA. Por fim, na seção 5, são apresentadas as considerações finais ao
texto.
No Brasil, algumas ações que visavam organizar a economia datam da década de 1940 3.
Podemos citar o relatório Simonsen (1944-45), os diagnósticos da Missão Cooke (1942-43), da
Missão Abbink (1948), da Comissão Mista Brasil-EUA (1951-53) e no Plano Salte (1946).
Entretanto, com exceção desse último, não podem ser considerados planos que visassem
implementar a sistematização do planejamento na economia brasileira. Eram mais medidas
medidas setoriais. A primeira experiência mais complexa de planejamento econômico vai
acontecer no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), com o Plano de Metas.
O Plano SALTE, em 1950, que era referente à saúde, alimentação, transporte e energia,
inseriu linhas especiais de crédito para o setor privado. Ele continha o esboço do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico, que veio a ser criado no segundo governo Vargas,
em 1952.
teve forte intervenção estatal na economia. Durante este governo, por meio do Plano de Metas,
a economia brasileira deu um salto em matéria de crescimento econômico e infraestrutura Esse
crescimento acelerado ocasionou, em um segundo momento, forte reversão da situação
econômica com queda nos investimentos e na taxa de crescimento da renda, assim como
aceleração da inflação, causando fortes desequilíbrios na economia brasileira. Com o governo
Juscelino Kubistchek, por meio do Plano de Metas, a expansão da indústria em vários setores
apresentou um crescimento considerável. Entretanto, havia ainda a necessidade da promoção de
tecnologia e na elevação da produção de máquinas e equipamentos. Ademais, o crescente
volume das importações, aliado à deterioração dos termos de troca relativa aos produtos
exportados, trazia a necessidade crescente de divisas para sustentar o processo de
desenvolvimento do país e o serviço da dívida externa.
Durante o governo João Goulart, o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico Social,
elaborado pelo então ministro do Planejamento, Celso Furtado, foi uma tentativa de combater a
inflação no curto prazo e, no longo prazo, promover o crescimento sustentável e reestruturar a
economia de forma a permitir o desenvolvimento econômico. Essa mudança se daria por meio
das reformas de base, que consistiam em reformas no comércio exterior e na limitação da
atuação das empresas estrangeiras, assim como na estrutura agrária, uma reforma universitária e
o aperfeiçoamento da legislação social (expandindo a legislação para o campo) e da legislação
política (com a extensão do voto aos analfabetos). A diminuição da dependência externa seria
por meio da industrialização, da renegociação da dívida externa e das reformas de base, embora
algumas medidas mais ortodoxas como contenção do investimento público e do salário real
seriam realizadas no curto prazo nesse período de transição.
Esse plano visava aliar estabilidade monetária com crescimento econômico e propunha
algumas reformas de base como fundamentais para a execução de suas metas. Foi o primeiro
plano a coordenar os objetivos macroeconômicos com setoriais, tendo objetivos de curto e
longo prazo. Estabeleceu políticas fiscais, monetárias e cambiais, a fim de garantir a presença
do Estado na economia e, desse modo, controlar e direcionar investimento governamental de
forma a fomentar o investimento privado a seguir as metas indicativas do programa econômico.
público; criação do CMN e do BACEN: CMN- órgão normativo da política monetária, BACEN
- órgão executor da política monetária, fiscalizador do sistema financeiro; reforma do sistema
financeiro e do mercado de capitais baseado no modelo financeiro norte-americano
caracterizado pela especialização e segmentação do mercado. A terceira, foi uma “Reforma
Urbana” por meio da criação do SFH (Sistema Financeiro da Habitação) e do BNH (Banco
Nacional da Habitação). A quarta uma Reforma do Setor Externo, tendo como objetivos
estimular o crescimento evitando as pressões sobre o Balanço de Pagamentos; melhorar o
comércio externo e atrair o capital estrangeiro; incentivos fiscais e modernização dos órgãos
ligados ao comércio internacional (CACEX e CPA); eliminar os limites quantitativos;
unificação do sistema cambial e adoção do sistema de minidesvalorizações (1968); e atração do
capital estrangeiro por meio da revogação da lei que limitava a remessa de lucros assinada no
governo Goulart e a renegociação da dívida externa e um acordo de garantias para o capital
estrangeiro. (MOREIRA, 2014).
