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EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA

Sebastião F. Fonseca e Caroline C.S. Gonçalves

Este artigo descreve um experimento que envolve a extração de pigmentos do espinafre, utilizando removedor
de ceras doméstico, e a separação dos pigmentos em uma coluna de açúcar comercial de forma rápida e
relativamente eficiente, usando materiais acessíveis. O experimento pode ser executado em uma aula de 50
minutos, embora exija um período adicional para a discussão adequada dos fenômenos envolvidos.


pigmentos naturais, cromatografia em coluna, açúcar comercial

Recebido em 26/8/03, aceito em 10/8/04

A
extração de produtos naturais do apresentam interações diferentes, “afilada” (ou bureta de tamanho
e sua separação cromatográ- os constituintes de uma amostra po- compatível) 55
fica podem ser utilizadas para dem ser separados, em princípio, por • Algodão
ilustrar vários fenômenos envolvendo cromatografia em coluna ou outro • Vareta de madeira
interações moleculares ou forças método cromatográfico (Collins et al., • Tubo de látex de 5-6 cm
intermoleculares. Entretanto, a dificul- 1997). • Pinça
dade em encontrar materiais baratos • Funil de boca larga
e acessíveis muitas vezes desesti- Materiais • Pedaço de mangueira para gás
mulou experimentos com essas
características nas escolas de Ensino
Extração Aplicação da amostra
Médio, e isso motivou a busca de • 15 g de espinafre (5-6 folhas) • 5 mL de removedor de ceras
soluções criativas (Oliveira et al., • 10 mL de removedor de ceras • Pipeta de Pasteur e chupeta de
1998; Seleghini e Ferreira, 1998). Na • 5 mL de acetona comercial (re- látex (ou conta-gotas)
extração e separação dos pigmentos movedor de esmaltes) • Frasco de Erlenmeyer de 50 mL
do espinafre (Mackenzie, 1971), os • 0,3-0,5 g de sal de cozinha (ou frasco compatível)
materiais alternativos que usamos • Recipiente de vidro Pyrex® Desenvolvimento da coluna
foram removedor de ceras doméstico • “Pistilo” de madeira
(na extração e também como eluente • Proveta de 10 mL (ou outro reci- • 10 frascos de penicilina de 8 mL
do sistema cromatográfico) e açúcar piente graduado) limpos e secos
comercial (como fase estacionária • 100 mL de removedor
• Béquer de 50 mL (ou recipiente
para cromatografia em coluna). • 50 mL de solução removedor-
compatível)
Uma coluna cromatográfica clás- acetato de etila 25%
• Pipeta de Pasteur e chupeta de
sica é constituída basicamente por • Removedor de ceras contendo
látex (ou conta-gotas)
uma fase estacionária, empacotada 25% de acetato de etila comer-
em um tubo, e uma fase móvel ou Coluna cromatográfica cial (diluente ou removedor de
eluente. A separação de uma mistura • 50 mL de removedor de ceras esmaltes, que pode conter eta-
em um sistema cromatográfico de- • 16-18 g de açúcar refinado nol ou acetona)
pende das interações que ocorrem • Tubo de vidro de 1,8-2,0 cm de • Filme de polietileno (tipo Magi-
entre os componentes da mistura e diâmetro, 30 cm de comprimen- pak®)
as fases estacionária e móvel. Quan- to, com uma das extremidades Parte experimental
A seção “Experimentação no ensino de Química” descreve experimentos cuja implementação e interpretação contribuem Extração
para a construção de conceitos científicos por parte dos alunos. Os materiais e reagentes usados são facilmente encontráveis,
permitindo a realização dos experimentos em qualquer escola. Neste número a seção apresenta dois artigos.
Cortar em pedaços pequenos 5-6

