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DI~C~IMINA~ÃO t Dt~IGUAlDADt~
~ACIAI~ NO BRA~ll

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cativo' da, variável
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"raça", na estru-' ~-

tura dec1asses e no sistema de estra-


tificação social. Carlos Hasenbalg
. prbpiciou, aos e~tudioso~'do tema•
.um novo olhar para as relações raciais
p6s.ab~liçãO~
'., .. DiSCrim,i1açáol deSigdaldades d~iaiS.·
:....noBrasl/t~rnó~:se.~. . dêsdtf'8.suapri~·:
~~·~~.~f:;.t,cÍiç~Qr~l~ikM(~~i~Ptig~~~rj~.~~6'.,·. .
principal referendalte6riCo naJor~,: .
tTl~ção.deumª nova.geraçãode •.
'peSqUisadOr~$;q~e vêm s e ' "
c~~d~ aoe~té~dimentoda questão
CARLOS HASENBALG

D\~CR\M\NAÇAO t Dt~\GUALDADE~

RAC\A\~ NO ~~A~\l

2ª edição

UFfV\.G
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS C;ERAIS
Heito ra . Ana Llrci:r Almcida Gnz
ola "I'r:\ (1 li z id O por Pai rick:. H li rp, lil!
Vice-Reitor: M;lfcOS Borato Viana Prcj:tcio de Fcn/{/ nt/o J1CIl riqlll' C(lrc!osu

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Juarez Rocha Guil11ar~es Rio de Janeiro
Maria das Graças Santa Bárbara Belo Horizonte IUPERJ
Maria Helena Damasceno e Silva Megale
Editora UFMG
Paulo sérgio tacerda Beirão
2005
(9 200S, Editora UFMG
Titulo origin,,1 em inglês: Race relations in jJost-abo/itíon limzí!: the smoot/.)
preservation of racial ineqllalities

Este livro ou rarte dele nuo rode ser rerroduzidu ror qualquer 111eio sem
Clutoriza"clo escrita do Editor.

Il:\senhalg, Car!o,c;
II:\iHr.l'h Discrimin;l~>à() e dcsigualcbdcs racbis no BL\.si! / Carlos lla.o.;cnh:-t!g ;
Ir;\dul'.ic\o por P:ltl'lck nurglin ; prvf:'ICio de Fern:mdll Henrique C;1I'c!O'-,O. - 2. cd.
- Belo I locizunte : Fditn!":\ llF[\,,'lC; ; Hio de J;\twiro' p IPFHj, 20(Je;.

3t()p.: li. - Illul11anila.')

Tradução de: Race rcbti<ms in post~aboljtinn l~razil: lhe slll(Joth prcs(>rvali()O


of racial incqualitics

ISIlI'!: 85-7041-1J97-Fl IEditora UFW;)


85-98272-05-1 (lUPERJ)

1. Negros - f\rasil- Condil..'ões sociais, 2. lbci."'ano - Brasil.


3. Rclaçôes raciais. 1. Título. ll. Série.
(lJf),32:\
(DI:, 323.1

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FOR'MATACÀO, CAPA E PRODUÇÃO GRÁFICA: C:íssio Riheiro
Para Ado(fo Hasen!Ja!g
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L S T A D E TABELAS

Tabela TV-l Níveis de instrução completados pela população de


10 anos ele idade e mais. Brasil - 1950 (Percentagem) 134

Tabela rV-2 Condiç8() e sexo da população de Minas Gerais em 1786,


por raça 141

Tabela TV-3 População do Brasil, 1798-1872, por raça e condição 148

Tabela IV-It Distrihuição da população livre segundo os grupos raciais


por regiões. 1872-1890 154

Tabela TV-') Composiçào da população segundo as regiôes por raça.


1872-1890 156

Tabela Iv-6 Distrihuição dos grupDs raciais por regiôes. 1890-1950 157

'J':i\wb V-I Distribui(';"lo da popula,:ão estrangeira por cst;ldos do


Sudeste e regiôcs cio país. [872-1920 168

T;t1)('b VI-! Distribui<;ão da poPUIa,JIO ~ltiva por setor de atividade


econômica, segundo a regEio e a raça. 19ltO-19'50 181

Tahela VI-2 Índice de conccntr:l(,';lO ocupacional. 19'10 187

Tabela VI-3 Taxas ele :i\l'ahdizaç;'\o da população de 5 anos de idade


e mais, segunclo a região e a raça. 1940-1950 192

Tabela VI-4 Níveis de instrução completados peJa porulação de 10 anos


de idade e mais, segundo a região e a raça. 1940-1950 194

Tabela Vl-5 Índice de concentraç:lo educacional. 1940-1950 197

Tabela VI-6 Níveis de instruç;lo atingidos pela população ele


18 anos e mais, segundo a raça. 197.~ 201
Tahela Vl1-1 Mohilidade da ocup:l(:;10 dos pais atl' a ()ClJp:l(~() dos
entrevistados masculinos para a amo.s(r;\ tol;ll e grupos r;lciais,
e diferenças enlre freqüênci;ls ohservadas c freqüências
esperadas na suposição de dislrihuiçl0 proporcional :1
amostra total para ambos os gnl pus raciais 2l<í

Tabela VIJ-2 Média de anos de instrução por grupo ocupacional dos


p;\is c ra\';t 2lH NOTA DO AUTO~
Tahela Vll-3 Slalus ocupacional médio ele hot11ens por grupo
ocupacional dos pais e raça 219

Tabela Vl1-;f Nível ocupacional por anos de il1stru<;:lO e L\Çl


(Percentagem) 220

Tabela VIl-5 Renda mensal média por nível de inslrlllc';lo, sexo e r;I,';1
(Cruzeiros ele 1973) 223

Tabela vlI-6 Análise de classificação múltipla: os efeitos da raça, da


OCllp:I<;-:IO c instru,':lo dos p:lis e do sexo na instrU(:lO 226

Tabela VIl-7 Análise de cbssificaçiio múltipla: os ell:itos (/:1 1':1(';1, insltl!(':IU,


sexo c ocupaçiio dos pais no s/C/llls ocupacional 227

Tabela VIl-8 An;ílise de classificaçiio múltipla: os efeitos da ra<;:\, instruç~o,


sexo e ocupaçiio dos pais na renda doméstica 229
Este livro adota na sua Parte rI, composta pelos Capítulos
Tahda I Distribuição regional dos escravos no Brasil durante o IV, V e VI, uma divisão regional do Brasil originalmente
~éculo XIX 286
proposta por Gláucio A, Dillon Soares em Sociedade e polí-
T:t!wla II Distrihuição regional dos escravos no Brasil durante o tica 120 Brasil, 1973, Segundo essa proposta, o país é dividido
s(clIl" XI X (l'l'1'cé'lll:\gelll) 2H7 cm clU:1S grandes rcgiôcs, A primeira, o Sudeste, c0l11)Jreencle
()s estados d<) I<in de Janeiro, () :tntigo Distrito Federal, S;IO
'1':11)('1:1 \lI Propor(':10de pCSSO:IS t1:'io-\)ranC:IS n:l P()Plll:t('~() d:1S
regiôes e estados brasileiros, 1H7 2-jl)(]() 2HH Palllo, Paran:í, Santa Catarin:l c Rio Grande do Sul. A outra
rcgi:lo é chamada de !{cSlo do l3rasil e abarca todos os demais
Tabela IV Distribuiçào da populaçJ.o economicamente ativa por Estados e Territórios, tal como eles figuravam nos Censos
setores ele atividade, segundo a regiiio e a raça, 1940 292
Demográficos de 1940 e 1950, Deve ficar claro que esta
Tabela V Distribuiçiio da popu)a<;'~lo economicamente ~ltiva por distinção nâo guarda relação alguma com a atual divisão do
setores ele atividade, segundo a regiào e a ra<;:L 19')0 293 Brasil em Grandes Regiôes, a saber, Norte, Nordeste, Sudeste,
Centro-Oeste c Su L
Tabela VI Níveis de instru\,'iio completados pela popula,';\() de lO anos
de idade e mais, segund() :1 rCAi;]o e a r:1~':\, 19'ÍO-I(),iO 2();f

Tabela V1J Estratificaçiio ocupacional dos grupos raciais no Sudeste


e no Resto do País, 19')0 295
S U M Á R o

PREFÁCIO
j,"'J'II(II/(/() 1/<'111'/</11<' 1:,/1'<1".1'(1 15

APRESENTAÇÃO DA 1o EDiÇÃO 17

APRESENTAÇÃO DA 2" EDiÇÃO 27

P A,if T E
PERSPECTIVAS TEÓRICAS 33

C;lpítulCl i A RELAÇÃO SENHOR / ESCRAVO


1\ L'scravitl;úl 1;ltino-:11l1l'rica\1a c hrit;lnil'o-aml'rk:l\la
comparadas: 'Frank Tannenhaul11 e seus críticos 38
A cultura escraVJ ou "lambo": Elkins e seus críticos 41
O escravismo como sistema econômico:
Fogel c Engerman 45
A ambigüidade !llor:il do escravismo:
o paternalismo de Gcnovcse 48
Os três paradigmas reconsiderados: patologia dos
escravos os, :\lItol1omia cultural dos negros 54
Not:IS 63

Capítulo 11 A TRANSiÇÃO PARA A LIBERDADE,


INDUSTRIALIZAÇÃO E RELAÇÕES RACIAIS 67
Categorizaç:1O racial e relações raciais:
as teses de lloctink
Rela\;ões raciais como arcaísmo do passado:
as teses de Flores\;\t1 Fernandes 79
IndustrializaçflO e perspectiva assimilacionista: .
uma av:! li:1Ção crítica 85
Notas 93

Capítulo li! A ESTRUTURA DE CLASSES,


ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E RAÇA 96
1\ :1!lord:q.(L'I11 da cstralifiL'a\;:10 e :1 teoria das classes:
suposiçücs lüsiL'as 98
I\s reb,'ócs entre a estrutura ele classes c a
estratificação soeia I 103
ProdU(ío e distrihui\;~o social 105
Jlroduç;lo, dislrillui<;;ICJ e recompensas simhólicas 107
A est rutura de cl:tsscs, mobilidade e movimentos sociais 110
lU\:a, ct:ISSC c estratificlciío 115
Notas 125
P A2T E
129
P R E F Á C o
A EVOLUÇÃO DAS DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL

ESCRAVISMO E GEOGRAFIA RACIAL NO BRASIL 151


C:lpíluln IV
A e\'olll,)o dl'lllogdrica do I\rasil dur:\I\I" () s,"ndo XVIII 15()

DinflIl1ic;! populacion;!I ap()s lilOO 1',2


Nolas 1'17

Capítulo V AS CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS DA ABOLIÇÃO


Abolicionismo e imigracionismo
A il11igr:I<;'~() ('uropé'i:\ L' () dcslOc:lll1(,1110 S()"iO('C()I1()Il1Íl'o
da popular,:i\o de cor
Notas

Capítulo VI AS DESIGUALDADES RACIAIS


APÓS A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA In
Industrializaç~o, urbaniza,'ão e desigua Idades r:lciais 178
Desigua Idades ocupacionais cntre brancos c
não-brancos 179 Existe unta tradiçJo relativamente rica de estudos sobre
Desigualdades educacionais entre brancos e os negros no Brasil. Sem mencionar os livros relativos à
nào-brancos 189
202 escravid~lO, que do :lI1gulo econômico ou social foi esqua-
Notas
/""1'1';"4
drinhada pela historiografia desde os séculos passados, é
P N"T E grande o número de trabalhos de autores brasileiros e estran-
.,,/f·
geiros sobre a situa,;Jo social do homem negro e sobre as
MOBILIDADE SOCIAL, POLíTICA E RAÇA NO BRASIL 20'i
formas específicas de preconceitos e de dominaçJo que
Capítulo VIl MOBILIDADE SOCIAL, DESIGUALDADE afetam os negros, Especialmente depois dos estudos patro-
DE OPORTUNIDADES E RAÇA 207 cinados pela Unesco na década de 1950, e em particular, dos
Dados e métodos 211
213 estudos de Florestan Fernandes, a bibliografia sobre o tema
Raca e mobilidade social diferencial
O ~fcito da ra(,';l nas rC:l li7,a(,'ücs cduc:tciona is, ganhou solidez,
o,,"p:lcioll:\is C de rCllda 225
2.-\0 Qu:tl :1 contrihui,';\o, \W,stl' c()nll'xttl, do livro sohre niseh-
COllcluS:lO
Notas
251 minaçâo c dcsip,ualdadcs raciais no Brasil. escrito por Carlos
llascnhalg?
Carítulo Vlll RAÇA E POLíTICA NO BRASIL: Eu diria que ele acrescenta à tradição de estudos raCIaIS
A SUBORDINAÇÃO AQUIESCENTE DOS NEGROS 233
O mercado de trabalho e o antagonismo racial 235 brasileiros duas dimensões importantes: situa-o$ no âmbito
A fLlgmenução (\;I identidade racial e a da discusslo acadêmica internacional, sobretudo norte-ame-
cooptaçào social 243
As armas ideolélgicas: "Branqucamento" c
ricana, retomando temas que foram debatidos internacio-
"Democracia Racial" nalmente nos últimos quinze anos, e põe ênfase na necessi-
Condi,;(ll's ('xisll'nciais dos n~o-hr:tn('()s dade de :tn:llisl' dos movimentos s()ciais negr()s, no quadro
O contexto político das rc\a~'ijes raciais
Notas ele um:l sociecl:1dc corroída pelo autoritarismo difuso e pela
t'ept'essúo, que servem de ,'wpot'tc às políticas complemen-
275
REFERÊNCIAS tares de cooptação social e controles ideológicos sutis, que
dificultam a consciC~ncia racial e a luta contra as desigualdades
APÊNDICE
c as discriminações,
ANEXOS: A - As notícias sobre discriminação racial na Imprensa 2')7
B - Alguns incidentes de discriminação racial c racismo ~
registrados pela Imprensa entre 12,09,68 e 06,09,7/ 306
o leitor verá, logo no primeiro capítulo, como Carlos No último capítulo, Carlos Hasenbalg apresenta sua expli-
Hasenbalg trata com competência e capacidade de sistemati- cação relativa ao que chama de "subordinação aquiescente
zação (qualidades que se espalham por todo o livro, deno- dos negros". É esta, a meu ver, a temática interpretativa mais
tando o nível ac\dêmico do autor) a bibliografia sohre a rica do livro. Pela primeira vez, de forma nítida, vejo ressal-
relação entre raça e escravidão. As dimensôes de coerção, de tada a falta de "sérios sismas entre os grupos dominantes"
eventual retribuição econômica racional da escravicE\o e de como parte da explicação de por que os movimentos de
imposição moral do senhor sobre () escravo, que foram desta- rebeldia elas classes subordinadas têm seus impulsos amorte-
caelas nos estudos de Stanley Elkins (reafirmando as teses cidos. O fato mesmo de que nunca houve no Brasil nada
anteriores de Tannenhaum, ele caráter mais culturalista, para comp;\I'ável à Guerra ele Sec(~ssã() é suficientemente forte para
explicar as diferenças entre a escravidão norte-americana, a indicar que o sistema misto de acomodaçào e de repressão
carihenha e a brasileira), de Foge! e Engerman e de Eugene funciona como mecanismo básico de subordinação aquies-
Genovese são resumidas e reinterpretadas para servir de cente. A aquiescência é mais um reflexo de um padrão geral
quadro explicativo mais amplo. Mas o autor não se limita a ele acomodação de interesses, entre os grupos dominantes,
essas questões.' Retoma muito das análises feitas sobre o do que uma dimensão própria elo comportamento dos domi-
Brasil, para entender tanto as modificações na situação do nados, mas não deixa de circunscrever um espaço de cooptação
negro e sua ava!iaç:io das expectativas inter-raciais depois que termina por atingi-los.
da abolição quanto a redefinição do preconceito de cor na A concll.ls?io implícita na interpretação do autor é a de que
dinâmica das relações de classe e dos processos de estratifi- as lutas raciais, neste contexto, só permitirão a diminuição
cação social. A recusa da explicação historicista e culturalista das desigualdades se forem suficientemente fortes para recom-
de que o racismo persistiria como uma "sobrevivência" da porem o padrào Jutóritário-permissivo que caracteriza, em
ordem escravocrata na nova sociedade de classes, depois da geral, a dominação na sociedade hrasileira. E conversamente,
Abolição, da urbanização e da industrialização, é feita com a ruptura deste (ainda que por movimentos reivindicatórios
nitidez. A explicação estrutural-funcional da reposição do não raciais> teria um efeito dinamizador no padrão de espo-
preconceito e da discriminação racial é elaborada, mas a ela liação e de acomodação inter-racial.
se acrescenta uma dimensão nitidamente política: "a 111odifi- Basta a rcfl'l'l'ncia suma, íssima que fiz acima ao alcance
caçào c o significado da raça, como critéri() de al()c\~:ào ;\ dos temas tratados neste livro para recomendar sua leitura.
posiçôes na estrutura de classes e estratificl(,'ão social, parece A hrevidade ela aprescnt:\(';)O n:to dificultará :\0 leitor o acesso
depender mais de fatores tais como ;\ 1lludan('a n() c1i1l1:\ dirvto :'!.c; p:ígin:L'i que lhe dvram origem.
ideológico internacional, o nível de mobiliza<,'ão política dos
grupos racialmente subordinados e políticas raciais do que a
alguma lógica inerente ao industrialismo" (capítulo II). Fernando Henrique Cardoso
A esses capítulos interpretativos seguem-se outros tantos
descritivos sobre a evolução das desigualdades raciais no
Brasil, feitos com o mesmo esmero acadêmico que os ante-
riores. E a eles seguem-se os capítulos da terceira parte,
sobre mobilidade social, política e raça no Brasil. Nestes
últimos, ao lado da reafirmação das desigualdades e das
práticas discriminatórias (com a idéia de que os não-brancos
estão expostos a um "ciclo de desvantagens cumulativas"), o
autor elabora tanto os temas relativos às formas de mobi-
lização política dos negros quanto ao conflito inter-racial.

15
APRESENTAÇÃO DA 1a EDiÇÃO

Este trabalho é a versão em português, sem modificações,


de tese de doutoramento apresentada à Universidade da
Califórnia. Ao decidir não alterar a versão original, optei pelo
risco de mantcr no texto algumas considerações que podem
resultar algo óbvias para o leitor brasileiro. A intenção
original do trabalho era realizar uma análise comparativa das
relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos após o final
da escravidão. Logo depois de enfrentar parte da volumosa
literatura sobre escravidão e relações raciais nos Estados
Unidos, percebi o caráter ambicioso do projeto e decidi limitar-
me a um objetivo mais modesto. Não obstante a perspectiva
comrar;ltiv:l ter sido m:lntid:l, a sitl1a~:ão raci:ll do Brasil pós-
abolição constitui o tema analisado.
Tenho p:\ra mim que snciologia, futurologia e engenharia
social constituem três VOCI<;,'ÜCS nitidamente separadas. É por
cstc e outros motivos que, neste livro, não se propõem
cursos de ação específicos para mudar a situação social do
negro brasileiro, nem são feitos prognósticos sobre a evo-
IlH.:JO futura das rcla<.:ôes raciais no Brasil. O propósito da
invcstig:l(,'JO é acrescentar cl::rtos elementos na avaliaç,10 do
passado das rclaç()cs raciais no Brasil c oferecer algumas idéias
e pontos de vista para a nc( :essária reconstrução ela história
social dos brasileiros de descendência africana.
Mais do que na organização social destruída noventa anos
atrás (ou nos supostos "defeitos" das vítimas), as causas da
atual subordinação social do negro são procuradas nas práticas
racistas e discriminatórias elo período posterior à abolição.
No que ao futuro se refere, negros e mulatos têm a ganhar Esta pesquisa visa a demonstrar que, se for considerada a
com uma eventual liberalização das instituiçôes políticas distfl11cia entre os ideais e as práticas raciais brasileiras, a
brasileiras e com uma distribuiçào m:lis igualitária dos bene- "democracia racia!" é urn poderoso mito. Sua funçào, como
fícios do desenvolvimento econômico, ainda que este cenário instrumento ideológico ele controle social, é legitimar a estru-
otimista nào seja garanti;, do desaparecimento das desvan- tura vigente de desigualdades r:\ciais e impedir que a situação
tagens associadas à cor da pele. Como a hislóri:l de outros real se transforme numa questão pública. '
grupos subordinados no Brasil e noutras partes indica, aqueles A partir da preocupação com os resultados pouco equi-
que ocupam as posiçôes dominantes raramente se mostram tativos do crescimento econômico do país, os intelectuais
impacientes para abrir núo de seus privilégios c aceÍ\:\r l.Itn:\ progressistas têm rcjcit:lclo as noçües ele democracia racial
ordem social mais justa, como simples conseqtiência de ideais (' de uma ordem racial harmoniosa. Todavia, pode-se notar
esclarecidos. entre eles :\ tendência ;\ reduzir os problemas dos negros e
Apesar de a literatura sobre rclaçôes racia is no Brasil ser mulatos àqueles da classe opecíria c das massas populares.
considerável,. é difícil evitar () desconforto produzido pelas Esta perspectiva deriva fundamentalmente do fato de que a
conclusões amplamente divergentes a que têm chegado os maioria dos brasileiros l1<lo-brancos constitui parte de grupos
autores que estudaram diferentes situações, locais ou regionais, e classes subordinados, tais como o campesinato, o subpro-
de contato inter-racial. Em um certo sentido este estudo é Ietariaclo urbano e a classe operária.
uma reação a esse desconforto.
Os intelectuais e estudiosos das relaçôes raciais de persu- Eles (os intelectuais política e socialmente conscientizados)
asão liberal e conservadora vêm enfatizando, há várias nào se encontram certa ncnte entre os que acreditam ser o
décadas, o caráter único c harmonioso das rclaçôes raciais Brasil uma democracia racial, e concordariam com o fato de
que existe muito preconceito e discriminação contra os
no Brasil. Comparado com outras sociedades multirraciais, o
negros, embora acreditem que a sociedade, como um todo
Brasil ofereceria ao resto do mundo o exemplo de uma "demo- deva ser analisada em termos de classe. É por este motiv~
cracia racial" já realizada, onde negros e mulatos, usufruindo que os negros S~IO vistos como parte de um vasto .'iubpro-
igualdade de oportunidades, são integrados na cultura e letariado e não como um grupo separado que mereça um
comunidade nacionais. Esta visão otimista da singularidade tratamento espccial. 1
da situaç'ão racial brasileira contém uma mei:l-verclade. Quando
são feitas comparaçôes internacionais, o Brasil distingue-se Há vinte ou vime c cinco anos, considerava-se a sociedade
pela ausência de formas extremas e virulcn(;\s de r:\cistl\o. br:\silcira cliviclid;\ pur um dualismo estrutural, entre insti-
Não obstante, em termos de dominação do branco e subordi- tuições e padrôes de relaçôes sociais arcaicos e modernos.
nação do negro, o Brasil trilhou caminhos não muito dife- Os componentes tradicionaÁs da sociedade Ce a çonseqüente
rentes dos de outras sociedades multirraciais, ainda que sem degradação das massas, inclusive da população ele cor) seriam
o recurso a altos níveis de coerção. Como foi assinalado por o resultado da herança da plantação escravista, da monocul-
um observador estrangeiro: tura de exportação e da preservação de uma estrutura agrária
anacrônica. Apesar disso, na inte1ligenlzia e nos grupos
A posição do negro no Brasil dominado pelos brancos difere sociais progressistas, pr(~valccia uma atitude otimista
daquela dos negros em sociedades semelhantes de outras quanto ao futuro. De ;,corc!o com essa visilo, o desenvolvi-
partes do mundo somente na medida em que a ideologia mento econômico ulterior, juntamente com as rcf'ormas estru-
oficial brasileira de não-discriminação - por não refletir turais estabelecidas nos marcos de uma política nacionalista
a realidade e, verdadeiramente, por camuflar essa reali- e clesenvolvimentista, resultariam finalmente na integr8ção
dade - consegue, sem tensões, os mesmos resultados que econômica e social das massas até então excluídas. Os brasi-
outras sociedades abertamente racistas. 1 leiros de cor seriam incorporados nesse processo.

18 19
MJis recentemente comrreendeu-se que a dinàmicJ do difundida acerca da ordem racial brasileira: a crença de que
capil;t1is01o (hy)(!lldeJl/c coloca sérios oh,qt(lndo,'i ;\ intcgr:\<,':ín as rel:\ç'llCS Llciais no Nordeste (o lugar de nascimento do
da massa "marginal", Veio a instaurar-se, desta forma, uma "paraíso" étnico e racial) são melhores e mais "saudáveis"
perspectiva menos otimista, onde taxas elevadas de cresci- que no Sudeste do país. O clima nordestino de contatos
mento econômico e "marginalidade" social ahrangente s:ío inter-raciais sem atritos tem sido freqüentemente invocado
vistas como resultado simultâneo do desenvolvimento capi- como prova ele relações raciais mais igualitárias. De fato, o
talista dependente. Mais uma vez, a magnitude dos problemas contrário parece ser verdadeiro. A ordem racial do Nordeste
sociais gerados no período mais recente do desenvolvimento permeada pelo paternalismo e patriarcalismo tradicionais'
econômico brasileiro relegou os temas das rclaçôes raciais e tem nutrido desigualdades raciais maiores que as da regiã~
da situação social da população negra e Inulala a um esque- Sudeste,
cimento quase completo.' Em suma, ou bem os brasileiros A mobilidade social ascendente, experimentada pelos
negros e mulatos têm sido vistos como desfrutando, desde brasileiros de cor depois da abolição, foi tão restrita que
longa data, de uma integração na "democracia racial" do país, desigualdades raciais acentuadas têm sido perpetuadas até o
ou bem seu üestino tem sido vagamente vinculado ao dos presente. Este trabalho procura também explicar por que,
setores populares. tendo sido a mobilidade social individual dos não-brancos
Muit() emhora esteja longe de negar que () futuro ele negros insuficiente para atingir a chamada "democracia racial", a
e mulatos está intimamente associado à evolução política e adscriçâo racial fracassou na produção de uma identidade
estrutural da sociedade brasileira como um todo - e neste coletiva e de uma mobilização política de negros e mulatos
sentido o destino dos não-brancos relaciona-se ao de outras com o fim de exigir igualdade efetiva com os brasileiros
classes e grupos sociais subordinados - , um dos interesses brancos ou, noutros termos, de reivindicar que a mitologia
centrais deste estudo é precisar as formas específicas de domi- racial se tornasse uma realidade.
nação a que os brasileiros de cor estão sujeitos. Sem dúvida Este trabalho é dividido em três partes. A primeira (capí-
alguma, a grande maioria de negros e mulatos no Brasil é tulos I, Ir e III) examina as principais perspectivas teóricas
exposta aos mesmos mecanismos de dominação de classe que sobre escravidão, industrialização e relações raciais.
afetam outros grupos subordinados. Mas, além disso, as O capítulo I discute, em primeiro lugar, a comparação feita
pessoas de cor sofrem uma desqualificação peculiar e desvan- por Frank Tannenbaum entre a escravidão nos Estados Unidos
tagens competitivas que provêm de sua condição racial. e na América Latina. Procura mostrar que Tannenbaum supe-
O foco desta pesquisa concentra-se na estratificação racial restimou os efeitos de forças culturais e institucionais na defi-
e nos mecanismos societários que reproduzem as desigual- nição do status do escravo e na configuração das relações
dades raciais. Um ponto central da análise consiste em desen- raciais posteriores à emanci -:>ação, ao mesmo tempo em que
fatizar o legado do escravismo como explicação das relações negligenciou as diferenças estruturais entre os cena rios sociais
raciais contemporâneas e, ao invés disso, acentuar o racismo nos quais foram assimilados escravos e pessoas ele cor livres.
e a discriminação depois da abolição como as principais causas A seguir, são discutidos os paradigmas que enfatizam as
da subordinação social dos não-brancos e seu recrutamento dimensões coercitivas, remunerativas e morais da relação
a posições sociais inferiores. Dessa forma, a raça, como atri- senhor-escravo. Enqtlanto que a ênfase unilateral no lado
buto socialmente elaborado, é analisada como um critério coercitivo de relação senhor-escravo tem levado a conclusões
eficaz dentre os mecanismos que regulam o preenchimento sobre os padrões patológiros de adaptação psicológica e
de posiçôes na estrutura de classes e no sistema ele estratifi- cultural do escravo à servidão - dando lugar a características
cação social. grupais freqüentemente projetadas no período pós-abolição
Pelo menos no que se refere às desigualdades raciais, os para explicar o "mau ajustamento" à condição de liberdade
-, os paradigmas remunerativo e paternalista levam em
resultados desta pesquisa colocam em questão outra convicção

21
20
conta a capacidade do escravo para resistir à infantilizaçào e A segunda parte do trabalho (capítulos IV, V e VI) passa
desumanização. ela teoria para a constituiçào histórica das desigualdades
O capítulo II trata das diversas abordagens teóricas que se raciais no Brasil.
referem às ligações históricas entre escf;\vid:lo c reLl(:ôes No capítulo IV (> reconslituído o padrâo de distribuiçJo
t';lciais pé)s-cscravistas. É cliscutieb, em rrimeiro lug;lr, ;\ an;í- geográfica eb popu!a\:ão br;111ca e ele cor. Como decorrência
lise comparativ:l de I!. Iloetink cios padrr'll's de (';l1l'gori/.;l(·;l() dt' mais clt' tre·s sl'ClIlos de cscr;lviclão, no momento ch ;\ho-
racial nas socieebdes ele plantaçâo escravista ebs Améric\s. lição final (1888) a grande maioria de negros e mulatos estava
() objetivo da discussão é mustrar que os diferentes sbtcll1as conCl'ntr;)cla nas regVll's mais estagnadas e subdesenvolvidas
de identiebcle racial, gerados no rassado escravisL\, resul- cio país, enquanto os brancos concentravam-se despropor-
taram cios requisitos funcionais de sociedades onde ;1 relação cionalmente nu Sudeste em desenvolvimento. A política de
senhor-escravo era o princípio estrutural b<Ísico. Os sistemas estímulo à imigração européia implantada até 1930 reforçou
de categorização racial, formados no passado escravista, ainda mais o padrão' de segregação geográfica cios dois
constituem o .principal elemento de continuidade histórica gru pos raciais, inicialmente condicionado pela escravidão.
entre a escravidão e as relações raciais contempor;ll1eas. Em A concentração acentuada da população não-branca nas
segundo lugar, discute-se a orientação teórica que explica regiões subdesenvolvidas do país - e a decorrente escassez
as relações raciais contemporâneas como uma sobrevivência de oportunielades econômicas e educacionais - é assinalada
ou arcaísmo do passado escravista, com a finalidade ele destacar como uma das principais causas das desigualdades raciais
que a perpetuação ela estratificação racial depois do final da contemporáneas.
escravidão deve ser explicada em função dos interesses mate- O capítulo V aborda as conseqüências sociais da abolição
riais e simbólicos do grupo branco dominante. Finalmente, para os ex-escravos e as pessoas ele cor livres. No Brasil
é feita uma avaliação crítica da perspectiva que postula uma subdesenvolvido, particularmente no Nordeste, onde se
incompatibilidade entre industrialização e racismo. A raça, concentrava a maioria dos não-brancos, os ex-escravos foram
como atributo adscrito, tem menos significado em contextos assimilados, sem muita dificuldade, no sistema preexistente
industriais que pré-industriais, embora a industrialização de relações ele trabalho tradicionais e dependência senhorial.
não elimine a adscrição racial como critério que estrutura No Sudeste, a abolição coincidiu com a entraela maciça de
as relações sociais. imigrantes europeus e tanto os ex-escravos quanto as pessoas
No capítulo III são analisadas as relações entre raça e dois de cor livres foram inicialmente excluídos ela economia em
elementos centrais da estrutura secial, a estrutllra de classes expansão desta região. Foi somente depois de cessar a imi-
e o sistema de estratificação social. Depois de uma discussão gração européia, aproximadamente em 1930, que se acentuou
conceitual das ligações entre a estrutura de classes e a estra- o processo de proletarização e urbanização de negros e
tificação social, são examinados os vínculos entre raça e a mulatos e que uns poucos membros do grupo entraram nas
reprodução ampliada das classes sociais. É introduzida a fileiras da nova classe média.
distinção entre os aspectos principal e subordinado da repro- O capítulo VI estuda a evolução elas desigualdades raciais,
dução das classes sociais. O primeiro refere-se à reprodução em nível nacional e regional no século XX, e relaciona os
elas posições na estrutura de classes, enqu~\nt() () segundo graus rcLHivos ele desigualdade racial aos processos de indus-
destaca a reprodução elos agentes sociais e sua c1istribui,:âo trialização e urbanização. Apesar da desvantajosa competição
nas posi~'õcs da estrutura de classes. A raça é conccilualizada com os imigrantes europeus até 1930, a população de cor no
como se relacionando fundamentalmente ao aspecto subor- Sudeste, já por volta dos anos 50, estava sujeita a desigual-
dinado da reprodução das classes sociais, isto é, ao processo dades ocupacionais e educacionais menores que no Brasil
de distribuição dos indivíduos nas posições da estrutura ele agrário subdesenvolvido. Conquanto não eliminasse o padrão
classes e no sistema ele estratificação social. de subordinação de negros e mulatos, um rápido processo

22 23
de desenvolvimento econômico e urbani:;';t~';10 aumentou de quatro pessoas, esta pc~;quisa é melhor cio que teria sido
suas oportunidades ocupacionais e educacionais, diminuindo em outras circunst:1ncias. Essas pessoas são Maria Beatriz
assim o grau de desigualdades raciais, Nascimento, Cesar Guimarães, Amaury de Souza e Rafael
A terceira parte (capítulos VII e VIII) analisa as rclaçôes Baycc.
entre 1';1<;';1, mobilidade social c política. Atravl'S ck nOSS;l ;lmii'.ad(~ c longas conversas, M~Hia Beatriz
O capítulo VII trata dos diferenciais inter-raciais de mobi- N;lscillWllto cOl1lpal't i1hou c()migo scu extl'nso conhecimento
lidade social vertical devidos à discriminação racial e meca- sobre o negro brasileiro. ~ em a mediação de livros, Maria
nismos racistas de caráter mais abrangente, Não só negros e Beatriz ensinou-me o significado existencial de ser negro e
mulatos nascem desproporcionalmente em famílias ele baixo ser mulher no Brasil. Cesar Guimmães é a pessoa de cujo
status social, como também desfrutam ele menores possibili- tempo, boa vontade e inteligência mais abusei. Ele escutou
dades de mobilidade social ascendente que os brancos da com paciência, discutiu comigo o esquema inicial de alguns
mesma origem social. Em termos tanto de mobilidade social capítulos, ajudou a fazer mais claras certas idéias e inte-
intergeneracional quanto intrageneracional, os não-brancos ressou-se por todo o manuscrito, Nossa velha amizade diminui
sofrem uma desvantagem competitiva em toelas as fases ela algo a minha culpa por esses abusos. Amaury de Souza enco-
seqüência de transmissão ele status. rajou-me e deu valiosas sugestões sobre questôes substan-
Finalmente, o capítulo VIII estuda as relaçôes entre raça e tivas e metodológicas. Fe:" para mim, na Universidade de
política. A baixa posição do Brasil na elimensão de antago- Michigan, o processamento ele dados para os quais não havia
nismo racial e a desmobilização política do negro sào atri- programas de computador disponíveis no Rio de Janeiro e
buídas à ausência de mercados de trabalho racialmente comportou-se como é esperado ele um colega e amigo. Longas
segmentados, à fragmentação da identidade racial dos não- discussôes dentro e fora da sala de aula com Rafael Bayce
brancos, aos efeitos das ideologias de "branqueamento" e ajudaram a organizar e esclarecer minhas idéias, particular-
"democracia racial", a certos aspectos das condições de vida mente aquelas a respeito das relações entre raça, estrutura
da população de cor depois da abolição e ao persistente de classes e estratificação social.
caráter autoritário do sistema político brasileiro. Luiz Henrique Bahia ensinou-me a usar o Statistical Package
Durante meu trabalho nesta pesquisa recebi ajuda e coope- for the Social Sciel1ces (SPSS), iniciou-me nos mistérios do Rio
ração de várias pessoas e instituições. Pelas valiosas su- Da/a Centro e ajudou-me ;1 processar os dados usados no
gcstües e críticas, registro () meu agradecimento ;IOS membros capítulo VII. Os problemas de programação e processamento
da minha comissão de tese, professores Robert Blauner (ori- que enfrentei foram por ele resolvidos de bom grado.
entador), Arthur Stinchcombe e Tulio Halperin Donghi. Lúcia Inês Teixeira da Cunha datilografou com paciência
Vários colegas do Instituto Universitário de Pesquisas do e eficiência o rascunho de vários capítulos deste trabalho.
Rio de Janeiro (IUPERJ) leram partes do manuscrito inicial. A minha gratidão para com o Iuperj é múltipla. O Instituto
Pelos comentários e críticas, agradeço a Alicia Ziccardi; providenciou não só a infra-estrutura administrativa e material
Edmundo Campos, Edson de Oliveira Nunes, Elisa Maria para esta pesquisa como também propiciou o estimulante
Pereira Reis, Fernando Uricoechea, Olavo B, de Lima Júnior clima intelectual, onele se tem tanto prazer em trabalhar.
e Wanderley Guilherme dos Santos. Carlos Estevam Martins Dois anos de bolsa de estudos ela Fundação Ford me
também leu e comentou o capítulo III. permitiram completar o programa de doutoramento em
Como é ele costume, compete ao Icitor :lvaliar criticamente Sociologia na Universidade ela Califórnia, Berkeley. Uma
este trabalho e é dever do autor assumir a responsabilidade doação adicional ela Funuação Forel fez possível meu retorno
final por todas as suas falhas. Entretanto, tenho a certeza de a I3erkeley para preparar e apresentar a versão final da
que, graças à amizade, generosidade e influência intelectual minha tese,

24 25
o Center for Latin American Studies proporcionou o local APRESENTAÇÃO DA 2ª EDiÇÃO
para meu trabalho durante minhas duas permanências na
Universidade da Califórnia, em I3erkdcy.
Além do mais, houve pessoas que, no decurso da elabo-
ração elo trabalho, suportaram minhas neuroses de tese e
outras. Não tenho como agradecer a das.

NOTAS

, OZIDZIENYO. Theposilioll (!/blacks in Brazilial1 sociel)', p, 14,

2 Ibidem, p. 17,
3 O pequeno núm'ero de estudos sobre relações raciais contemporâneas
publicado na última década (em contraste com pesquisas sobre escravidão, Este livro foi escrito na décaeb de 1970 e a sua primeira
abolição e história agrária) é indicativo cio pouco interesse despertado edição data ele 1979. Nessa época, pouco se escrevia c publi-
pelo tema,
cava sobre relaç:ôcs raciais no Brasil. Aos influentes tr;Jbalhos
ele Florestan Fernandes som lvam-se os ele algllOs brasilianistas
como Ctrl N. Dcgkr e TllUmas Skiclmorc, e pouco m~lis. A
sociologia das relações raciais ocupava um espaço marginal
no cenário das ciências sociais, Na apresentação àquela
primeira edição, expus as minhas impressões sobre o estado
das artes nessa disciplina. Passados vinte e seis anos, muitas
foram as mudanças nas relações raciais no país e nos estudos
;t elas rebcion:lc!os, em cujo contexto dei continuidade ao

mcu tr;thalllO,
No plano estritamente pessoal, não posso deixar ele des-
t;IClr a parceria i nlL'lcctll:l I (om Nelson cio Valle Silva, iniciada
nos primeiros anos da déGlcla de 1980. Dessa parceria resul-
taram vários artigos e os livros Estrutura social, mobilidade e
raça (988), Relações raciais 110 Brasil contemjJol~âneo (1992),
Cor e estrat(ficaçâo social (999), este último com a partici-
pação de Márcia Lima, e Origens e destinos, desigualdades
sociais ao longo da vida (2003).
Entre 198ô e 1996, fui Vice-Diretor cio Centro de Estudos
Afro-Asiáticos (CEAA). No Centro, coordenei, junto com
Nelson, o Laboratório de Pesquisa sobre Desigualdades
R;lciais no Br:1sil. Participaram desse Lahoratório jovens
estudantes recrutados nos cursos de graduação em ciências
sociais ela UFRJ e UFF. Entre eles estavam Denise Ferreira
da Silva, Márcia Lima, Luiz Cláudio Barcelos, Marta Rangel,


Maria CeU Scalon, Olívia Gornes da Cunha c Olívia Galv;LO. acadêmica do tema nestes últimos vinte c cinco anos. Em
Todos eles continuaram seus estudos na pós-graduação, primeiro lugar, o fim do regime autoritário, em 1985, criou
completando programas de mestrado e doutorado, e a maioria um contexto mais favorável para a pesquisa sobre discrimi-
trahalha até hoje em assuntos ligados à questão racial, dentro naç,lo e desigualdades raciais. Como pode ser observado
e fora do mundo acadêmico. V;'irios deles participaram ativa- no Cadastro (p. 20), nilo parece ser simples coincidência
mente na organização elo Concurso Nacional de Dotações de que, de toda a produção sobre relações raciais e desigual-
Pl's(jllis;IS solll"l' () Negro n() Brasil, t"caliz;ldo dllr;lntc dc/.
dades do períod() 1970-1')90, (l5°/iJ cotTesponda ao qüinqüênio
anos. Olívia Gomes ela Cunha c Luiz CI{llIclio Barcelos sào 19.sS-1990. Algo semelhante ocorreu com as áreas correlatas
co-autores cle E'icravidão e relações raciais no Brasil: cadastro () que nos leva a considerar um outro aspecto: o process~
da produção intelectual (1970-1990), publicaclo pelo CEAA de consolidação e crescimento ela pós-graduação em ciências
em 1991. sociais e human~ls. A isto se soma o ingresso de um número
Da produção sociológica e demográfica sobre discrimi- pequeno, mas cn.:scente, de alunos negros nesses programas
nação e desigualdades raciais posterior à primeira edição de pós-graduação. Em terceiro lugar, deve ser assinalado o
deste livro, incluindo a minha, em conjunto com Nelson do papel de associa(;ões científicas, C01110 a ANPOCS, na pro-
Valle e a de outros autores que foram se somando ao tema, moção da pesquisa na área. Grupos de Trabalho sobre o tema
podem ser retiradas duas grandes conclusües. Primeiro, a têm se reunido na ANPOCS desde o n Encontro, em 19RO, até
rápida modernização social e econômica experimen\;lda pelo o rrescnte. Outras associaçôes científicas, como as das áreas
Brasil desde o final da Segunda Guerra Mundial até os dias de demografia c educação, também contribuíram para o desen-
de hoje - passando pelo "milagre econômico" dos anos 60 e volvimento da pesquisa nesta temática. Por último, outro ele-
70, pela "década perdida" dos 80 e pela abertura econômica mento facilitador da pesquisa demográfica e sociol6gica elas
iniciada nos anos 90 - não foi particularmente benéfica para relaçôes raciais foi a disponibilidade de informações oficiais
oS brasileiros de origem africana. A melhoria observada sobre cor/raça da população. A partir da Pesquisa Nacional
nessas décadas nos vários indicadores das concliçües de vida de Amostra Domiciliar CPNAD) de 1976 e elo Censo Demográ-
da população não diminuiu as distâncias relativas entre os fico de 1980, o IBGE voltou a registrar o quesito cor, que foi
brasileiros brancos e não-brancos. Em segundo lugar, os incorporado definitivamente às pesquisas domiciliares desde
resultados dessas pesquisas mostram que negros e mest iços a PNAD ele J 986.
(pessoas de cor preta e parda, na denominação oficial elo A década de 1970 teskmunhou o ressurgimento do Movi-
IBGE) estão expostos a clesv;lntagens c\lmubtiv~ls ;lO longo tnento Negr() no Brasil. N(',~sa d{'(";ld:1 e n:1 seguinte, d()is f01":llll
de todas as fases do ciclo de vida, e que essas desvantagens os temas centrais na !11oLilizaç;lo dos militantes. () primeiro
são transmitidas ele uma geração para a outra. foi a denúncia cio racismo e da discriminação .racial no país.
O crescimento ela produção acadêmica sobre relações O segundo foi a valorização ela cultura negra como eixo ele
raciais e desigualdades, bem como a de temas correlatos eonst itu iç;\o de lima idellt ielade racia I posit iva.
- escravidão e abolição, participaçào políticl, cultura c iden- Voltanelo ;lO pl;\l1o pesso;tl, a arinicLldc eletiva entre Discl"i-
tidade e religião - pode ser acompanhada até 1990, no já minaçâo (' desigualdades - e trabalhos posteriores a ele _
citado Escravidão e relações raciais no Brasil: cadastro da e o primeiro desses temas ela militftncia proporcionou-me uma
produção intelectual, com indicaçôes adicionais para a dé- aproximação com setores do Movimento Negro, e vários
cada de 1990, no ensaio de Lilia K. M. Schwarcz (999). convites para palestras, seminários e encontros.
Desconheço levantamentos bibliográficos sobre o período
Já na década cle 1990, configura-se um novo padrão ele
mais recente, mas todas as evidências indiretas levam a pensar
demandas e rcivindicaçôcs, centrado na ;:\c!oçào ele medidas
que o número ele estudos sobre o tema continuou crescendo.
antic!iscrimin;\I()rias e n:1 formulação ele políticas ele ação
Alguns fatores contribuímm para a lcgitimaç~lo e a cons()lida~:~10 afirmativa.

28
29
A Constituição de 1988, resultado da transição democrátic:1, dessas iniciativas no âmbito do Governo Federal, no período
é digna de nota neste sentido. Além ele salvaguarcbs relativas J 995-2002, enquanto Heringer (2005) apresenta as principais
a religiões, quilombos, culturas afro-brasileira e indígena, no medidas oriundas elos poderes públicos e da sociedade civil
seu artigo V, inciso XLII, ela define o racismo como crime no período 2001-2001.
inafiançável e imprescritível. Era assim ultrapassada a incícua Daclo o car:\ler recente elas iniciativas de ação afirmativa e
Lei 1.390 de 19'11, conhecida como Lei Afonso Arinos. A ele enfrentamento das desigualdades raciais, parece ser ainda
mudança da postura do Estado brasileiro em relação ~l cec\o para oferecer avaliações de resultados e cleterminar o
Cjl1est;10 racial, resultado ela ll1obili7.;1C,;;lO e do crescente gra\t de cot1verg0nch entre intenç,'()es, propostas e reali7ações
volume de informação sobre desigtulcbdes entre os grupos efetivas. O que não admite dúvidas é o fato de a questão
ele cor da pOpl1 hç,'ão, vi ria a ocorrer nesses ;1 nos ele 1990. A r;lCial ter sido incorporada definitivamente ao debate e à
celebração do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, agenda pública do Brasil, 'dgo que parecia muito pouco
em novembro ele 199'1, pode ser vista como cltalisadora provável vinte ou trinta anos atrás. A volta a um passado
dessas mudanças. Nas palavras do Presidente Fernando marcado pela omissào relativa ao racismo e à discriminação
Henrique Cat:doso, há o primeiro reconhecimento oficial da racial está praticamente descartada. No plano da produção
existência de racismo e discriminação racial no Brasil. A título intelectual, gostaria de crer que meu trabalho tenha sido de
ilustrativo, e ficando apenas no ~ltTIbito elas iniciativas do valia, de alguma forma contribuindo para essa mudança.
governo federal, cabe destacar a criação, em novembro de
Acrescento apenas que, salvo por correções de natureza
1995, do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valori-
pontual, esta edição rcproclul o conteúdo daquela publicada
lação da População Negra. No ano seguinte, é criado o Grupo
em 1979.
de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego
e na Educação; é lançado o Programa Nacional de Direitos
Humanos CPNDtn, que contempla uma sessão específica
sobre direitos da população negra. A este último, segue-se o
REFERÊNCIAS
segundo Progr;ltTIa N;lcional de Direitos f-Iumanos CPNDH rn,
lançado em maio de 2002. Atendendo a compromissos assu- BARCELOS, Luil CI{ludio; CUNHA, Olívia Maria Gomes da; ARAÚJO,
midos na campanha eleitoral, () governo do Presidente Luís Teresa Cristina Nascimento. Escravidão e relações raciais no Brasil:
Inácio Lula da Silva desenvolveu, nos últimos dois anos, cadastro da produção intelecttul (1970-1990). Rio de Janeiro: Centro
vários programas e políticas de promoção da população afro- de Estudos Afro-Asi:íticos/CFAA, 1991. 200p.
descendente, nas áreas de educação, emprego, comunidades
HEH.INGER, ]\osana. Políticas ele promoção da igualdade racial no
quilombo las e saúde, entre outras. Cabe destacar aqui a
Brasil: um balanço do período 2001-2004. Trabalho apresentado ao I
criação, em março de 2003, da Secretaria Especial de Promoção
de Políticas de Igualdade Racial (SEPPTR), destinada a esti-
t Workshop ela Hede c1e Estudo:, ele Ação Afirmativa, RIO ele Janeiro,
TUPERJ, 03 a 07 de janeiro de 200'1.
mular e coordenar as ações de inclusão racial, realizadas por
diferentes ministérios e órgãos do governo. A estas iniciativas JACCOUD, Luciana ele B.; BEGHIN, Nathalie. Desigualdades raciais no
do governo federal haveria que somar aquelas dos governos
estaduais e municipais, assim como as múltiplas ações de I', Brasil: um habnç,'o ela intelvençào governamental. Brasília: IPEA, 2002.

SCHWARCZ, Lilia K. MorilZ. Qucstào racial e etnicidade. In: MICELI,


ONGs e demais setores da sociedade civil.
Escapa aos limites e propósitos desta apresentação fazer
um inventário das numerosas políticas e iniciativas de
I
,t'
'.
Sergio COrg.). O que ler na ciência social brasileira (1970-1995).
Antropologia (volume n, São Paulo: Editora Sllmaré, ANPOCS; Brasília:
I CAPES, 1999. p. 207-325.
promoção da igualdade racial formuladas em anos recentes. i
{

Jaccoud e Beghin (2002) oferecem um panorama completo

30 31
m
C A P T u L O

'"
A' ~HA~AO ~tNHO~ I t~C~AVO

Uma das questôes ma is intrigantes no campo das relações


raciais refere-se ;lS ligaçôes problemáticas entre escravismo
e rela~:ôes raciais pós-emancipação. De ullla perspectiva
comp~lrativa, esta questão envolve a extensão cm que paclrôes
diferentes de relações raciais, desenvolvidos após a abolição,
estâo causalmente relacionados a variações internacionais
entre sociedades escravistas.
O escravismo foi uma experiência histórica crucial para os
negros nas Américas. Além de seu significado econômico, a
importância da relação senhor/escravo, como relação em que
as clivagens de classe e raça coincidiam quase perfeitamente,
reside nas formas em que moldou a tradição cultural e os
p;ldrôes ele organizaç'ào social do grupo racial subordinado.
De interpretações divergentes da relação senhor/escravo,
diferentes conclusões podem decorrer no que se refere 80S
características culturais elo grupo escravo no n)omento da
emancipação e à persistência ou estabilidade de tais caracte-
rísticas apcls o fim ela escravidâo. Por outro lado, avaliações
diferentes do caráter e durabilidade das características grupais
produzidas peLt l'Xpcril'llcia escravista dão fundamento a
diferentes interpretações da: relações raciais pós-escravismo.
O debate acadêmico sobre o escravismo foi centrado em
temas fundamentais, como o caráter capitalista ou pré-capi-
talista dos sistemas escravistas do Novo Mundo, a eficiência
econômica cio trahalho escravo em comparação com o tra-
balho livre, a import;ll1cia das forças materiais e ideológicas
na conform~l\';IO elas reLl(,'(lCS sociais dentro de sociedacles
escravistas e o status do escravo negro e o grau de severidade não
, , superestimou
, , apenas o impacto de fatores culturai's e
do seu tratamento em diferentes sociedades. 1l1stltuclOnalS na elefiniç;,o ela personalidade moral e do
A atençi10 da maioria dos historiadores (' cienti.su1s soci:\i,-,; statlls
, •.'
do escravo;
' .
a atenclo eXCe"'il'\T-l
.' < , , ,<
c1ecll'cacla
,<
a's
"
t ra d'lçoes
-
que estudaram essa institu ição gera Imente p:t ra no momento Instltuclon;IIS l: Ideológicas na conformação das sociedades
da aholic,';lO final. Por sua vei', , os ;ln;t!ist;ls de r('I:i('('WS r:lci:1is (,sCl';I\'ist;l.~ (' d:l.~ r('I;I('(')('s raci:1 is kvou t;ll11hé!l1 a ignorar as
contemporâneas ou enfatizam a continuidade cultural e hist()- dikrl'Ill,':ls 11:1 l'strutULI soci:t! d:1s comunidades lines que
rica - projetando vagamente as ordenações raciais contem- coexistiram com o escravismo e que se seguiram após seu
porâneas no passado escravista - ou ent:lo não conseguem término,
chegar a conclusões explícitas acerca das formas pelas quais De Ul1: pont:) ,de vista teórico, diferentes interpretações
o escravismo condicionou () desenvolvimento de arranjos eI~)S :lrr;lnJOs raO:11S presentes podem advir de conceituacões
raciais atuais. dIvergentes do passado (,Sl'ravo c ela natureza da ret~ção
Uma maneira freqüente ele ligar o escravismo ~lS rela\'ôes senhor/cscr;lvo. O eX;l1llC dos v;írios paradigmas da rela<,.~ão
raciais pós-emancipaçi1o tem sido a de explicar a subordinação senhor/escravo é I1ma 1lledida parcial na procur:t cLt Iigaç'ão
social dos negros, após o fim elo escravismo, como função entlc l'SCr:1VISIllO c rcl:1ç'Ôl'S Lidais pós-a!Joliç'~l(), na mcdida
dos traços grupais origin:llmente moldados pela experiência em CJue' esses p;lradigll1:ls se referem à extensão em que o
escravista, Os principais pontos em questão aqui parecem escra\'lSl110 produzilJ, mais ou menos permanentemente um
ser se a adaptação dos escravos ;l servidão implicou formas cO~1junt() de características f;OClaIS, psicológicas e cult~lrais
ele mau ajustamento psicológico, cultural e social, e o grau propnas do grupo ~'scravo c seus descendentes, O julna-
mento acerca da qualidade específica e estabilidade eles~as
de heteronomia do comportamento dos escravos, Generica-
mente falando, na literatura especializada sohre escravismo I
t
características grupais é, por sua vez, básico, ao escolher
entre explicações alternativas da posição socioeconômica
e rclaçôes raciais, quanto maior é a ênfase dada ao compor-
I cios negros :Ip(ís <l :lholi<,.'ão,
tamento helcrôno!11o dos escravos e :1 ;ld;tp(;l~:;l() :11101'11lal ou
patológica à servidão, mais as relações raciais pós-abolicio- I As restantes partes deste capítulo se::rào dedicadas a inter-
nistas tendem a ser explicadas em termos ela herança escra- I pretações ,do escravismo <:'111 que as dimensões coercitivas,
vista, Inversamente, as perspectivas que acentuam a adaptação I remuneratlvas ou l11anipul: 1tivas, e morais ela relação senhor/
não-patológica dos escravos ;l servidão e a relativa autonomia
do comportamento e cultura escravos estão lig;lelas a pontos
I escravo são enfatizadas, O paradigma de Elkins do escravo
" Z~<'1111 b o,
" .t a I como retratacIo em seu Slavel)', a interpretação
ele vista que tendem a explicar a posição social inferior elos remuneratIva da relação senhor/escravo de Fogel e Engerman
negros e as relaçôes ele raça, após o fim do escravismo, em
f em Time O!7 tbe eross, e o paradigm~i paternalista de Genoves~
termos de racismo e discriminação raci:11. Este l':1 pítulo tel1L1r;1
determinar a extensão em que a experiência escravista condi-
I I
scr:lo c!iscutidos,
Como ser:1 visto mais adiante, todas as sociedades escra-
cionou de forma mais ou menos permanente certas caracte- I vistas ,d: plantação elas Américas basearam-se em combinações
rísticas gru pais dos escravos negros e seus descendentes
livres, de modo a melhor avaliar a import;lncia causal da
I
)
espenflc1s dos componentes coercitivos, instrumentais e
morais da relaç:ão senhor/escravo, Nessa medida, as inter-
escravid,lo nas rclaçôes raciais pós-emancipa<;ão,
As variaçôes internacionais nos padrôes elas rela\'CJes raciais
contemporàneas têm sido atribuídas às diferenças nas socie-
I prCL1('Ôl'S do escravismo que enfatizam particularmente uma
ou outra dessas c1imensôes não precisam ser inteiramente
incompatíveis, No entanto, dependendo da ênfase relativa
dades escravistas elas Américas, Na próxima parte será discu- f em qualquer uma dessas três dimensões, seguem-se diferentes
~ conclusões no que se refere ~I caracterização sociopsÍCológica
tida a análise pioneira comparativa de Frank Tannenbaum
em S/ave al1d citizen, A influente comparação de Tannenbaum f
i
do grupo escravo. Assim, embora os paradigmas remunerativos
entre () escravismo ela América Britftnica e o da América Latina e patern:tlistas não neguem o caráter altamente coercitivo da

37
relação senhor/escravo, eles dão lugar à consideração cio
nacional na América Latina, Muito jJelo contrário 'F I
comportamento e ela cultllr;1 escravos como aut(lOOtllOS e cio II 'I " < ,nos ~stac os
nlloS, ;1 emall(,lpa~';'I() exigir:1 um:1 guerra civil e os cx-
desenvolvimento de adaptaçôes nào-patolôgicas :\ servidJo,
escravos continuaram a ,;ofrer severas privações,
Uma ênfase unilateral no aspecto coercitivo da relação senhor/
escra vo leva geralmente a focalizar o comportamento dos As teses de Tannenba um têm sido fortemente at'lC"lcl '
'I' " , " , ' , , as no,';
escravos como completamente heteronômico, e sua adaptaç:lo U
I tlmos ' ,Inos, DUVidas foram lev'll1t'lchs" ) aos e'f"eltos
" qll'lllt('
,
à plantação como patológica - características grllpais que 1Ul11a11lzaelores ela legislação latino-americana, Por outro lado
podem facilmente ser projetadas no período pós-emancipação cO,mo, observou Amolei A' Sio " 't clespeito " " q uanto a Iei'
cio
respeitava a personalicl:lcle moral do eSC'l"IVO sob () e" '
para dar conta da posição social inferior dos negros e seu " " , " SOaV1S1110
"mau ajustamcnto" à liberdacle, ~~)1:10 ~1~~l'l11:\ ele, pl:tntação industrial ocorria uma extensa
,ISS 11111 1.1 (ao cios direitos elos escravos à propriedade em lei
/\ c11SCJ'll11In:lç;lo
I ' r:lCi:lI n:1 i\m('I'ica I atin'l !)rocllIZI'll t I l ' '
' " , ; m )CI11
uma c ualldade no S/O/IIS do escravo enquanto propriedade
A ESCRAVIDÃO LATINO-AMERICANA E e enquanto membro ele Utn'l CISt'I l'acI"112Qll'lllt' _
'" , ' ,,' " ' o a questao
BRITÂNICO-AMERICANA COMPARADAS: d~, :1,lt:ll~l(:'n~o ~Io~ ('scr:1\ os - um assunto que não pode
FRANK TANNENBAUM E SEUS CRÍTICOS sei IntClLIl11Cl1tl cilssoclado cio reconhecimento <I" "" ,
I' I I " pelSOnJ-
,l( ,:Ill' mO!':I,1 dos 1l1esmos - I'ato!'es outros que as Illolclur:\s
Frank Tannenbaum foi o primeiro autor a observar siste- 111Sttluclo11alS
,
e~,,'"
as tradiçc')cs cultur'11's" t'tl'S "
C'()l11()'o estagio
"
maticamente o impacto comparativo das tradiçôes clIltur:lis e do CICio economlco de sistemas" ele, pl'lllt'lÇ:-IO l'f'
, ',' e I crentes
institucionais na estrutura da relação senhor/escravo,! Com () tall~;~,nh() ll1C>dio das plantaçôes, a continuaçJo ou nj'(~
hase na contrihuiç;ão anterior ele Freyre, ele adiantou a opinião do I trafico ' ele escravos :tfricanos" c o C'1l'1t('r , . , ["SI'cl,
,,' en t e ou
de que as cliferenças entre os sistemas norte-americano e a )Sentl'lsta da classe dos proprietários de plantaç~lo têm-se
latino-americano de escravid{lo deveriam ser buscadas no con- mostraelo responsáveis por grande p'lfte , da V,,'I'I'
" açao - no'
tratamento dos escravos" ,
texto religioso e institucional elos espanhóis c portugueses, em
oposi(}lo ao dos colonizadores anglo-sax(ll's, /\ ('scravid~() , f'vksl11o a 11,::rt(' Li:l com pa r;l('ão entre sociedades escravistas
na América Latina foi marcada pela expcriC?l1cia cscravisLI efetuada por lannenhaul11, que é amplamente accih ' '
, f' ' . , o 1T1.1I-
prévia na Península lbérica e () contato com os mouros, a (~r e ma,ls acli acesso à lihercl:ldc através ela alforria na Amé-
tradição católica desses p;líses e a existtncia de um:1 tradiç':lo !'lei! Latina, ,\('111 estado sujeita ;1 interpretaçClCS alternat ivas,

jurídica regulando a escravid~o, Esses elementos institucionais N:I expllC':Iç';lo materialista ele Marvin Barris, a emergência de
e culturais foram traduzidos numa variante mais suave de :1l:la classe livre de não-brancos, ocupando posições intermedi-
escravismo, Assim, o reconhecimento da personalidade moral anas entre senhores e escravos foi determin"cla pel'ls Clrcuns- '
I A , ' ' " "

e espiritual do escravo expressou-se na maior freqüência de tanClaS demográficas e econômicas dos colonizadores ibéri-
alforrias e na assimilação mais fácil dos libertos, Pelo contrário, I cos na fase inicial da colonização,"
as instituições e cultura anglo-saxônicas, baseadas no governo t
~
, Um ponto importante ao qual os críticos de Tannenbaum
político descentralizado e carentes tanto das restrições corpo- na~ prestaran: atenção suficiente pode ser aqui mencionado,
rativas do catolicismo quanto duma tradição jurídica regulando A, enfase ele 1annenbaum nas concepções ibéricas pré-Ilumi-
as relações com escravos, resultaram numa variante mais dura ~lst,:S ele Igualdade moral foi seguida por sua pOuca atenção
de escravismo, onde a personalidade moral do escravo era
negada, Da comparação elas duas variantes ele escravismo,
t
I
j
as diferenças nas estruturas sociais e políticas das comunidad
l' , ,
lvre5, as quais os não-brancos foram incorporados num "
" I
es
caso
Tannenbaum explicou o caminho pacífico na direção da abo-
lição c a fácil incorporação dos ex-escravos ã comunidade
j c, reJClt~lc os no outro, Se a escravidão e a liberdade na Amé-
l'lca Latll1a estavam pr6ximas uma ela outra, como argumentou
I
I
~

I
i 39
Tannenhaum, não era porque o status elo escravo brasileiro escravos brasileiros foram forçados a cair numa armadilha
ou cubano fosse muito diferente do escravo norte-americano, ideológica duradoura, em que as formas simbólicas de inte-
mas sim porque o status da maioria elos homens livres na gração - a "democracia" e o "paraíso" raciais - são fracos
1\11ll'rica Latina lÜO estava longe da condi<,)o de escr~lvid:'I(). suhstitutos da igualdade econômio c social entre hrancos
Em S!cl/Je aJld citi.zen, Tannenbaum afirmava que uma tenclen- e negros.
ciosiclaclc contrária ~I liherdade se operara nos Est:ldos I iniclos,
:10 passo que, no Brasil, a tendenciosiclack era a favor (h t
liberdade. Isso pode ser aceito, se devidamente especil'icldo. A CULTUHA ESCRAV!\ OU "ZAMBO":
Primeiro, a própria noção de Jil.jerclade, cujo sentido abstrato
ELKINS E SEUS CRfTI COS
advém de sua oposição ao cativeiro, eleve ser especificada
historicamente, visto que apresentou sentidos bem diferentes
nesses dois contextos nacionais. Segundo, no que se refere
I St;ll1lcy 1\1. Elkins, t:llnh,':;m partindo de uma perspectiva
comparativa, desenvolveu um argumento que elabora um
aos n;lO-brancos livres etn ambos os contextos, a t10(::'IO de f pouco mais as teses de Tannenha1l111. Flc aceita () argumento
liberdade (ap~sar cio título cio ensaio de Tannenbaul11) nâo
pode ser equacionada à cidadani;l em qll~llqLler dos cl.~()s,
I! h:ísic() ele T;lntwnh:11I111 ;1 ('(' r(';1 do imp:lCto da tr~ldiç':I(), Igreja
c Estado ihe'ricos, sohre () f'l'l'onhecimcnto da personalidade
principalmente porque os ex-escravos não conseguiram a
mor:!l l' hUIl1:lnidacle d()s vscravos na América Latina, mas
cidadania plena.
cnfatiza o impacto psicol6gico sobre os escravos da natureza
As crescentes restrições à alforria e as privaçôes sofridas capitalista da pia 11 taç;lo sul ista norte-americana. O desenvol-
pelos negros livres nas décadas anteriores à Guerra Civil vimento ela plantaç:ío dentro clt' um contexto ele capitalismo
americana antecipam () sistema .fim ermu e a democracia tipo indiscutido significou que as consicleraçôt's econômicas não
"Herrenvolk", aperfeiçoados na passagem do século, para foram restringidas por arranjos e instituiçôes anteriores.
prevalecer por mais de cinqüenta anos. No Brasil, n~l() s() as "COtl1 () pkno desenv()lvil~.1l'nto ela pl:lnl:I\'~lo, nada houve,
chances de alforria dos escravos foram relativamente maiores, em rcla,';lo ;IOS inlt'tTsscs Idos plantadores), que impedisse
particularmente durante o século XIX, como o S/O/IIS das () capit:t1ismo 11:'10 mi1ig:ldu de se tO!'l1:lr l'scr:lviSl110 n:'lo 111iti-
pessoas de cor livres n:lo el':1 t;lO diferente do dos hr:lll\'os g:Il!()."(' P()r SII:I \'('/, () 1'l'.S\ 11t:ldo do ('.c;cLlviS!110 t1:IO Illil ig:l(\o
de classe baixa, tanto antes quanto ap6s a aboli,·;'IO. I\ssim, foi a person;t!icl:lde do l'S('f';IVO 1~It1lh():
os negros americanos foram relegados i't cOl)di~':l() de n:'lo-
cidadãos ou a uma cidadania de segunda classe dentro de
uma sociedade democrática liberal, já dedicada ao expansio-
o zambo, escravo típico (Li plantaç:ào, era dócil porém irres-
ponsável, leal porém preglli(,'oso, humilde mas sempre dado
nismo internacional. Os negros e mulatos brasileiros foram a mentir e roubar; seu comportamento era to)o e infantil c
admitidos com menos restrições numa classe baixa politica- sua tagarelice c11<:'b de exageros de crianí;a. Sua rela(;ão com
mente sem voz, dentro ele uma sociedade altamente desigual seu senhor era (k 101:11 dependência c liga<;;ào infantil: era
e de regime autoritário. Com exceção de uns poucos casos de ele fato essa qualidade- infantil que constituía a vndacleira
mobilidade ascendente que afetaram um número ínfimo de chave cio Sl'U ser."
mulatos claros, os negros e mulatos livres foram aceitos como
inferiores, social, política e cconomicamente. Isso não signi- o poder ahsoluto do senhor significou "dependência
fica negar a versão atenuada elo ideal de supremacia branca absoluta para o escravo - a dependência não da criança em
na América Latina e os efeitos do maior volume elc miscige- desenvolvimento, mas cLt criança perpétua". A dependência
nação no favorecimento de um clima racial mais tolerante sem amparo foi um resultado do ajustamento ao sistema
- com toelos os matizes paternalistas dessa tolerância. s A fechaclo cle autoridade da plantação - com o senhor como
ironia da história é que os descendentes dos rebeldes único outro significarúe - em que os escravos foram inseridos.

