BANN, Stephen. As Invenções da História. São Paulo: UEP. 1994.
Introdução: As Invenções da História Debate sobre os usos da história em dois polos: o currículo escolar e os ‘temas da preservação’, indústria da herança. Os desenvolvimentos no método histórico têm sido o resultado de uma produtiva fertilização cruzada entre correntes que anteriormente haviam sido mantidas afastadas. Incorporação da metodologia das ciências sociais na pesquisa histórica. A longo prazo, o efeito deste passo foi ressuscitar, em vez de rejeitar, os instrumentos e conceitos tradicionais da escritura histórica. O objetivo da metahistórica (Hayden White) tem sido o de chamar a atenção para os códigos e convenções da historiografia, com a mensagem implícita de que estes também devem ter a sua história. A “História Narrativa” deve ser considera como parte da mesma matriz cultural que a grande casa de fazenda ou um jardim histórico, e submetida aos mesmos exames. Pensar de que forma certas formações de discurso, que desempenham um papel privilegiado na mediação de nossa percepção do passado. A história narrativa de Ranke era, de fato, uma invenção, no sentido de que atraiu consideráveis recursos estilísticos e reservas de força criativa para criar um novo idioma histórico. A sua própria inventividade é o que o novo idioma partilhou, em seu contexto histórico, com outras formas de representação, como o romance histórico, a pintura histórica e o museu histórico. É somente reconhecendo e identificando os códigos através dos quais a história foi mediada, e ligando-os aos atos criadores de indivíduos em determinadas circunstancias históricas, que podemos ter a esperança de evitar uma separação definitiva entre o mundo circunscrito do historiador profissional e a generalizada moda de espetáculo na qual todas as formas de representação popular se arriscam a ser assimiladas. Usos contemporâneos da história. Abordagem no sentido de concentrar atenção sobre o que poderia ser chamado de arqueologia da história: as estruturas e conexões que tornaram possível, durante os dois últimos séculos, a emergência de um modelo integrado de representação histórica. Fronteiras em mutação entre a história profissional e os protocolos das veneráveis profissões do direito, da medicina e da teologia, sugerindo os modos pelos quais elas contribuíram para definir o espaço disciplinar no qual a história emergiu. Conjunto de representação no século XIX, uma poética histórica. As invenções da história são decididamente plurais. Como um fenômeno unificado, as diversas expressões e representações da imaginação histórica que pairam, uma após outra, nessas páginas. O único modo de demonstrar uma origem unificada – o surgimento mítico de uma preocupação histórica na era que originou e compilou a Revolução Francesa – é admitir a pluralidade e heterogeneidade de suas formas derivadas. Distinção da ideia de “invenção” utilizada por Hobsbawm, no sentido de uma história inventada, no sentido pejorativo, saída do nada para servir a propósitos apenas funcionais; como uma história falsificada, “inventada”. A questão é que a experiência estilística poderia ser a única maneira de conceber e compreender uma história que não está limitada pelos protocolos tradicionais, e, portanto, por expectativas ou ordem preestabelecidas. Importância vital de uma historiografia contínua, autocrítica, que esteja atenta tanto à plasticidade da imaginação histórica quanto à imensa variedade de formas nas quais ela pode adquirir manifestação concreta.
Clio em parte: sobre antiquariado e fragmento histórico
O historiador do século XIX possuía considerável força criativa, moldando seu discurso segundo determinadas restrições. Barthes. Além da disponibilidade dos modos de discurso, existe realmente uma desconcertante pluralidade de atitudes para com o passado que podem ser notavelmente combinadas na experiência de um único indivíduo. Nietzsche: uso e abuso da história, três relações: a monumental, em relação à sua ação e luta; a antiquária, com seu conservadorismo e respeito; crítica, com relação a seu sofrimento e desejo de redenção. Tipos de atitude para com o passado. Incorporar as diferentes atitudes possíveis para com o passado, mais do que vê-las simplesmente como estratégias linguísticas, mostra o caminho para uma nova elucidação dos temas centrais da “preocupação histórica” no período moderno. Com frequência, o termo “antiquário” tem sido associado a uma espécie de fracasso em atingir o nível da historiografia verdadeira, “científica”. A “atitude antiquária” é um relacionamento específico, vivo, com o passado e merece ser tratado nestes termos. Clio como um símbolo ambivalente da escritura da história em toda a sua complexidade. Contraste entre duas representações de Clio: Templo Malastestiano e Palais de la Légion d’Honneur. Charles Sims e Jean Baudrillard. A história não é simplesmente um gênero literário. Ou, pelo menos desde o fim do século XVIII, tem sido inconcebível classificar a escrita histórica como uma subdivisão da literatura. A história implica uma atitude para com o passado e com o que quase poderia ser chamado de uma “miragem” do passado. A história também é texto, e como texto, carrega uma autoridade quase equivalente à da lei. Ao diferenciar a atitude antiquária da monumental para com a história, Nietzsche inferiu a possibilidade do que poderia ser chamado de uma abordagem não imediata do passado. O antiquário, como ele expressou, “respira um ar bolorento”. Sua experiência do passado é, nesta metáfora forçada, moldada diretamente sobre a experiência sensorial. Riegl estabelece o critério de “valor de época”, que é definido por sua imediata acessibilidade à percepção: ele incorpora “um imediato efeito emocional que não depende de conhecimento acadêmico nem de educação história para a sua satisfação”. Os antiquários têm sido vistos tradicionalmente como as “ovelhas negras” da