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RESUMO
Este artigo se propõe discutir sobre os caminhos teórico-metodológicos para a produção
historiográfica sobre a institucionalização da infância maranhense, no século XIX. Para tanto,
traçaremos alguns diálogos com os autores da Metodologia da Pesquisa em História da
Educação, como Le Goff (2003), Farge (2009), Bellotto (1979), Warde (1990), Bloch (2001),
que embasaram no aprofundamento de conceitos e de abordagens teóricas nas discussões
sobre História da Educação e a Investigação Documental. Pretende-se construir análises sobre
a trajetória inicial de uma pesquisa historiográfica, com abordagem na história cultural, no
Maranhão do século XIX, que investiga instituições de recolhimento infantil. Sabe-se que a
infância, durante o Império Brasileiro, era vista como um fardo social e que, para ela,
reservavam-se espaços de abrigamento, isolando-a do convívio. No contexto maranhense,
existiam casas, asilos e reformatórios, que atendiam as necessidades dessa sociedade, que via
na criança abandonada, um incômodo que devia ser contido, vigiado e disciplinado. Com o
resultado dessa análise, pretende-se identificar a importância dos arquivos, das fontes e das
interrogações documentais no trabalho do pesquisador, que fornecem subsídios para a
construção das interpretações sobre um tempo na história.
Palavras-chave: Metodologia. História. Instituições. Infância. Maranhão.
ABSTRACT
This article proposes to discuss the theoretical-methodological ways for the historiographical
production about the institutionalization of maranhense childhood, in the nineteenth century.
To this end, we will draw some dialogues with the authors of the Methodology of Research in
History of Education, such as Le Goff (2003), Farge (2009), Bellotto (1979), Warde (1990),
Bloch (2001), which were based on the deepening of concepts and theoretical approaches in
discussions about the History of Education and Documentary Research. It is intended to build
analyzes on the initial trajectory of a historiographical research, with an approach in cultural
history, in the 19th century Maranhão, which investigates institutions of child recollection. It
is known that childhood, during the Brazilian Empire, was seen as a social burden and that,
for her, shelter spaces were reserved, isolating it from conviviality. In the Maranhão context,
there were houses, nursing homes and reformatory homes that met the needs of this society,
which saw the abandoned child, a nuisance that had to be contained, watched and disciplined.
With the result of this analysis, we intend to identify the importance of archives, sources and
documentary interrogations in the researcher's work, which provide subsidies for the
construction of interpretations about a time in history.
1 INTRODUÇÃO
1
As instituições que recebiam as crianças enjeitadas se diferenciavam, de acordo com o tipo de abandono. Por
famílias legítimas, as crianças eram internadas em Casas de Recolhimento e recebiam formação para que
futuramente, se casassem ou trabalhassem. As crianças indigentes, eram internadas em asilos, e além dos maus
tratos, ficavam à espera de um futuro, prometido pelo Governo (um dote, um ofício, etc.). (MARCILIO,1998)
3
A pobreza foi motivo para que políticas públicas fossem organizadas para a
população, o que revelou o descaso dos governantes com os mais necessitados. “Essa
sociedade, estratificada discriminadamente em classes, ainda não pudera admitir a existência
de um hospital (...) o da Caridade; enfim, a socorrer os miseráveis.” (MEIRELES, 1994, p.
274) São Luís, com os seus 30.000 habitantes, já vivia sobre os reclames de uma sociedade
requintada, que absorvendo os costumes europeus, incomodava-se com os “deserdados da
sorte”.
Pensar, portanto, na família, na mulher, na criança e relacionar pobreza ao tempo
e aos discursos que impregnam ações assistencialistas de amparo, de estanque de um
problema higiênico é motivar uma busca pelo real significado da institucionalização na
história da assistência à infância. No Brasil e no Maranhão, até meados dos anos 1800,
vigorou a fase caritativa de assistência à criança pobre e abandonada que tinha como marca
principal o sentimento de “fraternidade humana, de conteúdo paternalista, sem pretensão a
mudanças sociais” (MARCÍLIO, 1998, p.134).