!to 41
Elkins reforça seu diagnóstico da personalidade zambo através desenvolvidas dentro da plantação. Elkins minimizou a exis-
el:1 analogi:l, comparando a experiência da escravização com tência ele "outros significantes", códigos culturais e um sistema
outro sistema fech:ldo de poder que também envolveu infanti- de sançôes dentro da comunidade escova.
lizaçJ.o: os campos de concentração alemães ele nosso século. As comunidades escravas nas grandes plantações consti-
tuíram, com() sugere Mina D. Caulricld, unidade,~ culturais
Âmhos [campos cle concentraç:-lo e p1antaç~ol cr:ll11 sistcmas operantes, que deram lugar a padrôes de comportan1ento
fechados em quc todos os p:ldrClcs haseados cm re!aç'(leS alternativos ao estereótipo do zambo. A despeito do grau de
anteriores tinham sido detivamente elimin:ld()s. Um ajusta- isolamento da sociedade mais ampla, "o escravo não apenas
mento funcional a qualquer dos sistemas exigia uma confor- podia como era também forçado a achar suas figuras signifi-
midade infantil, uma escolha limitada de "outros significantes".
cantes dentro ela sua própria sociedade, adotar ele próprio
 cruelcbde de per si n~o pode ser considerada a clUsa pri-
os import:llltes papéis sociais de fornecedor, transmissor de
mária disto; de muito maior import5ncia foi () simples "fecha-
tradiç~o c líder entre o seu próprio pOVO".ll No que se refere
mento" do sistema, no qual todas as linh:ls de autoriclade
provinham do senhor e no qu:ll as h:lses S()CÍ:lÍs alternativas i\ analogia dos campos de concentraçJo e das plantações
que poderiam dar base a padrôes alternativos eram sistema- l'sera vistas,
ticamente suprimidas. B
a infantilil.:1C10 que Elkins descreve como típica de sobrevi-
A controversa ohra de Elkins tem sido criticada sob vários ventieS cios campos dc concl'ntraç~o foi produzic1a por uma
aspectos. Uma linha ele crítica tem a ver, como no ClSO das sitU;l(':!O ele vida que CHl'ci:l virtualmente elc quaisquer
críticas a Tannenbaum, com as diferenças entre o eScra- das características ele uma cultura operante. Um campo
vismo latino-americano e norte-americano. Como ohservou ele concentração tinh:J seus limites traçados pela morte,
scm procri:lc:\o, Sl'1ll a lransmiss;lO de comport:lmento aprc-
Genovese, Elkins superestimou a influência mediadora ela
iendiclo ele l1111a geLlç;lo :1 ~wgl1inte." No caso do escravo
Igreja, Estado c tracliçôes entre os senhores c cscr;lVOS n:t ;l11H'J'icano, !l() enLlnt(), a Lima gl'l':l(;:lO s<.'gllia-.'i(.' outra c :1
América Latina e subestimou as forças contrariantes da fonnaçào ele lima estrutura social rieconhecível era apa-
pressão ela comunidade e os aspectos patriarcais não-capita- rente na maioria das comunidades escravas. É importante
listas do escravismo americanoY As evidências apresentadas distinguir aqui entre a c.strutLlra social baseada na autori-
por David B. Davis, A. A. Sio e C. N. Dengler têm mostrado, dacle do senhor, que era pouco mais que uma l'xtensào
convincentemente, que em nenhum dos C1S0S houve Ui;; dife- (LI opressào atraVt'S ele agentes recrutados cntre os próprios
renças sistemáticas na lei e no costume entre o escravismo cscr;l\'OS (cll'at:lzes n'.?gros'J, e aqUl.'l:1 1):\seacl:1 na estima
atrihuída l'In virtude> de atrihutos culturais respeit:t(1os inde-
norte-americano e o latino-americano, nem tampouco os
pendentemcnte ela tut<:l;l do branco.12
funcionários da Igreja e da Coroa representaram, para os
escravos latino-americanos, uma ampliação elo conjunto de
Além ela argumentaç;ão a respeito da prevalência e estabili-
"outros significantes" ou linhas de comunicação com a socie-
dade da família nuclear nas senzalas, desenvolvida por Fogel,
dade abrangente. 10
Engerman e Cenovese, () recente trahalho ele Ikrbert C~lltll1an
Outra linha de crítica, referida :1 analogia entre eSCf;lVOS clirigiu mais um:l vez a atcnçào para as formas de ac1apt:lç:Io
americanos e prisioneiros de campos de cOl1centra<::\o e ao cultur:t! ;tutt1l1011l:1 do grup:) escr:l\'O, desellvolvidas coletiva-
paradigma do zambo infantilizado, é mais importante para se mente para resistir ~l cksu :llanização e à privaçi\o psicoló-
avaliar o grau de hcteronomia do comportamento cios escravos. giC:L ESS:lS !'or111:1s de ;ltLl pt;l~::l(), quc l'\'oluír:llll hast:tnll'
A insistência de Elkins no fato de o escravo ser arrancado de inclepcndcntcnlCntl..' do trat:1l1lCnto recchido pelos escravos,
sua cultura africana tr:tclicion:t1, carecer de p:lpt'is altcrn:ltivos !>;tSl':lr:tlll-SC l'1l1 v:t!()rcs tr:lllicioll:lis. Estruturas familiares e
c vida familiar significativa e est:lr sujeito :10 p()clcr tot:t! do de P:1!"Vl1tl'S('(l r(lr:lll1 :1 C!1:1Vl' p:lra;l !'()rm:l~.':\() clt' U111a (,()I1S-
senhor levou à negligência elas tradiçôes culturais autônomas cil'ncia de cOl1lunicl:ldc c a transt11iS,~;1O da hcran<C':l cultural

42
de uma geração a outra. 13 O trabalho de Gutman favorece a
()pini~1O de que excessiva imporLlncia tcri:1 sido U1I1Cl'clit!;1
l
r
organização familiar matriarcal, dentro da qual o homem
dl'scll1penh~lva um papel inaclcq\l~\c1o, se algum. O argu-
aos padrões da cultura branca dominante - para Elkins a r ment.o cont1!1U:l, mostrando que, uma vez que a vida familiar
inLtntilização do escravo decorre da n~lo-disponibili(bdc cios f amerICana é patriarcal, a formulação matriarcal é patológica
papéis da sociedade branca fora da plantação - l'111 detri- l e perpetua uma cultura negra patológica. li
mento cios recursos culturais de adaptação desenvolvidos I! Para o liheral, essa ênfase na continuidade do passado
dentro da comunidade escrava.
Embora confirmando que a personalidade do estereótipo II pode levar.a _um conforto livre de culpa, já que se sabe que a
atual conc!tçao dos negros não é, em grande parte, o resul-
cio zamho de fato existiu, Elkins rejeitou a interprctaç;lo desta
em termos de inferioridade r:ll'Í:t1, como ocorri:\ na idcologi:\
I
!
taelo ela eli.'icril1lina~'i1o vigente, mas, pelo contrário, aelvém
(L\ Opl'l'SS:lO !lo p:\ssaclo escravista.
dos senhores. Iktratou-;1 como um resultado do ajust:\I11Cnto I Em suma, para Tanncnb:lum e Elkins, as variaçôes inter-
ao poder absoluto. A não ser nas suas nol:lvcis ()hserva~:C)es
a respeito da rigidez de critérios dos americanos hrancos na 1 nacio~:\Ís na relação senhor/escravo são uma C()~'SeClüência
definição das' linhas raciais, Elkins não se aventurou nas
seqüelas do escravismo, nem extraiu conclusôes explícitas
acerca ela adaptação dos ex-escravos à liberdade. Contudo,
a ampla aceitação de suas teses entre os cientistas sociais
! das diferentes tradi\'ôes culturais, religiosas e jurídicas das
sociedades do Novo Mundo. Além disso, na opinião de
Elkins, a personalidade do escravo zambo é o resultado
sociológico de urn sistema de plantação, que nasceu dentro
americanos na década de 1960 teve conseqüências de longo :10 co~text:) do capit:tlist11o não controlado. A dependência
alcance. De fato, a tentação de explicar as atuais manifes- mfanttl se1'1a, assim, o pro luto do poder total do senhor de
tações de "patologia" social e psicológica - dentro da qual escravos, um poder exercido sem a interferência de motivos
estaria a ruptura na vida familiar do negro - como herança extra -econômicos.
do escravo emasculado, irresponsável e privado de família
tem sido grande. Como é afirmado em Thc Ilcgrofa117ily: the
cose (!! nalioi/(/l ac!io1l: o ESCRAVISMO COMO SISTEMA ECONÔMICO:
FOGEL E ENGERMAN
De qualquer maneira, no centro do emaranhado da pato-
logia está a fraqueza ela estrutura familiar. Em primeiro ou Independentemente da" cliferenças na tradiçâo cultural, é
sl'gunc!o grau, será el:t a princip:tl fonte ele grande p~\rte
um:1 ClUl'SI;\() de opinião :lcad0mica c crcl1\:a comum que a
do comportamento aberrante, inadequado ou :\l1ti-soci:t1
ascens;10 ela economia de plantação está associada à cruel-
que não foi estabelecido, mas que ora serve para perpetuar
o ciclo de pobreza e privação. Foi destruindo a família dade, à desumanização e à emergência dos piores aspectos cio
negra durante a escravidão que a América branca quebrou domínio coercitivo sobre os escravos. Inversaménte, a manu-
a vontade do povo negro. 14 tenção da escravidão por motivos aristocráticos, não-econô-
micos, durante a fase ele clecadência ele sistemas de plantação
Assim, uma personalidade patológica auto-sustentada, há muito tempo estabeleciclos, permitiria aos senhores' d~
moldada pela escravidão, foi transmitida pelas famílias escravos cultivar um patriarcalismo benigno e trazer à tona
matriarcais de uma geração ã seguinte, como uma herança os aspectos mais consensuais da donlinação, tal como
expressos no fortalecimento das formas tradicionais de asso-
subcultural.
ciação moral entre membros ela comunidade da plantação.
Em suma, o argumento é o de que o escravismo americano Com a publicação ele Time Oil tbe erass, de R. W. Fogel e S.
arrancou do negro sua cultura e seus direitos mais ínfimos L. Engerman, a possihilidade ele uma classe dinâtnica de
e que o negro, sob contínua opressão, desenvolveu uma capittlistas agrícolas ohtel' a colaboração de trabalhadores

44 í5
escravos para a empresa lucrativa foi novamente concehida. j(, se comprazia no exercício ela força ilimitada por si só. Geral-
Contr(lrios ~IO sentimento neo-aholicionista e J aClls;l~'ão feita mente usava a força exatamente com o mesmo propósito
ao escravismo de ser economicamente indkiel1lc, el1l SU~\ com que recorria :1 incentivos positivos - a fim ele alcançar
o maio!' produto ao ClIsto mais baixo. IH
análise econômica do Sul pré-seccssionista, rogel e Enger111an
retratam a plantação escravista como uma empresa all~!mente
lucrativa e um empreendimento capitalista modelo. Algumas deficiências do estuelo ele Foge! e Engerman sobre
o escravismo americano podem decorrer ela transposição auto-
Neste paradigma heterodoxo da rcla<;ão senhor/escravo,
mática de categorias da economia neoclássica, estabelecidas
:1 n:lturcza capitalista da plantação cscravi.~ta não é levada ~l
para analisar um tipo ele sistema econômico, a um tipo de
origem burguesa dos primeiros plantadores. Ao invés disso, economia estrutl1l'al1l1cnte dil'crentc. Mesmo se as conc1usôes
as cruas taxas de retorno dos ativos da planLt~'ão - inclusive acerca da vi;!bilidade e lucratividade econômica elo escra-
escravos - falam ele per si. A chave do sucesso econômico vismo sulista fossem indiscutíveis, transformar o caráter
das plantaçôes sulistas nâo foi nem a disponibilidade ele lucrativo do escravismo numa prova da natureza capita-
novas terras férteis nem o fornecimento de escravos através lista ela plantação escravista implicaria dois riscos paralelos:
do comércio inter-regional, mas antes "uma for~'a de trabalho (a) um reducionismo pelo qual a identidade entre dois
altamente disciplinada, altamente especializada e bem coor- sistemas econômicos e sociais - a plantação escravista e
denada"Y Longe de ser preguiçosa, indolente c inepta, um;l () capitalismo - é derivada elos motivos dos atores indi-
população escrava bem alirncntada e saudável fornecia :) viduais; (11) a introdução de uma tenclenciosiclade sistemá-
número necessário de trabalhadores competentes. Isto fOI, tica na análise do comportamento dos atores. Assim, a ênfase
por outro lado, o resultado ele práticas aperfeiçoadas de orga- exclusiva no escravo como investimento lucrativo tende a
nização do trabalho, em que a força era habilmente combinada relegar a complexa rede ele relações sociais e suas proprie-
a un~ sistema de recompensas a curto e longo prazo, a fim de dades emergentes a um plano secundário, difuso. Tanto
promover o trabalho eficiente e responsável. O escl'avo era senhores quanto escravos aparecem uni18teralmente como
tornado sensível a incentivos materiais e oportunidades de maximizadores de utilidades "burgueses". Isso é sugerido
mobilidade dentro da hierarquia ocupacional dos escravos. pelo retrato do plantador médio como um astuto calCl;lador ,
Apesar da muito divulgada (embora menos freqüente do q~le que guia seu comportamento por considerações de mercado, e
se pensa) procriação para a venela dos escravos, expl~raçao é relativamente carente de paixões e impulsos aristocráticos.19
sexual e promiscuidade, um elemento fundamental do sIstema No que se refere aos escravos, a ênfase nas suas estratégias
de disciplina e fonte da elevada taxa de crescimento vegetativo individuais de sobrevivência na adversidade - que supõe
da população escrava foi a promoção da família escrava nuclear uma estrutura limitada, porém, efetiva de oportunidades
estável - uma promoção em que o interesse econômico elo sociais - e sua ampla acei ação da ética protestante burguesa
senhor de escravos combinava-se á moralidade vitoriana. dos senhores subestima as estratégias coletivas para resistir
Assim, a política do chicote e mel, seguida pelos planta- ;\ opressão, tais como o desenvolvimento de adaptações e
dores, ni\o resultou nem no zamho preguiçoso e infantilizaclo padrôes culturais autônomos de vida comunitária.
de Elkins, nem no escravo rebelde e avesso à colaboração As deduçôl's de Fogclc l~ngcrman nJo podem ser gener:l-
descrito por K. Stampp. lizadas para outras sociedades escravistas, nem eles preten-
deram tal coisa. As principais conclusôes de Time on lhe erass
foram recebidas criticame;1te e, sem dúvida, algumas delas
o ponto crucial do sistema não foi a crueldade, mas a
força ... O que a maioria elos plantadores procurava nào era a serão revistas ou mesmo rejeitadas. Nâo obstante, Time al1
suhmissão "perfeita" mas a submiss~\o "ótima" ... O astuto lhe eross representa uma ruptura na tradição dos estudos
l'lllpres(!rio capit:tlist:\ que dirigi;! a plant:l\';)() l'scr;!vista não sobre escravismo. Essa obra lançou um pouco de luz sobre uma
era geralmente um indivíduo psicologicamente perverso, que dimensão do escravismo, até então, um tanto negligenciada.

46 47
A diferença da maioria dos estudos sobre o assunto, preo- Como um todo, no entanto, os escravos não são respeitados
cupados principalmente com os laços coercitivos e morais como pessoas; entre cs próprios escravos nào hi auto-
respeito independente do senhor. De fato, o escravo não
entre senhores e escravos, deve-se a Fogel e Engerman pelo
pode ter personalidade capaz de um comportamento
Luo ele terem conduzido a investigação mais sistemática da responsável, autoclirigiclo. Sua individualidade permanece
dimensão remunerativa ela relação senhor/escravo. Embora submersa sob a esmagadora autoric18de do senhor. 21
essa dimensão não esgote o complexo sistema de trocas assi-
métricas entre senhores e escravos, o uso ele incentivos como Em seu estudo da escravidão no Brasil meridional, Fernando
instrumento de controle social e como forma de obter consen- H. Cardoso também acentua a necessidade de violência senho-
timento elos escravos desempenhou um papel inegável na rial para transformar um homem num escravo. Todavia, com
reprodução da plantaç'~to escr:lvista como empresa econCm1icl o desenvolvimento do trabalho escravo e a transfOrm;l(ão do
e comunidade social. escravo num instrumento inteligente - como no caso de
A aceitação pelos escravos de pequenas recompensas ma- artesãos c domésticos - o escravo negava, com seu compor-
teriais e certas oportunidades sociais - incluindo uma vida tamento, as representações elaboradas a seu respeito pelo
familiar signifi'cativa e alguma mohilidade social - abriu senhor ele escravos, revelando, assim, em sua plenitude, a
possibilidades para a realização individual que, emhora limi- contradiçào inerente à condição escrava: "(...) ao trabalhar,
tada, ajuda a explicar a natureza não-patológica (b adaptac,'ão o escr:lVO negava as rcprcscnlaçôcs que tendiam a fa7.er dele
;[ escravic.l{lO. Em suma, esse "pawdoxo cio trabalh() forçado" o anti-homem e, ao mesmo tempo, permitia que ficasse social-
acrescenta um argumento àqueles que afirmam que a acomo- mente evidente a necessidade da coação e ela violência para
dação à escravidão não resulta necessariamente no zambo transformar um homem em escravo, em coisa".22 Outrossim,
inf~ntilizado, e que rejeitam o diagnóstico segundo o qual laços afetivos reais entre senhores e escravos, idealizados
"qualquer responsabilidade pelas condições insatisfatórias nas qualidades ele afeição e submissão aos brancos, não
dos negros após a Guerra Civil pertencia, assim, a uma classe apenas preparavam a imagem do negro livre desejada pelos
que não mais existia [a classe dos senhores] ou, infelizmente, senhores, mas, ao mesmo tempo, obrigavam a uma revisão
" .
aos propnos negros.." .20 da representa,'ão social do negro, descobrindo no escravo a
pessoa humana. 2.l
Em outro contexto, D. B. Davis acentuou ainda mais a
A AMBIGÜIDADE MORAL DO ESCRAVISMO: natureza contraditória do status escravo. Um de seus argu-
O PATERNALISMO DE GENOVESE mentos centrais é o ele que a dualidáde do escravo enquanto
homem e enquanto coisa sempre criou problemas aos senho-
A despeito das variações entre as sociedades escravistas res de escravos, que eram raramente capazes de negar uma
modernas, subsiste o fato de que em todas elas o escravo era personalidade moral ao escravo. Apesar das mutáveis justifi-
propriedade de outro homem, seu trabalho era, em últil~1a cações ideológicas para a servidão humana, em toda parte a
lei e o costume "deram corpo a ambigüidades e compro-
análise, assegurado através da coerção física e da punlçlO
exemplar, e sua vontade era sujeita ao poder elo senhor. Esses missos decorrentes da impossibilidade de agir consistente-
elementos comuns, por sua vez, levaram à idéia ele que os mente a partir da premissa de que os homens eram coisas" Y
escravos, desprovidos de direitos, eram coagidos, ao invés Essa contradição inerente à conelição escrava teria permi-
de serem capazes de agir por si mesmos. A idéia do escravo tido (sob certas circunstâncias) a emergência de componentes
como apêndice da vontade do senhor foi assim expressa por f pré-burgueses, paternalistas na relação senhor/escravo dentro
Oliver C. Cox: ela p [antação como sistema social.
f!
!
49
Em seu magistral estudo ela incipiente classe trab:dhac1ora c!:1 procluç;1o de mercadorias. Conseqüentemente, as socie-
britânica, E. P. Thompson observava: dades escravistas modernas eram de uma CJualklaele híbrida
e nenhuma esteve totalmente livre da influência econômica,
A formação da classe trahalhadora é um fato ela história tanto moral e social do capitalisrr o moderno. Duas fontes diversas
política e cullural quanto econômica. Ela n:io consisliu numa explicllll () c\r;íler gcr:tl dos modernos sistemas escravistas c
geração cspontilnea cio sislema ele f;íhricas. Nem se cleveri:\ suas classes propriet:írias de escravos: prilneiro, lIma origem
pensar numa força externa - a "Revolu<,;:'io (nduslri:ll" --
comUIll na l'xpans:\o da Eu '()pa e cio mercado l11uncli:tl, que
atuando sobre alguma matéria-prima humana inddinível c
engendrou uma tendência nu sentido da explora<;ão comercial
indifcrenciada, e transformando-a no oulro extremo, 111.1111a
"nova raça ele seres" .. , A cl:\ssc tr:lhalh:lc!or:1 se fez por si c maximização cio lucro; segundo, a rela(';\o cio senhor com o
própria tanto quanto foi feita. y, 1',';I'!':\VO, (111l' prl)(l\l/.i\l qll:liicl:\<!cs :\nlilt;lic;\s. C\d:\ CLISSC
propriel:íri:1 ele eSCL\VOS combinou essas tendências antité-
Foi, em grande parte, com o mesmo espírito que Eugene ticas de uma maneira única, ele acordo com seu diferente
D. Genovcse selecionou a plantação p:\ra analisar a forma passado nacion:tl - burgl1[~s ou senhori:ll, protestante ou
pela qual os escravos foram capazes, dentro dos limites de católico, libcr:tl ou autorit:í rio - e com o contexto social e
uma rede paternalista de direitos e deveres recíprocos, de econômico imedialo - residência ou abscntcísmo dos planta-
afirmar sua humanidade, evitar a desmoralização e desen- dores, grau cle aculturação dos negros, natureza cio cultivo
volver uma cultura própria. Seus estudos anteriores cio Sul nível ele tecnologia, tipo de mecanismo de mercado e o loeu;
escravista e a análise comparativa das classes de senhores do poder político. 2H
de escravos das Américas prepararam o terreno para Roll, O paternalismo na relação senhor/escravo foi, em toda
Jordan, roll, em que o paradigma paternalista da relação parte, potencial. Todavia, sempre que a plantação escravista
senhor/escravo é investigado detalhadamente. 2(' evoluiu no sentido de uma empresa quase que puramente
Desde o início, Genovese recusa-se a considerar o escra- econômica, como no Caribe britânico, holandês e dina-
vismo como uma mera questão econômica. A plantação escra- marquês e em Cuba no sécu lo XIX, o paternalismo teve pouco
vista produziu um sjstem:l social integrado com uma estrutura campo para florescer. Pelo contrário, onele a plantação se
de classes, um sistema político e uma ideologia peculiares. O desenvolveu no sentido de uma comunidade soci:tl e de
ponto de partida é a formação e desenvolvimento das classes um modo ele vida, como no sul dos Estados Unielos e no
sociais. Referindo-se inicialmente à classe dominante, argu- nordeste brasileiro, o paternalismo foi a forma típica de
menta ele que uma classe de senhores só pode ser compre- dominação cios plantaclorcs. 2')
endida através de sua relação com os escravos e as classes Se cio ponto ele visla de Fogel e Engerman o componente
não possuidoras de escravos que ela domina. Outrossim, visto paternalista talvez tenha tido um lugar na plan,taçào escra-
que o foco de análise é dirigido para as relações sociais ine- vista, na medida em que nào se tornou uma barreira ã ativi-
rentes a diferentes sistemas de trabalho e que cada modo de dade lucrativa, para Genovese, o paternalismo pode ter estado
produção é definido mais como um sistema social do que um relacionado ao interesse econômico e à disciplina necessária,
sistema estritamente econômico, sugere-se" ... que a relação mas emergiu fundamentalmente da concepção da classe
do senhor com o escravo é fundamentalmente diferente da proprietária a respeito de si e sua ideologia ele dominação.
do capitalista com o trabalhador assalariado, e que esta dife-
rença é decisiva para uma compreensão da ideologia e da
Para os senhores ele escravos o paternalismo representa uma
psicologia ele classe, bem como da economia" n
lenlativ:\ ele superar :l contracliç~o fundamental cio escra-
A escravidào nas Américas representou uma regressão vi ..,mo: a impossibilidade dos escravos se tornarem as coisas
social, a reinstituição de um modo de produç;\() arcaico, A que se supunha serem, O paternalismo definia o trabalho
escravidão era ligada ao sistema internacional através do nexo involuntário dos escravos como uma retribuição legítima à

'i0 51
proteção e direção de seus senhores. Mas a necessidade ambas as direções. Os escravos tinham sua própria inter-
dos senhores de conceberem seus eSCf:1VnS como seres pretação do paternalismo, que se tornou uma doutrina de
humanos aquiescentes constituía uma vitória moral para os autoproteção. A estratégia individual e da comunidade para a
próprios escravos. A insistência do paternalismo sobre as
sobrevivência baseava-se na aceitação das relações de forças
obrigações mútuas - deveres, responsabilidades e mesmo,
em última análise, direitos - implicitamente reconhecia a vigentes, mas dentro dessas relações os escravos criavam seu
humanidade dos escravos. 10 pr()prio l'Sp:1<,'O vital e "clizbm sim à viela neste mundo".

opaternalismo era mais do que uma racionalização hipó- Os escravos aceitavam a doutrina da reciprocidade, mas
crita da dominação ela classe dos senhores; a maioria dos com lima profunda diferença. À idéia de deveres recíprocos,
donos de escravos vivia e atuava ele acordo com os padrões 2crescentavam sua própria doutrina de direitos recíprocos.
À tendência de torná-los criaturas de vontade alheia, contra-
morais decorrentes de sua visão de mundo e da auto-imagem
punham uma tendência a afirmarem-se como seres humanos
correspondente. "A percepção de si próprios mantida pelos
autônomos. 5í
senhores de escravos, como pais autoritários presidindo uma
extensa e s\.1bserviente família composta ele brancos e negros, Como em outras formas de relações patrão-cliente, o
formou-se no processo de estabelecimento ele plantações."ll liame individual com o senhor oU amo enfraquecia a soli-
Genovese não identifica paternalismo com bondade, visto ebriec\acle dos escravos c inibia sua identificação como classe.
que o paternalismo pode encorajar crueldade e ódio tanto Não uhst;lnte, dentro dos limites elo compromisso paterna-
quanto bondade e afeição. Apesar de sua admiração pelo lista, os escravos lutavam no sentido de influenciar suas
trabalho de U. B. Phillips e Gilberto Freyre, ele rejeita as condições de vida e trabalho e definir seus papéis de forma
premissas racistas do primeiro e evita a tentativa do último própria. A vida religiosa dos escravos era o cerne ele sua
de mostrar que "um aristocrata é um democrata [meia!]", com experiência espiritual e resistência à desmoralização e
o qual o caráter de antagonismo da relaçâo dominante-domi- deslltnanização. A religiilo cr:1 a base da estratégia de
nado é esvaziado. l2 Como sistema contraditório de dominação acomodação e resistência à escravidão e lançou os funda-
de classe e "delicaelo tecido ele deveres recíprocos implí- mentos p;ra uma consciência negra protonacionalista. "Os
citos", o paternalismo constituía um equilíbrio tenso em que afro-americanos aceitavam [e remodelavam) a celebração
concessões mútuas tinham que ser feitas. cristà da alma individual e transformavam-na numa arma de
Genovese distingue claramente o significado do paterna- sobrevivência pessoal e comunitária."ló
lismo para senhores e escravos, ao invés de tomar a ideologia Em suma, a contrapartida da visão de mundo e hegemonia
da classe dos senhores pelo seu valor aparente e derivar, dos senhores de escravos era
daí, o padrão elas relações ele raça e entre senhor e escravo.
Do ponto de vista dos senhores, os escravos eram um dever a insistência cios escravos em definir o paternalismo de forma
e uma carga. Para eles, "o paternalismo significava deveres própria; [uma insistência que] representava uma rejeição
recíprocos, dentre os quais o senhor tinha um dever de das pretensões morais cios senhores de escravos, visto que
sustentar seus dependentes e tratá-los com humanidade, e recusava aq1.1elá r.endição psicológica da vontade que cons-
tituía o fundamento ideológico de tal pretensão. Desen-
os escravos tinham um dever ele trabalhar adequadamente e
volvendo um senso de validade moral e afirmando direitos,
de agir conforme as orelens" ..l,l O escravo feliz, dóeil, grato, os escravos transformavam sua aquiescência ao paternalismo
leal e servil era o estereótipo correspondente. numa rejeição ela própria escravidão, embora os senhores
Não importa o quanto os escravos estivessem envolvidos supusessem que a aquiescência de um lado demonstrasse
numa relação de elependência, a dependência trabalhava em a aquiescência elo outro;l6

'52 53
Apesar da crítica de Gutman ao argumento de Genovese determinista do zambo infantilizado de Elkins parece ter
acerca do paternalismo, vale a pena notar a semelhança entre superestimado um resultado possível e extremo da sujeição
as teses ele Genovese, a respeito da religião escrava, e as ao poder do senhor.
c()nc!\Is(lcS de Gtltmal1 sobre ;\ bmília c as estruturas ele
p~\rl'ntcsco, Ambos os autores enfatizam a nubreza c a c\;)s\i- 11 opress;'lo ele cl~lsse, seja ou n~\o reforçada c
modificada
('id;lC!v das rc;lliz;\('(}l'S cultur;tis dos escravos, No entanto, pelo r~\Cism(), induz ao servilismo e a sentimentos
de inferiori-
t'cligia(), (\tIll!ia t' P;\\'('I1\CSl'O 11\'\11 pl'( )11)( )\'i:1111 :\ I'l'\wli:\(> 11('111 d~ldl' nos oprimidos. Somente a for~'a ni10 bastou, em geral,
representavam uma ameaça ao poder do grupo don:l~an~c p:11':1 1ll:ll1tcr ;IS classL's il1l'l-riores subjugadas. O servilismo
hranco, Eram clcsenvolvirnentos culturais para a sobrcvlvcncw constitui a forma extrema da psicologia do oprimido, embora
possamos duvidar que apareça de forma pura ... A aC01110-
coletiva sob a opressão e, mais do que isto, tornaram-se os
cla\,':lo [;1 escLlvidãol por si só encerrava um espírito crítico e
fundamentos de uma cultura e tradição afro-americana., Com clisfan,'ava a(ôes subversivas, com freqüência contendo Seu
o fim da "instituição peculiar", os negros americ\nos foram ap<lrcntc oposto - a resistência. De fato, a acomoelaçi1o
deixados no' ponto de partida da estr:1da que leva à solieb- poderia ser melhor compreendida como forma ele accita~ o
ricdade e à organização política. inevitável, sem cair vítima das pressões. no sentido de desu-
ma nizaçilO, emasculaç:lo e ódio contra si próprio ..\7

os TRÊS PARADIGMAS RECONSIDERADOS: As teses de Foge! e Engerman, sobre a lucf3tividade das


plantações sulistas pré-secessão e a produtividade do trabalho
PATOLOGIA DOS ESCRAVOS VS. AUTONOMIA
escravo, representam um ataque frontal ao mito da incompe-
CULTURAL DOS NEGROS tência do negro, Suas conclusões implicam também um deslo-
Cimento do foco sobre o "legado escravo" para o racismo
Os três paradigmas da relação senhor/escravo aqui discu- e a discriminação após a em:lncipação, como causas do vaga-
tidos permitem diferentes interpretações do presente, co~no roso ritmo ele melhoria da condição social dos negros.
função do registro passado de escravidão. As_ qucstoes De uma perspectiva comparativa, a evidência ele níveis
centrais parecem ser: se a experiência da escravldao levou a relativamente altos e crescentes de bem-estar material, taxas
formas patológicas de adaptação social e ?sicológica,. c em mais elevadas ele crescimento vegetativo, maior estabilidade
que medida a "patologia" social escrava foi transm~t1da c:c familiar e melhor saúde e nutrição da população escrava
geração em geração, como traço subcultural negro, mUIto apos americana reforça a hipótese de que, em relação a outras
a escravidão ter desaparecido. classes proprietárias ele escravos, os plantadores sulistas não
As explicações da dominação ele raça e ele classe que a:ri- só foram capazes de empr é~gar como, de fato, empregaram
buem pesos diferentes aos aspectos coercitivo, remunerat1~o um espectro mais amplo ele incentivos positivos para asse-
e moral das relações de poder não precisam ser necessana- gurar o trabalho dos seus escravos. Contudo, é dúbia a idéia
mente incompatíveis. Essas dimensões de poder pod~m estar de que a aceitação de tais incentivos tenha levado à criação
diferentemente combinadas em épocas e lugares partICulares; de uma classe de trabalhadores agrícolas dignos de confiança,
as variações entre os sistemas escravistas elo Novo Mundo inspirados por uma ética protestante ele trabalho burguês,
são testemunho ela diversidade dessas possibilidades, pronta a colaborar no desenvolvimento de um sistema em que
Durante a escravidão e após ela, o estereótipo cio zambo pouco tinha a ganhar. Igualmente dúbias são as implicações
foi mais difundido nas Américas do que Elkins nos fana do argumento segundo o qual "os escravos negros foram o
crer e manifestações de servilismo e bajulação não são, primeiro grupo de traballudores a ser treinado no ritmo ele
dec~rto, monopólio do Sul dos Estados Unidos. O modelo trabalho que mais tarde se tornaria característico ela sociedade

55
industrial" ,iH O mero d1culo econômico eb produtividade elo identidade coletiva e a solidariedade política dos escravos,
trabalho pode tornar-se um obstáculo à compreensão socioló- o escravismo foi um período de construção de cultura, A
gica: a despeito da clcstreza mostrada pelos escravos em suas peculiaridade dessa cultura negra lançou as bases para a
t,Hefas, o conjunto de habilidades e hábitos de trabalho pretensão de uma nacionalidade negra,
desenvolvidos no decorrer de um longo período, sob um
sistema ele relaçtles ele trabalho c produção, pode não ser P,ll':1 sobreviver face a essas condições adversas, ao longo
facilmente transferido para outro sistema, Essas habilidades dos séculos, a comunidade negra teve que desenvolver uma
podem, de fato, não ser exigidas por outro sistema de relaçôes coesão interna e uma cultura própria, A nacionalidade negra
produtivas, Séculos de plantação escravista não parecem tem sua origem em duas fontes: uma comunidade de inte-
ser a melhor escola para se adquirir a orientação competi- resses numa sociedade racista exacerbada; e uma cultura
tiva e a dedicação ao trabalho, estimuladas pelo capitalismo particular que tem sido por si só um mecanismo de sobrevi-
vência, bem como de resistência à opressão racista, Ao mesmo
industrial.
tempo, os negros vivell entre os brancos e compartilham
Aqueles que talvez tenham sido trabalhadores eficientes com estes a cultura nacional americana, Em suma, tanto
em plantações relativamente isoladas, e cuja adaptação social fazem parte quanto estão apartados da nação americana,10
e psicológica à servidão nào foi necessariamente patológica,
foram deixados despreparados, no momento da emancipação, Em nenhuma outra sociedade escravista das Américas o
face à sociedade urbana e industrial em formação, A moral e paternalismo coexistiu com (sendo mais tarde substituído por)
a objetividade levam a uma rejeição do mito da incompetência formas tão extremadas e virulentas de racismo como no Sul
natural dos negros, Parece haver razões suficientes para dos Estados Unidos, Alguns componentes paternalistas podem
rejeitar a "patologia" dos escravos e seus efeitos a longo prazo, ter estado presentes em todas as sociedades de plantação
Todavia, fora da desvantagem competitiva envolvida no escravista numa época ou noutra, e em toda parte alguns
racismo e discriminação, o verdadeiro aspecto do legado da senhores adotaram uma atitude mais paternalista que a norma
L'scravidão el11 todas as sociedades de pLlnt:l~':t() cscr:lvisl:1 vigente, Como () próprio Genovesc observou, a tradição
foi importante, a curto e médio prazos: analfabetismo maciço, senhorial e católica dos senhores ibéricos tinha mais afini-
limitada diversificação de habilidades ocupacionais e gra nde dade com o p,llcrn;llismo que a tradição protestante burguesa
('onccnlraç';Jo demográfica em áreas rurais à m:1l'gem do desen- das classes proprietárias de escravos de origens nacionais
volvimento urbano e industrial. Ilorte-eurupéias, Se accil:lrmos as leses de Gcnovcse. no
Apesar da sua discordância fundamental acerca do caráter entanto, com as exceções cio nordeste brasileiro patriarcal e
do escravismo americano, Fogel, Engerman e Genovese talvez Cuba, antes do surto cio açúcar, em nenhum outro lugar
chegaram, tal como observa George M, Fredrikson, a uma o patern~dismo se desenvolveu plenamente como sistema de
conclusào semelhante, Quer num meio de oportunidades clominaç;Jo e hegemonia ele classe como no Sul 'cios Estados
capitalistas, quer num de reciprocidade paternalista, a relação Unidos,
senhor/escravo foi de colaboração ou acomodação: os escravos Não obstante, onde a reciprocidade paternalista esteve
negros evitavam a degradação e a desumanização, aceitando ausente e a relação senhor/escravo esteve mais permeada por
o que seus senhores lhes ofereciam c transformando-o em considcL1Ç'()CS comerciais - como nas Guianas, Cuha do
coisa própria,5<J século XIX c outras ilhas cio Caribe - os escravos também
Com alguma simplificação da rica análise ele Genovese, encararam a opressão de maneira criativa, "A atividade coti-
pode ser LI il o que os esCt':IVOS :1 !11e1'ica nos se a propri:l [';1 m da diana de viver não teve seu fim com a escravização, e os
1I1:llll'(' tlt' dt':;!.' I IV' dvt'1' III\\;I "lilllll:1 " 11111:1 1<,lit~i;i" J>!'''!>I i;I'; ('SCI':IV(l,'; l'(lt!i;111l ('ri:II', (,('11l0 de f:llo () f'il.('f':lt11, p:ldn)cs

que, por sua vez, foram usadas como armas de sobrevivência vi:'lvvis t.k vid:l, p:ll':l uS l]ll,IÍS St.'lIS P:ls;,:It!ns el':ll\1 11111 I'l'S(')'-

e resistência à opressão, Embora o paternalismo inibisse a vatório de recursos siml)(llicos e materiais disponíveis,"'"

57
Visto que fora do Sul dos Estados Unidos a população escrava acrescentada a solidariedade étnica e religiosa como ele-
não pôde se reproduzir, a herança e tradições culturais afri- mentos promotores de rebeliões e da formação de núcleos
canas foram aí mais fortes e continuamente reforçadas através de fugitivos.
do fluxo de escravos nascidos na África. Assim, no resto da
Com relação ao Brasil, Roger Bastide enfatizou a impor-
região do Caribe (incluindo Brasil) um grupo menor de brancos
tância da religião na transição de formas individuais para
dominava os escravos negros, entre os quais a proporção ele
formas coletivas cle resistência escrava. Outrossim, o sincre-
africanos natos foi sempre elevada. A religião estava tamhém no
t iS!110 religioso - em que o componente africano dominante
cerne CLl vicia cultural cios ('snavos. M;\s, em contr;\slc com
fornecia a liturgia e ;\ mitologia - não apenas estimulava a
os Estados Unidos, onde os escravos moldaram Sua própria
rebelião como também fazia parte de uma estratégia mais
versão original do cristianismo elos senhores, v8rios tipos ele
a mpla para resistir à escravidão e à assimilação da cultura
sincretismo - em que as IraJiçôes afric\n;\s v;\riaram em
importância - foram desenvolvidos. branca. LI
Paradoxalmente, alguns elos fatores que incrementavam
A sujeição completa nunca foi alcançada e os escravos do
a capacidaele dos escravos de ameaçar a estabilidade do
Caribe recorriam a uma combinação de mecanismos algo
sistema representavam !;lmbém uma elas fontes ele fraqueza
diferente, t;lnto p;lra resistir ;\ esn;\vidúo quanto p;lra imp()r
dos escravos. Se no Sul dos Estados Unidos uma comunidade
e defender um conjunto de direitos costumeiros mínimos.
branca numerosa e dividida em classes mostrava grande coesão
Orlando Patterson distinguiu acertadamente os artifícios
no controle ele uma população escrava, em sua maior parte
criados pelos escravos para resistir:
crioula, nas outras sociedades escravistas, gru pos brancos
menores praticavam uma política de dividir para reinar. Isto
Havia duas formas básicas de resistência à escravidão; uma significava a manipulação estrutural da .diver.sidade é~ni~a e
passiva, a outra, violenta. A resistência passiva pode ainda cultural dos escravos - das diferentes Identidades tnbals e
ser subdividida em quatro tipos: recusa de trabalhar, inefi-
regionais entre os africanos natos e das divisões entre eles e
ciência geral e preguiça ou atitude evasiva deliberadas; ridi-
cularizaçào; fuga; suicídio. A resistênci;l violentl pode t;lmhém os escravos crioulos. H
Sl'r dividida em duas SUilC1Il'gori:ls: vio!<"'llci;1 individual c O "('olonialistl1o de 01,\';l111ento apcrt,\clo" de Portugal
violência coletiva. 12 necessitava que os plantadores brasileiros c os funcionários
da Coroa nào apenas enfatizassem as divisões étnicas cios
Uma das diferenças mais marcadas entre as sociedades escravos africanos e crioulos, mas também manipulassem as
escravistas de plantação consiste, por um lado, na escassa divisões étnicas, culturais e raciais entre todas as classes
utilização, pelos escravos, de formas coletivas ele violência subordinadas, escravas e livres. A seqüência dos segmentos
no Sul dos Estados Unidos e, por outro, no extenso registro étnicos e raciais constituíck)s pelos bantos, ioruba (Minas,
ele rebeliões escravas no resto da região do Caribe. Inclepen- Guinés e Nagôs), hausa e escravos crioulos, negros livres,
cientemente elo grau em que o paternalismo esteve presente, amerínclios, mulatos livres e outros mestiç:os correlacionava-se
onde quer que as condições demográficas, geogrMicas e mili- à hierarquia social, passando de trabalhadores rurais até às
tares fossem favoráveis - e, regra geral, eram mais favoráveis posições mais privilegiadas na classe baixa urb~na. A animo-
fora do Sul elos Estados Unidos - , revoltas de escravos bem sidade e competição entre escravos de nações cltferentes eram
como formas coletivas ele fuga e ocupação de terras foram estimuladas para evitar reh<:liõcs e fugas; mulatos e negros
acontecimentos normais em regUlcs elc plantaç,'ôcs c assenta- livres eram empregados como capitães-elo-mato e os ame-
mentos urbanos. À debilidade numérica c militar cio grupo ríndios ou caboclos formavam o grosso dos exércitos desti-
hranco, à existência de regiões desocupadas c inacessíveis e nados a combater os quilombos.
;\0 grande nLlll1erO de escravos africanos natos deveria ser
Esses controles dentro e entre limites" r'lcial'S"("Slll'C'llt .. ',."
' . ' Ul,l1~ na moldura normativa dominante das SU;lS sociedades 110spe-
o~ :'tribais" e "culturais" ou "étnicos" respectivamente) eram
cleir:l.s. Estavam continuameme engajados na criação de uma
baslCos para a sobrevivência do que os quilombos e outros
p~drões de resistência mostram ter sido um sistema escra- cultura parcialmente separada, que combinasse a tradição
v~sta altamente precário, ao invés de um feliz consenso africana com respostas inovadoras às situações existenciais
glfando em torno da Casa Grande. I' encontradas nas sociedades de plantação. Em diferentes graus,
esse processo de consfrução de cultura implicava uma acei-
A história da escravidão tem sido com freqüência reescrita t:1\':\o ambiv:tlcnte cLt cultura dominante, mais como resultado
refletindo mudanças na atmosfera ideolcígica e histórica: ele compulsão que de persuasão moral. Os Estados Unidos e
Quando a ,versão da missão "civilizatória" dos senhores as Índias Ocidentais Britânicas provavelmente viram o máximo
tornou-se finalmente desacreditada, nas décld:ls de 1930 e e o mínimo dessa aceitação, com o Brasil e Cuba algures no
1940, uma nova preocupação tornou-se central: a natureza meio.
coercitiva da escravidão e suas conseqüências sociais. Deste Esse processo de criação cultural nào se deteve com a
ponto de vista - nem sempre isento de matizes neo-abolicio- emancipação. Como no caso da cultura de outros grupos e
nis~as e moralistas - tiveram origem duas imagens opostas classes subordinados, a cultura negra foi modelada, sob a
(e 19ualmente tendenciosas) do escravo, Num extremo tem-se escravidão e a liberdade, "de uma maneira fundamentalmente
o escravo _mental e socialmente mal-ajustado, vítima passiva institucional ao invés de ideológica [ou literária]",'iG Família e
d~ opressa~: o zambo infantil e indolente, o quashee estú- parentesco, instituições religiosas e associações de ajuda
Pldo e evaS1VO e o banzo saudoso. No outro extremo, temos mútua tiveram um papel, no desenvolvimento de laços comu-
o escravo rebelde (com freqüência, romantizado), Ambos os nitários e de solidariedade, não muito diferente do desempe-
extremos julgam o comportamento do escravo, em grande nhado pelos sindicatos e pelo movimento cooperativo para a
pa,rte, ~omo reflexo do comportamento dos senhores. Assim, classe trabalhadora industrial dos primeiros tempos - esse
ate mUlto recentemente, pouco esp;lC:o foi deixado entre a seria o caso da Igreja negra nos Estados Unidos, as irman-
suhmissão completa e () heroísmo para a considerado de (\:teles religiosas no Brasil c as casas de culto em toela parte
padrões distintos de organização social e cultural et~tre os do Caribe. Essas instituiçücs comunitúrias têm sido interpre-
escravos.
tadas como parte da estratégia de sobrevivência do grupo
Em t()~1a parte no Novo Mundo os escr:1VOS agiam, em grau racialmente subordinado num meio hostil e da resistência
substanclal, de acordo com as expectativas de papéis dos cultural contra a penetração ela cultura dominante. Na medida
seus senhores, seja através do árduo trabalho em troca de em que a acumulação de recursos econõmicos e políticos e
recompensas materiais e sociais, aquiescência acomodativa as habilidades organizacionais do grupo permanecessem limi-
p~ra afirmar ~s direitos informais inerentes ao compro- tadas, a cultura negra acarretaria, como argumenta Parkin com
mlSSO paternal1sta, ou mesmo exagerando a ineficiência para relação ao sistema de valor subordinado da claSse .trabalba-
explorar o que Patterson deromina a mentalidade "veja-o- clora, respostas essencialmente adaptativas ou acomodativas,
que-quero-dizer" dos senhores. No entanto, como Genovese ao invés de oposicionais ao status quo e às desigualdades
mostrou claramente, mesmo na situação mais consensual raciais.
i~to é, n~ pa.te~nalismo, havia uma identidade de expecta~
tlvas multo l1mltada nas concepções regulando a interação
senhor/escravo. Os membros da classe [e raça] subordinada são constran-
gidos a aceitar a moldura moral dominante como uma versão
Parece claro, hoje, que os escravos não eram nem uma abstrata e talvez algo idealizada da realidade, embora suas
extensão da vontade de seus senhores, nem seres cultural- condições de viela tendam a enfraquecer sua força unifica-
mente emasculados, para serem perfeitamente aculturados dora na direção de fato dos negócios. É da tensão entre uma

60 61
ordem moral abstrata e as limitações situacionais do baixo nào-patológicas de adaptação social e psicológica á servidão
stClius [social e racial] que o sistema de valor subordinado c enfatizam as formas atr~w';5 elas quais os escravos foram
emerge.'
capazes de resistir à clesumanizaçào, à infantiJização e à emas-
CUIa"':lO CUlLUr:1i. TCl'ccir(), lima conscqüL'nci:1 possível (1:1
Se existe uma cultura ncgr:1 p:1rci:llmelltc sep:1r:1c!:1 COllh) prc()(,up:l(';'lo \Inil:ltcr:t! com a dimetls:l() coercitiva da rcl;\<;::lo
resposta acomodativa ;1 escravizaç~o e ao racismo e discrimi- senhor/escLlvo é a icléia do CSCLIVO como mero apêndice
nação pós-emancipação, explicar ;\ perpctuaçào dos negros, ela vontadeclo senhor, um ser humano dirigido e incapaz
em posiçôes socioccon(HlliC:1S inferiores, em termos de traí,'os de agir. No p:lr:ldiglll:1 ele' Elkins ela re!:I<::lo scnhor/cscr:1VO,
subculturais "patológicos" ou da "cultura da pobreza" constitui :t ênfase excessiva no poder absoluto do senhor - em detri-
um beco sem saída, conceitual e metodológico. Tal racio- mcnto das rc!açôes horizontalmente estruturadas dentro da
cínio impliC:1 ver a pohreza não como um efeito sistcll1~tico ('o!11Uni(]:lc!c escr;lV:l c cios recursos culturais próprios dos
elo racismo, mas como uma causa de si pnípri:1. escrav()s - resulta 11:1 iIlLIW'1l1 di,~lorcid:t cLt pcrsol1:t!iebdc
Este C1píLulo discutiu os princip:lis paradigll1:1s da rcl:lçào i',:lm!Jo: () escraVo inLlntil, irresponsável, privado de família
senhor/es,cravo e criticou as perspectivas teóricas que esta- e culturalmente c!csarr:tig:1c!O. A no<;;ào cio zambo, por sua
belecem uma liga,,'ào causal direta entre () p:lssado escr:1vis(;1 vez, proporci()nou a h:1SC p;lra () padriio ele an~lisc em que
e a situação social pós-abolição dos negros. De Cato, toc!a" :1 posi~'ào subordinada cios negros é explicada como função
as sociedades anteriormente escravistas elo Novo Munc!o de traços "patológicos" auto-,",ustentaclos cio grupo - anomia
herdaram, elo período cscravista, um padrão de estratificaç;1O c c!csorg:lniz;lçào soci,:t1, desagregação da família e cultura
racial e subordinação do negro. A pcrpetuaçào da posição ela pobreza. Nesse tipo de análise, os negros são apresen-
social inferior dos negros após o escravismo foi, com fre- tados como vítimas de seus supostos defeitos, o racismo
qüência, explicacla em termos do legado escravista. Por sua hr;lnco é subestimado e a pobreza torna-se uma condição
vez, a influência elo passado escravista nos :trr:lnjos raciais que se ;llItoperpcrua.
atuais roi localizacla nas car~lCterístiC;lS psico!<'lgicls, culturais
e sociais elo grupo racialmente suborclinado, que foram
gcr:lclas pela cxpcriC'ncia da cscr:1vi<!;)() c, cnt:!o, transmitidas NOTAS
ele uma geraç:lo para outra.
Para avaliar a adequação explicativa dos pontos de vista
, Ti\NNENBi\UM. SlalJeal1dcitizeJ1, 1947.
que atribuem as características gru pais da raça subordinada
à escravidão, foram discutidas as abordagens da escravidão S[O, 1969, p. 112.

que enfatizam as dimensões coercitiva, remunerativa e moral \ Para a relação entre o tratamento dos escravos e o nível de desenvolvi-
da relação senhor/escravo. Algumas conclusões podem ser mento econômico cios sistemas de plantação, e uma crítica a Tannenbaum
por desconsiderar a articulaç'ão entre as forças econômicas' e ideológicas,
extraídas da discussão anterior. Primeiro, as abordagens quc
ver MINTZ. Sbvery anel emcrgcnt capitalislll, p. 27-37; e HARRIS.
enfatizam qualquer uma das três dimensôes ela relação Palll'l'lIs o/meL' in lhe Alllericas, p. 79-91.
senhor/escravo não são inteiramente incompatíveis; de fato,
, Hi\HRIS, op. cir" p. 79-94.
como a evidência ele várias sociedades de plantaçào escra-
vista indica, os componentes coercitivos, morais e remune- Pel:! sua relevância para a socieclade escravista brasileira, o argumento
apresentado por Winthrop D. Jordan deve ser introduzido. Ao comparar a
rativos ela relação senhor/escravo admitem combinaçôes experiência das Índias OcidenLlis Brit~l11icas e das colônias continentais,
variadas no que se refere à época e ao lugar. Segundo, esse autor conclui que a aceitação da miscigenação e a atitude mais favo-
embora os par:1cligmas paternalista (Genovese) e rem\1ne- dvel em r,,!;rç;io aos mul;ltos naquelas estavam relacionaebs à preponde-
rativo (Fogel e Engerman) ela rcla<:ào senllOr/escravo nilo r;lnei;l rlul1l(ric;1 cios lH'gros, na P()PU!;r,';IO IOI;t!, c ;10 haixo I1ltlllCrO de
Tllulheres enlre os ilhéus hr;lIlcos. JOHDi\N. i\mcrican chiaroscuro; the
negligenciem a natureza altamente coercitiv:1 do cscr:1vist1lo,
sl(lll/s and definilion of mulaltocs in Ihc British C'olonies, p. 1R9-201.
reconhecem a capacidade dos escravos ele desenvolver formas

(,2 63
(, ELKINS. Slcwery, a prohlem in American institwional and intelfectllallij'r.>, 20 I!Jidl'lll, p. 260.
p. 49.
21 COXo Cus/c. c/elSS. tIIlrI mel', 1970.
Ibidem, p. 82.
22 . I iona I , p. 27 0.
CARDOSO. CajJitalismo c escral'idâo no Brasil metI(
H Ih idem, p. 128.
n lhidell1, p. 274.
') GENOVESE. On StanJey M. Elkil1s' slavery, p. 3.%-338.
21 DAVIS, op. cil., 1966, [l. 248.
10 sro, op. cit.; DA VIS. The comparative a[lproach to A111eric;[n history:
slavery, p. 66, e ta mbém The proh!el17 O!S!{/ll('/Y in 1f.'C'stern Clt/tllre, 1966; "T110MPSON. 711C lIlt/hil!,q o/the l!l1glisb Il'ol'ki/lg C/(ISS, p. 19'í.
e DEGLER Ncither !JIack nor llihite: slaver)' :ll1d race 1'(']:11 ions in Ilrazil :ll1d 2(, CFNOVESE. '/'Ih' j)()lilic(// ecol!oll1,l' (lS/(II'<'/Y, 19h7; 'f'he ll'()l'ld tbe
the United Slates, capo r!.
s / Cf I'C j.1 () II . , :17
(C'1'0//1(1(/1'
,} 07 , c Noli lurdrl/1 {'of!, Ibc 1/)(),-/d Ibe s/rw('s !Jlade.
I 1. J. '

I I CAULFIELD. Slavery anel the origins 01' black culture, p. 190.


27 GENOVESF, ojJ. cil, ll)fl, p. 17.
l'Ibidem, p. 182.
'" Ih i(/clII , p. 4-'1.
1,1 GENOVESE. Rol!, Jordan, rol!, lbe Ulorld tbe slalJes made, 1974; FOGEL e 2') Na América portUgUCS:Il' na csp:lIlhol:l, o paternalismo penetrou com maior
ENGERMANN. Time 071 the eross, tbe ('eollomies o( Amel'icllll negro S/(/{!(IIY, j',lcilid,ldl', :lrgllllll'llt:J CCtlOVl'Sl·. porque as coltltlI:1S escra\·l.:t'ls cr:llll 11111:~
1974; e GUTMAN. 7he 1J/(/ck/al1li/v il1 s/a/ IC'I'I'rlIlr1jin'do/l!, /750-/'J2'i. () CX1CllS,'IO do si,I"I11;1 sl'tl!)(Iri:rl,r.1 l11l'tn">p()lc. Alc-Ill do ~':Irater l'l',sl,lc-ntl
estudo de Gu'tman focaliza a família escrava e as estruturas ele parentesco
ampliado, e critica acerbamente autores - incluindo Fuzier, Stampp, Elkins
e Genovese - que enfatizam o "tratamento" dos escravos C0l110 c1etcnni-
f
,f
do.s p!:rtltadorcs l' () prccoce t('I'll1ino do come're'i" Intcrn:ll'lcltl:d de (,.~cr'I\'()S,
(l que facilitou () dl'Sl'I1Volvill1l'tll0 do p:Iternallslllll no Sul elos I.st.ldo:,

nante primário do comportamento desses CSCl':I\'OS (CI11 (!ctril1wnt<l (LI


I llnidos -- :1j1l'.';ar d:1S orig(,lls hurglll's;IS ele sua cbs.';l' r!OllllTl:ll1tl' - fOl,J
í COIllJuisLI. Jll'los !)!;Illl:idorl's sl'llll<ln's d" l'Sl'l';IVOS, de :IUtl1l101111,1 pO!I1ICl
expcriênci:l c da tradição eser:lva aculllU];I(!:lsl. Seu trah:ilho tr:IZ nova
evidência da existência de um sistema escravo de C()!llj)ol'lamenlo e ! l' pmkr regÍon:r! ('0111 :1 illdl'pl'lldênci;1 d,l Ingl:ltc'rra.

crenças autônomo, que evolui com bastante independência do tratamento


dos escravos. À falta de alguma espécie ele força :r1tern;ltiv;1 ou ol·ient;I(.::lo l ,'.r,

\ I
C;FNOVESF, oj). cit, 1<)7,í, p. S.

riJidell/, 1'. 7·i.


ll1or:i1 e psicológica, própria elo escravo, c1iagnosliC:lcla por Elkins, Cutman
opôe "uma experiência escrava acumulada, transmitida através c1e famílias
de geraçôes diferentes intimamente relacionad;ls, [que! eram ahase social
t "MOTA. lc!e%p,i{/ do clI/llIm hrosi/e!m, p. (í4, 67.

desse sistema de crenças alternativo. Esses mesmos escravos lllostram que 5\ (;FNOVESl', 0I). cil. !()7.í, p. 111.

!
o que Elkins ch,lnu 'bases sociais e alternativas que poeleri;lm ter apoi'lelo li Ih ide !)f , p. f) I.
p:lelr(leS allern:ltivos' existiram entre os ('SC!';IVOS d;1 plallt:I(':'lo, A :lll.<'IlCÍ:1
de 'tais !Jases sociais allel'1laliv:ls' - a supw;iç:l0 crítica no 'l11odelo' ele \1 IIJidcm, p. 212.
Elkins - não foi o que tornou a experiência escrava afro-americana
,I(, Ihidem, p. (í'iíl.
distinta". Ibidem, p. 30íl. No que se refere ao Brasil, a continuação cio
cOJ1lêrcio internacional cle escravos até 1850 e o grave elesequilíbrio na
proporção dos sexos na população escrava criaram eoneliçôes desfavoráveis
par8 a estabilidade ela família escrava. A taxa negativa de crescimento
vegetativo da população escrava ao longo de todo o período escravista é
I ,\7

,IH

',9
Ihidem, p. 'í97-')<)8.

FOGEL; ENGERMAN, ojJ. cil., p. 20íl.

FREDIUKSON. A escravidão e a família negra, p. 13.


evidência indireta disto.
·io GENOVESE. In rec! anel iJlack: marxian explorations in' Southern anel
I,) MOYNIHAN. The tanglc or pathology, p. 39.
Afro-american history, p. 58.
I; CARPER. The negro family anel the Moynihan Report, p. 68.
41 MINTZ. Prefácio, p. 8.
I G FOGEL; ENGERMAN, op. cito
c., PATTERSON. Tbe sociology o/s/ave!')', p. 260.
I' Ibidem, p. 203.
4.\ BASTIDF. As religiões a/rica nas 110 Brasil, V. I, p. 113-140.
IH Ibidem, p. 232.
1 r, A interessante distinç:1O entre padrões estruturais ~ cognitivos de cont~ol~
19 Os autores de Time on the cmss reconhecem a existência de um elemento soci;t1 nas relaç:ôes raci:1is é lltiliz~lda por HENFREl . Impenahsll1 {me! laCE
paternalista na vida da plantação, mas não o vêem como obstáculo à maxi- retalions as a dilllel7si(J!1 (~/soci(/l controlo Guyana anel BrazIl, p. 275-296.
miZ:Içào dos lucros. Muito pelo contrário, em certos casos, o interesse Breves alüliscs COll1lXlrativas ele rebeli(les escravas e suas causas ~ncontram-se
econômico e o paternalismo do plantador podem reforçar-se mutuamente. em GENOVESE, op. cil., 1974, p. 5íl7-597; 1972, Glp. 4; e em I ATTERSON,
Ver FOGEL; ENGERMAN, op. cit., p. 73, 77. op. cit., capo IX.

64 65
" HENFREY. op. cit., p. 279. Esse autor observa também variações int~rna­
cianais na política de dividir para reinar: em contraste com as C01001<15
c A p T u L o II
de plantação britànicas, poucas tentativas foram felta~ no Brasil .r~lfa
dispersar escravos de grupos étnicos diversos. Ver tambem PA fTERSON,
op. cit., p. 280-283.
YOUNG. Prometheans 01' trogloelytcs? Thc Fnglish working c1ass anel the •
AT~AN~,IÇAO ~A~A All~c~DADc,
li,

dialcctics 01' incorporation, p.14.


,7 PAHKJNS. C/ass inN/II{/!ily cmd j!o/ilica/ ore/cr, p. 94-9'5. N •

INDU~HIAlIZAÇAO t ~ClA~Ot) ~ACIAI~


,
II
1

AIC~111 cio qLl~ldro conceitual, que explica a subordinação

I social elos negros após a emancip:1ção como função ele carac-


terísticas elc grupo inicialmente condicionadas pelo escra-
vismo, a litcr:ltura dccliclcJa ãs rcla(,'Clcs r:tci:lis apresenta cJU~IS

!
!
outras abordagens que têm a ver com as ligações históricas
entre () passado escravista e as rclaçôes raciais pós-aholição.
A primeira, predominante elr estudos comparativos ele relações
raciais, tende a cnf:ltiz;1l' o." sistemas ele catcg()ri7.~I<;ão r~lcial
r desenvolvidos dur;lntc () pc'ríoC!o cscr;tViS(;1 c cons<:rvac!os
t
! após o fim do mesmo. Na segunda ahorclag<:lI1, é enfatizada a
sobreviv~ncia, após a abolição, de padrões inter-raciais de
relações de grupo moldadas sob o escravismo.
O presente capítulo examinará um pouco mais os liames
históricos entre escravismo e relações raciais, através ele uma
discussão dessas duas abordagens. Atenção especial será dacb
aos autores que ou negam a existência de uma ligação entre
a relação senhor/escravo e as ordens raciais pós-escravistas,
ou insistem num laço causal direto entre escravismo e rclaçôes
raciais pós-abolição,
Uma preocupação central das análises comparativas das
relações raciais tem sido a etiologia e as conseqüências sociais
dos vários .~istcm;IS de identidade racial que se desenvol-
vera 111 nas sociedades escravistas de plantação das Américas
- o sistema racial bipartilc e a regra de hipoclescendência

66
" IIENFREY, ojl. cil., p. 279. Esse autor ohserva t;lmhém varia('ôcs interna-
cionais n:1 política de dividir p:lrcI reinar: em COJ1tr;lste COIl1 :lS colCmias
c A p T u L o II
(k pl:ln(;I(':'IO hrit:'tnicls, poucas ICIlI:1tiv:lS f()ralll kit:ls no Iklsil p:II:1
dispersar escravos de grupos élnlcOs diversos. Ver também I'ATTERSOI\',
op. Clt., p. 280-283,
N
ti, YOUNG. I'rornethcans or troglodytes? The English working elass and lhe

17
di:llcctics oI' incorporalion, p.14.

I'ARKINS, C1ass ineqlla!ily allel po!itica! ordC'r, p. 94-9').


ATRAN~IÇAO rA~A All~t~DADt,
, N

INDU~I~IAlIZAÇAO t HlAÇOt~ ~ACIAI~

Além do quadro conceitual, que explica a suborclinas;ào


social dos negros após a emancipação como função de carac-
terísticas de grupo inicialmente condicionadas pelo escra-
vismo, a litl'r:ltura dedicacLl ;)s rclaçôes raciais apresenta duas
outras abordagens que têm a ver com as ligações históricas
entre o passaclo escravista e as rclaçôes raciais pós-abolição.
A primeira, predominante em estudos comparativos de relações
raciais, tende a enfatizar os sistemas de categorização racial
desenvolvidos durante o período escravista e conservados
após o fim do mesmo. Na segunda abordagem, é enfatizada a
sobrevivência, após a abolição, de paclrôes inter-raciais de
relações de grupo moldadas sob o escravismo.
O presente capítulo examinará um pouco mais os liames
históricos entre escravismo e relações raciais, através ele uma
discussão dessas duas abordagens. Atenção especial ser{[ dada
aos autores que ou negam a existência de uma ligação entre
a rdação senhor/escravo e as ordens raciais pós-escravistas,
ou insistem num laço causal direto entre escravismo e relações
raciais pós-abolição.
Uma preocupação c<:'ntral das análises comparativas das
relações r;l('iais tem sido a <:'Iiologia e as conseqüências sociais
dos v{lrios sistemas de identidade racial que se desenvol-

·~
I
veram nas sociedades escravistas de plantação das Américas
- () sistema r;lCi;t! hipartitc (' :1 regr;l de hipocksccncll'llcia

"

(i6
r~lci:\l norte-americanos; a estrutura ele três camadas de resulta da sobrevivência de padrões "arcaicos" de relações
hrancos, mulatos e negros do Caribe britânico e holandês; e o intergrupais, moldadas sob a escravidão. Os influentes estudos
contínuo de cor da América espanhola e Brasil. Partindo de de Florestan Fernandes sobre as relações raciais brasileiras
uma postura polêmica com relação à análise de Tannenbaum, silo representativos dessa perspectiva. A segunda parte deste
autores como Marvin Harris, Harmannus Hoetink e Car! N. capítulo discute o tr:1balho desse autor, com o objetivo de
Degler têm acentuado um elemento dos padrôes contempo- mostrar que a explicação para a persistente subordinação
râneos ele relações raciais, qual seja, o sistema de cílculo de social dos não-brancos, após o fim da escravidão, deve
identidaele racial ou categoriza~'ão raciaL! Sendo o objetivo ser procurada além cios efeitos ele meras sobrevivências
principal desses estudiosos explicar as variações internacionais elo escravismo, e que a perpetuaçào elo preconceito e da
nas relaçôes raciais, eles tendem a supor que os sistemas de discriminação racial deveria ser interpretada como função
categorização racial são h(ISicos para as diferen(,'as nos p:ldrões cios interesses m:lteriais e simhólicos elo grupo dominante
de relaç'ões raciais e fonte de muitas outras varia('(-les secun- hranco, durante o período [1osterior ao fim do escravismo.
cLírias. A estratégia de pesquisa típica dl'ssa,~ an~ílises Intimamente relacionach ~IS teses de Florestan Fernandes
comparativàs das relações raciais contempo1'ftneas consiste encontra-se a perspectiva teórica em que é postulada uma
em apresentar uma explicação histórica para a emergência incompatihilidade básica entre industrializa<,.:;í.o e racismo. De
cios clil'crcntcs siStl'Il1~IS de Cl({'g()ri/,:I,::'1O r:lci:t! !10 P:1S,S:It!() :ll'()rd() C()11l ('SS:I lill!t:1 de r:lci()dllio (critit'aIlH.'nt<..' l'x~lll1if1:1da
escravista e, a seguir, mostrar como esses mecanismos de na última parte eleste capítulo), com a transição de contextos
categorização racial foram mantioos até o presente, para, agrários, pré-industriais, para sociedades industriais urbanas,
finalmente, extrair deles outras características dos sistemas atributos adscritivos, como a raça, estão destinados a perder
ele relações raciais. Na primeira parte deste capítulo, somente a sua eficácia na estruturação de relações sociais. Embora a
serão discutidos os argumentos de H. Hoctink. A escolha moclcrnizaçJo econ(H11icl e social tenda a enfraquecer o papel
desse autor deve-se ;l sua insistência em separar a relação ele características adscritiva,~ como a raça, na estruturação ele
senhor/escravo da emergência dos v{trios sistemas ele cate- rl'bçôes sociais, scr::í feita lima tentativa ele mostrar que a
goriz~lção racial. Com base em seus dois trahalhos mais
recentes, pode,se afirmar que (lo"t in].; ;lc"ntu;l ('otTcLlmcntc
a estabilielade, no decorrer do tempo, dos três principais
sistemas de categorização racial - o bipartite, o de três
I r:lça nào é um atributo socialmente sem conseqüências nas
sociedades industriais COI1tl'l11porftncas. A operaçClo do sistema
industrial, longe ele dissolver <1S estruturas ele estratificação
racial formadas num passado pré-industrial, tende a repro-
camadas e o contínuo de cor, vigentes nas diversas socie- duzir () padrão global de supra-ordenaçào - subordinação
dades das Américas - e algumas das conseqüências sociais racial prevalecente na sociedade como um todo.
que acompanham aqueles sistemas de identidade racial,
primordialmente as diferentes regras de alocaç'ão a posições
na hierarquia de estratificação e os padrôes de rl'Ia(,'cles sociais CATEGORIZAÇÀO RACIAL E RELAÇÕES RACIAIS:
inter-raciais. Hoetink erra, no entanto, em seu tratamento
do escravismo (a relação senhor/escravo) e da comunidade
AS TESES DE HOETINK
livre como dois compartimentos separados e nâo relacio-
nados das sociedades escravistas, e em sua suposição de Em seu Caribbc(/ n ma relatiol1S, Hoetink distingue ini-
que as variantes da categorização racial formaram-se origi- cialmente duas categorias ele relações raciais. Em termos de
nalmente fora do âmbito da relação senhor/escravo. contatos interpessoais entre os membros de raças diferentes,
a primeira categoria refere'se às relaçôes entre as raças no
No extremo oposto do argumento de Hoetink encontra-se
intercurso superficial, cotidiano. Uma diferl'nça ap~lrece
o quadro teórico em que as relaçôes raciais pós-abolição são
j{l entre as vari;lntes ib(rica e do noroeste europeu. Assim,
conceituadas como uma área residual de relaçôes sociais que

6R
() tipo ibérico de sociedade é marcado pela flexibilidade
base em caract~rísticas físicas; temos aqui o caso do
social e uma aparentemente espontânea cordialidade, embora
Caribe britânico, francês e holandês, onde emergiu um
freqüentemente artificial e superficial. No que se refere a essa segmento intermediário diferenciado ele mulatos.'
dircrcnra, Iloctink aceita lima versão modificld;\ c1;1 expli-
clç:lo ele Tanncnhaum da maior habilidade social ibérica no
íf .1. Fin;lI111ente, o tipo em que a mobilidade social m;lxima é
intcrcurso cotidiano com outras ra,,';)S e culturas. 2 Contudo, o possível por gradações: um grupo com as características
ohjetivo principal da pesquisa do autor é dar conta elas dife- raci,:is. do segmento inferior, atrav0s de miscigenação
renças na segunda categoria de rdações raciais, a que se blOlogIca, pode atingir uma posição social intermediária
refere ao desejo dos membros ele raças eliferentes de entrar na sociedade, e um grupo C0111 características racialmente
Vlll r('I:t~.'(')<.'s Iwsso;li . . íntimas, h:lse:lclas 11;1 igu:lltI:l<le soci:t1. mistas pode atingir a posi\,JO social dominante com base
Essa categoria inclui a disposição de engajar-se em rela<,.:ôes em sua Ileran(;a cullur:tl, como no Brasil e na área do
sexuais com um membro de um grupo racial diferente. Implica Caribe ele língua espanhola.
lima "mistura-hiológica-e-social" das ra(:IS, isto (', casamento Assim, o que opôe o tipo I (extremo sul dos Estados
IlO sl'lltido so.ciol(lgico, em oposi\';'lo ~IS forlllas de miscige- Unidos) :1OS tipos 11 l' !li (':1 allstncia, no primeiro tipo, ele
nação baseadas em contatos sexuais exploradores, em que a um segmento intermediário c1e mulatos socialmente reconhe-
c1ivagem social é preservada. Nesse nível de relações raciais, c~elo: De acorelo com Hoetink, a presença no sul pré-seces-
as diferenças entre as variantes do Caribe devem ser procu- SIonIsta ele uma classe ele brancos pobres, constantemente
radas, sugere Hoetink, em fatores diversos dos culturais. maior que a cios escravos, explica o fato de Uill estrato inter-
Como Hoetink corretamente aponta, todas as sociedades mediário de mulatos não ter tido condiçôes de emergir nessa
do Caribe estiveram expostas à miscigenação racial, resul- sociedade. Finalmente, a distinção fundamental entre ;1 vari-
tando nos grupos ele brancos, mulatos e negros. P~lra form~l­ ante norte-européia e a estrutura sociorracial ibérica reside
lizar as diversas variantes de relaçôes raciais entre esses no fato ele ;1 incidência de lllulatos no segmento dominante ser
grupos, o autor introduz o conceito de sociedade segmentada: COI1:"ideravelmente mais elevada na última variante. A expli-
caça0 de Hoetink para isso baseia-se no conceito de "imagem
de norma somática", definida como o "complexo ele caracte-
Por uma "sociedade segmentada" entendo uma sociedade
rísticas físicas que são aceitas por um grupo como sua norma
que, no seu momento de origem, consiste em pelo menos e ieleal".í Assim,
dois grupos de pessoas de raças e culturas diferentes, cada
um com suas próprias instituÍC'ôes sociais e estrutura social;
cada um desses grupos, que denominarei segmentos, tendo na esfera das relações raciais íntimas há uma aceitação maior
sua própria posição na estrutura social; e a sociedade como ele mulatos no grupo branco da variante ibérica eto que na
um todo sendo governada por um dos segmentos.' variante do noroeste europeu. Essa maior aceitação, expli-
quei-a em termos de uma distáncia somática 'menor, uma
Os tipos de sociedades do Caribe (relações raciais) de leve diferença na imagem de norma somática entre os
Hoetink sào construídos em termos do grau ele mobilidade brancos do noroeste europeu e os ibéricos. 5
social intersegmentária:
Em seu mais recente Slauely ctnd race relatio ns, Hoetink
1. No primeiro tipo de sociedade segmentada, não há mobi- retoma o argumento e fornece uma descrição mais refinada
lidade (de grupo) entre os segmentos. Esse é o caso do das origens históricas das três variantes de relações raciais.
extremo sul dos Estados Unidos, onele um segmento De acoreIo com o seu esquema interpretativo, todas as socie-
social intermediário de mulatos não se desenvolveu. dades multirraciais ela área do Caribe desenvolveram uma
2. No segundo tipo, a mobilidade só é possível, em parte, estrutura sociorracial - distinta ela estratificação socioeco-
na direção da posiçào social elo segmento dominante com nômica - fora da instituição escravista, por meio da qual as

70 71
posições eram alocadas a todos os grupamentos sociorracl:1ls racional, se 6 que eXlsl1U, de um t:tl estrato intermediário
reconhecidos. "Quando os escravos foram alforriados ou a em bases econômicas e del11ográficas. B
escravidão foi abolida, os ex-escravos foram colocados nessa
estratificação de cor já existente ( ... )."" Quanto aos F;ltores que i~.1fluíram na atitude para com os
Hoetink tcnt:l 1:1111110111 explicar :1.'i :ltillldes dos hr;ln('().~ p:lr;l lihert()s, (' particularmente tllUI:ltos livres, fora cios Estados
com os libertos durante o período escravista e as chances {Inic.los, gir~IVatll eles em torno das necessidades do grupo
de mobilidade socioeconômica ele libertos e pessoas ele cor dominante branco, ele segur;!nça física e de segurança econô-
no período escravista e após ele. Com relação à primeira mica para si e seus descendentes brancos. Alguns desses
questão, Hoetink argumenta que a persistência da estratifi- fatores eram as proporções numéricas entre os grupos brancos,
cação racial após a abolição da escravatura não poele ser de pessoas de cor livres e de escravos; a escasseZ de mulheres
considerada como um prolongamento dos elementos estru- brancas, que determinava o número ele relações sexuais
turais do escravismo. A partir disto, ele afirma enfaticamente: institucionalizaclas entre homens brancos e mulheres não-
brancls; e a propens:io ela elite masculina branca a manter
t;l is uniôcs inter-raci;lÍs. Por sua vez, a mobilidade econômica
Postulàr um liame causal entre estrutura sociorracial contem-
porânea e escravismo pode ser rejeit:lclo C0l110 artifício do e ocupacional dos libertos era retardada pela presença ou
historicisl11o, visto que tüo traç'a os p:lr:!lelos ela continui- imigraç~l() ele hrancos pobres e acelerada quanclo as posições
dade histórica em relação a estruturas correspondentes elo econômicas ou administrativas disponíveis ultrapassavam em
passado, mas faz os mesmos convergirem em direção a uma número o grupo branco. 9 Como () autor resume o argumento:
estrutura passada muito mais limitada.?
As perspectivas de melhoria econômica dos libertos e das
Quanto aos Estados Unidos, a ausência de uma categoria pessoas de cor e as atitudes sociais dos brancos para com
social distinta de mulatos é novamente explicada em termos eles eram determinadas antes da abolição, el11 grancle parte,
elos fatores econômicos e demográficos anteriormente apon- por fatores que não se relacionavam às relaçües senhor-
tados por Marvin Harris, isto é, a influência social de uma escravo per se, mas, antes, à estrutura social total, tal como
classe numerosa de brancos pobres no sul CJue sofreram um existi:t fora el;] institui\,'ão da escravidão e, mais diretamente,
processo de empobrecimento a partir do fim do século XVIfI. ao número de posic;:ôes disponíveis ness,1 estrutura - a uma
A essa influência acrescentou-se o afluxo de imigrantes
situação, em suma, que também determina nas sociedades
ll1ultirraciais contempor;ltleas as perspectivas econômicas de
brancos pobres após meados do século XIX.
grupos raciais socialmente subordinados. 10
Fora dos Estados Unidos, um grupo de mulatos chegou a
ocupar uma posição intermediária, mas aqui Hoetink nega o Finalmente, a distinção de Hoetink entre estratificação
poder explicativo dos fatores econômicos e demográficos sociorracial e estratificação socioeconômica é digna ele nota.
acentuados por Harris. Não foi a estrutura socioeconômica Enquanto a última refere-se a critérios objetivos tais como
das sociedades de plantação que exigiu que um grupo de prosperidade econômica ou ocupação, a estratificaçào socior-
mulatos preenchesse as posições intermediárias. Antes, racial parece referir-se às representações ideológicas ou sub-
jetivas dos brancos sobre a adequada hierarquização ou
( ... ) O reconhecimento de um status social intermediário categorizaç:io social dos diferentes grupos raciais. Embora
com base em características físicas intermediárias (em que as duas estratificações não se correlacionem perfeitamente,
sentimentos paternais para com o filho ilegítimo ou !1oçôes "(".) cada sociedade multirracial é racista no sentido de que
acerca ela maior confiabilidade convergiram com consideraçàes a pertinência a um grupo sociorracial prevalece sobre a reali-
implícitas de maior proximidade somática e, portanto, igual-

,
zação na atribuição de posição social".l1 Disto conclui o
dade social) pode muito bem ter precedido a necessidade
autor que o predomínio ('a estrutura sociorracial sobre a

73
estratificação sol'ioeconômica 0 um traço essencial de todas Todos os aspectos elas relaçôes raciais que nào s:10 conse-
as sociedades multirraciais. qüência da estrutura sociorracial são relegados a uma área
A discussão anterior é uma apresentação condensada da residual vagamente dclimiuda como "caráter elas relaçôes
linha de raciocínio mais importante de Hoetink. Como tal, raciais". Como resultado, fenômenos tais como os padrões
nào pode fazer justiça à riqueza de análise e :IS valiosas mais amplos de mudança societária, a interação entre a estru-
percepções contidas nos dois livros. Sua obra é uma das tura de classes e divisôcs raciais, as diferentes posiçóes das
poucas tentativas, provavelmente a l1lais abrangente e siste- sociedades do Caribe no si ;tema internacional, as mutáveis
I1lJtica, de produzir uma an{tlise comparativa das relações ideologias raciais e suas fut~(,:ões como mecanismo de domi-
raciais nas sociedades escravistas de plantaçào das Américas. naçào entram apenas de uma maneira ad hoc e desempenham
Ele mostrou convincentemente que toelas as sociedades eventualmente um papel secundário dentro elo quadro analí-
l1lultirraciais ela área mais ampla do Caribe sào racistas na tico. A preocupaçl0 excessiva com as interaçôes sociopsico-
medida el11 que princípios raciais ele scleçào soci;)l operam lógicas t' culturais entre segmentos sociorraciais resulta na
em todas elas - apesar das pretcnS('K'S nacionais de ordens a!Jstraç;lo de c1iv;lgcns c conflitos raciais da matriz global de
raciais "harmo'niosas" ou "democráticas". Demonstrou tamhém c1omin:lç:'lo e conrJito soci;!l. As rela~'()es raciais silO assim
a estabilidade dos padrões ele relaçôes raciais (identiclade tendencialmente transform:c1as numa área quase :\uttJnoma
racial e categorizaçào) originados no passado colonial. Final- cle rcLl(,'ôes sociais, nào afetada pelas fontes estruturais de
mente, a continuidade histórica elas estruturas sociorraciais dinamismo da sociedade ou por varÍ:lções nas sociedades
do Caribe não é explicada como resultado de sobrevivências Illultirraciais do Caribe.1\
e arcaísmos do passado, mas, pelo contrário, em termos Uma segunda crítica refere-se à separação forçada feita por
das necessidades funcionais daquelas socicc.L1dcs - ou f!octink entre (J escravismo c a relação senhor/escravo e a
seus grupos brancos dominantes - no presente. 12 estrlltllr:l social fora cio escravismo. Ele parte do argumento
Contudo, o quadro conceitual de Hoetink não pode ser ele Tannenbaul11 segundo () qual onde as relações senhor/
aceito sem reservas. Uma primeira observação crítica se refere escravo eram "boas" ou "suaves", as relações raciais exteriores
ao conceito de "relações raciais". A opinião extrema do autor e posteriores ao escr~ivislllo seriam "boas" e , inversamente ,
acerca da indeterminação causal entre escravismo e rela~~ôes uma relação senhor/escravo dura ou cruel levaria a relações
raciais é parcialmente devida à sua conceituação estreita de raciais exteriores e posteriores ao escravismo menos fa vo-
relaçôes raciais. O eixo central de diferencia<,~ão ele padrôcs dveis. Visto ser isso fatualmente errado, Hoetink conclui que:
raciais é a estrutura sociorracial e sua natureza contínua ou a) não há rclaçJlo causal ou continuidade histórica entre o
desc()ntínua, Assim sendo, a (j11C:'stào b;ísica é por que os car:íter (suave ou duro) de um sistema escravista e o caráter
brancos ibero-americanos mostraram lima disposi,';1O 1ll;lior das rela~'(')CS raciais fora du escravismo; I») a categoriz:lçüo
que a dos brancos do noroeste europeu de engajar-se em social, integração e mobilidade dos ex-escravos durante e
uniões sociossexuais com membros dos estratos não-brancos após o período escravista dependiam de uma variedade de
contíguos. Esta diferença, aprendemos imediatamente, foi fatores operando fora da instituição do escravismo e relacio-
inicialmente devida à imagem da norma somática mais escura navam-se à estrutura social e econômica total da sociedade.
dos brancos ibéricos. Outrossim, uma vez que as estruturas
Embora Hoetink a presente uma versão simplificada da
sociorraciais ibéricas e do noroeste europeu se formaram,
interpretação de Tannenbaum - e centralize todo o argu-
persistiram intocadas ao longo do tempo como função dos
mento no problema do tratamento dos escravos e na absorção
interesses e preferências somáticas dos grupos racialmente
posterior elos ex-escravos ~l comunidade livre - ele não tenta
dominantes. No que se refere à evolução a longo prazo das
duas variantes de relaçôes raciais, a continuidade (1:1 estrutura procurar outros laços entre escravismo e relações raciais.
sociorracial ibérica leva a uma homogencizaçào racial e cultural Ao invés disso, COnl'eilUa as sociedades escravistas como
senelo compostas por dois compartimentos separados e não
maior que a variante do noroeste europeu.