O PAEG trouxe resultados que ocasionou alguns conflitos econômicos. Em 1967 foi
elaborado o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (1967/76), que formulou
um modelo de crescimento econômico com o objetivo de aliar crescimento, estabilidade e
equilíbrio das contas externas. Mas esse plano nunca acabou saindo do papel. O que foi
elaborado e parcialmente executado foi o Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED),
formulado para o período de 1968-1970, onde tentou programar investimentos em áreas
estratégicas, incentivando um conjunto de instrumentos financeiros para o setor privado.
Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) foi o nome dado aos dois planos
econômicos, de números I e II, referentes respectivamente aos períodos 1972-1974 e 1975-
1979. O I PND tinha um foco no setor privado e capital estrangeiro. Nesse período foi criado o
Programa de Promoção de Grandes Empreendimentos Nacionais que convocava o empresariado
brasileiro a participar de setores estratégicos do desenvolvimento. Visava articular a interação
das empresas privadas nacionais, multinacionais e estatais. Muitas das suas metas não foram
alcançadas pelo setor privado nacional o que fez com que a participação do estado na
econômica aumentasse. O II PND, lançado no governo de Ernesto Geisel, eleito por via indireta
em 15 de janeiro de 1974, foi marcado por duas ações principais. A primeira, no âmbito
político, consistiu no processo de distensão, que, embora devesse ser lenta e gradual, encontrou
resistência em segmentos das forças armadas. A segunda foi um audacioso plano de
investimentos, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), aprovado pela Lei n°. 6.151,
de 1974.
A equipe econômica era chefiada pelo ministro Mário Henrique Simonsen, da Fazenda, e
por João Paulo dos Reis Velloso, do Planejamento, a quem coube liderar a elaboração do plano.
Este, embora estabelecesse metas de desempenho esperadas, pouco menciona sobre as fontes de
recursos para viabilizá-las, possivelmente devido às dificuldades visíveis da conjuntura.
As áreas prioritárias dos investimentos do II PND foram: (a) insumos básicos: metais
não-ferrosos, exploração de minérios, petroquímica, fertilizantes e defensivos agrícolas, papel e
celulose; (b) infraestrutura e energia: ampliação da prospecção e produção de petróleo, energia
nuclear, ampliação da capacidade hidrelétrica (Itaipu) e substituição dos derivados de petróleo
por energia elétrica e pelo álcool (Pró-Álcool), expansão das ferrovias e a utilização de carvão;
(c) bens de capital: mediante garantias de demanda, incentivos fiscais e creditícios, reservas de
mercado (lei de informática) e política de preços. Os investimentos estatais adquiriram inclusive
uma dimensão regional, com a distribuição espacial dos principais projetos (Almeida, 2004, p.
23). Além disso, Batista (1987) assinala como ponto a favor do plano sua determinação em
avançar o processo de industrialização no Brasil por meio da implantação de um programa de
substituição de importações no setor energético e de expansão da capacidade de produção de
bens intermediários, incluindo a implantação de indústrias de tecnologia naval, equipamento
ferroviário, aeronáutica, petroquímica e farmacêutica. Assim como no governo Goulart, o papel
das empresas estatais seria fundamental, pois seriam os agentes impulsionadores do capital
nacional e da indústria de bens de capital.
Mesmo essa estrutura (“tripé”) estando centrada na participação das empresas estatais,
capital privado nacional e capital estrangeiro, não quer dizer que não existissem conflitos entre
os agentes, mas mesmo que houvesse conflitos, não significaria que essa base de sustentação
poderia vir a chegar ao fim (FARO, 2010). De fato, com o desenvolvimento do plano, a
participação do estado começou a se elevar e percebia-se uma intenção do governo por priorizar
o capital privado nacional em detrimento do estrangeiro. Continua Faro, que anteriormente ao II
PND, ocorria no Brasil desde a implantação do regime civil-militar, políticas adotadas que
favoreciam o capital privado estrangeiro em detrimento do capital privado nacional.
205
Conforme Contador (2006), se existisse uma participação maior das empresas estatais na
economia, poderia haver um risco de "estatização" econômica ou, se ocorresse uma participação
maior do capital externo, poderia haver um comprometimento da estratégia adotada. O que
demonstra a intenção dessa retomada nacional-desenvolvimentista com todas as restrições
externas e internas a isso.