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folhas de espinafre fresco (cerca de gura 2). Antes de
15 g), colocar em um recipiente de outras adições de
vidro resistente (Figura 1), adicionar solvente, introduzir
cerca de 5 mL de acetona e 10 mL na coluna um pe-
de removedor e prensar o material queno chumaço
com um pistilo de madeira durante al- de algodão, sem
guns minutos. Transferir o líquido tocar a sacarose.
resultante para um béquer e retirar a Completar com re-
fase aquosa com pipeta de Pasteur. movedor o volume
Adicionar à fase orgânica (removedor/ restante da coluna.
extrato) uma pequena quantidade de
sal de cozinha (uma camada fina no
Desenvolvimento
fundo do recipiente) para eliminar a da coluna
água residual. Após a adição
do eluente, com
Montagem da coluna cromatográfica escoamento ade- Figura 1: Espinafre, extrato, coluna de açúcar e removedor.
Utilizar uma bureta de volume quado, coletar as
compatível ou tubo de vidro de 1,8- frações (2/3 do volume do frasquinho
2,0 cm de diâmetro e cerca de 30 cm de penicilina), completando o volume
de comprimento com um “afilamento” de eluente e sem deixar a coluna secar
em uma das extremidades (Figura 1), (Figura 2). Após a coleta das frações
introduzir um chumaço pequeno de da primeira faixa colorida, não colocar
algodão e pressionar com uma vareta mais eluente na coluna e deixar a altura
para fixá-lo. Colocar na ponta do do líquido chegar a 1,0 cm acima da
“afilamento” da coluna um pedaço de fase estacionária. Completar o volume
tubo de látex de 5-6 cm e improvisar da coluna, com cuidado, com uma
56 uma torneira, com uma pinça. Colocar solução de removedor de ceras
na coluna, com a torneira fechada e contendo 25% de acetato de etila
utilizando um funil, o removedor, dei- comercial. Proceder a coleta das
xando um volume “morto” (sem sol- frações da segunda faixa colorida até
vente) de 6-8 cm. Com um funil de a eluição completa (Figura 3).
boca larga, despejar sobre o remo- Comparar o conjunto de frações Figura 2: Separação do extrato de espina-
vedor, de forma contínua, 15-18 g de coletadas, registrar o eluente de cada fre na coluna de açúcar.
açúcar comum refinado sem “gru- uma das faixas e fechar os frasqui-
mos”. Após a adição de todo o açú- nhos usando filme de polietileno.
car, para melhorar o empacotamento,
bater suavemente na coluna com um Resultados e discussão
pedaço de mangueira para gás. O extrato de folhas de espinafre
Antes de realizar a próxima etapa foi obtido por maceração com remo-
separar e numerar 10 frascos de vedor de ceras doméstico (constituí-
penicilina de 8 mL limpos e secos. do de hidrocarbonetos de cadeia lon-
ga como o dodecano, Figura 4) e um
Aplicação da amostra
pouco de acetona comercial. A fase
Depois do empacotamento da aquosa, contendo acetona, foi sepa-
coluna, escoar o eluente até 3-5 mm rada e a fase extrato/removedor foi
acima da superfície da sacarose (Fi- “secada” com sal de cozinha durante
gura 1). Com a torneira fechada apli- alguns minutos e aplicada no topo da
car a solução de extrato/removedor coluna cromatográfica. A fase esta-
no topo da coluna, com pipeta de cionária usada no experimento foi
Pasteur, deixando a solução escorrer açúcar comercial refinado, sacarose,
lentamente pela parede do tubo de uma substância poli-hidroxilada (Fi- Figura 3: Frações da cromatografia em
vidro. Após a aplicação da solução, gura 5), e a fase móvel (eluente) inicial coluna do extrato de espinafre.
escoar o solvente para um frasco de utilizada foi o removedor
Erlenmeyer até o nível da solução ficar usado na extração.
a 3-5 mm acima da superfície do açú- Após a aplicação da
car. Adicionar com pipeta de Pasteur amostra na coluna, adições
cerca de 5 mL de eluente (remove- sucessivas de porções de Figura 4: Duas representações estruturais do dode-
dor) e repetir a operação anterior (Fi- removedor permitiram a cano.