75
rebcionados, a instituição do escravismo e a estrutura social o escravismo não apenas condicionou a estrutura cle classes
f()ra do escravismo. Ao proceder assim, Hoctink neglioenci'l
• t"" "-
()l
c o sistema e1c disciplin;l de classe e de raça aos quais toda a
fato ele que a relação senhor/escravo era o nexo estrutural ]lo]lulação livre estava sujeita, mas também influenciou o
básico de todas as sociedades escravistas de plantação e que destino social elos escra vm; alforriados e dos não-brancos
o escravismo constituía o princípio suhjan:ntc ;1 organiza(';lo nascidos livres, sob v;Írios :lspectos. Como foi mencionado
social inteira. anteriormente, por exemplo, a precária estahilidade cio escra-
As características específicas de cada sistema escravista vismo hrasileiro durante o período colonial levou à manipu-
afetaram o desenvolvimento da estrutura social total. As lação estrutural de divisôes étnicas e raciais cios escravos e
necessidades resultantes ela preservação desse sistema ele da população livre, através da cooptação social e da criação
trabalho forçado proporcionam a 16gica cio sistema global ele de estratos sociais. No nível cIos modelos conscientes, a cor
dominação política sobre os escravos, bem como sobre os da pele era indicação de descendência africana, mas também
homens livres brancos e não-brancos. A propriedade de representava a "marca da escravidão" em todas as sociedades
escravos era a condição para o exercício elo poder, tanto escravistas do Caribe. Fora do sul dos Estados Unidos, uma
dr) p,>r1('f (H'.<;c;()a! <Ir),; <;r~nhr)rr~<, r),:ntrq fh plant;J(8f) (n8 f ) pele l1uis dar;1 signifiCl\ra um afastamento ela negritude, bem
apenas sobre os escravos, mas às vezes também sobre uma como do statlls de escravo. Com relação a Cuba no século
clie~1tela depe~dente de homens livres), quanto do poder XIX, Verena lVIartinez-Alier sugere que a raça simboliza dife-
naclOnal ou regional, onde a independência política precedeu renças, tais como a divisão do trabalho, e que "pressàes e
o fim do escravismo. tensües na soc'ie(bdc que podcm ser resultado de lIm;! varie-
Dado que a plantação escravista inibiu a urbanização a dade ele fatores [não raciaisl são com freqüência justificadas
industrializa<:ão e o crescimento de unidades agríc()lasof;ll~lj_ e racionalizadas em termos :lc clistinç'ôes raciais".I'i
liarcs, o escravismo condicionou a estrutura ~Ic classes da
população livre. Em relação à região cafeeira brasileira, Maria o ajustamento e equilíhrio ela ordem social ele Cuba no
S. de Carvalho Franco concluiu: . século XIX exigiam a discriminaçiio por raz(w.s funcionais.Os
casamentos int<']'-ral'Íais deviam seI' ]imit:ldos, quando n:ío
totalmente proihidos, porque () "cC]uilíhrio" da sociedade ()
Ao belo do latifúndio, a prcsen<;a ela escravicl:ío frcou a exigia. O ant:lgonist11o n;1O era dirigido contra as pessoas
constituiç:ío de uma sociedade ele classes, n:ío tanto porque ele cor como tais, mas porque sua cor indicava que elas
o escravo estivesse fora elas relaçôes ele mercado, mas eram ou tinham origens escravas. Eram os escravos e seus
principalmente porque excluiu clelas os homens livres e descendentes que precisavam ser segregados no interesse
P?bres e deixou incompleto o processo de sua expropriação. cio sistema escravista, [ri
FICando marginalizada nas real izaçôes essenciais á sociedade
[produção comercial para exportação] e guardando a posse
Assim, mesmo dentro elas sociedades escravistas ele plan-
dos meios de produção [o uso elas terras não exploradas clas
plantações], a população que poderia ser transformada em tação que desde o início mantiveram um tipo de estrutura
mão-ele-obra livre esteve a salvo elas pressôes econômicas sociorracial, o tratamento recebido pelas pessoas livres de
que transformariam sua força de trabalho em mercadoria. 11 cor - para não mencionar os escravos - variou no tempo
como função das cOll1plexas necessidades econômicas e polí-
Com a exceção de uma ínfima população urbana, a depen- ticas resultantes do desenvolvimento do sistema escravista.
dência pessoal dentro da órbita da plantação e a expulsão E isto ocorreu também com as "relações raciais íntimas" dentro
para uma débil agricultura comercial ou de subsistência em elas sociedades escravistas da variante ibérica.
terras próximas às áreas de plantação foi o destino comum Hoetink pode estar certo ao afirmar que o preconceito
dos homens livres não possuidores de escravos em toda a racial e as preferências somáticas precederam o desenvolvi-
região do Caribe. mento cIo escravismo e que uma relação causal direta entre a

76 77
relação senhor/escravo e relações raciais p6s-abolição ni'io Qualquer que seja sua aparência, as pessoas de classe média
pode ser estabelecida. Contudo, sérias clllvidas podem ser tendem a ser considera las e a ver-se a si próprias como "de
levantadas no que se refere às suas opiniôes de acordo cor", ao passo que as pessoas de classe baixa sào "negras".
com as quais: a) a cvoluçi'io de cIcia sistema ('.~cravista n;1O O ditado popular "todo negro rico é um mulato, todo mulato
pobre é um negro" adapta-se hoje à sociedade indiana
influenciou a estrutura social total, nem a categorizaçi'io,
ocidental tanto quanto no passado. Procedência familiar
integração e mobilidade social dos não-brancos livres, riqueza e eclucaç:'io fazem a distin<::'io cntre "pardos" ~
durante o período escravista; b) o processo 1':lcista ele seleção "hrancos" quase tão flcxívcl. 19
social vinculava-se a motivações psicológicas e fatores subje-
tivos, baseados ctn preferências raciais, e n~'I() estava relacio-
As consideraçôes acima Indicam os limites do poder expli-
nado a situaçôes econômicas e demográficas objetivas; i7 c)
cativo da concepção ele Hoetink da estrutura sociorracial, na
a principal diferença entre o escravismo e outros sistemas de
medida em que sugerem que as preferências somáticas nào
trabalho forçado simplesmente reside no fato de que os sujeitos
sào exercidas num vácuo social. A clistáncia somática não é o
da escravização pertenciam a um gru po racial similar. iH Devido
único determinante dos diferentes padrôes de relações raciais
à excessiva ênfase nas preferências somáticas ou estéticlS e na
íntimas e as funções simhólicas e estratificadoras ela raça
estrutura so'ciorracial correspondente, Hoetink cai numa inter-
variam de acordo com as transformaçôes globais da estru-
pretação subjetivista não-estrutural das relaçôcs raciais, tão
tura social. A opinião de Hoctink, segundo a qual as relaçôes
unifatorial quanto as concepções de determinismo cultural e
de raça contemporâneas e o racismo não podem ser vistos
econômico que critica. É inegável que a rap ou categori7.<lção
como meros remancscentes cio passado escravista, perma-
racial é um importante critério para a distribuição ele posiçôcs
nece importante.
na estrutura de classes e hierarquia socioeconômica, mas é
também óbvio que a raça não determina a estrutura dessas
posiçôes sociais. Pclo contrário, é o conjunto de mecanismos
sociais destinados à reprodução da estrutura ele posiçôes RELAÇÕES RACIAIS
sociais que explica as funções simbólicas e estratificadoras COMO ARCAÍSMO DO PASSADO:
da raça, nas sociedades multirraciais, durante o escravismo AS TESES DE FLORESTAN FERNANDES
e após a emancipação. Eis porque a distinção analítica de
Hoetink entre estratificação sociorracial e socioeconômica
EmA illlcgraçào do negro na sociedade de classes, um
tende a confundir, ao invés de esclarecer, as complexas e
marco na literatura dedicada às relaçôes raciais no Brasil ,
diversas relaçôes entre categorização racial, cstratificlç~l{) .'

c em escritos mais recentes, Florl'.~t~ln Fern;lndes ~ln:llis(l a


socioeconômica e prestígio ou honra social. Um hom exemplo,
situa<,'ão social p()s-aholiç:i'io dos negros cm São Paulo, do
a esse respeito, é a incapacidade do quadro conceitual de
ponto de vista da socied,·de de classes em desenvolvi-
Hoetink de explicar o mecanismo de "compensação de stattd'
mento. 20 As seguintes observaçôes centrar-se-ão na inter-
existente fora dos Estados Unidos. De acordo com este meca-
pretação teórica subjacentc à sua rica e bem documentada
nismo, pessoas não-brancas com os mesmos traços somáticos
an3lise histórica.
podem ser percebidas e tratadas como membros ele grupos
sociorraciais diferentes, como função das suas realizaçôes em Com a desintegração do regime escravista, segundo
outras dimensôes de status. É bem sabido que no Brasil, como Fernandes, a mudança no status legal de negros e mulatos
no resto da América Latina, "o dinheiro clareia", de moelo não se refletiu numa modificação substancial ele sua posição
que o negro em boa posição econômica torna-se um moreno. social. À falta de preparo para o papel de trabalhadores
E um mulato claro rico ou educado é um branco. Como livres e ao limitado volume de habilidades sociais adquiridas
observou David Lowenthal, o mesmo mecanismo de compcn- durante a escravidão acrescentou-se a cxclus:1o das oportu-
sação parcial funciona nas índias Ocidentais. nidades sociais e econômicas, resultantes ela ordem social

7íl 79
competitiva emergente. Os e:,-escravos e homens livres de Outrossim, Fernandes nào vê o preconceito e a discrimi-
cor foram relegados à margem inferior do sistema produtivo. nação raciais como resultado parcial da mudança legal do
dentro ele formas econômicas pré-capitalistas e áreas marginab status dos negros. Pelo contrário,
da economia urbana.
A degradação pela escravização, anomia socia!, pobrez;) e ( ... ) a persistência desse preconceito e cliscrimina<,:ão constitui
uma integração deficiente à estrutura ela sociedade de classes um fenômeno de atraso cultural. As atitudes, comportamentos
comhinaram-se, de forma a produzir um padrão ele isolamento e valores cio antigo regime social referentes às relações raciais
s:lo mantidos em situações histórico-sociais em que estão
econômico e sociocultural de negros e mulatos. Este isola-
em conflito aberto com os fundamentos econômicos, legais
mento é considerado como anômalo dentro de uma sociedade e morais da ordem social vigente. A esse respeito, as mani-
"competitiva", "aberta e democrática".21 É explicado em termos festações de preconceito e discriminação raciais nada têm a
ela persistência do modelo tradicional e assimétrico de relaçôes ver com a competição ou rivalidade entre negros e brancos
raciais. Após a abolição da escravidão, o modelo arcaico de nem com o agravamento real ou possível de tensões raciais.
relações raciais destinado a regular as relações entre senhores, Elas são a expressão de mecanismos que, de fato, perpetuam
escravos e libertos manteve-se quase totalmente. Com ele () p;\ssac1o no presente. ,:1as representam a contimla(,'ão da
desigualdade racial tal como se dava no antigo sistema de
manteve-se também o padrão tradicional ele concentração
castas."\
racial de poder, riqueza e prestígio. A destrLliç~lo do regime
de castas associado à escravidão não afetou as formas de
Fernandes argumenta que o modelo arcaico de relações
acomodação racial desenvolvidas no passado; ao invés de
raciais só desaparecerá quando a ordem social competitiva
entrar nas condições de classe, típicas da nova ordem social
se libertar das distorções que resultam da concentração racial
competitiva, negros e mulatos encontraram-se incorporados
de renda, privilégio e poder. Assim, uma democracia racial
à plebe urbana e rural.
autêntica implica que negro;; e mulatos devam alcançar po-
O preconceito e a discriminação racial apareceram no Brasil sic;,:ões ele classe equivalentes àquelas ocupadas por brancos.
como conseqüências inevitáveis do escravismo. A persis- De acordo com o seu relato histórico, o modelo tradicional
tência do preconceito e discriminação após a destruição cio assimétrico de relaçôes raciais manteve-se quase intacto em
escravismo não é ligada ao dinamismo social do período São Paulo até aproximadamente 1930. O dinamismo ela socie-
pós-ab~)liçào, mas é interpretada como um fenômeno de atraso dade de classe emergente foi insuficiente para eliminar as
cultural, devido ao ritmo desigual de mudança das vária.~ estruturas pré-existentes de relações raciais. A falta de habi-
dimensões dos sistemas econômico, social e cultural. lidades sociais e as incapacidades associadas ao anterior
status do escravo, junto ao af1uxo de imigrantes europeus
Tomando-se a rede de relações raciais como se apresenta qualificados, excluíram a massa de negros e mulatos do
em nossos dias, poderia parecer que a desigualdade econô- mercado de trabalho capitalista. Formas crônicas de desor-
mica, social e política existente entre "negro" e "branco" ganização social foram resultados inevitáveis dessa exclusão.
fosse fruto do preconceito de cor e da discriminação racial. Após 1930, no entanto, certos sinais de crise no modelo
A análise histórico-sociológica patenteia, porém, que esses tradicional de relações raciaIS apareceram e a posição social
mecanismos possuem outra função: a de manter a distància da população negra sofreu algumas mudanças importantes.
social e o padrão correspondente ele isolamento sociocul- De fato, parte dessa popubc;'ão começou a adquirir posições
tural conservado em bloco pela simples perpetuação indefi-
de classe típicas - a maioria através de um processo ele prole-
nida de estruturas parciais arcaicas. Portanto, qualquer que
venha a ser, posteriormente, a import:lI1cia clinàmica cio tarização e uma pequena minoria através da incorporação às
preconceito de cor e da discriminacào racial, eles nào criaram classes médias. No entanto, negros e mulatos estão longe ele
a realidade pungente que nos preocupa."' terem atingido uma completa igualdade social e econômica
com relação aos brancos,

80 81
Visto que o desenvolvimento econômico e J plenJ consti- cio passado. O modelo tradicional e assimétrico de relações
tu iç;}o da ordem social competitiva são considerados como raciais, perpetuado pelo preconceito e pela discriminação, é
os principais processos subjacentes à eliminação dos aspectos considerado uma ;lOomalia da ordem social competitiva. Em
arcaicos das rclaçôes raciais, F. Fernandes é levado ;1 lima conseqüência, o desenvolvimento ulterior ela sociecl;lde de
visão cuidadosamente qualificada, porém otimista, sobre o cl;lsses levará ao desaparecimento do preconceito e discri-
futuro elas relaçôes raciais brasileiras. minação raciais. A r;l<;';I perder;\ sua eficácia como critério
de seleção social e os não-brancos serão incorporados às
J~ impossível salwr como ;IS rl'LI",ôl's raci;lÍs ilLlsilcir;ls evo- posiçôcs "típicas" d;t estrutura de classes.
luirão num futuro distante. Parece provável que ;1$ tendências Esse é o resultado lógico da perspectiva que vê as relações
dominantes levarão ao estabelecimento de uma autêntica raciais p6s-abolição como relíquias do passado; como tal, essa
democracia racial. No futuro imediato, contudo, certos eventos
perspectiva opõe-se agudamente à realidade racial do Brasil
repetidos fazem temer pelo sucesso dessas tendênci<ls ... A
e outras sociedades multirraciais capitalistas. Opôe-se também
concentração de renda, privilégio social e poder nas mãos
ele u,ma única raça, a debilidade dos esforços que poderiam à sensível análise de Fernandes da ideologia racial br:lsileira
ser capazes de corrigir os efeitos necessariamente negativos como fonte de re:sistência à mudança, no sistema de relações
elessa concentração e o etnocentrismo e atitudes discrimina- raciais. A maioria cios problemas conceituais parece resultar
tórias podem facilitar a ahsorção gr;ldu;11 cio paralelismo entre duma concepção unívoca e idealizacla ela ordem social com-
cor e situação socÍ31 pelo sistema de classes." petitiva - uma sociedacle "competitiva", "aberta" e "demo-
crática", cujas bases econômicas, morais e políticas são
A abordagem de Florestan Fernandes difere da perspec- incompatíveis com a perpetuação de estruturas segmentárias
tiva de Hoetink na medida em que a preocupa<.'ão central elo arcaicas - c sua suposta potencialidade ele transformação
primeiro são os aspectos objetivos ela e:stratificação racial. social.
Sua análise das relações raciais é historicamente concreta e No procedimento explicativo baseado em "sobrevivências",
decorre de uma análise global ela mudança na estrutura social, "atrasos" e "arcaísmos", aqueles conceitos têm um valor
principalmente as muebnps resultantes da gcncLtlizaçào elo heurístico, indicando a ori!~em e descrevendo a fili;lção de
tr~tbalho livre e da e:xpansão das relaçôes ele trabalho capi- uma subestrutura; mas não explicam a sua permanência e
talistas. operação dentro da nova estrutura. 2' Como em qualquer
Após a abolição do escravismo, argumenta Fernandes, a sistema ele estratificlç~ão social, a persistência ele uma cstratifi-
sociedade herdou do antigo regime um sistema ele estrat ifi- cWão racial eleve ser funcionalmente relacionada aos ganhos
ct(:ào racial (' subordinação do negro. A persistl'neia c!CSS;t m:Hcriais c simbólicos que cabem ao grupo superior, N:1S
estratificação após a emancipação é devidamente atribuída palavras de StanisIav Andreski: "Uma vez que: uma super-
aos efeitos do preconceito e discriminação raciais. Apesar da posição bem definida de r;lças passa a existir, cria-se uma
compreensiva e meticulosa dissecação das relações raciais situação em que é bastante racional para seus beneficiários
brasileiras, a principal debilidade interpretativa resulta dessa tentar perpetuá-b."~(, Assim, independentemente do conteúdo
conceituação do preconceito e discriminação raciais como sobre- irracional das crenças e ideologia raciais, as práticas racistas
vivências cio ancien regime. Essa perspectiva, relacionada à podem ser racionais em termos da preservação da estrutura
te:oria do caráter assincrônico da mudança social, explica os cl<.: privilégio e dominaç~~lO cios brancos.
arranjos sociais do presente como resultado de "arcJísmos" As peculiaridades de cad~l processo de abolição e a subse-
do passado. Assim, o conteúdo "tradicional" ou "arcaico" das qüente dife:renciação ela estrutura de classes podem produzir
relações raciais, revelado pela presença de pre:conce:ito e uma reorde:naçào dos grupo:> brancos que se beneficiam mais
discriminaç'ão raciais, é considerado como um remanescente com a subordinação cios negros. Contudo, a tenacidade da

H2 H3
estratificação racial e as novas fontes ele discriminação após INDUSTRIALIZAÇÃO E PERSPECTIVA
o fim do escravismo devem ser procuradas nos variados inte-
ASSIMILACIONISTA: UMA AVALIAÇÃO CRÍTICA
resses elos grupos brancos que obtêm vantagens da estratifi-
cação racial.
A idéia de que o preconceito e a discriminação raciais são
Outrossim, os componentes tradicionais das relaçôes
:lpenas um remanescente do passado escravista tem sua
raciais não permanecem intactos após a destruição do escr:l-
contrapartida nas abordagens teóricas, que postulam uma
vismo. As "sobrevivências" do antigo regime são elaboradas
incompatibilidade entre industrialização e racismo. Após
c transrormad:\s dentro ela cstrutm:\ soci;d !11oc!ific;\cla. A
I{ohert Park ter fonnubdo a tcoria cio ciclo elas rclaç<")cs raciais,
sociedade capitalista transforma o significado da raça como
a perspectiva assimilacionista lançou raízes profundas na
dimensão aclscritiva, dentro de um sistema de estratificação
sociologia das relações raciais. A integração final dos negros
e mobilidade social em que a competição e atributos adqui-
era vista como inevitável. A assimilação era apenas uma
ridos são enfatizados. A sociedade de classes confere uma
questão de tempo e seria eventualmente acelerada pelo
nova função ao preconceito e discriminação raciais: as prá-
comprometimento moral e o crescente esclarecimento do
ticas racistàs, sejam ou não legalmente sancionadas, tendem
grupo branco dominante.
a desqualificar os não-brancos da competição pelas posições
mais almejadas, que resultam elo desenvolvimento capita- Essa perspectiva parte de uma análise das exigências
lista e da diferenciação da estrutura de classes. estruturais das modernas sociedades industriais - univer-
salismo, realização, eficiência instrumental e capacidade indi-
F. H. Cardoso ilustra como um elemento do sistema tradi-
vidual dentro de uma estrutura aberta de oportunidades. Dada
cional de relações raciais é elaborado e adquire novas funções
a lógica irreversível do industrialismo, conclui-se que raça,
após a abolição da escravidão. O preconceito e a discrimi-
etnia e outros atributos adscritivos tornar-se-ão desprezíveis
nação raciais, observa ele, eram características intrínsecas do
como fontes de c\ivagens sociais, formação de grupos e distri-
sis~ema escravista. No entanto, a coerção dos senhores e a buição de posições na estrutura social. Robert Blauner atribui
incapacidade legal dos escravos eram suficientes para asse-
essa perspectiva à análise social européia e à absorção inalte-
gurar a exploração dos escravos. Com a abolição do escra-
rada de suas preocupações principais pelos cientistas sociais
vismo e o advento da igualdade formal, os negros emanci-
norte-americanos. Os fundadores da sociologia européia
pados começaram a frustrar as expectativas do grupo branco
consideravam as relações sociais e sistemas de solidariedade
e a ameaçar o monopólio de certas posições sociais em mãos
baseados em raça e etnia como "sobrevivências essencialmente
dos brancos. Nessas circunstâncias, o significado e funções
paroquiais de sociedades pré-industriais e fundamentalmente
do preconceito e discriminação raciais sào alterados, visto
opostas à lógica da modernidade". 2S
que era necessário criar mecanismos sociais que, em nome
de uma desigualdade natural, permitissem a acomodação dos
negros a um sistema assimétrico de posições e privilégios. 27 Mais do que raça, etnia e nacionalidade, os traços caracterís-
ticos das sociedades industriais modernas eram o caráter
Desta forma, as práticas racistas após a abolição são ativadas
central das classes e da estratificação social (Marx, Weber),
pelas ameaças reais ou imaglnárias feitas pelos negros à o crescimento e ubiqüidade de organizações burocráticas
estrutura de privilégios sociais dos brancos. em grande escala (Weber, Robert Michels), a tendência a
uma especialização ocupacional e profissional (Durkheim),
e a predominância da metrópole e de seus padrões e pro-
blemas característicos sobre as áreas menos urbanizadas e
seus interesses (Simmel, Toennies e Durkheim).29

84 85
A tendenciosidadc assimilacionista da teoria e pesquisa resultantes mercados ill'pessoais elilllinar;'to a identificação
sobre relações raciais, desenvolvida nos Estados Unidos, a grupos raciais 5 \
rarecc ter resultado da convergência ele categorias européias
de análise social e do "otimismo liberal da maioria dos soci()- 'J'ctld() csho(,,;tdo ;\ viSi\O cunVCI1Cioll:!I til' como ;\ induslri:\-
logos com relação à possibilidade ele mlldan~'a p:lcífica e li7.;lç;lo ;tkt:\ ilS reLl(Cws rilciais, Blumcr confronU-;l :\ evi-
ordeira n:l c1irc<:ão da inlegra()o raci:t!",lO di'!1ci:l empíricl c conclui que um;l tal visão n:1o é ;lpoiacla
Uma crítica completa da pcrspectiva tc()riC:l quc postula pdos lalos. Ohserva qtll', (,O!1tri\riall1cnle i\ t('orii'.:\I;:-\O ({ /irio!''',
urna incompatibilidade entre inc!ustri:llii'.;!\::lo e racisll10 foi o ;tpar:l!o (' Opcril(.'(-)l'S introduzidos pel:\ inc1\1strialii'.aç;10
formulada por Herbert I3lllmer. 1 } Em seu estimulante artigo ajustam-se e conformam-se :lo padrão preexistente de relações
sobre industrialização e relações raciais, Blurner argumenta raciais. Visto que aqueles qU'ê estão no comando do processo
que a concepção segundo a qual a industrializaç:'jo dissolve de inclt\strialii'.ação proVl~111 da ordem racial vigente, eles
o fator racial projeta, no campo racial, um conjunto de conse- provavelmente não apenas compartilham as premissas do
qüências sociais que se supõe serem resultado do caráter c()digo racial como também respeitam-nas, por ra~ôes de auto-
intrínseco da industrialização. As características elo industria- interesse e consider;\çôcs racionais. Assim, os adn1ínistrac\ores
lismo seriam a submissão a uma perspectiva racional e secular, industriais, que podem se mostrar desejosos de empregar
o estabelecimento de relações contratuais em substituição a trabalhadores do grupo racial subordinado em empregos de
relações ele status, a promoção de mobilidade física e social alto nível, podem desistir de agir assim, ele modo a evitar
e, finalmente, um dinamismo inerente que pressiona no sen- dificuldades com outros trabalhadores. As posições adminis-
tido de manter as características mencionadas em ação. Como trativas ou de supervisão podem estar fechadas aos membros
qualificados da raça subordinada, não por causa cio precon-
agente de mudança social a industrialização tenderia a: (a)
ceito, mas devi cio à percepção de que sua contratação magoaria
subverter a ordem social tradicional na qual () industrialismo
outros e perturbaria a "operaç;'jo eficiente". Os memhros do
é introduzido; Cb) lançar as pessoas em situações novas e
grupo raci;t! suborclinaclo podem não ser contratados como
produzir a necessidade de estabelecer novas relações; Cc)
vendedores, representantes externos, recepcionistas e outras
modelar uma nova ordem social em torno das características
posições de contato com u público apenas por causa do
intrínsecas do industrialismoY Desta linha de análise,
ressentimento que, supôe-se, sua presença poderia despertar.>j
observa Blumer, deduz-se que a raça desaparecerá como
fator que estrutura relações soci:lis, visto que o industria-
lismo impõe o "status por realização" para substituir o "status Essas são decisões racionais típicas - decisões que são
por adscrição". guiadas com o objetivo de operação eficiente e retorno
econômico, tanto quanto se levassem em conta a capaci-
dade produtiva do membro individual do grupo raci:t1. Elas
Os trabalhadores competirão entre si na base de aptidões mostram claramente que a operação racional de empresas
industriais e não na base de características raciais. De maneira industriais, que são introduzidas numa saci edade racial-
correspondente, os membros do grupo de gerentes e admi- mente ordenada, pode exigir um respeito atencioso dos
nistradores serão escolhidos e colocados na base de compe- cânones e sensibilidade desta ordem racial.,j~
tência administrativa e não de filiação racial. Imaginação,
engenhos idade e energia e não pertinência racial dete~mi­
A avaliação da evidência empírica de várias sociedades
narão o sucesso no empresariado industrial. A ascensão na
escala social dependerá da posse de habilidades e capaci- multirraciais levou Blumer a concluir que, embora a industriali-
dades necessárias, riqueza ou capital; a caracterização racial zação possa alterar sob importantes aspectos outras caracte-
torna-se insignificante. A recompensa atribuída às decisões rísticas da ordem social, o aparato industrial adota a forma
racionais relegará o preconceito e a discriminação raciais à da ordem racial dentro da qual tcm que operar. Mudanças
periferia. A predominflncia ele relaçi)es cont;'atuais e os cventu:lis da ordem racial não resultam dc considcr:l\,()cs'cle

87
eficiência industrial, mas de pressões externas, principalmente pelos empregadores para legitimar a organização social
de pressões e movimentos políticos. ela produção. 'H Com relaç:lo às características adscritivas
e crcdenciais, ele conclui que:
A posição é essencialmente a de que as linhas raCIaIS, tal
como estabelecidas numa sociedade, s;'!o obedecidas na A Iq:;itim;IIJlo da divis~() hierárquica elo trabalho, bem corno
alocação de membros raciais no interior da estrutura indus- () controle cotidiano e sem ,ttritos sobre o processo de tr,lbalho,
trial. Se a padronização racial na sociedade atribuiu ~IS raças exige que a estrutura c1e autoridade da empresa - com a sua
posições sociais diferentes, definindo as formas adequadas correspondente estrutura de rCl1lul1eraç,10 e privilégio -
de associação entre elas, esboçando os tipos de autoridade, respeite as distinçôes aclscritivas e simbólicas da sociedade
prestígio e poder adequados a cada uma, indicando os <Ibrangente. Em particular, as rela~'ôes socialmente aceitávei:i
tipos de privilégios que cOf1'espondem às suas respec- de d(ll11ina~'à() e subord!naç;:1O devem se!' respeitadas: branco
tivas posições sociais e estabelecendo esquemas claros sobre negro; homem sobre mulher; velho (mas nào idoso)
de relações de deferência, esse padrào geral de relação sobre jovem; e instruído sobre não instruído.
será transportado para dentro da estrutura industrial. O O empregador individual, agindo isoladamente, toma
padrão vem a definir os tipos de ocupação que os membros normalmente os valor,·s e crenças societárias como dados,
de grupos raciais podem exercer, os tipos dos quais são violando-os o mínimo p~)ssível, e usando aqueles que aumen-
excluídos e aqueles que não lhes são adequados; deter- t:lrào a eficiC'ncia técnica, controle ele cima para baixo ou
mina a quem é dado acesso ao treinamento e aquisição legitimicbde ela empresa. Nesse sentido, a procura ele lucros
ele habilidades; estrutura as linhas de promoção, estabele- e elo asseguramento da posiç:io de classe reforça a mentali-
cendo tetos ou "becos sem saícla" correspondentes ã posi\::io dade racista, sexista e creclencialista.l~
social geral dos grupos raciais subordinados; aloca posiçôes
de autoridade correspondentes ?t c1istribuil,:ão de autoridade
No que se refere :10 processo de recrutamento de membros
no i111~ri()r dos grupos r:lciah 11:\ ~()('icd:l(k gl()J>;t1. ""
raciais slIbordi1lados paro\ !,osi,'()cs na ~stl'\lllIr;\ OCllp:ICi(lI1:t!,
três diferentes fontes ele di~;criminação econômica podem ser
De maneira semelhante, Samucl Bowlcs considcrou o
distinguidas: () consumidor, o empregado e () empregador.
papel dc atributos adscritivos tais como raça, scxo e idade,
Não obstante, "( ... ) deve ser enfatizado que o empregador
dentre um amplo conjunto de características dos trabalha-
é, na maioria das vezes, o dccisor ativo. É ele quem inter-
dores que são utilizadas pelos empregadores, como critérios
preta ou concorda unilateralmentc com as outras fontes dc
de adequação ao trabalho. ,7 A exigência de determinados atri-
discriminação, por causa de sua prcocupação dominante com
butos dos trabalhadores, afirma Bowles, resulta de três obje-
o lucro".lo
tivos imediatos dos empregadores: a eficiência técnica do
processo produtivo; a manutenção de um controle hierárquico Blumer e Bowles assumem o racismo como um dado obje-
seguro sobre o processo de produção; e a legitimação da tivo da sociedade e consideram como tal dado é processado
estrutura dc autoridade e relações de propriedade da empresa. no interior da estrutura ocupacional. Na medida em que as
Por sua vez, cinco conjuntos de características dos trabalha- decisões econômicas racionais não são tomadas num vácuo
dorcs são distinguidos: 1) habilidades cognitivas e técnicas; social, a estrutura industrial deve concordar com a lógica
2) traços dc personalidade; 3) mod()s ele ;\llt()-aprc ...,cntaç.'~(); racista da organiza,'ão social mais ampla, reproduzindo inter-
4) características aclscritivas, tais como raça, sexo c idade; 5) namente as pr(llil'as idcol<')gicas C políticas que regulam as
nccknciais, tais como nível e prestígio da edllcaçJlo. Bowlcs rclaçôes entre grupos raci:.\is na sociedade abrangente.
:11}J,IIIJlI'lll;l qll(' :Ih 11:IIJllld:ld"fo ('Ilglllliv;I<; .!(·.'''·II'I)(,lllt:lllI Formas 11l;li.~ :lntig:I.'O (Iv divisão racial do trabalho podem
11111 p;qH'1 lilllil;ldn ('ul)\!) crit('rin dl' ;IITSS<l ;1 l'llIIH('g()S dl' ser f"'II<l\':ld;IS (' "l:t1l1'I:I":I." jlvl:1 divh:ln dll tr:l!l:tllt<1 111:\1.'.
prcstígio c hem-remunerados, ao passo que os atributos comp1<:x:I promovida pelo desenvolvimento industrial. A raça
\lolll 1'llfJ;I1III\'(I'; 1'(IIIStillll'l1I 11111 \'('('llr,<;(1 h;í,;i('(J \ltili/;I"11 ( ;Issilll 111:ll1li<l;1 ('n!1Hl ,';ímh()\n de pnsi,':'in $\1h;\ I(('\'11:1 na
divisào hierárquica do trabalho e continua a fornecer a lógica racistas. O efeito cumulativo dessas práticas é o de reproduzir
para confinar os membros do grupo racial subordinado àquilo as posiç()es sociais inferiores dos negros. Com relação aos
que o código racial da sociedade define como seus "lugares mecanismos sociais que perpetuam a estratificação racial, a
apropriados". Portanto, o "reembaralhamento" das pessoas proposiçào explicativa a que chega H. Adam com base na
produzido pela operação da indústria apenas reproduz a análise cio sistema ele apartheid sul-africano pode ser esten-
posição subordinada elas minorias raciais na estrutura social. clida às sociedades multirraciais das Américas:
As considerações anteriores nào devem ser inlerprct:ldas
no sentido ele que os processos de inclustrializa<.::lo c mh:lni- Poder-se-ia formu!;tr C0!l10 hip()tese geral quc: a tcnacicl:lcle
Z:I(:lo estào isentos de conseqü0ncias para a eSlrutuLH,::)O de ebs instituiçtlcs sociais c políticas ou sua rcsistência ~I mu-
desigualdades raciais. De fato, na medida em que as dcsi- dança varia com (J grau ctn que elas beneficiam material-
gualcbdes sociais e de classe globais são menores em socie- mente grupos sociais importantes. Mais especificamente, a
dades industriais e urbanas que em sociedades agrárias ou força dessa resisll'ncia ,~ proporcional :1: (1) () número de
ele plantaçãÇl, pode-se esperar que as desigualdades inter- pessoas ou grupos que ."e beneficiam; (21 o tamanho e natu-
raciais sejam menores nas primeiras. Duas implicações impor- reza desse benefício; (3) o poder social que esses grupos
têm em rclaç:lo ~Iqllcles que nào se beneficiam desse arranjo
tantes seguem-se disso. A primeira é que as desigualdades
estrutu ral. iI
raciais deveriam ser avaliadas com relação à estrutura de
classes vigente e o correspondente padrão global de desi-
gualdades sociais. Segundo, na meelida em que () processo o propc'lsito c1l'stc Clpítulo 1"0 i () ele examinar c criticar
de industrialização e desenvolvimento econômico avança, a as perspectivas teóricas que ou bem negam ou bem esta-
desigualdade racial será provavelmente reduzida, embora uma belecem uma ligação causal direta entre o passado escra-
tal redução possa, não necessari:lmente, levar a uma modi- vista e as relaçôcs raciais pós-emancipação, hem como
ficação substancial na posição relativa de grupos raciais no aquela perspectiva que postula uma incompatibilidade
sistema de estratificação social. entre industrialismo e racismo.
Seria pouco válido tentar determinar abstratamente () grau Os diferentes sistem;lS de categoriza('ão e idcntiebcle racial
em que a criaçào e manutenç:1o ele institui(,,'ôes e pr:íticas característicos cle socicc!:lc\cs antcriomwntc escravista.'> deli-
racistas constituem uma exigência econômica estrutural para mitam a dimensão mais im ')ortanLe das rcbçôes raciais em
() desenvolvimento elo clpit:dis!no incltlstri:d em sociec!:lcles ql1e' a continuichdc hist()ricl com (l pass:lclo CSCLlvista pode

racialmente heterogêneas. Contudo, parece n:1o haver razões ser c.~t:lhclc('ida. No que se ref'ere ;lOS dikrcntes sistemas de
imperativas para que a inclustrialização e () desenvolvimento identiclade racial, suas causas iniciais devem ser procuradas
capitalista devam eliminar a raça ou torná-la irrelevante, mais nas exigências de dominaç;lo política e nos mecanismos
enquanto critério que estrutura relaçôes sociais dentro do de manutençào ele uma ordem social global- em que a relação
sistema produtivo. De fato, a modificação do significado da senhor/escravo foi o principio estrutural básico - do que
raça, como critério de alocação a posiçôes na estrutura ele nas preferências sonüticas e subjetivas elos brancos, enfati-
classes e estratificação social, parece depender mais de fatores zadas por Hoetink.
tais como mudanças no clima ideológico internacional, nível Outra forma ele ligar o passado escravista ao presente
de mobilização política dos grupos racialmente subordi- consiste em interpretar as relações raciais contemporàneas
nados e divisôes dentro do grupo dominante branco quanto como área residual de fenômenos sociais resultantes da
à questão racial e à política racial, do que de alguma lógica sobrevivência de padrôes "arcaicos" ou "tradicionais" de
inerente ao industrialismo. relações intergrupais. Preconceito racial, discriminação e
A discriminação racial no mercado de trabalho é um tipo concordância com um elaborado código racial, prossegue o
de mecanismo dentre um complexo conjunto de práticas argumento, eram exigências funcionais do regime escravista.

90 91
A suposição subjacente a essa interpretação é que, apesar da lima operação isenta de fricções no processo produtivo esta-
abolição do escravismo, uma inércia histórica perpetua os belecem um contexto em que a administração industrial pode
padrões tradicionais de comportamento inter-racial. Visto que ser racionalmente induzida a estabelecer relações de trabalho
esses padrões tradicionais não são funcionalmente exigidos entre as raças de acordo com o padrão global de estratificação
pela nova estrutura social, e1e:c; deverão se atrofiar. Conse- racial.
qüentemente, o racismo e as desigu;ddades raciais eventual- Até agora os grupos racialmente dominantes e suhordi-
mente desaparecerão. Ao discutir este argumento foi suge- nados têm sido tratados C01'10 se fossem categorias social-
rido que: (a) a discriminação c o preconceito raciais não mente homogêneas. No entanto, visto que ambos os grupos
são mantidos intactos após a abolição, mas, pelo contrário, encontram-se internamente estratificados dentro de socie-
adquirem novos significldos c fun~.'ôes dentro das novas dades divididas em cl:lsses, exploraremos agora as rcbçãcs
estruturas, e (b) as práticas racistas do grupo dominante de raça e racismo com a estrutura de classe pós-escravista e o
branco que perpetuam a subordinação dos negros não são sistema de estratificação social.
meros arca(smos do passado, mas estão funcionalmente rela-
cionadas aos benefícios materiais e simbólicos que o grupo
branco obtém da desqualificação competitiva dos não-brancos. NOTAS
Intimamente relacionada à teoria dos "arcaísmos", encon-
tra-se a posição teórica segundo a qual as exigências estru- I O lrabalho pioneiro é o ele IIARRIS. Paf/emsufrace il/ tbeAmericos, 1964.
turais das modernas sociedades industriais tendem a dissolver Ver também HOETINK. Caribbean race relations: a stucly of two variants,
a raça como fator que estrutura relações sociais. Sob as 1971; Slal'er)' allel ruce relaticms in lhe Americas: comparative notes on
their nature anel nexus, 1973; e DEGLER. Neilher black no/' Uibite: slavery
concepções mais abstratas ou típico-ideais das modernas
anel race reLltio[]s in flrazil anel tlH:' United States, 1971.
sociedades industriais, subjaz a posição liberal e atomística
de que o mérito individual no mercado competitivo é o único HOETINK, op. cil., 1971, p. 21-2.~.

determinante das chances de vida - igualdade ele oportuni- , !ln'delll. p. 97.


dades é a forma sociológica corrente da suposição clássica. , Ihidem, p. 12().
Não há dúvida de que o padrão global de desigualdades Ibidem, p. 174-175.
sociais e raciais é menos acentuado em economias urbanas e (, HOETINK, of>. cil., 1975, p. 49.
industriais que em economias de plantação, e que nas socie-
Ibidem, p. 49-')0.
dades modernas os atributos adscritivos desempenham um
papel menor na padronização da vida social que em contextos " Ibidem. p. 24.
pré-industriais. Contudo, da mesma forma que os economistas Ibidem. p. 57-58.
reconhecem imperfeições do mercado, não há razão teórica (!, Ibidelll, p ..39.
para que os sociólogos não devam reconhecer características
I I Ibidem, p. 49.
adscritivas tais como raça, sexo e classe, e suas funções
i2 Com relação aos Estados Unidos, l-!oetink atrihui a manutenção da estru-
ideológicas na legitimação da ordem social. Com relação à
tura sociorracial de duas caIDadas ) precária linha econômica entre brancos
industrialização e à operação do aparato industrial, sugeriu-se pohres e negros, respons{tvcl PC!.I origem cio modelo, que persistiu até o
que, longe de dissolver a ordem racial preexistente, esses presente, levando assim às meSIl1;1 ; respost;ls sociopsico]ógicas. Quanto ao
processos tendem a reproduzir internamente a estrutura mais Carihe nào-hisp;i!1Íco, a persist0ncia ela estrutura de Irt's call1adas <' :Itri-
buíela :t au;;0ncia cle um nÚIllt'l'O suficicntellll'llt(> grande de Ilr;II1COS
ampla de supra-ordenação e subordinação racial da sociedade pobres, sorrcndo cxpcrit'nciCls ccon(,micas c!csra\'or:'tH'i;; l;iÍs com" ;lS cios
global. As preferências dos consumidores, os preconceitos e br:lncos do Sul dos Estaclo;; Unido;;. Fin:ilmcnle, () tipo de cstratil-ic:lç';lo
interesses arraigados dos empregados e o esforço ele atingir racial ibero-americano perdurou por cau;;a cios laços especiais que existiam

93
entre brancos c mulatos claros. Ver HOETINK. S!ave/y mui race relations li BLUMEH. IndustrializalÍon and race relations, p. 232-233.
il1 the A me ricas.' comparative notes on Iheir nature anel nexus, p. 20-26.
.1, Ibidem, p. 233.
I, Se por um bdo. na abordagem marxista convencional das relaçôes raciais
.l(, lhiclem, p. 241.
o racismo e a exrloraç}o racista sào reduzidos a LIma simples questão ele
relações ele classe. por outn), Hoetink erra na direção oposta ao negli- P BO'\\/LES. Unclersuncling unequal economic opportunity, p. 350-351.
genciar questôes ele dinamismo e estrutura de classes.
IH Ihidem, p. 3'50.
1i FRANCO. Homells livres na ore!em ('.I·cm/locrala. r. 219.
I<J Ihidelll, p. 352.
" ALIEH. Marriage, elass a/le! co!OU,. ill lliI/CI(,clllh-c(,lIlllry Cllha, p. ().
i li FRA NKLTN; RESNIK. 711(' poli/ieal ecol1omy of racism, p. 32.
11, /h ide 111 , p. 7C,.
i 1 ADAM. Modem.izing racial dOl1lil1a!ioll, Ibe dynamics ofSouti? Afl<ican
1'1I0ETINK, ojJ. cil, 1973, p. 27, 196. jwlilics, 1972.
i H lhidem, r. 8'i-86.
I" LOWENTHAL. Race ancl color in lhe West In(lies. p. 30C,. O conceito de
"compensaçqo mútua de statlls' é utilizado em conex:Io com os casamentos
inter-raciais em Cuba no século XIX por Martinez-AlieI', o{J. cit., p. 22-26.
LlI FERNANDES. A integração do negro na sociedade de classes, 19(15. Ver
também FERNANDES. O negro 110 mundo dos brancos, 1972; e BASTIDE e
FERNANDES. Brancos c negros em Sào Pa1/lo, 1971.
" FERNANDES, op. cit., 1965, v. I, p. 192.
22 Ibidem, p. 193.
2.1 FERNANDES. The weight of the past, p. 295.
2·i Ibidem, p. 292, 299. A ambivalência dessa avaliaç:Io é mostrada por sua
afirmativa, poucas páginas antes: "Genericamente falando, a dificulcbde
racial brasileira reside mais na falta de equilíbrio entre a estralificaç:Io
racial e a ordem social vigente que em influências etnocl'ntricas e irt'edu-
tívcis específicas." Ibidem, p. 292. Em seu livro de 1972. F. Fernandes
introduz o caráter dependente cio capitalismo brasileiro como outro obstá-
cu lo à plena const ill1 ição ela ordem soeia I compct itiva.
2ó BA YCE. Hacia un marco teórico para b consic!eración de las relaciones
raci:des, p. '54.
2(, ANDRESKI. The /{ses ()/,colllj>ara!iucsoc!o!og.l', p. 267.
l7 CARDOSO. Capitalismo e escrauidiio no Brasil meridional, p. 279-281. Ver
também BA YCE, op. cit., p. 55.
'" BLAUNER. Racial oppressioll in America, p. 3. O mesmo se aplica a grande
parte da literatura latino-americana sobre relações étnicas e raciais.
29 Ibidem, p. 4.
lO METZGEH. American sociology and black assimilation: conflicting perspec-
tives, p. 630 .
.li BLUMER. lndustrialization and race relations, p. 220-253 .
.\2 Ibidem, p. 222-225.
II Ibidem, p. 229-230.

I
c A p T U L o I II estratificação social (isto é, das desigualchdes distributivas
ao longo de várias elimensôes) adquire um significado mais
sociológico ao ser a estratificação analisada em relação às
estruturas e processos sociais condicionantes, do que ao ser
conceituada como um sistema autônomo. A teoria e a pesquisa
t~T~UTURA De ClA~~t~1 da estrutura ele classes e da estratificação social têm se
desenvolvido a partir de s\lp()si~'ôcs radicalmente diferentes,
t~HArlfICA~ÃO ~OCIAl t ~A~A embora, de fato, as duas ordens ele fenômenos correspondam
a aspectos complementares ela realidade social. Em segundo
lugar, será feita uma tentativa de mostrar como a raça opera
como um critério socialmente relevante no preenchimento de
posições na estrutura de classes, bem como nas dimensões
distributivas da estratificação social.
Duas perspectivas te6ricas importantes têm se voltado para
os problemas da desigualdade social e da divisão da socie-
A literatura contempor~lnea aborda a questão da raça e cbde em classes. A primeira é a teoria das classes, originária
das minorias raciais nas sociedades multirraci~lis elas mais da tradição marxista; a segunda é a teoria da estratificação.
diversas perspectivas teóricas. A dominação e exploração Na tradição marxista, as classes sociais são elementos funda-
raciais são interpretadas como um aspecto da proletarização mentais de certos moelos de produção em que existe a proprie-
do trabalho, sendo o antagonismo racial interpretado como dade privada elos meios de produção e onde as relações sociais
conflito de classes. Em contraste com a redução do antago- se organizam em torno de um mecanismo básico de exploração.
nismo r~lCi;d a uma questão de classe, as minorias raciais Cada modo de produção implica duas classes fundamentais,
são também vistas como grupos internamente colonizac!os. relacionadas ;\nt:lgonicamente. Assim, as classes sociais são
Outrossim, na literatura ela antropologia social, as minorias posi~'ôes estruturais às quais os indivíduos são alocados pelo
raciais são, com freqüência, tratadas como segmentos culturais sistema.
ele sociedades pluralistas. Na pesquisa de estratificação, a Genericamente definido, o campo da estratificação social
raça é mais uma dimensão elo sistema de estratificação social. refere-se às formas, funções e conseqüências de sistemas de
Para alguns pesquisadores, a raça é uma dimen~ão muito desigualdade social estruturada. Num sentido estático, a estra-
peculiar por causa da adscrição e da ausência de mobilidade tificaçào social refere-se à distribuiçào diferenciada de recom-
social, ao passo que, para outros, a raça acarreta uma estru- pensas e privilégios.! No sentido dinâmico, a .estratificação
tura sociorracial ou um sistema separado de estratificação social implica o processo individual de obtenção de status,
racial que prevalece sobre a estratificação socioeconômica. bem como a transmissào intergeneracional de desigualdade
A eliscussão a seguir não trará ordem a esse caos aparente. social.
Pelo contrário, nela se conceituarão as relações entre raça e A próxima parte examinará brevemente as principais supo-
dois componentes básicos da estrutura social, a estrutura de sições teóricas da abordagem da estratificação social e ela
classes e o sistema de estratificação social. Uma tal concei- teoria das classes. As maneiras como a esfera da produção
tuação exige distinções explícitas entre os conceitos ele classe condi cio na a distribuiçã0 do produto social serào então
social e de estratificação social. discutidas. Finalmente, a última parte analisa as relações
Para adiantar os principais argumentos do presente capí- entre raça, estrutura de classes e os processos de estratifi-
tulo, pode-se afirmar, em primeiro lugar, que o estudo da cação e mobilidade social.

97
A ABORDAGEM DA ESTRATIFICAÇÃO condicionado de apreender a realidade social tetn, como
E A TEORIA DAS CLASSES: resultado, enfatizar
SUPOSIÇÕES BÁSICAS
hierarquias de status e ')focura de statlls ao invés dos con-
sistema de
tornos do poder cconCJl1lico e político; focalizar o
Pelo fato ele grande parte dos escritos sobre eSlralificH:;IO s/a//ls da comunidade lo::al - a tradicional "pequena cidack"
social tentar desenvolver novas categorias implícita ou expli- <1meri(;\l1a - ao invés elas clivisôes ele classe nacionais; pro-
citamente cbhoradas com () fito de crític\r a tl'ori;\ m;\rxísla duzir il1\'l'~tig:1Çôes de l1101li\idade ocupacional c ~()cL1l, cujos
das classes, avaliar as suposições e procedimentos mais resultad()s indiclIl1 :1 \'i:lhilid;ldc COl1líllU:l - conqlLll1to limi-
comuns da teoria da estratificlç'ão pode esclarecer ambos os tada - cio Sonho Americano de sucesso; e, geralmente, uma
forte 0nbse em estudos empíricos destinados a tes!:\ r propo-
paradigmas. Um breve exame do paradigma posto em desafio,
sições ele curto ou médio alcance acerca ela estrutura social
bem como daquele implicitamente proposto, fornecerá uma americana, ao invés da preocupação com teorias amplas de
base para discutir as relações entre a estrutur;l de classes e () classe e soeícdadc,í
sistema de estratificação social.
Ao declarar a morte da classe enquanto conceito socioló- Nào que o termo "classe" esteja ausente da abordagem da
gico, Robert Nisbet traça a questão teórica, classe social versus estratjficaç~ãosocial. Tal como utilizada pelos fundadores da
slallls social, até () século XIX. Assim, ;\ visào tocqul'villi;\na sociologia ;lt11Cric;\na, e na literatura mais recente, "classe"
do regime moderno, com sua ênfase na mobilidade de stat1ls, tem o significado convencional de grupos delimitados por
baseava-se "na suposição da erosão das classes e sua substi- fatores econômicos, tais como renda ou ocupação,) Contudo,
tuição por grupos de statllS flutuantes, móveis, e por indivíduos a categoria não decorre de lima análise geral da estrutura do
à procura de status".2 sistema social. Comumente, o "econômico" é interpretado
De Tocqueville aos nossos dias, incluindo as distinções como o comando diferencial sohre recompensas ou facili-
de Weber, entre classe, status e partido, muita coisa tem sido dades no nível do indivíduo. A recorrência de atributos
escrita sobre estratificação social. O V(lCUO entre ;1 teoria funcio- semelhantes entre certos grupos ou setores ela população não
nalista ela estratincac,;ào c os modelos caus;\is de re;lliz;\~';'\() leva a um;\ ;\nálise (LI estrutura que subjaz e explica esses
de statlls, recentemente desenvolvidos, tem sido preenchido padrões. A persistc:ncia de vantagens diferenciais é normal-
por várias linhas de pesquisa relacionadas à estratificaçào, mente considerada como uma questão que afeta o indivíduo,
em áreas tais como: hierarquias de status, poder e "casta e presumindo-se também, às vezes, que está ao alcance do
classe" em comunidades locais, elites nacionais, cultura e indivíduo torná-la transitória; nào' é vista como um efeito
psicologia das classes sociais, e desigualdades raciais e inerente à estrutura social.
mobilidade social. Visto que as relações entre classes econômicas, inerentes a
Ao examinar esse vasto trabalho sobre estratificaçào social uma estrutura de exploração, são desprezadas desde o início,
desenvolvido nos Estados Unidos, Charles H. Page identifica a desigualdade torna-se um problema de comparação entre
uma pronunciada coloraçâo de "classe média", consistente unidades discretas ao longo de dimensôes diferentes, embora
com a tradição cultural americana e reflexo dela: "um indivi- relacionadas - riqueza operacionalizada como renda,
dualismo que resiste a interpretações estruturais de arranjos ocupações escalonadas ele acordo com o prestígio, educaçâo,
e processos sociais, um voluntarismo que rejeita explicações raça, padrões residenciais e coisas semelhantes, Ao reduzir a
deterministas da ação social, um pragmatismo que suspeita classe a um conglomerado de variáveis individuais, a estru-
de teorias abstratas".l tura de classes pode aparecer como separada, até mesmo
divorciada, de fenômenos de ideologia e ação coletiva. O
A combinação da crença no caráter único da experiência que esta abordagem realiza é uma passagem implícita dos
histórica norte-americana com esse esforço culturalmente problemas de classe para problemas de estratificação,

98 99
o tratamento usual da desigualdade na abordagem da raramente tentam apresentar uma explicação sistemática, ao
estratificaçào permite descobrir algumas de suas suposiçôes invés de ad boc, de como a estrutura posicional da sociedade
implícitas. Uma preocupação com os valores americanos de varia. H
igualdade e realização permeia grande parte da literatura
Se a desigualdade social é um traço inevitável e funcional-
da estratificaçào. O uso da possibilidade da realização como
mente necessário da sociedade, então o lógico é focalizar as
critério relativo do grau de igualdade acentua a eliminação
formas ele desigualdacle e l1;ro a explicação dela. Conseqüen-
da adscriç:ào e do privilégio herdado, mas permite também
temente, a dl'sigu~t1clade social pode ser tL1Uela Como uma
que outras formas de deSigualdade sejam justificadas em
estrutura autônoma e nào-pmblel11ática, cuja existência é inde-
termos de realização diferencial. Aqui o princípio de igual-
pendente ele outras estrutura0', e processos sociaisY Nào apenas
dade de oportunidades aponta uma saída para o dilema colo-
a estruturaç-ào de posiçóes que comandam rccotl"lpensas dife-
cado pela escolha entre igualdade e realizaç:l0.(' Enfatizar a
renciais t~ geralmente tida como nào-proble!11<Ítica, como a
igualdade de oportunidades implica um modelo normativo
análise da forma, como outras estruturas e processos sociais
e uma noção de justiça social particulares:
que condicionam a distribuição de oportunidades sociais, é
também amplamente negligenciada. Ao ignorar a questão
[A] crítica meritocrática do sistema de c\:tsses c...) cb menos das origens estruturais da desigualdade social, o sistema de
atenção às desigualdades de recompensas associadas a estratificação é interpretado "como o resultado de capacidades
posiçôes diferentes que aos processos de recrutamento para diferenciais dos indivíduos de obterem recom pensas por
essas posiçôes. A objeção inicialmente levantada é contra
quaisquer habilidades e serviços negociáveis no mercado
as restrições à oportunidade das pessoas talentosas. mas
que estejam à sua disposiçào".lo
nascidas no estrato inferior, melhorar o seu destino pessoal.
Vista deste ãngulo, a justiça social implica não tanto em Apesar dos estudos empíricos de estratificação e mobili-
igualdade de recompensas quanto em igualdade de oportu- dade social revelarem processos reais em nível do indivíduo,
nidades para competir pelas posições mais privilcgiadas.- a principal falha da abordagem da estratificaçào é que as
conclusões acerca de grupos reais e do sistema social são
Isto contrasta agudamente com a tradição igualitária e deduzidas ele dados awegados relativos às características de
socialista, que censura a disparidade das recompensas ligadas indivíduos não relacionados e suas mudanças individuais de
às diferentes posições sociais. A suposição central da estrati- status. A imagem final da estrutura ele estratificaçào emerge
ficação é o valor da liberdade individual. Outrossim, o valor de ligações estatísticas de atributos individuais com atitudes
central da liberdade, vista como atributo indiuidllc/{, é afastado ou comportamentos.
de relaçôes concretas de dnminaçào entre homens reais ç Na tcoria marxista das classes, as tr~lI1sr()rmaç'ÜCs eb estnl-
gmpos reais. ~um sistema social modelado em última ~1l1:l\bc tura de posiç()cs no sistema social, a estrutura de classes, são
sobre o mercado, as escolhas livres das unidades inclividuais determinadas pela transiçàc entre diferentes modos de pro-
subjazem à distribuíçao desigual cl<.: variáv<.:is contínuas ou dução e pela dinâmica ele caela modo ele produção. No modo
atributos descontínuos. Implicitamente, mesmo a desigual- de produção capitalista, a exploração econômica na esfera
dade mensurável remete para o dogma liberal da igualdade da produção e as subseqüentes desigualdades distributivas
entre os homens como atores livres e cicladãos iguais, que são, dada a teoria da mais-valia, aparentemente compatíveis
fazem suas escolhas numa estrutura aberta de oportunidades. com a troca de equivalentes entre indivíduos formalmente
Ao enfatizar a estrutura de oportunidades e ao escolher o livres no mercado de trabalho. Implícito nesse processo de
indivíduo como unidade de análise, a estrutura de posições competição no mercado, que convencionalmente se presume
do sistema social toma-se uma questão dada e não-proble- regular a distribuição ele recompensas materiais, encontra-se
mática. Portanto, os adeptos da abordagem da estratificação um mecanismo de exploração básico para a acumulação de
capital, a extração de mais-valia.

100
101
Visto que a preocupaç;lu central con:-;Í:-;te n;IS rela(ócs de da luta de classes nas sociedades industriais adiantadas,
:;upra-ordena~:ào e subordina~';10 entre agentes, em diferentes Ao mesmo tCt1l[1o, os autores marxistas têm se recusado a
posições dentro do sistema produtivo e nas práticas soci:1is encarar as questôes levantadas pela estratificação e mobi-
ou luta de classes emergentes dessas reJaçôes, a teoria das lidade social. Isso pode acontecer porque a representação
classes nào parte da análise dos aspectos distributivos elo do sistema de estratificação na consciência social esvaziaria
sistema social. Portanto, nào pode ser vista como lima tenta- o conflito de classes; porqu,,~ a mobilidade SOCi~ll está positi-
tiva ele explicar as desigualcbeles sociais procedentes ele fontes V:lll1entc rclacionaeb ;l persistência da estrutura de classes;
diversas elas relações com os meios ele produção, É, pois, um ou porque a ênfase na mobilidade ascendente dentro da
erro considerar-se a teoria marxista como mais uma teoria ela hierarquia da estratificação tende a preservar a estrutura básica
estratificação social, 11 de exploração,
Ao mesmo tempo que a tradição marxista sempre enfatizou
que o processo produtivo concliciona o funcionamento do
sistema distributivo, freqüentemente negligenciou a análise AS RELAÇÔES ENTRE A ESTRUTURA DE CLASSES
ela esfera Cla distribuição, Isso ocorre apesar do fato ck que E A ESTRATIFICAÇÀO SOCIAL
alguns dos mecanismos básicos que reproduzem as relaçôes
de dominação nas sociedades capitalistas industriais operam Tem sido sugerido que os processos ele cstratific\ção e
dentro do reino da distribuição, Esse reino, por sua vez, mobilicbde social definem um campo mais relcvante de atenção
tem sido a preocupação central da teoria e pesquisa da sociológicl quando a questão das rela<:ôes entre o sistema
estratificação, de classes l' a cstr:\tifiea,::'l,' soci:t! é' coloc\da, No trabalho
Nas consideraçôes precedentes, duas diferenças b;Ísicas preliminar ele fIarold Wolpc, :1 l'xpliCl(ão cio sistema de estr:l-
entre a tcoria das c!;ISSCS (' a ;\hord;lgcl1l c!;1 t'stratif'ic;\c!O tine;I,';'\O s(wi:d d('v\'I'i;\ p:lrlir <1:1 (l(,I'.,-:p('('tiv;1 segllll<!o :\ q\l:i!
podem ser ressaltadas, A primeira rekre-se ;1 Iluncira COIllO a estral i I'iClI,;;lO socÍ;i! Sl') pode ser ex pl icad;\ ao se a n:1I iS:1 rctn
os conceitos de estratos sociais e classes soci:1is são cons- suas re!açôes com as "estruturas c processos primários" ela
truídos, Na pesquisa de estratificl<,'ão social os estratos sociais sociedade, Visto que essas rclaçôes nâo S;lO nem simples e
são definidos por critérios quantitativos e mensurados por nem mccilnicas, elas só se tornam inteligíveis quando os
uma ou mais escalas que implicam uma ordem hierárquica. fatores intcrmccli:u'ios 5:10 compreendidos, Esses L1I01'(,s inter-
Na teoria das classes, a propriedade (ou falta de propriedade) mediúrios são os processos que injetam a estrutura primária
nas relações de produçào determina a base para as relações no sistema de eswltificaçào. A noção de estrutura primária
assimétricas de dependência ou exploração entre classes coincide com o que é definido, dentro do paradigma marxista,
sociais, Assim, os critérios quantitativos que estabelecem como relaçôcs de classe no processo produtivo, 1,' Os méritos
ordens na hierarquia da estratificação não implicam inte- da propos~a de Wolpe consistem no fato de ressaltar a inade-
ração, mas o elemento de dependência entre classes sociais, quação teórica e metodológica de se tratar a estratificação
sim,12 A segunda diferença básica já foi discutida: na teoria social como um sistema autônomo, determinado por suas
das classes, a ênfase é dada ao sistema ele produçào como o próprias variáveis, e a necessidade de se explicar a estratifi-
ponto de partida da análise; na abordagem da estratificação, o cação social em term.os de suas relações com as estruturas
ponto central consiste em medidas ela distribuição e consumo sociais condicionantes.
do produto social. Genericamente falando, o modo de distribuição tem lugar
Um resultado da confusão entre as duas ordens de pro- dentro ele um arranjo existente de relações de produção, Essas
blemas é que os analistas da estratificação social, ao enfa- relações, por sua vez, presumem uma dada capacidade produ-
tizarem a mobilidade social têm, com freqüência, previsto tiva ou desenvolvimento das forças produtivas, O processo
a dissolução das fronteiras de classe e o desaparecimento de obtençào cle status individual ou mobilidade social ocorre

103
102
dentro dos limites da desigualdade distributiva. As principais a transformação da classe de posições objetivas, na estrutura
1lOh::1s de determinaçào têm sido apontadas de forma recor- ela produção, em classe come ator histórico.
rente na literatura marxista. O próprio Marx observou, n;1
Quanto à determinação estrutural das posições de classe,
Contribuiçâo à crítica da economia política, que:
a pesquisa marxista tem analisado a tendente destruição das
posições de classe associadas a formas ele produção pré-capi-
A estrutura da clistribuiç:lo (> inteiramente c!eterlllinad:l peLl talistas e suborclinacbs, como no caso da produção simples
estrutura da procluç:lo. A pr6pri:l distriiJuÍ(,;:l() (> Ulll produt()
de mercadorias e ela pequena burguesia tradicional, e a criação
da produção não só no quc diz respeito ao ohjeto, apenas
de novas posi<,,'ôcs ele classe no processo ele acumulação e
podendo ser distrihuído o resultado da p roclu (,':'10, mas também
no que diz respeito;) forma, determinando o modo prcciso desenvolvimento capitalista. 11,
de participação na produção das formas particulares da clistri- Certos desenvolvimentos recentes da teoria das classes
bu içào, isto (>, c1ctl'rmi na ndo de q Ul' forma (j produtor pa rt ici- podem ajudar a esclarecer as intcr-relaçôes entre a estrutura
pará na distribuição. lj de classes e o sistema ele estratificação social. As questões de
interesse são: (a) como a estrutura posicional no nível das
No capitalismo, a repartição do produto social sob as relações de produção é traduzida para o sistema distributivo
form::1s de renda, lucro, juros e salários pressupõe um con- da sociedade, isto é, como são as posiçôes de classe hierar-
junto de relações de produção historicamente desenvolvidas. quicamente ordenadas na distribuição do produto social; (b)
A produção determina, mas é tamhém determinada. Neste qual é a relação entre as posições na produção e distribuição
sentido, a determinação não é nem unidirecional nem mecâ- elo produto social e a distribuição de produtos simbólicos,
nica. Contudo, é a estrutura da produção que preside a forma ou, para colocar a questão em termos weberianos, a distri-
ele articulação entre os diferentes momentos do processo buição de honra social; (c) que critérios de diferenciação ou
unitário de produção, distribuição, troca e consumo. estratificação social estão envolvidos no processo de preen-
Indo um pouco além, Nicos Poulantzas, em sua interpre- chimento da estrutura posicional e como esses critérios inte-
tação da teoria marxista das classes, distingue dois aspectos ragem com a estrutura ele classes.
(que só existem em sua unidade) da reprodução ampliada das
classes sociais. O primeiro e fundamental é a rcpr()c!ll<,.';\O das
posições (lugares) de classe ocupadas pelos agentes sociais, PRODUÇÃO E DISTRIBUrçÀO SOCIAL
a determinação estrutural ele classes na elivis:l0 social do
trabalho. O segundo aspecto é a reprodução - distribuição Em Marx, a determinação da distribuição pela produção
dos próprios agentes dentro daquelas p()siç'õ~s. Para Poulant;as, significa que o modo de distribuição do proeluto social -
esse segundo aspecto da reprodução das relações sociais, que por exemplo, na acumulaçã(, ele capital e salários, lucro e
coloca a questão de quem ocupa uma dada posição, como e renda como formas ele remuneração - corresponde a formas
quando o faz, está subordinado ao primeiro, isto é, à repro- de produção historicamente determinadas. Assim, os satírios
dução das posições das classes sociais. I" pressupõem o trabalho assalariado e o lucro pressupõe o
Nessa distinção aparentemente simples entre os dois capital. Outrossim, o modo de distribuiçào é uma tradução
aspectos da reprodução elas rela~'ôes sociais capitalistas, o de relaçôes de produção historicamente definidas. Assim, cada
primeiro envolve questões de estrutura de classes e o segundo modo de distribuição particular desaparece com o modo de
questões de estratificação e mobilidade social. 50b a aparente produção que lhe deu origem.
simplicidade escondem-se alguns dos problemas fundamentais No capitalismo, o atributo dicotômico, propriedade/não
e mais controversos da teoria das classes: a determinação propriedade dos meios de produção, é acompanhado por
estrutural das posições de classe, na sociedade capita1ist~;, e distribuições contínuas de rendimentos. As relações de

104
105
distribuição de renda entre classes diferentes variam dentro PRODUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E
dos limites estabelecidos pela reprodução ampliada do
capital.
RECOMPENSAS SIMBÓLICAS
Em princípio, o preço da força de trabalho - incluindo ()
Quais são as rela<,;<ies entre a produção c a distribuição
trabalhador assalariado que produz mais-valia, hem como o
cio produto social e a distribuição ele produtos simbólicos ou
trabalh~ldor assalariado que ajuela :1 realizar a mais-valia e
de prestígio? Weber introduziu a distinção entre as ordens
os empregados do aparato ele estado - é determinado pelo
econômica, social e legal e ressaltop o caráter contingente
custo de formação e reprodução da força ele trabalho. 17 Não
das relaçôes entre elas. Classes ou situações de mercado
obstante, a diferenciação dos salários em qualquer momento
comum são fenômenos da ordem econômica; status e grupos
dado corresponde à hierarquia do trabalho. Tal diferenciação
de status são as formas pelas quais a honra social se distribui
ocorre no contexto da reprodução ampliada das relações
numa comunidade, e pertencem à ordem socia1. 20 Esses
sociais, isto é, onde se operafi" as lutas sociais e as relações
conceitos típico-ideais de Weber destinam-se à configuração
políticas e ideológicas de dominação.
significativa de eventos históricos e ao estabelecimento de
Como àponta André Gorz, no interior das indústrias de relaçôes individuais de causa c efeito. Por causa do seu caráter
trabalho-intensivo, a função dos trabalhadores técnico-cientí- polj~histórico, certas dificuldades emergem quando esses
ficos é técnica e ideológica, pois não só eles são encarregados conceitos são aplicados a determinadas situações históricas.
do planejamento e organização do processo de trabalho como Para o conceito de classe, embora \Veber às vezes usasse
também funcionam para perpetuar a estrutura hierárquica um modelo dicotômico formalmente análogo ao de Marx, a
da firma e a submissão do trabalho ao capital. IH O mesmo complexa classificação de Weber dos tipos de propriedade e
raciocínio pode ser aplicado a toda a força de trabalho. O serviços trazidos ao mercado resultou numa concepção plura-
processo da divisão social do trabalho, regido pelos requi- lista das classes. Como observa Giddens, o conjunto de bens
sitos da acumulação, cria as posições que são hierarquica- e habilidades que as pessoas podem possuir é altamente
mente ordenadas na distribuição de remunerações, seguindo variável. O ponto de vista ele Weber poderia ser levado à
não apenas critérios estritamente técnicos e econômicos sua reductio ad ahsurdlllJ/, auavés da suposição de que cada
- isto é, as qualificaçôes exigidas para a realização de certas indivíduo pode trazer ao mercado lima combinação ligeira-
funções produtivas e não produtivas - mas também de mente diferente de habilidades ou posses, tornando possível,
acordo com as funções de reproduzir as relações de domi- ;lssim, tantas classes quantm: sejam os indivíduos concretos
nação ideológica e política. envolvidos em rclaçôes de mercaclo.~l
Assim, a distribuição do produto social não é estritamente De maneira semelhante, a relação weberiana entre a ordem
determinada pelas posições nas relações de produçào, mas é social e a formação ou existência de grupos ele status é
também permeada pela lógica da dominação, pelo conjunto obscura, pois Weber usa o termo "grupo de status" ao se
de processos essenciais destinados a manter a estrutura referir tanto às organizaçôes sociais feudais ou patrimoniais
interna do processo produtivo. Neste sentido, as redistri- quanto aos grupos de status no capitalismo moderno. A honra
buições de rendimentos entre classes e frações de classe social ou o prestígio, isto é, a representação de hierarquias
podem resultar de lutas e movimentos sociais. Ao menos para sociais no nível da consciência social pode ser uma dimensão
o capitalismo, as recompensas materiais correspondentes às importante ela estrutura social em termos da estruturaçào do
diversas posições sociais nào são determinadas pela impor- conflito ou consenso social. Não obstante, sob a crescente
tância funcional destas para a sobrevivência de um sistema burocratização e racionalidade de mercado cio capitalista
social abstratamente concebido, mas por sua importância moderno, a persistência de grupos de status - os Junkers
funcional na preservação das relações de exploração econô- Prussianos, a aristocracia ela nova Inglaterra ou, para esta
mica e dominação política. 19 questão, os "pobres sem reputação" - é de muito menor