A Irmandade da Misericórdia 2, no Maranhão, como no resto do Brasil, foi uma
das instituições religiosas que assumiram a assistência a infância pobre. “Essas instituições
tinham a finalidade de atender crianças pobres e enjeitadas, e dar-lhes uma profissão e o
ensino das primeiras letras.” (CASTRO; CASTELLANOS, 2016, p. 224) Através do sistema
de Roda dos Expostos, instituída na cidade em 1827, a Irmandade passou a recolher crianças
enjeitadas da zona urbana de São Luís, incluindo os espaços das igrejas. Ali, as crianças eram
recebidas e entregues a amas de leite, que levavam a suas residências e cuidavam-nas até
completarem três anos de idade. Após esse tempo, elas voltavam para as casas de
recolhimento para receberem a educação, o batismo, a catequese e a viabilização da entrada
na sociedade.
Os meninos abandonados (sexo masculino) eram preparados para o trabalho,
desde pequenos, em lugares como as Casas de Educandos Artífices3, que eram instituições de
instrução primária, musical e religiosa, além do ensino de um ofício aos meninos de sete aos
quinze anos de idade. Essas Casas, juntamente com outras instituições, como as Companhias
de Aprendizes Marinheiros e as Companhias de Aprendizes dos Arsenais de Guerra,
constituíam um sistema educacional e assistencial que preparava os meninos desvalidos a
assumirem funções no Exército e na Marinha. A experiência da instrução técnica divergia da
2
Ela foi incumbida fundamentalmente de obras sociais, em particular na área de assistência à saúde. A Coroa
Portuguesa reconheceu as Santas Casas como instituição essencial no cuidado dos pobres, e no Maranhão, as
elites viram a oportunidade de adquirir status social, buscando participar das mesas administrativas da
Irmandade. (COE, 2012)
3
Às crianças excluídas eram reservados esses lugares de confinamento e controle dos corpos, numa proposta de
educação corretora e normativa, dirigida por médicos, padres, juízes e professores, e que se instalam nas
periferias das cidades. (CASTRO, CASTELLANOS, 2016)
4
experiência nos asilos femininos, onde as meninas não podiam conviver socialmente até o
casamento encomendado, pela instituição. (CASTRO, 2007)
Os registros que se tem dessa infância, em documentos pesquisados no Arquivo
Público do Estado do Maranhão como Mapas Estatísticos, Livros de despesas e receitas da
Casa de Expostos e Relatórios dos Mordomos, além de documentos oficiais como Atas de
Reunião das Mesas Administrativas da Irmandade e Relatórios da Província revelam o
impacto social do abandono e se os resultados dessa educação eram satisfatórios para os que
mantinham as instituições. Bellotto (1979, p. 135) nos aponta que, sem dúvida, “o documento
de arquivo, tradicional e consistente, ocupa um lugar de destaque no trabalho historiográfico”.
Nessa configuração, a educação das crianças maranhenses foi sistematizada, na
proposta assistencialista das Ordens Religiosas e que se estruturava em instituições com
características de clausura, pois, para proteger e educar era necessário “o rigor dos castigos, o
submetimento às ordens, o distanciamento da autoridade” (VARELA; ALVAREZ-URIA,
1992, p. 07).
(...) não há sociedade onde não existam narrativas maiores que se contam, se
repetem e se fazem variar, fórmulas, textos, conjuntos ritualizados de discursos que
se narram, conforme circunstâncias bem determinadas; coisas ditas uma vez e que se
conservam, porque nelas se imagina haver algo como um segredo ou uma riqueza.