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eluição dos pigmentos amarelos, eluição dos pigmentos verdes utilização de um eluente mais polar,
constituídos principalmente de β- [clorofila a, C 55 H 72 MgN 4 O 5 (III); contendo acetato de etila, para a elui-
caroteno (I) e xantinas, ou xantofilas, clorofila b, C55H70MgN4O6 (IV) - Figura ção completa daqueles pigmentos da
relacionadas (II) - Figura 6. Para a 7], foi necessária a adição de faixa verde/verde-amarelada.
removedor contendo 25% de acetato Desta maneira, a separação dos
de etila comercial. pigmentos foi rápida, eficiente, com
O β-caroteno (I), um hidrocarbo- um intervalo nítido entre as duas fai-
neto insaturado, mostrou interações xas coloridas, devido às diferenças
mais efetivas com o removedor das afinidades e das interações dos
(eluente, fase móvel) que com a saca- constituintes do extrato com as fases
rose (fase estacionária). As xantinas estacionária e móvel do sistema
(II), ou xantofilas, apesar dos grupos cromatográfico. Os frascos contendo
hidroxila, possuem uma cadeia car- as frações coletadas, as quais são
bônica relativamente longa responsá- sensíveis ao calor, ao ar e à luz, fo-
vel pela pouca afinidade com a saca- ram fechados com filme de polietileno
rose. Por outro lado, as estruturas das e guardados em geladeira..
clorofilas a e b (III e IV, Figura 7), apre- Para um esclarecimento adequa-
sentam um metal (magnésio) no do da separação é necessário um tra-
centro de uma porfirina, V (uma subs- balho adicional enfocando polaridade
tância que contém quatro unidades de ligações covalentes e forças inter-
ligeiramente modificadas de pirrol, VI) moleculares relacionadas (Allinger et
e favorecem interações mais fortes al., 1976; Carey, 1996). Outra aborda-
Figura 5: Duas representações estruturais
com a fase estacionária. Isso exigiu a gem que o experimento permite é so-
da sacarose.
bre as cores das substâncias separa-
das, envolvendo sistemas conjuga-
dos e a presença de metais em nú-
57
cleos porfirínicos.
Considerações finais
A extração de folhas de espinafre
com removedor doméstico foi eficien-
te e forneceu um extrato que foi sepa-
rado facilmente da fase aquosa. A
utilização do removedor também
como eluente permitiu a separação
dos pigmentos amarelos do extrato,
Figura 6: Estruturas do β-caroteno (I) e de uma xantina ou xantofila (II).
enquanto que os pigmentos verdes
só foram eluídos com uma solução
de removedor contendo 25% de ace-
tato de etila. A separação dos pig-
mentos foi rápida e monitorada pela
diferença de cor, não sendo utilizada
outra técnica cromatográfica, e pode
ser realizada em um período normal
em sala de aula.
O experimento foi demonstrado no
I SIMPEQ (I Simpósio de Profissionais
do Ensino de Química), realizado em
10 e 11 de novembro de 2001 no Ins-
tituto de Química da Unicamp e apre-
sentado na 25ª Reunião Anual da
SBQ, realizada em 20-23 de maio de
2002 em Poços de Caldas - MG,
tendo bom impacto nos dois eventos.
O experimento descrito permite e
exige a abordagem de vários concei-
Figura 7: Estruturas da clorofila a (III), da clorofila b (IV), de uma porfirina (V) e do pirrol tos para a compreensão dos fenôme-
(VI). nos envolvidos e, com essas

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características, poderá despertar a
atenção de professores e alunos do Referências MACKENZIE, C.A. Experimental or-
ganic chemistry. Englewood Cliffs:
Ensino Médio para a Química Orgâ- ALLINGER, N.L.; CAVA, M.P.; DE
Prentice-Hall, 1971.
nica e para a Química de Produtos JONGH, D.C.; LEBEL, N.A. e STEVENS,
SELEGHINI, R.M.S. e FERREIRA, L.H.
Naturais. C.L. Química Orgânica. Trad. R.B. de
Preparação de uma coluna cromatográ-
Alencastro. Rio de Janeiro: Guanabara
fica com areia e mármore e seu uso na
Agradecimentos Dois, 1976.
separação de pigmentos. Química Nova
Aos Grupos de Ensino de Química CAREY, F.A. Organic chemistry. Nova
na Escola, n. 7, p. 39-41, 1998.
do Instituto de Química da UNICAMP, Iorque: Mc Graw-Hill, 1996.
COLLINS, C.H.; BRAGA, G.L. e BO- Para saber mais
pelo apoio e o incentivo.
NATO, P.S. Introdução a métodos cro-
Sebastião Ferreira Fonseca (sfonseca@iqm.unicamp. matográficos. Campinas: Editora da Uni- BRAZ-FILHO, R. Química de Produtos
br), licenciado em Química pela Universidade Fede- camp, 1997. Naturais: Importância, interdisciplina-
ral do Paraná (UFPR), mestre em Química Orgânica OLIVEIRA, A.R.M.; SIMONELLI, F. e MAR- ridade, dificuldades e perspectivas.
e doutor em Ciências pela Universidade Estadual
QUES, F.A. Cromatografando com giz e Química Nova, v. 17, p. 405-419, 1994.
de Campinas (Unicamp), é docente do Instituto de
Química da Unicamp. Caroline Costa da Silva Gon- espinafre: Um experimento de fácil repro- HARBORNE, J.B. Phytochemical
çalves, bacharel em Química pela Unicamp, é pós- dução nas escolas do Ensino Médio. Quí- methods. Londres: Chapman & Hall,
graduanda em Química Orgânica no Instituto de Quí- mica Nova na Escola, n. 7, p. 37-38, 1998. 1963.
mica da Unicamp.