106 107
importância que o sistema de avaliações que resulta na quanto à sua pr6pria posição na hierarquia social, a hierarquia
percepção de ínfimos diferenciais de prestígio e distinções de posições sociais e, portanto, os critérios ele hierarquia, é
de status. Assim, a questão não é tanto a de enumeração das uma função de sua própria posiçào na hierarquia social.
situações sob as quais a usurpação de honra social dá lugar Segue-se que nem todas as classes sociais em cada sociedade
(ou não) a monopólios econômicos c vice-versa, mas a do são igualmente disponíveis para o jogo ele manifestaçào
tipo de relação que prevalece entre () sistema de avaliação simbólica ele diferenças de situação e de posição. Essa con-
e ações simbólicas e o sistema de posições na produção e clusão, por sua vez, introduz as possibilidades econômicas
distribuição. e sociais para a transformação simbólica de diferenças eco-
Para que a análise de Weber ganhe seu peso total, como nômicas e sociais:
argumenta Pierre Bourdieu em seu bem elaborado tratamento
das distinções simbólicas, ela deveria ser reformulada: ao o jogo das distinções simbólicas se faz, pois, nos limites
invés de opor classes e grupos de status como unidades reais, estreitos definidos pelas coerções econômicas e permanece,
que podel11 aparecer mais ou menos freqüentemente, depen- por esse fato, um jogo de privilegiados elas sociedades privi-
dendo do tipo de sociedade, elas deveriam ser vistas como legiadas que se podem dar ao luxo de dissimular as oposições
unidades nominais (que podem ser encontradas na realidade), de fato, isto é, de força, em oposições ele sentielo. 2'
que são o resultado de serem acentuados os aspectos econô-
micos ou simbólicos, que sempre coexistem na realidade Nesse sentido, apesar das dicotomias clássicas que inspi-
socialY Muitos dos atributos de uma classe social aparecem raram os conceitos de SOCiedade "tradicional" e "moderna", o
porque seus membros individuais entram, deliberada ou progresso da racionalização e a expansão de subsistemas de
objetivamente, em relações simbólicas que, ao expressarem "ação racional-proposital", é legítimo supor não apenas a
as diferenças de situação e posição segundo urna lógica siste- existência simultânea dos aspectos econômicos ou instru-
mática, tendem a transformar aquelas diferenças em distinções mentais e os aspectos simbólicos das ações, mas também o
significativas. 2o Portanto, uma -:lasse social nunca se define valor de uso e simbólico dos objetos. Essa distinção implica
apenas pela sua situação e posição numa estrutura social, também que os aspectos simbólicos de ações e objetos de-
pelas relações objetivas que mantém com outras classes. veriam ser conceituados como parte imanente da dinâmica
de dominação e reprodução ideológica de hierarquias sociais.
Se, como observou Weber, as classes são distinguidas
Açôcs e objetos obviamente variarão em diferentes socie-
pelas Sli~IS rcLlç()cs com ;1 produ<;';I() c ;l aqllisiç;)o ele bens,
dades. Nem a propriedade de terra e escravos, nem a caça à
e os grupos ele status pelos princípios ele consumo tal como
raposa e demonstrações semelhantes de posição aristocrá-
expressos em estilos de vida específicos, então:
tica parecem adequar-se a uma sociedade em que a força de
trabalho é comprada como uma mercadoria, nem' a obtenção
Isso significa que as diferenças propriamente econômicas de nível educacional elevado parece adequada a uma socie-
sào duplicadas pelas distinções simbólicas na maneira de usar dade em que a ignorância maciça tende a preservar a repre-
esses bens, no consumo e ainda mais no consumo simbólico
sentação da hierarquia social como uma ordem determinada
(ou ostentatório) que transmuta os bens em signos, as dife-
renças de fato em distinções si[!,l1!ficantes ou, para falar como natural ou divinamente. Assim, a última questão: como é a
os lingüistas, em "valores", privilegiando a maneira, a forma estrutura posicional preenchida? Como as pessoas experi-
da ação ou do objeto em detrimento de sua função. 21 mentam os critérios de estratificação social? Como esses cri-
térios agem sobre a estrutura de classes?
Com base nas conclusões empíricas de A. Davis, Gardner
e Warner, Bourdieu observou que a opinião do indivíduo

IOR 109
A ESTRUTURA DE CLASSES, MOBILIDADE de recursos ou meios - alguns adscritivos, como origem
E MOVIMENTOS SOCIAIS familiar, sexo, raça ou etnia; alguns adquiridos, como edu-
cação - clncliebtam-se ;1 pm;tos (ocupacões) dentro ele uma
l'stru\ ti 1':1 de opor! \111 ilLldcs llC m in! vi t';1l11cnll' kch;ILia nem
Levando-se em conta que a clistribu iç;10 dos indivíduos
completamente aberta. As posições sào, por sua vez, meios
em posições é subordinada à reproclu<o'ão da estrutura posi-
para um fim, seja ele renda ou riqueza ou um nível e estilo
cionai, uma forma de abordar o processo de rccrul:l1TIento é
de consumo;
através ele lima representação abstrata de como esse processo
tem sido estudado. Um modelo simples do processo alocalivo A representação :111str:1la do modelo causal vai ,\lê aí.
permitirá a introdução de complicações teóricas adicionais. Dentro desse reino ele "lihcrebde, igualdade, propriedade e
Bcntham", os atores atomizados, considerados em termos de
O contexto pressuposto por esse modelo é uma sociedade
capitalista adiantada, em que a maioria da população econo- seus atributos individuais, sào abstraídos da estrutura já dada
micamente ativa é de assalariados e em que o número de ele relações sociais que opera num plano alheio à vontade
do indivíduo.
donos de, propriedade produtiva é estatisticamente irrele-
vante. Isto implicaria pequenas adaptações no caso de socie- As complicaçôes cio modelo começam quando se elimina
dades "menos desenvolvidas" ou "em desenvolvimento". ;t premissa de maximiz;lçJo de utilidades e :1 implíCita teoria

A premissa valorativa do modelo nào é a igualdade, mas a subjetiva do valor para, desta forma, evitar a falácia envolvid~
igualdade de oportunidade. Esta fornece () quadro de refe- na passagem do indivíduo para o sistema social global. 2 '
rência para mensurar o desvio das observações de uma Conseqüentemente, o indivíduo não é mais considerado sob
condição de independência entre status paterno e status a ótica de que sua qualificação particular de recursos iniciais
proporciona uma plataforma para otimizar as escolhas, visto
filial. Uma outra premissa é a de que os indivíduos agem
racionalmente (a) formalmente, usando meios adequados que "( ... ) ao escolhermos como essência do homem a luta
aos fins, e (b) substantivamente, maximizando recompensas por posses, tornamos impossível a muitos homens serem
e utilidades. Outrossim, a estratificação social é conceituada plenamente humanos. Ao definirmos o homem como um apro-
como o processo dinâmico de obtenção de status individual. priador infinito, impossibilitamos que muitos se qualifiquem
como hon1ens".2H
As variáveis, consideradas numa seqüência causal, podem
ser: origem social ou status dos pais, QI ou habilidade mental, Voltamos, portanto, à sociedade capitalista adiantada.
anos de educação, ocupação e renda. Como foi argumentado por Macpherson, a sociedade de mer-
cado e o estado democrático liberal são um composto histó-
As técnicas de regressão e patb analysis facilitam uma
rico do estado liberal, a serviço de uma sociedade de escolha,
análise causal do processo de estratificação ou mobilidade.
mas, de modo algum, democrática, à qual foi acrescentado o
Coeficientes baixos indicariam um alto grau de indeter-
sufrágio. Como tal, compôem um duplo sistema de poder: o
minação nas relaçôes entre as variáveis e uma proporção
primeiro implica que o governo "tem o poder de obrigar as
alta ele variância não explicada nas variáveis dependentes.
pessoas a fazerem coisas que, no todo ou em parte, ele o~Itra
Inversamente, coeficientes elevados implicariam perfeita
forma nào fariam, e ele impedir as pessoas de fazerem COisas
desigualdade de oportunidades ou ausência de mobilidade
que, no todo ou em parte, de outra forma fariam". O segundo
social. H, OS insumos do modelo podem ser dados de um
sistema de poder advém da transição de uma socieebde de
corte representativo da população total, ou dados de dife-
mercado simples para a en'crgência ele relações "graças às
rentes subamostras, tais como a ele homens brancos ou de
homens não-brancos. quais alguns homens têm a capacidade de tirar ele ?utros mais
do que os outros deles, ou de obter uma transferenCl<l cabal
A lógica (com freqüência) implícita do modelo ê: indi- de alguns dos poderes de outros para si" .29 Pois, como aponta
víduos orientados por interesses, diferentemente dotados Macpherson a este respeito:

110 111
Se o poder de um homem deve incluir o acesso aos meios É aqui que os aparatos ideológicos, tais como a família, a
de trabalho, então seus poderes são diminuídos quando ele religião e o sistema escolar, interpõem-se entre as diferentes
tem menos do que livre acesso aos meios de trabalho. Se
posiçôes na estrutura de daó .'>es e as oportunidades padroni-
não tem acesso, seus poderes sào reduzidos a zero c ele
zadas de mobilidade social ligadas a elas. Além dos efeitos
deixa de viver, a menos que seja salvo por alguma dispensa
exterior ao mercado competitivo. Se pode obter algum acesso de atributos aclscritivos, tais como raça e sexo, tem siclo suge-
mas nào pode oblC:-lo em troca de n:lcla, ellt:l() seus poc\crL's rido que as relaçôes complementares entre família e educação
são reduzidos pela quantidade c\eks de que tem que abrir ajuclam a produzir e distribuir as características - traços de
mào para obter o acesso necessário. Essa é exatamente a personalidade, expectativas, habilidades técnicas e cognitivas,
situação em que a maioria elos homens est~lo, e necessaria- modos ele <iuto-apresc.:ntação e credenciais - que o mercado
mente desta forma, na sociedade de mercado capitalista. Eles de trabalho traduz em desigualclades de renda e hierarquias
devem, pela natureza do sistema, permitir a transferência ocupacionais . .\2 Sob o rótulo legitimador de igualdade de
cabal de parte de seus poderes àqueles que detêm os meios
oportuniclades, imputada principalmente ao funcionamento
de trabalho. 11)
do sistema educacional, os processos acima mencionados
reproclu7.em a divisiio social elo trabalho de uma maneira que
Essas razôes não tornam os interesses dos indivíduos
clisfarç:l o grau em que as posiçôes de classe sào transmitidas
privados menos reais, mas seu conteúdo e os meios de
de geração em geraçüo.
atendê-los são moldados por condiçôes sociais indepen-
dentes do indivíduo. Sob esta ótica, os processos ele compe- Se, como J\.Iacphcrson declara, a sociedade capitalista
tição individual e mobilidade social são restabelecidos dentro envolve necessariamente uma transferência nítida de parte
dos limites impostos pela reprodução das relações de classe; dos poderes de alguns homens para outros, como consegue
os marcos institucionais da sociedade - a família, o sistema o sistema legitimar ou ocultar essa transferência? Colocando
escolar e o mercado de trabalho - sâo recompostos ela sua a questão em termos weberianos, que condições explicam o
redução a um conglomerado de variáveis de intervalo. grau de "transparência" das relações entre as causas e conse-
qüências da situação de classe?
Um alto grau de desigualdade social absoluta é um traço
persistente da sociedade capitalista, assim como a desigual- Há mais ele um século, Marx observava que, numa socie-
dade de oportunidades. Dentro de cada sociedade o grau de dade em que os produtos se tornam mercadorias, as relações
desigualdade de oportunidades pode variar com o tempo. produtivas entre as pessoas assumem a forma de troca de
Uma crescente bibliografia assinala a tensão entre o prin- coisas. Sob o fetichismo das mercadorias, as relações entre
cípio meritocrático implícito na noçâo de igualdade de opor- capitalistas e trabalhadores aparecem como relações entre
tunidades e os processos sociais orientados para a herança dois tipos de mercadorias ou fatores de produção, capital e
de posições ele classe. Se todo mundo estivesse inteiramente trabalho. Essas relações de mercadorias mistificam as relações
socializado nos valores de sUCesso e realização, argumenta exploradoras como troC<1S entre equivalentes de trabalho e
Parkin, a contrapartida necessária seria a criação ele insatis- salários.
fação e frustração entre os perdedores da corrida. Por esta e Para a classe trabalhadora do capitalismo incipiente, o
outras razões semelhantes, certos mecanismos sociais devem processo de individualização implicou experimentar a des-
funcionar para reconciliar e r"gular as expectativas daqueles truição de formas pré-industriais de comunidade e coleti-
situados nas posições subordinadas da estrutura de classes. vismo, bem como a destruição de antigos direitos civis e
Conseqüentemente, as pessoas nas diferentes posições de sociais. Em seu lugar, o capitalismo impõs o "nexo mone-
classe desenvolvem um habitus de classes ou sistema de Uírio". As formas emergentes de solidariedade, opostas ao
disposições inconscientes, que tende a ajustar as aspirações sistema de interesses individuais ao qual a ideologia do
subjetivas às oportunidades objetivas. 51 capitalismo reduz a racionalidade da ação humana, têm como

112 113
componente fundamental a forma de representação cons- No entanto, os efeitos assimétricos das trocas competi-
ciente elas rc!a<'J,>es sociais. As formas possíveis de represen- tivas resultam em sistemas de identificaçào e solid;lricdade
tação das relações sociais podem, assim, ser vistas corno urna coletiva - incluindo os da classe trabalhadora - que normal-
mediação crucial entre posições nas relações de produç'ão e mente implicam a eslruturaçlo de clivagens políticas ao longo
sistemas alternativos de açào coletiva e individual. No nível das linhas ele dimensôes distributivas de estratificaçào. 15
da estratificação social e relaçôes ideológicas, a ênfase na Assim, a mobilidade social -- definida quer como a mudança
realizaç:lo individual ou grupal nas diversas esferas de inter ou inlragcneracion:t1 de posi\;'ão de classe, quer como a
distribuição corresponde às coações objetivas da produção mudança de posição relativa nas dimensões de estratificação,
capitalista. De uma maneira reificada, dinheiro e propriedade que podem ou nào coincidir - ocorre através da competição
tornam-se, assim, os principais critérios de hierarquização. II individual e grupal pelas vantagens distributivas das dife-
Como obselva A. Przeworski, as relaçôes capitalistas de rentes posições na estrutura de classes. De qualquer maneira,
produção produzem simultaneamente uma consciência ime- o deslocamento individual ao longo de dimensões distribu-
diata dessas relaçôes. Pelo fato de, nesse nível, as relações tivas não implica necesSariZ1n1ente uma mudança de posição
sociais aparecerem de forma invertida como relaçôes entre de classe. Inversamente, a passagem de fronteiras de classe
coisas, segue-se que: pode nào necessariamente evar a mudanças substanciais na
esfera da distribuição.
Os critérios de renda juntamente com os de riqueza, reali- As sociedades capitalist:1S adiantadas ahsorveram, através
zação educacional, prestígio chs ocupaçües, clrátcr cio tra- de variadas combinaç~()es cle reprcssào, cooptaçl0 e redis-
balho, forma de remuneraç,lo, local ele trabalho, fun<,;}o na
tribuição, os conflitos que emergiram das lutas e movimentos
divisão social do trabalho, poder, autoridade, estilo de vida,
e auto-identificação - todos esses eixos do arsenal burguês sociais dos últimos cento e cinqüenta anos. As linhas de
constituem diferenças reais; reais precisamente porque clivagem têm oscilado entre o princípio cle classe e as varie-
compreendem o arsenal ideológiCO da individ1.lalizaç}o51 dades de tipos weberiano'i de solidariedade, tais como o
distributivo, religioso, étnico e outros semelhantes. Embora
~a medida em que as relações ideológicas capitalistas essas lutas não tenham conseguido destruir o modo de pro-
forem eficazes na manutenção dessa representaç:1o invertida, duçâo vigente, seus efeitos reestruturaram a estrutura de
os ~llores soci;lÍs, quer indivíduos ou grupos, serâo orientados classes, a alocaç:l0 cio cxcl:dcnte econômico e a composi,;ão
no sentido de competir para melhorar sua posição relativa da população excedente relativa.
naquelas dimensões de estratificaç:1o c diferenciaç:1o social.
Assim, a classe social como princípio potencial de solidarie-
dade está em conflito permanente com princípios alternativos RACA
., , CLASSE E ESTI{ATIFICAÇÃO
de solidariedade, que nâo estão baseados em posiçôes nas
relações de produção. A seguir, a c1istinç3.o teórica entre estratificaçào social e
Sob O disfarce de trocas competitivas entre parceiros estrutura de classes será aplicada à questão da estratificação
formalmente livres e iguais, as relações ideológicas capita- racial. O capítulo precedente discutiu as deficiências ela abor-
listas envolvem, como tendência dominante, não a cons- dagem sociológica convencional em que a raça, como critério
ciência dos atores de sua condição social como função das para a alocação de posições sociais e formação de grupos, é
rcla\~ões de produção, mas uma consciência imediata baseada vista como incompatível com o industrialismo. A perspectiva
em diversas dimensões distributivas e probabilidades de que explica a situação social da população negra após a
vida na esfera do consumo. Aqui, os sempre disponíveis abolição, em termos do legado escravista e sobrevivências
exemplos dos homens que "se fizeram" partindo do nada do antigo regime, foi também criticada.
mantêm a visão de oportunidades abertas.

111 115
A perspectiva marxista ortodoxa, por sua vez, também geradas pela expansão européia imperialista, durante o final
subestima a questão da raça c racismo. Nessa ahordagem, do século XIX, e na din:lmica da descolonização, após a
exposta originalmente no trabalho de O. C. Cox, a situação Segunda Guerra Mundial. O caráter assumido pelas relações
dos negros e outros grupos racialmente subordinados tende raciais nos Estados Unidos, durante as duas últimas dé-
a ser explicada quase exclusivamente pela sua posiç,jo eConô- c;1ebs, precipitou a pel1etLl\;ào da teoria colonial no cenário
mica como classe trabalhadora. Preconceito e discrimina\'ão americano, onde foi uma resposta à falência das teorias
raciais são, nesta perspectiva, mecanismos manipulaelOl'cs convencionais sobre relaçües raciais. Ataca diretamente a
utilizados pelas classes dominantes capitalistas a fim ele tcnclenciosiclade assimil;lcionista das teorias acadêmicas e
explorar as l11inori;ls L1Ciais c dividir () prokt:lriado. O r;\('istl1o a rcdll~';lO tnarxist~l cO!1vendonal ela dinflmiCl inter-racial ;\
e o preconceito, como <:pif<:nômenos de re!a<;:<'lCs econtlmicas, forças ele classe c l'xploraç-:lo ele classe.
silo inerentes e necessários à pr<:servação do capitalismo. Há,
Rohert Blau ner conceituou as pessoas de cor nos Estados
como resultado, ganhos líquidos para os capitalistas e perda ..,
Unidos como uma colônia interna, baseado na presença de
para todos os trabalhadores. Essa redução do antagonismo
um conjunto específico de circunstâncias que todas as situações
racial a relações de classe explica a escassa adequação entre
coloniais parecem ter em comum. A primeira circunstância é
teoria e realidade, em termos de falsa consciência dos t!,;lba-
uma entrada forçada na sociedade mais ampla ou no domínio
lhadores. O exemplo mais grotesco, mas não obstante real,
metropolitano. A segunda é a sujeição às várias formas de
do fracasso da solidariedade inter-racial é a improbabilieladc
trabalho não-livre, restringindo grandemente a mobilidade
de qualquer aliança dos trabalhadores sul-africanos brancos
social e física do grupo e sua participação na arena política.
e seus colegas negros contra a burguesia estabelecida de
Esta segunda circunstância inclui a experiência da minoria
língua inglesa e a mais recente facção capitalista estatal de
racial de ser controlada, administrada e manipulada por
"Afrikaners". Deve-se lembrar que o lema unificador do
membros ou instituições do grupo dominante. A terceira
partido comunista sul-africano foi: "Trabalhadores do mundo
inteiro, uni-vos para defender uma África do Sul branca."l(, circunstância é a política do colonizador, que limita, trans-
Outra fonte de erro no cálculo político dessa abordagem forma ou destrói valores, orientações c modos de vida ori-
ginais. O componente final da situação colonial é o racismo,
mecanicista é que os negros não são monoliticamente classe
empregado como princípio de dominaçào social, através do
trabalhadora. Desde a abolição, a população negra nas antigas
sociedades escravistas das Américas tem estado na retaguarda qual o grupo visto como in "nior ou diferente em termos ele
do capitalismo industrial. Durante várias décadas após a abo- supostas características biológicas é explorado, controlado e
oprimido por um grupo supraordenaclo.:'s
lição, os negros ficaram concentrados nas regiôes agrícolas
mais atrasadas como parceiros, pequenos arrendatários, Num certo sentido, a novidade da teoria colonial consiste
camponeses e moradores. Durante esse período, no Brasil e em que ela dirige a atenção para os ganhos cumulativos (tanto
nos Estados Unidos, ondas sucessivas de imigrantes europeus econômicos quanto não-econômicos) dos brancós, advindos
ocuparam as posições abertas pela expansão dos setores e da dominação racial. Outrossim, a preeminência atribuída aos
regiões capitalistas. Com o movimento das áreas de plantação aspectos culturais e políticos do racismo levou a uma redefi-
para favelas e guetos citadinos, os negros, longe de pene- nição do campo teórico ClaE. relações raciais.
trarem no cerne da classe trabalhadora industrial, aglome- No quadro da teoria colonial das relações raciais, o privi-
ravam-se em torno de suas camadas inferiores em mercados légio racial do branco distingue a opressão racial da explo-
instáveis e irregulares de trabalho não qualificadoY ração de classe e cria os nexos racionais para as práticas
A teoria colonial, que vê os grupos racialmente subordina- racistas. "A presença ele privilégio indica que através de
dos como minorias internamente colonizadas, rompe com os processos econômicos, culturais, políticos e psicológicos
quadros conceituais preexistentes. Essa teoria está enraizada os brancos puderam progredir às custas e por causa da
nas relações opressor-oprimido e colonizador-colonizado presença de negros. "Õ<)

lló 117
Em suma, o conceito de privilégio racial sugere que, além uma base ideológica para as relaçôes ele dominação vigentes.
da exploração econômica, o grupo dominante branco extrai A justificação da dominação de classe reside na ideologia da
u ma certa "mais-valia" psicológica, cultural e ideológica do troca de equivalentes na sociedade civil, cuja contrapartida
colonizado. encontra-se no conceito liberal do estado como represen-
Os limites da perspectiva colonial, como instrumento para tando o interesse geral da sociedade, como o contrato entre
entender e transformar o mundo social, são estabelecidos pela vontades individuais livres e iguais. A legitimação da domi-
situação histórica à qual esta perspectiva é aplicada. Nos na<;,10 racial é de uma natureza radicalmente diferente. Apesar
casos do colonialismo europeu, o resultado lógico da luta das formas e conteúdos mutáveis - ela escravidão humana
anticolonialista [oi a expulsão do colonizador. No caso dos como "o fruto negro elo pecado" passando por um sistema de
Estados Unidos, considerando o fracasso passado e a invia- lei em que o escravismo torna-se "um elemento racional e
bilidade futura de uma "volta à África" e ele movimentos harmonioso", e a teoria racista "científica" do fi111 do século
separatistas, o processo de descolonização, a despeito das XIX até a atual parafernália de testes de QI - a essência da
formas pres<;:ntes e futuras, não repetirá os padrües que se justificação da dominaçào racial é que ela exclui os não-
brancos do universalismo burguês, com base em sua alegada
seguiram ao colonialismo europeu.
humanidade incompleta.
A principal limitação da abordagem colonial das minorias
Historicamente, a interaç:io das duas ordens ele justificação
raciais advém, tanto teórica quanto praticamente, da ausência
ideológica é complexa. Como P. van den Berghe observou:
de um modelo explícito da exploração ele classe e elas relações
entre estrutura e dominação de classes e opressão e estrati-
ficação raciais. As idéias igualitárias e libertárias do Iluminismo difundidas
pelas revoluções americana e francesa conflitaram, eviden-
Visto que a exploração de classe e a opressão racial temente, com o racismo, mas paradoxalmente contribuíram
coexistem nas sociedades capitalistas multirraciais, quando também para o seu desenvolvimento. Defrontados com a
é acentuada quer a exploração de classe quer a opressão gritante contradição entre o tratamento dos escravos e
racial, o outro aspecto permanece como elemento residual e povos colonizado~ c a retórica oficial de liberdade e igual-
incxplicado. Os desenvolvimentos teóricos prosseguem sem dade, europeus e norte-americanos brancos começaram a
se aproximarem ele uma expliclção integr;ld;l de rllJI{ws os clicotomiz:lr :1 humanicbcle entre homens c sub-homens (. .. ).
O lk-SCjO de pl'I,':-,erl'ar :IS formas lucratil':ls de discriminaclo
processos. Este é o caso da teoria das classes que enfatiza
e exploração e a ideologia democrática tornou necessá'rio
as forças de classe descuidando do antagonismo racial, e negar a humanidade ao:, grupos ,oprimidos. in
também da teoria colonial que enfatiza o racismo enquanto
negligencia a dinâmica de classe.
Assim, o caráter não disfarçado ela justificação da dominaçàO
Na discussão a seguir é feita uma tentativa ele preencher a racial coloca um problema de legitimação difei'cnte do' ela
lacuna entre as duas teorias. A estrutura do argumento será dominação de classe. Dado o desenvolvimento histórico
simplificada, de modo a esclarecer seus componentes básicos. particular de cada sociedade multirracial, obter a aquies-
Os exemplos clássicos do colonialismo europeu e da situação cência dos grupos racialmente subordinados exigiu combi-
em que a exploração de classe e a opressão racial coincidem nações variadas de força e persuasão moral, indo de um
quase perfeitamente - como nos sistemas escravistas do Novo máximo ele dependência da coerção estatal legalizada, como
Mundo - são excluídos do enfoque principal do tratamento nos sistemas de apartheid ~ "Jim Crow", até o máximo de
a seguir. dependência na idcologia, como no Brasil e outros países
A teoria das classes e o modelo colonial são formalmente latino-american os .,11
análogos em alguns aspectos importantes. Ambos implicam Capitalismo, escravismo e racismo são indubitavelmente
um mecanismo de exploração de um grupo subordinado e relacionados ao processo de expansão internacional européia

IlS 119
e à ascensão da burguesia ao poder, emhora as relações da pOSlçao dos nào-brancos nas relações de produção e
sejam mab complexas que as de Glusa e efeito. Como argu- distribuição.
menta Genovese, se é verdade que o escravismo produziu o Como se verá, se o racismo (bem como o sexismo) torna-se
racismo, o preconceito racial no Novo Mundo surgiu de várias parte da estrutura objetiva das relações po1iticas e ideológicas
fontes e inf1uências que tinham já condicionado os europeus capitalistas, então a reprodução de uma divisão racial Ce
a uma visão negativa elo negro, muito antes do desenvolvi- sexual) do trabalho pode ser explicada sem apelar para
mento do escravismo nas Américas. Outrossim, embora o preconceito e elementos subjetivos. il
escravismo tenha dado origem ao racismo, a qualidade e
Em qualquer época e lugar específicos, após a abolição
intensidade deste variaram não apenas em termos da expe-
do escravismo, os negros ocuparam um certo conjunto de
riência histórica e ecológica particular ele cada sociedade
posições nas relações ele produção e distrihuição. A evidência
do Novo Mundo, mas também de acordo com as tradições
disponível sugere também que essas posições foram Ce são)
nacionais, religiosas e étnicas elos escravizadores. í2
diferentes daquelas ocupadas pelos brancos. Uma das causas
Com a abolição do escravismo, o racismo, como construção históricas para essa diferença foi a localização periférica dos
e
ideológica conjunto de práticas mais ou menos articulaclas, negros em relaç:lo aos centros mais dinâmicos do desenvol-
foi preservado e em alguns casos até mesmo reforç;\do. A vimento clpitalista. Esta desvantagem inicial constitui um dos
preservação do racismo, independentemente do conteúdo legados reais do escravismo. Tendo sido introduzidos em
irracional do preconceito racial, serviu aos inkresses (ma- sistemas de produção historicamente desenvolvidos (em
teriais ou não) daqueles que dele se beneficiaram. A questào diversas locaçôes geográficas), quase todos os negros na
é, então: quem se beneficia do racismo e como? Esta questão, força de trabalho foram eX\Jlorados como parceiros ou arren-
por sua vez, leva diretamente às relações de raça e racismo datários, ou como assalariados industriais ou de serviços.
com a estrutura de classes, a estratificação e a mobilidade Assim, o único fator excepcional é a possibilidade de uma
social. taxa de extração de mais-valia ou trabalho excedente, acima
A proposição mais geral é a de que a raça opera como um da média regional ou nacional.
critério com uma eficácia própria no preenchimento, por não- Da mesma maneira, o modo de produção capitalista em
brancos, de lugares na estrutura de classes e no sistema ele desenvolvimento relaciona-se a sistemas de produção baseados
estratificação social. Para esclarecer em que sentido a raça em relações pré-capitalistas de produçào. Embora a tendência
opera como critério independente, a distinção de Poulantzas a longo prazo seja no sentido da dissoluçào destas últimas,
entre os dois aspectos da reprodução ampliaela das classes esses sistemas de produção atrasados podem ser preservados
sociais - isto é, a reprodução elas posições (lugares) de durante um longo tempo. Esses sistemas atrasados funcionam
classe e a reprodução e distribuição dos agentes entre essas geralmente, mas nem sempre, como reservatórios e produ-
posições - deve ser lembrada. A raça, como atributo social- tores de força de trabalho para o setor capitalista. Embora se
mente elaborado, está relacionada principalmente ao aspecto trate de um caso de outra parte do mundo, H. Wolpe mostra
subordinado da reprodução das classes sociais, isto é, a como as reservas sul-africanas possibilitam à economia capita-
reprodução (formação - qualificação - submissão) e distri- lista evitar o pagamento ele salários indiretos - previdência
buição dos agentes. Portanto, as minorias raciais não estão social, salário-desemprego, serviços de saúde e educacionais
fora da estrutura de classes das sociedades multirraciais, etc. - assim "permitindo ao capitalismo pagar a força de
em que as relações de produção capitalista - ou quaisquer trabalho abaixo do seu custo de reprodução, (tornando
outras relações de produção no caso - são dominantes. possível) uma oferta ele força de trabalho que é produzida
Outrossim, o racismo, como construçào ideológica incorpo- e reproduzida fora do modo de produção capitalista".i1
rada em e realizada através de um conjunto de práticas ma- Seja como for, a população negra tem sido explorada econo-
teriais de discriminação racial, é o determinante primário micamente; os exploradorl~s foram principalmente classes ou

120 J 21
frações de classe economicamente dominantes brancas, indo Em termos dos prócessos de estratificaçào e mobilidade
ele rentistas da terra até o capital monopolista. Os benefi- social, se as pessoas entram na aren~1 competitiva com os
ciários da exploração econômica foram identificados. Estes mesmos recursos, exceto no que se refere à filiação racial, o
resultados podem ser facilmente incorporados às mais simples resultado (posição de classe, ocupação, renda e prestígio)
versões do modelo dicotômico da teoria das classes. Contudo, dar-se-á em detrimento dos não-brancos. íS
a teoria colonial afirma que a opressão racial beneficia não No caso dos negros das Américas, a desvantagem inicial
apenas os capitalistas, mas tamhém ~l maioria da população condicionada pelo escravismo, acrescida da contínua operação
branca - isto é, aqueles brancos sem propriedade elos meios do processo de competição desvantàjosa são os elementos
de proelução. centrais pa ra explicar o seu auto-recrutamento nos setores
A saíela deste impasse teórico é que, efetivamente, ~l opressào subordinados da estrutura de classes e a reproduçào ele desi-
racial beneficia capitalistas brancos e brancos não-capitalistas, gualdades raciais. Quanto às dinâmicas ele mobilidade social
mas por razões diferentes. Em termos simples, os capitalistas inter e intra-generacional - deixando de lado os casos
brancos beneficiam-se diretamente da (super) exploração dos sempre presentes ele cooptaçào e movimentos ascendentes
negros, ao passo que os outros brancos obtêm benefícios mais controlados - os efetivos, conquanto temporal e espacial-
indiretos. A maioria dos brancos aproveita-se do racismo e mente variáveis, tetos para a mobilidade dos não-brancos,
da opressão racial, porque lhe dá uma vantagem competitiva, ajudam a definir o nível abaixo do qual os brancos não
vis-à-vis a população negra, no preenchimento das posições podem cair, ao mesmo tempo que uma proporção substancial
da estrutura de classes que comportam as recompensas ma- de pessoas é desqualificada da contenda por posições no topo
teriais e simbólicas mais desejadas. Formulado mais ampla- da hierarquia social.
mente, os brancos aproveitaram-se e continuam a se aproveitar Se se aceitar, seguindo Althusser, que as ideologias têm
de melhores possibilidades de mobilidade social e de acesso uma existência material, visto que são efetivadas nas insti-
diferencial a posições mais elevadas nas várias dimensões tuições e nas suas práticas e rituais, então a discriminação
da estratificação social. Essas dimensões podem ser conside- racial, como fonte imediata de benefícios para a maioria de
radas como incluindo elementos simbólicos, mas não menos brancos nas sociedades multirraciais, torna-se a efetivação
concretos, tais como honra social, tratamento decente e equi- ela ideologia racista que permcia a maioria elas instituições
tativo, dignidade e o direito de autodeterminação. da socieelade. R. S. Franklin e S. Resnik enumeram quatro
É precisamente essa situação que Blauner chama privilégio fontes ou mecanismos de discriminaçào racial:
racial ou desvantagem desleal, situação preferencial ou um
sistemático "sair à frente" na corrida pelos valores sociais. A 1. Convenções, estatutos e práticas, impostas pelo ap;lrato do
estado.
noção de privilégio racial pode ser relacionada ao conceito
de posse (tenure), de Stinchcombe, definido como um direito 2. Preferências sociais da comunidade, que vão de encontro
socialmente defensável a um fluxo de recompensas que nào à liberdade dos indivíduos no grupo dominante, que se
depende do desempenho competitivo. Nascer branco numa recusam ou não desejam discriminar os negros.
sociedade multirracial constitui uma espécie ele posse. Eviden- 3. Estereótipos derivados da cultura e outras fontes, que
temente, até que ponto uma pele clara pode ser uma posse, operam p;lra produzir generalizações acerca do caráter,
varia com a percentagem ele não-brancos na população total, hábitos de trab,dho c capacidades dos negros. Isso leva
a pr;Íticas de exclusão por certas indústrias e ele certos
a intensidade do racismo e a existência ele leis raciais impostas empregos.
pelo estado. Mais uma vez, () caso típico é a África do Sul,
pois nascer branco sob o apartbeid constitui indubitavelmente 4. Circunstâncias elo mercado que tornam a discriminação
economicamente lucrativa para grupos específicos, cujo
uma posse, típica das democracias HerrerllJolk, ao passo que preconceito pessoal com relação aos negros pode ser,
nascer negro tem representado, até agora, um ônus duradouro. ele fato, apenas nominal. í6

122 123
Como observam esses autores, apenas o primeiro tipo de NOTAS
discriminação re!11o\'t: o peso da escolha do indivíduo. Em
contraste, apenas o terceiro tipo (os estereótipos) 8ti\'8 o
I Ver STOLZMAN; GAMBERG. Marxi;;t elass analysis versus stratification an;lIysis
preCt)nccíto racial. Os tipos 2 e -+ rD()~tíam que. uma \'e7: que as general appro:lches to social inequality. p, 106. O te~ll1o "privilégios",
se torna um datllm ohjetivo da sociedade, o raci ...,mo pode nem sempre visto em dcfini,'ôes de estratificação SOCial, e l:sac!o aqlll para
forçar os indivíduos a discriminar com base em simples manter a c1istil1\::\o Ceita por A. StillChcombe. entre compctCI1CI:lS e posses
culturalmente valoradas. De acordo com esse autor, o conceito de posse
cílcu!os racionais - i.e., evitar afrontar outros hrancos ou refere-se :1 UIl1 direito dckns:ín'!, a um fluir de recol11lwns;u; que nào
"!)('rtIJr!Jar ;1 (Jr>craç;JeJ l:fie íenlc" - "em c"tarcm rnutíva(\r)'l d(llt'lld(' dI) <I('S('I11I'('n!l<) tI:!s I'(·SS,):IS. Ver STlN(:I IC()MI\E. Tllc slrllCllIl'C "c
pelo preconceito, slralil'ication systems, v. IS. p. :'\2'.
NISBET. 711e sociu!ogiwl //'rIr/friull, ch. '), p. lHO,
Estes processos. por outro lado. ';ào de encontro ao lndi\'íduo ( PAGE. Class aluI A lI1erícrll1 socio!ogy: frol11 ward to I'OSS, p. XVII!.
de tal maneira que o forçam a discriminar. As \"C'zes a forc:! I Idem.
das circunstàncias relaciona-se diretamente a sentimentos
A discussiIo que se segue incorpora algumas elas idéias desenvolvidas por
racistas e às \'ezes combina-se com outros fenômenos ( ... )
M:\g:Ili S. Larson e Carlos A. IIasenbalg em "A crlt1cal altern;:tJ:'e to the
que formam o domínio ele interesse partícular (lU mab amplo treatlllent ()f class in Amcrican sociology", Berkeley, 1971 (medito).
do indi\'ícluo. Em outras pala nas. o indi\'Íduo vê-se com
,. Ver ALLARDT. Tlleorics ahollt socia! stratification. p. 20-24. Para uma
freqüência na necessidade ele discriminar, mesmo quanclo
discuss~o sensível do ideal de igualdade de oportunidades, como compro-
isto nào envolve uma expressào de seus "gostos" pessoais.17 misso ou equilíbrio entre os aspectos contraditórios dos valores de igual-
dade e realização, ver MILNER ,llt Tbe illusion 0/ equaliz)!, p. 11-20.
Em suma, a raça, como traço fenotípico historicamente ela- PARKIN. Class ineqllality and polítical arder, p. 13.
borado, é um dos critérios mais relevantes que regulam os " Uma dificuldade correlata relaciona-se à conceituação elos meCanismos
mecanismos de recrutamento para ocupar posições na estru- de alocação de recompensas diferenciais às p~sições no ~i~tem_a social.
tura de classes e no sistema de estratificaçào social. Apesar Observar o debate já clássico em torno da teona da estra ti flcaçao SOCial
de Davis-Moore e a controversa noção de "importância funcional de
de suas diferentes formas (através cio tempo e espaço), o posições soci3is".
racismo caracteriza todas as sociedades capitalistas multir-
9 Esse ponto é enfatizado por WOLPE. Structure de classe et inegalité social e,
raciais contemporâneas. Como ideologia e como conjunto p. 184.
de práticas cuja eficácia estrutural manifesta-se numa divisão
111 STOLZMAN; GAMBERG, op. cU., p. 109. A noção de estratific3ção social
racial do trabalho, o racismo é mais do que um reflexo baseada num modelo ele competição de rúercado pode ser atribuída ao
epifenomênico da estrutura econômica ou um instrumento influente trabalho de Weber e seu conceito de "situação ele classe".
conspiratório usado pelas classes dominantes para dividir I1 Ver, por exemplo, STOLZMAN; GAMBERG, op. cit., p. 106:
os trabalhadores. Sua persistência histórica não deveria 12 Esse ponto é mais desenvolvido por WOLPE, op . cil.,. p. 194. Para uma
ser explicada como mero legado do passado, mas como interessante discuss~o acerca cios aspectos relaClonals versus aspectos
servindo aos complexos e diversificados interesses do grupo atributivos de classe e statlls, ver tJmbém INGI-IAM, Social stratification:
racialmente supraordenado no presente. individual attributes and social relationships, 1970.
1.1 WOLPE, op. cil., p. 186.
11 MARX. Co ntril?lliçào à crítica da economia política, p. 213.
I' POULANTZAS. As classes sociais no capitalismo de hoje, p. 30-31. Poulantzas
enfatiz3 o fato cle que a mobilidade social pode perpetuar a estrutura de
classes, ao invés de provocar sua dissoluçâo ou desaparecimento.
1(, Ao problema de como as classes, como conjuntos de posições objetivas,
tornam-se elasses-em-Iuta, a teoria marxista oferece duas respostas fund3-
mentais: uma resposta determinista, em que a classe em si emerge espon-
taneamente das posições objetiva; na produção; e uma resposta voluntarista,

12"
elll que uma cla~sc é organizada para a luta política, alravé~ da intervenção 2
7
Ver DOER The trend of modem economics, p. 38-82, especialmente p. 64,
de um agente externo, o partido. A visão de Marx e Engels das primeiras
fases da industrialização européia implicava uma passagem contínua do 2S MACPHERSON. The realworld oI democracy, p. 54.
conflito industrial para o político, uma visão que perm~lneceu na perspec- 2') liJidem. p. 59, 42.
tiva determinista posterior. Em contraste, Lênin viu claramente que as
necessidades econômicas cio proletari;lclo poderiam se tornar um poderoso '" Ihidem, p. :1.'>.
instrumento para sua integraç:1o na ordel11 capitalista, c enelos~()u ;1 vis,10
\I Ver PAHKIN, o/l. cit., p. SH-()H. () h(/!JiIIlS de classe é clcrinic10 como um
ele Kautsky ela il7lé'l/igelllzia hurguesa C0l110 a única força Clp:lZ ele injetar
conjunto ele clisposiç(ll'.s inconscic'ntes, formado :\trav('s da intC'riorizaçào
consciência socialista, em oposiç,10 ,'I espontaneidade prokt;íri;l. na CI:tSSl'
d,' Ulll Si~tl'lll:1 ohjl'tiv:lllll'lltl' seil'cionado de sign()s, índices c' S,ln\:<')l'S,
trabalhadora. Num recente e provocaelor artigo, :IS tc~es delerminist,1 e
<rIIC n:'IO S:1O 11:1<1:1 111:IÍS qlle a 111 a I l'l'ia li Z:l ,::10 cm O!Jjl;tos, pala\'l':ls e COIll-
voluntarista são rejeitadas, e é apresentaela ullla posk.::l0 "cletenllinist:I",
portamentos, ele UIl1 sistell1:1 parti( ular ele estruturas objetivas. BOl:RO!EU,
organizacional e polítiC:l, em que :IS c!:tsscs c()mo :lt()!'(·S hist(,ric()s "n:lo () l1H'I'cado d" Ill'lls Silllh(')liclJ.s, i'. 1(>I) 1(; I.
S:IO c1ad:IS uniC:Illlellic' por qu;t1qUl'r posi\.':lo ohjl'ti\'a, p()r'llll' cUllstitll<:1l1 ()S
efdtos de lutas, e essas lutas n:lo S:IO (ktcr1llinael:ls UniClml'lltc pclas rcLI\;()cS " Ver 1l0\'(ILFS. Ulldcrst:lnding utlcqual c'cllnoll\k opportlll1ity, p. }í(l-:\SÚ;
de produção". Vcr I'RZEWORSI</, 711C proass o( class/()rll/a!io!l, p. 9. c Une<jual eclucation anel the reprocluction 01' t.he social c1ivision of labor,
p. 1-:10.
I' Como Marx o coloca, embora a quantia necessária p:lr:l :I subsistência ~cja
um dado para cada país e período, ela varia ao longo cio tempo e I'Sp:l\.'O, \ \ Vl'r BIIYCE, ()/). cil" p. S7-')8. l'al':I as s(lcicclaeil's capitalist:ls a<li:\lltacl:ls,
e contém um elemento 11101':11 e histórico. :lllt()rl'~ C()1l10 (;orz l' i\1arcllSl' l'l1f':tt i/.:1 1':1 111 :l ClllTl'Spotld('llcia do t1:1h:t1ho
:llicnado e da acc'it:lçào pr:lgm:iticl da orde1l1 industrial com os confortos
IH GORZ. Divisão social do trabalho, hierarquia e IU!;l ele classe, p, IH.~. priv:ltizac!os cl:! vida f:1111i1i:lr (' a al'inna(':10 individual :Itra\'és do consumo.
I') Este último ponto foi desenvolvido por Ibfaelll:lycc em "~I LI c i:! un marco \, I'HZEWOHSKI, o/!. cil., p. 6.
tc()rico para la interpretación cle bs relaciones racialcs", IUPERJ, 197').
'" Os prohlemas ela org:1t1iza\,::lo política L' "Ii:ln>;'as da elas'se trabalhadora, e
li> Vale a pena notar que as distinçôes weberianas entre situaç<les de classe e ela emergência ele conjunturas revolucionárias, estão além do âmbito deste
grupos de stat1lS como bases possíveis e alternativas para a emergência da trabalho. Para uma avaliação inteligente das conseqüências da inserç'ão de
aç:1o comunal ou societária foram, mais tarde, t0!11:1das como prova irrefu- movimentos socialistas e partidos da classe trabalhadora nas instituiçôes
tável da "l11ultidimensionalidade" elo sistema de estratificação e impugnação eleitorais das democracias liberais, ver PRZE\VORSKI, op. cit" p. 18·24.
ela concepção "economicista unifatorial" ele Marx, Quanto às condiçôes que
favorecem a estratificaç:1o em cla~scs em detrimento da estratificaçào de \10 Citado em liDAM, Modernizil1l{ racia! c/Oll1iIUlliol1, lhe dvnamics «(Sol/th
slatus, Weber tem pouco a dizer, Isso é raramente lembrado por :lqueles A/rican pOlilics, p. 19. A vis~o economicista e marxista articulad:l da raça
que sancionamm o triunfo elo statlls: "Quando as bases da aquisiçào e foi formulada há trb décadas no (de outra forma) notável livro de COXo
distribuição de bens são relativamente estáveis, a estratificaç:1o por stalllS eastc, c1ass miei rrJce, 1970.
é fa\'ore~ida. Qualquer repercussão tecnológica e transformaç:1o cconômiCl
\7 ;\ segunda parte deste tr:lbalho trata, com algum deulhe, desses aspectos
ameaça a estratificação por slatus e traz a situação de classe a primeiro
ela história scJl'ial elos não-brancos no Brasil. Uma avaliaç~10 elas histórias
pi:Jno. Épocas e países em que a pura situação de classe é de importância
divergentes ele imigrantes e minorias raciais nos Estados Unidos encontra-se
predominante são regularmente os períodos ele transformação técnica e
em: 13LAUNER. Racialoppressiol1 il1 America, cal'. 2. Para um breve relato
econômica." WEBER. Class, stalus and party, p. 22.
elo sistema de trabalho dominante no sul dos Estados Unidos, após a
" G1DDENS. A estrul1lra de classes das sociedades a/!ançadas, p, 93. Note-se, emancipação, ver: EDWARDS, The tenant system and some changes since
entretanto, a afinidade, por um lado, entre "classe proprietária", S/mui ou emancipation, p. 20-26.
grupos de status e as constelaçôes anteriores ao capitalismo moderno e,
'" 13LAUNER, op. cil., p. 53,84. Para um tratamento da n3cion:\lidade negra e
por outro lado, entre "classes lucrativas" e capitalismo moderno.
da idéia de os negros americano,; constituírem não tanto lima classe, mas
22 BOURDIEU, Condição ele classe e posição de classes, p. 51-76. "uma nação dentro ela na,'ào", vel-: GENOVESE. In rcc! anel h!ack: marxian
explorations in SOllthem anel Afro-american history, capo 3,
n Ihidem, 1', 63-64.
'.'i PRAGER. White racial privilege and social change, p. 133.
21 Ibidem, p. 6'i.
," BERGHE. Race mui racism, p. 17-18.
2S Ibidem, p. 74-7'), De acordo com esse autor, a estrutura das relaçôes
simbólicas organiza-se por uma lógica que não é redutível à elas relaçôes " Não é surpresa que no Brasil, onde o liberalismo fez uma entrada esqui-
econômicas, muito em hora a autonomia das relaçCies simbólicls, já que 7.óide no pensamento e na prática dos grupos dominantes, e onde a "de·
l'IaS são est:llJckcidas dentro dos limites de \':Iri:l(::!o c1:tdos pd:1S condi('iies mocracia racial" é oficialmente sancionada como a ideologia nacional, a
CC0!1(l\l1ic\s ele existl'ncia, ~cja apcn:ts relativa. persuasão tTab:llhe :I contento, n:l medida em que cada um se acomode em
seu lugar (por CIllS:I cla falta de alternativas) ou respeite a regra cle mobi-
1'111 nO!l1e' cI:\ simplicidade, :\ elistin~':I() entre Illohilicl:lde estrutural l' ele lidade c competiçào incli\'iclual.
!'jl'l'll!:lI.;;\/1 11;lr 1(' /'/ I/jl;ilIf't'ilf1.1

127
"GENOVESE, op. cit., p. 'i(l; e The l!'orld tbes/cwcholders mar/e, capo 1 e m.
" I,,,) parl'c:e ser o que Blauner tem etn mente ao falar acerca do "raciS1110
in,;lilllcionalizac!o". De modo semelhante, o "princípio colonial do trabalho"
(I<: Blauner pode sef rebatizado, dentro deste quadro conceitual, como
"divi';:lo racial do trahalho".
"WOLPE. The theory of internai colonialism: lhe Soulh African case, p. 214-
2~(). Esse ensaio de Wolpe (> extremamente importante, por suas ponderadas
crílic:\s ;\ leoria corrente do colonialismo inlerno c por SIL\ tentativa ele
reformular a teoria colonial, levando em conta as rel:tçCles enlre clivagens
r:\('i:\is l' (Ini(';\s c' as c1in'lInic:\s ele diferentes modos c rcla('(Íl's ele produção.
11 Para simplificar as coisas, os mecanismos de promo,'ào diferencial do grupo
subordinado, origin:\rios ele fora da arena (ol11pcliliv:\ como efeilo da
mobilização política elo grupo, niío sào aqui considerados.
li, FRANKLIN; RESNIK. Tbe political economy ofracism, p. 17-18.
I" Ibidem, p. 32.'

p A T E

A fVOLU(ÃO DA~ DE~/GUALDADE~


~ACIAI~ NO BRA~IL

128
c A P T U L o IV

c~CRAVI~MO t
GtOG~AfIA ~ACIAl NO ~~A~ll

Um breve exame ela literatura sobre relações raciais no Brasil


revela a escassez de estudos que focalizem o problema de uma
perspectiva nacional e distingam subvariantes regionais de
relações raciais. As monografias mais notáveis e recentes
sobre escravismo e relações raciais pós-escravistas têm focali-
zado situações locais, em nível de um estado ou cidade. 1 Cabe
ao leitor decidir se as conclusões diferentes e, às vezes, até
mesmo contraditórias são devidas a divergências teóricas e
conceituais ou à diversidade de fato das situações de contato
inter-racial que sào analisadas. 2 Embora a liter:1tura compara-
tiva sobre o assunto tente estabelecer semelhanças e dife-
renças entre o Brasil e outras sociedades multirraciais, ela
tende a apresentar uma imagem uniforme do padrão brasileiro
de relações raciais, negligenciando assim variações dentro
da nação. 3
Esta parte do trabalho jw:tende corrigir parcialmente essa
situação, explorando alguns dos elementos demográficos e
históricos das estruturas regionais e nacionais ele desigual-
dade racial, tal como se constituíram no período após a abo-
lição do escravismo.
Em primeiro lugar, serão analisados os efeitos do sistema
de trabalho escravo na distribuição geográfica da população
de cor (escravos e livres) e suas conseqüências para a compo-
sição racial regional durante o período colonial e o Império.
Ao se analisar o regime escravista como um mecanismo de Seguindo a proposta de G. A. Dil!on Soares, duas regloes
distribuição geográfica dos escravos e pessoas de cor livres, serào distinguidas: o Brasil desenvolvido ou Sudeste, que
pode-se verificar que, desde o fim do século XIX, esse grupo inclui os estados do Rio de Janeiro (o antigo Distrito FederaD,
concentrou-se nos setores econômicos mais atrasados e em Sào Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e o
regiôes com o menor dinamismo industrial.·j Em segundo Brasil subdesenvolvido, ou o resto do país, incluindo todos
lugar, algumas das conseqüências sociais da abolição serào os outros estados. 5
examinadas, focalizando a adaptação dos ex-escravos à sua A delimitação do Brasil desenvolvido baseia-se em dados
nova situação. Os mecanismos ele integração social dos de 19')0, usando três indicadores ele desenvolvimento social
ex-cscrav()~ dentro das regiôes do p;lís serão cnt;-IO conside- c ccon(lll1Íl'O: a taxa ele alfabetização, a renda industrial
rados. Nas regiões de maior dinamismo econômico, onde o fJ<?r capíta e a percentagem da força de trabalho na indústria.
grupo negro tinha de competir em desvantagem com ilni- Os seis estados elo Sudeste assumiram as seis primeiras
grantes europeus, os ex-escravos e seus descendentes puderam posiçôes em caela uma dess;ls variáveis. Em 1950, a renda
obter consideráveis ganhos socioeconômicos em poucas industrial per cajJita elo Sudeste era 6,5 vezes maior que a da
décadas. En1 regiões como o Nordeste, onde a abolição parte subdesenvolvida elo Brasil. Quanto à estrutura de
resultou num processo menos dr;lstico ele reajustamento, emprego, 9,6% da popubçã 1 do Sueleste com 10 anos ele idade
os ex-escravos permaneceram socialmente imobilizados num ou mais trabalhava no setor industrial, ao passo que a
contexto agrário em estagnação. Finalmente, será feita uma proporçào correspondente nos demais estados era de 3,5%.6
tentativa de compor um quadro global cio sistema de desi- Outros indicadores sociais e econômicos mostram também a
gualdades sociais entre as populações branca e não~branca. divergência nos tipos de estrutura social e nos diferentes graus
Neste ponto, a estrutura total de desigualdades raciais será de desenvolvimento econômico das duas regiões. As regiões
desdobrada em termos de análise regional, para determinar também apresentavam diferenças marcantes com referência
os efeitos da estrutura social e dos níveis de desenvolvi- ao grau de urbanização e ~1(1 nível educacional da população.
mento econômico nas desigualdades raciais. Os níveis de urbanização atingidos em 1950 foram de 48,6%
S('(";í ;lrgllIlH'I1!;It!O <111(', ;!Jws;lr <1;1 reduzit!;l t:IX;1 de mohili- !lO Sudeste (' ele 27J°lrl !lO n'sto cio país; par:1 as ciclacles com
dade social ascendente da pOpLlIa~,';'IO n;'lo-br:lllc;1 Il() período Ill;lÍs de lO Illil 11:II>it:1I1Il's :IS dif('!"cl1,';IS S:IO :linda Ill:lÍorl'S,
pós-abolição e apesar da persistência de agudas disparidades de 37,7% no Sudeste para 13,1% no resto do país.?
entre brancos e negros em todo o país, o desenvolvimento A taxa de alfabetização em 1950 era de 59,1% no Sudeste e
econômico (medido através dos processos de urbanização e de 30,7% no Brasil subdesenvolvido~ A Tabela IV-1 mostra os
industrialização) tende a criar graus relativamente menores níveis educacionais atingidos pela população das regiões. 8
de desigualdade racial, reduzindo parcialmente a desigual-
Quando são considerados os níveis educacionais acima
dade de oportunidades entre brancos e não-brancos.
da alfabetização as disparidades entre as duas regiôes são
O tratamento dos assuntos acima mencionados procura ainda mais graves. Por exemplo, no Sudeste quase 30% das
oferecer uma contribuição original à reconstruçào da história pessoas com 10 anos de idade e mais completaram o curso
social da população afro-brasileira após o fim do Império. primário, ao passo que apenas 9% conseguiram isso no resto
Contudo, deve-se acentuar que esta reconstrução é necessa- do país.
riamente incompleta, e parcialmente baseada em inferências,
devido à falta de dados e ao caráter assistemático e descontínuo
da informação acerca da composição racial da população.
Para discuti: esses assuntos, é necessário dividir o país
em regiões e estabelecer os critérios para uma tal divisào.

132 133
TABELA IV-l que os estados do Sudeste começam sua carreira econômica
Níveis de instrução completados pela população ascendente, associada primeiro à expansão da economia
ele 10 anos de idade e mais cafeeira e, mais tarde, à industrialização dos estados do Rio
Brasil - 1950 (Percentagem) Grande do Sul, São Paulo e o antigo Distrito Federal, do fim
do século XIX em diante.
Nível de
Instrução Resto Outrossim, a partir do século passado, os estados do
Brasil Sudeste
Complet:lCl0 do País Sudeste compartilham algumas características históricas que
definem sua especificidade estrutural. Uma dessas caracte-
(,rau
Universitário 0,4,) O,7/j 0,20 rísticas refere-se à história agrária. Como aponta Genovese:
"O sul brasileiro, como o Nordeste, usava trabalho escravo,
Grau mas, diferentemente do Nordeste, não produziu um modo de
Secundário' 2,70 4,56 1,30
produção escravista ou senhorial."lo Apesar de o fato da eco-
Grau nomia cafeeira ter-se apoiado na grande propriedade servida
Primário. 14,74 24,25 7,60
por trabalho escravo em São Paulo e Rio de Janeiro, a região
Sem Grau 82,13 70,45 90,90 como um todo desenvolveu rapidamente uma agricultura
tipicamente capitalista, imediatamente após a abolição. Como
100,00 100,00 100,00 conseqüência dessa transição, as relações de trabalho baseadas
em diferentes formas de depenelência senhorial da força de
• Inclui aqueles que completaram o ginásio ou o colegial.
trabalho - típicas no Brasil subdesenvolvido e particular-
Fonte: IBGE Censo Demográfico ele J 950.
mente no Nordeste - não alcançaram proporções significa-
tivas na cena rural do Sudeste, Outrossim, como enfatiza
São esses indicadores de desenvolvimento social e econô- Dillon Soares, apesar da introdução de uma agrícultura indus-
mico que sustentam a conclusão de Dillon Soares: trializada e comercializada, o tamanho médio das empresas
rurais do Sudeste nào só era menor que no resto do país,
C.. ) enquanto o Sudeste apresentava algumas características como o padrão de distribuição ela terra era menos cIesigual. l1
ele uma sociedade urbano-industrial, exi!;indo um contingente É inclusive possível observar no Sudeste experiências que
urbano e um proletariado consideráveis, o resto do Brasil era sào completamente atípicas do mundo agrário brasileiro, tais
fundamentalmente rural e agrícola. O emprego industrial como as áreas onde a pequena propriedade rural prevalece,
era quase inexistente, demonstrando a reduzida significação
É este o caso nos centros de colonização do Rio Grande do
da industrialização na sua estrutura econômica ( ... ) Neste
Sul e Santa Catarina, que resultaram elas políticas imperiais
sentido, o Sudeste está se tornando uma sociedade indus-
trial, enquanto o Brasil subdesenvolvido, particularmente o de colonização por imigração e, durante o SéClllo atual, na
Nordeste, permanece como sociedade predominantemente área do norte do Paraná, aberta pela introduçào do cultivo
rural, agrícola, não-industrial. 9 elo café.
Dois outros traços históricos do Sudeste, particularmente
Visto que será examinado um período de tempo relativa- relevantes para a análise a seguir, devem ser mencionados.
mente longo, é necessário questionar a validade de dividir O Devido à importância secundária da região na economia e
país nessas duas regiões com base em dados de 1950, As sociedade do Brasil colonial, o regime escravista foi introdu-
duas regiôes sofreram processos diferentes de crescimento e zido tardiamente. Em 1823 o Sudeste tinha apenas 181.549
diversificação econômica. A esse respeito, 1850 pode ser escravos, ou 16% de um total ele 1.147.515 escravos no Brasil.
fixado como o marco aproximado a partir do qual o Sudeste A região aumentou sua participação até 1884, quando concen-
e o resto do país iniciaram trajetórias divergentes. É então trava 43% ou 543.109 ele um total de 1.240.806 escravosY

134 135
o segundo traço refere-se ao fatode que o Sudeste recebeu a nos engenhos e as dificuldades demográficas de Portugal
maior parte da migração internacional para o Brasil. Essa quando a colonização teve início - o grupo escravo era o
migração adquiriu grandes dimensões de 1890 a 1930. Em contingente mais numeroso, ao passo que os habitantes de
1872, 71% dos estrangeiros vivendo no Brasil concentravam-se origem européia constituíam uma proporção relativamente
no Sudeste. Essa percentagem aumentou continuamente para pequena da popu lação total. Furtado estima que dos 100 mil
83,3% em 1890; 86,'i% em 1900 e 87°A) cm 1920. hahitantes elo Brasil em 1600, apenas 30 mil eram ele origem
Finalmente, o crescimento demográfico oferece lima européia. Em 1700, a popldaç;ão total chegaria a 300 mil, ao
evidência indireta das oportunidades econC)micas que passo que os ele origem curopéia dificilmente atingiriam 100
emergiram no Sudeste, durante o período pós-aholição. Com mil. 1iJ
a exceção do Estaelo do Rio de Janeiro, a taxa ele crescimento O lento crescimento da população branca durante o século
populacional em cada um dos estados da região foi maior XVII sugere um débil t1uxo migratório de Portugal para o Brasil
que a média nacional em toelos os períodos intercensos entre e contrasta agudamente com o número ele escravos impor-
1872 e 1950.1.\ tados durante o mesmo período. A importância demogrMica
ela minoria branca desse período liga-se ao acesso às mulheres
dos grupos racialmente subordinados. Os processos simul-
A EVOLUÇÃO DEMOGRÁFICA DO BRASIL tâneos de miscigenação racial e criação de um estrato de
DURANTE O SÉCULO XVIII população ele cor livre iniciaram-se dentro do mundo ela plan-
tação escravista.
Embora em graus diferentes, o trabalho escravo afetou A mestiçagem racial e a filtração de uns poucos membros
todas as regiões brasileirasY Os sucessivos ciclos econômicos cio grupo mestiço, para posiçôes elevadas na sociedade colo-
regionais do açúcar, mineração, algodão e café constituíram nial e pós-colonial, têm sido tradicionalmente 'interpretadas
a força motriz elo tráfico ele escravos africanos eo determi- como indicações ele integração racial e da natureza benigna
nante da localização espaço-temporal da população escrava. elas relações raciais no Brasil. Este ponto ele vista tem sido
posto em questão por autores que mostram que a miscige-
De acordo com as estimativas ele P. D. Curtin, ao longo de
nação e a cooptação de um pequeno grupo ele mestiços, pela
todo o período do tráfico afri:::ano, um total de 3.646.000
elite branca, não eram incompatíveis com procedimentos
escravos entraram no Brasil, o que representa 38% do fluxo
institucionalizados de discriminação racial e com a atribuição
total do tráfico de escravos no Atlântico. Esse fluxo distri-
de grande importância ao fenótipo, como critério de alocação
buiu-se, no tempo, da seguinte fOl'ma: 15
de posições na hierarquia social e econômica. Como S. J. e
B. H. Stein observaram:
1551-1600 50.000
1601-1700 560.000
A miscigena<,;ão na América [Latina] produziu um estrato
1701-1810 1.891.400 sacia! que se tornou numericamente importante, oCllpacio-
1810-1870 1. 1-15.000 nalmenll' necess{jrio, mas, tanto na pr;ltica quanto na tcoria,
Total 3.646.000 ohjeto de discriminação pela elite branca ou quase-branca.
Para criar, pois, uma sociedade ele duas classes ou dois estratos,
Até o fim do século XVII, a população escrava e européia comparável ao modelo ibérico, os brancos confiaram no
da colônia permaneceu concentrada na área ela economia racismo nâo apenas para manter em seus lugares os ame-
exportadora de açúcar, entre o Maranhão e a Bahia. Apesar da ríndios que encontrara.11 e os negros que importaram, mas
também para conter o mestiço, o mulato e as castasY
falta de informações demográficas sobre o período colonial,
é possível concluir-se que - dada a organização do trabalho

136 137
Os mesmos autores enfatizam que a integração social composto de moradores c foreiros, incorporados à órbita
limitada e a relativa tolerância racial foram subprodutos de ela plantação, e um pequeno estrato de camponeses. Final-
condições especiais, que levaram o grupo branco, quando mente, havia um grande e~;trato rural de indivíduos pobres e
necess{írio, a aceitar o estrato intermediário. itinerantes, form:l<Jo por g c'nte permanentemente de~ernpre­
gada, incluindo mestiços (,e todos os tipos e negros livres. lo
() coloni:t!isl11o ihérico n;'o extc>rmino\1 () povo conquistado. O cleclínio da economia a(,'ucarcira, durante a segunda
Aceitou o proeluto ela miscigenaç;'o. Tolerou em certa mediel:1 metade dei século XVIl, causou uma recessão econômica em
a alforria de escravos. Contudo, a dirc,::lo da c!ominaí::1o toda a regi~t() nordestina, forçando uma considerJvcl parte
colonial n;'o era no senticlo ela elevaç;'o social, atr:lvés ela ela rorç'a de t raha lho a li ma economia de subsistência.
integraç;'o; a dominaç-:lo colonial !J:tse:lv:I~Sl' n:1 s(,p:lr:t,::lo,
não na integraçào, quer se examinem os sistemas ele impostos, N:10 0 SCIÚO após ~l dc~;coberta do ouro c início do surto
o acesso a cargos políticos ou militares, quer mesmo à Igreja. IH de atividade mineradora, nas primeiras décadas do século
XVIII, que modificaçôes econômicas e demográficas subs~
Esse estrato de população clt' cor livre existi:l para realizar tanciais foram introclu7.iclas na socied:tde colonial. Como
funções cco'nômicas e militares intermediárias. De acordo com l'onscq üC'ncia das a t i\'idadcs de m incra~':')(), lima hoa parte
a interpretação adiantada por Marvin Harris, os senhores de ela forp de trabalho desempregada no Nordeste deslocou-se
escravos não tinham outra alternativa senão criar uma classe para as regiôcs mineiras.
livre de mestiços: A mineração produziu, também, junto com a ocupação do
Centro-Sul do Brasil, uma mudança importante na compo-
Eles foram obrigados a criar um grupo intermedi:lrio livre sição racial da população, como conseqüência cio fluxo
de mestiços para ficar entre eles e os escravos, pois havia migratório sem precedentes de Portugal para o Brasil. Por
certas funções econômicas essenciais para as quais o tra~ suas características peculiares, a economia mineradora ofe-
balho escravo era inútil e para as quais nào havia brancos recia oportunidades aos imigrantes de poucos recursos: "Ao
c1isponívcis. 19 contrário da produção de açücar, somente acessível a quem
estivesse em condições ele mobilizar vultosos recursos finan-
Apesar da importância demográfica desse grupo durante o ceiros, o ouro de aluvião podia ser explorado tanto no nível
período colonial, vale a pena notar que, somente durante o artesanal como no da grande unidade,"21
século XIX, a população de cor livre ultrapassou, em número, Comparando o crescimento vegetativo atribuído ~l popu-
o grupo de escravos. As considerações acima não devem levar lação de origem européia durante o século XVIII à população
à conclusão de que todos os grupos livres, entre escravos e real no fim do século, Furtado calcula que a imigração européia
senhores, desempenhavam funções necessárias à economia para o Brasil durante o século da mineração nã~ foi inferior a
e à sociedade da ordem escravista brasileira. 300 mil, podendo ter alcançado o meio milhão. A população
O argumento de Harris deveria ser ponderado, conside~ branca decuplicou durante o século XVIII, passando de 100
rando-se que o monopólio virtual da terra produtiva pelo mil em 1700 a 1 milhão em 1800.22
regime escravista colocava uma grande parte da população Embora a população de origem européia tenha aumentado
rural livre numa existência marginal. Nas regiões de plantação, com a expansão da mineração, os escravos também formavam
a população livre - excluindo a classe dos senhores e grandes parte importante da força de trabalho da mineração. A impor-
:lrrcndaUrios - pode ser dividida em trl'S grupos, () primeiro, tação de escravos durante o século XVIII, cerca de três vezes
lIlll;1 ('1;1.'i~;(· 1'l·1:ltiv;IIIJ('llt(' !wqlJ('II:I, ('l':I r'lIll\;\(1:i p"!' ;1,11111 11I:dilj' q\II' IIOS doi.o.; .<;('ndn<.; :ll1l('!'ÍOJ'vs, (\:í Ullla i<!(-ia <1:1 il11por-
nistr:lclores, ;lrtesãos, capatazes c tr:lhalhaclorcs qll:dil'k:ldos tfincia do tr:t!l:tlho l'Sn:l\'() na l'('()nOI1li:l Illinerador:\. O liSO
,LI 1>I;II)I;I~';I'j, () .'il'}I,1111I111 }l,1I11"', 111:111'1 '1111' I' prlllJl'iro, ,'r:) d,' I r:!I ,;Jiltl , 1'.';('\':1\'1' 11;1 llliIlVt':lt;:IO aptTscnlO\I :t1g\ln,~ traços

I IH
específicos. Dada a coexistência de pequenos e grandes ela região durante o século XVIII. Essa escassez, junto às prá-
empreendimentos e o caráter aleatório e instável da atividade, ticas sexuais tradicionais, criou um desequilíbrio que pode
a propriedade de escravos era menos concentrada e a pro- ter estimulado o crescimento de uma população de cor livre.
porção de brancos na população total era maior que nas áreas Por outro lado, a organização do trabalho escravo na mine-
de plantação. Outrossim, a população escrava no Brasil sempre ração permitiu a um certo número de escravos recuperar sua
mostrou taxas negativas ele crescimento vegetativo. A prática liberdade ou conseguir a <l1fmria. Este último processo prova-
do senhor de obter o máximo de trahalho de um escravo para velmente acelerou-se durante o declínio da mineração.
substituí-lo rapidamente por outro não foi exclusiva da eco-
A freqikntl' oc()rrC't1Ci:l de alforrias Foi apontada por C. R.
nomia mineira, mas parece que aí foi mais intens~llnente prati-
Boxer, um autor que cliscorda da imagem benevolente cio
cada. Como resultado, a expectativa de vida cios escravo,~
escravismo no Brasil:
nas regiões mineiras era relativamente curta, criando uma
contínua demanda ele novos cativos. "Como sua taxa ele morta-
lidade era tão elevada e sua taxa ele reprodução tão baixa, Uma elas poucas características compensadoras na vida cios
resultou daí uma rápida substituição de escravos. Isto, por escr:1VOS em Minas Gerais era a sua possibilidade de, em
algum momento, comprar ou receber a sua liberdade, contin-
sua vez, impôs maiores demandas aos recursos do trMico
gência muito mais rara n:1S ('oltll1ias americanas, francesas e
de escravos com a África Ocielcntal."2.\
ingks:ls. Outrossim, pcl:t nalUrCl.:l de scu tr:lhalho na busca
Referindo-se a todo o ciclo ela mineraç:lO, Maurício Goulart de OtJl'() de aluvi:io. cr~l'el:lti\'amente {'(leil ocultar ouro em
estima que 470 mil escravos foram usados em Minas Gerais, pcí, e mesmo pequenas pepita,~, fora o fato de que alguns
ao passo que acima de 150 mil foram usados nas outras regiões senhores permitiam aos seus escravos procurar ouro para si
produtoras de ouro. 24 Os 174 mil escravos remanescentes em próprios, após trabalhar um mímero fixo de horas para seus
Minas Gerais, em 1786, já num período de declínio da mine- amos. Desta forma, um bom número de escravos pôde comprar
ração, contrastam nitidamente com o número total de escravos sua liherdade e a esperança de resg:lle foi dada a muitos mais. 2'
importado pela Capitania, inelicando mais uma vez a elevada
mortalidade da população escrava.
TABHA IV-2
A grande maioria dos escravos importados pela região era
Condição e sexo da populaçào de Minas Gerais
do sexo masculino, o que inibiu o crescimento vegetativo da , em 1786, por raça ,
população escrava. A Tabela IV-2 mostra os resultados das
tendências demográficas acima mencionadas, na região de
Livre Escravo
Minas Gerais. Mais de um século após a descoberta de ouro,
Total
durante o declínio da mineração, persistia um forte desequi- Masculino Feminino Masculino Feminino
líbriona composição por sexo da população. Considerando-se
a população total, havia 72 mulheres para 100 homens. No Brancos 35.917 29.747 --- - - - 65.664
grupo negro, havia mais de dois homens para cada mulher. Mulatos 38.808 41.501 9.789 10.497 100.685
O grupo branco apresentava o mesmo tipo de desequilíbrio, Negros 19.441 23.298 106.412 47.347 ] 96.498
embora em grau menor que o grupo negro, e as mulheres
Total 94.166 94.546 116.291 57.844 362.847
negras disponíveis eram, com freqüência, parceiras temporárias
de homens brancos. As mulheres negras eram sexualmente
Fonte: Arquivo Público Mineiro, RAPM, IV, p. 294 e "., citado por M. Goulart,
exploradas pelos homens brancos, ao passo que as poucas A cscrcwidão africana 110 Brasil, p. 144.
mulheres brancas eram poupadas para o casamento e a criação
de herdeiros legítimos. Como na maioria das áreas de fron-
teira, a escassez de mulheres brancas foi uma característica