(FOUCAULT, 2012, p. 22)
de São Luís. Instituições como as Casas de Expostos4, que eram anexas às igrejas, e faziam o
recolhimento de bebês abandonados através de um artefato de madeira colocado nos muros,
para que fossem depositados. Nos documentos pesquisados encontram-se ofícios dos
mordomos5 dessas casas, que organizavam a entrada e saída das crianças das casas, as
despesas com alimentação e processos de adoção. (MARQUES, 1970)
As fontes também revelavam o modelo educacional adotado para o ensino das
primeiras letras e de uma profissão às crianças recolhidas nessas instituições. Nas pesquisas
realizadas por Castro (2007, p. 43), a criação de instituições como a Casa de Educandos
Artífices foram iniciativas para a viabilização de proposta educacional para as crianças “como
uma forma de criar um corpo de reserva para o exército, o que levou inicialmente a uma
hesitação de pais e tutores em entregarem seus filhos e protegidos aos cuidados dos
governos”. Foram adquiridos mobiliários, tecidos e instrumentos para funcionamento das
oficinas e vestimenta das crianças matriculadas, mas que, “por falta de comodidades na casa,
nos três primeiros anos aprendiam os educandos diversos ofícios mecânicos em oficinas fora
do estabelecimento.” (MARQUES, 1970, p. 252)
As condições físicas das primeiras instituições infantis na Província, expressas
nos relatórios e nas falas dos seus diretores, apresentavam um caráter depredatório, o que
mostra o descaso do governo com a educação desses sujeitos. “Os territórios de confinamento
desses desvalidos da sorte, como formas de os governos provinciais manterem os exercícios
de poder e o disciplinamento, ocupam as periferias das cidades” (CASTRO,
CASTELLANOS, 2016, p. 15) A aprendizagem fora das Casas, para Marques (1970)
possibilitava o desenvolvimento de indisciplinas e desmoralizações dos educandos, o que
concorreu na montagem de oficinas em seu interior. Com o tempo, algumas dessas oficinas
foram fechadas, outras abertas, e ainda, umas se perpetuaram, como foram os casos das de
alfaiate, sapateiro, carpina, marceneiro e pedreiro6. Nos registros do autor, no início de suas
atividades profissionais, as Casas foram repugnadas pelas famílias na confiança à Província
da educação daquelas crianças, “que os queria acolher, educá-los e fazê-los cidadãos úteis”.
(MARQUES, 1970, p. 260). Mas que, com o reconhecimento do trabalho realizado na
formação dos educandos, eram tantos os pedidos de matrícula que muitos não eram atendidos.
4
Haviam também outras instituições de recolhimento, como as da Igreja de Nossa Senhora da Anunciação e
Remédios, no largo dos Amores (atual Praça Gonçalves Dias), destinada ao amparo das meninas desamparadas.
Lá recebiam instrução primária e “proteção de suas honras”. (MEIRELES, 1960, p. 269)
5
Os mordomos assumiam o papel de gestão das Casas de Recolhimento das crianças abandonadas e eram
escolhidos pelas Mesas Administrativas, compostas por representantes da sociedade, do governo e da Santa Casa
de Misericórdia. (MARQUES, 1970)
6
A partir de 1850, além dessas atividades profissionais, as aulas de Música ganharam ênfase por possibilitarem
às Casas angariar recursos e reconhecimento social, devido as apresentações que as crianças realizavam nos
espaços públicos e particulares. (CASTRO, 2007)
6
Francês e de Geografia, as Casas tiveram atenções especiais das províncias vizinhas, que
enviavam os educandos para aprenderem na realidade maranhense. Mas as despesas eram
grandes, o que fez com que muitas dessas aulas tivessem que ser interrompidas. (MARQUES,
1970)
Nessa transição, de assistencialismos a instrução primária, as fontes recontam o
ajustamento desses espaços ao modelo educacional importado da Europa e que influenciou o
Brasil império. No processo de análise, cabe ao pesquisador “distinguir as diversas
instituições que compõem um sistema político, as diversas crenças, práticas, emoções de que
é feita uma religião”. (BLOCH, 2001, p. 135) No desenrolar dos registros históricos e nas
revelações encontradas, o pesquisador se motiva a identificar “cada uma dessas peças” e
“caracterizar os traços”, que tendem a unir sentidos ou afastar as realidades. (BLOCH, idem)
Aqui, deve-se mencionar o trabalho laborioso do Arquivista, na organização de
instrumentos que ajudam na busca dos registros historiográficos, pois, segundo Bellotto
(1979, p. 136) são os instrumentos de pesquisa produzidos nos arquivos “obras que se
destinam a orientar os usuários nas diversas modalidades de abordagem a um acervo
documental”. O Arquivo Público do Maranhão possui dois arquivistas e disponibilizam aos
que pesquisam nesse espaço instrumentos como: o Guia, o Inventário e o Catálogo.
