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6º ENCONTRO DE DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIA E CULTURA

Entre nós: por uma escrita de afetos mulheris

Maria Carolina Scartezini Cruz1


Universidade Estadual de Campinas

RESUMO: Neste trabalho, me proponho a realizar um experimento de reflexão e


criação participativas entre mulheres, que funcione como um espaço em que uma
realização experimental (STENGERS, 2017) acerca do que pode ser uma escrita
mulheril – feita por, com e para mulheres – aconteça. De acordo com Stengers (2017),
uma realização experimental só pode se dar quando os cientistas (e artistas... e
escritores... e feministas... e...) conseguem se relacionar com o objeto de pesquisa sem
buscar impor perguntas e exigir as respostas “certas”, ou seja, as respostas esperadas
de acordo com a vontade e as ideias prévias de quem pesquisa. Para tanto, é preciso
aceitar o objeto como parceiro de pesquisa, dando a ele (eles, ela, elas...) condições de
afetar não apenas as respostas num experimento, mas as próprias perguntas nas quais
o experimento se fundamenta. Faz-se necessário ainda ir de encontro ao objeto de
pesquisa no meio e nos métodos dos quais ele depende para existir e trocar afetos.
Assim, neste presente experimento, se torna preciso criar um meio no qual a escrita
mulheril possa ocorrer, indagar a ela os métodos coerentes para lhe dar corpo e aceitar
essa escrita como parceira, numa aliança radicalmente rizomática (DELEUZE, 1997)
para ir de encontro a um devir mulher (DELEUZE, 1997) que torne presente e justo o
adjetivo com que lhe estamos nomeando. Movida pela provocação de Virgínia Woolf
em seu ensaio Three Guineas (2007) e pelas reverberações dessa provocação na obra
Women who make a fuss de Isabelle Stengers, Vinciane Despret e coletivo (2014),
aceito que uma das condições das quais o experimento não pode abrir mão é a de que
think we must (WOOLF, 2007; STENGERS, DESPRET et al. 2014) sobre o que
significa ser mulher e pensar, ser mulher e escrever, ser mulher e estar na
universidade, ser mulher e divulgar o trabalho de outras mulheres e me indago sobre a
possibilidade de chegar, através de um exercício de ficção, a um “nós, mulheres” que
seja potente para a reflexão e que não necessite excluir outros “nós” do exercício do
experimento em questão, de modo que ninguém – nem da espécie humana, nem de
nenhuma outra – precise ser eliminado do jogo, ou tratado permanentemente com o
inimigo a ser combatido dentro dele. Entendo a dificuldade que o próprio processo de
criação de um “nós” implica ao meu objetivo, consciente de que na nossa sociedade
estamos habituados a constituir nossos “nós” a partir de relações antagônicas (do
Grego antagōnizesthai, um esforço contra, uma contestação), como um “nós” contra
um “eles”. Não tenho intenção de fingir que séries dessas relações antagônicas já não
estejam ativas na nossa sociedade, mas sim de tentar descobrir, junto com outras
mulheres, se é possível que, através da ficção, outros tipos de relação se estabeleçam
entre aquelas que estejam dispostas a pensar juntas sobre o que poderia ser essa
escrita mulheril, para que o ser feita de mulheres, com mulheres e para mulheres
venha como a potência de uma presença, um encontro, ao invés de vir a ser a negação
de outros seres e estares. Proponho que o que estou chamando de escrita mulheril seja
algo que ainda não esteja dado e precise ganhar vida durante o experimento. Sei que
desde a Antiguidade nos chegaram registros a respeito de mulheres escritoras e que
algumas delas, como a poeta Safo de Lesbos, parecem já ter escrito sobre mulheres e
para mulheres. Porém, provocada por outro ensaio de Virginia Woolf – A room of
one’s own (2007) – e pelo já referido trabalho de Stengers, Despret e coletivo (2014),
penso que o fato das mulheres terem afetado e sido afetadas por escritas desde sempre
1 carolscartezini@gmail.com
6º ENCONTRO DE DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIA E CULTURA

não pode ser naturalizado, não pode ser entendido como algo dado, pronto, seguro.
Entendo com as autoras que embasam este trabalho que ser mulher e pensar, ser
mulher e criar, ser mulher e escrever mundos outros nunca foi e continua não sendo
um ato a ser naturalizado, a passar sem fazer barulho. Ao contrário, aposto com elas
que somos capazes de fazer muito barulho escrevendo, barulhos variados, incomuns,
de diversas intensidades, formas, cores e texturas. Neste trabalho, convidarei algumas
poetas e algumas passantes para pensar comigo e me ajudar a inventar nós entre nós e
a escrita, pelo meio de um exercício de ficção que criaremos juntas. Por método, não
sei que resultado esperar, porém tenho consciência da minha vontade de tecer com
elas e com as palavras delas algo que possa afetar o modo como eu escrevo e que me
torne digna de dar corpo a muitas mulheres na escrita e escrita ao corpo de muitas
mulheres.

Palavras-chave: Escrita mulheril. Devir mulher. Ficção. Escrita participativa.


Realização experimental.

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