140 141
Uma característica importante ela população de Minas Gerais O Brasil iniciou o século XIX com uma população de
foi o peso demográfico da populaç;lo de cor livre. De fato, o pouco mais de 3 milhôes de habitantes. A população branca
grupo de 123.048 mulatos e negros livres constituía aproxi- constituía aproximadamente um terço do total, enquanto as
madamente dois terços da população livre e um terço da popu- estimativas do número ele escravos variam entre um milhão e
Ia<,'ão total. Os dados da Tabela IV-2 permitem-nos distinguir U111 milhão e meio. Conseqüentemente, o número de pessoas
outra tendência demográfica que se intensifica também nas de cor livres situava-se entle 500 mil e um milhão.
outras regi<les do país ao longo do século XIX. Trata-se da
A população não-hr:ll1Cl, livre e escrava, estava geografi-
concentração de mulatos na categoria de homens livres e a
camente concentrada naquelas regiões caracterizadas por
concentração de negros no grupo escravo. A proporção de
intensa atividade econômica, em passado recente ou remoto,
mulatos livres era de Roo/h, ao passo que apen:ls 22% do grupo
especi;!InlCnte no Mar:lnhão, Pernambuco, Hecôncavo Baiano,
negro eram I ivres. Isto sugere que a categorLl "cscr:1VOS
Minas Gerais e Rio de Janeiro. Com base na limitada infor-
negros" significa nascidos na África, ao passo que mulatos e
mação disponível, parece possível formular-se a hipótese de
negros livres significa nascidos no Brasil. Em outras palavras,
que o grupo escravo e a população de cor livre tiveram
os indivídups e famílias há mais tempo no país tinham mais
padrôes diferentes de mobilidade geográfica. Apesar do
possibilidades de serem racialmente mestiços e mais probabi-
contínuo afluxo de escravos importados através do tráfico
lidades de serem alforriados. Finalmente, o pequeno número
arricll1o, a população escrava brasileira foi submetida, ao
da população branca no ano citado indica uma intcrrllp~;ão do
longo do período colonial c imperial, a um processo forçado
afluxo de imigrantes brancos, bem como seu ahandono gradual
da região de mineração em decadência. 26 de migração interna, condicionado pela demanda regional
de trabalho escravo. O período de ascensão da mineração no
século XVIII e o período seguinte ao fim elo tráfico interna-
cional de escravos em 1850 exemplificam dois momentos ele
DINÂMICA POPULACIONAL APÓS 1800
gr~lt1ele deslocamento geográfico da população escrava. Por
sua vez, os mulatos e negros livres tenderam a permanecer
De um ponto de vista econômico, o início do século XIX concentrados nas regiôes agrícolas e de mineração. Eles dedi-
foi marcado pelo dec1 ínio ela mineração e a recu peração caram-se a atividades de suhsistência ou sofreram grande dete-
temporária da agricultura de exportação na costa. O aumento rioração econômica e deslocamento social, durante os períodos
na demanda de bens agrícolas no mercado internacional de declínio da economia exportadora. Nesse sentido, os
começou nas duas últimas décadas do século XVIII e conti- sucessivos ciclos econôm,cos regionais, baseados numa
nuou até o fim do período colonial brasileiro. Durante essa intensa utilização de trabalho escravo, não só criaram uma
fase, um surto transitório de atividade algodoeira teve lugar classe de pessoas de cor livres, como também i0fluenciaram
no Maranhão, bem como uma nova etapa de prosperidade permanentemente a distribuição geogrMica dessa população.
nas regiões açucareiras. Na época da independência essa evo-
Do início até meados cio século XIX, a população brasi-
lução tinha cessado e a economia como um todo ca iu numa
fase de relativa estagnação até meados do século. leira mais que dobrou, crescendo de 3.250.000 para R milhôes
de habitantes. No entanto, ;j razão da populaç';lo livre sobre
Furtado atribui as causas do crescimento relativamente
a população escrava e as proporções dos diferentes grupos
lento da economia brasileira durante a primeira metade do
raciais permaneceram relativamente estáveis, variando
século XIX à desaceleração das exportações e à deterioração
apenas quanto às fontes de crescimento de cada segmento
nos termos do intercâmbio, devido a uma diminuição nos
de população.
preços das exportaç<les do paísY O único subsistema expor-
tador que não seguiu a tendência geral foi o do café, inicial- Além da contrihuição representada por um número inde-
mente concentrado nas vizinhanças do Rio de Janeiro. terminado de escravos alforriados, a população de cor livre
aumentou hasicamente por crescimento vegetativo e corno lTI:lo-c1c-ohra da agricultur:l de exportaç:Jo, durante o período
resultado do' contínuo processo de mistura racial. O grupo mencionado. É importante enfatizar que as primeiras e fracas-
branco estava já estabelecido numa base mais regular de sadas experiências com trabalhadores europeus livres só
organização familiar e tinha uma proporção mais elevada vieram a ocorrer no Brasil após 1850. Finalmente, os sistemas
de mulheres entre os imigrantes; cresceu por aumento vege- de produção escravistas, em contraste com os sistemas econô-
tativo e como resultado de novas ondas c1e imigrantes. Desde micos capitalistas, têm uma capacidade característica de adap-
1808, quando a sede da monarquia transladou-se de Portugal tação a situações de declínio econômico. Antonio Castro ana-
para o Brasil e os portos foram abertos, a imigração européia lisa regiões que foram inicialmente bem dotadas e que, após
não-portuguesa recebeu um estímulo considerável. Esse fluxo perderem sua posição, foram incapazes de se estabilizar,
migratório destinava-se principalmente aos centros urbanos tornando-se assim áreas produtoras residuais. A seqüência
de Pernambuco, Bahia e Rio c1e Janeiro. 2H Finalmente, o cresci- tcm início com a perda de posição de uma área até então
mento da população escrava - com uma taxa negativa c1e superdotada. A abertura de novas e melhores terras pressiona
crescimento vegetativo de -1% durante o século XIX - foi no sentido da queda de preços dos produtos e da elevação
devido ao tráfico de escravos africanos. O número de escravos cio preço cios escravos. Nos casos em que a perda de posição
foi estimado em cerca de 2 milhões em 1850, quando começou
é irreversível e há muitos obstáculos à emigração para novas
a decrescer rapidamente até a abolição, em 1888.
,írcas, a situação alcança um ponto em que o escravo já não
O volume ele tráfico de escravos africanos para o Brasil mais se paga e onde o cC'mportamento racional consistiria
durante a primeira metade do último século, estimado em em liquidar o negócio atr:lvés da venda dos escravos. No
1.350.000, contrasta curiosamente com a relativa estagnação entanto, Castro sugere a possibilidade do senhor de escravos
da agricultura de exportação durante esse período. Excluindo adaptar-se ao progressivo declínio financeiro, reduzindo a
algumas situações conjunturais que explicam as altas e baixas aquisição de escravos, aumentando a carga de trabalho dos
cio movimento do tráfico africano ao longo desse meio século, mesmos e incorporando mOI'adores e outras formas de trabalho
alguns fatos podem ser mencionados para explicar essa apa- livre." "A redução da compra de escravos aproxima a explo-
rente anomalia. ração escravista ela uniclade familiar camponesa: ela agora
Primeiro, a continuidade do tráfico relacionava-se ao deslo- vende aquilo que obtiver (digamos, açúcar) pelo preço que
camento geográfico das atividades econômicas mais dinâ- paguem."'z Essa capacidade de adaptação, sobrevivência e
micas. De 1820 em diante, a produção de café na área do Rio eventual recuperação ela economia escravista permite-nos
de Janeiro tornou-se o principal mercado de escravos. Em entender por que o Nordeste continuou a importar um número
contraste com a região cafeeira, Minas Gerais e o Nordeste significativo de escravos e como a região aumentou o volume
decaíram como regiões importadoras de escravos. De acordo físico de suas exportações agrícolas, num período de preços
com os dados levantados por Goulart, dos 980 mil escravos ele exportação em c!eclíni0 5l
introduzidos no Brasil durante o período 1801-1839, 570 mil Como C. Prado Junior verifica, de todas as transformações
entraram através do porto do Rio de Janeiro, 220 mil na Bahia, que ocorreram no Brasil durante o século XIX, nenhuma
150 mil em Pernambuco e 40 mil no Maranhão. 29 Dentre os contribuiu mais para modificar a configuração cio país cio que
517.300 escravos importados pelo Brasil e registrados no Minis-
a revolução na distribuição geográfica das atividades produ-
tério Britânico do Exterior, 377.700 escravos destinavam-se
tivas.'" Tais !11odificaçôes, iniciadas na primeira metade do
ao Rio de Janeiro durante o período 1817-1843. Esse número,
século, completaram-se durante a segunda metade, com muitas
:lcrcsciclo aos .')') mil escravos cnlr:lclos por Silo P:llilo, repre-
COf)scqti['nci;ls SOCi:lis l' demográficas.
sentou 8(Y% de todas as importações. 51)
A proclução ele café assl :miu a liderança das exportações
{lm segundo elemento lig:l-Sl' il import;"íl1ci:l cio tr:lhalh(l
hLlsilcir:ls:1 p:ntir d:l d(C;Ic!;l de lR . ~O (' fni rt'~p()n:-;;í\TI pelo
t".'il":I\'(} CU/lIO t""IIc:1 IIlalll·lra dl' S:IIi.'/";I/.I·r :I tlclIl:llld:1 dI"

J 11 J 1\
deslocamento dos centros de gravitação política, econô- escravos e comerciantes de gado, que mantinham relações
micl l' dC!l1ogr:ífica do pús, O Vale cio Paraíh:l inicialn1l'nlc comerciais urbanas e viam a cultura do café como mais lima
- incluindo a Província elo Rio de Janeiro e as úreas vizinhas forma de ganhar dinheiro, Outros eram pequenos fazcndeiros
de IVlinas Gerais e São Paulo - e subseqüentemente o Centro- que prosperavam rapidamente em solo virgem, Tivessem
Oeste de São Paulo, constituíram o fl1nbito geogrúfico ela ;lparecido antes, poderiam ter-se tornado senhores no estilo
antigo; no C1S0, entra ram nas fileiras da classe elos fazen-
expansão cafeeira,
deiros na conjuntura histórica marcada por uma crescente
Em poucas décadas, a cultura cio café produziu a maior ideologia burguesa e pelo fim inevitável do escravismoY
concentr:l\,ão rc'gional ele escravos no Brasil, expandindo-se
em úreas esparsamente povoadas, onde não havia forp de A Tabela IV-3 indica alguns aspectos da dinâmica demográ-
trabalho disponível para o novo empreendimento, A evolução fica deste período, As mudanças mais pronunciadas foram
nas duas principais áreas produtoras seguiu c1ireçôes dife- devidas ao rápido crescimento da população livre, que quintu-
rentes, A produção do Vale do Paraíba alcançou seu ápice plicou do início do século até 1872, e ao rápido decréscimo
nas décadas de 1850 e 1860, declinando rapidamente clurante da população escrava, que alcançou seu máximo de mais ele
() último quarto do século, De acordo com Genovese, ":1 dois milhões em torno de 1850,
cleprcss:lo n:lO roi como a elo Norcleste :\çucareiro; n:lO A popula,':lO de cor livre mostrou a maior taxa de cresci-
resultou ele um declínio na elemanda de car{~, Pelo contr:hio, mento, Sua taxa de crescimento entre 1798 e 1872 foi () triplo
o mercado internacional nunca tinha parecido melhor; a da populaç':lO total (tal como no caso da população livre de
demanda mundial de café estava em ascensão" ," A mudança Minas Gerais no fim do século XVIII, vale a pena observar
de clima, o envelhecimento elos cafeeiros, a exaustão do solo que, em 1872, este setor, em grande parte - 78,3% - era
e a diminuição ela terra virgem, o envelhecimento dos escravos composto de mulatos, ao passo que a população escrava
e o aumento dos seus preços, bem como o endividamento continuava composta princ palmente de negros),
crescente elos fazendeiros e sua incapacielade ele inovar, foram
Após observar o padrão de crescimento dos diferentes
as principais causas da decadência econômica da região, ele
setores da população, podem ser assinaladas as mudanças
;\cordo com S, Stein,I(, Na !'egÍ;\o o('Í(knla! de S;\O P;lU!O, a
em sua distribuiç'ão regional, resultantes das mudanças econô-
grande expansão da produção de café teve lugar quando o
micas em curso, Primeiro, será considerada a redistribuição
futuro ela "instituição peculiar" era cada vez mais incerto,
geográfica da população escrava, discutindo-se as conse-
A resposta dos fazendeiros às novas condiçôes inclui a meca-
qüências da interrupção elo tráfico africano e alguns aspectos
nização do cultivo e beneficiamento do café, a construção
do tráfico inter-regional subseqüente, As Tabelas I e II do
de estradas de ferro e, finalmente, a transição para o trabalho
Apêndice apresentam a distribuição da população escrava em
livre de imigrantes europeus - primeiro, nos regimes de par-
diferentes momentos do século passado,oH O ptocesso mais
ceria e colonato, e depois, no sistema de trabalho assalariado,
notável é a perda da importância do Nordeste, do Maranhão
A capacidade de adaptação e inovação do grupo fazendeiro à Bahia, como região escravista, Essas nove pl'ovíncias, que
ele São Paulo tem sido freqüentemente associada, na litera- durante a primeira metade do século concentravam mais da
tura, à sua origem social e a certas particularidades de seu metaele ela população escrava, tiveram sua participação redu-
processo de formação de classe: zida ;lté menos de um tl'I\'O ele todos os escravos do país,
durante as duas décadas anteriores à abolição.
Os lucros cio surto cafeeiro de Sào Paulo foram ~IS màos de
homens de diversas origens e, mais importante, de diversos
interesses econômicos, Muitos desses homens vinham da
cidade - negociantes, profissionais, ex-traficantes de

146 147
Em termos absolutos, a população escrava nordestina
aumentou até meados do século XIX e, então, começou a
decrescer rapidamente. Esse decréscimo foi particularmente
evidente, em termos tanto absolutos quanto rebtivos, nas
duas províncias ele maior expressão econômica c demográfica
da região - Pernamhuco e Bahia. Entre 186~ e 1872, o número
co co r-l o ele escravos em Pernambuco caiu ele 260 mil para 89 mil, ao
~
ri CO, 0\ "i',
co· C'l ,.,:; '<1<" "..ç o If\ o passo que na Bahia caiu de 300 mil para 167 mil. O rápido
Kl '<I< co ri ri 6
o declínio no número de escravos no Nordeste após 1850 deter-
ri

minou também o decréscimo relativo dos escravos como parte


C'l 0\ co tf\ r-l '<I< C'l \.O co
t"- co C'l tf\ t"- o o o t"- da população total da região. Enquanto em 1823 os escravos
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C'l ~ 0\ \.O tf\ "0 CX) '<I<
r---: '.[) 0\ r---: Kl o ci
co
If\
'<I< co rl t"- Kl ri Kl representavam 30% da população total, em 1872 essa partici-
r: C'l Kl ~ '<I< C; tf\ 0\
pação era de apenas 10%.
Kl ~ co ri ri 0\
Na Região Sudeste, o curso dos acontecimentos foi comple-
'Cf( Kl "0 co '<I< "0 Kl \.O. o
t"- In -6 o:: If\ o o' tamente diferente. Na medida em que o sistema escravista
C'l ri '<I< '" '<I< tf\ o
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entrou nas suas últimas décadas e a população escrava do
país começou um declínio irreversível, essa região absorvia
CO O o o o o o O O
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uma proporçào caela vez maior da população cativa. Essas
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, Kl If\ 0\ r---: r-i ryj O t"- seis províncias, que em 1823 possuíam apenas 16% dos
t"- '<I< co tf\ co o C'l Kl rl
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C;
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C'l r:
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escravos do país, aumentaram sua participação para 32%
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em 1864, e 39% em 1872. Após esta última data, elas concen-
'Cf( ri If\ t"-, "0 co, 0\ t"- o traram mais de dois quintos dos escravos do país. Em
ri C'l' t"- ri \.O ri co' O
Kl M If\ '<I< '<I< o' contraste C0111 o Nordeste, onde os escravos diminuíram rapi-
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damente como parte da população total da região, a proporção
CO O
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o
o
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de escravos aumentou de 23% para 26% da população total
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t"- o o C; o C; C; O o do Sudeste, entre 1823 e 1872. A população escrava ali
ri
ci '.[) o '.[) ri M C'l ryj
ri o tf\ \.O C'l \.O CO '<I< ascendeu de 181.549 para 591.523, em um crescimento global
C; '<I< N 'P C'l "0 Ir\ N
M ri M .--< Kl de 225%. No Nordeste, nessa mesma época, a população
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escrava caiu de 620.966 para 480.409, diminuindo assim 33%.
t/)
O
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O
.....
bI)
t/)
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nO Dois períodos - antes e depois de 1850 - devem ser
V ;:J v :> t-<
..... t/)
v ~ Z <:1
O
distinguidos no que se refere ao modo C01110 a produção
.~ '- '-
1<:1
t/) t-1 .~
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O
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t/) Uc cafeeira satisfez sua demanda de forp de trabalho. Na fase
O t/) ....:1 :> :> "'-l (\l
O
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"3 inicial do ciclo cafeeiro, dUlante o segundo quarto do século
:at:: n
U <:1 <:1
t:: v..... O (;J
<:1
.....
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U
'-
U
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o. XIX, a demanda de trabalho escravo foi atendida por impor-
~
<:1 t/) t/) O
E-<
CO P-.
'- "'-l "'-l P-.
tações e complementada pelo excedente de escravos acumu-
lado na região mineira. O término do tráfico internacional de
escravos em 1850, coincidindo com o crescimento acelerado
do sistema exportador de café, diminuiu rapidamente a oferta
9
no mercado ele trabalho e elevou o preço dos escravos.o

149
14ii
A verdade é que diante elas dificuldades antepostas 3 impor- desse tráfico inter-regional. De qualquer maneira, as pro-
taçào de negros, as zonas cafeeiras, em franco desenvolvi- víncias nordestinas eram as principais fontes de escravos para
mento, apelaram para o mercado interno, datando daí as o Sudeste. Goiás, Paraná e o Município Neutro (embora em
grandes migra<;ôes de escr:l\'os cio Nordeste e do Sul para :1
grau menor) tamhém contribuíram de modo signifiettiYo para
regiào do café c, concomitantemente, o clesloCllllcnto d;l
pOpUI:1Ç;lO escrava da cidade para () campo. ",
() fluxo entre n:gi(lCs. Dentre as províncias nordestinas,
Pernambuco c Bahia foram as que mais perderam escravos
para as regiões cafeciras. (-::01110 se viu acima, essas duas
É interessante notar-se que a preocupaçào com a escassez
províncias tiveram drasticamente reduzido o seu número de
ele mào-c!e-obra nesse fleríoelo referia-se especifkamenlc ;10
escravos entre lH61Í e lH72.
trabalho escravo. É também curioso que os fazendeiros nunca
tenham consideraelo os numerosos membros c!a ror\Jlaçào As províncias de Minas Gerais, Hio de Janeiro e São P~ndo
n:ltiv:1 livre como lima altern:ltiva p:lr:\ resolver :1 escassez de constituír;1111 os ponlos ("('nt r:lis de converg('llcia cio tr:'lfic()
mào-e1e-obra nél agricultura. O pr6prio sistema escravista foi interno de escravos. Os municípios cafeeiros dessas províncias
responsável por esse aspecto contraditório ela situaçào "C.) eram os principais centros de concentraçào de escravos. O
pois, enquanto o trabalho escravo era e1isponível, os donos caso de Minas Gerais (excluído da Região Sudeste tal como
de terras estavam pouco inclinaelos a contratar homens c aqui delimitada) apresenta suas próprias peculiaridades. De
mulheres livres; e os brasileiros pobres, muitos c/eles antigos acorelo com E. Viotti da CoSia, "mesmo depois ele cessado o
escravos, re!ut;lvam em aceitar ,IS durezas e mesmo a elegra- trMico, os Llzcncleiros de Minas Gerais dependeram menos
dação associaclas à viela na plantaçào".11 que os fluminenses ou paulistas dos escravos do Noreleste.
Tinham à disposiçào um mercado interno de mào-de-obra" ..u
Uma grande parte e1essa populaçào livre estava, ele fato,
As transferências intraprovinciais de escravos, elos antigos
imobilizada em regiões longínquas das plantações ele café.
distritos mineiros na área central para os municípios cafeeiros
Ao comentar as causas dessa fixação Furtado mostra que o
do Sudeste ele Minas Gerai~; ou Zona ela Mata, promoveram
camponês da economia de subsistência, embora nào vincu-
uma redistribuição demográfica. Contudo, ao atentar-se para
lado pela propriedade ela terra, estava ligado por cadeias
os dados de Perdigão Malhciro para 1864, o número de
sociais a um grupo em que a regra de le:liclaclc ao patrão era
escravos em Minas Gerais entre 1864-72 aumentou de 250
mantida como norma de preservação do grupo social.
mil para 370.459, sugerindo um fluxo significativo ele escravos
de outras áreas elo país. Isso indica a possibilidade da entrada
Na realidade, um tal recrutamento [para a cultura do café] tarelia de Minas Gerais no tráfico inter-regional, após a neces-
só seria praticável se contasse com a decisiva cooperação sidaele de trabalho para o café ter sido inicialmente atendida
da classe dos grandes proprietários de terra. A experiência
por uma transferência intraprovincial de escravos.
demonstrou que essa cooperação dificilmente poderia ser
conseguida, pois era todo um estilo de vida, de organi- A província do Rio de Janeiro era a mais dependente do
zação social e estruturação do poder político o que estava tráfico interno ele escravos. A taxa de expansão da cultura do
em jogO.'i2 café alcançou seu ápice durante as décadas de 1850 e 1860,
quando o Nordeste tornou-se o principal fornecedor de
Durante as três décadas seguintes a 1850, ocorreu um escravos para o Rio de Janeiro. O número de escravos nessa
intenso processo de migração escrava inter-regional das áreas província ascendeu de 119.141, em 1844, para mais de 300
menos lucrativas para a região cafeeira, como solução parcial mil no início da década de 1870, após o que, decresceu.
e temporária p:1ra atender a ascendente demanda de trabalho. Isso acompanhou o padrão do resto do país, apesar do
Visto que boas estimativas ela c1istribuiç'ào dos escravos ror fato ele o número absoluto c da concentraçào ele escravos
volta de 1850 nào se encontram disponíveis, é quase impos- nos municípios cafeeiros ter continuado a aumentar até os
sível formar conclusões quantitativas acerca da magnitude primeiros anos ela décacla seguinte.

1')0 1 'i 1
Em São Paulo, a expansào de plantaçôes de café, especial- escravo. Como resultado do caráter seletivo do tráfico inter-
mente no Centro-Oestc, (OJ1)C('Oll ap<i.:; :1 cxpans;!o no Rio de rcgion;d, os l'.'iC!':IVOS do seXo masculino c mais jovens e produ-
Janeiro e em Minas Gerais, Essa é a razão por que o tráfico de tivos foram transferidos para o Sudeste. Assim, os escravos
escravos entre províncias resultou num mecanismo cada vez que permaneceram no Nordeste eram predominantemente
menos efetivo para atender a crescente demanda de trabalho. mulheres, doentes, idosos c escravos desqualificados. 'I'
No entanto, a população escrava cresceu com relativa rapidez, Esses processos levam-nos a concluir que houve um decrés-
após meados do século, elevanelo-se ele ] 17.7.31 em lR'i'Í cimo no tráfico inter-region:d a partir ele inícios ela década de
para 156.612 em 1872 e 174.662 em 1874. Como E. Vioui da 1R70 e um acré:-;cimo no movimento elos escravos dentro das
Costa aponta: províncias produtoras de café. Esse movimento intra-regional
ia das cidaeles para o campo e ele áreas não-procl'utoras de
( ... ) até os anos setenta o número de escravos não deixou café ou em decadência para <Í.reas em expansão.:'~ A concen-
ele aumentar de maneira geral em todos os distritos cafeeiros tração de escravos correspcncleu à concentração regional ele
paulistas. Em relação à população total, entretanto, seu índice recursos no cultivo cio café. Assim, em lR72, 63,7% da popu-
começava a diminuir, o que sugere uma participaç;1o progres- lação escrava brasileira estava concentrada no Sudeste e
siva elo trabalho livre, uma ve? que essas regiôes atraveSS;\lll Minas Gerais. As três províncias cafeicultoras mais impor-
uma época de notável desenvolvimento econômico." tantes, Rio de Janeiro, S:lo Paulo e Minas Gerais det inham
C;4,Y% elos escravos, ao passo CjUl' essas mesmas províncias
Parece adequado acrescentar que o trabalho livre deve ter tinham apenas .-)Ô,9 rXl da popula(:ão total cio país.
estado ligado a outras atividades econômicas dinamizadas
Se escravos c riqueza cram complementares, e trabalho
pelo setor cafeeiro, enquanto que as plantações de café conti-
escravo e trahalho livre, pelo contrário, eram incompatíveis,
nuavam a empregar uma proporção crescente elos escravos
não é difícil prever que a dinàmica ela distribuição geográfica
da província. Como se viu anteriormente, a solução dos fazen-
ela popula(,'ão livre tcria ohedecido a um padrào diferente,
cleiros ele Sào P;lulo ~s dificuld;Ic!CS ela :ICluisiç;!o de cscr:IVOS
l~sse sctor d;l popuh<.':'lO SCLí ;111:t!is;Ic!O co!l1 rcfcr[~nl'ia :t s\la
foi a introdu<o'ào ele novas técnicas no cultivo e heneficia-
distribui\,'ào gcogrMica c (,Ol1lposir,'ào !';leial, de acord() C01T) ;)
mento cio café, a l11oc!erniza<o';'to no tral1.';porle e a experiência,
informação elos censos populacionais de 1872 e 1890, aprc-
inicialmente fracassada, com os sistemas de ('olonato e par-
sentacla'na Tabela IV-4. Os dados ele 1890 têm importància
ceria. A maciça substituição de trabalho escravo por trabalho
especial, visto que refletem a situação num período imedia-
assalariado europeu acelerou-se a partir de 1886, durante o
tamente posterior à abolição. Eles mostram o efeito cumula-
declínio da escraviclão,:'ó
tivo de vários séculos de escravismo, em termos da distri-
Com a interrupção elas importações de escravos em 1850, buição regional da população não-branca. Indicam também
o tráfico inter-regional de escravos ocorreu durante cerca de as vantagens diferenciais, com referência ao desenvolvimento
trinta anos, resultanclo numa rápida e substancial redistri- social e econômico subseqüente, causadas pela distribuição
buição geográfica da população eSCL1V<l do país. Entretanto, dos vários grupos raciais,
a migração escrava inter-regional deve ter atingido seu ponto A Região Sudeste, já a caminho de estabelecer uma domi-
máximo no período entre 1850 e início da década ele 1870. nação sobre o resto do pai:s, apresentava uma percentagem
Por um lado, esse período corresponde ao do aumento acele- da população total proporcionalmente menor que a sua real
rado no número de escravos no Sudeste e Minas Gerais. Por importância econômica. iR Quanto aos vários grupos raciais,
outro lado, o Nordeste, como principal fornecedor de escravos o segmento branco era representado mais do que proporcio-
para a produção cafeeira, não só experimentou um rápido nalmente no Sudeste, e isso aumentou entre as duas datas. A
decréscimo em sua população escrava ao longo desses anos, introdução relativamente tardia do trabalho escravo em gran-
como também um eleclínio na qualidade da força de trabalho de esca'ía nessa região, e o fato ele ter recebido um grande

1'12 153
A composição da população do Sudeste era radicalmente
número dos imigrantes europeus durante o século XIX
diferente ela composição do resto do país em pelo menos dois
:xpltcam a concentraçào desproporcional de brancos no
aspectos. Primeiro, enquanto os brancos constituíam a maioria
Sudeste.
., .,., . Em,'. L.', <a p opu Iaçao
contraste - nao-
- I)fanca tinha uma
da populaçào do Sudeste, o oposto era verdadeiro no resto
lepl escntLlçao supenor no resto do país, sendo essa tendência
do país. Assim, em 1872, a proporçào de brancos para não-
mais acentuada no caso ela populaçào mestip,
br:lncos, excluindo caboclos, era ele 1 : O,~~ no Sudeste e cle
O aUll1enlo (LI popula\'Jo ncgr;l livre no Suclcsle enlre as I : 1,49 no resto elo país. Em 1890 essas proporções eram de
cI~Jasclatas eleve ser interpret:ldo como resultado da Iihertaçào I : 0,62 e de 1 : 1,71 respecti\'amente. Segundo, a composição
gl adual de um grande número de escravos na regiJo - pril1Ci- ela populaç'ão de cor variava por regiões. A proporção de
palmente negros - entre 1872 e a 'li) o I'" Iça0 to,lna I em 1888.
, L
pardos entre os não-brancos era muito mais elevada no resto
A Tabela IV-5 apresenta a composição racial de cacla elo país que no Sudeste. Em 1872, no Sudeste, a proporção
regiào. era de 2,17 mulatos para cada negro, enquanto no resto do
país era de 3,97 mulatos para cada negro.í~
. TABELA IV-4 Entre 1872 e 1890, essa proporção diminuiu devido ao
Distribuição ela população livre segundo os grupos raciais crescimento populacional dos negros livres, resultante da
por regiões - 1872-1890 libertação de escravos. Como se viu anteriormente, ambas as
diferenças na composição racial das regiões eram devidas
;tS mesmas circul1stàncias históricas, A posição econômica
Brasil 1872
marginal da Região Sudeste durante () período colonial limitou
População o número de escravos africanos introduzidos nessa região.
Branca Negra Mulata Índia
Total* O pOVO~lm(~nto e a colonização elo extremo Sul do país obe-
Sudeste 26,3 35,4 20,4 12,3 22,2 deceram mais à necessidade de defesa e consolidação das
fronteir~ts territoriais portuguesas do que ao desempenho ele
Resto cio País 73,7 61,6 79,6 87,7 77,8 funçôes econômicas cb reg,;io, dentro da sociedade colonial.
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Somente durante a segunda metade do século XVTn a criação
de gado no Eio Gra nde do Sul começou a figurar como
Brasil 1890 economia subsidiária das principais regiões escravistas.
População Embora a região de São Paulo fosse entreposto comercial e,
Branca Negra Mulata** também, produtora de açúcar, não seguiu os padrões da
Total
grande propriedade senhorial nordestina. Foi precisamente a
Sudeste 29,4 41,4 27,8 17,3
relativa pobreza da área rural de São Paulo a responsável pela
Resto do País 70,6 58,6 72,2 82,7 sua função como base territorial para a penetração e povoa-
mento do interior do país, efetuada através das "Bandeiras".
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
De fato, antes do fim cio século XVITT, a cidade do Eio de Janeiro
e suas vizinhanças f1Jrais formav;lm o único centro cscr;wisla
* Inclui:! ]'Opltl:I,':\O Une c l'ser:!,,:!, importante na Região Sudeste,
** Inclui Cahoclos l' índios. Assim, a tardia introdu<.:ào do sistema escravista no Sudeste
Fonte: Censo De!llogrMico de 1950. _ basicamente no século XIX - não apenas resultou numa
proporção inferior de africanos e seus descendentes dentro
ela população region~11 total, como também limitou o desen-
volvimento da miscigenação racial e a formação de uma popu-
lação de cor livre.
155
A tendência para a pobrização geográfica ou segregação
Em suma, como resultado de mais de três séculos de escra-
elos dois grupos raciais - que, junto com os mec~nismos de
vi.dãO, à época da abolição a grande maioria da população
' . . aça-o esta~ na' base ela estrutura das deSigualdades
afro-brasileira permanecia, em grande parte, fora da região cI!scnffi!n' < , < <
. ". ex!' stentes _ relacionava-se às características dos
onde uma sociedade urbana e industrial estava em formação. !ac!alS '
movimentos de migr;lção internacional e interna, que t1vera~
c ,

A dinàmica demográfica após a abolição reforçou o padrão


lugar a partir do século passado. Tais processos demogr;~­
já estabelecido de distribuição racial, como indicam os
ficos, longe ele serem puramente espontâneos, foram CO~dl­
dados da Tabela rv-6. Nesses sessenta anos ocorreu um leve
cionados por políticas púhlicas específicas. A esse reS?elto,
aumento cLt proporção da POPUL1Çâo nâo-branca no Brasil
a promoção oficial ela migração européia para aten(~er a falta
subdesenvolvido. Esse mesmo período testemunhou uma
ele mão-ele-ohra no Sudeste Ce especificamente em Sao Paulo)
tendência oposta mais rápida no aumento proporcional dos
brancos no Sudeste.11) é de particular importância,11

TABELA Iv-6
TABELA IV-5 ,- clo~ gl'llpOS 1"'Cl'~11'S por regiões
Composiç~o ela população segundo as regiôes por raça Distri 1JUlçao cO ,'" ,

1890-1950
1872-1890

O;ó 1940 0/0 1950 °A,


Brasil 1872* 1890
Não- Não-
Não- Branco Branco Br;,mco
Sudeste Resto do País Brasil Branco Branco
Branco
Número o;Íl Número % Número % 55,8 17,6
20,0 51,9 18,2
Sudeste 41,4
Branca 1312,'513 66,3 2.111,776 38,2 3,787,289 1S,0
81,8 44,2 82,4
Resto '58,6 80,0 48,1
Mulata 108.435 20,2 2,915,843 45,6 3,324.278 39,S
do País
11,) 100,0 100,0 100,0
Negra 187980 9,3 773.170 921.] 50 10,9 100,0 100,0 100,0
Total
Índia 8,),936 4,2 301.019 4,7 5869'5') 1,6
Ponte: mC',F - Censo DC!l1og drico ele 19~O,
2,021,871 100,0 6,yi9,818 100,0 8.119,682 Obs,: N:1o-hr;tnco inclui as c;lle~',()rias elo Censo ele negros c mulatos e
Total 100,0
exclui, em 1940 e 19'iO, os oricnt;lis,
Brasil 1890**

Branca 2,607,331 61,9 3,691.867 36,5 6.502198 44,0


NOTAS
Mulata 1.024.313 24,3 4,909.978 48,'5 ),934,291 41,4
Dentre os estudos Locais do escravismo podemos mencio n : : FREY,RI:: casa,~
r
I
Negra 583,359 13,8 1.514,067 15,0 2,097.426 14,6 _ 1'& ' ~ I I973(sobreoNordesteaçucarelro);STEIN.la-,solllm,
CiJ(lIJ(,C SOI".{l,a, " ' -I J - "A D
4.215,003 100,0 10,118,012 100,0 11,,333,915 100,0
;1Brazilian coffcc county, 1970 (acerca do Vale do ParaDa,; cosr . ,a
Total -IA la '19")") (sobre a re"i:1o cafeetra, partICuLarmente 5,10
sel1za l a a CO OI! , lJ\l, h - 'I I
Paulo); IANNl. As 11It'/o111()rj(l,l'CS do e,l'c/'{/[lO, 1962 (referente ,:1 etc aele c e
"I ') CAI'DC)SC) Ca/Ji/ali'lI1o e f'1'crauidâo no BraszI A1eru!1OI1al, 19112
• Inclui apcn:ls a !'O!lU!;I\."1O Livre, Cunt!')a;e ~ " , - ," , ,.' "f'--
(referente ao estaclo :lIual do l\;o Grande do Sul), Dentle as monogl,l 1,IS
*' /\ calcgori:! "MuLtta" inclui os índios,
Fonte: Censo f)c!11ogr;\l'ico de 1950, recentes que estuebram o escravismo bra~;ileiro desde U!11a perspeClIV<l de
, L n ontt'am se' C' ENOVESE 17Je world tbe slaue/?olders mada,
escopO nactona e c ,-" J ~ ~"

]57
1S(í
1971, p. 71-95; e CONRAD. The destr1lctiOIJ of Brazilian slauC'ry, 1850- I, CURTIN. The Atlantic s/aue trade; a census, p. 268.
1888, 1972. Delltre os estudos loclis e regionais sobre rcLt,:Cl(:S r;Ki;lis
CI1COlltLlllhSC: WAGLEY (EcI.). f.!.{/ce aI/ti elass il/ mral Brazil 196), I', FUlni\DO. FO/'ll[(/çúo ('C(!/Ií1l11ica do Brasil, p. 74.
PIERSON. Brancos C' pretos na Babic:, 1971 (também com referência'~ IC STEIN, S.; STEIN, B. The colollial heritage of Latin America, p. 62.
Bahi;1l; AZEVEDO. As elites de cor; um estudo da ascensão social, 1955;
PINTO. O negro 110 Rio dC'.!aneiro, 1952; BASTIDE e FERNANDES. Brancos 1H Ibidem, p. 117.
~ negros em, Sl!o Palllo, 1?59 (também com referência a São P;wlo);
19 BARRIS, op. cit., p. 86. A explicaç;lo ele Barris para a diferença entre Brasil
I·EI~NANDES. A lntegraçao do nep;ro na sociedade de classes, 1965;
e Estados Unidos quanto aos sistemas de cálculo de identidade racial
~()GUElHA. Relações raciais /lO n11inicÍjJio de Itafietillinga, 1955; e
baseia-se nesse fato. Nos Estados Unidos, a regra ele descendência através
CARDOSO e I ANNl. Cor e mohilidadr' social em FlorianójJolis, 1960.
da qual os mulatos sào classificados como negros originou-se porque a
A clivergência nas conclus()es é particularmente evidente quando se entra ela ele africanos e a emergência de um grupo mulato só ocorreram
comparam os resultados da escola Nordestina, representada [lor Freyre, após () estabelecimento de uma numerosa classe intermediária de brancos,
Plerson.' Wagley e Thales ele' Azevedo, aos resultados do grupo ele S;!o n;10 deixando lug:lr para um grupo de pessoas de cor livres. Para infor-
Paulo, II1clumdo Bastide, Fernandes, Careloso e lanni. mações sobre a concenlraçi'to de mulatos nas ocupações qualificadas da
colônia, ver: PRADO JUNIOR. História econômica do Brasil, p, 106.
, Ver, especialmente: TANNENBAUM. Slaue anel citizel1: the negro in thc
Amencas, [s.el.]; ELKINS. Slaliery: a problem in American institucional and 20 A análise mais sistem:ítica da marginalidade elo campesinato e do estrato
intellectual !ire, 1968; BARRIS. Patte!"7s of mce in the Americas, 1964; IU111pen rural encontra-se em: GURFlELD. Class, structltre anel politicaZ
BERGBE. Race and racism, 1971; IlOETINK. Caribbe(w race rclatimls; a power in colonia! Brazil: an interpretative essay in historie sociology,
stuc1y of two variants, 1967, e S/alJel)' and race re!atiolls in the AmericrlS;;\I1 especialmcllte o capítulo 1Il, p. 63-148. Ver também: PRADO JUNIOR.
inquiry into their nature anel nexus, 1975. Tbe co!ol/lu! hrlch.lil'UlI/ld O/I11(),l cnz Brazil, 1971; e História r'conômica
do Bmsil, 1972. Quanto ao ,êculo XIX, ver: FRANCO. Homens !i{ltes IlCl
, A populaç;)o não-branca do Brasil inclui os grupos negro, indígen'l, oriental
- quer ele origem chinesa ou japonesa - e todas as mi.~turas desses
ordem eSCl,(lli(JCIYJta, 197'i.
grupos com brancos ou entre si. Neste trabalho, as expressCles "população 21 FURTADO. Formuçâo econômica da Amél"ica Latina, p. 38.
de cor" e "não-brancos" referem-se especificamente aos grupos negro e
IllU la to. U FURTADO. Formaçrlo ecol1rJmica do Brasil, p. 75.

SOARES. Socied{/de c jJolítica no Brasil, p. 154. O autor introduz;:t distinção 2.1 BOXEH. 711c goldcl1 age (~lRrazi!. 1695-1750, [l. 175.
entre regiôes para estudar o efeito de variaçôes socioeconômicas sobre "GOULART. A escrauidão a.fhctllla 110 Brasil: das origens à extinção cio
variáveis políticas. Concebeu até mesmo a hipótese de culturas políticas
tráfico, p. 171.
completamente diferentes nas duas regiões.
"BOXER, op. cit., p. 177. Com relação às alforrias em Minas Gerais, ver
" Ihidem, p. 159, 162.
t:\lllhélll: FlIRTADO. FOn1/(/çr)O ecol1rJmica do Brasil, p. 75; e PRi\DO
Ibidem, p. 157-15R. JUNIOR. História econômica cio Brasil, p. 60.

K Os dados ela Tabela TV-1 foram preparados por Ary de Abreu Silva, Maria ", PRADO JUNIOR. The colonial b(tckgmll11d oI modem Brazil, p. 125-126.
Helena de O. Torres Martinho, Maria Tereza Ramos Dias e Patrízia Suzzi. 27 FURTADO. Formaçilo eco17rJmica do Brasi!, p. 107-10R.
" SOAI{ES. o/}. cit., p. 162-163.
2H PRADO JUNIOR. Tbr' colonial bdckgrollnd oI modem Brazil, p. 123-124.
111 GENOVESE, op. cit., p. 95.
2<) GOULART, op. cit., p. 272.
II SOARES, op. cit., p. 169-171.
50 CURTIN, op. cit., p. 240.
12 STElN, op. cit., p. 295. CONRAD, op. cit., p. 291. 'I CASTRO. As mãos e os pés do senhor de engenho: clinâmica cio escravismo
I \ A irregular evolução econômica e demográfica do Estado do Rio de Janeiro colonial, p. 17-19.
eleve-se ao declínio das plantaçôes de café durante as três últimas décadas
" Ibidem, p. 19.
elo século XIX e a recuperação econômica, no século atual, vinculada à sua
localização privilegiada, ao longo do eixo de desenvolvimento industrial " De acordo com Cc!so Furt:lc1o, a <jucd:1 no pre(.'o eI:IS cxportaç()cs hr;lsileir:ls
Rio de Janeiro-São Paulo. entre 1821-1830 e 1841-18')0 roi de aproximadamente 40%; durante esse
mesmo período, o valor anual médio das exportações aumentou 40%, ao
I·' Em 1823, o ano imediatamente posterior à independência, a percentagem passo que o esforço prodl.ltivo elo setor exportador ql.lase cluphcou.
de escravos na população variava de um mínimo de menos de 10% nas Formação econômicll rio Brasil, p. 107-108.
províncias do extremo sul a um máximo de quase 60% no Maranhão. No
país como um todo, os escravos representavam um terço ela populaçào li PRADO ,JUNIOR. lIistária econômica do Bmsil, p. 157.
total.
h GENOVESE, ojJ. cit., p. RIt.

1"8 1'i9
\(, STEIN, OjJ. cit., cap. IX, p. 215-249. . ,~ 19')0 Contudo
continuaram dpOS ." - ' o redirecionamento. do
. fluxo
,_ migra-
l'd
\- GENOVESE, op. cit, p. 86. tóno. mterno
. no penoe~ 1o 19~0-1970 j'untamente com mfOlmaçoes O)t[ as
j . , • . _

através de pesquisas de tipo sllruey, parecem indicar que ~ c~ncentraça~


\" As estatístiC:ls c!e!nogr:íficas cio século XIX S~() ele preCls:lo duvidosa. c!a popula(:lo n:ío-!lr:lnc:! no Sudeste não aumentou. Poek ate mesmo ter
Assim. esses dados deveri:11Il .'in viSlos apen:ls COIllO jllclicl<;;úes de decrescido.
tende'ncias gerais. Esse problema é particularmente sério no que se refere
a estatísticas cios períodos anleriores a 1H72 que, em grande parte. resul- " Convém, neste ponto, comparar a população não-hranca d o Brasil COI~ a
taram de estimativas feitas sohre evidências fragmentárias. Dever-se-ia cios Estados Unidos. Enquanto no Brasil a maior part: dessa populaçao
notar, por exemplo, a f]utuaç:lo aparentemente inconsistente do número permanece concentrada nas regiões mais pobres do paiS, um doséaspec~os
mais. no t~lve'IS ela< Ilistória . e Ia
social dos negros ;1l11enCanos Ineste seCldo
de escravos entre 1819 e 1823, especialmente no Maranh:lo, Cear{j, < • ,

Pernambuco. Bahia, Minas Gerais, São P:lUlo c Rio C;rande cio Sul. Os rápida urbanização e a maciça emigração dos antigos estae os esc:'~v~sta: c o
dados de 1864 mostram também inconsistências em algumas províncias, Sul. Assim, as clesigualcbdes raciais encontmelas e~ ambos os p,llse,s sao o
quando comparados a estimativas anleriores e aos resultados do censo de produto de cOl11binaçôcs diferentes de discrimmaçao raCial e dos efe1t~s da
1872. distribuição geográfica elas raças em regiôes desigualmente desenvolVidas.

VJ Entre 111';'5 e 187'5 os preços dos escravos triplicaram. Ver: COSTA, op. cit.,
P. 'i6.
,I) Ibidem, p. 42.-

" CONRAD, ojJ. cit., p. 58.

" FURTA DO. F()n!/{{ç{/() econômico do Brasil, p. 121 .


. , COSTA, ojJ. cit., p. 61.

,i !hidem, p. 148.

,s Em 18HlJ, :1 popula,':10 livre de S:lo l':lldo alingia 1.22] .:\HO, :10 passo que
o lll'llllel'O ele imigranles era de :lpenas de ')3.')17. Ver: COSTA, up. cil ..
p. 1cí9, 207.

d, Ver: CONRAD, ()p. cil., p. 61.


,- Ao analisar a migração interna do Nordeste para o Sul no período entre
os censos ele 1872 e 1890, Douglas Graham e Sergio Buarquc ele Holanda
Filho concluem que a migração inter-regional de escravos teve peso
mínimo no movimento migralúrio tolal enlre as dU:1S regiôes. Ver: lI1(qraliem,
rc:r; io 11 aI alld IIrh{/!z growtb and de{'e{oplllelll i'l Brazi!: a selective analysis 01'
the historical recorel 1872-1970, p. 28-33. Os dados estatísticos reunidos
por R. Conrad, relacionados i\ realocaç;\o da populaçào escrava dentro
elas províncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, entre 1873-83,
tendem a corroborar a idéia ele uma intensilkaç:l0 da transferência inlra-
regional ele escravos. Ver: CONRAD, of!. cit., p. 29.~-295.
,i' Foi somenle no período ele 1960-]970 que () Sudeste :lIcan\,ou seu predo-
mínio eknlOgr:ílko. ('oncenlr:ll1c!o mais da l11e'la<1(' ela j!Oj!UI:I,':IO hrasil",ir:!.
As propor,.:ües d'l populaç:lO vivendo nessa regLlo foram: 33,1Í'"iJ em 1900;
3'5,4% em 1920; 40,1% em 1940; 41,7% em 1950.
,'I l' interessante observar também que a razão de escravos sobre pessoas de
cor livres foi bem diferente. Em 1872, o Sudeste tinha 591.523 escravos e
'í96.415 pessoas de cor livres. No resto cio país, os 919.283 escravos
correspondiam a 6.424.045 pessoas ele cor livres.
'" Infeli7.!11ente, a falta de informaçào sobre a cor da população nos censos
ele 1960 e 1970 torna impossível verificar se as tendências mencionadas

160 161
c A p T u L o v especialmente no Nordeste c em Minas Gerais. A presença
ele uma numerosa classe ele pessoas ele cor livres muito antes
da abolição deve ter atel1Ludo a dicotomia que marcou o
negro como escravo e () branco como livre. Tsso facilitou a

A~ CON~tQÜfNCIA~ ~OCIAI~
absorção elo ex-escravo na estrutura social dessas regiôes.
Dc"e ser também mencionado que, na época da abolição
N
final, ~l transic.,'ão para o trabalho livre estava mais av~lt1çada
DA A~Oll~AO fora do Sudeste, particularmente no Nordeste. A transição do
trabalho escravo para outros tipos de relações de trabalho,
de acordo com J. Bal;ll1, foi muito mais vagarosa c menos
drústica no Nordeste que no Sudeste. O complexo rural
nordestino - onde a economia de subsistência vinculava-se
à economia de exportação - empregava maior quantidade
de trabalhadores livres que as fazendas ele café do Hio de
Janeiro e São Paulo. Em conseqüência da escassez de escravos
e do aumento do preço cios mesmos, após 1850 (resultado da
Existe uma vasta literatura sobre a aboli<;'ão do escravismo, venda de muitos cleles para as regiões cafeeiras), a força cle
em que esta é vista como uma linha divisória do desenvolvi- trabalho formalmente livre cresceu rapidamente até a abo-
mento histórico brasileiro. Ao explicar a abolição, em acrés- lição. I Contudo, a economia nordestina raramente contratava
cimo ao papel das mudanças no cenário internacional e das trabalhadores como assalariados, empregando-os mais freqüen-
pressões externas sobre o Brasil, as transformações sociais e temente em relações servis de dependência.
econômicas que ocorreram no país durante a segunda metade Com ~l abolição final, o restante da população escrava
do século passado receberam ênfase particular. O movimento nordestina Coi reahsorvido sem muita dificuldade, no quadro
abolicionista é considerado uma manifestação de tais mudanças de rcbç()cs ele trabalho previamente estabelecido, caracteri-
internas. Grande importáncia foi atribuída à generalização zado pela dependência senhorial. Isso expandiu as fileiras
do sistema de trabalho assalariado e suas implicações para o de lavradores, moradores e, em grau menor, assalariados
desenvolvimento capitalista subseqüente. O trio fazendeiro- rurais.
empresário-imigrante abarca, nessa literatura, os principais Com referência à classe senhorial dessa região, E. Genovese
caracteres ela história social apôs 1RRR. Não é uma mera cliz:
coincidência que, com algumas exceç'ôes, a historiografia
brasileira replique o processo histórico fatual, ignorando
(. .. ) sua própria posiçào de classe e a auto-imagem corres-
os perdedores (os ex-escravos) e dando pouca atençào à
pondente dependiam chs características gerais de senhorio
sua acomoda<,'ão à nova vida como indivíduos livres. numa sociedade altamente estratificada antes que na escra-
Baseado na limitada informação disponível, este capítulo vid:l0 per se. Para eles. o senhorio patriarcal poderia aparecer
analisará algumas das circunstfmcias históricas que determi- como uma questào moral - como a única base adequada
naram diferentes conseqüências sociais da abolição para os ele vida civilizada - , mas o escravismo era apenas uma
escravos e pessoas de cor livres nas duas regiões anterior- possível forma dela. A transição para o trabalho livre osten-
mente definidas. sivo foi. de fato. uma transição para v::írias formas de elepen-
dl't1cia que. muito :lI1tL'S. tinham bnpclo raí~es parakl:llnente
Uma primeira diferença regional é encontrada na existência ao próprio L'scr:t\·iS!11().-
secular da figura da pessoa de cor livre fora do Sucleste,
No Nordeste, a abolição ocorreu sem grandes reajusta- a manutenção do regime. Os abolicionistas, por sua vez,
mentos e os ex-escravos foram incorporados às várias fraçôes compartilhavam o ideal de branqueamento, que permitia um
do campesinato nordestino. Seu destino foi, subseqüente- compromisso entre a realidade sociorracial do país e as
mente, condicionado pela imobilidade econômica e social dou tri nas racistas que se <,riginara m na Europa e Estados
da região. Uniclos. í A base racista elo pensamento abolicionista evi-
denciou-se na rejeição ele várias tentativas ele promover a
imigração ele chineses para atender à falta de mão-ele-obra
ABOLICIONISMO E IMIGRACIONISMO elas plantaçc>es de café.
Para resolver o problema da escassez de mão-de-obra
No Sudeste, o destino dos ex-escravos e da população de - estritamente definida como uma escassez de trabalho
cor livre foi completamente diferente. Como foi mencionado escravo - a solução proposta era estimular a imigração
acima, essa região concentrou uma crescente proporção da européia.
população escrava do país, à medida que o regime escravista
se aproximava do seu fim. Contudo, a importância do trabalho o braço livre desejado era o braço estrangeiro, sem mácula,
escravo variou consideravelmente dentro dessa região ao longo não o braço do liberto ou do negro degradado pela escravidão.
cio século passado. A escravidão urbana - com seu centro Esse, ao contrário, pass;lva :1 ser considerado em si mesmo,
mais dinâmico na cidade do Rio de Janeiro - rapidamente independentemente elo sistema escravocrat:1, como causa
de ociosidade, 1113r:15mo, dissolução. O que fora fruto da
perdeu importância após a década de 1860. Esse declínio
escravidão passava a ser confundido com sua causa e tido
foi resultado de dois processos: a venda e transferência de C01110 fator de imobilismo e atraso.'
escravos para áreas agrícolas e a campanha abolicionista,
lançada primeiro nas cidades. Ao mesmo tempo, após 1850,
A solução imigraéionista aparecia não apenas como
os escravos dessa região foram redistribuídos geografica-
resposta ao problema imediato da escassez de mão-de-obra
mente, de forma a se concentrarem crescentemente nas regiões na agricultura, mas também como parte de um projeto de
cafcicultoras.
moclernizaç'ão a mais longo prazo, em que o branqueamento
Embora o uso de trabalho escravo variasse dentro do da população nacional era altamente desejado. Se o imigra-
Sudeste, o modo como o problema do trabalho foi resolvido cionismo forneceu bons resultados até 1930, o movimento
unificou a experiência histórica dos ex-escravos e homens abolicionista, por outro lado, desapareceu com a própria
livres após a abolição. No Sudeste, estabeleceu-se uma clara escravidão. O abolicionismo, de acordo com E. Viotti da
relação entre abolicionismo e imigracionismo, como resultado Costa,
do clima de pessimismo racial do fim do século XIX. Nesse
contexto, o progresso era entendido como exigindo o ( ... ) fora primordialmente uma promoção de brancos, de
branqueamento do país. De certa forma, o pensamento e a homens livres. A adesão dos escravos viera depois. Nascera
prática abolicionista revelam o destino do escravo e da popu- mais do desejo de libertar a nação dos malefícios da escrava-
lação de cor livre após a abolição. Os abolicionistas viam o tura, dos entraves que esta representava para a economia
escravismo como um obstáculo à modernização econômica, em desenvolvimento, do que propriamente do desejo de
bem como à promoção da imigração européia. 3 libertar a raça escravizada em benefício dela própria, para
integrá-la à sociedade dos homens livres. Alcançado o ato
T. Skidmore mostrou que, no Brasil, ao contrário dos emancipador, abandonou-se a população de ex-escravos à
Estados Unidos, os abolicionistas raramente discutiam a sua própria sorte."
questão racial como tal. Os argumentos pró-escravistas brasi-
leiros não usavam teorias de inferioridade racial para justificar

164 165
o engano do movimento abolicionista, como diz Alberto e, finalmente, mais 840.20'1, entre 1921 e 1930Y' A "Llheb V-I
Passos Guima!';lcs, foi a ilus;lo de que o tf;lhalho escr;lvo efa mos(r;1 o número de estrangeiros vivendo no país à época
;1 única causa de lodos os l1l;l]es que clcvasLlvam tanto a agri- dos primeiros quatro censos populacionais e indicIo volume
niltur;l quanto a socÍl'dadc hr;l.~ikiLl como um todo, Como e destino da imigração européia.
resultado desse engano, o latifúndio n;10 demorou a recu- Entre 1890 e 1900, a Região Sudeste absorveu 88% dos
per;lf-se do golpe recebido, frustrando assim as esperanças imigrantes estrangeiros. Após 1890, o Estado de São Paulo
de muitos abolicionistas com rela(ão à divis;10 cl:l proprie- substituiu o antigo Distrito Federal como principal ponto de
dade rural. 7 chegada de imigrantes. Embora São Paulo tenha se tr:1!1sfor-
macio no maior centro de atra\.:ão na década de 1890 a 1900,
todos os estados do Sudeste rccchcr:lIn um número substancial
A IMIGRAÇÃO EUROPÉIA E O DESLOCAMENTO de imigrantes europeus nos anos imediatamente posteriores
SOCIOECONÔMICO DA POPULAÇÃO DE COR à abolição. Mesmo aqueles estados esparsamente povoados,
como Paraná e Santa Catarina, C0111 menos escravos e pessoas
de cor livres, receberam um considerável número de imigrantes
Durante o' século XIX o Sudeste recebeu um fluxo ele imi- em relação à sua população.
grantes europeus. Parte deles vieram para o Rio de Janeiro,
outros se destinaram aos centros de colonização cio Rio Grande O aumento na proporção de estrangeiros dentro ela popu-
do Sul e Santa Catarina. O início do fluxo maci,,'o ele imigrantes lação total cio Sudeste elá lIL1a idéia elo impacto do flllxo ele
europeus, estimulado pelos governos estaduais e mesmo sub- imigrantes na estrutura social ela regiào. Essa proporç;)o era
sidiado em São Paulo, coincide com a aboliç'ão. H de 7% em 1890, 16% em 1900 e 13% em 1920, ao passo que no
resto cio p;lís permaneceu em (orno ele 1% durante o mesmo
O deslocamento pelos imigrantes afetou nào apen;IS os período. A seletividade elo processo migratório, que resultou
quase 300 mil escravos libertados entre 1887 e maio ele 1888, na predominância de homens cm idade ativa, significa que a
mas também o grupo de mulatos e negros livres que, na época, representaç'~lO dos imigrantes na força ele trabalho era maior
se aproximava de 1 milhão e meio no Sudeste. que seu peso na população total.
Mesmo omitindo-se Sào Paulo, os outros cinco estados elo
Tanto n,1 economia agrícob de exportaçJo mais clinflmica, o Sudeste absorveram a maioria dos imigrantes restantes en-
café, quanto na economia urbana em expansão, durante os trados no país. O número de estrangeiros residindo nesses
últimos anos do século passado e a primeira década deste
estados aumentou ele 217.458 em 1890 para 450.907 em 1900,
século, a massa imigratória européia relegou a um segundo
e novamente para 534.458 em 1920, o equivalente a 73% do
plano a mào-de-obra nacional c, por assim dizer, a um
terceiro plano os ex-escravos 9
crescimento da população estrangeira residente no país de
1890 a 1900 e 60% do crescimento no período 1900-1920.
Entre 1888 e 1930, 3.762.000 estrangeiros chegaram ao A imigração européia modificou a composição racial da
Brasil. Usando uma taxa de retorno à Europa estimada em população através cio processo de branqueamento, A Tabela
25%, podemos concluir que nesse mesmo período 2.822.000 III do Apêndice indica o decréscimo proporcional da popu-
estrangeiros fixaram-se no Brasil. A imigração alcançou seu lação não-branca dentro dos diferentes estados. Basta lembrar
auge nos anos seguintes à abolição. Entre 1888 e 1900, que as pessoas de cor como proporção da população total elo
1.433.369 imigrantes vieram para o Brasil. Quase 60% deste Sudeste declinaram de 49%) em 1872 para 16% em 1950. Em
total eram italianos, a maioria elos quais dirigiu-se para o comparação, o resto do país experimentou uma taxa de
branqueamento mais lenta durante o mesmo período - a
Estado de São Paulo. Entre 1901 e 1910, 671.351 estrangeiros
população de cor caiu de dois terços para mais da metade
chegaram ao Brasil; outros 817.744 vieram entre 1911 e 1920
(53%) da população.

166 167
Houve variações locais e, em lugar nenhum, a migração
internacional teve um impacto tão intenso quanto em São
Paulo. Contudo, a informação acima sugere que a análise de
Florestan Fernandes do modo como os imigrantes monopoli-
('1 ('() O. ~, O 'f) M G';. O. z.\ram, em S:lo Paulo, as oportunidades de avanço econômico
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dados sobre cor da população, nos censos de 1900 e 1920,


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mais ampla, Contudo, a evidência fragmentada disponível
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foi sentido desigualmente por diferentes setores da população
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as novas condições. Parte (:0 grupo de escravos domésticos
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beneficiou-se, em certa medida, com a proteção paternalista
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" dos antigos senhores, que lhes asseguraram condições mínimas
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D Fernandes mostrou como os negros e mulatos concentrados
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1) em ofícios urbanos, pequeno comércio e serviços, foram, de
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fato, deslocados pelos imigrantes, resultando assiín no êxodo
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C/) c: ele negros e mulatos mais qualificados. Simultaneamente, um
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,~ c;:; numeroso grupo de trabalhadores negros rústicos fixou-se
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2:lUl "O qualificados ou levar uma existência precária na periferia
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i!2 i5 C/) P- C/) i!2 C/) o::: Mesmo no serviço doméstico - que é até o presente um
dos principais redutos ocupacionais das mulheres de cor -
a competição com os imigrantes fez-se sentir. No Distrito
Federal, por exemplo, de um total de 74.785 empregados
domésticos em 1890, 41.320 eram pessoas de cor, 21.090 onde o impacto da imigração foi maior, o deslocamento de
cr:lm brancos hrasileiros e 12.37'5 eram estrangeiros. negros e mulatos pelos imigrantes deve ter assumido formas
O Distrito Federal - embora não-representativo das cidades ainda mais ddsticas.
cio Sudeste, pois recebeu o m,lior número de estrangeiros Com referência ao mundo rural, há alguma evidência empí-
nos anos anteriores à abolição - formou a maior concentração rica nas áreas em que os escravos se concentravam, as regiões
mban:l ele negros e mulatos dentro cio Sudeste. Os dados cafeeiras do Rio de Janeiro e de São Paulo, No Vale do Paraíba,
referentes à sua estrutura ocupacional, em 1890, mostram após a agitação e perturbações subseqüentes à abolição, um
c()mo ,l marginali7.<l\'ào ocupacional dos não-hrancos ocorreu,
grande nlÍmero ele ex-escravos retornou ao trabalho nas
('111 p,11"le, devido à presença dos imigrantes europeus. Mais
fazendas ele café. Os senhores ele terra, em dificuldades para
da metade dos 89 mil estrangeiros economiCl111ente ativos,
pagar salários, experimentaram a parceria, a empreitada, o
constituindo um terço da força ele trabalho na cidade, traba-
arrendamento e o sistema ele turmas como métodos ele tra-
lhava no comércio, indústria manufatureira e atividades artís-
balho, Após 1895, com a mudança econômica do cultivo do
ticas. Em comparação, 48% dos não-brancos economicamente
café para a criação de gado, a emigração intensificou-se e os
ativos empi'egavam-se nos serviços domésticos, 17% na
ex-escravos deslocaram-se para a parte leste do Rio de Janeiro
indústria, 16% não tinha profissão declarada e 9% encon-
e para o Estado de São Paulo. H Assim, no Vale do Paraíba em
trava-se em atividades extrativas, de criação de gado e agrí-
verdacleira clecadência econômica, os ex-escravos não tiveram
colas. Esta informação mostra uma grande concentração de
ele competir com trabalhadores estrangeiros, como o fizeram
imigrantes nos setores de emprego mais dinà.mic;)s .. P~r c~utro
belo as 14.720 pessoas de cor empregadas na mdustna 1I1chcam em muitas das áreas rurais e urbanas para onde foram forçados
a in~ipiente proletarização de negros e mulatos, prenunciando a se dirigir. No Estado ele São Paulo, em regiões onde a
o que ocorreria no resto da Região Sudeste após 1930, quando economia cafeeira prosperava e o trabalho estrangeiro era
o fluxo de imigrantes declinou. abundante, os fazendeiros não readmitiram os ex-escravos
que tinham abandonado as fazendas e preferiram imigrantes
Com referência à população não-branca, o mesmo dado
assalariados. Esse processo de expulsão promoveu a transfe-
sobre o Distrito Federal em 1890 permite uma diferenciação
rência ele ex-escravos para a economia ele subsistência e seu
entre mulatos e negros, Os negros, recentemente liberados
deslocamento para as regiôes agrícolas menos prósperas.
da escravidão, sofriam desvantagens ocupacionais mais graves.
Nas regiões economicamente estagnadas ou decadentes, e
Enquanto 79% dedicavam-se a ativicbdes extrativas, d,: criação
naquelas com escassez ele mão-de-obra, a transição para o
de gado, agrícolas e domésticas, ou não tinha ocup~çao decla-
rada, o mesmo se aplicava a apenas 68% dos mestIços. Inver- trabalho livre ocorreu de forma menos abrupta. Os antigos
samente, 29% dos mulatos e 18% dos negros trabalhavam em escravos permaneceram trabalhando nas fazendas como
trabalhadores assalariados. I,
atividades manufatureiras, comerciais e artísticas.
Quanto aos estrangeiros economicamente ativos, é impor- Em suma, no Brasil subdesenvolvido, onde se concentrava
tante notar que 33.869 ou 38% deles estavam concentrados a maioria das pessoas ele cor, os ex-escravos foram absorvidos
nos serviços domésticos ou não tinham ocupação declarada. com facilidade, após a abolição, por um sistema de relações
Isso indic;l que um número substancial de imigrantes, especial- sociais caracterizado pela dependência senhorial e o cliente-
mente os recém-chegados, era incorporado através dos níveis lismo. Durante as décadas s(:guintes, esse grupo permaneceu,
mais baixos da estrutura-ocupacional urbana. Não obstante, em sua maior parte, ligado ao setor agrário da região.
esse grupo, através de sucessivas mudanças ocupacionais e No Sudeste, onele a abolição coincidiu com a maciça
devido às preferências dos empregadores, experimentou uma penetração de imigrantes europeus, toda a população de cor,
rápida mobilidade social e econômica ascendente. 13 ~m outras incluindo homens livres e ex-escravos, foi inicialmente margi-
cidades do Sudeste, especialmente no Estado de Sao Paulo, nalizada, com relação à economia capitalista em formação.

170 171
Como resultado do fluxo oficialmente promovido de imi- c A P T u L o VI
grantes europeus, até a década de 1920, fechou-se um espaço
socioeconômico que, de outra maneira, teria estado dispo-
nível para os não-brancos e o resto da força de trabalho
nacional concentrados fora e dentro do Sudeste. Só após o
processo de deslocamento social, que durou mais de uma
geração 0888-1930), começaram os grupos negro c mulato a
A~ Dt~IGUAlDADtS ~ACIAI 5 A~Ó~ A
"
A~OllÇAO DA c~C~AY AlU ~A
acompanhar o ritmo das transformações sociais em curso na
região. Contudo, mesmo após 1930, a relação hierárquica
entre os grupos branco e não-branco não foi alterada drasti-
camente.