família da ciência histórica. Eles têm muito a nos dizer sobre o lado da história, que não é o da tábua entalhada, mas, ao contrário, o do seio descoberto. A necessidade de Faussett em ornar seus achados fragmentários com estes rótulos evocativos, provocando repulsa ou prazer, dizem-nos menos sobre os próprios objetos do que sobre sua própria força de motivação. O que significa realmente ter uma “atitude”, ou alguma espécie de relacionamento, com o passado? Elas envolvem, por um lado, um ordenamento hierárquico dos sentidos e os efeitos de sentidos admitidamente inferiores, como tato, paladar e olfato, na companhia do órgão superior da visão e, por outro lado, a construção de um sistema de “parte” e “todo”, de acordo com o qual percepções limitadas, mas imediatas do “passado” podem ser integradas em uma consciência global da história como uma dimensão à parte, mas acessível, da experiência. Conceituação do passado, em termos de espaço ordenado em perspectiva. Escrever impõe um regime comparável ao da pintura perspectiva, visto que o detalhe, ou objeto, não é acessível em si mesmo, mas constitui um elemento integrado dentro do espaço da perspectiva. Qual o status do objeto ou da relíquia histórica? Envolvimento é um conceito particularmente apropriado para uma experiência dos sentidos, não sujeita ao ordenamento de um espaço visualmente coerente. Os perigos do antiquário. Os historiadores foram colocados na situação de ter de justificar a relevância sociocultural de suas atividades. A relevância da história para a sociedade não é assumida como auto evidente. Parte da razão para a lacuna que se abriu entre a historiografia especializada e a consciência social geral e o uso do passado reside no evidente repúdio à dimensão que venho considerando. Correr o risco de fetichizar as partes, ao invés de um todo, e causando desequilíbrio. O pavilhão é um testemunho eloquente mas permanece um espetáculo fragmentado, não chegando a atingir a mais vaga ideia de integridade. Proust: exercício de imaginação histórica, que começa com o que pode ser tocado e prossegue por meio do poder talismânico do nome histórico para a experiência da história como uma alteridade imediata. Proust. A realidade não existe neste presente, mas em outro lugar, bem longe, que a pedra sob a sua mão não é mais do que uma metáfora do Tempo; todas essas coisas são apenas palavras, tudo é uma figura esplendida do discurso que significa outra coisa. Proust. O momento em que as coisas existem é determinado pela consciência que as reflete; neste momento, elas tornam-se ideias e recebem sua forma; e sua forma, em sua perpetuidade, desdobra um século dentro de outros. Proust devolve o fragmento histórico, por meio do nome histórico, ao texto, que é tanto um registro quanto uma objetivação do sentimento. Ele torna inteligíveis os movimentos que são necessários para atingir uma experiência completa da alteridade do passado.
O estranho no ninho: narrativa histórica e a imagem cinemática
Estas imagens não podem ser satisfatoriamente analisadas separadamente das narrativas constringentes às quais pertencem: existencialmente, na medida em que elas foram produzidas por artistas determinados em circunstancias históricas especificas e, culturalmente, na medida em que foram tomadas por historiadores e outros comentaristas para servir de emblemas para as “verdades” da história. “Desastres de guerra”, de Goya. “A execução do imperador Maximiliano”, Manet. Onde está o “efeito testemunha”? Poder-se-ia ser tentado a dizer que está de algum modo amarrado ao uso da fotografia por Manet. Manet fez uso da fotografia, com sua prova irrefrangível do “isso aconteceu”. E ainda, Manet também parece ter usado a fotografia no processo (puramente técnico) de transferir a imagem do esboço para a litografia. A fotografia ingressa nesta série de conexão em dois momentos críticos importantes: como “prova”, antes de tudo, e secundariamente, como um meio de reprodução e redução. As fotografias dos anos 1860 não representam “os fatos como eles são narrados”, mas sim a “cena vazia” da ação histórica, com as figuras presentes cuidadosamente posadas, caindo quase inevitavelmente na postura de retardatários meditando sobre os horrores da guerra. Encarar a “invenção” da fotografia como um estágio crucial, determinante no que tem sido chamado de “máquina de satisfação dos desejos” da cultura ocidental. O que é particularmente impressionante nos trabalhos de Manet é um elemento que sai do domínio dos códigos e transgride códigos: um elemento que é, em termos semióticos, não simbólico, mas indicial. A fotografia engendrou não apenas tipos de mecanismos que permitem um tempo de exposição mais curto e uma imagem mais “instantânea”, mas também a possibilidade técnica de ligar imagens individuais numa serie contínua reconhecível de tempo-espaço, por meio da exploração da credulidade do olho humano. La Marseillaise (1937), Jean Renoir. O filme de história faz numerosas coisas de uma só vez. Ele sistematicamente tolda a distinção entre o “tendo-estado-ali” da cena retratada e o “tendo-estado-ali” do processo de filmagem. Mas ele também, pela própria natureza do processo ficcional, nos sujeita a um processo de “preenchimento” para fins estritamente narrativos, que nós aceitamos como totalmente legítimo. Nossa preocupação ainda é com a relação da imagem a uma narrativa histórica, e com o modo característico pelo qual a imagem cinemática herda a transformação dinâmica da relação da imagem com a realidade que foi ratificada, embora não causada, no século XIX, pela invenção da fotografia. O que é relevante é o modo triunfante como Renoir acomoda a imaginação histórica, permitindo que a imagem afirme tanto sua ausência quanto sua presença.
COLEÇÃO INSURGÊNCIAS DECOLONIAIS, PSICOLOGIA E OS POVOS TRADICIONAIS José Maria Nogueira Neto (Org.) Outras perspectivas educacionais e saberes de(s)coloniais