O primeiro plano da nova republica foi o Plano Cruzado, elaborado para o período
vigente a partir de 1985, e visava corrigir o descontrole econômico que marcou o fim do regime
militar. Os objetivos do Plano Cruzado não fugiram àqueles perseguidos pelos planos e
programas anteriores, ou seja, conseguir vencer o combate à inflação mantendo os níveis de
206
produção e emprego. Nesse aspecto, criou-se o Plano Cruzado, tendo como ação principal o
congelamento preços e salários. Mas como o plano se preocupou apenas com aspectos inerciais
da inflação, negligenciando outras questões como de demanda e distributivas, o plano logrou
fracasso. Os Planos Bresser e Verão não passaram de meras correções e uso crescente de
medidas mais ortodoxas de combate a inflação que também não tiveram sucesso no combate a
inflação. Nesse período a grande prioridade nacional passou a ser a estabilidade monetária e
questões como crescimento, desenvolvimento e distribuição de renda passaram a ter um caráter
secundário frente ao grande problema hiperinflacionário brasileiro.
A década de 1990 inicio com o Brasil ingressando na política neoliberal dos governos
Collor e Fernando Henrique Cardoso e a ação estatal passou a ser vista cada vez mais como
prejudicial ao ambiente econômico. Nesse contexto que surgem os Planos Collor I e II. O
primeiro, caracterizou-se por uma brusca redução na oferta monetária. A drástica redução da
oferta monetária, acompanhada de gerenciamento liberal, resultou em efeitos negativos para a
economia, visto que o choque do confisco mergulhou a economia brasileira numa queda brusca
do PIB. Grande parte desses governos foram marcados por inexistência de planejamento de
médio e longo prazo. A maioria das medidas eram de curto prazo, e a crença cada vez maior no
livre mercado como propulsor do crescimento.
A partir de 1993, no governo Itamar Franco, foi criado o Plano Real. O objetivo maior
era acabar com a indexação da economia levando em conta o aprendizado com todos os erros
dos planos anteriores. O Programa de Estabilização Econômica (Plano Real) foi concebido e
implementado em três fases: a) estabelecimento do equilíbrio das contas do governo, com o
objetivo diminuir o déficit público; b) criação da Unidade Real de Valor: URV; e c) conversão
desse padrão de valor em uma nova moeda: o Real atrelado a uma valorização cambial que
depois passou a ser o principal elemento do plano.
Após uma “década perdida”, o Brasil voltou aos fluxos dos capitais internacionais no
início dos anos 1990. O Estado completamente endividado passa a ter um papel subserviente ao
capital estrangeiro e as reformas liberalizantes sobrevoam a América Latina e reformulavam o
papel do estado na economia. Iniciava-se a inserção do país num mundo cada vez mais
globalizado. As vitórias de Collor/Itamar e Fernando Henrique Cardoso (FHC) colaboraram
para o avanço de reformas liberais e combateram a inflação de forma a estabilizá-la a níveis
irrisórios a partir de 1994. O Brasil se inseria na globalização e os projetos desenvolvimentistas
perderiam espaços para o neoliberalismo sob o lastro do chamado Consenso de Washington.
Lopes (2012) afirma que se em 2003 e 2004 era adequado afirmar que o governo Lula
constituía a continuação do programa solidificado por Fernando Henrique, mas, com o aumento
da intervenção estatal e medidas anticíclicas consideráveis foram postas em ação pelo segundo
Governo Lula, não é mais possível igualar os dois regimentos. Mercadante (2010) sustenta o
argumento de que o Governo Lula poderá entrar para a história como um ponto de inflexão ao
promover a ruptura com programa neoliberal típico dos anos 1990, é o ressurgimento de temas
como desenvolvimento nacional, expresso principalmente no neologismo “novo
desenvolvimentismo”. A nova expressão indica que os eventos do presente têm algum elemento
em comum com o aquele momento (governo Vargas) importante da criação do Estado
capitalista brasileiro. Como ressaltado, é necessário hoje, fazer as mediações dessa nova
ideologia com suas contrapartidas na estrutura. Só assim será possível descobrir quais são as
forças políticas contemporâneas agindo sobre o estado brasileiro no presente. É importante
destacar, no entanto, que o formato das ações do governo em direção ao sustento da reprodução
de capital na economia brasileira está fortemente condicionado por circunstâncias internacionais
alheias ao poder de decisão dos brasileiros. Por isso, a análise da conjuntura nacional nunca
pode abstrair dos acontecimentos econômicos e políticos no exterior. E nesses contextos as
décadas de 1950, 1960 são bem diferentes da desse início do século XXI. Esses momentos
iniciais dos anos 2000 estavam condicionados por fatores internacionais bem mais semelhantes
aos dos anos 1990, o que camuflava os traços de ruptura que só se tornaram realmente visíveis a
partir de 2008. Nesse momento, quando analisamos o uso dos recursos sob controle do Estado,
é possível averiguar a mudança para um Estado que lembra aquele Estado desenvolvimentista
da década de 1960, como por exemplo, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) e sua função na crise 4. Outro exemplo mais recorrente é o PAC (Programa
de Aceleração do Crescimento), que nada mais é do que a parte mais exaltada do PPA (Plano
Plurianual) 2008-20115. Pode-se constatar, portanto, um aumento do controle econômico a
partir dos programas específicos de política fiscal para amainar a recessão.