NOTAS'

, BALAN. Migrações e desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaio de


interpretação histórico-comparativa, p. 126.
No segundo capítulo cnncluiu-se que a industrialização
i GENOVESE. The world lhe slaveholders made, p. 91. não elimina a raça como critério de estruturação das relações
\ COSTA. Da senzala à colônia. p. 25. sociais, nem elimina a subordinação social das minorias
, SKIDMORE. Black into white: race anel nationality in Brazilian thought, raciais. Embora a industrialização e o desenvolvimento eco-
p. 23-24. nômico possam diminuir o grau das desigualdades raciais,
CARDOSO. Capitalismo e escravidão 110 Brasil Meridional, p. 222. a posição relativa dos grupos raciais na hierarquia social
não é substancialmente alterada. Este capítulo é dedicado
(; COSTA, op. cit., p. 450.
ao exame da evolução das desigualdades raciais no Brasil
7 GUIMARÃES. Quatro séculos de latf(úndio, p. 38-39. como um todo, bem como em regiões de desigual desenvol-
H O Estado de São Paulo continuou a subsidiar a imigração européi3 até vimento econômico e industrial.
1928.
Em 1940, a taxa de alfabetização das pessoas de cinco anos
o BALAN, op. cit., p. 122. de idade e mais no Brasil era de 46,9% para os brancos e de
Ir' Dados ela tabela elaborada por Paul HUGON. Demografia brasileira, 22,6% para os não-brancos. Dez anos depois, essas taxas
p. 99-102. tinham mudado para 52,7% no grupo branco .e 25,7% no
" FERNANDES. A integração do negro na sociedade de classes, v. I, p. 4, grupo de cor. Ao considerar os níveis educacionais supe-
10, 42. riores, as diferenças entre esses dois grupos eram ainda mais
" Idem. marcadas. Em 1940, 9,6% elas pessoas brancas, de dez anos
1.1 Todos os dados referentes ao Distrito Federal, mencionados acima. foram de idade ou mais, tinham completado os níveis de instrução
tirados do censo demográfico de 1890. primária ou secundária ou universitária; essa taxa era de 2,9%
"i STEIN. Vassouras: a Brazilian coffee county, capo X e XI. para os mulatos e 1,5% para os negros. Em 1950, as mesmas
taxas eram de 24,8% para os brancos, 6,3% para os mulatos e
"FERNANDES, op. cit., v. I, parte I, especialmente p. 17, 20, 27.
5,7% para os negros. A classificação por setores de atividade
econômica principal no censo demográfico permite observar
as diferenças ocupacionais entre as raças. Assim, em 1950,

172
por exemplo, 600;() dos brancos economicamente ativos eram crescendo paralelamente à economia escravista dominante.
empregados no setor primário (agricultura e extração), ao Como foi mencionado anteriormente, esse segmento da
passo que a proporção correspondente de nào-brancos era população teve importante peso demográfico na sociedade
de 7'5%. Nesse mesmo ano, 22% dos brancos e 14% dos nào- colonial e cresceu rapidamente durante o século XIX. Desse
brancos trabalhavam cm indústria e comércio. modo, a explicação ela situação social do negro e do mulato
Tendo-se assinalado as desigualdades sociais entre brancos após a abolição, em termos da mudança abrupta da condição
e não-brancos, faz-se necess;lrio investigar suas causas. Um:! ele escravo para a de homem livre, tende a ocultar a concentração
explicaçào poderia ser que as desigua Idacles raciais e a de desvantagens sociais no grupo de não-brancos livres,
concentração de negros e mulatos na base cio sistema de durante o regime escravista, e a continuidade da sua subordi-
estratificação deveriam ser atribuícbs não tanto à opera,'ão nação social após 1888. Com relação a essas circunstâncias,
de princípios racistas de seleção, mas ~\S diferenças no T. Skidmore diz:
ponto de partida. A abolição da escravidão, em 1888, deixou
a massa dos ex-escravos nas posições mais baixas da hie- o Brasil era ainda uma economia predominantemente agrária
rarquia s'ocioeconômica. A literatura que analisa o processo quando veio a abolição. Seu sistema paternalista de relações
ch\ abolição é unflnime em apontar o mau ajustamento social sociais prevalecia mesmo nas áreas urbanas. Esse sistema de
e econômico dessa população, enfatizando o despreparo estratificaç;10 social deu aos latifundiários C.. ) um monopólio
virtual do poder - econômico, social e político. Os estratos
do ex-escravo para desempenhar o papel de homem livre,
inferiores estavam bem acostumados à Subti1issJo e à defe-
especialmente na esfera do trabalho. I Assim, as atuais dispa- rência. Essa hierarquia, em que a classificação social estava
ridades raciais seriam conseqüência do diferente ponto de altamente correlacionada à cor, desenvolvera-se como parte
partida social dos ex-escravos e do processo inacabado de integral da economia de base escravista. Mas à época da
mobilidade social dos grupos negro e mulato, que emer- abolição final não dependia do escravismo para sua conti-
giram de sua condição servil há apenas poucas décadas. nuação."
Embora esta explicação esclareça alguns aspectos da situação,
algumas objeções devem ser levantadas. Há uma segunda objeção à explicação das desigualdades
Primeiro, o modelo do escravo transformado em homem raciais pelos diferentes pontos de partida e em termos de um
livre em 1888, usado para explicar a situação social do negro processo inacabado de mobilidade social dos não-brancos;
e do mulato após a abolição. não leva em consideração que essa explicação não leva em conta a diferença entre a expe-
uma maioria da população não-branca tinha experiência riência histórica dos grupos negro e mulato e dos imigrantes
prévia de liberdade. De fato, ã época da abolição, os escravos europeus que entraram no Brasil de 1890 a 1930. A maioria
constituíam uma minoria no total da população de cor. Em desses imigrantes não possJía habilidades ou qualificações
1872, data do primeiro censo da população nacional, 74% da especiais, nem dispunha de quaisquer recursos econômicos
população de cor era livre. Essa proporção cresceu até aproxi- ou educacionais particulares.' Nesse sentido, os pontos de
madamente 90% em 1887. É verdade que a população escrava, partida das populaç'õcs imigrante e não-branca eram bastante
em rápida diminuição desde 18')0, declinou em ritmo ainda semelhantes.
mais acelerado na década de 1880, caindo de 1.262.801 em Sua história diverge com referência às oportunidades que
1882, para 723.149 em 1887. Assim, aos escravos libertados esses grupos tiveram de melhorar suas condições sociais e
em 1888 deveriam ser acrescentados aqueles que foram econômicas. Assim como em países como Argentina, Canadá
postos em liberdade durante os anos imediatamente ante- e Estados Unidos, o imigrante europeu foi assimilado na
riores à abolição. Mas a ênfase unilateral nos problemas de sociedade brasileira através dos degraus inferiores da hie-
adaptação dos ex-escravos às novas condições não deveria rarquia social. Contudo, sua integração ocorreu em grande
levar-nos a ignorar a população ele co!" livre, que vinha parte através do sistema de trabalho assalariado, nas regiões

174 175
e setores econômicos dinflmicos. Como consequenCla, a conlcmporflncas. Tais desigualdades nào são apenas o
posição inicial dos imigrantes, embora pouco favorável, produto dos diferentes pontos de partida de brancos e não-
permitiu monopolizar as oportunidades de mobilidade social brancos - a herança do escravismo - mas refletem também
criadas pela abertura de posições no sistema econômico. í as oportunidades desiguais de ascensão social após a abolição.
Ao analisar por que a economia do Sudeste em expansão A desigualdade de oportunidades é manifesta e cristaliza-se
não usou o reservatório de força de trabalho nacional, concen~ em desigualdades sociais ao longo de linhas raciais, sugerindo
trado fora da região, W. Graham e S. Buarque de Holanda a existência de discriminação contra os não-brancos. Contudo,
Filho sugerem que os migrantes internos potenciais nào o conceito de discriminaçào apresenta alguns problemas. De
estavam em posição de se adaptar à economia cafeeira, tào acordo com H. Blalock, esse conceito estimula a confusão
fácil e produtivamente quanto os imigrantes europeus. De entre o processo e o produto, isto é, entre o processo de
acordo com esses autores, vários fatores estavam envolvidos: discriminação e o resultado desse processo. As mensurações
o preconceito do fazendeiro contra o trabalhador nacional e da discriminação sào 'com freqüência, na realidade, mensu-
sua preferência pelo trabalhador estrangeiro; as dificuldades, rações de desigualdade. Por essa razão, o uso de medidas
historicamente condicionadas, do trabalhador nacional se indiretas de discriminação exige não apenas conhecimentos
adaptar de forma disciplinada ao sistema de trabalho assala- das propriedades matemáticas das medidas utilizadas, mas
riado; a situação na Itália, que favorecia a emigração para o também urna teoria de causação social. 7
Brasil; o baixo custo do transporte internacional; e, finalmente, Com referência à dinâmica, histórica e estrutural, uma das
a resistência dos grupos dominantes nordestinos à transfe- causas das desigualdades raciais contemporâneas no Brasil
rência de população para o Sudeste. 5 Fazendo um acréscimo já foi discutida: a segregação ecológica ou geográfica dos dois
a essa análise, J. Balan conclui que, exceto nos períodos de grupos raciais, ou seja, a concentração desproporcional de
seca e na parte norte do Sertão, o trabalho excedente no não-brancos no Brasil subdesenvolvido e de brancos no
Nordeste não era muito abundante. O excedente de força de Sudeste ou Brasil desenvolvido.
trabalho existente era apenas formalmente livre para emigrar; Contudo, a distribuição geográfica dos grupos raciais
de fato, permaneceu vinculado às plantações.(' explica apenas parte das desigualdades raciais existentes,
Em suma, um complexo de circunstflncias hisl()ric\s atuou visto que CSS;\S desigualclades existem igualmente dentro de
no sentido de limitar as oportunidades socioeconômicas da caela uma elas regiões. Assim, para provar que dentro de caela
população de cor, durante as quatro décadas seguintes à abo- região as desigualdades raciais são conseqüência de processos
lição. Dentre essas circunstfwcias, corno foi visto anterior- discriminatórios - que a afiliação a. um grupo racial é causa
mente, a mais importante foi a política de imigração, seguida do tratamento diferencial - é necessário igualar os indivíduos
durante esse período. Impregnada como estava de matizes em todas as outras variáveis relevantes. Isso, por sua vez,
racistas, essa política resultou não apenas na marginalização implica desenvolver um modelo de relações entre variáveis
de negros e mulatos no Sudeste, mas também reforçou o em nível individual. Devido à natureza dos dados censitários
padrão de distribuição regional de brancos e não-brancos que utilizados, a análise dos processos de discriminação racial e
se desenvolvera durante o regime escravista. Como conse- mobilidade social diferencial será adiada para o próximo
qüência, uma maioria da população não-branca permaneceu capítulo. Em seguida, a forma como as desigualdades raciais
fora do Sudeste, na região economicamente mais atrasada do se constituem nas duas regiões do país será analisaela, para
país, onde as oportunidades educacionais e ocupacionais demonstrar não apenas a presença de desigualdades raciais,
eram muito limitadas. mas o grau relativo em que aparecem e sua relação com os
níveis regionais de desenvolvimento.
As considerações precedentes sugerem o caminho a seguir
para apreciar as causas históricas das desigualdades raciais

176 177
INDUSTRIALIZAÇÃO, URBANIZAÇÃO E Sob essas condições, parte da população de cor beneficia-se
DESIGUALDADES RACIAIS ela forte pressão de demanda e ocupa algumas elas novas
posiçôes,lo Em termos da estrutura ocupacional e do mercado
de trabalho, o funcionamento de um tal mecanismo permite-nos
Num trabalho anterior, Amaury de Souza estudou a relação
explicar a entrada ele alguns não-brancos nas ocupaç'ôes da
entre urbanização, industrializaçào e desigualdades raciais
classe operúia industrial e, em grau menor, nas ocupações
no Brasil, haseado nos dados do censo demográfico de 19'iO,"
típica:; lI:\ nova classe m0cli;1.ll
Calculando um índice de desigualdades relativas e lIS;ll1do
os estados da federação como unidades de análise, o auto!' Com referência à educaç~L), o processo de urbaniZ;lção é
tllediu () :1f':lst:1Illl'nt() de li 111:1 sit ll:l(::\() dl' igtl:tld:\d\' el1tr\' n li;\t1w crucial entre a part icipação ela população de n;r e o
desenvolvimenlo ccunC)mico, Vi:;lo que a ul'luniz;ll,;lo deva
brancos, mulatos e negros nas esferas ocupacional c educa-
cional. Mostrou que a populaçào não-branca experimentava () número de posições abertas no sistema educacional, ela
desigualdades em ambas as esferas e que a desigualdade tende a beneficiar os não-brancos, tornando essas posições
mais acessíveis, 12
experim\mtada pelo grupo negro era consistentemente maior
que a sofrida pelo grupo mulato. Durante o último século o Sudeste experimentou um desen-
volvimento econômico acc1e::ado, ao passo que, em compa-
Souza chegou a duas conclusões principais: (a) conside-
ração, o resto do país estag:1ou ou experimentou um lento
rando a distinção entre ocupações manuais e não-manuais, o
desenvolvimento econômico. No Sudeste, entretanto, durante
processo de industrializaçào tende a ampliar as oportuni-
o período de imigração internacional, o imigrante europeu
dades ocupacionais do grupo de cor, diminuindo assim o grau
deslocou o negro e o mulato, ocupando as posições recém-
de desigualdade relativa ao grupo branco; (b) em lermos de
abertas na economia. Esses dados sugerem que o processo
alfabetização, o processo de urbanização tende a aumentar
ele parcial incorporação social e econômica da população de
as oportunidades educacionais da população de cor, dimi-
cor deve ter se acelerado após 1930, quando o fluxo de imi-
nuindo sua desigualdade relativa ao grupo branco,9 gração diminuiu e a bxa de urbanizaçào e industrialização
Retomando esse tipo de análise e usando uma metodologia do Sudeste se intensificou.
semelhante, será examinada a estrutura das desigualdades
raciais, empregando o Sudeste e o resto do país como uni-
dades geográficas de análise, O esperado é que na Região DESIGUALDADES OCUPACIONAIS ENTRE
Sudeste, a parte mais urbanizada e industrializada do país,
BRANCOS E NÃO-BRANCOS
as desigualdades ocupacionais e educacionais entre brancos
e não-brancos sejam menores que no resto do país, região
fundamentalmente rural e não-industrializada. As razões desta Partindo da análise da participação ocupacionál, a Tabela
VI-I, baseada em dados das Tabelas IV e V do Apêndice,
expectativa relacionam-se com os efeitos das taxas desiguais
mostra a estrutura setorial de emprego dos grupos branco e
de desenvolvimento regional. A contrapartida do desenvol-
não-branco em 1940 e 1950.
vimento econômico acelerado é um processo de diferenciação
estrutural que, por sua vez, envolve a criação e expansão de No Brasil como um todo, a população de cor era super-
novas posições a serem preenchidas. Quando a taxa refe- representada, nos dois anos, nos setores rural e extrativo.
rente às novas posições criadas é extremamente acelerada, Dentro do setor primário da economia, é possível inferir a
a competição para ocupar estas posições tende a ser menos posição de classe dos não-brancos através das distinções que
acirrada que em situações de estagnação econômica ou desen- o censo estabelece entre empregadores e autônomos. Em 1940,
volvimento mais lento. os grupos mulato e negro constituíam 40% das pessoas traba-
lhando nesse setor, mas representavam 22% dos empregadores,

17R 179
46% dos empregados e 41 % dos autônomos. Entre 1940 e 1950,
a situação permaneceu essencialmente inalterada. Em 1950,
os não-brancos constituíam 42,5% dos que trabalhavam nesse ,.-,
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setor, 22% dos empregadores, 47% dos empregados e 43°,-0 r:t5 ro'i 0- Ó ,.....
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dos autônomos. Esses dados indicam a relativa exclusão dos 00
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n;to-brancos ela propriedade de (;lll1anhos médio e pequeno '-"1'
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_ isto é, daquelas empresas do setor primário, capazes de '"--"
empregar trabalhadores assalariados - c uma concentraç;to c: o0\ "1 00_ \.O
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pação relativamente menor nos empregos desse setor. Entre '-'

1940 e 1950, quando a industrialização avançava rapida- o '<j< o


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1950, os não-brancos constituíam 31% da força de trabalho 10;$ v\


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181
180
Nas atividades comerciais e de serviços, os restantes setores do Sudeste também experimentaram as mudanças econômicas
ele atividade econômica, a população de cor era sub-repre- e sociais aceleradas da regiào. A rápida taxa de urbanização
~enbda, tanto em 1940 qU~lnto em 1950. É bem sabido que o cl:1 população de cor é particularmente notável entre 1940 e
setor terciário inclui atividades extremamente diversas, indo 1950; a percentagem de não-brancos ocupados na agricultura e
daquelas centradas em torno do mercado informal c\e trabalho extração caiu ele 60% para 41%, ao passo que a percentagem de
urbano, onde prevalece o suhemprego, ;It{' ;IS profissClCS hr~lnc()s empregados nesse setor declinou ele 57% para 46%.
liberais. A Tabela V do Apêndice mostra a sub-represenlação Embora seja difícil estabelecer as razoes para a urbanização
dos não-brancos no comércio, imóveis, seguros e câmbio, mais acelerada dos não-brancos no Sudeste, parece possí~el
atividades sociais e administração pública. Nesses setores atribuir parcialmente esse f~nômeno à operação simultânea
- que incluem as ocupações cuja expansão está diretamente de dois fatores: (a) o tipo ele vinculação dos não-brancos à
;lssociada à industrialização - os requisitos para o cargo terra; (b) a demanda nos mercados de trabalho urbanos. Dado
nâo só incluem um nível educacional elevado como também o limitado acesso dos não-brancos à propriedade e às dife-
exigem coptato pessoal direto com consumidores ou clientes. rentes formas de arrendamento da terra, seus laços com o
Esses dois requisitos, por sua vez, são obstáculos à contra- setor agrícola eram mais precários que os do grupo branco.
tação de nâo-brancos. Se acrescentarmos a isso o efeito da atração urbana devido
De fato, o único subsetor do terciário onde os não-brancos ao mercado de trabalho urbano em expansão, é mais fácil
eram super-representados foi o de serviços pessoais, e aqui entender a taxa diferencial de urbanização dos não-brancos
o caso extremo é o das mulheres não-brancas. Em 1950, 89% no Sudeste. l i
das mulheres de cor empregadas fora das atividades primárias No resto do país, particularmente no Nordeste, as popu-
e industriais concentravam-se nos serviços pessoais, princi- Iaç-oes rurais branca e nuo-branca permaneceram rebtiv;ltnentc
palmente no emprego doméstico. imobilizadas pelo que foi definido como um "sistema repres-
A Tabela VI-l indica, ainda, que a estrutura setorial de sivo c\e trabalho". Faltou ao Nordeste também a atração de
emprego dos grupos branco e não-branco era menos desigual um mercado de trabalho urbano em expansão. I'; De fato, é só
dentro de cada região do que no país como um todo. A razão após 1930 - quando a pressão clemogrMica .sobre a e.strutura
para isso está na distribuição geográfica desigual dos grupos agrária tradicional intensificou-se e a região amazônica nào
branco e não-branco economicamente ativos.1.l Quando as pôde mais oferecer oportunidades de emprego adicionais ao
regiões são introduzidas como variável de controle, o efeito excedente de populaçào nordestina - que a migraç,lo interna
da distribuição geográfica desigual de ambos os grupos fluiu elo resto do país para o Sudeste. A migração dirigia-se
desa parece. principalmente às cidades do Sudeste.
No resto do país, as populações branca e não-branca No Sudeste, o negro c o mulato abandonaram rapidamente
permaneceram principalmente dentro do setor primário da a agricultura para se aproveitar das crescentes oportunidades
economia. Entre 1940 e 1950, os níveis regionais de industria- de emprego nas cidades ela região. Isto não significa que os
lização, medidos através da percentagem da força de trabalho mecanismos racistas ele seleção desapareceram com a indus-
na indústria, se alteravam muito pouco. Ambos os grupos trialização e o desenvolvimento econômico acelerados. Se é
raciais experimentaram apenas uma leve melhoria de emprego verdade que o rápido crescimento econômico e as mudanças
no setor terciário - evidência adicional do fraco dinamismo subseqüentes na estrutura ocupacional levaram a altas taxas
industrial da região. de mobilidade social ascendente de tipo estrutural, parece
também provável que os esforços feitos por pessoas não-
O Sudeste não só mostrou níveis de urbanização e indus-
brancas para cobrir uma certa distância social fossem signifi-
trialização superiores, como a taxa desses dois processos foi
cativamente maiores que os esforços exigidos de uma pessoa
muito mais acelerada que no resto do país. Os não-brancos
branca. Por outro lado, a raça, como critério relevante para o

182 183
recrutamento, perde sua importflncia apenas com relação a Ic == 1 indica o monopólio ela posição estipulada pela
algumas posições sociais. Isto é particularmente evidente na população nào-branca, ou uma situação de
estrutura ocupacional. Enquanto nas ocupações industriais desigualdade perfeita para a população branca;
manuais, por exemplo, as qualificações parecem ser mais
Ic == - 1 indica a completa exclusão ela população não-branca
importantes que a cor como critério de admissão ao emprego,
em ocupaçôes que exigem contato direto com o público ou da posição estipulada, ou uma situação de
consumidores, os negros e mulatos foram excluídos, não desigualdade perfeita para a popula~ão não-branca.
;IJll'l1:lS Jlor SU;I Lllt:l d" CjlLilific;I,'()('s, 111;IS porqul' l't';It11 As categorias ocupacionais em que os grupos raciais
vistos como esteticamente indesejáveis. (,1:collt 1';1 t1l-s~' \list rihu ídus !'O!',1111 ordl'n;ld;ls h icra rqu il'a mente,
Para provar que o desenvolvimento econômico não eli- uttlizando a mlormação do Censo demográfico de 1950 acerca
mina as desigualdades raciai'), mas apenas modifica seu do setor de. atividad: ec.onômica e posição na ocupação, tal
nível relativo, é necessário desenvolver uma medida para como descf1to no Apencbce. As categorias ocupacionais resul-
comparar tlS graus relativos de desigualdade entre brancos e tantes são: (1) profissionais; (2) executivos e administradores'
não-brancos, usando algum critério para a hierarquização de (3) nível não-manual all< ; (4) nível não-manual baixo:
ocupaçôes. Precisa-se de uma medida para estabelecer o grau (5) manual qualificado; (6) manuais semi e não-qualificados. I;
de desigualdade relativa experimentado pelos não-brancos, O ~~dice de concentração ocupacional foi calculado para
em referência a uma situação hipotética em que houvesse a Regwo Sudeste e o resto do país, adotando-se três pontos
igualdade ele oportunidades entre os dois grupos raciais. de corte na escala ocupacional. O primeiro corte inclui
Assim, é necessário partir de um modelo de igualdade perfeita pr~fissionais, executivos e administradores nas posições
de oportunidades para medir as diferenças entre os valores mais elevadas, representando 4,5% da população ativa total.
observados e os esperados, através de um índice de desi- O segundo corte é a divisãG entre ocupaçües manuais e não-
gualdade relativa. manuais. As ocupações não .. manuais representaram 178% da
A análise ;t seguir utili~ará um índice de concentração p.opu~ação. O último corte inclui todas as categorias ~cupa­
clonals exceto as ocupações manuais semi e não-qualificadas.
ocupacional (lc) desenvolvidu por R. 11. Turncr, com ligeiras
Ju.ntas, essas ocupaçücs representaram 36,7% da população
moc\ificaçôes introdu~ic\as por A. de SOlI~a. \(, Este índice define
ativa. A população não-hranca foi dividida nos grupos negro
um limite superior e um limite inferior que corrcspunclcm,
e mulato, de modo a manter os resultados c0111paráveis aos
respectivamente, a uma situação de desigualdade perfeita para
de A. de Souza.
o branco e uma situação de desigualdade perfeita para o
não-branco, além de um ponto de referência intermediário A conc.lusão ~1ais evidente refere-se ao grau de desigual-
que corresponde a uma situação de participação proporcional dade relativa sofndo por mulatos e negros em ambas as regiões.
de não-brancos. O significado do índice não é afetado Todos os valores do índice de concentraç;10 ocupacional são
por variaçües no tamanho relativo elas populaçües branca negativos, indicando uma concentração desproporcional de
e não-branca. n~o-bra ?COS nos segmentos inferiores da hierarquia ocupa-
Cional. Somente o grupo mulato do Sudeste, com um valo!'
O método de cálculo do ínclice é descrito no Apêndice.
de 0,02, tem uma participação próxima à do grupo branco
Quanto ;1 interpretação ele seus valores, () índice ele concen-
11:IS jlosi,'()('s t11:11111ais qll:iláfic;\e!:ts ou superiores.
tração tem as seguintes características:
Uma segunda conclusão diz respeito aos graus relativos
Ic == O indica uma participação proporcional da popula,;J.o de desigualdade ocupacional sofridos pelos não-brancos em
não-branca; diferentes níveis da hierarquia ocupacional. A pontos ele
corte, superiores na escala ocupacional, consistentemente
('orresponc\enl valores negativos mais elcv:ldos do índice,

lH5
demonstrando a maior exclusão dos nào-brancos das posiC,:ôes significado sociológico varia de regtao para região. Esse
ocupacionais mais altas. Em outras palavras, a cor de uma parece ser o caso do subgrupo de administradores ou empre-
pessoa opera mais fortemente como critério negativo de gadores. Devido à natureza capitalista mais adiantada da eco-
seleção quanto mais próximo se chega ao topo da hierarquia nomia do Sudeste, o nível de acumulação exigido para entrar
ocupacional. na categoria dos empregadores deve ser superior ao do resto
Terceiro, ao comparar mulatos e negros dentro de clda cio país. Essa diferença explicaria a ma ior exc\ usão ele não-
uma das regiôes, os valores negativos do índice são, consis- bra ncos clentre os empregadores do Sudeste e o acesso mais
tentemente, menores para os mulatos do que para os negros. fácil cios não-brancos a esse grupo no resto do país. Outras
Outrossim, ao passar do corte ao nível manu;l! qualificado razôes são históricas e ligam-se com a formação e o perfil ela
para os dois cortes mais elevados, nota-se um aumento nas est rutura ele classes e ocupacional das duas regil>es.
diferenças entre os valores de mulatos e negros - as dife-
renças são respectivamente de 0,10, 0,21 e 0,14 no Sudeste, e TABELA VI-2
0,11, 0,22 e 0,19 no resto do p,lís. Estes resultados indicam Índice ele concentração ocupacional - 1950
uma relaçã~ negativa entre tonalidade mais escura de pele
e realização ocupacional. Assim, quando o grupo branco é Sudeste Resto do País
usado corno norma, os negros sofrem um grau de desigual- Mulato Negro Mulato Negro
dade mais elevado que os mulatos.
Profissional e
Finalmente, o grau de desigualdades ocupacionais experi- -0,61 -0,75 -0,52 -0,71
Administrativo
mentado pelos não-brancos no Sudeste pode ser comparado Não-Manual -0,18 -0,39 -0.41 -0,63
com o do resto do país, de modo a testar a hipótese mais
Manual Qualificado
geral acerca das desigualdades raciais nas duas regiões. -0,02 -0.12 -022 -0.33
ou Superior
Observando primeiro o resultado, quando os níveis manual
qualificado e não-manual são considerados, nota-se que os
valores negativos do índice são menores no Sudeste que no
resto do país. Esses valores são respectivamente 0,02 e 0,22 No Sudeste, as posições ocupacionais da classe trabalha-
para mulatos; 0,12 e 0,33 para negros no nível manual quali- dora c da nova classe mécli:! expandiram-se rapidamente nas
ficado; 0,18 e 0,41 para mulatos; e 0,39 e 0,63 para negros no décadas anteriores a 1950, e parte dessas posições foi ocupa-
nÍw'1 n::io-manual. Assim, os dados confirmam. a expcctati\'a da por um número substancial de não-brancos. Já foi visto
inicial de um grau de desigualdade menor no Sudeste. e que, até 1930, negros e mulatos tinham de competir em des-
'iào cr>l1sistentes com o alto grau de urbanização dos não- vantagem com os imigrantes europeus. Parece possível que
brancos nessa região, e a concentração desproporcional essa competição, juntamente com a rápida mobilidade ascen-
de não-brancos em empregos agrícolas não-qualificados no dente cios imigrantes, tenha colocado um teto ao movimento
resto do país. ascendente cios não-branco, e bloqueado o recrutamento ele
negros e mulatos para as posições mais elevadas da hierar-
Contudo, quando é considerado o corte mais elevado na
quia ocupacional. Essa hipótese é parcialmente confirmada
hierarquia ocupacional, no nível dos profissionais, execu-
na Tabela VII elo Apêndice, pelo pequeno número ele não-
tivos e administradores ou empregadores, o padrão é inver-
brancos na categoria cle administradores ou empregadores.
tido. Os valores negativos do índice de concentração são mais
A percentagem ele não-brancos nessas posições era ele 0,78%
elevados no Sudeste, para negros e mulatos. Um~l razão para
isso pode ser relacionada com o procedimento usado na no Sudeste e ele 1,97% no resto do país.
elaboração do perfil da hierarquia ocupacional, dado que as
categorias do censo incluem situações ocupacionais cujo

187
Nesta última regtao, a estrutura de classes é mais polari- o grupo ele mulatos e negros que experimentou alguma mobi-
zada, com uma proporção menor de posições intcrmedi,írias. lidade ocupacional moveu-se em direção ascendente, através
Apesar do fato de no resto do p:lís :1 ('ompl'tiç';)O par:1 Ot'\lp:lt' de empregos assalariados, e não através da pequena e média
as posições intermediárias e superiores ser maior, deve-se propriedade. 2i1
considerar também que a população não-branca teve um tempo Em conclusão, os não-brancos, e os negros em particular,
mais longo para conquistar e preservar uma parte das posições sofriam desigualdades com relação aos brancos e concen-
superiores na hierarquia social. Nesse sentido, a origem histó- travam-se, desproporcionalmente, na base da pirâmide ocupa-
rica da pequena elite de cor remonta ao grupo da popub";lo cional. A partir do estabelecimento do princípio de igualdade
de cor livre mais favorecido durante a escravidão. A Tabela formal, em 1888, o grupo branco continuou a se beneficiar
VII do Apêndice mostra, contudo, que, dentro cio perfil ele da presença cios não-brancos, gozando de melhores possi-
estratificação ocupacional dos não-brancos no resto do país, bilidades de evitar as ocupações mais desagrad{lveis e mal
o subgrupo de administradores e empregadores tem o maior pagas." l
peso relativo, dentro da categoria de administradores e de Contudo, no Sudeste, parte da população de cor não só
profissionais. Por sua vez, a maioria dos administradores não- ingressou na classe operária como também se beneficiou de
brancos estava à frente de empresas agrícolas definidas pelo chances relativamente nlelhores de mobilidade para os setores
censo como empregadoras, isto é, aquelas que contratavam intermediários da estrutura ocupacional. No resto do país, a
ao menos um trabalhador assalariado. É muito provável que, população não-branca, com exceção de uma pequena elite,
no Nordeste, a origem desse estrato de não-brancos à frente teve poucas possibilidades de ascender na hierarquia ocupa-
de pequenas empresas agrícolas fosse relacionada ao pro- cional, e permaneceu confinada a ocupações agrícolas não-
cesso secular de declínio das plantações açucareiras. Esse qu alificadas.
declínio, marcado por sucessivas reorganizações do sistema
de produção de açúcar, levou com freqüência à divisão elas
plantações e à venda de suas terras marginais para antigos DESIGUALDADES EDUCACIONAIS ENTRE
moradores e posseiros. IH Por essa razão, muitos dos membros
do estrato de empregadores não-brancos seriam melhor BRANCOS E NÃO-BRANCOS
claSsificados como pequenos e médios camponeses que como
administradores. Se o escravismo foi o ponto central do dilema do liberalismo
brasileiro durante o século passado, não seria exagero afirmar
De fato, não só era diferente a estrutura de classes elas
que, no século atual, esse ponto central foi substituído pela
duas regiões, mas também diferiam as relações de produção
questão da instrução primária da população.
que afetavam os não-brancos no Sudeste e no resto do país.
Evidência indireta dessas diferenças é dada pela distribuição Em um trabalho já clássico, Reinhard Bendix demonstra
de não-brancos nas categorias censitárias de posição na que, se os sistemas nacionais de educação se desenvolveram
ocupação. Enquanto no Sudeste 1% dos não-brancos econo- amplamente, isto se deve ao fato de que a demanda por
micamente ativos eram empregadores, 84,5% empregados e educação primária permeou todo o espectro de ideologias
14,5% autônomos, as proporções para o resto do país eram políticas:
de 2,1% de empregadores, 54% de empregados e 43,9% ele
autônomos. 19 Esses dados mostram o maior desenvolvimento É sustentado pelos conservadores, que temem a indisciplina
das relações de produção capitalistas na economia rural e inerente ao povo, que ela deve ser controlada pela instrução
urbana do Sudeste e a persistência de relações de trabalho nos fundamentos da religião para, assim, inspirar obediência
pré-capitalistas no resto do país, especialmente na agricultura. e lealdade ao rei e ao país. Os liberais argumentam que o
estado-nação exige cidadãos educados pelos órgãos do
Eles tendem a confirmar também que no Sudeste, após 1930,

189
188
estado. E os porta-vozes populistas clamam que a massa recrutamento para o nível universitário, sendo assim mais
do povo que ajuda a criar a riqueza do país deveria compar- um meio do que um fim em si mesmo. 2 (
tilhar as amenidades ela civilização. 22
A limitada participação da população de cor no processo
educacional formal é marcad.l por contradições, Em acréscimo
Essa perspectiva, inspirada pela experiência européia, em aos mecanismos de discriminação ele classe do sistema educa-
que o princípio da educação primária para as classes baixas cional - cujos efeitos são especialmente sentidos por negros
emergiu como subproduto do absolutismo esclarecido, está e mulatos devido ;1 sua maior concentração nos setores subor-
longe da realidade brasileira, quer em ideologia, quer na dinados da estnltura de classes - a cor ela pele opera como
prática. O direito à educação elementar, indistinguível do um elemento que afeta negativamente o desempenho escolar
dever de freqüentar a escola - tão enfatizado por Bendix - e o tempo de permanência na escola. Embora a educação no
é apenas uma virtualidade do futuro. O caráter elitista elo Brasil tenha sido o principal canal de ascensão social para a
sistema educacional brasileiro, manifesto até épocas recentes população de cor, há boas razões para acreditar que quanto
numa estrutura fechada de oportunidades educacionais, tem maior for o nível educacional atingido por uma pessoa de
uma longa- tradição. Como aponta Wanderley G. dos Santos, cor, maior será a discriminação experimentada por ela no
o crescimento do sistema educacional começou com a criação mercado de trabalho, Em outras palavras, o retorno de anos
de algumas escolas de medicina e ele direito, fundadas no ;ldicion;lÍs de escolaricbde, ctn termos c\e ganhos ocupacionais
início do século passado, quando a família real chegou ao e de renda, tende a ser proporcionalmente menor para os
Brasil. Devido ao fato ele o sistema de procluc;'ão matcri~t1 n;lo não-brancos do que para os brancos. 2 '
exigir uma quantidade substancial de conhecimento, durante O comportamento das desigualdades raciais com referência
um longo tempo o sistema educacional permaneceu aristo- à rarticipação na ed.ucação formal será agora analisado.
craticamente distante do mundo prático, tendo como funçflo Considerando primeiro a distinção entre pessoas alfabeti-
principal a produção de símbolos de status. 2.1 zadas e analfabetas, a Tabela VI-3 mostra as diferenç~ls entre
Com referência às duas func.'ôes básicas do sistema educa- grupos raciais no Brasil como um todo e nas duas regiões.
cional nas democracias liberais - o desenvolvimento de Nota-se primeiro que, nos dois anos, a diferença da taxa
cidadãos politicamente competentes, socializados nos valores de alfabetização dos grupos branco e não-branco foi maior
do sistema, e a formação de agentes qualificados para ocupar dentro do país como um todo do que dentro de cada urna das
os lugares do sistema produtivo - a primeira função foi histo- regiões. A diferença percentual foi de 24,3% em 1940, e 27%
ricamente atrofiada, ao passo que a segunda só começou a em 1950, para o país como um todo; 22,1%) e 19,2% para o
ganhar impoltftncia durante as décadas recentes, com a acele- Sudeste; 16,6% e 18,7% para o resto do país. Estes resultados
ração da industrialização e urbanização do país. podem ser atribuídos aos diferentes padrões de distribuição
Durante muito tempo a universidade produziu, dentro de geográfica de brancos e não-brancos entre as duas regiões.
uma tradição formalista, grupos de profissionais liberais que Se a média ponderada das diferenças nas duas regiões é
excediam as necessidades do sistema econômico. Isso resultou comparada à do Brasil, é possível estimar que cerca de um
num estímulo adicional ao crescimento do setor terciário terço das desigualdades raciais no nível básico ela :llfabcti-
da economia. Mais recentemente essas relações mudaram. Z3Ç;10 ~:10 de\'id:.s ii segreg:.ç:lo ecológica dt)s grupo,,; r:ll'i:li,.;,
O sistema econômico, como resultado de seu crescimento e Assim, os restantes dois terços podem ser atribuídos aos
diferenciação, começou a exercer forte pressão sobre o sistema efeitos acumulados ela discriminação racial. É também inte-
educacional, de modo a que este atendesse à demanda de ressante notar que, devido às grandes disparidades no desen-
pessoas com treinamento universitário. Nesse estágio, o volvimento regional, as oportunidades de aprender a ler e a
aumento das matrículas nos níveis primário e secundário escrever dos não-brancos do Sudeste foram praticamente as
ocorreu como resposta à necessidade de ampliar a base de mesmas que as oportunidades dos brancos no resto do país.

190 191
a r~lz;lo entre o nLll11ero de pessoas com grau uoivcrsit;'trio
TABELA VI-3
Taxas de alfabetização da população de 5 anos de idade para o daquelas que só tinham completado a instrução pri-
e mais, segundo a região e raça, 19/íO-1950 nüria era de 1 / 15 em 1940 e ele 1 / 34 em 1950, O aumento
nessa razão resultou da expansão mais acelerada do sistema
escolar rrimário, durante a década de 1940-50. 2(,
Sudeste Resto elo país Brasil _.. Em C()ntr~lste com os dados ocupacionais, as desigualdades
Total Branca N~lo- Total Branca Não- Tolal Brancl N;'\o·· raciais n,l educação são l11ostr:ldas em sua verdadeira m;lgni-
Branca Branca lkmcl
"---- --_. --,- lude, A desigualdade racial de orortuniclacles educacionais
1940 53,4 56,7 36,6 27,8 36,0 19,1 38,2 1j6,9 22/1 _ definida como diferenças na realização educacional cle
19'50 59,1 62,0 42,8 30,6 40,7 22,0 42,6 52,7 ...y'),'- acordo com a adscrição racial - aparece claramente na
distinta distribuição de pessoas brancas e não-br;\nG1S na
Fonte: IBGE - Censos Demográficos de jCjIJO c j9~O,
hierarqu ia educacional.27
O grau de exclusâo ela população não-branca cresce expo-
ncncialmcntt..' quando os níveis educacionais superiores são
A Tab'ela VI-3 também confirma a relação entre a urbani- considerados. No país como um todo, em 191J0 os brancos
zação e a abertura do sistema educacional. O Sudeste não só tinh;lt11 uma possibilidacle 3,:~ vezes maior ele completar a
mostrou, em 1940, um nível de alfabetiz;l\"lo muilo m;lis ele- escola prim:lria que os n;'lo-Ilt';lncos; UIll;l possihililLtdl' 9,6
vado (53,4% versus 27,8%) como também, em conseqüência vezes maior de completar a escola secundária; e uma possi-
da taxa de urbanização mais acelerada, o aumento percentual bilidade 13,7 vezes maior de receber um grau universitário.
de 1940-50 em sua taxa de alfabetização foi o dobro da do Em 1950, a mesma possibilidade era 3,5 vezes maior na escola
resto do país - 5,7% e 2,8%, respectivamente, primária; 11,7 vezes maior na escola secund:lria; e 22,7 vezes
Entre 1940 e 1950, os não-brancos acompanharam a maior no nível universitário, Inequivocamente, entre 1940 e
expansão do sistema educacional, elevando sua taxa de 1950 a população nào-branca só manteve sua posição relativa
alfabetização, No entanto, tanto no Brasil como um toelo no nível da escola primária, onde o número total de formados
quanto no resto do país, os progressos educacionais dos não- ;lUmentou 245% naquela década. No entanto, nos níveis
brancos foram mais lentos que os do grupo branco, A taxa ele secundário e universitário, onde o nL1111cro de diplomados
alfabetização melhorou de 5,8% para os brancos e de 3,1 °A) aumentou 175% e 48% respectivamente, a posição relativa
para os não-brancos no Brasil como um todo, e de 4,7% e elos não-brancos se deteriorou, Em 1950, oS brancos - repre-
2,6% no resto do país, Somente no Sudeste a população não- sentando 63,5% da população total- detinham 97% dos
branca conseguiu melhorar sua taxa de alfabetização a um diplomas universitários, 94% dos secundários e 84% dos
ritmo mais acelerado que o grupo branco, Em nível agregado, diplomas da escola primária, No Sudeste e no resto do país,
entretanto, houve uma leve deterioração na situação relativa a participação dos não-brancos nos níveis secundário e uni-
dos não-brancos, versitário Foi desprezív,el, não só em 1940, mas também em
19'50, Isto sugere que a discriminação educacional, juntamente
Serão agora analisadas as deSigualdades inter-raciais na
com a cJiscrimina~~ão racial exterior ao sistema educacional,
educação, além da simples alfabetização,
atuou para produzir a exclusão virtual dos não-brancos das
A evidência mais contundente, na Tabela VI-4, refere-se escolas secundárias e das universidades. A população não-
ao caráter elitista do sistema educacional brasileiro. Consi- branca do Sueleste só teve um acesso significativo no nível
derando-se a população de dez anos de idade ou mais, em elementar: quase 7% em 1940 e 14% em 1950 obtiveram o
1940 havia, para uma pessoa que completava os cinco anos grau primário, ao passo que no resto do país essas proporções
ele escola primária, dezenove pessoas que nâo completavam
foram de 1% e 4%, respectivamente.
esse nível. Essa razâo decresceu para 1 /7 em 1950, Contudo,

193
192
Considerando-se as diferenças nas oportunidades educa-
dcmais ele brancos e n::'to-brancos em ambas as regiões, em
1950 a variação entre as duas regiões era relativamente maior
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que, numa base glohal, os não-brancos tiver:lt11 limitado acesso
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8 e no resto do país. Para esse propósito, a população nào-
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;::J C/J o... C/J :::J C/J branca é dividida em negros e mulatos, e um índice de concen-
tração educacional, calculado da mesma forma que o índice
de concentr:l(,'ão ocup:lcional, é apresentado na Tabela VI-S.
O índice foi calculado para os :clnOS de 1940 e 1950, com pontos

l'.),í l'.)'i
de corte na hierarquia educacional separando alfabetizado TABELA VI-5
de analfabeto e distinguindo os que se formavam na escola Índice de concentração educacional, 1940-1950
prim:íria, na secundária e na universidade.
!\. primeira comprovação relaciona-se ao grau de desigual- Sudeste Resto do País
dade ou exclusão experimentado por negros e mulatos em Mulato Negro Mulato Negro
ambas as regiões. Exceto para os mulatos no nível secund:írio,
em 1950 o índice apresenta valores consistentemente mais 1940
elevados no resto do país que no Sudeste, para ambos os Universitário 0,58 0,93 0,78 0,95
grupoS. Isso confirma a hipótese de que maior urbanização e Secundário 0,45 0,89 0,76 0,94
a industrialização no Sudeste produziram desigualdades
raciais relativamente menores na esfera educacional. Contudo, Primário 0,12 0,51 0,49 0,78
o efeito da estrutura social na desigualdade variou de acordo Alfabetizado 0,13 0,21 0,22 0,42
com os diferentes níveis da hierarquia educacional. A dife- 1950
rença entre os valores do índice nas duas regiôes aumentou
Universitário 0,83 0,96 0,86 0,97
ao passar do nível da alfabetização para o nível da escola
primária, onde a diferença alcançou seus valores máximos Secundário 0,84 0,88 0,78 0,95
_ 0,37 para mulatos e 0,27 para negros em 1940, e 0,21 e Primário 0,30 0,4<) 0,51 0,68
0,23 em 1950 - diminuindo substancialmente ao passar para
Alfabetizado 0,13 0,22 0,27 0,37
os níveis secund:írio e universitário. Isso indica que o nível de
desenvolvimento mais elevado do Sudeste tendeu a diminuir
Fonte: IBGE - Censos Demográficos de 1940 e 1950, ver Tabe!<I V do
as desigualdades educacionais relativas, em termos do acesso Apêndice.
ao nível educacional inferior. Quando os níveis educacionais
superiores são considerados, o maior desenvolvimento
regional do Sudeste foi menos eficaz para quebrar o mono- Se as diferenças nos valores do índice entre os sucessivos
pólio virtual, pelos brancos, das posições educacionais maIs pontos de corte educacional são calculadas, podemos ver que
elevadas. essas diferenças tendem a alcançar um valor máximo entre os
Em segundo lugar Ce como confirmação das conclusões níveis da escola elementar e secundária. Tomando a reali-
anteriores), quanto maior o nível educacional, maiores são zação educacional dos brancos como norma, isso indica que
os valores negativos do índice. Também neste caso, a cor os não-brancos tiveram uma probabilidade relativamente
da pessoa teve poderosa influência como critério negativo maior de abandonar a escola, entre o fim da escola primária
de seleção. e o fim da escola secundária. No resto do país, especialmente
com referência aos negros, houve também uma elevada proba-
bilidade dos não-brancos matriculados no curso elementar não
o concluírem. Nos níveis ela escola secund{\ria e da universi-
dade, os graus relativos ele exclusão - quase total - não
eram muito diferentes nas duas regiões.
Em terceiro lugar, ao compararmos os grupos negro e
mulato dentro ele cada regi:\o, os negros apareceram consis-
tentemente em situações de maior desigualdade relativa. Isto
significou uma abertura mais ampla do sistema educacional

197
196
para os mulatos. Exceto para o Sudeste, em 1940, a maior mais para cima, na hierarquia educacional. Nos níveis colegial
diferença entre os dois grupos situou-se no nível cb escol:! e universitário, a barreira contra os não-brancos e o virtual
primária, indicando as diferentes probabilidades de negros e monopólio do grupo branco foi mantida.
mulatos completarem este nível educacional. A diferente distribuição dos grupos raciais na hierarquia
Finalmente, os valores obtidos em 1940 e 19')0 devem ser eclucacional manifestou-se no nllmero médio de anos de edu-
comparados. Onze dos dezesseis valores comparáveis do cação completados por cada um deles. Nos dados mencio-
índice aumentaram, entre 1940 e 1950; em quatro otltros, nados, o número foi 4,8 anos para a amostra total; 5,2 anos
houve um decréscimo; e em um caso, () valor permaneceu para os brancos e 2,8 para os não-brancos.
estável. Portanto, podemos concluir que, entre essas duas De qualquer forma, o progresso educacional que bene-
datas, a situação educacional relativa ela população não-hranca ficiou o grupo de cor em termos absolutos deve ser inter-
se deteriorou. A deterioração foi maior no gn\ po mulato, no pretado com cautela. O aumento no nível educacional da
qual todos os valores aumentaram, exceto no nível de alfa- força de trabalho tem como contrapartida a elevação das
betização do Sudeste. Com referência aos negros, a desigual- qualificações educacionais exigidas para ocupar posições
dade l~elativa aumentou no nível universitário, decrescendo no mercado de trabalho. Por essa razão, as melhorias educa-
nos níveis da escola sccunc!:iria e prim:\ri:l, no Sudeste, e nos cicm;! is dos não-brancos não implicam necessariamente uma
níveis de alfahetiza<;ão e no primúrio, no resto cio país. A I11(Jdifk:l~'ã() da posi,;ão relativa dos dois grupos na estrutura
diferente evolução das desigualdades eclucacionais sofridas (leu pacional.
por negros e mulatos sugere que as poucas melhorias relativas
Infelizmente a falta de informaçào comparável, referente a
dos negros deveram-se a seu ponto de partida mais haixo,
mais pontos no tempo, impede um exame da evolução das
em 1940, e também ao fato de que essas melhorias tiveram desigualdades raciais nas oportunidades educacionais e ocupa-
lugar no nível do sistema educacional de mais rápida expansão. cicmais. Nem é possível formular um modelo diacrônico das
como foi o caso da escola primária durante a década 1940-')0. relações entre desigualdades educacionais, ocupacionais e
Dados mais recentes mostram a evolução das desigualdades raciais em outras dimensões do sistema de estratificação. 29
raciais na educação, no período após 1950. A Tabela VI-() Resumindo a análise até este ponto, um número despro-
mostra os dados de 1973, de uma amostra representativa da porcional de não-brancos vive na parte subdesenvolvida do
população de seis estados brasileiros. 2R Brasil, onde as oportunidades, econômicas e educacionais,
Apesar ele o fato da comparação entre as Tabelas VI-4 e VI-6 são muito menores que no Sudeste.
ser limitada pela natureza dos dados - os diferentes grupos O padrão de segregaçãc) geográfica de brancos e não-
de idade, a agregação dos níveis educacionais e as regiões brancos explica parte das desigualdades raciais. Contudo,
consideradas - algumas conclusões podem ser adiantadas. dentro de cada região, a população de cor experimenta a desi-
Em primeiro lugar, entre 1950 e 1973 a realização educa- gualdade tanto educacional quanto ocupacional. Embora a
cional da população inteira cresceu consideravelmente, e a natureza dos dados não permita alcançar essa conclusão dire-
população não-branca beneficiou-se da expansão do sistema tamente, a explicação mais razoável para as desigualdades
educacional. Embora isto seja verdade, mais de três quintos não atribuíveis à segregação geográfica está nos efeitos acumu-
ela população não-branca e apenas dois quintos da branca lados da discriminação racial.
não concluíram a escola primária. Esses resultados sugerem que, com relação às possibili-
Segundo, os n~lo-brancos beneficiaram-se de forma signi- dades de mobilidade social ascendente, os não-brancos estão
ficativa da ampliação na base de recrutamento das escolas presos a um círculo vicioso, se comparados aos brancos. Nas
primárias e do ginásio. Terceiro, os níveis educacionais palavras de 13lau e Duncan:
previamente limitados aos não-brancos foram deslocados

198 199
o conccito do ciclo vicioso de po!lrez:1 implica núo :lpcn:ls TABELA VT-6
que crescer num estrato inferior afete as chances ocupacionais Níveis de instrução atingidos pela população de
[e sociais] adversamente, mas, mais especificamente, que as 18 anos e mais, segundo a raça*, 1973
V:1 rias condiçôes associadas ~l ba ixa origem soeia 1se reforcem
mutuamentc e tenham efeitos aclversos cumulativos nas
oportunidades OCllp:lcion:lis k soci:!isl. 511 Total Branca Não-Branca
% ()1, %J
Vale a pena mencionar a forma como esses autores des- IJniversit;lrio** 6,1 7,5 0,5
crevem a situaí,:ão dos negros nos Estados Unidos, visto que Colegial·· 9,6 11,5 2,1
parece ser aplicável aos não-brancos no Brasil: Ginasial·' H,2 14,5 12,7
Primário
Vemos aqui como as desvantagens cumulativas criam um 25,2 25,4 24,3
Completo
ciclo vicioso. Visto que adquirir educação não é muito provei-
Primário
toso vara os negros, eles tendem a abandonar a escola rela- Incompleto 20,4 19,9 33,0
tivamente ceelo. O conseqüente baixo nível de eelucacão
da maioria dos negros reforça o esterótipo do negro s~m
Analfabeto 24,5 21,2 37,4
instnlç;lo, que ajuda a justificar a discriminação ocupacional Total (%) 100,0 100,0 100,0
contra o grupo, deprimindo assim ainda mais os retornos Número (1.308) (1.042) (266)
que os negros recebem do investimento educacional que
des Llzem, o que novamente reduz seu incentivo a fazer
tais investimentos.·l1 * os dados referem-se aos estados de Minas Gerais, Espírito
Santo, Guanabara, Hio de Janeiro, São Paulo e Hio Grande elo Sul.
** Inclui os indivíduos que concluíram esses níveis de instrução
A raça como traço fenotípico socialmente elaborado cons- e aqueles que começaram, mas não os concluíram.
titui um atributo ou variável específica, cuja natureza é dife-
rente da de outras vari:1veis de estratificação. A especificidade
da raça como atributo individual reside no fato ele que ela das posiçôes polares do sistema capitalista emergente, como
n;lo pode ser manipulada, visto que não pode ser modifi- resultado da competição desvantajosa com os imigrantes
cada. Apenas os efeitos decorrentes da adscriçüo racial europeus. Só algumas décadas depois da abolição é que os
podem ser mudados. No entanto, para mudar tais efeitos, negros e mulatos no Sudeste começaram a ser incorporados
outras variáveis elevem ser modificadas.:l 2 à classe trabalhadora, e em muito menor extensão, aos setores
intermediários da estrutura de classes.
Em termos amplos, a dinâmica do sistema produtivo esta-
belece o complexo de posições ou lugares a serem ocupados Com relaçâo às variáveis de estratificação social - os cri-
na estrutura de classes em qualquer dado momento. A raça, térios avaliativos ou objetivos que tornam possível o esta-
por sua vez, age C01110 um dos critérios mais relevantes na belecimento de uma ordenação hierárquica de indivíduos e
regulação dos mecanismos de recrutamento para ocupar grupos - a aclscrição a grdpos raciais diferentes determina
posições na estrutura de classes. o3 nâo apenas a probabilidade de cada indivíduo atingir certas
posições, como também modifica a forma como essas variáveis
Ap6'i ,t ;tho!i\'i\o no Brasil, a maioria dos negros e l11ubtos
se relacionam entre si. O propósito do próximo capítulo é
permaneceu concentrada, em situações de dependência, no
analisar as relações entre raça e outras variáveis de estratifi-
setor agrícola ele regiões economicamente atrasadas. Mesmo cação social, a fim ele avaliar o quanto a pcrtinl'ncia a um
no Sudeste, onde a taxa mais acelerada de desenvolvimento grupo racial afeta () processo de mobilidade soei a I de hrancos
resultou na contínua abertura de novas posições na estru-
e não-brancos.
tura de classes, os não-brancos foram inicialmente excluídos

2()() 201
NOTAS " 1':111 1')·iO, no S\Jdeste, :lO.7'V<, dos l1~o-hranc()s do sexo 1I1;1s('ulin(), tr:lha-
Ihando na :lgricultura, estanl11 incluídos no grupo d"s empregadores e
:Iut(Hl(111l0S. L' ()'),5':Í> er;111l el1lpregados. As nll'stllas tax;lS para () grupo
Ver, por exemplo: CARDOSO. CapitalislIlo (' eSCI'(II'idrlu Jl() Brasil ;\/eri- branco eralll de ')'~,2°,i, c 45,J~·'Íl, respectivamente. No resto do país, os
di01WI, 1962: lANNI. As !1IefCIIJ101/oses do escra[)o, 19(i2; e COSTA. D(/ não-brancos do sexo masculino, trabalhando na agricultura, dividiam-se
seJlzal{{ ti colôJli{{, 1966. entre 52,2% de empregadores e autônomos e 47,8% de empregados.
As taxas para () grupo branco eum de ')8,1% c ·il,6')'h, respectivamente.
2 SKIDMOl{E. BI({CÁ~ ill/o wbi/e: race anel nationality in llr:lzilian thought. f: necessúrio mencionar que o significado das categorias "autônomo" e
p. ;lR-Y!. "L'l11pregadores" varia de região para regi~I(). As propriedades rurais de
LlI1I:lnllo I11C'dio e pequello eram mais importantes no Sudeste, L' o mini-
1 IJl11a exceç~lo a essa tendência deve ser Illencionada. Até' IH9'i, p:lrtc do
!'llllllio no resto do país, especialnente no Nordeste. As posi\'ôes definidas
grupo it:t1iano que emigrou p:lra () Br:lsil cr:1 ,1:1 It:íli:1 do Norte, l' til1l1:1 no cellSO COIllO "n1l'l1lhros da l'al1lília" c "posi(;ào desconhecida" não for:11l1
experiência industrial ur!1:lna.
incluídas nos cálculos :Intcriores .
.j Nos Estados Unidos, apesar do fato de as rcla~'<les estruturais entre os
I' O conceito de "sistema repressivo de trabalho" é desenvolvido por:
grupos imigr:lIltes e as minorias raciais terem sido semelhantes ~IS descritas
MOORE .IR. Tbe social origil1s cd'diclíllorsbip mld democracy, 1966. Para
no Brasil, os imigrantes europeus sofreram inicialmente cOlllpeti<;':10
lima aplica\;ão do mesmo conceito ao Brasil, ver: VELHO. CajJitalismo
desvantajosa que só foi superada pelas geral'ôes seguintes. No Brasil,
íllI/orilário e campesina/o, 1976.
quer porqu\ê a discriminação contra o imigrante fosse menor, quer porque
seu lug:lr social e econtJmico fosse mais central, a assillli1aç:l0 cultural c a li, TllRNER. Occupatiónal patterns oI' inequality, p. 437-447; e SOUZA,
mohi\icl:tde econômica ascendente cios imigrantes p:lrec~ ter sido ma is o/,. cil., p. 7-8.
r{jpida do que nos Estados Unidos. Ver: BLALOCKJI\. lc)[/'{//,d {{ /be()/y (!/
lIliJlo/'i/Y-i;l'OlIfJ rela/iol/s, p. 120. Para uma compara,':}() entre :IS expe-
I" A agregaç~1O dos setores econômicos da atividade principal foi feita de
riências de minorias raciais e de imigrantes europeus nos Estados Unidos, maneira diferente nos censos demográficos de 1940 e 1950. Por essa
ver: BLAUNER. Racial.oppl'essiol1 in America, capo 11. razào, n<1o é possível calcular Índices comparáveis de concentração ocupa-
cional para esses anos. Decidiu-se usar os dados mais recentes de 1950.
, CEAflAM: BUAEQl1E DE HOLANDA FILlIO. Mip/'{{/io/l, /'(',~ir)}/(f/ onel
urhe/II p,rCJw/b anel dcue/opmcl/l ilz J3rClzi!: a sekctive :1I1;t!ysis oi' the (" ;\ (] pL' 1':1 \';'1 o dL'sse "rOCl'SS(] nlllll pcríodo hist(,rÍ<'o 11l:lis recentl' (o mencio-
11 istorÍl'a I I'ecord I H72-1970, p. 12-16. nada por: VELIIO, ofJ. cit., p. 186-/87.

(, BALAN (Ed.). Celltm c periferia 110 deSelll'ol,'ime17/o brasileiro, p. 129. I" Ü Illesmo tipo de diJ'erel1\':1S est:lva presente com referência ;1 população
branca de ambas as regiôes, embora elas fossem menos acentuadas. Em
7 BLALOCKjR., op. cit., p. 15-18. 1950, no Sudeste, 6% dos brancos economicamente ativos eram emprega-
dores, 66,8°;\, empregados e 27,2% eram autônomos; no resto elo país as
H SOUZA. Racial ineqllalitics il1 Brazi!, 7940-1950, artigo inédito.
taxas eram 6,6% de empregadores, 48% de empregados e 4'5,4% de autô-
9 Ibidem, p. l.3-14, 16. nomos.
," É significativo, por exemplo, que os negros nos Estados Unidos tenham 20 A mobilidade econômica ascendente experimentada por imigrantes europeus
feito progressos consideráveis em sua situação econômica durante a e não-brancos foi diferente, não apenas em termos do período histórico,
Primeira e Segunda Guerras Mundiais, quando a taxa de atividade econô- taxas e magnitude do processo, mas também com relação aos canais de
mica intensificou-se como resultado da conjuntura. mobilidade econômica. De 1890 em diante, muitos dos imigrantes chegados
ao Brasil - com exceç:}o daqueles que trouxeram algum capital e entraram
11 No Brasil, em contraste com os Estados Unidos, a ausência de sindicatos diretamente em negócios de pequeno e médio porte - monopolizaram os
com uma política racista de recrutamento deve ter favorecido a incorpo- empregos mais bem pagos e, partindo dessa base ocupacional, acumularam
ra\'~o ele negros e mulatos à classe trahalhadora. recursos para se tornarem pequenos empres;lrios no comércio e indústria.
12 A relaç:}o entre a urbanização e as desigualdacles educacionais entre A limitada mobilidade ascellLlcntc dos não-brancos C'ome~'nu mais tarde e
grupos raciais é desenvolvida no trabalho anteriormente citado ele A. de ocorreu através da qualificação educacional de parte desse grupo.
Souza. O autor enfatiza a falta de facilidades institucionais de educação 21 As conseqüências econômicas globaiS do desperdício ele talento implícito
nas áreas rurais, onde há uma maior concentração de n~o-brancos em na discriminação racial tendem a ser reduzidas quando uma situação de
empregos agrícolas n:}o-qualificados. Um nível de urbanização mais ele- excesso de of~rta de trabalho se apresenta.
vado nào só cria mais facilidades institucionais como tende também a
pel'lnear a sociedade com valores mais seculares, quando n;lo, mais tole- 22 HENDIX. Nati(m hllilding (md citizenship, p. 111.
rantes. SOUZA, op. ci/., p. 5.
2.1 SANTOS. Liberal praxis in Brazil, p. 70-71.
1.\ Em 1940, 53,5% da população ativa branca e 18% da populaçào ativa não- 21 Sou grato a \V'. G. Santos e Olavo Brasil por suas sugestües acerca da
branca estavam concentradas no Sudeste. Em 1950, essas propor,,'ôes estruturação dos diferentes níveis educacionais e as relações entre os
foram de 'i9,6'% e 20%, respectivamente.
sistemas ~conômico e educacional.

202 203
2S P~lr~1 uma análise da discrimina(;~!() de classe no sistt'ma educacional hra\i,
leiro, ver: CUNHA, Lducaçclo (' dcsclIlm!uimcn/o social !lO Br(/sil, "~q), ;
As rel:I<,'ôes enlre realiz~I(;10 ecluclci()I1~i1, ocupa\';l() e rencl:l scrJo :111:111'
S:lel:lS no pr(,xil1lo capítulo,

,,, As razôes entre diplomados em universidade c em escola secund:lri:1 ('1':1111


1/ j,lí em 19 cíO e 1/6,2 CIll 19S0, c as r;(Zeles enlre forll1~lclos e1l1 cscol:!\
:-;ccllnd{lria e prim~íria cram I / :f,,1 em 19íO c I / 'i,S elll 1C),)O, I'lllrc
lC)·jO e lC)SO () sistema de ensino primário crescl'lI Ill;lÍ:-; LÍpido, :10 p:I\\<I
qLll' o níveluniversilário expancliu-se mais Icnlan1l'nll'; eS.s:I sillla,,:!o loi
inverticla na dé'caela ele 19ó()-70,

D () c(lnceilo de dcsigu:dd:lde de Oj)(II'!Ulli(l:id,':-; l'Ilu(';Il'ion;!is ['oi dl'l'illiclo


por Eaylllond Iloudon como "as difel'el1\'as no nívcl de re;!liza('~'\() CdllC:I'
('ional ele acorelo com a origelll soci;!I", Ver: IlOll])ON, Fd/lCtilio/l,
ojJjJorllll1ily aliei soci({! il1cqllali/y, p, XL De ;(corelo COIll fvIurray Millll'l
.Ir" a desigualdade de oportunidades pode ser conceituada como "um:!
correla,':!o entre os s/allls que um indivíduo herdou (slallls ~Idscrili\'()s)
e o stallls,que, em algum sentido, conseguiu", MILNER .IR, 'lhe illusloll ol
eqll({lily, [l, 36,

'K J);lelO:-; do projc'to de pesquisa sohre "1{cpresl'nl:l,'~-IO l' Dcsen\'olvimelllo


no Brasil", conduzido em conjunto por Illl'EI{Jlllniversidade de iVlichig:1I1 p A E
e dirigido por Amaury de Souza e PeleI' McJ)onough,

/.') llm Illoclel" tL,(')rico para cSlud:lr :I,' rel:l(.',')('-, cli:((,l'tlllic:lS ('nll'c dl'.\igu:I!,
d:lde de oportunidades educacion:lÍs L' desigualdade de oj1ortunilbdc\
s()ci~lis é deselll'olvido por IlOUJ)ON, (l/!, cll, Esse autor cll'monstl'a, :111':1\(',\
de um modelo formal, que é possível haver Ulll declínio no decorreI' cI"
tempo n:l clesigualdade de oportunicbcles l'dllcacion~lis setn UIll corrc.spon-
dente cleclínio na desigu~l!d:lcle de oporlulliel:ides s()ci:lis, () l'aciol'Íni"
le6rico de Iloudon, junto com v:trios eSluclos empíricos realizados nos
FSl:ldos (1l1idos ,- onde as reb('(,l'S ,'nlrc :IS \':Iri:h'l'is de c'sl r: I! il'iC:lc'I,) no,
MO~llIDADf ~OCIAl,
rOl/riCA é ~A(A NO ~~A~1l
grupos iJr:IIlC() e n;lo-!lr:lI1(1) s~o :l11;liis:ld:IS - C()l1stitUl'lll forle c\'idt'nl'Í:l :1
['avol' lia hip()tese segundo ~I '1u:l1 os rcl:l!ivos aV~ln\'os L'duc:ll'i()n~li.s cio,'
não-hrancos não S;lO necessariall1ct1le traduzidos em ganhos proporcionais
em outras dimensões de estralificação,

.10 "LAl!; {)(INC:AN, '!ZJcAlI1crlcr/ll OCCII!}(lI/o//(/!slmclll/,c, p, ,j(),i,

'I Ihide/l!, p, .10S-ijO(l,

,12 Esse ponto é desenvolvido por: DA YCE, Hacia un marco teórico para la
consieleración de las relaciones raciales, p, 51.

5.' Isso nào significa que a raça, como fenômeno cultural e ideológico, n~!()
tcnha efidcia estrutural. Nesta parte da pesquisa, as relações entre elesen,
volvimento regional e desigualdades raciais foram exploradas sem ,1llalis;1f
as conseqüências ela proporção de não-brancos na população das regiôes,
Parece possível adiantar a hipótesc de que, nas regiões onde o número
absoluto e () relativo de negros e mulatos sào elevados, o nível médio
dos sal[lrios é diminuído, como conseqüência de prálicas discriminalórias
de emprego que, por sua vez, inibiriam a modernizaçào do sistema
produtivo, reproduzindo assim as condiç'ôcs de :Itraso que perpetuam as
desigualdades raeiais,

204
c A P T u L o VII

MO~llIDADc ~OCIAl,
Df~1 GUAlDADf Df oro ~TU NI DADé ~ é ~AÇA

Há, comumente, exemplos suficientes ele hrilhantes vitóri:ls sobre


as h~IlTcir:Is de cor par~! gar;lI1tir ~!S ilusôcs otimistas de que elas
n:!o existem. Casos exemplares de [1eSS();IS de COI' em posiçôes
ele dignidade invejável estãu sempre ~1 disposição.

Oliver C. Cox, Caste, elass and /'ace.

Noventa anos clepois da aboliçJ10 do escravismo, os negros


e mulatos hr;tsiil'iros agIOll1t'l':lm-se 11:1S posiçCll'S s\I!lof'(lin:ldas
da estrutura de classes e nos degraus inferiores do sistema
de estratifka~'ã() .~ocial. Em toda parte no Brasil urbano pode-se
reconhecer um pequeno estr;!to médio de cor, mas seu tamanho
relativo está sempre aquém' lo cla classe média branca. Esses
n:!o-br,ll1cos, que conseguir. Im fugir à pobreza, apresentam
típica inconsist(\nci:l de S/(///lS - a m:liori:l de!c" tem Ulll:l
educac,:ão superior ;IS realiza,,'(K's ocupacionais e de rl'nd;l _
e enfrentam sérias dificuldades ao preservar sua própri:l
j)osi,,':lo social para seus filhos. Outrossim, uma vez que
os pólos branco e negro não definem uma dicotomia, mas
a penas fixam os extremos de um contínuo de. diferenças
mínimas ele cor, a abertura da estrutura social para a mobili-
dade soci:tl ascendente é inversamente relacionada à negri-
tude da pigmentação da pele.
O poder explicativo da escravidão, com referência à posição
social dos não-brancos, decresce com o decorrer do tempo,
isto é, quanto mais longe se está do fim do sistema escravista,
menos se pode invocar o escravismo como causa da subordi-
na('ão soci:!l :ltual dos não-brancos, Pelo contr:t rio, :I ('Ilf:lsc
n:l cxplicl~;io deve s~~r.d;lda ~\S n.'la,,'ôl'S estruturais e ao il1tcr-
c;lmhio desigual entre brancos e não-brancos.
Assim, se for verdadeira nossa argumentação anterior, restringir as realizações dos não-brancos, relativamente aos
segundo ;1 qual as desigualdades raciais contemportlneas ,,;lo brancos da mesma origem social.
a penas residualmente devidas à heran\'a do escravi~m() c Além dos efeitos diretos do comportamento discriminatório,
refletem principalmente a operaç;}o continua de pri!Kípios unia organização social racista limita também a motivação e o
racistas de scle<,;ão social, deve então ser apresentada uma nível de aspiraçôes dos não-brancos. Quando são conside-
evidência empírica acerca das atuais oportunidadcs dl'siguais rados os mecanismos sociais que obstruem a mobilidade
de ascensão social para brancos e não-brancos. Isso nos kq ascendente das pessoas de cor, devem ser acrescentados às
a colocar o problema em termos do p;l(1el da raça na aloc\(Jl()
práticas discriminatórias dos brancos - sejam elas abertas
de pessoas a posiçôes sociais e das oportunidades difercnciais
ou polidamente sutis - os efeitos de bloqueio resultantes
de mobilidade social vertical elos dois grupos raciais. I:
da internalização, pela maioria dos não-brancos, de uma auto-
também neste ponto que a distinção entre a transmiss;10
imagem desfavorável. A forma complexa como esses dois
intergeracional e a produção intrageracional ele desigual"
mecanismos funcionam e se reforçam mutuamente leva
dades sociais deve ser introduzida.
normalmente negros e mulatos a regularem suas aspirações
Para tl-atarmos das relações entre raça e mobiliclack de acordo com o que é culturalmente imposto e definido
social intergeracional e intrageracional, o raciocínio de .J. c:. como o "lugar apropriado" para as pessoas de cor. H. Adam
McCann pode ser adotado como ponto de partida. Ele argu- enfatiza estes aspectos da dinâmica racista:
menta que:
Uma pessoa que espera passar sua vida toda na depen-
Antes de se InICiarem numa carreira, os filhos acumulam dência, sem possibilidades, tende a reduzir suas necessidades
um conjunto ele vantagens (ou desvantagens) que dizem e aspirações à medida prescrita. Finalmente aprende e interio-
respeito à sua aceitabilidade para ocupar e desejo de atingir riza como reagir de forma adequada às expectativas, sanções
as ocupacôes e posiçôes sociais de mais prestígio. O valor e recompensas de seu dominador, visto que só essa atitude
elas vantagens que um filho acumulará é conc1icion:lc1o }ida assegura sua sobrevivência nas condições vigentes.\
posi(,';10 da família em que nasceu e foi criado. I
A contrapartida do lado dos brancos consiste em ter o negro
Portanto, pode ser afirmado que, como resultado da discri- como contra concepção, que serve para definir-se a si mesmo.
minação racial no passado, cada nova geração de não-brancos "A autoconfiança decorrente de formar parte de um grupo
está em posiç~\o de desvantagem porque se origina clespro- que goza de supremacia estrutural em si mesma reforça as
porcionalmente de famílias de baixa posiçào social. Mas, em capacidades pessoais e, portanto, encoraja a realização."í
acréscimo a isso, se o racismo possui os efeitos previstos no
Em termos de oportunidades de mobilidade social ascen-
capítulo IH, a filiaç;lo racial deverá também interferir tanto
dente, o grupo não-brnnco experimenta umn dupla desvan-
nos processos de acumulação de (des)vantagens pelos filhos
tagem. A primeira deve-se à sua baixa origem social e a
quanto em suas subseqüentl's carreiras como adultos. Isso
segunda advém da desvantagem competitiva, sofrida do nasci-
implica que mesmo controlando pela posi\:ào social das
famílias ele origem, os filhos de pais não-brancos acumularão mento até a morte, que resulta da adscrição racial. Em suma,
menos recursos competitivos que os filhos de pais brancos quando as diferenças inter-raciais de mobilidade social são
- incluindo níveis de habilidade, educaç;}o e aspiraçôes e a analisadas controlando-se a origem social, as diferenças
própria adscrição racial. 2 Por outro lado, uma vez que uma observadas podem ser atribuídas seja aos efeitos mais simbó-
geração nova ou coorte de idade inicia o ciclo de vida adulta, licos e indiretos cio racismo - i.e., estereótipos culturais que
o racismo e a discriminação racial continuarão a intl'rferir se autoconCirmam, limitando as aspiraçôcs e motivaç:<les ebs
no processo de mobilidade intrageracional, de tal forma a pessoas de cor - seja aos efeitos diretos da discriminação

208 209
racial. Mais do que alternativos, esses dois princípios expli- por sentimentos racistas interiores e disfarçar suas práticas
cativos sào complementares. No Brasil contcmporflnco, pelo discriminatórias privadas. Os não-brancos são constrangidos
menos, os negros e mulatos em geral reduzem suas aspi- a compartilhar a versão idealizada da ordem racial, e sua acei-
raçôes e deliberadamente limitam sua competição com os tação pragmática ou ambivalente da ideologia racial domi-
brancos, simplesmente para evitar serem lembrados "de seus nante pode proporcionar uma forma de lidar, de maneira
lugares" e sofrerem a humilhação pessoal implícita em inci- menos penosa, com o estigma associado à cor da pele.
dentes discriminatórios.' De fato, evitar a discriminação Onde a ideologia racial dominante parece ser suficiente-
pa rece constituir a principal causa da técnica de socialização mente eficaz para impedir a solidariedade e obstaculizar a
utilizada pelos pais não-brancos, para ajustar aspirações mohilidade ascendente coletiva do grupo subordinado, há
subjetivas às possibilidades objetivas e proteger seus filhos pouca necessiclade de organização e mobilização do grupo
de frustrações futuras. dominante branco. Nessas circunstâncias, a discriminação
Na análise subseqüente de diferenças inter-raciais de racial pode ser praticada "( ... ) através de uma série de ações
oportunidades de mobilidade social vertical, as diferenças indivicluais não-coordenadas, embora semelhantes, cada
observadas' serão causalmente imputadas à c!iscriminaç~lo uma das quais não tendo mais do que significação de curto
racial e à operação de mecanismos racistas mais gerais. Como alcance"." Contudo, o efeito agregado de tais atos discrimi-
na maioria das explicações baseadas em dados de pesquisa natórios não-coordenados, juntamente com a identidade cultu-
tipo sllrvey, o comportamento discriminatório efetivo será ralmente imposta dos não-brancos, reproduz ·uma estrutura
introduzido como uma variável interveniente não mensurada desigual de oportunidades sociais para os dois grupos raciais
n:1 an:'dise. e limita severamente a mob;1idade ascenclente individual de
Antes de procedermos ao tratamento da evidência empírica, negros e mulatos.
algum:ls observa\'()es prévias accrc\ da cliscriminaç:;'\o racial,
no estilo brasileiro, parecem adequadas. Primeiramente, a
Lt!(;\ de um sistema leg:llizaelo de segregaç:ão racial no Brasil DADOS E MI~TODOS
pós<lboliç:ão deve ser enfatizada. Esta circunstância esU na
raiz da cren<,:a ele que o país não tem um problema r;\ci~\1. Os daclos para a an;'ilise empmca elas proxtmas partes
i\l{~m ela ausência c1e segrega()o legalizada, eleve-se notar () S:lO tir;\dos elo projeto de p~squis;\ sobre "Represcnt;I\'~1O e
deito ela idcologia r:lcial domil1:\l1tc nas f()rmas de discrimi- Desenvolvimento no Brasil", cujo trabalho de campo foi
nação racial. Uma conseqüência da ideologia da "democracia executado em fins de 1972 e inícios de 1973. 8 Foi entrevistada
rac'ial" brasileira é que as formas mais abertas e virulentas de uma amostra probabilística de múltiplos estágios da população
discriminação racial incorrem em desaprovação e são, assim, adulta (18 anos de idade e mais) de seis estados do Centro-
inibidas. Sul do BrasiJ.9 Da amostra total de 1.314 pessoa's, 1.048 ou
O tipo sutil c disfan,:;\do, contudo n:to incfic:I7.. ele discri- 79,7% eram brancos e 266 nu 20,3%, não-brancos. Embora
minação racial no Brasil parece estar intimamente associado os não-brancos tivessem sido cuidadosamente classificados
Ce em certo sentido é conseqüência) ao baixo nível de mobi- em quatro categorias, indo de mulatos claros até negros, o
lização política cios negros brasileiros. "Uma ideologia que tamanho relativamente pequeno da subamostra de pessoas
nega :1 existência de discrimina<,'ão baseada na raça será difícil de cor só permitiu, por ra?ôes analíticas, duas categorias
de ser atacada, mas, por este mesmo fato, não pode ser usada raciais de brancos e não-brancos.
para mobilizar os membros do 'grupo' dominante."!> Para os A ponderação da amostra levou a estimativas de algumas
brasileiros brancos, o endosso público da ideologia ela características básicas, tais como local ele resicl0ncia urbana
democracia racial e da harmonia racial funciona - como na e rural, sexo e idade, dentro ele 1% elos valores reais da
confissão católica - como forma de expiar a culpa despertada população, ele acordo com o censo de população de 1970.