Se os profissionais de arquivo forem capazes de canalizar todos os novos meios de
informação armazenados em suas instituições para poder elaborar sofisticados
meios de busca, isto é, instrumentos de pesquisa que coloquem todo o potencial
documentário nas mãos do historiador estarão eles, realmente, permitindo novas
abordagens e interpretações. (BELLOTTO, 1979, p.146)
Nos percursos de uma pesquisa, nos defrontamos com certas dificuldades que
podem afetar a construção das interpretações como a falta de repertórios sobre a temática.
Entrecruzar fontes bibliográficas e documentais foi um caminho escolhido para estabelecer
relações de proximidade com o objeto em investigação. Pesquisar as instituições na história
da infância brasileira é estabelecer correlações com os materiais, tempos, espaços e modelos
pedagógicos que se apresentavam nos contextos educacionais. Nesse propósito, as pesquisas
sobre institucionalização infantil no Maranhão vêm preencher uma lacuna no campo da
história da educação, pois ainda são poucos os trabalhos sobre essa temática, no contexto do
século XIX.
4 Algumas considerações...
outros pesquisadores que investigam as ordens religiosas. A partir desses contatos, podemos
chegar a outros, e assim, agregamos informações ao nosso objeto de pesquisa.
A pesquisa documental realizada no início dessa investigação historiográfica
sobre a infância na Província do Maranhão, século XIX, fornece indícios de uma história
ainda obscura. As fontes nos revelaram as instituições que iniciaram a assistência infantil, a
partir dos anos 1830, em São Luís, sendo a maioria suporte ao trabalho caritativo das ordens
religiosas que se estabeleceram em terras ludovicenses. Iniciava-se um período de
organização urbana e assistência pública, já que o número de necessitados elevou após
conflitos entre camponeses e latifundiários, após a Independência do Brasil. As crianças, que
em sua maioria, eram abandonadas a própria sorte, passaram a ser recolhidas,
institucionalizadas, controladas.
Contribuindo com a escrita da história da infância maranhense, esse percurso
permitiu conhecer as metodologias que podem ser utilizadas para a descoberta das
informações sobre a temática, assim como sistematizar categorias de análise para a
compreensão das conexões entre os documentos oficiais, as práticas, as imagens e os sujeitos
envolvidos.
REFERÊNCIAS
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001.
CASTRO, Cesar Augusto. Infância e trabalho no Maranhão Provincial: uma história da Casa dos
Educandos Artífices. São Luís: EdFUNC, 2007. 272 p.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. 48. Ed. São Paulo: Global, 2003.
KUHLMANN Jr., Moysés. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. 5. Ed.
Porto Alegre: Mediação, 2010.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução de Bernardo Leitão. 5. Ed. Campinas, SP:
Editora UNICAMP, 2003.
8
MARCILIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Hucitec,
1998.
MEIRELES, Mário Martins. Dez estudos históricos. São Luís: ALUMAR, 1994.
WARDE, Mirian Jorge. Contribuições da História para a Educação. Em Aberto: Brasília, DF,
1990.