4
Ver Coutinho (2009).
5
Ver Macedo (2011).
208
6
Ver Moreira (2014).
209
conceito de um projeto de longo prazo que lida com aspectos mais estruturais da produção e
repartição da renda.
Outra medida implementada pelo governo foi uma Reforma no Sistema Bancário e
Monetário. Por meio da modificação e criação de leis, passou a ter um maior controle e
fiscalização sobre o mercado financeiro. O grande objetivo era evitar fraudes financeiras,
especulações e diminuir os riscos de operação dos bancos.
O governo nos EUA também adotou uma política de controle de preços e produção
das empresas, e assim evitar um aumento de estoques das empresas que poderia gerar uma nova
crise. O plano procurava resolver isso por intermédio da fiscalização sobre os estoques da
210
empresas, para que eles não aumentassem a ponto de gerar riscos operacionais. Os preços das
mercadorias também foram controlados pelo governo, a fim de evitar o aumento da inflação. No
meio rural, o governo fez uma série de incentivos agrícolas, tais como subsídios, empréstimos e
outras medidas voltadas para o aumento da atividade agrícola das grandes propriedades e da
agricultura familiar. Buscava assim aumentar a produção de gêneros agrícolas, e por
consequência elevar o emprego no campo. Ademais, isso ajudava a diminuir o êxodo rural, que
estava gerando problemas sociais nos grandes centros urbanos.
Na área social, o governo Roosevelt adotou ações para diminuir os impactos da crise
de 1929. Foi criada a Previdência Social, o seguro desemprego, criação de um salário mínimo e
um seguro para idosos acima de 65 anos. Cabe frisar também que houve uma redução da
jornada de trabalho semanal com o objetivo de aumentar o número de empregados, pois desse
modo as empresas teriam que contratar mais funcionários. Conforme Schlesinger (1958) que o
coração do New Deal é o princípio da ação concertada na indústria e na agricultura sob a
supervisão do governo, visando a uma economia equilibrada, em oposição à doutrina assassina
do individualismo selvagem. Basicamente dois programas sintetizam o que foi o New Deal e a
expansão da participação dos investimento das estatais na economia. O primeiro, para a
indústria, chamado de National Recovery Administration (NRA) e o segundo, para agricultura,
de Agricultural Adjustment Administration (AAA). O NRA ajudou a implementar uma cultura
de solidariedade, por meio de ações entre empresários e trabalhadores na tentativa de mediar
exigências trabalhistas e conter práticas destrutivas de competição no meio industrial. O AAA
foi a maneira encontrada para controlar os preços em queda dos produtos agrícolas. O objetivo
era controlar a produção para conter o ciclo vicioso de preços baixos por meio de incentivos à
agricultores a produzir mais e, assim, conter a elevação de preços (PEIXOTO, 2016). Conforme
Limoncic e Martinho (2009), o grande objetivo desse programa era incentivar a redução da
produção através de subsídios governamentais, para que a oferta novamente se regulasse com a
demanda e os preços voltassem a subir.