21 I
210
Contudo, devido ;1 falta de inform:lçüo sohre raça no censo Partindo do suposto que o s/atlls ocupacional é o melhor
cle 1970 c ao tamanho recluzido do gruro nüo-branco, o erro indicador isolado (t'! posição do indivíduo no sistema de
de ;lmostragem dessa subamos!ra é desconhecido, e rrov;\- estratificação social, as matrizes de mobilidade ocupacional
vclmente maior que o ela amostra total. !fI Outra limitação dos
intergeracional da amostra total e dos dois grupos raciais serào
(belos para os rrorósitos cl:! nossa an:íli.'ie refere-se ;1 SU;1
comparadas em primeiro lugar. Serão levadas em conside-
compOSil,J10 regional. Embora a amostra seja rerrescntativa
ração as reservas de O. D. Duncan acerca do uso de tabelas
da regiãu mais desenvulvida do raís, que inclui cerca ele
de mobilidade, no sentido de que a distribuição ocupacional
d()is terços da população adulta brasileira, outras regiôcs
dos pais nüo representa qualquer ponto específico no tempo,
menos desenvolviclas, onele os não-brancos constituem uma
e que fatores outros além d,.~ mudanças na estrutura ocupa-
proporção consideravelmente mais elevada da poru]aç:\O
cional são a causa de que as distribuições de origem e destino
- particularmente os estados nordestinos do Mar:lnh:l0 ;1
apresentem cliferen\,'as. II Visto que a preocup:l<,'ão principal
B:lhia - estão excluídas dela, Eis porque os resultaclos e
n;\o é a "abertura" da sociedade como um todo, mas <tntes o
conclus(les da análise subseqüente n:)o pudem ser geneLI-
grau relativo de abertura do sistema de estratificaçào para
°
lizaelos, sem mais nem menos, para Brasil como um todo.
membros de raças diferentes, as tabelas de mobilidade são
A metodologia adotada neste capítulo não se destina a usadas para avaliar a dependência do status dos entrevis-
analisar a mobilidade social como uma característica do taclos em relação ao stat1ls cios pais, nos dois grupos raciais.
sistema nem a distinguir entre os componentes estruturais
Após a anúlise das matrizes de mobilidade, algumas técnicas
e de intercâmbio ela mobilidade social. O enfoque da aná-
lise é dado às orortuniclades diferenciais ele mobilidade social simples de análise multivariada serão utilizadas, para serem
vertical de brancos e não-brancos. Além cio mais, como na entendidos os processos intervenientes entre os status sociais
maioria elos estudos que utilizam dados de survcy, a análise de origem e de destino dos dois grupos raciais. A seqüência
baseia-se em variáveis de estratificação social - isto é, a da transmissão de status, da origem social familiar para o
localização de indivíduos em dimensôes distributivas, tais status adquirido dos entrevistados (educação, ocupação e
como eel\IC;lç~l(), OCUIX1Ç:ão e renda - e não em termos ele renda), será analisada em etapas parciais, de modo a avaliar
mudanças ele posição na estrutura ele classes. Assim, por os diferentes paclrües de mobilidade social ele brancos e nào-
exem pio, na mecl ida etn que ~IS Cl tegorias oeu paciona is ut il i- brancos. Particular ênbse será dada à forma como, contro-
zac!as rderem-se à divisão técnica cio tra\):tlho, elas não lando pela origem social, a adscrição racial afeta as realizações
podem ser identificadas com as posiçôes de classe; pessoas educlcionais l' (lcup;lcionais e os retornos ocupaCi0!1:1is c de
no mesmo grup:ltnento ocupacional podem, cle fato, csUr em renda ela educação adquirida por brancos e não-brancos.
diferentes posiçôes da estrutura de classes. Nesse sentido, Finalmente, um modelo estatístico aditivo, a análise de
uma elas limiLH,'ôes impostas pela natureza dos dados é () classificação múltipla, será usado para avaliar o peso da raça,
tratamento do sistema de classes em grande parte como dentre um conjunto de preditores, nos processos de realização
elemento cxógeno ao tratamento da evidência empírica. educacional, ocupacional c de renda.
Outra limitação nos dados, com relaçào aos procedimentos
analíticos a serem seguidos, resulta do tamanho relativa-
mente reduzido da subamostra não-branca, que não permite RAÇA E MOBILIDADE SOCIAL DIFERENCIAL
o \ISO ele Lll1tas v:lri[IVl'is de controle quanto seri:l desej:ível,
para isolar os efeitos da 1':1<,'<1 sobre a mobilidade social. Uma técnica convencional para a análise da mobilidade
Serão empregadas as duas principais abordagens ao estudo social consiste em compar:.r as freqüências observadas elas
da mobilidade social - a análise de tabelas de mobilidades tabelas de mobilidade intergeracional às freqüências esperadas,
e o uso de modelos de realização de status. sob a suposição de independência estatística entre o statlls

212 215
ocupacional de pais e filhos, isto é, igualdade perfeita de móveis 01 % elos não-brancos nascidos na categoria ocupa-
oportunidades. Esta técnica foi usada não apenas para medir cional inferior) experimentam mobilidade ele curta distância
o grau de ahertura de sistemas de estratificação sociaL mas e movem apenas um pas:;o na hierarquia ocupacional, entre
tamhém para comparar a mohilidade social em diferentes os br;111cos, 77 (36%) c!;1O um passo acima e 31 04%) têm como
países e dentro do mesmo país, ctn dikrentcs períodos. destino us dois nívl'i:-: oClIp:\Ci()!1:1is superiores; os últimos
Visto que nossa preocupação aqui é com a mohilidadl' l'xperinWI1U111, assim, mobilidade social ele longa eli:-:tância. O
social de dois subgrupos de um;l popllb(';lO Chr;lncos (' nào- mesmo padrão pode ser ohsl,~rvad() entre pessoas nascidas no
hrancos defrontam-se com () mesmo sistema de cstratific:lC-;lO nível ocupacional "baixo-alto": os n;1o-hrancos l'xpcriml'tlt:11i1
social), ao inv('s ela inc1epl'ndi\ncia cst:ltística ou igu:dlhdc m;lior heranç;a ele sta/lls que os brancos e apenas dois 02%)
pcrfeiu de oportunidades, nossa suposir,-ào ser;'l a de "demo- lL'l() um P;ISSO acima, enquanto que no caso dos brancos 23
cracia racial". Isto significa que, dada a matriz de mobilic1aele (17%) d;1o um passo e 19 (1';%) sobem dois degraus,
intergeracional da população total, as pessoas nascidas em A matriz de rotação dos brancos combina as duas ten-
famílias de ,certos status ocupacionais devem ter as mesmas dências opostas à herança de status, particularmente forte
oportunidaeles de ohter certos destinos ocupacionais, inc1e- entre aqueles nascidos no nível ocupacional mais alto, e
pendentemente da afiliação a um grupo racial. regressão no sentido' ela média. A matriz dos não-brancos
A Tabela VII-l mostra, do lado esquerdo, as matrizes ele sugere uma tendência bem diferente de "regressão no sentido
mobilidade ocupacional intergeracional dos homens, na do extremo inferior" ou herança de status ocupacional mais
amostra total e nas subamostras de brancos e não-brancos.' 2 baixo. Portanto, não só os não-brancos provêm clesproporcio-
As freqüências esperadas sob a suposição de "democracia nalmente dos níveis ocupacionais mais baixos, como também,
racial" (não mostradas na tabela) foram calculadas multipli- controlando pela origem social, têm menores chances de
cando-se os marginais das fileiras das amostras de brancos e m.obilic1ade social ascendente.
não-brancos pelas probabilidades da matriz de transição ela Unu maior evidência de oportunidades diferentes de mobi-
amostra total. Finalmente, o lado direito da tabela mostra as lidade social ascendente resulta da comparação elas freqüências
diferenças entre as freqüências ohservadas e espcr:lcLts de oh:-:ervadas c e:-:peradas. Enqu;111to na t:lbela elos brancos toelas
brancos e não-brancos. as células abaixo ela diagonal principal apresentam valores
l r m primeiro exame das matrizes de r()ta\~ão mostra que ;1 positivos (cuja soma é 15), indicando, assim, um eXCesso ele
maioria dos não-brancos, em comparação com os brancos, mobilidade ascendente, o oposto ocorre na tabela dos nào-
naSCl'lI c pl'nnanl'ceu dentro dos níveis ocup;\cio!1;\is mais hr;ItKOS, l'tn qUê' tmbs ;)S cl'lulas ab;lixo ela diagonal principal

baixos. Considerando-se as pessoas nascidas nos dois níveis apresentam valores negativos, sendo maiores os que se
ocupaciuna is mais baixos, H9 (9H();b) entrevistados n;lo-bra ncos encontram mais afastados ela diagonal princip;ll.
permaneceram nesses mesmos dveis ocupacionais, ao passo Dos 188 casos de mobilidade ascendente, observados na
que isto só ocorre com 272 (79%) brancos. Se se observa o matriz da amostra total, 163 correspondem a brancos e 25 a
status de destino das pessoas nascidas na categoria ocupa- não-brancos. Sob a suposição de "democracia racial", o
cional mais baixa, as diferenças inter-raciais de mobilidade número de movimentos ascendentes dos não-brancos deveria
ascendente são consideráveis. O grau de herança de status ser 40 e o elos brancos apenas 148. Esta evidência empírica
nesse nível ocupacional de origem é de 69%1 para não-brancos sugere a rejeição ela hipótese de "democracia racial" e a
e 50(Yo para brancos. Não só a proporção de mobilidade de conclusão de que os brasileiros de cor experimentam um
indivíduos de origem baixa é menor entre os não-brancos déficit substancial ele mobilidade social ascendente.
que entre os brancos, como a distância social percorrida
difere de acordo com a raça. Assim, enquanto 23 não-brancos

211 215
Para avaliar as diferenças inter-raciais na transmissão de
será a seguir eX~lminada a forma como a origem social,
stc//IIS,
tal como medida pela ocupação dos pais, condiciona a reali-
za~'ão de statlls educacional e ocupacional dos entrevistados
brancos e não-brancos.
::
A Tabela VIl-2 mostra a média ele anos de educação atin-
gida por br;\ncos e não-brancos, de acordo com o statlls
; ocupacional dos pais.
Os dados mostram uma tendência consistente no sentido
de ;\s pessoas de cor aI ingiren I menos anos ele educaç'ão que
os hr~lt1CoS da mesma origem ;,ocial. Entre os filhos ele ambos
os sexos de Irabalhadores manuais n;\O-qualificac!os, os
brancos ohtêm 1,1 anos a mais de educação que os n;"!o-
hr;ltKOS. Os filhos não-brancos de trabalhadores manuais
qualificados obtêm 1,2 anos a menos de educ\(:ão que os
brancos, e a dircren~:a 0 de 1,7 anos entre filhas de tra]1;1I11;\-
M In ri ::
o ~ 'i< dores manuais qualificados. Pinalmente, entre os filhos de
'O "i< Q'\

rais de ocupa(ão n~lO-manu~ll, a vantagem educacional dos


ri "1
f-< '/O
O
VJ v brancos é de 2,9 anos entre os homens e 2,6 anos entre as
O O ç::
V 00 v 00 00 ÇIj
mulheres. Assim, as diferenças inter-raciais na realização
l3 çq I N\CJ CO ri O çq I ;
c;
.I~
ri ç:: ri I-<
O
educacional tendem a ser maiores à medida que o status
I-<
>-
Q!
C1 V
O çq V -:, ocupacional dos pais se eleva. Este resultado sugere as
VJ I-< '-< l3 I
l3VJ "

O C
Q!
çq 'fJ
:; O
,ÇIj 'S; dificuldades crescentes experimentadas pelos não-brancos nos
O
~ Q! ~ I' V 0-1 N")
E O çq ri ('(')
ri
O
CO r i
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CO
r-< r(')Q'\
\CJ I' Z I-< P3 I ri 01
níveis educacionais mais elevados.
~
V C
Q!
C
V
O
IÇIj
O O '- Embora seja difícil decidir se essas diferenças inter-raciais
v·, r
c; V V na realização educaciot;lal são o resultado de práticas discri-
o.. In ,n N
;:l
v ;S
Q'\ ri N ri minatórias 1"1<1 escob ou de fatores fora da escola - tais como
O expectativas familiares ou níveis ele aspiraçôes culturalmente
impostos _ permanece () 1';1\0 ele que, mesmo controlando
~
O ('(')
('(') r i
Q'\
ri
Q'\
ri ~ I
pela origem social, os não-brancos abandonam a çscola mais
cedo que os brancos. l ';
Considerando-se agora a forma como a origem social afeta
VJ VJ
,~
c; 'C;:; 'C;:; f.
:, a realização ocupacional de brancos e nào-brancos, a Tabela
o.. o. o.. ~
'fJ VJ VJ - VIl-3 mostra a média do status ocupacional dos homens, de
O O O H
V V V - "
acordo com o nível ocupacional cios pais.
O l3 O M O l3 -
~
,ÇIj
v' ::r:
IM
v'
IM
v' ::?, 2 Devido ao fato de que apenas duas pessoas de cor econo-
M I M M I r;l ÇIj I ~ ;
o. .~ M M o. :c M r;l o.. :u r;l r;l micamente ativas nasceram nos cinco níveis ocupacionais
l3 v ,:3ÇIj ,~ .:3 .:3M ,:3 .~ ~
;:l ;::l ('j ::l l3
v 'Q! M v <-' 'Q! M v 'V r1 ÇIj - ~ superiores, a comparação limitar-se-á aos filhos de pais nos
O ::r: :;:s çq çq O ::;:: :,;s çq CO O ::r: :;:s çq çq i. '7
- -:
dois grupos ocupacionais inferiores.
7.
;. ~

217
216
N

TABELA VII-2
Média de anos de instrução por grupo ocupacional dos pais e raça

Homens Mulheres
Ocupação dos pais Raça
Desvio Desvio
X Educ. N t Sing. X Educ. ~ t
Padrão Padrão
B 10,4 4,5 115 8,9 4,6 9-i 0,10
Não-manual 1,60 0,10 L44
N-B 7,5 2,7 6 6,3 4,5 7
B 6,2 4,3 138 5,5 4,1 124
Manual qualificada 1,22 - 2,43 0,01
N-B 5,0 3.5 21 3,8 3,3 41 I
B 3,2 3.2 264 3,3 3,5 285
Manual não-qualificada 3,43 0,01 2.82 0,01
N-B 2,1 I -
-.) 92 2,2 2,4 92

TABELA VII-3
StLltus ocupacional médio de homens por grupo ocupacional dos pais e raça

Brancos Não-Brancos
Ocupação
l
dos pais· Desvio Desvio
XOcup. Mínimo Máximo N. X Ocupo .\Iínimo Máximo N
Padrão Padrão
1 32.8 11,7 16,8 62,2 25 - - - - -

2 27,6 16,5 13.9 64,0 14 - - - - -


,;-r It
3 26,4 10,4 11.1 , Á 24 1" "
..I...J.7 - 1? "
iJ,)I 13.9 2
4 24,3 12,2 10.6 35,1 4 - - I - - -
5 20,9 12,6 6,6 47,4 15 - - - - -
6 14,4 9,1 3,3 45,4 114 10,5 3,5 3,5 16.8 16
7 9.7 7,8 3,3 41,8 217 6,3 3,3 3,3 17.0 75

a 1- Profissional. :;;éréDeial e admir.j'[ra[j\:l :llta;


2- Gerencial e ;lclminis[LHi\'a bJixa:
:,- :'\ào-manual .du;
-1:- );~lO-Inanual h:li.x:l;
'i- Supervisào nunual;
6- :\"ilo-nlanual de rotin3 c habilid:Jdes nlanuais;
-- .\lanual nilo-qualificad.!.
Para os entrevistados cujos pais situavam-se nos dois níveis
+ ocup;lcion;lis mais haixos. o índice ocuracion;ll médio dos
brancos é mais alto que o dos não-brancos. No caso de filhos
de trabalhadores em atividades não-manuais de rotina c ma-
nuais qualificadas, a diferença no índice ocupacional é de
3,9 e 3,4 entre os filhos de trabalhadores manuais não-q1.lali-
~ ficados. Outrossim, ao considerar-se a coluna de desvios-
I
If\
padrão e a amplitude da dispersão ocupacional (indicada
pelos valores mínimo e máximo do índice ocupacional em
caela categoria), pode-se observar que alguns brancos com
çq
.-_1 lima origem soci:ll baixa experimentam mobilidade ocupa-
I".
''1'
I cional de longa distflncia. O menor desvio-padrão dos não-
O
brancos c OS valores máximos do índice ocupacional 06,8
e 17,0) indicam a presença de um teto ocupacional muito
mais b"ixo e a tendência dos não-brancos de origem social
baixa a concentrarem-se t:m ocupaçôes de baixo status. Isto
simplesmente confirma os resultados observados nas matrizes
ele mobilidade da Tabela VII-I.
A t'xplic;\(·;'o tl1;!is pLllI.';íVl" p;lra ;I IllVI10r rl';!Ii/.;I~·;I(l ()('lIP;\-
cional dos não-brancos deve levar em consideração elois pro-
~ cessos. Primeiro: como se viu anteriormente, os não-brancos
1(,
I
obtêm menos educação que os brancos de mesma origem

\
.1
social. Isto significa que eles entram no mercado ele trabalho
com menos qualificaç'ôes educacionais. Segundo: há os efeitos
ela discriminação racial na admissão e promoção de pessoas
dentro ela estrutura ocup:lcic)!lal. Essa explicação implica que
as pessoas de cor estão c;, Dostas a um "ciclo de desvantagens
cumulativas" em SClI processo de mobilidade social.
o Um maior apoio ã idéia do ciclo·de desvantagens cumula-
:x:
Q)
(/) tivas cios não-hrancos pode ser cncontr;lc!o comp:lranc!o-se
os retornos ocupacional e de renda à educação adquirida por
Q) brancos e não-brancos.
,~
z A Tabela VTl-4 mostra a distribuição ocupacional de entre-
vistados de acordo com o sexo, anos de instrução e raça. Por
causa do pequeno número de não-brancos com dez anos ou
mais ele eeluca(\o (três homens e três mulheres) na amostra,
a comparação retringir-se··á a brancos e não-brancos nas duas
categorias educacionais inferiores.

221
220
Dado o mesmo nível educacional, os homens brancos têm TABELA VII-5
uma vantagem substancial em relação aos não-brancos no Renda mensal média por nível de instruçào, sexo e raça
preenchimento de posições ocupacionais superiores. Assim, (Cruzeiros de 1973)
entre os homens com quatro anos de educação ou menos,
três quartos ele não-brancos encontram-se em ocupações ma- Nível ele Haça Desvio
instrução Renda X
Padrão N Signif.
nuais não-qualificadas, ao passo que o mesmo ocorre com
pouco mais ela metade dos bral'cos. Inversamente, uma pro- Homens
porção considerável de brancos pouco instruídos encontra-se
cm ocupa<,'ôcs manuais qualificaclas <37%1) c n;lo-lllanuais Brancos 777 1.212 75
An:ilL\ belo 2,61 0,05
(11 %), ao passo que nenhum não-branco de pouca instrução Não-Brancos 246 145 37
alcança ocupaçôes não-manuais e apenas 26% encontram-se Prim;lrio Brancos 766 1.151 78
incompleto 2,04 0,05
em empregos manuais qualificados. Considerando-se a cate- Não-Brancos 278 169 24
goria educacional intermediária, os anos adicionais de escola
Primário Brancos 1.033 976 100
melhoram ~~ distrihuição ocupacional cios não-brancos, mas 1,44
completo
eles permanecem consideravelmente aquém do grupo branco. Não-Brancos 674 371 16
Apenas 14% ele não-brancos com cinco a nove anos de edu- Brancos 1.941 1.775 68
Ginasial 2,49 0,05
cação alcançam posições não-manuais, em comparação a 30% Não-Brancos 582 375 11
cios brancos. Assim, uma proporção de não-brancos maior Brancos 2.235 1.921 51
Colegial
que a de brancos permanece nas ocupaçôes manuais qualifi- Não-Brancos 430 170 3
cadas (52°/iJ) e manuais não-qualificadas (34%). Brancos 3.132 2.710 35
Universitário
Visto que as mulheres, como grupo, estão sujeitas à discri- Nilo-Brancos
minação ocupacional, as diferenças na distribuição ocupa- Mulheres
cional de mulheres brancas e não-brancas, controlando por
educação, são menos acentuadas que no caso dos homens. Brancas 485 698 39
Analfabeta 1,54
Exccto para aquelas com dez anos ou mais de educação, a NJo-Brancas 235 197 20
maioria das mulheres encontra-se concentrada em ocupações Primário Brancas 371 353 26
0,28
manuais não-qualificadas. Contudo, embora as diferenças Incompleto 260 205
Não-Brancas 11
inter-raciais no alcance ocupacional não sejam tão grandes
quanto entre os homens, as mulheres brancas gozam ainda Primário Brancas 457 397 16
0,58
de uma vantagem ocupacional sobre as não-brancas. Assim, Completo 611 14
Não-Brancas 540
nenhuma negra ou mulata encontra-se em posições não- Brancas 645 790 26
Ginasial 0,85
manuais, ao passo que 5% das brancas com quatro anos ou Não-Brancas 1.087 1.830 5
menos de escolaridade e 16% com cinco a nove anos de esco- Brancas 841 720 21
laridade ocupam posições não-manuais. Colegial
Não-Brancas 1.709 1
Em suma, os dados da Tabela VII-4 inclicam que a raça é Brancas 1.747 1.289 21
Universitária
um critério efetivo de distribuiç'ão elas pessoas, nas posíç:ôes Não-Brancas 386 1
da hierarquia ocupacional, e que os retornos ocupacionais
da educação são consideravelmente menores para os não-
brancos.

222 223
Considerando-se agora a int1uência da educação na rosição
uma renda médi:l superior à das brancas, embora as dife-
de brancos e n~lo-brancos na distribuiçào de renda, a Tabela
VII-5 mostra a renda mensal média de pessoas economica- ~~nç<~s e~t.:·e. as médias n~o sejam. estatisticamente signifi-
c.lntes. ~clIlOS fatores podenam exphcar este dado inesperado.
mente ativas, de acordo com os níveis de instrução, sexo e
O pnmelro rebciona-se ils dificuldades cios não-hrancos ])'1 .,
LI (,':1. I ... ( , N ' ,lei
;te qUIrlr Ins l'uçao. este senticlo, as mulheres não-brancas
O padr<lo de diferenças inter-raciais de renda, controlando q;,e completaram a escola primária ou foram além desse
instrução, é bem diferente entre homens e mulheres. As nlvel, provavelmente constituem um grupo mais seleto ue
mulheres, como um todo, obtêm uma renda muito menor as mulheres . brancas com a mesma instrução . . O segunqd o
que os homens com a mesma instruç<lo - a ra7:<lO da renela fator re!aclon:l-se com o significado diferente do trab'l/I
'A • I ' 10, na
masculina sobre a renda feminina vai de 1,5 entre os analfa- ~xperlencl~~ e e vida elas mulheres brancas e não-brancas.
betos até 2,46 entre pessoas com instrução ginasial. E bem pOSSlvel que uma maior proporção de brancas trabalhe
Entre os homens, há um grande diferencial de renda entre em empregos de meio-expediente, como forma de suplementar
brancos e não-brancos dentro de cada nível educacional. Em o orçamento familiar, ao passo que mais mulheres não-brancas
segundo lugar, entre os brancos, a relaç~to entre educação e trabalhem • em empregos c.
de tempo integral, ,
em de COI.renCla
A •

renda é monotônica e quase linear. O mesmo não ocorre entre ~Ie neceSSIdade econômica. 'S Finalmente, outra POSSibilidade
os não-brancos (exceto na passagem de primário incompleto e a de que as mulheres não-brancas estejam mais concen-
para primário completo); para este grupo, o incremento educa- tradas, em e~npregos industriais manuais menós prestigiosos
cional não é acompanhado por um aumento proporcional na CJ:,e S~lO n:als bem pagos que os empregos não-manuais d~
renda. A discriminação ocupacional constitui a explicação nlvel 1I1fe 1'10 r, onde as brancas estão melhor representadas.
mais provável para os diferenciais de renda dentro de cada Qualquer que seja a expLcação para este dado inesperado
nível educacional. Os dados da Tabela VIJ-4 mostram que, ao no caso
' das mulheres,
.persiste o fato ele que a grande ' 111" .
;dona
se controlar por instrução, os não-brancos aglomeram-se de nao-brancos na força de trabalho recebe uma renda
desproporcionalmente nos níveis ocupacionais inferiores, substancialmente l11e'11()!' c.jlle ()S' t11"lncos
, ,com as mesmas
qualificaçôes educacionais.
fortalecendo esta interpretação. A mesma coisa é sugerida
pela coluna de desvios-padrão da Tabela VII-5. Dentro de
cada nível educacional o desvio-padrão dos brancos é maior
que o dos não-brancos. Isto, por sua vez, indica uma maior o EFEITO DA RAÇA NAS REALIZAÇÔES
dispersão dos brancos na hierarquia da distribuição de renda, EDUCACIONAIS, OCUPACIONAIS E DE RENDA
o que ret1ete uma distribuição menos homogênea e concen-
trada na hierarquia ocupacional. Finalmente, os mesmos clados ~sta parte avalia os efeitos da raça, dentre urh conjunto
implicam a possibilidade de que, no caso dos brancos, uma mais amplo de variáveis independentes, na realização dos
maior proporção da renda seja proveniente da propriedade e entrevistados em três dimensê'oes de estratificação - instrução
não simplesmente resultado do trabalho assalariado. status ocupacional e renda. '
Com relação às mulheres empregadas, as diferenças inter- O procedimento usado é a análise de classificação múl-
raciais de renda dentro de cada nível educacional são menores tipla, que é essencialmente a regressão múltipla, usando-se
que no caso dos homens. De fato, é apenas nos casos de variáveis dummy ou preditores categóricos. IÓ Esta técnica
analfabetismo e instrução primária incompleta que as mulheres mostra o efeito de cada preditor na variável dependente
brancas têm uma vantagem de renda sobre as não-brancas. antes e depois de serem levados em conta os efeitos ele l()da~
O resultado surpreendente é que, entre as mulheres com as outras variáveis; além do mais, não exige que todas as
instrução primária completa e ginasial, as não-brancas recebem variáveis independentes sejam medidas em escalas de inter-
v:llo, nem que as reLtç<'ll's sejam line:lrcs.

224
22'5
TABELA Vll-6 TABELA VII-7
Análise de classificação múltipla: os efeitos da raça, Análise de classificação múltipla: os efeitos da raça,
ela ocupaç:'io e instrução dos pais e do sexo na instrução instrução, sexo e ocupação dos pais no status ocupacional

Anos de InstnJ(flo índice ocupacional da amostra Eta h Beta c


Prcdilores Média Ela h Beta c
Média nu.o- Média não- Média
% ajustada" Preclitores %
ajustada ajustada;!
ajustada
Brancos 79,7 5,3 5,0 Raça 0,25 0,11
l<.aça N:-\o- 0,22 0,10
Brancos
20,.) 2,8 :"\,9 Bra ncos 80,3 13,6 12,R

OCll!X\~-u.o cio pai" 0,50 0,21 Não-Brancos 19,7 6,9 10,0


1 IÍJ 11,0 IO,'í Grupo de Instrução 0,58 0,34
2 2,9 10,3 9,7 Analfabeto 22,6 7,3 9,4
3 5,2 10,3 9,8 Primário Incompleto 19,1 7,8 9,6
4 1,6 8,3 7,8 Primário Completo 24,8 10,2 11,3
5 3,4 6,7 6,3 Ginasial 15,2 15,6 14,1
6 2,6 7,3 6,9 Colegial 10,4 19,7 15,8
7 22,7 5,3 5,1 Universidade 7,9 27,8 22,0
8 57,3 3,0 3,3 Sexo 0,15 0,13
lnstruçiío do p:\i 0,33 0.1'i Homens 70,0 13,3 13,1
Ana Ira I,elo .30, I 2,5 .3,7 Mulheres 30,0 9,8 10,2
i\IL\hetizaclo 69,9 5,6 5,2 Ocupação do pai d 0,60 0,37
Homens 50,1 5,2 5,1 1 3,9 31,6 25,2
Sexo - -
Mulheres 49,9 4,4 4,5 2 2,6 26,0 18,3
3 5,3 25,0 20,4
4 1,6 18,0 15,8
a As médias ajustadas sào estimativas de qual seria a média se o grupo se classificasse 3,4 16,5 14,6
5
como na população total, no que se refere à sua distribuição em todas as outras
classificações dos preditores. 6 2,6 19,3 17,1
h Eta indica a capacidade do preditor, usando as categorias dadas, para explicar a 7 22,7 12,4 12,0
variação na variável dependente. 8 57,9 8,5 10,1
c Beta oferece uma medida da capacidade elo preditor para explicar a variação na 2
R '" 0,46
variável dependente, após ajustar pelos efeitos de todos os outros preditores.
d 1- Profissional, gerencial e administrativa alta; 2- Gerencial e administrativa baixa; a As médias ajustadas sào estimativas ele qual seria a média se o grupo se classificasse
:,_ Nàu-manual alta; 4- Nào-manual baixa; 5- Nào-manual de rotina; como na populaçào total, no que se refere à sua distribuição em todas as outras
6- Supcrvis}o manual; 7- Manual qualificada; R- Manual não-qualificada. classificações dos preclitores.
h Eta indica a capacidade do preditor, usando as categorias dadas, para explicar
a variação na variável dependente.
c Beta oferece uma medida ela capacidade do preditor para explicar a variação
na variC\vel dependente, após ajustar pelos efeitos de todos os outros preditores.
ti 1- Profissional, gerencial e adminisITativa alta; 2- Gerencial e administrativa
haixa; 3- Não-manual alta; 4- Não-manual baixa; 5- Não-manual de rotina;
6- Supervisào manual; 7- Manual qualificada; 8- Manual não-qualificada.

226 227
TABELA VII-8
A rrincipal limitação desta técnica é que ('Ia SllP()l' que os de
, ch<;sific\\'il()_ tllúlti\)l:\: os eCeit()s,~,
'\'\ t··\,,,\
'~,', t't )S'I' '
IU\'ao
dados sejam compreensíveis em termos de um modelo aditivo. sexo e ocu paçao dos pais na renda doméstica '
ConseqClentemente, o programa é normalmente insensível a
efeitos cle interação, e há boas razões para suspeitar-se que, Renda Familiar
exceto com a variável sexo, a raça tem alguma interação com Prcditor Média Média Eta b Beta c
%
os outros preditores a serem usados na análise a seguir. nào-ajustada ajustada"
Precisamente porque os efeitos de interação não são detec- Raça 0,21 0,11
tados, o fato de a raça não ser o preditor mais importante Brancos 80,3 1.237 1.159
não implica que a raça tenha efeitos estratificadores fracos.
Não-Brancos 19,7 411 730
A Tabela vlI-6 mostra os resultados para a realizaç~lo educa-
cional dos entrevistados, quando a raça, ocupação do pai, Grupo de instruçào 0,40 0,24
instrução do pai e sexo são selecionados como preditores. Analfabeto .22,6 620 860
Os resultados merecem poucos comentários. No que se Primário Incompleto 19,1 529 712
refere ao pro~esso de realização educacional, a instrução e a Primário Completo 24,8 838 974
ocupação do pai são os preditores mais importantes, vindo a Gin8sial 15,2 1.496 1.318
raça em terceiro lugar. O sexo tem um peso insignificante na Colegial 10,4 1.761 1.319
explicação da variação da realização educacional dos entre- Universidade 2.722 2.086
7,9
vistados. Sexo 0,21 0,19
A comparação das médias não-ajustadas e ajustadas dos
Homem 70,0 1.293 1.267
dois grupos raciais indica que os não-brancos obtêm 1,1 anos
de educação a menos cio que cleveriam, quando os efeitos cios Mulher 30,0 562 622
outros preditores são levados em conta. Inversamente, os Ocupa(;ào do pai c1 0,46 0,33
brancos recebem 0,3 ano cle educação a mais do que deveriam. 1 3,9 3.762 3.053
A Tahela VIl-7 mostra os (belos sobre re:lliz;\\':lO ocupaci- 2 2,6 2.035 1.181
onal dos entrevistados, usando raça, nível de instrução cios
3 5,3 2.460 2.001
entrevistados, sexo e ocupação do pai como preditores.
4 1,6 1.501 1.356
O nível de instrução dos entrevistados e a ocupação cio
5 3,4 1.380' 1.168
pai são os dois preclitores mais importantes do status ocupa-
6 7,6 2.284 2.004
cional das pessoas economicamente ativas na amostra. Com
relação à raça e ao sexo, a primeira explica uma proporção 7 22,7 886 856
maior da variância na variável dependente (eta 0,25) antes 8 57,9 715 883
do ajuste pelos efeitos de todos os outros preditores, ao passo R2 0,30
que o último (beta 0,13) é um preditor melhor após o ajuste .l
As
I médias
.f ajustadas sào estimativas de qual' seria, a n1e'd1'a"se
gor u po se
peJas outras variáveis independentes. c aSSl 1casse como na populaçào total, no que se refere ;t sua distribu.'"
A diferença entre as médias não-ajustadas e ajustadas h t:)(las as outras classifica\~ões dos preditores. . IÇ,to em
Eta mdl:a a capacidade do preditor, usando as categorias dadas para e 1" .
indica que, após controlar os efeitos das outras variáveis c a vartaçao na variável dependente. ' xp ICat
independentes, oS não-brancos deveriam ter um índice ocupa- lleta o.~erece uma medida da capacidade do preditor para explicar a V'" ;:
cional 3,1 major do que o que de fato têm. Esse resultado, cI na vanavel dependente, após ajustar pelos efeitos de todos os outros P' .t!l.ta~,to
1:. Profissiol1' 1 . 1 !" ' lec ttoles
'. " ;: ,t , gerenCla e ae 111tnlstrativa alta; 2- Gerencial e administrativa'
por sua vez, sugere novamente a operação de discriminação b,UX,I, 3- N:to-manual alta; 4- Não-manual baixa; 5- Não-manual ele rotin']·
racial no mercado de trabalho. 6- Supervlsao manual; 7- Manual qualificada; 8- Manual não-qualificada. "

229
22H
Finalmente, a Tabela VII-8 apresenta os efeitos da raça, Se os processos de competição social, envolvidos no
instrução dos entrevistados, sexo e nível ocupacional do pai processo de mobilidade social individual, calcados no meca-
na renda familiar. nismo de mercado, operam em detrimento do grupo racial-
Visto que a vari5vel dependente utilizada é renda familiar mente subordinado, então o enfoque da análise deve se
ao invés de renda dos entrevistados, e que não há controle orientar para as formas de mobilização política dos não-
do número de membros da família empregados, os dados da brancos e para o conflito inter-racial.
Tabela VII-8 só podem ser interpretados como uma medida O efeito da raça sobre a estrutura de classes e a evol uçâo
imperfeita dos efeitos da raça Ce dos outros preditores) sohre das desigualdades raci:1is deJ'enc!erá da emergência ele m~vi­
a distribuiçào ele renda. tnentos raciais e elas formas assumidas por estes, hem como
Conservando-se esta limitação em mente, a ocu pação do da forma COIllO os movimentos raciais se ligam a outras lutas
pai e a educação dos entrevistados são novamente os predi- e movimentos sociais. Este é o principal objeto de estudo do
tores mais importantes, enquanto sexo e raça sào os mais próximo ca pítula.
fracos. De qqalquer modo, a comparaçào da média ajustada
e não-ajustada sugere que as famílias não-brancas sofrem um
déficit mensal ele renda de cerca de Cr$ 320. NOTAS

I McCANN. A theoretical model for lhe interpretation of tables of social


CONCLUSÃO mobility, p. 75. De acordo com es"e autor, "(os filhos) sào recrutados para
as posis;ões mais prestigiosas com base em suas vantagens acumuladas ou
'qualid:ldc', com a classe mais elevada recrutando os filhos mais qualifi-
Embora a análise do presente capítulo tenha sido condu- cados, a classe seguinte mais elevada escolhendo os mais qualificados
dentre os não-recrutados para a classe mais elevada, e assim por diante".
zida em grande parte em termos de variáveis ele estratificaçflo Ibidem, p. 75. No modelo, qualificação ou "qualidade" inclui não apenas o
social - desconsiderando assim as mudanças de posição na nível de habilidades, mas também fatores adscritivos valorados, e. g., raça,
estrutura de classes - a evidência empírica indica que os propriedade ou ligações familiares e o desejo ou motivação por posições
de alto nível.
brasileiros nào-brancos estào expostos a um "ciclo de desvan-
tagens cumulativas" em termos de mobilidade social interge- 1 Em comparação com os sistemas raciais bipartites, no Brasil as coisas sào
um pouco mais complicadas por causa da maior proporção de casamentos
neracional e intrageracional. inter-raciais e dos numerosos filhos ilegítimos 'de mulheres negras e
Nascer negro ou mulato no Brasil normalmente significa homens brancos, este último caso sendo tipicamente resultado da explo-
ração sexual. Outrossim, no Brasil, como em toda parte, os filhos de pais
nascer em famílias de baixo status. As probabilidades ele fugir não-brancos apresentam amplas variações fenotípicas, mas os de pele
~lS limitações ligadas a uma posição social baixa são consi- mais clara são menos clesavantajados que os de pele mais escura. Também
como resultado de um meio social racista, a literatura e observaçõe~
deravelmente menores para os não-brancos que para os casuais mostram a existência de famílias não-brancas que decidem (algo
brancos de mesma origem social. Em comparação com os realisticamente) investir mais na educação e promoção dos filhos de pele
brancos, os não-brancos sofrem uma desvantagem competi- mais clara.
tiva em todas as fases do processo de transmissão de status. 3 ADAM. Modernizing racial domination: the dynamics of South African
politics, p. 105.
Devido aos efeitos de práticas discriminatórias sutis e de
mecanismos racistas mais gerais, os nâo-brancos têm oportuni- -1 Ibidem, p. 108.
dades educacionais mais limitadas que os brancos de mesma o A mais abrangente documentação e interpretação das práticas discrimina-
origem social. Por sua vez, as realizações educacionais dos tórias no Brasil encontra-se em: FERNANDES. A integração do negro na
sociedade de classes, 1965.
negros e mulatos são traduzidas em ganhos ocupacionais e
" llLALOCK .IR. J(Jll'ard il /bU01y o/millOrlty-group re/a/íons, p. 175. Ver o
de renda proporcionalmente menores que os dos brancos. próximo capítulo para uma análise da relação entre a ideologia da "demo-
cracia racial" e a desmobilização política dos negros brasileiros.

230 231
llLALOCK )1\. ap. cit., p. 160, Emhor:l Blalock a,'isocie csse padr;IO til'
discrimin:lcào:l sitlLl\Jies em que a minoria racial é demasiado pequena
c A p T u L o VIII
para constituir uma ameaça política e econômica, a descri(';LO é adequada
para () tipo ele discriminaçào \'igente no Brasil, onde um:l gr:mcle percen-
tagem de núo-hrancos na popubção n:l0 é percehida como amea,';! poli-
I i<';l, o nil'l'l de C()lllpcl i\·:'l() l'Col]()lllica (' h:lÍxo l' :1 idcologi:l raci:d ofici:d

~A(;A t rOliTICA NO ~~A~ll


é 1l1ais ap:lrenlada a umlipo de ('olllportaml'nlo discrilllinau')ri() n:'I()-c()or·
denado l' sutil.
K O projeto til' [x'sCjuisa foi conduzido elll conjunto pelo Instituto I Jnil'l'rsi·
tCtriu de Pesquisas do Rio lIL- Janeiro (IUPFI{)) e o Celltl'r for Politic:d
Studies do Institute for Soci:d Iksearch lLi Universidade de Michigan A~U~O~DINA~AO AQUlt~CcNH DO~ NtGW~
(Cl'S-ISRl, Sou grato aos diretores do projeto, Phillip Converse, Amaury
de Souza e PeleI' McDonough por colocarem :1 minha disposk:;1O os dados
do sllruey. Sou particularmente agradecido a AI1J;Jury de Souza., por SU:I
assessoria I1wtodol(lgica e o processanll'l1to da an{lIisc de classiricl,::10
múltipla na Universidade de Michigan. O resto da inforl1l:l<;;ào foi processado Haramentc as vítimas de uma ordem social têm suficiente coesào
no Rio Dal<! Centro da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, social e perspicácia política para atacar seus piores inimigos.
usando programas do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS).
Com freqüência, um tal ataque é simplesmente demasiado
'i Os esl:lllos selccion:ldos par" a1110str:lgclll foralll CU:ln;lhar;l, !(io de Janeiro, pl'rigoso. E a qualqucr dado indivíduo pode parecer que existem
Minas Cerais, Espírito Santo, São Paulo e Rio Gramll' do Sul. as perspectivas de uma sulw,,:ào pessoal para o que (: basica-
11) Os não-brancos no estrato social médio podem estar Il'l'el11ente suh-repre- mente um problema social.
sentados na amostra.
Barrington Moem: .r r. , 7b011Mbts 011 vio/r'l1ce and democracy
II DUNCAN. Methollological issues in the analysis of socialll1ohility, p, ')1-97.
"As ulwlas de Illobilidade 1':11':1 as ll1ulht't'l'S n;l() s'lo aprl'sl'nt:ldas, devido
ao pequeno número de mulheres economicamente ativ"s na ,unostra c ao
padrão diferente de mobilidade ocupacional das mulheres. Mais de trezentos anos de escravismo resultaram na concen-
1.\ Pode ser mencionada infonna(;~lO cOlllplementar sohre Illohilid"dc educa- tr:trJto cios hr:tsilciros não-hrancos nas 8reas mais atrasadas
cional intergeracional. Entre os filhos de pais analfabetos, 37'''" dos brancos do país, e sua restrição a um slatus subordinado, Em compa-
e 49 ',,;, dos não·brancos permanecem analfabetos. In\'crs:ll11cnte, entre
filhos de pais alfabetizados, 14°;(, dos brancos e 30',.(, dos não-brancos ";:10
ração a outras classes baixas agrárias, faltou aos escravos
'll1aILIIll'tos. Isso indica uma ekvada incidC'ncia lll' mohilid'lde ('(lu(,;lCion;t! emancipados a fantasia de um passado ou mundo tradicional
intergeracional descendente entre os n:-lo·br:lncos. em que os homens fossem tratados com justiça,
"0 índice ocupacional dos entrevistados foi construído tendo como base a Após a abolição final, o racismo, a discriminação e a segre-
renda e educ:J"ão médias de mais de 200 categorias ocupacionais Iist:ldas
no censo de população brasileiro ele 1970 (" usadas como o c(ldigo ocupa- gação geográfica dos grupos raciais bloquearam os principais
cion:tI OI'igin;1I do proj('tn dl' pesquisa "Hcprest'l1ta<;;!o l' Iksenv()lvinH'l1t() canais de mobilidade SOCial ascendente, de maneira a per-
no Llrasil". petuar graves desigualdades raciais e a con('entra(,';'lo de
li Deve-se observar que as mulheres constituem aproximadamente um negros e mulatos no extremo inferior da hierarquia social.
terço ela força de trabalho brasileira. Outrossim, as mulheres com educado Se a quantidade restrita de mobilidade social individual foi
superior ~1 escola primCtria estào altamente concentradas em ser\'i(;os
educacionais e de saúde, bem como em empregos não-manuais de nÍ\'l'1 menos que suficiente para realizar a propalada "democracia
inferior no setor privado e na aelministracão públic:l. racial", vemo-nos levados a perguntar por que a afiliação
1(, Para maior informa,'ão sobre a anrtlise ele classificação múltipla \'er: racial não consegt.1Íu proporcionar o laço coletivo para esti-
ANDREWS ('I ({I, Mlllli/lle c!{(ssi!lctllio)} (fllal}'sis: a report 011 a (,olllputel' 1111.1 lar as demandas dos negros por mobilidade social grupal
program for multiple regression using categorical predictors, 197').
e pela diminuição das desigualdades raciais,
De fato, a tranqüilidade racial da história brasileira no
século XX foi interrompida por vários movimentos negros.
No entanto, esses movimentos não apenas tiveram vida curta

2:'2
e local, como não foram bem-sucedidos nem em chamar a ênfase em formas simbólicas de integração; Cc) a ultima ratio
atenção às suas reivindicações integracionistas, nem em da dominação, tal como expressa em formas de repressão
originar uma tradição visível de protesto negro. Há um toque (ou a ameaça de empregá-Lls), não diferentes daquelas a que
ele ironia no fato ele que a principal concessão nominal ;1 o resto da classe baixa está exposta. E, finalmente, esses
delll:lJlc!a de igualdade racial - a prol1lUlg:lÇào da Lei Afonso mecanismos c1esmobilizadores operam dentro de um sistema
Arinos em 19') 1, que pune a discriminação de raça ou de político relativamente rígido, sendo uma de suas caracterís-
cor em lugares públicos - tenha se originado de um inci- ticas mais persistentes o compromisso e o padrão de reso-
dente discriminatório em que um negro americano esteve lução dos conflitos entre as elites dominantes, tendendo a
cllvolvido. 1 suprimir a organização autônoma dos grupos subordinados.
Desde () fim do escravismo, as iniqüidades raciais têm A seguir, será feita uma tentativa de analisar, com algum
persistido sem o recurso ele formas severas de repress~lo. detalhe, a origem, o funcionamento e as conseqüências dos
Assim, a tímida resposta branca ~IS formas de protesto racial principais mecanismos societários que explicam o reduzido
é indicativa da modesta ameaça colocada pelos negros ao nível de conflito inter-racial e a baixa mobilização dos negros
status quo racial. A repetida afirmação de que "não temos brasileiros qua negros. Duas considerações são necessárias,
problema racial no Brasil" é não apenas uma questão de desde o início, para delimitar o escopo da discussão. Primeiro:
orgulho nacional, como parece, também, ter sido suficien- embora o foco de interesse dirija-se à dinâmica das relações
temente efetiva para conter as esparsas manifestações de raciais durante o período pós-abolicionista, alguns elementos
inconformismo racial. Nenhuma ideologia racista elaborada centrais do sistema de relações raciais, que têm conexão
ou formas de organização branca para lidar com uma "ameaça

I
direta com o nível contemporâneo de conflito intergrupal,
negra" são distinguíveis. evoluíram e estabilizaram-se durante o escravismo. Assim, a
A questão, portanto, passa a ser: que mecanismos sociais análise exige alguma atenç~lo para um conjunto de desenvol-
a sociedade brasileira criou para lidar com sua população de vimentos históricos, principalmente econõmicos e demográ-
cor, de modo a evitar altos níveis de antagonismo racial e ficos, dos quais as raízes devem ser procuradas no passado
formas coletivas de ação do grupo racialmente subordinado, colonial e escravista. Segundo: visto que a discussão a seguir
para expressar seus motivos de queixas? cnfa ti za certos desenvolvimentos cstrlltu ra is, políticos e ideo-
Como proposição geral, pode-se afirmar que a privação lógicos que estão no cerne da pouca visibilidade política da
absoluta e a completa pobreza raramente levaram a uma ação raça, no Brasil, nenhuma tentativa sistemática de explicar os
política organizada. A posição da maioria dos não-brancos movimentos sociais negros deste séc:ulo será feita. Referências
no sistema de estratificação tem sido tal que a quantidade de a tais movimentos sociais serão feitas apenas quando neces-
recursos que o grupo dispunha, para mobilizar parte deles sárias para ilustrar a linha de argumentação principal.
numa ação coletiva, foi muito limitada. Outrossim, os custos
previstos de tal mobilização podem ter parecido ser suficien-
temente altos para impedir esse curso de ação. o MERCADO DE TRABALHO E O
Inversamente, as elites brasileiras brancas apelaram para ANTAGONISMO RACIAL
uma combinação distintiva de mecanismos com vistas a asse-
gurar a aquiescência dos racialmente subordinados. Impor-
tantes dentre esses mecanismos são: (a) a cooptação social,
o argumento de que a emergência de mercados de trabalho
scgmcnt:ldos é uma fonte importante de antagonismo racial
através da mobilidade ascendente controlacla, de parte da
pode il LIminar a evolução histórica das relações raciais no
população de cor - normalmente os membros ma is claros
Brasil. Nem durante a época da escravidão, nem após a
ou mais ambiciosos; Cb) formas sutis de manipulação ideo-
abolição formaram-se mercados de trabalho racialmente
lógica, que tendem a ocultar as divisões raciais através da

234 235
c;egmentados no Brasil. Esta circunstância ajuda a explicar ou reduz os salários do último • O Sul dos Estados U01'd os a'
, <
o baixo nível de antagonismo racial no Brasil. epoca da expansão das plantações escravistas, fornece ~m
A teoria do mercado de trabalho segmentado e o antago- ~.xemplo de deslocamento: "O trabalho livre que poderia ter
nismo racial, tal como formulada por Edna Bonacich, oferece SIdo empregado nessa qualidade foi expulso e o
, I ' ' pequeno
o quadro necessJ.rio para extrair algumas conclusôes acerca agncu tor mdepenelente foi forçado a abandonar as melhores
da evoluç;ão, a longo prazo, dos mercados de trabalho no t,e~r~'~ls e a .Pro~UÇão dos ,principais cultivos,"(, O segundo pro-
Brac;il, durante c após o escravismo,2 C~Ss~), exclu,:ao, tem maIS probabilidade de ocorrer quando o
;\ idC'ia central de Bonacich é que o antagonismo dnico tub,~lho mais bem pago tem força suficiente para se opor
ou racial emerge primeiro num mercado de trahalho segmen- ~~os mteresses d~s empresários, Os trabalhadores melhor
tado ao longo de linhas étnicas ou raciais, Um mercado de I e.munerad~~ resistem ao deslocamento, quer impedindo a

trabalho cindido deve conter ao menos dois grupos de traba- pl esença flslca de trabalhadores mais baratos na área eI
lhadores cujo preço de trabalho difira, ou diferiria se cum- empr~~o, quer expulsando-os se eles já estiverem preseotes~
prissem a me,sma função, Os determinantes iniciais do preço A pobtlca da Austrália branca contra os imigrantes s"t'
e 1'" a la lCOS
do trabalho, num mercado de trabalho que é segmentado . po 111eslos, a resistência à imigração de chineses e ja 0-
pela introdução de um novo grupo de trabalhadores, são os neses na costa do Pacífico dos Estados Unidos e as atta,
reclamações dos brancos contra a entrada contínua ele neg lS
recursos e motivos," , r ros
e mc lanos na Grã-Bretanha são exemplos demovim nt I
De acordo com Bonacich, "( .. ) a empresa tenta pagar pelo I ~ I e os c e
ex~ usao, promov~( os por trabalhadores brancos organizados,
trabalho o mínimo possível, independentemente de etnia, e
é mantida em xeque pelos recursos e motivos dos grupos de A casta e o terceiro processo e é o resultado mais provável
trabalhadores, Como recursos e motivos com freqüência onde quer que o trabalho mais barato esteja presente e nã~
po~sa ser excluído, Neste caso, os trabalhadores de salários
variam segundo a etnia, é comum encontrarem-se mercados
de trahalho segmentados etnicamente",' Num mercado de ma~~, e~e,vados reservam-se certos empregos e tornam ilegal a
trabalho cindido, um cont1ito triplo entre empresa, um trabalho posslbdldade de os empregadores utilizarem trabalho mais
barato para substituí-los, A casta, argumenta Bonacich é
mais caro e um trahalho mais barato pode evoluir para formas
essencialmente uma aristocracia do tr:lh:llho, Ctn que () 1'1';]-
extrelllas de ;tn(;lgonisl11o racial. QU;lnto aos interesses clCS,C;:lS
1);t1ho !l1,alC; helll pag() lida com u potencial de rebaixamento
classes, os empregadores desejam ter uma força ele trabalho
(~C saLInos do trabalho mais barato, excluinelo este de certos
t;'IO /):11':1(;\ t' c!(lCil qll:lnto possível, p:ll':I competir com outras
tl])<,)S de emprego, O sistema Jim Crow cio Sul elos Estados
empresas. O trabalho mais bem pago é ameaçado pela intro-
~Jnl,dos no período posteri()r ;l Guerra de Secessão c o da
dução de trabalho mais barato no mercado, pois pode forçá-lo
Afnca do Sul são bons exemplos de casta ou ,\ristocracias
:1 dcix:1 r () território ou reduzir seu preço ao nível c!este último,
do trabalho,"
ü trabalho mais barato, por sua vez, é utilizado pelas em-
presas para minar a posição do trabalho mais caro, seja para Considerando-se agora a evolução histórica do Brasil até
furar greves ou para rebaixar o nível dos salários, O trabalho a abolição ela escravatura, pode-se afirmar que os dois pro-
mais barato ou carece dos recursos para resistir à oferta de cessos de antagonismo racial previstos pela teoria dos mer-
emprego (ou uso de força) dos empregadores, ou procura cados ele trabalho segmentados - exclusão e casta - não
um retorno à outra base econômica e social.' conseguiram ocorrer, simplesmente porque, du rante todo o
período, não se formou uma classe discernível de trabalha-
Dependendo das relações de poder entre esses setores,
dores brancos mais hem pagos, ameaçada de deslocamento,
três resultados típicos podem decorrer de mercados de trabalho
segmentados, Primeiro: o processo ele deslocamento, pelo Devido ;10 ('ar;ílcl' ('olonial d:1 c('OJlO11li;1 - com a correspon-
qu:1I o trahalho mais barato desloca os pequenos empresJri(l~ dente monopolizaç~lo pelos escravos da posição de trabalha-
independentes e o grupo de trabalhadores mais hem pago, dores agrícolas na plantação, produzindo mercadorias para

237
exportaçào - muito pouco trabalho urbano foi exigido, para terço da população total. Contudo, com a sucessiva exaustão
permitir a 1'orl11:1<;;\o de uma cla~~e trabalh:ldora livre bem das lavras ele ouro e diamantes, todos aqueles hrancos que
paga. Até meados do século XIX, as cidades brasileiras eram, não puderam enriquecer na mineração e comércio - tor-
al0m de ~ede das funções administrativa~, militares e reli- nando-se mais tarde grandes senhores de terra em Minas
giosas, pouco mais que entrepostos p;lra os bens agrícolas, Gerais e na região cafeeira - dispersaram-se geograficamente,
dirigidos para () mercado internacional e bens importados. reverteram à agricultura de subsistência e, eventualmente, se
Al0m ele um pequeno setor artesanal, a produ(io urbana juntaram às fileiras elos pobres rurais.
estava limitada a uns poucos produtos de h:lixo valm unit:'trlo Apesar do fato de durante o período final da era colonial a
que nào podiam ser importados. H Portanto, a prl'clomin~ncia populaçlo branca não ser mais a pequena minoria de períodos
elas funç<les cOlllerciais das ci<J;](!Cs implicou um baixo grau anteriores, várias circunstâncias econômicas e demográficas
de divisão cio trabalho e restringiu grandemente a diferen- inibiram a formação de mercados de trabalhos segmentados
ciação interna da força de trabalho urbano. De fato, dificil- durante o século XIX.
mente pode-se falar da formação de um mercado de trabalho A primeira e mais importante foi a manute~ção da predo-
livre urbano com uma classe numerosa cle trabalhadores minância cio sistema de produção agrícola onentada para a
assalariados, até os últimos anos elo século XIX, quando o exportação, herdado elos tempos coloniais. Ape~ar .das novas
país experimentou a sua primeira onda de desenvolvimento possibilidades trazidas pela liberalização do comercIo externo,
industrial. em 1808, e da independência política, em 1822, a predomi-
Com rcla(,'ão ;\ evolução agrária do Brasil desde o início nfll1cia de uma organização econômica neocolonial obstruiu
do período colonial, vale a pena notar que a estrutura ele o desenvolvimento do mercado interno. Outrossim, a predo-
grandes propriedades e alta concentração de propriedade da minância do trabalho escravo nas forças de trabalho agrícola
terra emergiu em territórios anteriormente não ocupados ou e urbana bloqueou a formaçlo e expansão de um mercado de
esparsa mente povoados. Em contraste com os Estados Unidos, trabalho livre e manteve deprimida a condição dos homens
onde a expansão para o sul e para o oeste das plantações livres, brancos e não-brancos, cuja força de trabalho era seu
escravistas ocorreu às custas de pequenos proprietários e único recurso econômico.
colonos brancos, o sistema de plantação brasileiro - e seu O período entre a decadb1Cia final da mineração e meados
apêndice econômico, as fazendas de criação de gado do do século XIX foi de crescimento e diferenciação econômica
sertão - expandiu-se geograficamente, sem produzir o deslo- relativamente lentos. Até 1850, o tráfico internacional de
Call1l'nto ele lima classe preexistente, de pequenos proprie- escravos satisfez as demandas de .trabalho dos diferentes
tários ou de camponeses brancos. Isto foi particularmente sistemas econômicos regionais. Após essa data, a área açuca-
verdadeiro durante o ciclo econômico açucareiro do Nordeste, reira do Nordeste iniciou um processo lento, mas firme, de
atl' () fim elo século XVII, quando a reduzida popula,'Jo conversão para o trabalho formalmente livre,' conquanto
hranca constituía lima elite empresarial e administrativa. dependente - submetido a relações de trabalho pré-capi-
Foi somente durante o século XVIII que a população branca talistas - , ao passo que a produção de café no Sudeste
do Brasil experimentou um crescimento substancial. Como baseou-se, ao menos até a década de 1880, no tráfico inter-
foi visto anteriormente, o surto minerador que resultou na regional de escravos para satisfazer suas necessidades de
ocupação da região Centro-Sul não só atraiu a população da trabalho. De sua modesta posição na década de 1820, o
área açucareira nordestina decadente como também estimulou café tornou-se o principal produto de exportação brasileiro
um vigoroso afluxo de imigrantes europeus. Uma conse- durante o século passado. Como ocorreu na expansão das
qüência demográfica elo surto minerador foi a decuplicação plantações de açúcar no século XVII, as plantações escravistas
da população branca - de 100 mil em 1700 para 1 milhão em de café estenderam-se em terras esparsamente ocupadas por
1800. No início do século XIX, o grupo branco alcançava um sitiantes.

239
238
Outra circunstftncia que inihiu () antagonismo racial foi () de trabalho. Embora tais mudanças não fossem uniformes nas
caráter do fluxo imigratório para o Brasil durante o século diferentes regiões do país, persiste o fato de que o processo
passado. Antes da década ele 1880, quando a imigraç:to maciça ele transição para o trabalho livre ocorreu sob o controle
COt11e(Oll, u tl1 considerável nlÍmero de imigra ntes euro[1ells incontestado elas classes proprietárias de terra regionais.
entrou no país, podendo ser distinguidos dois grupos. O Na área ,1çuctreira do Nordeste a transição para o trabalho
primeiro grupo era composto por europeus de posição eco- livre estava bem adiantada à época da abolição, e os escravos
nômica alta, que se engajaram no comércio de exportação/ remanescentes foram absorvidos dentro das formas vigentes
importação e se concentraram nos principais centros urbanos. de relações de trabalho tradicionais. 10 Os produtores de cana
O segundo grupo, formado como resultado dos programas contrabalançaram as condições adversas do mercado inter-
de colonização do governo, fixou-se em pequenos lotes de nacional com alguns esforços no sentido da modernização
terra nas províncias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. agrícola - melhorias no transporte, inovações técnicas no
Embora por razões diferentes - status econômico e locali- cultivo e processamento da cana e a substituição dos antigos
zação geográfica, respectivamente - nenhum dos grupos engenhos por usinas. Contudo:
pôde sentir'a ameaça de deslocamento pelo trabalho não-
branco livre e escravo.
A abolição do escravismo não modificou as relações de
Em resumo, embora a classe baixa branca tenha crescido trabalho, que continuaram baseadas em intercâmbios alta-
a partir de inícios do século XVIII em diante, nenhum grupo mente desiguais entre senhores de terra e trabalhadores.
de trabalhadores brancos, dotado de recursos e motivação Assim, embora inovações técnicas fossem introduzidas, o
necessários para implementar um arranjo de casta, veio a trabalho foi preservado como um recurso pré-mercado,
existir até os últimos dias do sistema escravista. preso por mecanismos sociais e institucionais consolidados
no passado. l1

A síndrome clássica herdada do passaclo - o latifúndio de


Nas décadas seguintes, esta situação permanecerá em
tipo oikos. a monocultura de exportação e o escravismo -
( .. .) inihiu o desem·oh·imento de um setor urbano forte e grande parte inalterada. Ao menos até 1930, o controle dos
autônomo, hem como a consolidação de um campesinato plantadores sobre a terra, uma elevada densidade demográ-
inclependente. O impacto ela escra,·idão dificilmente pode fica e a falta de oportunidades para emigrar para outras regiões
ser suhestimado. Adiou o desenvolvimento do contratualismo tornariam viável a imobilização do campesinato nordestino
nas relações de trabalho, sendo o escravo uma mercadoria através do uso de coerção extra-econômica. Essa classe campo-
em si. O escravismo teve um caráter abrangente na agricul- nesa numerosa, vale a pena notar, era racialmente misturada
tura hrasileira, não deixando lugar para uma força de trabalho e, embora sujeita a diversas formas de relações de trabalho
livre. t\ população branca pobre fe não-branca livre] não tinha pré-capitalistas, apresentava um baixo grau de diferenciação
senão duas opções: colocar-se a serviço ele uma plantação interna em termos de recursos econômicos e políticos,
vizinha ou então restringir-se a atividades de subsistência,
mudando sua base de cultivo, à medida em que a terra Por sua vez, o baixo nível de acumulação de capital, a
ocupada se tornasse atraente para os grandes proprietários predominância de sistemas de trabalho tradicionais, com a
de terra. Outrossim, o escravismo adiou a penetração elo correspondente demanda reduzida do setor agrícola, inibiam
estado, e desta forma [adiou] a l'xtensilo da cidadania no o desenvolvimento urbano e industrial do Nordeste, adiando
país, visto que o senhor de terra competia pelo monopólio assim a formação de uma c'lasse trabalhadora urbana.
da violência em seus domínios. 9 A evolução econômica e demográfica do Sudeste foi anali-
sada com algum detalhe no capítulo IV. Nessa região e par-
A abolição do escravismo em 1888 introduziu importantes ticularmente em São Paulo, onde o surto cafeeiro estava
mudanças na estrutura dos mercados de trabalho e nas rela~'ôes em marcha, o problema do trabalho levantado pela abolição
da escravatura foi resolvido pela promoção da imigração Portanto, embora uma clara estratificação ocupacional ao
européia. Às vésperas da abolição a fronteira cafeeira de longo de linhas raciais, com ')s não-brancos concentrados na
São Paulo carecia de uma reserva de trabalho para assegurar base da hierarquia, tenha evoluído no período 1888-1930
a cxransão ulterior. Ao invés de mobilizar trab~t1ho interno, não se formou um mercado de trabalho racialmente segmen~
a Op~~~lO dos fazendeiros foi a introdução maCIça de traba- tado, nem a classe trabalhadora branca imigrante sentiu a
Ih adores estrangeiros. ameaça de deslocamento por parte do trabalho não-branco
Lançando algumas dúvidas quanto à capacidade emrre- mais barato.
sarial ~Ios fazendeiros, Elisa M. P. Reis lançou a idéia de O registro histórico da industrialização e crescimento eco-
que sua força residia em sua capacidade política de utilizar nômico após 1930 - quando a migração internacional para
o estado, como ator público, para promover seus mteresses o Brasil cessou - indica que a incorporação de parte da
econômicos. população não-branca à classe trabalhadora industrial ocorreu
sem qualquer reação organizada do lado dos trabalhadores
brancos. As práticas discriminatórias sutis e informais pro-
Foi somente quando os fazendeiros paulist;\s acumularam
poder p~lítico suficiente para pôr os recursos públicos a seu
varam ser eficientes no controle da penetração de negros e
serviço cle modo a garantir uma oferta de trabalho ad.equada, mulatos na classe média assalariada.
que finalmente se "converteram" para o trabalho 1.1vre. ~ Os
subsídios governamentais [para os programas de l1111graçaol,
além de recluzir os gastos dos fazendeiros, desempenharam A FRAGMENTAÇÃO DA IDENTIDADE RACIAL
um papel crucial na mercantilização do trabalho. Asseguraram
que o mercado de trabalho funcionaria adequadamente, ao E A COOPTAÇAo SOCIAL
mesmo tempo em que reduzia a capacidade de barganha
do trabalho, na medida em que a manutenção de uma oferta Algumas elas mesmas circunstâncias históricas que impe-
12
ilimitada comprimia os salários para baixo. cliram a formação de mercados de trabalho racialmente segmen-
tados, durante a escravidão no Brasil, se encontram na base
Os t rabalhaclorcs negros foram deslocados por imigrantes, ela constituição de um sistema multirracial de catcgorização
não apenas nas plantações de café, mas também nos ~entros social e da fragmentação da identidade racial da população
urbanos, que estavam numa fase de rápido desenvolVimento de cor.
econõmico e de industrialização. Negros e mulatos foram, Se é verdade que o princípio norteador do escravismo era
assim, excluídos dos setores de emprego mais dinâmicos e divide et impera, parece também evidente que o princípio não
limitados a situações de desemprego ou de empregos em foi aplicado de maneira uniforme nas diferentes sociedades
serviços não-qualificados. O fato crucial, no entanto, é que o escravistas de plantação. Se o escravismo coexistiu ou não
deslocamento da força de trabalho não-branca não resultou com uma população branca numerosa, fez uma grande dife-
da pressão organizada da classe trabalhadora branc.a -:- q.ue rença. Onde o número de brancos foi suficientemente grande,
politicamente não tinha voz ~entro ~a. ~o.ldura olt~arql~IGl tanto para controlar a massa de escravos quanto para preencher
da Primeira República - mas Sim das 1l11CiatlvaS, preconceitos as posições ocupacionais preferidas, pouco campo foi deixado
e preferências dos fazendeiros e empresários urbanos. para a formação de um grupo intermediário de mestiços.
Como foi anteriormente mostrado, um semelhante processo Inversamente, onde os fazendeiros dominantes não podiam
de marginalização econômica ocorreu no resto da r~gião contar com uma classe numerosa de colonos brancos, um
Sudeste, embora o deslocamento e degradação ocupacl0n_al grupo dentro da população de cor foi geralmente cooptado
dos não-brancos não fossem tão severos quanto em Sao para realizar as mesmas funções. Mestiços ou mulatos claros
Paulo, por causa do menor impacto do afluxo migratório foram, nesse caso, os candidatos mais prováveis para OCupar
estrangeiro. as posições intermediárias.

243
São cstas as circunstflncias enfatizadas na explicação posições superiores. Assim. supondo igualdade cultural entre
clássica de Marvin Harris sobre as origens do contínuo de o grupo, quanto mais branca a aparência, maiores as oportu-
cor brasileiro e do sistema racial bipartite dos Estados Unidos. nidades econômicas e sociais. ",
Os senhores de escravos brasileiros "(. .. ) foram obrigados a
criar um grupo livre intermediCll'Ío de mestiços para interpor-se As principais implic<lçôes do contínuo de cor sâo: (a) como
entre eles e os escravos, pois havia certas funções econômicas regra geral, as oportunidades diferenciais de mobilidade
e militares essenciais para as quais o trabalho escravo era social ascendente estão lig:1das a diferentes matizes de cor;
inútil e para as quais não havia brancos clisponívcis".1i Quanto (b) parte dos mcmbros mais claros e ambiciosos da popu-
aos Estados Unidos: lac,'ão não-branca pocle ser absorvida nos níveis médio e even-
tualmentc superior cio sistema branco, sem constituir uma
Todos esses tipos intersticiais de atividades econOI111Cas e ameaça ao monopólio de propriedade, poder e prestígio da
militares, que no Brasil só podiam ser inicialmente ocupadas classe dominante branca. Na medida em que o Brasil pós-
por mestiços livres, eram realizados nos Estados Unidos abolicionista preservou o contínuo de cor, a prática colonial
pelos 'pequenos proprietários rurais do Sul. Pelo fato do e do século XIX de cooptaçz o social dos membros mais claros
afluxo de africanos e o aparecimento de mulatos nos Estados e capazes do grupo de cor f li mantida. '7 Como c()nseC]üf~ncia
Unidos ler ocorrido somente dejJOis de lima classe de br,ll1cos
da identidade racial fragmentada dos não-brancos e ela coop-
intermediária numerosa ter-se estabelecido, não houve, COI11
efeito, lugar p:lra o liberto, fosse ele mulato ou negro." tação de parte do grupo, as aspirações políticas e econômicas
ele base r~lcial são transformadas em projetos individuais ele
mobilidade social ascendente, com o resultado de que granele
Além da falta de trabalhadores brancos qualificados para
parte das energias das pessoas ele cor sào absorvidas na
preencher posições intermediárias, fatores tais como o dese-
"questão imediata de conseguir incrementos de brancura"
quilíbrio na proporção dos sexos do grupo branco, ao longo
ou de assegurar posições sociais conquistadas. Hubert M.
de um extenso período de tempo, e as outras condições
Blalock Jr. avaliou com agudeza as conseqüências políticas
em que a difundida miscigenação racial ocorreu no Brasil,
da existência de um contínuo de cor:
têm sido também utilizados para explicar a formação de um
sistema multirracial de classificação. I')
Com o passar do tempo, um maior cruzamento entre os
grupos originais (brancos, mulatos e negros) tendeu a diluir
as categorias raciais originais em um contínuo de cor - ao I Há um bom número de razões pelas quais pode-se esperar
muito menos conflito de poder intergrupal em situações em
que existe um contínuo de cor. Ao não haver demarcações
nítidas ou barreiras de cor, há sempre a possibilidade de

I
qual se correlaciona um complexo sistema de nomenclatura mobilidade aSCendente para uns poucos bem-sucedidos. A
racial - onde diferenças mínimas no tom da pele tornaram-se liderança minoritária potencial é desta forma drenada para o
dados sociais significativos. Uma vez que o contínuo de grupo de elite. Como a discriminação não é legalmente
cor se estabelecera, tornou-se praticamente impossível imposta e como não seria fácil introduzir a discriminação
transformá-lo num sistema racial rígido, do tipo casta. z legal baseada em raça ou etnia, o sistema consegue ser muito
Criou-se assim uma situação em que: mais sutil. Os indivíduos responsáveis [pela discriminação]
não podem ser prontamente identificados, nem haverá
formas simbólicas de discriminação capazes de mobilizar
( ... ) as outras coisas sendo iguais, os favores são distribuídos qualquer um dos grupos. IA
entre os mestiços na base de seus graus aparentes de mistura.
Em outras palavras, uma recompensa é atribuída aos graus
de branqueamento entre as pessoas de cor. Os graus de De maneira similar, Carl N. Degler enfatiza a distinção
cor tendem a se tornar um determinante do status num socialmente aceita entre negros e mulatos, que proporciona
gradiente contínuo de classes sociais, com os brancos nas a estes últimos uma saída das desvantagens da negritude,

244
245
inibindo assim o senso de solidariedade necessário ao "branqueamento" e o mito da "democracia racial" brasileira
sucesso das organizações a favor dos direitos dos negros. são, muito claramente, os produtos intelectuais das elites
Com relação aos líderes potenciais de movimentos sociais dominantes hrancas. Estes conceitos destinam-se a socializar
negros, Degler afirma: a totalidade da população (brancos e negros igualmente) e a
evitar áreas potenciais de conflito social.
Graças à "saída ele emergência" do mulato, porém, esses Como foi mostrado na parte anterior, o contínuo ele cor
líderes naturais em potencial são estimulados a verem a si implicou a fragmentação da identidade racial dos não-brancos
mesmos como diferentes - na verdade melhores que os e a transformação do potencial de ação coletiva em expecta-
negros. Não são incluídos na definição brasileira do "negro" tivas individuais de mobilidade ascendente. As conse-
e, assim, seguem seu caminho afastando sua GtpacicLlde, qüências do contínuo de cor, isto é, o enfraquecimento da
dinheiro e prestígio de organizações pelos direitos do negro. solidariedade não-branca, a fuga individual da negritude e
( ... ) No Brasil, tais homens (como Frederick Douglas, Booker
a c()optação social de lideranças potenciais receberam um
T. Washington, W. E. B. Dubois, John Hope etc.) ficariam
certamente tentados a ignorar sua ligação com outros negros maior reforço, quando o ideal de branqueamento tornou-se
e usar à "saída de emergência" do mulato para a ascensão parte do projeto das elites dominantes para transcender o
individual. Pode-se dizer, até, que os grandes líderes em subdesenvolvimento brasileiro. O ideal de branqueamento,
potencial dos negros no Brasil escaparam todos pela "saída já presente no pensamento abolicionista, não só era uma
de emergência", para sua própria ascensão, mas com perda racionalização ex-post do avançado estágio de mestiçagem
para os negros em geral.!') racial da população do pafs como tamhém refletia o pessi-
mismo racial do fim do século XIX.
Deveria ser acrescentado, no entanto, que os obstáculos
à formação de organizações e movimentos sociais negros
o legado colonial de degradação social e preconceito racial
no Brasil parecem correr nas duas direções. Por um lado, veio à tona no século XIX, sob a forma de um agudo pessi-
como Blalock e Degler corretamente acentuam, o contínuo mismo racial, n;l cren~'a de que somente a imigraç:io de
ele cor tende a drenar a liderança potencial dos negros. Por brancos europeus atrav,~s da colonização poderia fornecer a
outro lado, a distância social entre a elite de cor e a massa ('O 1'\; a ele trabalho industriosa capaz de transformar a América
ele negros, mais o engajamento da maioria dos negros, em Latina. J.o
esforços que visam simplesmente assegurar a sohrevivência,
tornam difícil a lima Iideranp cm potl;nci;t! encontrar um A "apatia, indolência c imprevidência" da mass;\ predo-
púhlico para movimentos de demanda organizados. Em mina ntemente ele cor ela população era um fator crucial no
lermoS do marxismo, a maioria dos negros está mais próxima diagnóstico do atraso econômico brasileiro feito pelas elites.
cio lumpenprolctariado que do proletariado. Estas supostas características da classe baixa hativa eram
isoladas elas concliç'ôes históricas que impediram seu acesso
à propriedade e sua socialização na disciplina do mercado
AS ARMAS IDEOLÓGICAS: de trabalho livre. Conseqüentemente, a imigração européia
era colocada como a solução, a curto prazo, para o problema
"BRANQUEAMENTO" E "DEMOCEACIA RACIAL"
do trabalho causado pela abolição da escravidão, bem como
uma contribuição, a longo prazo, para o branqueamento da
Se é difícil determinar se a formação de um contínuo de população do país.
cor no Brasil foi a conseqüência desejada das políticas
implementadas pelos colonizadores portugueses ou um meca- As suposições racistas elo ideal de branqueamento eram
nismo social que evoluiu, não-intencionalmente, a partir das que a superioridade branca e o desaparecimento gradual dos
limitações do processo inicial de colonização, o ideal do negros resolveriam o problema racial brasileiro. "Uma vez

247
246
que a ideologia do branqueamento é aceita, o mulato repre- conseqüência importante do branqueamento social é que a
senta um passo à frente na direção da 'redenção' da raça adoção pelos não-brancos socialmente ascendentes das
rnegra I, através de sua an iqu ilação. "21 Con tudo, as doutrinas normas e valores do estrato branco, dentro do qual a aceitação
racistas européias e norte-americanas não eram aceitas tou! social é procurada, implica normalmente a transformação do
co /I r'. grupo negro de origem em um grupo de referência negativa.
Assim, o branqueamento social não só promove a divisão
Dada a experiência de sua sociedade ll1ultirracial, a tese interna entre os não-brancos, como também se encontra no
cio br;\nqueamento oferecia aos brasileiros um raciocínio cerne das manifestaçõe~; de preconceito de mulatos ascen-
para aquilo que acreditavam estar já acontecendo. Eles dentes contra negros.
tomaram de empréstimo a teoria racista da Europa e a
segu i r se descarta ram de duas cbs princi pa is su posi<:ôes O processo de branqueamento da população brasileira vem
da teoria - o caráter inato das diferenças raciais e a dege- ocorrendo há várias décadas. Além do impacto da imigração
nerescência dos mestiços - de modo a formularem sua européia e da prática tradicional de exploração sexual de
própria solução para o "problema negro". Parte não pe- mulheres negras por homens brancos de classe média e
quel~a de seus atrativos era o senso de alívio - às vezes superior, o efetivo branqueamento da população resulta da
mesmo de superioridade - que tal solução lhes oferecia ao tendência das pessoas de cor para escolherem parceiros de
compararem seu futuro racial com o dos Estados Unidos 22 casamento mais claros que elas próprias. Dada a recompensa
atribuída ao grau de brancura, o sistema induz os não-
Uma implicação adiciunal da ideologia do branqueamento brancos a casar com pes~oas mais claras, de modo a maximizar
era a crença difundida na homogeneização racial ("ariani- as chances de mobilidade ascendente da sua prole. Para as
zaç;lo") da população, uma crença em que desejo e realidade pessoas mais escuras, confinadas cm posições sociais infe-
se fundiam. Assim, a conseqüência prática do ditado, segundo riores, há sempre a esperança de que seus filhos, se conve-
o qual "nós brasileiros estamos nos transformando num povo nientemente "branqueados", tenham mais oportunidades que
só" (onde "um povo" significa "uma raça"), era a de desenfa- elas tiveram. Nas palavras de Degler, o estímulo ao branquea-
tizar a percepção de divisões raciais. mento no Brasil
Thomas E. Skidmore observou que, como resultado elas
mudanças no cenário internacional, por volta da década de (. .. ) reduz o descont(~ntamento social entre os negros, lImil
1950, a idéia do branqueamento c1eixar;\ de ser um objetivo vez que as h:nrciras que ('OJ1tf'lll os nllll:llos nos ESlados
rcspcitúvel a ser proclamado pelas elites culturais hrasi- Unidos, independentemente de classe e educa\;'ã ü , são muito
leiras. 2õ Contudo, independentemente do quanto perdera sua menos rígidas no Brasil. Assim, um negro no Brasil pode
legitimidade como objetivo nacional publicamente procb- esperar que seus filhos sejam capazes de romper as barreiras
mado, o ideal de branqueamento não apenas manteve ampla que o mantiveram numa situação inferiór Se puderem
aceitação popular como continuou também a condicionar o simplesmente casar com alguém mais claro do que ele. Seus
filhos, em suma, podem avançar social e ocupacionalmente,
comportamento dos não-brancos, através dos esforços de
'limito embora ele nào tenha podido. Uma tal realidade
branqueamento social e biológico. atua como válvula de segurança para o descontentamento
O branqueamento social corresponde à noção popular de e frustração entre negros e mulatos. 24
que "o dinheiro branqueia". Essencialmente, ele ativa o meca-
nismo de compensação parcial de status através do qual as Em suma, o ideal de branqueamento funcionou como
pessoas de cor bem-sucedidas, em termos educacionais e eco- reforço simbólico do mecanismo pelo qual "(. .. ) a existência
nômicos, são percebidas e tratadas como mais claras do que de oportunidades de mobilidade social individual induz um
pessoas de aparência semelhante, mas de status inferior. Uma cálculo racional ao negro, segundo o qual suas oportunidades

248 249
de ascensão são estimadas como estando em proporç:io Contudo, a noção de uma democracia racial estava já prefi-
inversa à sua solidariedade étnica",2'i Uma cultura racista, que gurada em algumas das avaliações passadas da relação
estimula uma exibição narcisista de brancura e condena o senhor-escravo, tais como as idéias do benigno senhor e do
segmento mais escuro da população ao dcsaparecimento tratamento suave e humano dos escravos. 28
gradual, dificilmente pode constituir um terreno fértil para a O mito da democracia racial não só implicou uma "recons-
negritude e o orgulho racial entre os não-brancos. trução idílica" do passado e a persistência do c1ientelismo,
Se o ideal de branqueamento transformou-se na sanç;lo como foi também sustentado pelas realidades sociais do
ideológica do contínuo de cor desenvolvido durante a escra- período republicano inicial - a falta de discriminação legal,
vidào, () mito ela "democracia raci:lI" brasileira é, induhita- a prcscn\'a de alguns n;lo-brancos dentro da elite e a ausência
velmente, o símbolo integrador mais poderoso criado para ele conflito racial declarado. Por sua vez, a comparação
desmobilizar os negros e legitimar as desigualdades. raciais, freqüente dessas realidades com a situação racial de outras
vigentes desde o fim do escravismo. sociedades, particularmente os Estados Unidos, ajudava a
Com re}ação às pré-condiçôcs históricas que favoreceram moldar a auto-imagem favorável dos brasileiros com refe-
a formação do mito da democracia racial, Emilia Viotti da rência às relações raciais.
Costa enfatiza o sistema de paternalismo e clientelismo tradi- Os princípios mais importantes da ideologia da democracia
cional que ainda petmeava a sociedade brasileira, durante a racial são a ausência de preconceito e discriminação racial
transiçào da escravidão p:lI'a a liberdade. H ' Sob essa estrutura no Brasil e, conseqüentemente, a existência de oportunidades
c1ientelista, a mobilidade social foi o resultado ele um Illeca- econômicas c sociais iguais para brancos e negros. De fato,
nismo de patronato, controlado pela elite branca, mais do mais do que uma simples questão de crença, esses princípios
que de competição de mercado. assumiram o caráter de m1ndamentos: "(1) Em nenhuma
circunstância deve ser admitido que a discriminação racial
existe no Brasil; e (2) Qualquer expressão de discriminação
Segura em suas posições, controlando a mobilidade social e
racial que possa aparecer deve sempre ser atacada como não-
permeada por um conceito hierárquico de organizaçào socbl,
que sancionava as desigualdades sociais e enfatizava as obri- brasileira."29 O conteúdo desse "verdadeiro culto da igualdade
gaçôes mútuas ao invés da liberdade pessoal c os direitos racial" é consubstanciado em afirmativas populares tais como
individuais -, a elite brasileira nào temia os negros como os "o negro não tem problema", "não temos barreiras baseadas
norte-americanos. Assim, o senhor de escravos brasileiro, que em cor" e "somos um povo sem preconceito".
compartilhava com os senhores de escravos de qualquer parte Do ponto de vista dos não-brancos, os efeitos da ideologia
estereótipos negativos dos negros, nunca traduziu esses da democracia racial são semelhantes àqueles do credo liberal
estereótipos em "racismo" e discriminação legal.2"
da igualdade de oportunidades. Isto é, a responsabilidade
pela sua baixa posição social é transferida ao proprio grupo
A estrutura clientelista, com a correspondente falta de uma subordinado. A conseqüência lógica da negação do precon-
ameaça de poder e a competição econômica limitada, sobre- ceito e discriminação é a de trazer para o primeiro plano a
viveu após a abolição do escravismo. Isso eliminou a neces- capacidade individual dos membros do grupo subordinado
sidade de um sistema de segregação racial. como causa de sua posição :30cial, em detrimento da estrutura
Como observou Florestan Fernandes, a ideologia da demo- de relações intergrupais.
cracia racial brasileira era incompatível com Ce inútil dentro Admitindo-se que a auto-imagem e a confiança dos membros
de) uma sociedade escravista. Como tal, só poderia se de um grupo são função da posição do grupo na hierarquia
desenvolver plenamente quando as relações entre brancos social, a avassaladora evidÉ~ncia de subordinação social dos
c negros pudessem ser representadas em consonància com não-brancos deve ter certarnente contribuído para o senti-
as bases jurídicas do regime republicano estabelecido em 1889. mento de inferioridade que veio a ser conhecido como "o

250 2')1
complexo" - uma síndrome sociopsicológica que as lideranças com a indiferença dos brancos ou então eram condenados
negras das décadas de 1920 e 1930 tentaram erradicar de seus como expressões de "intolcrfll1cia e racismo negro" que amea-
seguidores. çavam a paz social: b resultado do consenso ideológico
A adesão dos brasileiros brancos à ideologia da democracia branco a respeito de questões raciais foi
racial é tal que a distinção entre "falsa consciência", como
conjunto de concepções cuja inadequação não é clara para ( ... ) a neutralização do "meio negro" como coletividade ou
seus aderentes, e "falsidade da consciência" ou hipocrisia categoria racial para qualquer processo dotado de real efi-
pura, torna-se difícil. Esta adesão implica um padrão duplo cácia política. No fundo, o que se passou pode ser descrito
em que concepções preconceituosas sobre os negros e práticas sociologicamente como a contenção efetiva do radica-
discriminatórias disfarçadas coexistem com uma polida eti- lismo negro pela ordem social inclusiva (embora ficasse
nos limites do "legítimo" e defendesse a continuidade dessa
queta racial, pela qual as manifestações públicas de precon-
mesma ordem social).;\1
ceito e as formas abertas de discriminação incorrem numa
severa desaprovação.
Após o fim da escravidão, o mito da democracia racial e as
Duas con'seqüências práticas da aceitação monolítica pelo
imagens vigentes de harmonia racial permitiram a substituição
grupo branco da mitologia racial são dignas de nota. Primeiro,
de medidas redistributivas em favor dos não-brancos por
uma vez que a democracia racial e seus corolários - inexis-
sanções ideológicas positivas e integração. simbólica dos
tência de preconceitos e discriminação racial - são tomados
racialmente subordinados. Simultaneamente, a conformidade
como um dado, as manifestações de preconceito contra os
dos brancos à ideologia racial dominante deixou os negros
negros são atribuídas a diferencas de classe antes que de
politicamente isolados e impediu a formação de coalizões com
raça. Assim, quaisquer que possam ser as desigualdades entre
aliados brancos mais poderosos, para lutarem pela redução
brancos e negros, elas não são o resultado de considerações
das desigualdades raciais.
raciais, mas advêm da classe e da baixa posição social dos
negros. Essa opinião, que é comum entre brancos educados Como construção ideológica, a "democracia racial" não é
e tem sido aceita por analistas de relações raciais brasileiras, um sistema desconexo de representações; está profundamente
tais como Don~dd Pierson e Charles Wagley,óll obviamente entrosada numa matriz mais ampla de conservadorismo ideo-
deixa sem explicação os fatos de que, nove décadas após a lógico, em que a preservação da unidade nacional e a paz
aholi,'ão, os negros ainda estejam super-representados na base social são as preocupações principais. Bolivar Lamounier
da hierarquia social e de que os não-brancos de classe média lançou a interprda~:ão segundo a qual a concepção da política
sofram formas severas de discriminação. Segundo, a ideologia brasileira, caracterizada pela tendência ao "compromisso", é
racial oficial produz um senso de alívio entre os brancos, central para a consciência conservadora do país. 52 A idéia de
que podem se isentar de qualquer responsabilidade pelos compromisso, como busca de cursos de ação alternativos à
problemas sociais de negros e mulatos. O consenso generali- violência (particularmente fc rmas coletivas de violência), ajuda
zado entre os brancos, no sentido de que o país não tem um a estabelecer a concepção de um caráter nacional brasileiro
problema racial, impediu a formação de coalizões com grupos que inclui noções tais como a do "homem cordial", do "povo
brancos que, sob outras circunstâncias, poderiam ter sido pacífico" e da propensão à tolerância e conciliação. O desen-
mais receptivos às demandas dos movimentos sociais negros volvimento de uma tal concepção ideológica é interpretado
e que resultou no que Florestan Fernandes adequadamente por Lamounier como uma resposta adaptativa ao potencial
descreveu como isolamento político dos negros. O caso de conflito inerente à sociedade brasileira. É nesse sentido
dos movimentos de protesto negro em São Paulo, durante que a "( ... ) ênfase brasileira na 'democracia racial', por
a Primeira República e inícios da década de 1930, é ilustra- exemplo, pode ser vista como um meio cultural dominante,
tivo a esse respeito. Esses movimentos ou se defrontavam

252 253
cujo principal efeito foi o de manter as diferenças inter- como ela é colocada, juntamente com a identificação da
raciais inteiramente fora da arena política, com(; conflito raça às relações de classe, eventualmente empreste a estas
apenas latente"." seus matizes fa lsa mente ha 1"111011 iosos .."