Abstract: Extraction of Pigments from Spinach and Separation in Commercial-Sugar Column - This article describes an experiment that involves the extraction of pigments from spinach, using a
domestic solvent of wax, and the separation of the pigments in a commercial-sugar column in a fast and relatively easy way, using easily accessible materials. The experiment can be carried out in
a 50-minute class, though it requires an additional period for the discussion of the involved phenomena.
Keywords: natural pigments, column chromatography, commercial sugar

Nota

58 In memoriam do saber. Inconformado com a esteri-


Reinaldo Carvalho Silva (1950-2004) lidade dos livros didáticos de então,
buscou alternativas, e hei-lo traba-
Sólido conhecimento, visão de
processo e histórica. Clareza nos con- lhando com o Cotton-Lynch, realizan-
ceitos e objetivos fundamentais. Es- do o experimento da vela. Trazia aos
tratégias didático-pedagógicas ade- seus alunos os conceitos mais recen-
quadas. A dose certa de rebeldia e tes, e vejo-o agora lhes apresentando
criatividade. Compreensão, carinho, mecanismos de reação, em contraste
amor. Para aqueles que tiveram o com a Química Orgânica descritiva da
prazer de desfrutar de suas aulas, época. Naturalmente, essa sem ceri-
poucos sintetizaram de modo tão mônia em espalhar seu interesse por
completo essas qualidades como o todas as áreas da Química trazia
nosso querido Rei, o professor atritos com colegas presos a modelos
Reinaldo Carvalho Silva, recente- tradicionais. Mas, saudáveis atritos,
mente falecido. Reinaldo começou que levavam a discussões mais siste-
máticas e envolventes do ensino de duação, que terminou por acontecer
sua carreira na Escola Técnica Fe-
Química. Experimentalista de invejá- na UFSC. Brilhante, passou direto do
deral de Química do Rio de Janeiro.
vel técnica, fazia da mais simples mestrado para o doutorado, concluí-
Sua aptidão para o ensino era tal que,
titulação uma operação artística. do em Eletroanalítica. Tal como na sua
ainda durante o curso técnico, foi
Ressuscitando velhos equipamentos graduação, na UERJ, era um orien-
chamado a ser instrutor. Seu encanto
jogados no fundo do laboratório, tador informal dos colegas e, com sua
pela Química transbordava, sendo
introduziu as primeiras aulas de aná- lógica simples e precisa, ajudava a
impossível, ao seu lado, não se deixar
lise instrumental da Escola, o que descortinar a saída dos problemas
envolver por esse encantamento.
levou, mais tarde, a um laboratório mais diversos. É autor de artigos em
Ousou duvidar da eficácia do ensino
completo. Química Nova na Escola, o mais
tradicional, em um tempo em que
recente no n. 19.
pouco ou nada se discutia como Mudou-se para Florianópolis em
Bem, fica a alegria de tê-lo conhe-
alternativa. Trouxe para a sala de aula 1992, tornando-se professor do
cido, seu exemplo inspirador e uma
experiências inovadoras. Entendia (e CEFET-SC, orientando ali inúmeros
grande saudade.
praticava) o papel do professor como projetos com seus alunos. Sua dedi-
um facilitador e estimulador da apren- cação ao Ensino Médio levou-o a Reinaldo Calixto de Campos
dizagem, e não como um depositário adiar, inúmeras vezes, sua pós-gra- PUC-Rio

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