Conforme os dois quadros abaixo, é possível mencionar que o New Deal pode ser
dividido em duas partes: o 1º New Deal (1932-1933) 7 e o 2º New Deal (1934-1935). Com
relação ao primeiro, as bandeiras foram: estímulo às obras públicas, redução da jornada de
trabalho e aumento do número de empregos (surgindo a ideia de pleno emprego), regulação do
mercado financeiro, defesa da subvenção/subsídios aos agricultores, cortes no funcionamento
público, pacote de ajuda ao sistema financeiro para recuperar a credibilidade bancária (o que
rendeu um controle pelo governo federal do poder bancário), entre outros. Com relação ao
segundo é possível falar do imposto de renda progressivo. Neste sentido, as camadas mais ricas
das população passaram a pagar muitos impostos. Buscou-se fazer a seguridade chegar a todos,
por meio da assinatura da Lei da Seguridade Social, que assistia os trabalhadores com uma série
de recursos, como seguro desemprego, salário mínimo, aposentadoria e o mínimo de
estabilidade. Além disso, a política de Roosevelt fortaleceu também os sindicatos nas
negociações com o governo em prol dos trabalhadores (ALONSO, 2002).
A seguir serão apresentadas outras das principais medidas implementadas pelo New
Deal. Algumas de caráter temporário, ou seja até o fim da depressão econômica, outras de
cartater permanente mantidos por outros governos.
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Em 1932, Roosevelt foi governador do Estado de Nova York, sendo eleito presidente do EUA em 1933.
211
Permanente ou
Programação Promulgação Descrição
temporário
Public Buildings 1932 Permanente Concessão de subvenção para a construção de edifícios do governo
Administration federal
Public Roads 1932 Permanente Concessão de subvenção para a construção de rodovias publicas
Administration
Commodity Credit 1933 Permanente Concessão de empréstimos que garantissem pregos agrícolas
Corporation mínimos
Farm Credit 1933 Permanente Reorganizou e coordenou programas que ofereciam empréstimos a
Administration agricultores para sementes e hipotecas de fazendas
Permanente
Programa ou Ação Promulgação ou Descrição
Temporário
Federal 1934 Permanente Regulação da comunicação interestadual
Communications
Commision
Federal Housing Administration 1934 Permanente Seguro federal para hipotecas residenciais
Federal Savings and Loan Insurance 1934 Permanente Seguro federal de depósitos de poupança e
Corporation empréstimo
National Labor Relations Board 1935 Permanente Monitoramento e julgamento de disputas sobre
acordos de negociação coletiva
Resettlement 1935 Temporário Concessão de empréstimos e subsídios a
Administration agricultores para prestar socorro e garantir
melhores oportunidades na agricultura
Social Security Administration, Aid to 1935 Permanente Destinação de fundos estaduais e federais para
Dependent Children prover assistência a crianças órfãs
Social Security Administration, Aid to 1935 Permanente Assistência estadual e federal aos cegos
the Blind
Social Security Administration, Old- 1935 Permanente Fundos estaduais e federais de assistência a
Age Assistance idosos indigentes
Social Security Administration, Old- 1935 Permanente Pensões a trabalhadores aposentados
Age Pensions
Unemployment 1935 Permanente Fundos federais e estaduais de seguro para
Insurance beneficiar trabalhadores desempregados
Works Progress Administration (WPA) 1935 Temporário Subvenções para trabalhos temporários em
pequenos projetos públicos
U.S. Housing Administration 1937 Permanente Empréstimos para projetos habitacionais públicos
Fair Labor Standards Act 1938 Permanente Estabeleceu o salario mínimo nacional e
restrições de horas de trabalho para trabalhadores
envolvidos no comercio interestadual
Fonte: Fishback, 2006
213
Medidas emergenciais;
Transformações culturais;
Nova pactuação política entre o Estado e fatores sociais, uma espécie de trabalhismo
americano.
O New Deal pode ser considerado uma versão americana do que foi o trabalhismo no
Brasil com o governo Vargas. Houve um pacto entre Estado, trabalho organizado e capital,
semelhante com o Estado de Bem-Estar Social europeu. A divisão de tarefas desse pacto
estariam assim distribuídas: o Estado assumiria papéis keynesianos anticíclicos, de forma a
tornar-se um dos maiores compradores do setor privado e também um fornecedor de renda, por
meio de de sua função produtora empregando pessoas e, assim, elevar o consumo; o capital
repassaria ganhos de produtividade do trabalho aos salários, (sendo essa uma das principais
condições para garantir a estabilidade do sistema) e, por fim, os sindicatos aceitavam o sistema
capitalista (em crescente ameaça com o surgimento do socialismo), em troca de sua
incorporação ao mundo do consumo de massas. Tanto Keynes quanto Ford já haviam previsto
que a aceleração dos ganhos de pr