Assim, a imagem da harmonia étnica e racial como parte


de uma concepção ideológica mais ampla da "natureza hu- Num certo sentido, a sociedade brasileira criou o melhor
mana" brasileira é associada a um mecanismo de legitimaç;10 dos dois mundos. Ao mesmo tempo em que mantém a estru-
destinado a dissolver tensôes, bem como a antecipar e con- tura de privilégio branco e a subordinação não-branca, evita
trolar certas áreas de conflito social. a constituição da raça como princípio de identidade coletiva
c ação política. A eficácia da ideologia racial dominante
A desmobilização produzida pela ideologia racial vigente
manifesta-se na ausência de conflito racial aberto e na desmo-
na sociedade civil tem sido reforçada pela produção simb(í-
bilização política dos negros, fazendo com que os compo-
li~a do estado (legislação e medidas constitucion~~is) e pelas
nentes racistas do sistema permaneçam incontestados, sem
afirmativas ritualísticas das autoridades do próprio estado,
necessidade de recorrer a um alto grau de coerção.
no sentido de que o objetivo nacional de integração racial já
foi atingido.

CONDIÇÔES EXISTENCIAIS DOS NÃO-BRANCOS


Com (a :lholi(:tol c a lcgis\ac,':to suhseqiicnte rcforc,'aclas pel:ls
idealiz:l<,,'ôes prematuras do que poderia vir a ser, Ulll custo
adicional foi estabelecido para os benefícios quase inteira- Tem sido sugerido que os movimentos revolucionários têm
mente simbólicos; um conjunto de parâmetros foi criado para pouca probabilidade de ocorrer, quer quando a sociedade
toda estratégia negra futura, na medida em que as regras do é capaz de atender às novas necessidades e expectativas,
jogo proíbem uma definição explícita desses objetivos e os quer em situações estáticas, em que as expectativas não
limitam, muito embora a ocorrência de preconceitos e atos asceneleram. As revoluções t€~m mais probabilidade de ocorrer
discriminatórios dependa de fatores que, para os' negros, sào "quando um período de desenvolvimento econômico e social
incontroláveis.·li
objetivo é seguido por um curto período de grave reversão.
As pessoas temem então, subjetivamente, que o terreno ganho
Finalmente, deve-se ressaltar que a ideologia racial elo
com grande esforço seja rapidamente perdido; seu sentimento
Brasil, além de inibir a articulação de demandas autônomas
torna-se, então, revolucionário" .1ú
dos negros, não é neutra com relação a outras áreas ele
conflito social. Dada a elevada correlação entre posição ele Embora esta perspectiva teórica tenha como objetivo
classe e afiliação racial, a imagem de harmonia racial e o mito explicar irrupções revolucionárias gerais, pode ajudar a dar
de uma democracia racial desempenham uma função igual- conta da emergência de movimentos étnicos e raciais de
mente importante no encobrimento do potencial de conflito tendência revolucionária ou integracionista. Entretanto, dado
de classes e de polarização objetiva de classes. A identificação que esta generalização estabelece um nexo direto entre dois
dos não-brancos com um grupo racial "tolerado" é menos conjuntos diferentes de circunstâncias, isto é, condições
angustiante que o sentimento de pertencer aos segmentos socioeconômicas objetivas e estados mentais individuais, é
subordinados da estrutura de classes. de se esperar um aumento em seu poder explicativo, quando
as condições políticas intervenientes nas relações causais
postuladas sejam explicitadas. Neste sentido, a teoria pode
c .. )
a ênfase obsessiva na harmonia racial (em desacordo
ser complementada, afirmando-se que um aumento na razão
com sua definição anterior como efetivamente uma nào-
questão) despreza qualquer análise de classes; portanto, expectativa/satisfação fornece a oportunidade, mas uma elite,
ironicamente, a raça, também em seu sentido relevante uma organização e uma ideologia são necessárias para se
(relacionado à classe), é ignorada, embora a forma reificacla iniciar um movimento social revolucionário (ou reformista).

2')4 255
Esta conceituação simples fornece o quadro para examinar massas rurais - incluindo brancos e não-brancos, igual-
ou t ros fatores que se relacionam com o potencial de ação mente - é que, aineb em 1970, 58,8% elos trabalhadores
coletiva dos negros no Brasil. As partes anteriores deste capí- agrícolas eram analfabetos (em comparação a 17,9% dos
tulo analisaram alguns dos mecanismos sociais que inibir,lm trabalhadores nas atividades não-agrícolas), e em 1972,75,8%
a fOrm;1('ão ele uma liderançl negra e impediram a fonnllbçlo d;t populaç,lo rural com alguma renda monetária recebia um
de uma estratégia negra e uma contra-ideologia racial. Esta salário-mínimo ou menos, ao passo que apenas 39,6% da
parte avalia certos aspectos da história social pós-abolicio- população ürbana recebia uma renda tão extremamente baixa. 39
nista dos não-brancos que estão também na b;lse elo baixo Quanto à população não-branca da região ele maior desen-
nível de mobilização política do grupo. Serão enfatizadas as volvimento do país, o Sudeste, deve ser lembrado que, até
circunstâncias sociais que mantiveram uma grande proporção 1930, permaneceu fora dos se! )res capitalistas de emprego, como
de não-brancos em situações ele privação absoluta, dificultaram conseqüência da competição dos trabalhadores europeus. A
sua aquisição de habilidades organizacionais e obstruíram a grande maioria de negros e mulatos foi conseqüentemente
percepção de uma ligação clUsal entre afiliaç;lo r;lcbl c b;\Íxa 1l1:lntid:1 VIlI sitll:I,'Cl{'S de l11;trginalidadc ccon{'lllica e :ICluclcs
posição sociaJ que podiam se empregar nas áreas urbanas faziam-no princi-
Considerando-se todo o período desde o fim do escravismo, p~tlmcnte em serviços domésticos e outros serviços não-qualifi-
um dos fatores mais importantes a afetar o nível de mobilização cados, em que prevaleciam:! dispersão ecológica e relações
política dos negros é a neutralização política da classe baixa de dependência pessoal. lO
rural, uma classe em que os não-brancos têm estado repre- A exclusão da estrutura ocupacional capitalista emergente,
sentados mais do que proporcionalmente, particularmente nas no entanto, não representou um grave declínio no padrão de
regiões agrícolas mais atrasadas. i7 A contrapartida política vicia para a maioria de negros e mulatos - apenas o pequeno
do "sistema repressivo de trabalho", tornada possível pela grupo ele artesãos qualificados e pequenos comerciantes
distribuição desigual ela terra e pela escassez de empregos perdeu terreno por causa da competição econômica dos imi-
agrícolas, é o sistema de dominação tradicional conhecido grantes. Outrossim, as posições ocupacionais preenchidas
como coronelismo, em que os notáveis locais, geralmente pelos não-brancos, muitas delas mantidas através do pater-
grandes propriet{lrios de terra, desempenham o papel ele nalismo da classe alta tradicional, tinham pouca probabilidade
intermediários entre a população rural dependente e o estado de elevar as expectativas sociais do grupo."!
e os centros políticos nacionais. "Nas regloes atrasadas ou Os não-brancos também permaneceram fora de algumas
decadentes, a dominação tradicional foi mantida com o apoio das mais importantes áreas de conflito social em que poderiam
do centro [político], em troca ela manutenção da orclem interna aprender a atuar politicamente. Na medida em que negros e
e do apoio eleitoral."lH Os processos de industrialização e mulatos permaneceram fora dos setores mais combativos da
urbanização, as instituições políticas cio Estado Novo e do classe trabalhadora industrial - tais como têxteis e sapateiros
período pós-1964 enfraqueceram o pólo local de poder em no Rio de Janeiro e São Paulo, e ferroviários em São Paulo -
benefício do centro político, e debilitaram o papel mediador eles foram excluídos da aquisição de habilidades políticas e
dos coronéis. Entretanto, a evolução da estrutura agrária do de técnicas organizacionais que poderiam ter sido transferidas
país e as políticas (ou sua falta) dirigidas para o setor agrícola para os movimentos sociais negros. Assim, quaisquer que
perpetuaram o estado de dependência e a ausência de poder fossem as manifestações de protesto negro durante a Repú-
da classe baixa rural - cuja única reação viável ao status blica Velha, os militantes negros não podiam contar com
quo agrário após 1930 foi a migração para as cidades ou aliados externos nem com uma maior experiência ganha nas
áreas de fronteiras agrícolas. A evidência convincente da lutas sociais elo período.
privação absoluta e da "estabilidade das expectativas" das

256
257
Após 1930, o crescimento econômico e a industrialização Se uma orientação individualista para com a mobilidade
do Brasil processaram-se firmemente na forma da substituição social ascendente é típica da pequena classe média de não-
de importações, o que ocorreu paralelamente a uma rápida brancos, de um ponto de vista político, a predominância da
urbanização da população de cor do Sudeste. As condiçôes identidade de classe sobre a identidade racial é talvez a
mais favor~iveis do mercado de trabalho resultaram numa característica mais relevante dos negros e mulatos da classe
crescente diferenciação ocupacional do grupo. Embora uma operária urbana. Uma explicação plausível para a tendência
grande maioria de negros ainda permaneça no subproleta- a se comportar politicamente em termos de classe, ao invés
fiado urbano, o período após 1930 caracteriza-se pela emer- de afiliação racial, deve levar em conta alguns aspectos
gência de uma pequena elite de não-brancos de classe média históricos da incorporação de negros e mulatos à classe
e pela incorporação de um número substancial de negros e trabalhadora industrial. Primeiro, após abundante oferta de
mulatos à classe trabalhadora industrial. Esse processo de trabalhadores imigrantes ter cessado, por volta de 1930, as
estratificação interna e a conseqüente modificação no padrão indústrias brasileiras adotaram práticas de recrutamento e
de relações sociais dentro do grupo não-branco levantou promoção menos discriminatórias que os setores hierarqui-
outros obstáculos à produção de uma identidade coletiva e zados de empregos de nova classe média no comércio,
mobilização do grupo.i2 bancos e administração pública. Segundo, os negros e mulatos
recém-incorporados à classe trabalhadora industrial benefi-
Os não-brancos de classe média têm estado situados numa ciaram-se da legislação social promulgada pelo estado, sob o
posição ambivalcnte, que se reflete em seu padrão de adap- sistema corporativo de controles trabalhistas ele Vargas.
tação a seu status recém-adquirido. Este é o setor da população
não-branca que experimentou a maior soma de ganhos econô-
micos e sociais com relação às gerações passadas. Contudo,
c. .. ) a década de 30 introduz alterações gerais na política
trabalhista nacional. Foi particularmente importante, para o
devido a suas realizações educacionais mais elevadas e às trabalhador negro, a me lida que estabeleceu a vigência do
formas de discriminação encaradas em seu movimento ascen- salário-mínimo. Tal medida garantiu, ao negro e ao mulato,
dente, este grupo está em melhor posição para visualizar a certa eqüichlde na competição salarial com os brancos envol-
operação de mecanismos racistas. Com base nisso, é possível vidos nos mesmos níveis ocupacionais. H
conceber este grupo como a principal fonte de liderança
negra, tendo, de fato, as raras manifestações de não-confor- Terceiro, e provavelmente mais importante, é a tradição
mismo racial durante as últimas décadas, partido dos membros ideológica da classe trabalh:ldora industrial - sindicalismo,
mais jovens e educados da classe média de cor. No entanto, anarquismo, socialismo e comunismo - trazida ao Brasil
como resultado de seu desvinculamento da massa de negros pelos trabalhadores de origem européia. Como se poderia
e seu restrito acesso social aos brancos de posição social esperar, tais correntes ideológicas, que continuaram a atrair
semelhante, a reação típica dos não-brancos de classe média as lideranças de classe mais militantes e autônomas após 1930,
tem sido a de isolamento social. É interessante notar-se a apelavam para a unidade da classe trabalhadora ao invés de
esse respeito que a caracterização de Florestan Fernandes dos suas divisões internas - raciais ou de qualquer outra natu-
valores e comportamento do mulato e do negro ascendentes em reza. Outrossim, a falta de ênfase na heterogênea composição
São Paulo assemelha-se grandemente ao retrato da "burguesia racial da classe trabalhadora foi reforçada pela relativa
homogeneidade socioeconômica desta classe e sua fraque-
negra" americana, desenhado por E. Franklin Frazier: a adesão
za numérica e política.
a uma ética de individualismo competitivo e a um moralismo
rigoroso, a preocupação com as marcas exteriores de um ele- Quanto ao subproletariado de cor, além das evidentes
vado padrão de vida, a fuga à identificação com a massa dos dificuldades de organização e mobilização de um grupo cujas
negros e a obsessão pela competição por status. i ; atividades são quase inteiramente dedicadas ao "processo de
simplesmente permanecer vivo", a reação mais provável a

2'í8 2'í9
situações de contato inter-racial é ~~ do "indivíduo [que) aceita Embora os não-brancos estejam desproporcionalmente
e reconhece tacitamente sua inferioridade. Não a discute nem conccntr;,c!os em favelas, nào houve uma tendência à formação
a encara como uma afronta moral. Por isso, não vai procurar de guetos racialmente homogi: neos com estruturas institucionais
saber se existe ou nào existe preconceito de cor."" auto-suficientes. Mesmo nos locais mais urbanizados e indus-
Em suma, o processo de estratificação interna da população trializados, o Brasil está longe de se aproximar da situação
negra e mulata levou a uma situação em que as manifestações descrita no tipo competitivo de relações raciais ele P. L. Van
esporádicas de descontentamento e protesto racial permane- den Berghe, em que as clivagens raciais "e ... ) expressam-se
ceram confinadas a círculos relativamente fechados e pequenos através de segregação espacial em nível ecológico e duplicaçôes
de intelectuais não-brancos, sem repercussões importantes de instituiçôes análogas ei.e., em organizaçôes eclesiásticas e
no nível da massaY' sistemas escolares paralelos) em nível da estrutura social" Y
Duas outras características das relaçôes raciais brasileiras A falta ele paralelismo institucional não significa que os
que tendem a obstruir a percepção ele uma relação causal negros brasileiros sejam desprovidos de formas de associação
entre cor da p~le, discriminação e posição social baixa podem próprias. Muito pelo contrário, têm uma rica tradição de viela
ser introduzidas a esta altura. A primeira é o fato de negros associativa, em grande parte centrada em torno de instituições
e mulatos compartilharem condiçôes de vida semelhantes religiosas e recreativas. Essas instituições, no entanto, rara-
às de muitos brancos e mestiços quase brancos, de classe mente praticaram uma política de exclusivismo racial, e sua
baixa. A segunda peculiaridade é a ausência, no Brasil, ele evolução durante o século atual está marcada pela transição
paralelismo institucional, pelo qual os diferentes grupos de uma situação inicial, em que era objeto de desconfiança
raciais desenvolvem e mantêm instituiçôes sociais e culturais dos brancos e de freqüentes invasões policiais, para uma de
separadas. cooptação cultural e ele controle social pelo grupo dominante
O fato de compartilhar condições de vida semelhantes branco. Durante as primeiras décadas deste século, batuques
com os brancos da classe baixa não só significa que muitos e congados, bem como o samba, eram originalmente expressões
negros e brancos ocupam posiçôes semelhantes na estrutura culturais do negro. Com o pass;lr do tempo, essas manifestações
de classes, como implica também uma ampla gama de inter- culturais negras foram incorporadas como uma parte legítima
curso social entre os elois grupos - ele contatos amistosos l' ti;, cultura nacional. Um processo semelhante ocorreu com as
superficiais no emprego e em vizinhanças racialmente mistas instituiçôes religiosas e recreativas afro-brasileiras, que pri-
até relacionamentos sociais mais íntimos, tais como casamentos meiro aceitaram a presença da classe baixa branca e, mais
inter-raciais que, embora não tão numerosos quanto alguns tarde, incluíram brancos de classe niédia e patrocinadores
autores nos fariam pensar, são mais freqüentes dentro da classe ricos. No Rio ele Janeiro, é claramente esse o caso dos centros
baixa. Com relação aos padrôes de sociabilidade inter-racial, de umbanda e candomblé e elas escolas de samba". Além de
é notório que a classe baixa branca carrega um folclore de oferecerem serviços religioso~; e facilidades recreativas para
concepções estereotipadas do negro. Contudo, tais estereótipos uma ampla e diversificaela fraçJ J da população branca, o apelo
são com freqüência verbalizados em contextos amistosos, e popular dessas instituições freqüentemente fez clelas o objeto
as situações raramente evoluem para o conf1ito interpessoal ele manipulação eleitoral, pela qual os votos são trocados
e para a violência, a menos que a intenção ofensiva esteja por proteção, favores políticos e patronato de políticos e
claramente presente. Apesar da sua participação nos estereó- brancos ricos. As escolas de samba, agora atração turística,
tipos negativos generalizados do negro, o comportamento são inclusive oficialmente patrocinadas durante o carnaval.
inter-racial da classe baixa branca é mais igualitário que o Assim, alguns contextos institucionais que, sob outras circuns-
de brancos em posiçôes sociais mais elevadas. Isso se deve tâncias poderiam ter aumentado a solidariedade racial dos
provavelmente à sua falta de alternativas e à sua menor preo- negros, foram perdidos.
cupação com o temor de perda de status.

261
260
Até agora foram examin:ldos certos aspectos da história os letrados e semiletrados r;ldiclis elo "meio negro" captaram
social dos não-brancos que têm responsabilidade direta pelo esse estado ele frustração, convertendo o desajustamento
baixo nível de mobilização política do grupo. Poram reser- sistcm(ttico e uma inquietação amorfa no substrato do pro-
vadas algumas observações finais para a exceção mais impor- Icslo IIcgro, através do qual lançam e difundem o apelo à
t;lnte ao quadro geral de desmobilização política dos negros Scgunda Abolição.'!)

a pós a abolição, ou seja, os movimentos sociais negros de


São P;ndo durante a terceira e quarta décadas cio século atual. Esta convergência de uma massa insatisfeita com uma elite
A emergência ele tais movimentos de inconformismo e pro- militante resultou na prolífica, embora descontínua, publi-
lesto r;lCial dl'lll;lnc!;1 um esforç:o interprCI;ilivo, na medida cl(,';10 ele jornais negros durante as décadas ele 1920 e 1930
em que foram os únicos a logr;lr uma subsLlncial participaç:l0 e na criação ele algumas organizações negras, das quais a
de massa. mais importante, a Frente Negra Brasileira, foi fundada em
1931. Os temas mais recorrentes e os objetivos manifestos
O desenvolvimento de manifestações incomuns de pro-
da imprensa e organizações negras eram: a elevação moral,
testo racial,em São Paulo relacionou-se a certas peculiari- educacional e social dos negros (um apelo especificamente
dades do processo ele transformação econômica ocorrido dirigido ao público negro); 3' demanda de igualdade social,
nesse estado - desenvolvimento econômico e modificação econômica e política com os brancos; e a denúncia cio pre-
da estrutura social urbana acelerados, presença maciça'de conceito de cor, um conceito que no uso brasileiro inclui o
imigrantes europeus e altas taxas de mobilidade social ascen- preconceito e a discriminação. Florestan Fernandes mostrou
dentes. IR Mais concretamente, as circunstâncias propícias ao convincentemente a falta de receptividade às demandas dos
protesto racial podem ser encontradas na trajetória soci:l! movimentos negros pelo grupo dominante branco, embora
divergente de negros e imigrantes europeus nos centros argumente que tais movimentos exerceram uma influência
urbanos de São Paulo. Em nenhum outro lugar do país foram socialmente construtiva entre negros e mulatos em São Paulo. 51
os imigrantes brancos tão claramente os "ganhadores" e os O desaparecimento das organizações negras no fim da
negros os "perdedores" do desenvolvimento econômico e ela década de 1930 ilustra os mecanismos políticos ativados no
prosperidade. Embora muitos trabalhadores estrangeiros Brasil, quando a cooptação social e os controles ideológicos
tenham sido incorporados à hierarquia social urbana através mostram-se inadequados para conter as demandas dos grupos
elo extremo inferior, tendo assim compartilhado, com negros subordinados: quando, em 1937, a Frente Negra Brasileira
e mulatos, condições de degradação social e econômicl, ameaçou com a possibilidade de transformar-se num partido
os imigrantes europeus e seus descendentes estaheleceram político, foi posta na ilegalidade pelo regime de Vargas.
rapidamente um quase-monopólio das oportunidacles ele
mobilidade social ascendente." 9 Portanto, o fechamento aos
não-brancos dos principais canais de mobilidade social o CONTEXTO POLÍTICO DAS
ascendente, dentro de uma situação de rápido desenvolvi- RELAÇÔES RACIAIS
mento econômico e igualmente acelerada modificação n;lS
pusiçôes relativas elos dois grupos, aumentou a visihilidade
Deixando de lado as circunstâncias específicas que explicam
da discriminação racial como causa da posição subprivile-
giada de negros e mulatos. a neutralização política do negro, podemos nos inquirir acerca
da dinâmica geral da política brasileira. Tal questionamento,
As condiçôes objetivas levaram. assim. !I formaç;lo ele por sua ve7., exige uma comparação entre o nível de mobili-
l/lUaIl\;\SS;1 de n:\u-hr:II1L'()S, expel'lmentand() Ullla Silll;\~';I() Z;\(:;IO de negros e Illulatus c () c1c outros grupos soci:tis.
de "privação relativa". Por sua vez,
As rcslri,'ôes à extensão da cidaclania e a pouca tolerância
n() I)(J(I('J' 11,<; 1lJ'('ss<')('s dI'
111< ,:,11':1<1:1 I)('I:I.~ ,'illn',';siv;IS ('( 1;I!iZ(WS
baixo estão entre os traços mais persistentes do sistema polí- Atribuía-se, com alguma procedência, à infusào da expe-
riência sindical européia na vida operária brasileira, via imi-
tico brasileiro. De fato, a evolução política do Brasil após o
gração, a responsabilidade pela crescente capacidade de
fim do Império é a história dos esforços bem-sucedidos dos demandas por parte da força de trabalho urbano e, de acordo
grupos política e economicamente dominantes, no sentido (om o ideá rio laísseziairiano, fora da ordem do mercado
de instaurar ~l modernização cconômicl do país e, simultanea- só existia a ordem da coerção, ou, por outra, dava-se estabi-
mente, ele controlar e adiar a mobilização política dos grupos lidade à ordem do mercado pela ordem da repressão.';';
e classes sociais subordinados. "É possivelmente o caso ele
que numa ordem política tradicionalista, em que a submissão Sob o regime de Vargas, estabelecido em 1930, ocorreu
daqueles que obedecem está tão profundamente enraizada um processo ele centralização e concentração do poder polí-
cm difcrcnç:as ele oportunid;lc!es ccon()micas l' cultur,lIs, () tico no estado. O <:slado intcrvcncionisla emergiu não apen;ls
custo das imposiçôes atrav~s ela coerção seja bastante baixo."'2 C01110 o instrumento para regular as relações entre trabalho e

A ausência de um rompimento revolucionúrio com o pas- capital, mas também como agente da industrialização. Se a
sado parece estar na base, no Brasil, da opção não-demo- legislação trabalhista e O sistema corporativo de controles de
crática e autoritária de sua industrialização capitalista e da trabalho do regime de Vargas representavam a extensão da
posição paternalista de seus grupos dominantes, vis-à-ui,,' cidadania social à classe trabalhadora industrial,' deixando
os setores populares. Embora se aplique a toda a América intocada a situação do subproletariado urbano, ao mesmo
Latina, a imagem de CharIes W. Anderson ele um "museu tempo seu objetivo era impeclir a organização independente
vivo" descreve adequadamente a política brasileira, particu- do trabalho, negando assim a dimensão política da cidadania.
lannente a persistência das classes agrárias de grandes A legislação social de Vargas foi claramente promulgada com
proprietários como contendores políticos relevantes. s) A um olho nas experiências passadas de conflito industrial
contrapartida do poder dos proprietários ele terra, numa 0917-1919) e outro na futura "paz social" exigida pela acumu-
situação em que um campesinato ou uma classe média rural lação industriaL
independentes não existem, tem sido a exclusão econômica Na medida em que o mercado interno tinha de se desen-
e política das massas rurais. volver sem afetar seriamente a economia agrária de expor-
O Brasil iniciou o processo de industrialização sem passar tação, que assegurava os recursos externos para sustentar as
pela experiência de uma demolição em grande escala das políticas de industrialização, os interesses agrários permane-
estruturas agrárias tradicionais. De fato, o arranjo federalista ceram dentro da coalizão dt: poder e a exclusão das massas
e a constituição liberal da Primeira República até mesmo rurais se perpetuou.
reforçaram o poder oligárquico das aristocracias agrárias
regionais: "Devido à submissão e dependência das massas Como tem sido com freqüência apontado, a subordinação
rurais, o voto era 'naturalmente' convertido em mais uma da burguesia, sua dependência ela proteção e.~té .mesmo a
forma de demonstrar lealdade ao senhor de terra."Sí iniciativa do estado são um desvio da expenenCla mglesa
clássica de uma ascensão burguesa ao poder. pelo contrário,
Durante a primeira fase de industrialização, soh a orclem
o período Vargas constituiu uma tentativa de modern~zar de
republicana oligárquica, uma orientação de laissezjaire cima. Precisamente porque não houvera enfraqueCImento
prevaleceu na estruturação das relações de trabalho urbano. do poder agrário, apenas um estado forte poderia realizar tal
A "questão social" levantada pela inquietação dos trabalha- coisa. Especialmente após 1937, o regime mostrou um forte
dores foi definida como uma "questão de polícia" e a reação comprometimento com a industrialização, embora a ainda
cio estado ao movimento das classes trabalhador:ls - que poderosa oligarquia rural tivesse também de ser levada em
alcançou seu ponto mais elevado nos anos de 1917-1919 - conta na balança de poder.;"
foi puramente repressiva.

265
264
A queda do Estado Novo, em 1945, inaugurou um período o tema subjacente, na descrição anterior da evolução
de liberalismo constitucional e de competição política, política do Brasil, é a ausência de sérios cismas entre os grupos
embora :1 ordem sindical corporativista mont:1da por V:1rgas c!Ot1lin;lntcs e a conseqüente restrição na definição e!:1 cida-
permanecesse substancialmente intacta. "O indivíduo posses- dania política e elos atores políticos legítimos. Do ponto de
sivo deveria ser liberto dos freios e limitações da 'vontade vista das massas, a herança demográfica da plantação escra-
nacion:!I', mas as classes subalternas deveriam continuar vista, o acelerado crescimento da população e a existência
subordinadas ao ieleário ele colaboração e de harmonia entre de uma classe camponesa volumosa (C0111 o papel de reserva-
classes sociais."'- tório de força de trabalho) são certamente fatores que enfra-
Durante o período 194'5-1964, o peso estrutural do setor queceram a capacidade de organização autônoma dos setores
agrário diminuiu e o Brasil urbano tornou-se o centro ela vida populares urbanos. AalJsência dessas características em países
política. No entanto, à medida que as práticas eleitorais latino-americanos, como a Argentina e o Chile, tem provavel-
foram restauradas, o papel intermediário dos senhores de mente alguma relação com as credenciais políticas mais
terra entre o campesinato e o sistema nacional foi reativaclo. impressionantes ele suas classes trabalhadoras urbanas.
"Apesar da modernização, o mundo rural permaneceu fechado Esta breve incursão na política republicana brasileira
e a influência de fora continuou sendo filtrada através dessas permite algumas observações a título de conclusão. Primeiro,
estruturas mediadoras. ",8 um sistema político que combina repressão com relações de
A chamada experiência populista, pela qual a mobilização autoridade, carregadas de matizes paternalistas, como meio
controlada e o suporte eleitoral dos setores populares sust~n­ de impedir a articulação de demandas populares constitui um
tavam as alianças nacionalistas e desenvolvimentistas, marcou contexto inibidor para a emergência de movimentos sociais
a política urbana brasileira até o golpe militar de 1964. - sejam eles de orientação racial ou de classe. Segundo, os
Independentemente de se o populismo representava uma negros e outros grupos sociais subordinados, tais como os
incorporação política parcial ou pura manipulação dos setores camponeses, a classe trabalhadora urbana e o subproletariaclo
popula rcs u rba nos, um dos seus requ isitos essencia is era a foram sujeitos a mecanismos de dominação que incluem
exclusão das massas rurais, exigido pelo processo de acumu- controles ideológicos, cooptação social e pura repressão.
bção n;l economia como um toei o e pela manutenção da coa- Contudo, a evidência histórica parece sugerir que, mais do
lizão política populista. De fato, as Ligas Camponesas e a que repressão política, que foi às vezes utilizada, uma deli-
mobilização rural de fins da década ele 1950 e inícios da de cada mistura de controles ideológicos e cooptação social foi
19()0 indicav;l!n um dos limites da aliança populista. O outro o instrumento mais bem-sucedido para obter a aquiescência
limite era levantado pela mobilização autônoma da classe dos brasileiros negros. Para todos os grupos subordinados,
trabalhadora nos anos críticos de 1962-1964. as mudanças de regime político foram muito menos impor-
tantes que os traços permanentes da comunidade política
A burguesia aceitaria a participação popular apenas se
brasileira, os traços que definem sua constituição não-
controlada, e o "populismo" foi a forma encontrada para escrita: autoritarismo djfuso e, quando necessário, repressão.
manter a tutela. Quando o setor popular manifestou sina is
de independência e quando a velha estabilidade agrária
sofreu a ameaça da organização camponesa, as condiçôes
para uma nova "coalizão reacionária" emergiram. Mais uma
vez, o Brasil adotou um caminho para a modernização,
próximo ao que Moore chama "revolução de cima", baseado
numa crescente concentração do poder, agora com os mili-
tares como o agente crucial de modernização.',!

2(i(í 267
NOTAS 11 !IARR!S, op. cil., p. ')').

"Ver: BLALOCK.JR. ToU!{/rdsa theol)'(!/millority-grollp relatí(!IlS, p. 171-173;


e IJU;LER, oJ), cU., p. 22(;-25H.
1 Katherine Dunham, a dançarina negra americana, teve recusada sua
acomodação num hotel de luxo de São Paulo. li, COXo Casle, elass. (/I/(l race, p. Y;O. Vale a pena observar que na ripologia
de Cox deIs situ:l(les ele rc!a>;·ô<;. raciais, o Brasil é incluído na "situaç;10 de
BONACICH. A tlleory of l'thnic antagonismo tIl(' split labor m:lrk<:t, 1972;
amálgama", embora a maioria das características da situação ela classe
e Aholitio!1, the extension of slavery, ;Ind the position of free blacb: a
dominante - exceto pela ausência de uma pequena classe de administra-
stucly of split labor markets in the United States, 18:\0-18(,3, p. ()27-6'i7.
dores brancos temporários - sejam as que melhor se adaptam às relações
.1 BONACICH. A theorv of ethnic antagonismo the split labor market, raciais brasileiras .
p. ";49-";";0. Três tipos'ele recursos sào considerados: recursos econômicos,
informaçflo e recursos políticos. Os motivos relacionam-se :1 inten<:ão dos I' Referências à cooptação de mulatos e mestiços de pele clara durante os
trabalhadores de continuar de form:1 permanente na força de trabalho. A séculos XVIII e XIX podem ser encontraclos em: STEIN, S.; H. STEIN, B.
força de trabalho ele trabalhadores temporários custa menos que :1 de 77.11:' cololl ial herilage ofLalil1 A l11erica, Capo IV e VI.
trabalhadores 1)l'rm:ll1l'nlt's, porque os primeiros 1ll0str:11ll m;lior disposi\:;10 '" III.AI.OCK.llt, ojJ. clt., p. 175.
em aceitar condiçôes de trahalhos indesejáveis e e5t;10 menos inclinados
a envolver-se em disputas trabalhistas. '" DEGLER, o!), cil., p. 182-183. A argumentaç:lO de Degler apresenta-se
como um diagnóstico adequado da situação pós-abolição, embora eleva ser
I Ihidem, p. 5";3.' observado que vários líderes e militantes da imprensa e organizações
Ibidem, p. ";53-554. negras em São Paulo e Rio de Janeiro eram mulatos.

" BONACICI-I. Abolition, the extension of slavery, and the position of 211 STEIN, S.; STEIN, B., op. cil., p. 119.
free blacks: a study of split labor Illarkets in the Unitecl States, 1830-1865, 1.1 CARDOSO. Capitalismo e escral'idão 710 Brasil Meridional, p. 301.
p. 608.
22 SKIDMOI{E, op. cil" p. 77.
Restriçües ao sufrágio, educação e treinamento do grupo de trabalho m;lis
barato são mecanismos típicos do arranjo de castas. Bonacich considera o 2l Ihidem, p. 214.
radicalismo como uma quarta alternativa, pouco freqüente, em que os dois
2, IJEGLEH, OfJ. cil., p. 19').
grupos de tralxrlhadores formam uma coalizão contra a classe capitalista
para impedir o rebaixamento dos salários. " SOUZA. Ra(a e política no Brasil urbano, p. 70.
K SING ER. Dese/l[lol/lilllento econômico e euolllçâo 1Irbana, p. :\60. ", COSTA. Da monarquia à república: momentos decisivos, p. 227-242.
') REIS. Conscrvative modernization in Brazilian agriculture: lhe post-abolition 27 Ibidem, p. 238.
plantation. Artigo apresentado no Encontro Conjunto ela LASA-ASA, I !ouston,
novembro 1977. A síntese interpretativ:l contida neste trahalho I"ornecl'r:í 2H FlmNt\NDES. A ill/I'gmç(/o do l1egro na SOCiedade de classes, p. 197.
a base para a discussão, a seguir, da estruturação dos mercados de trabalho
2~ T. Lynn Smith, Brazil, people and institutü:ms (Baton Rouge, 1963), p. 66,
no setor rural após a abolição.
citado em DEGLER, op. cil., p. 96-97.
111 "O arranjo de trabalho mais difundido substituiu os escravos por morado-
lO PIERSON. Negros in Brazil: a study of race contact at Bahia, 1942; e
res de condição. Era permitido aos moradores cultivar pequenos lotes ele
WAGLEY. From caste to class in north Brazil, p. 47-62. '
subsistênci:l, em troca de um fornecimento regular de cam\ para os engenhos
da plantação." Ibidem, p. '5. " FERNANDES. O negro 710 mundo dos brancos, p. 277 (Grifos no original),
11 Ihidem, p. 18. Este autor enfatiza a reação autocrática dos grupos dominantes aos movi-
mentos negros e a falta de receptividade às demandas igualitárias dos
12 Ihidem, p. 12-13. negros pelos movimentos políticos opostos à República Velha. Deve-se
notar também que o mito da democracia racial foi produzido pelas elites
1.1 HARHIS. The origins of the Descent Rule, p. 53-54. Algumas das funções
conservadoras e liberais. Contudo, o pensamento social e político da
intersticiais desempenhadas pelos mestiços livres eram, de acordo com
esquerda tem sua responsabilidade na desmobilizaçào política dos negros,
Barris, afastar os índios da costa açucareira, capturar escravos indígenas,
perseguir e trazer de volta os escravos negros fugidos, trabalhar na indústria na medida em que ou negligenciou as elemandas autônomas do grupo ou
do gado e suplementar o fornecimento de culturas alimentares básicas da então reduziu a condição do negro à de proletário.
colônia. Uma explicação da origem da "saída de emergência do mulato" .\2 LAMOUNlER. Ideologia conservadora e mudanças estruturais, p. 5-21.
brasileira pode ser encontrada em: DEGLER. Neitberblack 17orU'bite: slaver)'
and race relations in Brazil and the·United States, 1971, Capo V. " IiJidem, p. 16.

268 269
'" LAMC )IINIFl\. Itl\'a c cLisst' na política hrasileira, p. ')0, e FEHNANDES, op, cit" 1972, especialmente Cap, Ve XliI. Outras refe-
rências aos movimentos sociais negros no Brasil podem ser encontradas
"III'NFIU'Y, imperi;r1islll :Incl 1';lce reLitiotls as a dilllensillll of social control: em: DEGLEH, op, cit, Para testemunhos pessoais ele alguns líderes negros
(;uyal1a :Ind Br:lziL p, 2(,7,
ver também: CADERNOS BRASILEIROS, 80 anos de Abolição, n, 7, Rio de
DAVIES, Toward a thcory of revolution, [l, 1 j4, Janeiro, 19611,

'. Fln 1')1(1 (' 1()'iO 1l1:li,s dc quatnJ quintos Ul2°,{,) da JloJluLI\':!o de cor vi\'ialll ,'i Os europeus formavam o gross') ela recém-nascida classe trabalhadora
for:1 do Sudeste cm r:ípida industrialização e urbanizaç:ão, Por sua vez, 7,~% industrial de São Paulo, ao passD que outros imigrantes eram mais bem-
d()s n;lo-!1raJlcos ccoJloJl1icltllente ativos em 1')10 l' ó"Í% elll 1<)')0 traba- sucedidos !lO campo das pequenas e médias empresas, No entanto, mesmo
Ihal':lm na agricultura, A propor('ão ele br:lncos nJ agricultura era ó;(% em aqueles imigrantes que pumaneceram dentro do exército de trabalho
I ')il() (' 'i/io), CI11 19'iO. inclustri:r1 estavam numa situação ele vantagem cOll1parativ:l em rela\'ão à
popula(::!o IIrhan:1 negra e illulata,
,', CINTilA A política tr:ldicion:r1 hr;\sikir;\. Ulna inll'rprc'ta\,';'lo das l'l'I:I('fll'S
l'ntl'<' ('('ntl'o (' Iwril"t-ria, 1', (,(), A :11l;'disc' C!;iSSÍt';1 do ('orOIH'IiS1l10 l'ncontra-sl' ," FERNANDES, o/!, cit" 1972, p, 21)1),

elll: LFAL. Coro JI CliSI/J(), cJlx({da I' n%, 1918, ,I IIi ide 111 , Cap, XIII.
'" i\ Conte c1:ls taxas ele :ltlalfabl'lisll1o é () Censo Delllogt":ífico de 1970, Os >2 CARDOSO, Autoritarisl1/o e denlOeratizaçâo, p, 190,
dados sobre renda l11onet:íria s:10 do P,N,A,D" ;(l' trimestre, 1972, citados
em: Ci\LSING, A jJolítica salarial do Rrasil.- um estudo do salário mínimo, " ANDERSON, Polities alu{ economic chanp,e in Latin America: the governing
p. 9'i, of restlcss natiol1s, 1967, Como observa esse autor: "Assim, com;t exceção
ele situa('(l<" 're:r1mente revoluci"n;II'Í;ls', a regra norl11al da l11ud:ln(':1 polí-
", Negros l' mulatos tiveram 1l1elhores c()ndi~'(lCS no Rio de Janeiro que !las tica I:rtino-:lllleriC:lf1:I é que novos contendores no poder podem ser acrescen-
cicl:rclc-s cio estado ele São Paulo, lloris F;\usto inclui a popula(:;1o negr;\ elo Lidos ao sistema, mas os antigos não podem ser eliminados, (.,,) Enquanto,
l<io d(' j;\lwiro dClltro do l'xl'reito incJllstrial de I'<'S('J'I':I, :lO jl:I,SS() quc a de na hist(,ria do Ocidente, as experiências rcvolucion:lrias ou ele mudança
S:!O Pa~r1o é classifica ela como parte cio "exceelente ele for(:a ele trabalho", secular t['111 seqüenci:t!lllente eliminado v5rias formas de capacidade ele
cOllcentrado nos serviços clegracl:idos de produtividade mínima, Ver: poder, a política latino-americ:an;1 contempor;mea é algo corno um museu
FAUSTO, Trahalho urhano e conllito social, 1" 25-2ó, vivo, em que todas as formas de autoridade política ela experiência histó-
,I 1':1\";1 l'\'icl0nci:1 acerca elos setores da poPU!:t(:;-IO n:lo-hrallca que sofreram o riel ()(Ídent:r1 cOlltinu:lm :1 existir c a opcr:lI' (.,,)," liJidcl/l, p, IO'i,
Illáximo de ('ompeti(:lo dos imigrantes, ver: FEI<NANDES, ojJ, cit" 196'), c" RFIS, Brazilian agrarian structurc; obstades to c1emocr:llic development,
v, I, p:lrte L [1,22,
,2 Para ul11a análise d:1 incorpor:lçào dos n;!o-brancos à classe tr:lbalhador;1 c" SANTOS, A reg/dação soeialno Brasil: cidadania, acu!l1ulaç;1o e eqüidade
industrial e d;1 form<l(:;(o da pequena elite dos n;lo-hr:lllcos da classe na política hrasileira, p, 122,
média, ver os capítulos IV c V deste trabalho, As distribui<:ôcs cclucacionais
<.' ocupacionais dos não-brancos elo Sueleste em 1910 <.' 19')() encontram-se
", REIS, op. cit, 1975, p, 2'),

nas Tabelas IV, Ve VI do Apêndice, ,7 VIANNA, Liheralislllo e sindicato 170 Brasil, p, 2');(,

,< PEJ~NAN[)ES, op, cit, 19ó'), v, lI,


134-27'); e FI<AZlEH, Biack !Jolllgcoisie,
[l,
,H [(FIS, ofJ. cit, 197\ p. 2ú,
19(íó, (lma diferença importante entre os elois cas"s é a <IuS('nci:l no Hr:lsil
elo mito do capitalismo negro como parte do mundo de "fantasia" descrito ,'J Ibidem, p, 27. Por clusa da ausência de lima sociedade, inelustrial de
por Frazier. mas;;;1 plenal11enle constituída c elo caráter nào-mobili7.ador do Estado
Novo e do regime põs-19ó4, o resultado político da "l11odernização conser-
I' FERNANDES, op, cit" p, 1;(7. Para uma análise sensível ela relação entre vadora" no Brasil foi antes o autoritarismo que o fascismo, Como observa
identificação ele classe e lealdade eleitoral elos negros ;10 PTI3 (Partido um analist'l político: "Os regimes aUforit;Írios sào caracteristicamente
Trabalhista llr:lsikiro) num período posterior, ver: SOUZA, o/J, cit, dcslllohiliz:tclorl's. Isso implica 'luC :15 c()mUniC:l~-ijes são manipuladas
" lhidem, p, 184, para reduzir a saliência de questües ou evitar que prohlemas se transformem
em qllcstões, sendo isto j5, obvia :nente, um meio de impedir a formação
1(, A única exceção a essa tendência são os movimentos sociais negros de São ele orient:l('ôes coerentes entre () público," LAMOUNIER, ld('()/ogya71e1
P:lulo nas dc;cadas ele 1920 e 1930, Uma tentativa de an,\lise das causas aw!1oritariall regimes: theoretical perspectives anel a slu<Iy of the Ilrazilian
dessa l'xcl'\:ào ser;\ feita no fim elesta seç;1o, case, p, 2S0,
"IlEI<C;I[E. Nacealld racism, p, 30.

'" As mais ricas e bem documentadas análises dos movimentos sociais negros
em SelO Paulo encontram-se em: FERNANDES, op, cit., 19ó5, v, lI, p;lrte I;

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282 283
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TABELA I
Distribuição regional dos escravos no Brasil durante o século XI:\:
Região 1819 1823 1864 1882 188-1 1887
Amazonas 6.040 1.000 9-::9 1.716
Pará 33.000 40.000 30.000 27-158 25393 20.849 10538
;\laranhão 3.">332 97.132 70.000 74939 60.050 19.39-1 33.4 Lí6
Piauí 12.405 10.000 20.000 23. 7 9') 18091 16.780 8.970
Ceará 55.439 20.000 36.000 31.913 19.588 108
Rio Grande do Norte 9.019 14.376 23.000 13.020 10.051 7.209 3.167
Paraíba 16.723 20.000 30000 21526 20.800 19165 9.4'W
Pernambuco 97.633 150.000 260.000 89.028 84.700 72.-09 41.122
Alagoas 69.904 40.000 50.000 35.7-H 29.439 26.911 115.269
Sergipe 26.213 32.000 5.000 22.623 26.173 25.874 16.875
Bahia 147.263 237.458 300.000 167.824 132.200 132.812 76.838
Espírito Santo 20.272 60.000 15.000 22.659 20.717 20.216 13.381
Minas Gerais 168.542 215.000 250.000 370-159 279.010 301.125 191.952
Rio de Janeiro 146.060 150.549 300.000 292.637 268.881 258.238 162.421
Município neutro' 100.000 48939 35.568 32.103 7.488
São Paulo 77.667 21.000 80.000 156.612 130.500 167.-'193 107.329
Paraná 10.191 S/D 20.000 10.560 7.668 7.-68 3.513
Santa Catarina 9172 2500 15.000 14.984 11.049 8.371 4.927
Rio Grande do Sul 28.253 7500 40.000 67. 7 91 68.:08 60.136 8.442
Goiás 26.800 24.000 15.000 10.652 6899 7.710 4.955
Mato Grosso 4.180 6.000 5.000 6667 5.600 5. 7 82 3.233
Brasil 1.107.389 1.147515 1.715.000 1.510.806 1.262.801 1.2ci0806 723.419
(*)Em 1819 e 1823, os números relativos ao "Município :\eutro" estão contidos em "'Rio de Janeiro".
Fontes: (1819. 1823, 1882) STEIN. Vassouras: a Brazilian coffee (ounty, p. 295: (1864, 1884. 1887) CO\'RAD.
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TABELA 1II
Proporçào de pessoas nao-
- bnnca.., na popu laç:Io < '.. •

das regiões e estados brastlclros ÍNDICE DE CONCENTRAÇÃO OCUPACIONAL E


1872-1960 EDUCACIONAL

lB72 1890 1910 19S() 19(JO * l fm modelo de igualelacl(:' perfeita ele oportu nielade pode
definido como uma tabela quádrupla, em que a fileira
SL'l'
'Yo 'Yo % 'Yo %
superior contém os valores das posições OCupacionais ou
Amazonas SO,S 71,7 68,3 62,8 79,7 educacionais superiores, e a fileira inferior, os valores das
Pací 66,.') 60,8 5S,1 70,7 76,') mais baixas. A primeira coluna é preenchida pela população
rvl:l r:l11h:lO 71,2 68,1 S3,1 ()(í, () 08,H mulata ou negra, e a segunda, C0111 a populaçào branca. A
cédula superior esquerda da tabela contém valores tanto
Piauí 78,5 71,7 54,6 71,9 7'),7
ohservados quanto esperados da participação dos não-brancos
Ceará 62,8 5S,5 47,2 56,1 nas posições mais elevadas. O valor esperado refere-se ao
R. G. do Norte 56,2 55,9 S6,5 51,0 valor que se preveria, se a participação nas posições mais
elevadas fosse uma função da proporção relativa dos não-
Paraíha 61,5 53,1 46,1 32,7
brancos na população geral. A tabela abaixo exemplifica esse
Pernamhuco 6S,4 5S,9 4S,4 SO,1 modelo:
Alagoas 74,5 6S,9 43,1 59,3
Sergipe 71,S 70,3 53,1 50,2 Não-Branco Branco
Bahia 76,0 74,4 71,2 70,2 Na posição prevista a b
Ja+b
Minas Gerais
Espírito Santo
59,3
67,6
59,4
57,9
38,6
38,4
41,4
41,3 39,1
Nào na posição prevista
f c d c+d
a+c b+d N
Rio de; Janeiro 6J ,3 ')7,0 .19,9 :-'>9,8
Distrito Federal 44,8 37,3 28,6 29,S 29,') De acordo com essa tabela, o índice de concentração de
São Paulo 4S,2 36,9 12,0 11,2 Tumer, tal como adaptado por Amaury de Souza, é definido
como:
Paraná 45,0 36,2 12,3 11,6
Ic = (a - a') / (a +' a')
Santa Catarina 21,2 15,2 5,6 5,2 '),8
onde a = número observado ele não-brancos na posição
R. G. elo Sul 40,6 29,S 11,3 10,7 prevista;
Mato Grü<;so 71,5 70,2 48,4 45,7 a' = número esperado de não-brancos na posição prevista
Goi(\s 73,9 66,5 27,8 41,8 se a participação nela fosse função única da proporção
Sudeste 48,7 38,2 16,3 15,8 de não-brancos na população total.

Resto do País 66,6 63,5 48,9 53,0 Assim, o valor esperado a' pode ser calculado como se segue:

Brasil 61,9 56,0 35,8 37,5 a' = b (a + c) / (b + e1)


e o índice de concentração lê·-se como:
'Sl'tn inrorm:I(Jo para 11 estados.
\.:( mil': (:cn.so Dl'!1logr;'d il'o ele 1l)~() " 1 <)(in. a - [ b (a + c) / (b + d) 1
Ic =

a + ( b (a + c) / (b + cl) 1
2RR
289
Manual QlIa/((icado
o ORDENAMENTO DAS CATEGORIAS Por conta própria e empregados na indústria, empregados
OCUPACIONAIS DO CENSO DE 1950 nos transportes.

A pOpUlaÇ~lO economicamente ativa foi :tgrllpad~l el1\ ol1l.l' MeU/lIal Semi-qual~ficado e Não-qualificado
classes principais no censo demográfico de 1950, correspon- - I:or, c~mta pró~ri~l e empregados ~a agricultura e extração.
dendo a divisões setoriais da economia. Por sua vez, cada - I OI conta proprta e empregados nos serviços. .
classe de atividade foi subdividida em cinco grupoS, de ;lce)f(!O - Por conta própria nos transportes. .
com a "posição na ocupação": empregadores; empregados;
por conta prtlpria; membros da família e outras posi('óes; l' Às ~ posic,'ôes na ()CUP;l~';'lO "membro da fanlÍlia e Olltl"l
sem declaração de posição. ~OSlÇ;.IO"_ e "sem declaração de posição" foram excluídas n~
O Cens() também fornccc uma lista ele 202 ocupaçôes. (OnSl/lI(';to .cLt esc;t1a OCl1l,);lcio!1'll ",' ()I'(!en'jç;"lO
' . ESS'I "aprl'Sent'l
No cntanto, essas ocupaçôcs não aparecem nas tahula<..'<-)l'S ;t1g11mas dificuldades, principalmente a inclus:lo n "
uuzad;ls cun'l outr;lS vari:lvcis, cxccto par;l sexo c classe de nível
, hicr:lrquico
, de oculJacões
, L C]lle. ,< 's:-jO l1et'e't.og
.
,? mesmo
eneas em
atividade econômica. A maioria das tabulações cruzadas com telmos ele renda e prestígio. Apesar das imperfe' ~
)r!' I lçoes, o
outras variáveis, incluindo cor, tem como entradas as cate- I oce( Imento usac o constitui a melhor aproxl'ma .~
~
gori;ls de c\asse de atividade. Por essa razão, a única possi-
J fl I
r.~,r ~ c e ..
estratlflca::ao oc~pacional sociologicamente signi-
çao a um

bilic!a(!<:' de estabelecer a distribuição dos grupos r:lciais numa flutl~(). À ordenaç'ao hierarquica assim ohtida foi valic.!-teh
csella hierárquica de categorias ocupacionais consiste em ;~trav~s ~!a comparação ,c:)m a escala de prestígio ocupaCi;n;1
rcordcnar eSS;lS cltegorias dc acordo com cbsse de ativi- constllllda por B. !lutchlnson com a lista de' 202 ocupações
dade e posição na ocupação. Seis categorias ocupacionais d o Censo Demográfico Brasileiro de 1950.
ordenadas numa escala hierárquica foram formadas, usando O per~'il ele estr~tjficação ocupacional conseguido através
os critérios propostos por Amaury de Souza. O ordenamento dessa pre-ordenaçao pode ser visto na tabela abaixo:
foi feito COlll0 se segue:

prc<!tss ia nal Estratificação ocu pacional da população


Profissional liberal. economicamente ativa - Brasil 1950

Adm inistratiu() e h'xecutivo N %


Empregadores, exceto empregadores de serviços.
Profissional 78.730 0,56
Nâo-Manual, Alto Administrativo e Executivo 557.627 3,94
Empregados em administração pública e atividacles sociais.
Não-Manual, Alto 642.777 4,55

Nôo-N/an1lal, Baixo Não-Manual, Baixo 1.233.203 8,72


- Defesa.
_ Empregadores do setor de serviços. Manual Qualificado 2.680.218 18,96
_ Empregados no comércio e finanças e empregados por Manual Semi-Qualificado
8.943.236 63,27
conta própria em atividades sociais. c Não-Qualificado
Total 14.135.791 100,00

291
290
TABELA IV
· t 'b icão da população economicamente ativa
D 1S n u o .- _ 1940
por setores de atividade segundo a reg1ao e a raça

Resto do País Brasil


Sudeste
Setores de atividade Branca Não-Branca Branca Não Br..mca
Branca Não Branca
73,69 74,41 63,97 ""'"3,10
55,51 5/,96
Agricultura 4,33
1,66 2.87 4,91 1,92
Extração 1,09
6,22 7,02 10,88 8,56
14,94 15,62
Indústria 2.52
3,34 5.33 2,34 6,98
8,41
Comércio 0,08
0,19 0.26 0,05 0.54
Finanças e imóveis 0,78
2,03 2,18 3,66 2,93
5,08 6,37
Transporte e comunicação 1,15
2.19 0,79 2,85
3,43 2,79
Administração, ensino público
0.-1 0,55 1,37 1,01
1,94 3,11
Defesa 0,25
0,85 0,21 1,19
1,49 0,45
Ensino privado e profissional
S,85 5,54 6,64 6,07
7,33 8,51
Serviços e atividades sociais
100,00 100,00 100,00
100,00 100,00 100.00
Total (4.181.749) (8.833.891) (5.09-1.248)
(4.724,897) (912.499) (:í.108.-t--I)

Fonte: Censo Demográfico de 19-i1l.

TABELA V
Distribuição da população economicamente ati\"a por setores de atividade,
segundo a região e a raça - 1950

Sudeste Resto do País Brasil


Setores de atividades
Brancos Não-Brancos Brancos Nào-Brancos Brancos Não-Brancos
Agricultura 44,44 38,88 68,09 70,53 54,00 64,19
Extração 1,49 2,06 2,33 5,12 1,83 4,50
Indústria 19,61 21,32 7,27 7,98 14,62 10,65
2 :n
Comércio 7,93 J,JJ. 6.26 2,75 7,25 2,87
Finanças. e imóveis 1,32 0,31 0,55 0,08 1,01 0,13
Serviços 10,59 20,16 6,99 8,50 9,13 10,84
Transportes e comunicações 5,62 6,42 2,86 2,68 4,50 3,43
Profissionais 0,83 0,17 0,45 0.09 0,68 0,10
Atividades sociais 3,79 2,66 2,58 1,00 3,30 1,33
Administração pública 2,21 1,61 1,63 0,62 1,99 0,82
Defesa 2,17 3,10 0,99 0,65 1,69 1,14
100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Total
(6.260.858) (I.286.042) (4.251.688) (5.132.272) 00.512.546) (6.418.314)

Fonte: Censo Demográfico de 1950.


TABELA VI .
- completados
Níveis de instruçao
seoundo a regiao e a raça -
p:
1a poP.ula ç ão 1940-1950
de 10 anos de idade e maIS,
b

Brasil Sudeste Resto do País


Níveis de instrução
Brancos Não-Brancos Brancos Não-Br<mcos Brancos "'ão-Brancos
1940
Universitário 102.066 3.962 80.030 2.184 22.036 1.778
Secundário 336.348 19.899 267.574 10.815 68.774 9.084
Primário 1.334.620 212.790 1.070.463 130.910 264.157 81.880
Sem Grau 16.660.510 10.171.913 8.320.658 1.814.365 8.339.852 8.357.548
Total 18.433.544 10.408.564 9.738.725 1.958.274 8.694.819 8.454.290
-
Universitário 152.934 4.016 114.001 1.223 38.933 2.793
Secundário 928.905 48.204 687.167 19.529 241.738 28.675
Primário 4.523.535 780.300 3.381.530 339.036 1.142.005 441.264
Sem Grau 17.037-B02 17 .779.345 8.749.914 2.125.290 8.287.888 10.654.383
Total 22.643.176 13.612.193 12.932.612 2.485.078 9.710.564 11.127.115
Fonte: Ct.:'n:.;,o Dt.:'Inogr:ifico de 19-!() e 1950.

TABELA VII
Estratificaçào ocupacional dos grupos raciais no Sudeste e no Resto do País _ 1950

Estratificação ocupacional Brancos Mulatos Negros


N % N % N %
SUDESTE
Profissional 30.829 0,56 1.485 0,28 726
Gerencial e Executivo 0,11
250.192 4,56 5.065 0,96 4.084 0,63
Não-Manual, padrão alto 344.582 6,29 28.979 5,49
Não-Manual, padrão baixo 22.038 3,39
664.448 12,12 50.239 9,52 40.765 6,27
.\lanual Qualificado 1.430.1 :::;0 26,09 163.978 31,08 1 Q::; 1 no
Manual semi e não-qualificado .l.V--"".-,-/v 28,48
2.760.375 50,38 277.774 52,67
Total 397.370 61,12
5.480.576 100,00 527.520 100,00 650.173 100,00
Resto do País
Profissional 40.448 1,25 3.774 0,13
Gerencial e Executivo 670 0,06
206.144 6,38 68.089 2,27 13.997 1,21
Não-Manual, padrão alto 163.646 5,06 63,701 2,12 18.046
N'ão-Manual, padrào baixo 1,56
308.544 9,54 144.030
Manual Qualificado 4,79 24.860 2,16
379.376 11,74 371.178 12,35 138.729 12,02
Manual semi e não-qualificado 2.134.616 66,03 2.354.680 78,34
Total 957.387 82,99
N 3.232.774 100,00 3.005.453
\Q
Vl
100,00 1.153.689 100,00
A N E X O s

A-A~ NOTíCIA~ ~O~H


DI~CRIMINA~AO RACIAl NA IMrRtN~A

Referindo-se ao padrão brasileiro de relações raCiaIS,


Florestan Fernandes cunhou a frase: "O preconceito de não ter
preconceito." A ela pode ser acrescentada outra: "O precon-
ceito ele não haver discriminação."
A existência de preconceito racial é negada a priori no
plano do discurso formal; sua ocorrência está prevista na lei
e suas manifestaçôes concretas são toleradas com certa
condescendência. No entanto, a expressão "discriminação
racial" encerra an;Ítema l', como tal, não figura no texto legal
nem na linguagem quotidiana.
Na Constituição de 1967 (artigo 150, § 1 afirma-se que o Q
)

preconceito de raça será punido pela lei. Tal como assinalado


por Bolivar Lamounier, como se pode punir preconceito é um
mistério. 1 Na Lei n. 1.390 ele 03 ele julho de 19')1, a Ch;ll11acla
Lei Afons() Arinos, sih) consideradas como contravençôes
penais açôes discriminatórias que têm por base preconceito
de raça ou de cor. Porém, a palavra discriminação não é usada,
o que oculta o fato de que nem todo preconceito se materia-
liza em ação discriminaclora e nem toda discriminação está
haseacb em preconceitos.
Seja C0l110 for, aquilo que o negro sabe e a maioria cios
hrancos suspeita vem oClsionallllcntc ~l tona, c incidentes cl<:
discriminaç~Io racial passam ao domínio público atravé~ elos
meios de comunicação de n'ass;l. A,~ açôes cliscrimin;lt6ri;IS
'1 11' :I',';illl :IrI'I'Ii"'I" vi';iI"lirl:I"" 'I" "'\""11, 111,1/' ',II',ltlll/:1I. '111
'
A seguinte classificação é ilustrativa dos ti pos de inci-
especial. A divulgação, pela imprensa diária., de inciden.tes
dentes de discriminação racial que ganham notoriedade
isolados de discriminação incorre num procechmento peculiar,
pública através da imprensa:
pelo qual o mito da inexistência de discriminação racial é
IT:\rirlll:H.lo. EntreUnlo, a CO!lsicler:\\';\O elo conjunto de casos
apresentad()s isolad:\mente é reveladora de interessantes I - Entrada impedida ou expulsão em clubes ou festas em
:1.~pl'('t()S da dinf\tnica de rela(Jws raciais no BrasIl. clubes: 14
;\ seguir, ser:\ feita uma descrição l' an:ílise de notícias 2- Entrada impedida, clcstratamcnto ou atendimento negado
,~()hr(' i;l('identes de discrimina<,:âo racial veiculados pela em bares, boates e outros lugares de diversão pública: 7
imprel1s:\ entre 19()B e 1977. Atenção especial será concedida 3 - Outro tipo de discriminação em atividades de lazer
:\OS tipos de d iscri mi n:t<,'ão registr:\dos, ;\S ca racterísticas elas e diversão: 3
PC'SS{):I.~ de cor ckn li ncia ntes, ;IS formas de en~:\ nlÍ!; h:~ mento ,1 - Discriminação ocupacional (demissão, afastamento ou
das denúncias sobre discrimin:l<,'ão, ;\ repercussao publtca dos não-admissão de aprovados em concurso): 9
C:ISOS noticiados e, finalmente, ao próprio tr:ltamento que a ') - Anúncios ele emprego discriminatórios: 3
imprel1s:\ concede :ws incidentes por eLt destacados. () Assassinatos ou incidentes violentos ele inspiração racial: 3
É !wcess:lrio, antes de mais nada, considerar a natureza 7 - Negação de atendimento ou transferências em serviços
e limitac()es dos dados a serem tratados. Em primeiro lugar, hospitalares ou educacionais: 3
p:trece I:azoável partir do pressuposto de que os incidentes B- Uso impedido ele elevador social: 2
fl:C1istrac!os pela imprensa cobrem apenas uma parcela pe- 9 - Queixas sobre interpelações ou tratamento policial: 2
ql::na, em extensão e diversidade, da totalidad~ de situações lO - Outros tipos de incidentes discriminatórios: 4
ele discriminação racial que ocorrem na realidade. Dessa
forma os incidentes que nos são apresentados como excep- TOTAL: 50
cionai's e intoleráveis podem constituir parte da experiência
Obs.: Os casos n. 23 e 43 comportam duas denúncias em uma
quotidiana de qualquer pessoa de cor, condi.ci.onando s.eu
notícia só, elevando o número de ocorrências de 48 para 50.
comportamento nas mais variadas esferas de atiVidade ~'iOClal.
SC'l(undo, não h;í forma de determinar qual a proporÍ;:ao dos
c:t~oS em que pessoas discriminadas, tendo reagido com de- Através dessa classificação, pode-se constatar que as
nllncia nos organismos policiais ou aberto processo judicial, pessoas negras e mulatas estão expostas ao risco de exclusão
se torna de conhecimento público através da imprensa. Final- nas mais variadas áreas: trabalho e elJlprego, lazer e diversão
mente, foi impossível determinar em que medida as 4R notícias consumo e utilização de serviços ele utilidade pública. Acres~
sohn:' discriminaç~\O racial compiladas para este trabalho e cente-se a isso a exposição à violência simbólica contida na
:\prescnt:td:\s de forma resumida, no ;\pl'nclice, são re,prc- verbalização de estereótipos e uso de frases ofensivas (desde
sentativas do total de casos publicados no mesmo penodo o "preto aqui não entra" e o "gente de cor aqui não tem vez"
pela imprensa escrita do país. O predomínio de notícia,s até "negra vagabunda", "preto não vale mesmo nada", "mulher
publicadas por jornais cariocas leva a pensar nu~a pOSSI: preta só pode ser doméstica ou vagabunda", "se esta negra
ve1 distorção na distribuição regional dos casoS registrados." entrar aqui eu saio" e "negra suja"), o uso de força física para
barrar ou expulsar pessoas de cor (casos n. 13, 15, 17, 30 e
40) e o recurso elo assassinato como expediente para acabar
com namoros inter-raciais (n. 4 e 21).
o Ievantall1cnto foi realizado na Editoria de Pesquisa do .fo rl1 (/! do f)/"{/sll.
Do total dc notícias compiladas, 32 foram publicadas no .foma! do lhas/I, O tipo mais comum de discriminação, constituindo pratica-
11 em outros jornais cariocas e as restantes em jornais de outros estados. A mente a metade cios casos levantados, consiste na exclusão
distribuição ele ocorrências por estados é: RJ: 12; RS: 10; PE: 6; BA: S; SP
de festas, clubes e estabelecimentos de diversões. A maior
e MG: 4; CE c se: 2; PR, DF e AL: 1.

299
29R
freqüência desses incidentes explica-se pela viSibilid~ld:. ~ é praticamente impossível ser constatada a presença de consi-
cadter público das situaçôes em que ocorrem, o que f:IC1I~tLl deraçôes raciais na recusa do emprego; frente à proverbial
o arrolamento de testemunhas para sustentar a denuncia. resposta "a vaga já está preenchida", restam poucos caminhos
A inf()rm~lçào disponível nàu permite identificar c!aLI1l1e,nte além da resignação. Segundo, entre os casos denunciados,
a fonte da discriminação, mas, tentativamcntc, e. pOSSlvel uma fonte importante de discriminaçao ocupacional é o consu-
distinguir Cju;lnc!o predomina: a) preconceito c raclsl:l0 exa- midor, mccliatizac!o, às vezes, pela interprctaç';to ele SUas prefe-
cerbado ele dirigentes ou fUl1Ciolü!'Íos dos estabeku\1ll'nt(Js fe'nebs, feita pelo agente empregador. Enquadram-se, nesta
15 26 30, 40 e 46); b) uma política deliberada de situaç~lo, os casos: da noviça e professora angolana, afastada
( n. 12:), -, , 7 20 31 33
sclcçào dos freqüentadores (n. 1, 3,9, llÍ, 20, 2, ;I" ",' ele dar aulas por pressào das màes das alunas (que nào queriam
yí,13 e 47); c) preferências sociais imputadas, com ~)u sem ver suas filhas estudando "com uma negra que devia ser empre-
fundamento, à clientela ou quadro social dos estabeleCImentos gada doméstica" e "que é um;l negra africana e tem um sotaque
(n. 12 c 18). Em todos os casos, porém, esti_ presente um horrível", n. 24); do estudante de medicina que é demitido
racioc1111O generalizador que identifica a cor nao-?ranca das C01110 estagiário de clínica particular por causa de sua clien-

pessoas com status social inferior,.~ão obstante o ~,~t~ c~e q~le tela de "alto nível" (n. 39); e da denúncia do vereador de
as pesso,lS de cor atingidas frequentemente ap~esenta.~11 ',IS Criciúma (SC), onde as lojas locais nao têm uma única balco-
mesmas características objetivas de classe do glupo blanc~ nista negra (n. 43), Finalmente, em termos do sistema de
elo qual são excluídas. Digno de destaque, neste co~texto, e representaçôes culturais vigentes, várias das pessoas ou
o racismo inconsciente do indignado jovem branco, CUja acom- categorias ele pessoas discriminadas apresentam uma incon-
panhante de cor teve a entrada impedida num hail,e clube. d: sistência entre os atributos de status adquirido e a afiliação
Escreve ele, em carta dirigida anonimamente a /«)/ha de racial - tal seria a situação dos artistas, elas duas profes-
S.paulo: "Será que a preocupaÇao de nosso PreSIdente en~ soras, do escriturário e do estagiário de psiquiatria, Isso leva
exigir sindicància dos boatos não serviu para pel~" menos à suspeita de que, apesar da discriminação racial existir em
preocu par esse tipo de gente branca de alma preta.,' (n. 29, todos os níveis da hierarquia ocupacional, manifestando-se
grifo nosso). A simbologia da cor dispensa c()~nentartos. ~o em formas nítidas de divisão racial do trabalho, a incidência
"preto de alma branca", exceção que conft1:ma a" r~gl~l, de discriminação ocupacional é uma função crescente da
p()demos acrescentar agora o igualmente excepCIonal hl,ltlCO posiç)o c!;IS pessoas de cor no sistema cle estratificaçào
de alma preta". social; e que esse tipo de discriminaçao é mais freqüente em
i\ discrimina(,'ào ocupacional constitui () segundo tip~) m:tis organizaç'ôes comerciais ou de serviçps, onde existe um rela-
freqClente de ocorrência. No que diz respeito aos <~nunClos cionamento pessoal direto entre funcionários e clientes ou
de emprego discriminatórios, apesar de cont<~r-s~, l;o)e, c~n: ~ consumidores.
irreprochável eufemismo "exige-~e, bo.a aparenCla.' ,os ClS~S As categorias restantes da classificação de tipos de situações
n. 11, 23 e 45 indicam que as eXlg e nClas de pe,sso<lS branCclS discriminatórias não serão aqJi comentadas, já que o número
ou de cor clara não são fatos de um passado long111quo,. q~anclo pequeno de ocorrências denunciadas dificulta a construção
a democracia racial possível ainda mostrava imperfelçoes, de padrôes e o estabelecimento de generalizaçôes.
Os_ nove CelSO, ' . sele (liscriminação ocupacional classifi- . . A forma como os jornais apresentam as notícias sobre inci-
" 1 s no item 4 sugerem algumas observações. Prtmelro,
CeIC °
as denúncias sobre demissões, trans f erenCI<lS ' . ou mueI'<lI1ças
.'